Você está na página 1de 70

<

DESCRIÇÃO
Apresentação dos conceitos sobre a justiça no Brasil e a Nova República, assim como sobre o
papel do Supremo Tribunal Federal e seu ativismo judicial, além dos direitos fundamentais e da
credibilidade do Poder Judiciário.

PROPÓSITO
Compreender o funcionamento da justiça no Brasil, o papel do Supremo Tribunal Federal como
árbitro do conflito entre os Poderes no contexto atual com temas centrais, além da
judicialização da política, do ativismo judicial
e da crise de credibilidade do Poder Judiciário.

PREPARAÇÃO
Antes de iniciar o conteúdo deste tema, tenha em mãos a Constituição da República Federativa
do Brasil (CRFB) de 1988 para consultar os dispositivos constitucionais mencionados.

OBJETIVOS

MÓDULO 1

Reconhecer a construção do papel do Supremo Tribunal Federal como árbitro dos conflitos
entre os Poderes

MÓDULO 2

Identificar o conceito de ativismo judicial dentro do contexto de judicialização da política

MÓDULO 3

Descrever a causa e o contexto da crise de credibilidade do Poder Judiciário

INTRODUÇÃO
Como você já deve ter imaginado, a história do Brasil, com atenção especial aos governos
militares, encaminhou a nação para a promulgação da CRFB de 1988, a chamada
“Constituição Cidadã”, já que esses fatos estimulavam uma
preocupação com a construção de
um sistema constitucional efetivo.

Se a ideia era justamente proteger o povo, o território e o país, nada seria mais justo do que
eles contarem com o auxílio de uma jurisdição constitucional. Sendo assim, esse papel central
ficou a cargo do Supremo Tribunal
Federal (STF).

ESSE ÓRGÃO, AOS POUCOS, GANHOU


PROTAGONISMO NAS DEMANDAS QUANTO À
PROTEÇÃO E À PROMOÇÃO DE DIREITOS
FUNDAMENTAIS.

No entanto, nos últimos anos, algumas críticas foram surgindo diante do ativismo judicial cada
vez mais presente em um contexto de judicialização excessiva e perda de credibilidade do
próprio Poder Judiciário. Tendo isso em
vista, estabeleceremos neste tema um panorama de
três assuntos centrais relativos a tal quadro.

Em primeiro lugar, no módulo 1, faremos uma abordagem de aspectos relacionados à


separação dos Poderes e à jurisdição constitucional.

COM ISSO, COMPREENDEREMOS UM DOS PAPÉIS


FUNDAMENTAIS DO STF NA DEMOCRACIA
BRASILEIRA: SER UM ÁRBITRO DOS CONFLITOS
ENTRE OS PODERES.

O primeiro módulo se divide em três partes. Na primeira, conheceremos a separação dos


Poderes, sua origem e alguns arranjos decorrentes dela na Constituição de 1988. Na segunda,
abordaremos o desenvolvimento e a legitimidade
da jurisdição constitucional, assim como a
função do STF como Corte Constitucional.

Na terceira parte, por fim, delinearemos um panorama histórico do papel do STF até a Nova
República a fim de consolidar, na CRFB/1988, seu papel como árbitro dos conflitos dos
Poderes.
JÁ NO MÓDULO 2, ENTENDEREMOS O CONTEXTO
QUE PROPICIOU UMA ATUAÇÃO JUDICIAL ATIVISTA.

Em primeiro lugar, veremos a doutrina da efetividade e os aspectos relacionados à


normatividade dos direitos fundamentais. Após isso, faremos um panorama do processo de
judicialização da vida e da política. Por último, conceituaremos
o ativismo judicial e
mencionaremos algumas repercussões literárias do tema.

Por fim, no terceiro e último módulo, destacaremos...

AS CRÍTICAS CENTRAIS A UM MODELO DE


SUPREMACIA JUDICIAL E O PROCESSO DE PERDA
DE CONFIANÇA NA ATUAÇÃO JUDICIAL.

O terceiro módulo também está dividido em três partes. Na primeira, descreveremos a teoria da
supremacia judicial. No decorrer disso, trataremos dos problemas centrais dessa teoria e do
processo de judicialização excessiva,
tendo em vista principalmente o STF e o seu modelo
deliberativo.

Por último, listaremos algumas pesquisas empíricas a fim de constatarmos uma crise de
credibilidade do Judiciário na sociedade, tendo em conta uma crescente falta de confiança na
instituição.

MÓDULO 1

 Reconhecer a construção do papel do Supremo Tribunal Federal como árbitro dos


conflitos entre os Poderes

RESPOSTA
Eles deveriam ser aplicados pela possibilidade de colisão com outros princípios e pelo
atendimento aos preceitos da ponderação (adequação, necessidade e proporcionalidade
em sentido estrito). A aplicação judicial seria feita
segundo essa lógica, ou seja, quando
houvesse uma demanda relacionada a direitos fundamentais.

SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL: O


ÁRBITRO DOS CONFLITOS DOS PODERES

SEPARAÇÃO DOS PODERES

É importante frisar que a CRFB/1988 consagra a separação dos Poderes em seu artigo 2º.
Ademais, em seu artigo 60, §4º, III, ela confirma sua importância ao instituí-la como cláusula
pétrea, configurando, portanto,
um limite material ao poder de reforma constitucional.

Foto: Shutterstock.com

Em outras palavras, isso significa dizer que, além de ser uma marca essencial do Estado
brasileiro, a separação dos Poderes é um princípio indissolúvel. Segundo Luís Roberto Barroso
(2013, p. 196-198), ela ordena a
divisão das funções estatais, cada qual dotada de autonomia,
e o controle recíproco entre elas com o intuito de evitar excessos de poder.

A separação de Poderes, como já deve ser de seu conhecimento, é uma consequência de


influências histórico-filosóficas diversas. Suas origens remontam à Independência dos Estados
Unidos da América (1776) e à Revolução Francesa
(1789), assim como a seus respectivos
processos antecedentes.

Para Prieto Sanchís (2013, p. 32-65), podemos inferir dessas heranças, sejam elas a norte-
americana ou a europeia (que deriva principalmente dos estudos de Locke e Montesquieu),
que a estrutura dos Estados formados a partir
desses processos históricos considerou como
preocupação central a consolidação de limitações ao poder estatal e a proteção de
direitos individuais.

SEU GRANDE INTUITO SEMPRE FOI PREVENIR O


ARBÍTRIO, ALÉM DE EQUILIBRAR O EXERCÍCIO DO
PODER POLÍTICO.
No Brasil, a estrutura estatal com Poderes separados, destaca Barroso (2013, p. 197), culmina
em dois corolários destacados pela literatura: “a especialização funcional e a necessidade de
independência orgânica de cada um dos
Poderes em face dos demais”.

Justamente daí resulta a seguinte organização dos três Poderes:

EXECUTIVO

LEGISLATIVO

JUDICIÁRIO

CHECKS AND BALANCES

Traduzida como “sistema de freios e contrapesos”, essa teoria foi desenvolvida pelo
francês Montesquieu, cujas ideias, por sua vez, foram divulgadas por filósofos anteriores,
como, por exemplo, Locke. Na visão de freios e contrapesos,
destaca Bonavides (1988),
estabelecem-se a autonomia e os limites para que os Poderes possam atuar em
segurança com o objetivo de impedir autoritarismos e tiranias.

Eles são dotados de competências privativas e de independência quanto aos demais. No


entanto, não pense que há um modelo rígido. Pelo contrário: ele é flexível, com influências e
controles recíprocos, além de estar pautado na ideia de
checks and balances .

De toda forma, conforme as disposições constitucionais, as funções típicas de cada Poder são
as seguintes:

PODER LEGISLATIVO
PODER EXECUTIVO
PODER JUDICIÁRIO
Exerce a competência de legislar (artigos 44 a 75, CRFB/1988).

Exerce a competência de administrar ou governar (artigos 76 a 91, CRFB/1988).

Cabe a função jurisdicional ligada ao processo e ao julgamento de conflitos jurídicos (artigos 92


a 126, CRFB/1988).

Ainda há funções atípicas relacionadas ao sistema de freios e contrapesos. Podemos ilustrar


isso com o artigo 62 da CRFB/1988, já que ele estabelece a possibilidade de o presidente da
República editar normas por meio de medidas
provisórias.

O artigo 49, V, da CRFB/1988 também pode servir de exemplo, pois ele dispõe sobre a
hipótese de o Congresso Nacional sustar atos normativos do Executivo que exorbitem seu
poder regulamentar ou os limites impostos por via de
delegação legislativa.

Voltemos agora nosso olhar para o Judiciário, que é o tema central do presente estudo. Ele tem
como função precípua, portanto, interpretar e aplicar o direito.

Essa função, como sabemos, possui diversos vieses. Vejamos dois deles:

PROTEGER VALORES CONSTITUCIONAIS

CONTRIBUIR NA CONCRETIZAÇÃO DA
CONSTITUIÇÃO

Ele o faz especialmente por meio do controle jurisdicional de constitucionalidade dos atos e
omissões do poder público.

Este módulo tem o intuito de, no contexto apresentado, definir como se dá a relação do STF
com os demais Poderes segundo a lógica de freios e contrapesos. Por conta disso,
apresentaremos os debates sobre o surgimento do controle
de constitucionalidade, apontando
as finalidades dele e sua legitimidade, além de sua consolidação no Brasil.
SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL E A JURISDIÇÃO
CONSTITUCIONAL

Com tal viés, é importante perceber que, em sua origem, a separação dos Poderes não
contemplava uma função de controle de constitucionalidade pelos tribunais. O que havia era a
ideia de que o juiz tinha um papel de mero “boca
da lei”, ou seja, sua função era extrair
decisões do conteúdo da lei em um processo silogístico.

Para entender a origem dessa ideia, devemos recorrer à literatura especializada. Ela nos
remete à construção do modelo relativo ao caso “Marbury versus Madison (1803)”, pois deriva
daí a possibilidade de controle difuso
de constitucionalidade das leis.

 EXEMPLO

À época, houve uma importante fundamentação de Marshall, então ministro da Suprema Corte
norte-americana, segundo a qual a constituição visaria a controlar os Poderes do Estado em
um conflito entre os atos normativos
e a Constituição. Por uma questão de hierarquia,
considerou-se que esta deveria prevalecer.

No caso específico que estamos verificando, não foi reconhecida a competência da Corte. No
entanto, ficou estabelecido o precedente de possibilidade do controle de constitucionalidade e
a autoridade dela para revisar os atos
do Congresso.

No Brasil, a Constituição Federal consolidou a expansão do controle de constitucionalidade e a


sistematização de um modelo misto de controles difuso e concentrado. O primeiro é exercido
por juízes e tribunais perante um caso concreto; o segundo, independentemente
de um caso
do tipo, busca a invalidação da lei para garantir a segurança jurídica das relações.

O fato é que o STF, como instância máxima do Judiciário brasileiro, possui competência
explícita atribuída constitucionalmente para julgar a constitucionalidade — ou
inconstitucionalidade — de leis e atos normativos. Isso ocorre
independentemente de caso
concreto ou em tese, havendo, conforme assevera o artigo 120 da CRFB/1988, a
consequência de sua manutenção ou suspensão da ordem jurídica.
OCORRE ESPECIALMENTE NESSE PONTO A
RELAÇÃO DO STF COM OS DEMAIS PODERES, JÁ
QUE OS ATOS EMITIDOS PELO LEGISLATIVO E PELO
EXECUTIVO SÃO JUSTAMENTE O OBJETO DE
JULGAMENTO.

A legitimidade da jurisdição constitucional decorre da supremacia da Constituição. Segundo


esse princípio, as normas constitucionais devem prevalecer em detrimento das demais, pois
são elas que estabelecem
os valores fundantes do Estado.

O QUE SE QUER DIZER COM ISSO?

 RESPOSTA

A resposta é simples: as normas constitucionais estabelecem valores essenciais que precisam


permanecer independente das maiorias transitórias do processo político.

Para parte da literatura, em que pese o Judiciário não ser composto por membros eleitos pelo
voto popular, sua legitimidade para controlar a constitucionalidade dos atos normativos deriva
de dois fatores: independência e autonomia.

Além disso, a possibilidade de controle garante a pacificação dos conflitos, tendo em vista que
os julgamentos se dão, em última instância, com efeito vinculante para que haja estabilidade e
harmonia social.

Foto: Shutterstock.com

PUBLIC CHOICE

A escolha pública, afirma Butler (2015), é o ramo da teoria econômica aplicado à política
e aos serviços públicos. Segundo esta teoria, o político é um servidor humanístico,
priorizando seu autointeresse.

A Corte Constitucional ainda teria como característica seu isolamento político e sua
estabilidade interna. Ambos possibilitariam melhores julgamentos e uma vinculação à
CRFB/1988.

Tal argumento é reforçado diante dos estudos de análise econômica do direito. Podemos
entender por qual motivo, segundo essa literatura especializada, os processos deliberativos, na
prática, passam por distorções nas democracias
contemporâneas.

Segundo a teoria da public choice , o processo político — de discussão e aprovação das leis,
as quais, em
regra, são propostas pelo Executivo e votadas pelo Legislativo — sofre influências
de motivações de grupos de interesse.

Guiados por uma lógica econômica de maximizar seus interesses ou visando à reeleição, eles,
portanto, guiariam suas decisões políticas de acordo com demandas privadas, desvirtuando o
que é de interesse público.
O PROCESSO LEGISLATIVO, PORTANTO, ACABARIA
LIGADO AO FAVORECIMENTO DE GRUPOS DE
INTERESSE E GERARIA NORMAS A PARTIR DE
DEBATES ENVIESADOS.

No Brasil, um exemplo desse problema seria o presidencialismo de coalizão, que demarca uma
lógica de atuações do Executivo e do Legislativo.

O presidente da República exerce um controle de agenda sobre o Congresso Nacional.

Esse controle gera a necessidade de uma coalização a fim de implantar projetos políticos.

Isso produz custos para a aprovação de projetos.

Além disso, abre margem para que os interesses privados penetrem nas escolhas públicas.

Diante de problemas substanciais e concretos que afetam o processo legislativo, podemos


então vislumbrar uma saída necessária: recorrer ao Judiciário a fim de garantir a aplicação e a
efetivação da Constituição Federal.
A jurisdição constitucional seria, pontua Cyrino (2016, p. 82), um “mecanismo poderoso de
garantia do procedimento democrático representativo brasileiro”. Já seu limite estaria
consubstanciado no exame de proporcionalidade.

Desse modo, você pode verificar que a possibilidade de recorrer à jurisdição constitucional
seria positiva por três aspectos centrais. Jeremy Waldron (2006. p. 1376), com o intuito de
realizar uma análise crítica de seus argumentos,
os divide da seguinte maneira:

PRIMEIRO
As questões julgadas seriam tidas em contextos específicos por meio de ações propostas
sobre objetos definidos.

SEGUNDO
A abordagem dos tribunais estaria vinculada ao texto constitucional e aos direitos nela
preconizados.

TERCEIRO
As lógicas de raciocínio e fundamentação judiciais estariam, ainda que diante da dificuldade
contramajoritária, inseridas em uma tentativa de deliberação racional.

O processo de controle de constitucionalidade das leis e dos atos normativos conta com a
participação dos demais Poderes no sistema brasileiro. Ele assim opera pelo fato de tanto o
Executivo — na figura do presidente da República
— quanto o Legislativo, além da mesa do
Senado Federal e a da Câmara dos deputados, possuírem legitimidade para propor ação no
STF (artigo 103, incisos I, II e III, CRFB/1988).

Infere-se então que o presidente também pode realizar um juízo de constitucionalidade a fim de
fazer um controle de projeto de lei por meio do veto (artigo 66, §1º, CRFB/1988), o qual,
inclusive, pode ser rejeitado pelo Congresso
Nacional com quórum qualificado (artigo 66, §4º,
CRFB/1988).

Foto: Shutterstock.com

Notemos ainda que o Legislativo conta com a Comissão de Constituição e Justiça, que avalia a
constitucionalidade de leis antes de levá-las à votação (art. 58, CRFB/1988).

Tais mecanismos reduziriam a dificuldade contramajoritária da jurisdição constitucional. Em


linha contrária, parte da literatura argumenta que o controle jurisdicional de constitucionalidade
seria um mecanismo inapropriado
de decisão final em sociedades democráticas.

Esse argumento está centrado na dificuldade contramajoritária. Segundo essa linha de


pensamento, as questões constitucionais, ao serem resolvidas por uma Corte Constitucional,
ficariam alheias à vontade dos cidadãos e prejudicariam
os ideais democráticos.

Para Waldron (2006, p. 1376), os argumentos a favor da jurisdição constitucional teriam falhas
intrínsecas:

Imagem: Shutterstock

As questões tratadas em sede de constitucionalidade nos tribunais são abordadas em termos


gerais — e não individuais. A legislação é o local mais apropriado para esse tipo de questão,
tendo em vista seu caráter geral
e abstrato.

Imagem: Shutterstock

Ainda que o Judiciário esteja vinculado a uma carta de direitos estabelecida


constitucionalmente, ele pode ficar preso a formalismos rígidos, sem considerar a existência de
novos direitos e sujeito a distorções do raciocínio,
ao incluir determinados direitos ou omiti-los.

Imagem: Shutterstock

O raciocínio e a fundamentação das decisões tomadas são refinados no caso do Legislativo,


uma vez que a deliberação é feita por representantes eleitos e possui a possibilidade de
participação popular, além de não estar
restrita a precedentes.

Nesse ponto, entendemos que a ilegitimidade da jurisdição constitucional estaria atrelada ao


fato de que o Judiciário não deveria ter a capacidade de anular atos normativos. O motivo é
simples: eles foram aprovados por uma
instância legitimada pelas eleições segundo a lógica da
representação democrática e o princípio majoritário.

Por sua vez, a legitimidade dos ministros se daria tão somente de forma indireta — por meio da
indicação do Executivo — e não acarretaria responsabilização. Afinal, não existe o incentivo da
reeleição para as tomadas de decisão
de acordo com o interesse público e a vontade popular.

Em que pesem as discordâncias teóricas, a Constituição Federal estabelece que compete ao


STF a guarda da Constituição. É inequívoco seu papel de árbitro dos conflitos à medida que a
função dele na democracia brasileira está
atrelada à verificação das ações dos demais
Poderes, tendo como norte a Constituição Federal.
AINDA ASSIM, DEVEMOS RESSALTAR A PREMISSA
DE QUE AS LEIS E OS ATOS NORMATIVOS SÃO
PRESUMIVELMENTE CONSTITUCIONAIS, UMA VEZ
QUE, APESAR DO PAPEL DO SUPREMO, TODOS OS
PODERES MANTÊM O DEVER DE GUARDAR A
CONSTITUIÇÃO, SENDO TAL
PRESUNÇÃO RELATIVA.

De qualquer modo, a atuação dos ministros tem de ser de relativa deferência, ou seja, de
respeito às decisões tomadas pelas outras esferas de poder, na medida em que os
legisladores, pelo princípio democrático, são as autoridades
que detêm o batismo do voto
popular.

A demanda, portanto, é por uma postura relativamente autocontida, pois o intérprete deve
limitar a si mesmo a fim de preservar as decisões tomadas – desde que não estejam eivadas
pelo vício de inconstitucionalidade – pela autoridade
do legislativo ou pelo chefe do Executivo.

ATÉ A NOVA REPÚBLICA: A CONSTRUÇÃO DO


SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL COMO ÁRBITRO DOS
CONFLITOS

Uma última questão diz respeito ao contexto brasileiro específico que levou o Judiciário a
ganhar importância e se tornar um árbitro dos conflitos entre os Poderes na Nova República.
ESSE PERÍODO SE INICIA COM O FIM DA DITADURA
MILITAR E TEM COMO MARCO A PROMULGAÇÃO DA
CONSTITUIÇÃO DE 1988, QUE BUSCAVA
CONSOLIDAR A DEMOCRACIA E PROMOVER OS
DIREITOS FUNDAMENTAIS.

Até 1988, como destaca Rodrigo Brandão (2012), as condições fáticas não contribuíam para a
expansão do poder político do Judiciário:

1824
A respeito do Império, a Constituição de 1824 não previa o controle de constitucionalidade. O
modelo norte-americano republicano, influente à época, não era compatível com a tradição
imperial. Desse modo, essa Constituição
delegava uma série de competências ao poder
moderador, enquanto a função de protegê-la permanecia delegada ao Parlamento.

1891
Posteriormente, em 1889, com a Proclamação da República, D. Pedro II, ciente da crise
política, buscou resolver os problemas de conflitos entre os órgãos estatais. Ele inclusive
chegou a enviar juristas para os Estados
Unidos a fim de que eles estudassem o modelo de
controle de constitucionalidade norte-americano.

Já era de se esperar que a Constituição de 1891, sofrendo essas influências, adotasse o


presidencialismo, o bicameralismo e a divisão entre as justiças Federal e Estadual, além de
estabelecer alguns direitos fundamentais.

Como podemos observar, nesse contexto, diante de um desrespeito evidente às normas da


Constituição na República Velha, foi desenvolvida a doutrina do habeas corpus . Tal medida foi
ampliada pelo Supremo Tribunal
com o propósito de garantir outros direitos além da liberdade
de locomoção.

EMBORA A PROTEÇÃO DE LIBERDADES


FUNDAMENTAIS AINDA FOSSE INCIPIENTE, ALGUMA
POSIÇÃO DE DESTAQUE FOI DADA AO SUPREMO.
1930
Em 1930, com o advento da Revolução Tenentista e o estabelecimento do Estado Novo, houve
o rompimento com a legalidade anterior. Após algum avanço com a última Carta, houve uma
regressão no modelo de controle diante
da supressão da magistratura e do afastamento dos
ministros não alinhados ao governo. Ademais, os atos do governo provisório instaurado na
ocasião não eram passíveis de controle de constitucionalidade.

1934
A Constituição de 1934 manteve as influências do modelo norte-americano, mas tentou
resolver problemas revelados por um transplante acrítico — ocorrido na experiência anterior —
para o Brasil. Com isso, não havia unicidade
da interpretação constitucional, de modo que os
precedentes não vinculavam.

Para tanto, atribuiu-se competência ao Senado Federal para revogar leis declaradas
inconstitucionais pelo Supremo por meio de um mecanismo de requisição. Além disso, instituiu-
se a reserva do plenário; com ela, a maioria
absoluta dos membros do STF deveria se
manifestar para que houvesse a declaração de inconstitucionalidade de uma lei.

Por fim, foi criada uma modalidade de controle concentrado. As ações de inconstitucionalidade
somente poderiam ser julgadas pelo Supremo.

1937
Após a Intentona Comunista e os rumores sobre o Plano Cohen, a Constituição da Polaca foi
instituída com o intuito de corroborar o governo autoritário. O Legislativo deixou de funcionar.

Foi então que Getúlio Vargas concentrou em si as funções dos Poderes Executivo e
Legislativo, tendo ainda a faculdade de suspender, caso quisesse, uma decisão de declaração
de inconstitucionalidade do Supremo. Nesse
contexto, a Corte não podia tratar de questões
políticas no âmbito de seus julgamentos.

1946
Após Getúlio Vargas ter sido deposto no ano anterior, a Constituição de 1946 reestabeleceu os
institutos da Constituição de 1934.

1967
Com o golpe militar em 1964 e, em seguida, a promulgação da Constituição de 1967, foi
estabelecido um controle judicial concentrado, abstrato e repressivo da constitucionalidade. No
entanto, o contexto não favoreceu
um fortalecimento e expansão do Supremo.
É fácil compreender que isso ocorreu porque a maioria dos ministros era a favor do regime.
Além disso, a legitimação para a propositura de ações diretas de inconstitucionalidade estava
restrita ao procurador-geral da
República, que poderia ser discricionariamente retirado do cargo
se propusesse ações contrárias às ideias do Executivo.

1988
Por fim, a Constituição de 1988 consolidou a expansão do controle de constitucionalidade e a
sistematização de um modelo misto de controle difuso e concentrado.

Algumas características centrais possibilitaram que, na Nova República, o STF se tornasse um


árbitro do conflito entre Poderes:

Crédito editorial: Diego Grandi. Foto: Shutterstock.com

Em primeiro lugar, houve o aumento do número de legitimados para a propositura das ações
de inconstitucionalidade — entre os quais constam as mesas do Senado e da Câmara dos
Deputados, além do presidente da República

Foto: Shutterstock.com

Para os casos de inconstitucionalidade por omissão dos poderes políticos que firam os direitos
fundamentais, dois instrumentos foram viabilizados: a ação direta de inconstitucionalidade
(ADI) por omissão e o mandado
de injunção.

Foto: Shutterstock.com

Para consolidar a legitimidade democrática do controle de constitucionalidade, como citamos


anteriormente, foram estabelecidos mecanismos de participação do Legislativo e do Executivo.
Quanto à participação dos Poderes majoritários, vale destacar alguns aspectos centrais de sua
relação com o controle exercido pelo Supremo.

O Executivo possui, de acordo com o artigo 103, I, da CRFB/1988, legitimidade para propor
dois tipos de ação direta: de inconstitucionalidade e constitucionalidade. O Legislativo possui
as mesmas prerrogativas, informam as
alíneas II e III do mesmo artigo. Por fim, há a
possibilidade de promulgação de emenda constitucional em contrariedade a uma decisão do
STF — exceto se houver violação de cláusulas pétreas.

Além dos mecanismos já citados, que influenciam o funcionamento dos Poderes e acirram sua
relação, eles podem, caso haja conflitos, recorrer ao STF para a resolução e a resguarda da
Constituição. Para isso, foram criados outros
instrumentos relevantes.

O advogado-geral da União (AGU) recebeu o papel de defender o interesse da União nos


processos de controle de constitucionalidade. Como forma de fiscalizar, por sua vez, foi
instituída a obrigação do procurador-geral
da República (PGR) de se manifestar nesses
casos.

Em adição ao desenho institucional e às disposições constitucionais ditas variáveis exógenas,


há entendimentos, como o de Diego Werneck Arguelhes (2018), de que o protagonismo atual
do STF se desenvolveu também pelo seu comportamento
— ora mais autocontido, ora mais
expansivo.

Para Arguelhes e Ribeiro (2018), embora fatores como...

DESENHOS INSTITUCIONAIS

DEMOCRATIZAÇÃO

DEMANDAS SOCIAIS
COMPORTAMENTO DOS ATORES POLÍTICOS

... Sejam relevantes na consolidação e na expansão do Supremo, ainda existe a necessidade


de consideração acerca das preferências dos ministros do STF sobre como exercer o poder e
quanto deve ser exercido.

Para Arguelhes (2018, p. 29), em um primeiro momento, após a promulgação da Constituição


de 1988, o STF adotou mecanismos de interpretação judicial restritivos, reconfigurando-os
“para menos poderes de que dispunham segundo o texto da Constituição de
1988”.

AS CONSTRUÇÕES JURISPRUDENCIAIS, NO INÍCIO


DOS ANOS 1990, TERIAM RESTRINGIDO A
LEGITIMAÇÃO ATIVA PARA SE PROPOR ADI E QUAIS
QUESTÕES PODERIAM SER OBJETO DE CONTROLE
DIRETO E ABSTRATO.

Ainda segundo o ponto de vista de Arguelhes, observamos que as interpretações restritivas


operaram como forma de canalizar parte da pauta do Supremo para mecanismos mais lentos
de controle (no caso, incidental e concreto) via
recurso extraordinário – e não necessariamente
a fim de restringir radicalmente o poder da própria instituição.

As causas desse primeiro momento de restrição estariam ligadas à composição do STF, que se
manteve praticamente intacta durante a redemocratização. Além disso, aponta Arguelhes
(2018), ocorreu uma ação estratégica em um momento
em que as regras do jogo democrático
ainda eram recentes e por conta do receio de que houvesse uma explosão de litígios.

NO ENTANTO, APÓS OS ANOS 1990, O


COMPORTAMENTO DOS MINISTROS DO STF SOFREU
UMA MUDANÇA DE PREFERÊNCIA. SEGUNDO
ARGUELHES (2014), ISSO POSSIBILITOU O
CONTEXTO DE JUDICIALIZAÇÃO DA POLÍTICA E
EXPANSÃO DO PODER DO SUPREMO.

Além dos desenhos institucionais, as preferências dos ministros que compõem a Corte são
cruciais para entendermos seu protagonismo atual. No contexto de 1988, frisa Oscar Vilhena
Vieira (2018), havia uma desconfiança da democracia
e uma incerteza quanto ao texto e à
estrutura constitucional que estava sendo moldada.

Esse ambiente fez com que os constituintes adotassem uma dupla estratégia de proteção
contra as incertezas do futuro. Inicialmente, eles entrincheiraram diversos direitos com o
objetivo de resguardá-los das maiorias futuras.

Em seguida, os constituintes...


ATRIBUÍRAM AMPLOS PODERES AO SUPREMO
TRIBUNAL FEDERAL PARA BLOQUEAR DECISÕES
FUTURAS DO SISTEMA REPRESENTATIVO QUE
VIESSEM A AMEAÇAR ESSES MESMOS INTERESSES,
PRIVILÉGIOS OU DIREITOS, AINDA QUE POR
INTERMÉDIO DE EMENDAS À CONSTITUIÇÃO; PARA
JULGAR AS PRINCIPAIS AUTORIDADES, ENTRE AS
QUAIS OS PRÓPRIOS MEMBROS DO PARLAMENTO; E
PARA RESOLVER OS CONFLITOS ENTRE OS
PODERES.

VIEIRA, 2018, p. 165.


Vieira destaca ainda três fatores institucionais que contribuiriam para a expansão do Supremo:

HIPERCONSTITUCIONALIZAÇÃO DE DIREITOS

SUPERPOSIÇÃO DE ATRIBUIÇÕES

AMPLIAÇÃO DO ACESSO AO TRIBUNAL

Tais fatores, pontua Vieira (2018), não foram respondidos imediatamente com uma atuação
expansiva.

O AMBIENTE DE REDEMOCRATIZAÇÃO
PROGRESSIVAMENTE TORNOU POSSÍVEL A
CONSOLIDAÇÃO DA JURISDIÇÃO CONSTITUCIONAL
E A EXPANSÃO DA ATUAÇÃO DO STF.

Foram estabelecidos constitucionalmente diversos instrumentos de participação dos demais


Poderes a fim de reduzir a dificuldade contramajoritária e estabelecer um mecanismo de freios
e contrapesos que funcionasse de acordo
com o princípio de separação entre eles.

Com o intuito de atender às finalidades e aos valores constitucionais, o Supremo foi se


consolidando como instância de resolução de conflitos entre Poderes e se legitimando –
especialmente pela proteção dos direitos fundamentais.
STF COMO ÁRBITRO DOS CONFLITOS
ENTRE PODERES
Estabeleceremos neste vídeo uma discussão aprofundada sobre o funcionamento do Supremo
como um árbitro dos conflitos entre os três Poderes.

VERIFICANDO O APRENDIZADO
1. EM RELAÇÃO ÀS CONSTITUIÇÕES ANTERIORES, A DE 1988
REFORÇOU A JURISDIÇÃO CONSTITUCIONAL. PARA RESOLVER O
PROBLEMA DA DIFICULDADE CONTRAMAJORITÁRIA, NO ENTANTO,
ELA ESTABELECEU MECANISMOS DE PARTICIPAÇÃO DOS OUTROS
PODERES NO PROCESSO DE AVERIGUAÇÃO DA
CONSTITUCIONALIDADE DE NORMAS. TODOS ESSES MECANISMOS
ESTÃO ELENCADOS A SEGUIR, EXCETO:

A) A legitimidade do presidente da República para propor ações no STF.

B) A legitimidade das mesas da Câmara dos Deputados e do Senado para propor ações no
STF.

C) O controle presidencial de leis por meio de veto e pautado em um juízo de


constitucionalidade.

D) A possibilidade de o Congresso Nacional rejeitar vetos presidenciais com quórum simples.

E) O auxílio da Comissão de Constituição e Justiça como órgão do Congresso Nacional que


avalia a constitucionalidade de leis antes de sua votação.

2. SABE-SE QUE A HISTÓRIA CONSTITUCIONAL BRASILEIRA LEVOU À


AFIRMAÇÃO DA NECESSIDADE DA JURISDIÇÃO CONSTITUCIONAL,
CONSOLIDANDO PROGRESSIVAMENTE O STF COMO ÁRBITRO DOS
CONFLITOS ENTRE OS TRÊS PODERES. ASSINALE A SEGUIR A
ALTERNATIVA QUE APRESENTA BENEFÍCIOS DA GESTÃO DA
MUDANÇA. SÃO MARCAS FUNDAMENTAIS DESSE PROCESSO:

I. O AUMENTO DO NÚMERO DE LEGITIMADOS PARA A PROPOSITURA


DE AÇÕES DE INCONSTITUCIONALIDADE.

II. A PREVISÃO CONSTITUCIONAL DA AÇÃO DIRETA DE


INCONSTITUCIONALIDADE POR OMISSÃO E DO MANDADO DE
INJUNÇÃO PARA O CASO DE OMISSÕES DO PODER PÚBLICO QUE
FIRAM DIREITOS FUNDAMENTAIS.
III. AS PREFERÊNCIAS DOS MINISTROS QUE COMPÕEM A CORTE, A
QUAL, ANTES DOS ANOS 1990, ERA ORIENTADA POR UMA POSTURA
MAIS PROATIVA E EXPANSIVA EM QUESTÃO DE CONTROLE DE
CONSTITUCIONALIDADE.

A) I

B) II

C) I e II

D) II e III

E) I, II e III

GABARITO

1. Em relação às constituições anteriores, a de 1988 reforçou a jurisdição constitucional.


Para resolver o problema da dificuldade contramajoritária, no entanto, ela estabeleceu
mecanismos de participação dos outros Poderes no processo de averiguação da
constitucionalidade de normas. Todos esses mecanismos estão elencados a seguir,
exceto:

A alternativa "D " está correta.

O veto presidencial somente pode ser rejeitado mediante o voto da maioria absoluta dos
deputados e senadores, informa o artigo 66, § 4º, da CRFB/1988.

2. Sabe-se que a história constitucional brasileira levou à afirmação da necessidade da


jurisdição constitucional, consolidando progressivamente o STF como árbitro dos
conflitos entre os três Poderes. Assinale a seguir a alternativa que apresenta benefícios
da gestão da mudança. São marcas fundamentais desse processo:

I. O aumento do número de legitimados para a propositura de ações de


inconstitucionalidade.

II. A previsão constitucional da ação direta de inconstitucionalidade por omissão e do


mandado de injunção para o caso de omissões do poder público que firam direitos
fundamentais.
III. As preferências dos ministros que compõem a Corte, a qual, antes dos anos 1990, era
orientada por uma postura mais proativa e expansiva em questão de controle de
constitucionalidade.

A alternativa "C " está correta.

Levando em conta a evolução da história constitucional brasileira, são marcas fundamentais


desse processo tanto a previsão da ação direta de inconstitucionalidade por omissão e do
mandado de injunção para os casos de omissão do poder público que firam direitos
fundamentais da CRFB/1988 quanto as preferências dos ministros que compõem a Corte.

MÓDULO 2

 Identificar o conceito de ativismo judicial dentro do contexto de judicialização da


política

ATIVISMO JUDICIAL E DIREITOS


FUNDAMENTAIS
Atualmente, é cada vez mais comum haver discussões acerca do ativismo judicial. Perguntas
como “até que ponto o Poder Judiciário deve agir?” já estão vindo à tona.
Em primeiro lugar, é importante saber que tal fenômeno não está restrito ao Brasil.

ALÉM DISSO, PODE-SE DIZER QUE O ATIVISMO


OCORRE POR HAVER LACUNAS NA LEI,
PRINCIPALMENTE AQUELAS RELATIVAS A NOVOS E
POLÊMICOS TEMAS.

Diante da função de interpretação constitucional à luz de princípios, o STF acaba decidindo


sobre essas questões, gerando inconformismo naqueles que consideram essa atuação
exacerbada. Se pararmos para refletir sobre a linha
histórica constitucional até chegarmos à
Constituição de 1988, teremos como destaque a questão dos direitos fundamentais.

Esses direitos são representados, em grande parte, pelo estado democrático de direito. Ele,
por sua vez, está estritamente ligado à posição que o Poder Judiciário deve ocupar e à própria
separação dos Poderes.

NÃO SE DEVE ESQUECER QUE O JUDICIÁRIO É O


GUARDIÃO CONSTITUCIONAL E QUE ELE SEMPRE
DEVE ZELAR PELOS DIREITOS FUNDAMENTAIS E
PELA DEMOCRACIA.

DOUTRINA DA EFETIVIDADE E NORMATIVIDADE DOS


DIREITOS FUNDAMENTAIS

No contexto da promulgação da Constituição de 1988 e da superação do regime militar


anterior, uma de suas preocupações centrais era a construção de um sistema constitucional
que fosse, de fato, efetivo.

Já dotada de normatividade, a Constituição Cidadã passou a contar com a aplicabilidade direta


pelos tribunais, o que abriu margem para o desenvolvimento da jurisdição constitucional.

Foto: Shutterstock.com

Assim, ao longo da década de 1990, tendo em vista o papel de destaque do Judiciário na


consolidação constitucional, foi desenvolvida na literatura a doutrina brasileira da efetividade.

Tendo como pano de fundo o contexto de uma Constituição garantidora de direitos


fundamentais, um regime democrático e a existência — conforme visto no módulo anterior —
da jurisdição constitucional, a doutrina da efetividade
buscava, em síntese, conferir às normas
constitucionais uma aplicabilidade direta e imediata.

CONSOLIDAVA-SE ASSIM A POSSIBILIDADE DE SE


RECORRER À JURISDIÇÃO PARA EXIGIR DO PODER
PÚBLICO A TUTELA DE DIREITOS CONTEMPLADOS
CONSTITUCIONALMENTE.

Esses direitos chamados fundamentais também eram dotados de normatividade, como


defendia a teoria dos princípios pautada principalmente nos estudos de Ronald Dworkin e
Robert Alexy.

Em outras palavras, enquanto as regras se aplicam em uma lógica de tudo ou nada, de modo
que ela incidirá desde que tenha ocorrido o fato descrito na regra, os princípios possuem uma
dimensão de peso. Eles são mandados de otimização.
OS PRINCÍPIOS DEVERIAM SER APLICADOS
LEVANDO QUAIS PONTOS EM
CONSIDERAÇÃO?

RESPOSTA
Todos os direitos fundamentais estabelecidos constitucionalmente podem ser exigíveis,
inclusive por via judicial.

Ainda nos casos de descumprimento pelos Poderes majoritários quanto a preceitos e valores
constitucionais, a jurisdição constitucional pode ser acionada e atuar para conferir efetividade e
concretude à Constituição. Já a dificuldade
contramajoritária, que permeia a jurisdição
constitucional, tem como contra-argumento a necessidade de proteção de direitos
fundamentais e de manutenção das regras do jogo democrático.

JUDICIALIZAÇÃO DA VIDA E DA POLÍTICA

Podemos dizer que houve progressivamente um aumento da judicialização de demandas e o


consequente crescimento da atuação judicial. Isso opera de forma concomitante e contínua aos
processos de busca de efetividade da Constituição
e de conferência da normatividade aos
direitos fundamentais, tendo como parâmetro uma Carta Magna como a nossa, ou seja,
analítica e com um denso catálogo de direitos.
Nos últimos anos, se verificou uma intensa judicialização de diversos aspectos da vida
brasileira, sejam eles econômicos, sociais e políticos. Embora isso seja um fenômeno, em certa
medida, mundial, existem aspectos particulares
ao Brasil.

Quantitativo

Em primeiro lugar, houve, em sentido quantitativo, uma explosão de litigiosidade, ou seja, um


aumento considerável de demandas judiciais acerca de diversos aspectos da vida.


Qualitativo

Em seguida, a judicialização qualitativa se deu à medida que, explica Barroso (2018, p. 23), as
questões de relevância nacional, em diversas matérias, “passaram a ter o seu último capítulo
perante os tribunais”.

ESSE AUMENTO PROGRESSIVO DE AÇÕES


JUDICIAIS, EMBORA POSSA DENOTAR ASPECTOS
CONSTITUCIONAIS IMPORTANTES, COMO A
EFETIVAÇÃO DO ACESSO À JUSTIÇA E A
CREDIBILIDADE DO SISTEMA JUDICIAL PARA A
RESOLUÇÃO DE CONFLITOS, REVELOU, POR
OUTRO
LADO, PROBLEMAS QUANTO À EFETIVIDADE DA
REALIZAÇÃO DE FUNÇÕES DOS PODERES
MAJORITÁRIOS.

Quanto mais vezes o Judiciário for acionado para resolver conflitos legais e constitucionais,
mais demonstrado estará que os demais Poderes não estão sendo eficientes na entrega de
suas competências. Nesse sentido, pontua Barroso (2018, p. 24), “a judicialização
evidencia,
assim, uma deficiência grave no funcionamento da política majoritária, que é aquela conduzida
pelos órgãos eletivos – Legislativo e Executivo”.
O fenômeno da judicialização da vida surgiu em concomitância com a própria judicialização da
política e a expansão do STF.

MAS VOCÊ SABERIA EXPLICAR O QUE, DE FATO,


SIGNIFICA ISSO?

 RESPOSTA

Na seara política, tal fenômeno seria, aponta Brandão (2013, p. 177), “o processo pelo qual as
Cortes e os juízes passam a dominar progressivamente a produção de políticas públicas e de
normas que antes vinham sendo
decididas (ou, como é amplamente aceito, que devem ser
decididas) por outros departamentos estatais, especialmente o Legislativo e o Executivo”.

TEORIAS DA EXPANSÃO DO PODER JUDICIÁRIO

Brandão (2013) explica que, de modo geral, há três teorias acerca do processo de expansão
do Poder Judiciário:

CONCEITUALISTAS

A judicialização da política existe em decorrência de uma formulação no conceito de


democracia. Em outras palavras, isso se dá porque ao abarcar, além do princípio majoritário,
os direitos das minorias,
as constituições passaram a conter um extenso rol de direitos
fundamentais positivados. Além disso, o pluralismo decorrente da democracia revelaria uma
série de atores políticos dotados de direitos potencialmente
demandáveis por meio da via
judicial.

FUNCIONALISTAS

Essa judicialização decorre de um aspecto estrutural vinculado ao federalismo e a uma


separação dos Poderes excessivamente rígida. Essa estrutura teria gerado mecanismos de
veto e conflitos entre entes federativos
e Poderes do Estado que culminariam no Judiciário,
tendo em vista sua função de dirimir tais conflitos, especialmente aqueles relativos à sede de
controle da constitucionalidade.

ESTRATÉGICAS

Para as teorias estratégicas, o foco são outros fatores, como, por exemplo, a atuação
estratégica de grupos políticos a fim de judicializar direitos em prol do seu interesse. Também
se menciona a incerteza
quanto ao futuro político a partir da ideia de seguro político de
Ginsburg, segundo a qual os atores institucionais, eventualmente perdedores dos processos
políticos, estabelecem limites para a atuação
das maiorias do futuro.

Por conta disso, completa Ginsburg (2008), havendo incerteza eleitoral, os grupos políticos
perdedores poderiam incentivar a constitucionalização de alguns temas a fim de estabelecer
limites à atuação dos grupos eleitos.
Como cabe ao Judiciário a função de dirimir os conflitos entre Poderes — e em meio a entes,
partidos políticos e outros atores sociais —, o estímulo à judicialização no contexto brasileiro
advém de diversos aspectos do sistema
jurídico como um todo.

Entenderemos melhor agora a visão de Rodrigo Brandão (2013) sobre o assunto. O autor
destaca quatro condições políticas e institucionais para a expansão do Judiciário no contexto
brasileiro:

FRAGMENTAÇÃO DO PODER POLÍTICO DECORRENTE


DO SISTEMA DE GOVERNO PRESIDENCIALISTA

SISTEMA PROPORCIONAL DE LISTA ABERTA PARA O


LEGISLATIVO E O FEDERALISMO

PRESIDENCIALISMO DE COALIZÃO

ATRIBUIÇÃO DE COMPETÊNCIAS DELEGADAS AO


EXECUTIVO

A partir desse entendimento de Brandão, verifica-se ainda a existência de condições


institucionais consubstanciadas na extensão do catálogo de direitos constitucionalmente
estabelecidos.

Listaremos a seguir quatro condições:

1
Acesso amplo ao controle de constitucionalidade abstrato por grupos de interesse e partidos de
oposição por intermédio da legitimidade para a propositura de ações.
2
Possibilidade de modulação dos efeitos das decisões em sede de jurisdição constitucional.

3
Emenda Constitucional Nº 3/1993, que deu um efeito vinculante às decisões com efeitos erga
omnes que se aplicam não somente aos destinatários da norma, mas também aos órgãos
administrativos e judiciais.

4
Constitucionalização abrangente.

Esses quatro fatores – assim como outros – culminaram na judicialização de atividades


legislativas e administrativas.

O QUE É O ATIVISMO JUDICIAL?


Descreveremos neste vídeo as características do ativismo judicial.
VERIFICANDO O APRENDIZADO

1. DOTADA DE NORMATIVIDADE, A CONSTITUIÇÃO DE 1988 PASSOU A


SER APLICADA DIRETAMENTE PELOS TRIBUNAIS. NESSA BUSCA POR
EFETIVIDADE, REGISTROU-SE PROGRESSIVAMENTE UMA EXPANSÃO
DA ATUAÇÃO JUDICIAL, O QUE CULMINOU EM DOIS FENÔMENOS:
JUDICIALIZAÇÃO DA POLÍTICA E ATIVISMO JUDICIAL. SOBRE ESSA
JUDICIALIZAÇÃO, É CORRETO DIZER QUE:

A) Trata-se de um modo proativo e expansivo de atuação judicial independentemente da


expansão de demandas em juízo para a resolução de conflitos e a discussão de direitos
fundamentais.

B) Segundo a teoria conceitualista, ela seria uma decorrência do conceito de democracia, já


que, além do princípio majoritário, existe um extenso rol de direitos fundamentais positivados
potencialmente demandáveis por meio da via judicial.

C) Para a teoria funcionalista, ela decorre da flexibilidade do federalismo e da separação dos


Poderes, atenuando o conflito entre os entes e os Poderes.

D) Conforme as teorias estratégicas, a atuação tática de grupos políticos para judicializar


demandas é restrita, uma vez que já há limites consubstanciados na Constituição para as
maiorias futuras, criando um cenário de certeza e segurança jurídica.

E) As condições institucionais e políticas no Brasil não contribuíram para a expansão do


Judiciário, não havendo, assim, um terreno propício para uma atuação proativa dos tribunais,
especialmente do STF.

2. CONFORME DESCREVE LUÍS ROBERTO BARROSO (2018, P. 139), “A


IDEIA DE ATIVISMO JUDICIAL ESTÁ ASSOCIADA A UMA PARTICIPAÇÃO
MAIS AMPLA E INTENSA DO JUDICIÁRIO NA CONCRETIZAÇÃO DOS
VALORES E FINS CONSTITUCIONAIS, COM MAIOR INTERFERÊNCIA NO
ESPAÇO DE ATUAÇÃO DOS OUTROS DOIS PODERES”. A ESSE
RESPEITO, AFIRMA-SE QUE:

I.O OPOSTO DO ATIVISMO JUDICIAL É A AUTOCONTENÇÃO, MODO DE


COMPORTAMENTO EM QUE O JUDICIÁRIO TEM UMA POSTURA DE
MAIOR DEFERÊNCIA AOS PODERES MAJORITÁRIOS E ÀS SUAS
DECISÕES POLÍTICAS.

II.AS TRÊS PRINCIPAIS CRÍTICAS FEITAS AO ATIVISMO JUDICIAL SÃO


AQUELAS RELATIVAS ÀS CAPACIDADES INSTITUCIONAIS DOS
TRIBUNAIS, ÀS LIMITAÇÕES AO DEBATE PÚBLICO E AO FATO DE O STF,
COMPOSTO POR 11 MINISTROS, SER UMA INSTÂNCIA
TRADICIONALMENTE CONSERVADORA DO STATUS QUO .

III.OS PAPÉIS CONTRAMAJORITÁRIO, REPRESENTATIVO E ILUMINISTA


DO STF NÃO PODEM SER EXERCIDOS POR INTERMÉDIO DE POSTURAS
ATIVISTAS, POIS ELES DEMANDAM UMA MAIOR DEFERÊNCIA EM
RELAÇÃO ÀS INSTÂNCIAS POLÍTICAS.

A RESPEITO DAS PROPOSIÇÕES:

A) Apenas o item I está correto.

B) Apenas o item II está correto.

C) Os itens I e II estão corretos.

D) Os itens II e III estão corretos.

E) Todos os itens estão corretos.


GABARITO

1. Dotada de normatividade, a Constituição de 1988 passou a ser aplicada diretamente


pelos tribunais. Nessa busca por efetividade, registrou-se progressivamente uma
expansão da atuação judicial, o que culminou em dois fenômenos: judicialização da
política e ativismo judicial. Sobre essa judicialização, é correto dizer que:

A alternativa "B " está correta.

Este é o conceito preconizado pela teoria funcionalista, aponta, entre outros autores, Rodrigo
Brandão (2013).

2. Conforme descreve Luís Roberto Barroso (2018, p. 139), “a ideia de ativismo judicial
está associada a uma participação mais ampla e intensa do Judiciário na concretização
dos valores e fins constitucionais, com maior interferência no espaço de atuação dos
outros dois Poderes”. A esse respeito, afirma-se que:

I.O oposto do ativismo judicial é a autocontenção, modo de comportamento em que o


Judiciário tem uma postura de maior deferência aos Poderes majoritários e às suas
decisões políticas.

II.As três principais críticas feitas ao ativismo judicial são aquelas relativas às
capacidades institucionais dos tribunais, às limitações ao debate público e ao fato de o
STF, composto por 11 ministros, ser uma instância tradicionalmente conservadora do
status quo .

III.Os papéis contramajoritário, representativo e iluminista do STF não podem ser


exercidos por intermédio de posturas ativistas, pois eles demandam uma maior
deferência em relação às instâncias políticas.

A respeito das proposições:

A alternativa "C " está correta.

A autocontenção é a postura de maior deferência aos Poderes majoritários. Ela constitui,


portanto, um oposto do ativismo, que se traduz como uma postura mais ativa das instâncias
judiciais. As principais críticas ao ativismo, com efeito, gravitam em torno da legitimidade
democrática dos tribunais, bem como de suas capacidades institucionais.
MÓDULO 3

 Descrever a causa e o contexto da crise de credibilidade do Poder Judiciário

A CRISE DE CREDIBILIDADE DO PODER


JUDICIÁRIO

SUPREMACIA JUDICIAL

Analisado anteriormente, o contexto de judicialização da vida e da política, combinado com o


ativismo judicial, levou a uma exacerbação da atuação judicial. A ausência de comedimento e
deferência nas decisões judiciais, principalmente
do STF — embora enaltecida pelo valor e
pela proteção conferidos aos direitos fundamentais —, passou a sofrer críticas severas devido
à suposta deturpação da separação dos Poderes.

COM ISSO, ALGUNS AUTORES PASSARAM A


LEVANTAR A HIPÓTESE DE UMA TRANSIÇÃO DA
JURISDIÇÃO CONSTITUCIONAL – POR VIA DA
JUDICIALIZAÇÃO DA POLÍTICA E DO ATIVISMO
JUDICIAL – PARA A JURISTOCRACIA.

Para que você entenda isso da melhor forma possível, faremos, em primeiro lugar, uma análise
da supremacia judicial. Em seguida, apresentaremos seus problemas e distorções,
consolidando, por fim, as causas da crise de credibilidade
do Judiciário atual.

O debate sobre a jurisdição constitucional e a possibilidade de controle dos atos normativos por
uma instância judicial propiciaram a discussão acerca da seguinte questão: quem detém a
última palavra sobre o significado da
Constituição?

Doutrinariamente, podemos ressaltar que parte da literatura argumenta que...

A CORTE CONSTITUCIONAL TERIA ESSA ÚLTIMA


PALAVRA, TENDO EM VISTA SUA FUNÇÃO DE
PACIFICAR CONFLITOS ENTRE PODERES E DE
GARANTIR DIREITOS FUNDAMENTAIS.

Para os defensores da supremacia judicial, existem evidências práticas que justificam a sua
necessidade, mesmo que haja divergências históricas entre os países que adotam tal modelo.

Nesse sentido, Larry Alexander e Frederick Schauer (2000), pensando no caso da Suprema
Corte norte-americana, propõem quatro linhas de defesa da supremacia judicial:

Foto: Shutterstock.com

Em primeiro lugar, existe um argumento lógico que reside no fato de que há uma autoridade
inerente à Suprema Corte para a resolução de algumas questões. Essa soberania deriva da
aceitação da sociedade quanto
à vigência e à produção de efeitos dessas decisões. Ou seja, a
própria aceitação geral confere legitimidade às decisões proferidas.

O segundo argumento está centrado na função pacificadora e no ponto ótimo das decisões
judiciais. Apesar dos argumentos contrários, afirmando que a interpretação constitucional retira
o foco da deliberação
pública, os autores acreditam que a interpretação pela Suprema Corte
não elimina o desacordo subjacente.

Ela, por outro lado, garante a estabilidade e a harmonia social em relação à supremacia do
próprio texto constitucional. Ademais, a Suprema Corte seria a melhor instituição para exercer
tal competência por
conta de seu isolamento político e do alto grau de estabilidade interna e
procedimental.

Foto: Shutterstock.com

Foto: Shutterstock.com

Em terceiro lugar, os autores defendem a ideia de que o Supremo é um intérprete das


demandas levadas a ele. Essa visão atribui valor ao arranjo institucional, à ordenação dos
órgãos e à estabilidade entre
eles. Assim, a Corte teria como função atribuída
constitucionalmente dizer o que é a norma constitucional, embora tenha de respeitar o princípio
da inércia da jurisdição.

Por fim, em quarto lugar, ambos argumentam que o entendimento do significado da


Constituição é uma condição necessária de sua legalidade. Por isso, uma multiplicidade de
órgãos atuando na função interpretativa
aumentaria o número de conflitos. Desse modo, é
necessário haver uma supremacia judicial, considerando que o Judiciário possui as restrições
institucionais necessárias para uma maior consistência interpretativa.

Foto: Shutterstock.com

Como podemos ver, essa linha de argumentação responde a alguns pontos fundamentais. Em
primeiro plano, a supremacia judicial não violaria a prioridade legislativa na construção
normativa. Mas somente podemos inferir isso porque
a separação dos Poderes, quando
incorporada pela Constituição, cria espaços específicos de atuação de cada poder.

Dentro da lógica de freios e contrapesos, a CRFB/1988 formula mecanismos de interferência


recíproca entre Poderes. Além disso, para que houvesse atuação judicial, os legitimados para a
propositura de ações de constitucionalidade
teriam de postular judicialmente.

Além disso, se considerarmos os problemas de representatividade atuais, veremos que nem


sempre a atuação legislativa é vinculada ao interesse público. Portanto, pode haver distorções
nas leis.

Sendo assim, o caminho do meio seria reconhecer:

De um lado...

O valor democrático procedimental das eleições dos Poderes majoritários.



E de outro...

Que o Judiciário pode atuar em prol de valores democráticos substantivos relacionados à


proteção e à promoção dos direitos fundamentais.

A despeito da defesa consistente desse viés analítico, diversas críticas à supremacia judicial
têm surgido nos últimos anos diante do contexto – descrito no módulo anterior – de uma
progressiva judicialização da vida e da política.

Essa situação se deu especialmente no Brasil, considerando a seguinte transição radical


ocorrida na Nova República: de uma falta de efetividade para uma judicialização excessiva.

ESSE AMBIENTE OCASIONOU UMA SITUAÇÃO NÃO


SÓ DE EXPANSÃO DA ATUAÇÃO JUDICIAL, MAS
TAMBÉM DE ULTRAPASSAGEM DE LIMITES DE
AUTOCONTENÇÃO E DE PROPAGAÇÃO DA POSTURA
ATIVISTA.

A judicialização excessiva criou uma necessidade de se encontrar alternativas para um modelo


de supremacia judicial em que somente o Judiciário detém a última palavra sobre o significado
constitucional.

OS PROBLEMAS DA SUPREMACIA JUDICIAL, A


JUDICIALIZAÇÃO EXCESSIVA E A CRISE DE
LEGITIMIDADE DO SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL

Fabiana Luci de Oliveira e Luciana Gross Cunha (2017, p. 277) destacam que existe no Brasil
um desrespeito endêmico à lei. Para elas, a “percepção geral é de que, no país, há baixo
respaldo da sociedade às regras e às autoridades
responsáveis pela sua aplicação, havendo,
portanto, um problema de enforcement” .

Essa talvez seja a causa central de uma judicialização excessiva, a qual, conforme
demonstramos anteriormente, está aliada à necessidade de tornar efetivos os preceitos
constitucionais. A questão é que, embora o Judiciário
pudesse ser uma instância fornecedora
de soluções para os conflitos, outros problemas surgiram no meio do caminho.

Em primeiro lugar, o Judiciário, por uma questão de capacidade institucional, não tem a visão
de políticas públicas necessária para efetivar os direitos fundamentais em larga escala. Tal
questão pode ser demonstrada no âmbito
da judicialização do direito à saúde.

Foto: Shutterstock.com

Embora a determinação judicial, por exemplo, para que a administração pública forneça
medicamentos em diversas hipóteses tenha o intuito legítimo de universalizar a saúde, essa
atuação causa disfunções.

Como sabemos, em alguns casos, a administração pública fica condenada a arcar com valores
irrazoáveis de tratamentos ou mesmo de medicamentos sem eficácia comprovada. Em outros,
ocorrem problemas federativos sobre qual ente
deveria ser responsabilizado nesses
processos.

Existe ainda um excesso de demandas ao Judiciário, as quais, como postula Barroso (2008, p.
4), põem “em risco a própria continuidade das políticas de saúde pública, desorganizando a
atividade administrativa e impedindo a alocação
racional dos escassos recursos públicos”.

Como você pode ver, isso interferiria na própria lógica das funções atribuídas aos três Poderes
à medida que ações judiciais fossem afetando negativamente o funcionamento de políticas
coletivas com o propósito de promover o
direito fundamental à saúde.

Em segundo lugar — e não é nenhuma novidade —, o problema da morosidade da justiça no


Brasil é algo grave, como podemos observar em um estudo realizado pelo Conselho Nacional
de Justiça (CNJ) em 2000.

O relatório do CNJ (2000, p. 112) demonstra que a taxa de congestionamento, responsável por
medir o percentual dos processos judiciais que permaneceram sem solução, oscilou,
comparado ao total em trâmite no período de um ano,
“entre 70,6%, no ano de 2009, e 73,4%,
em 2016”. Embora tenha havido uma queda em 2019 — último ano analisado até o presente
momento —, a taxa ainda permanecia no valor de 68,5%, sendo relativamente alta.

Já a respeito do índice de atendimento à demanda, que revela se os tribunais baixaram


processos em números equivalentes às novas demandas, verifica-se que ele vem crescendo
desde 2016. Uma explicação para isso são as diversas
ações do CNJ no sentido de acelerar o
julgamento dos processos.

 COMENTÁRIO

Esse índice precisa permanecer acima do valor de 100% a fim de que não sejam acumulados
novos casos.

Embora revele uma notícia positiva para resolver os problemas de morosidade, a taxa deve ser
mantida em crescimento para que se possa chegar a um ponto ótimo e contribuir com a
diminuição da taxa de congestionamento (ainda
uma das mais altas do mundo).

Em terceiro lugar, parte da literatura acredita que a judicialização excessiva gerou uma
distorção da supremacia judicial e da separação dos três Poderes. No meio acadêmico, o
contexto de ativismo judicial exacerbado gerou
críticas incisivas ao Judiciário, minando sua
credibilidade.

Hélio Pinheiro Pinto define a juristocracia como a...


EXPANSÃO CRESCENTE DO PODER JUDICIÁRIO E DO
PROTAGONISMO JURÍDICO, SOCIAL E POLÍTICO DE
SEUS JUÍZES AOS QUAIS PASSA A SUBSTITUIR OS
PODERES EXECUTIVO E LEGISLATIVO NA
RESOLUÇÃO DOS GRANDES DILEMAS COLETIVOS
DA VIDA NACIONAL, OCUPANDO ESPAÇOS QUE
ANTES ERAM EXCLUSIVAMENTE DOMINADOS PELOS
AGENTES POLÍTICOS ELEITOS PELO POVO. E QUE,
COM ISSO, PERDERAM PROGRESSIVAMENTE
AUTONOMIA INSTITUCIONAL E IMPORTÂNCIA
POLÍTICO-SOCIAL, DEFLAGRANDO-SE UM
PROCESSO DE ENFRAQUECIMENTO LENTO E
GRADATIVO DO REGIME DEMOCRÁTICO.

PINTO, 2018, p. 54.

Em uma linha parecida, Oscar Vilhena Vieira (2008), ao estudar a expansão da autoridade do
Supremo e dos tribunais, elenca três correntes como causas desse fenômeno.

A juristocracia, que é sua primeira teoria, afirma que a causa central desse fenômeno seria a
expansão do neoliberalismo e da globalização, gerando a noção de que os tribunais seriam um
locus de maior
estabilidade e segurança jurídica que o Legislativo.

De acordo com uma segunda linha de pensamento, essa causa estaria alinhada a uma
retração do sistema representativo. Esse sistema seria incapaz de cumprir as promessas
constitucionais e democráticas de igualdade
e justiça; portanto, ele teria aberto margem para a
ampliação do Poder do Judiciário.

Além da juristocracia, Vieira (2008, p. 444-445) estabelece que, no Brasil, se deu o fenômeno
da supremocracia. Tal termo se refere a dois aspectos:

1
2
“À expansão da autoridade do Supremo em detrimento dos demais Poderes.”

“À autoridade do Supremo em relação às demais instâncias do Judiciário.”

Embora não faça um julgamento de valor em relação a esse fenômeno, o autor revela os
problemas de representatividade. Isso esclarece a necessidade de uma geração de debates
sobre a racionalização da jurisdição constitucional
e a lapidação do processo deliberativo a fim
de reduzir possíveis tensões políticas geradas.

Outra linha crítica da literatura brasileira centra-se no modelo deliberativo do STF e em seus
impactos na legitimidade desse tribunal.

NESSE CAMPO, CONFORME DESTACAM DIEGO


WERNECK ARGUELHES E LEANDRO MOLHANO
RIBEIRO (2018), UM PROBLEMA CENTRAL É A
ASCENSÃO DA MINISTROCRACIA.

Os autores Arguelhes e Ribeiro (2018, p. 13-14) entendem esse fenômeno como uma
influência considerável da ação individual dos ministros do STF sobre o status quo legislativo.
Por isso, “o poder judicial foi exercido
individualmente por ministros do STF sem participação
relevante do plenário da instituição ou até mesmo contra ele”.

Desse modo, três mecanismos práticos da ministrocracia possibilitariam que as ações


individuais de ministros influenciassem o processo decisório da Corte como um todo:
MECANISMO 1
A tomada de decisão feita por intermédio, principalmente, de liminares individuais e decisões
monocráticas.

MECANISMO 2
Os pedidos de vista a fim de controlar a agenda do tribunal.

MECANISMO 3
As declarações ou sinalizações públicas sobre decisões futuras.

Você já deve ter percebido que, dessa forma, tais ações prejudicariam a deliberação da Corte e
revelariam posições individuais no lugar das coletivas e institucionais – como elas, aliás,
deveriam ser.

Além da supremocracia, Arguelhes e Ribeiro (2018) revelam um problema mais específico em


relação à atuação do STF. Para os autores, ele denota uma crise de legitimidade interna e tem
implicações externas.


QUANDO A AÇÃO DE UM ÚNICO MINISTRO É
SUFICIENTE PARA IMPEDIR MAIORIAS LEGISLATIVAS
EVENTUAIS DE APROVAR MUDANÇAS NO STATUS
QUO — SEJA DIRETAMENTE, NO CASO DE “JUDICIAL
REVIEW INDIVIDUAL” PELO RELATOR, SEJA
INDIRETAMENTE POR MEIO DE AMEAÇAS E
SINALIZAÇÕES NA IMPRENSA —, TERÍAMOS UM
“FALSO POSITIVO” NO EXERCÍCIO DO PODER
JUDICIAL. ISTO É, CONTROLE DE
CONSTITUCIONALIDADE SEM UMA MAIORIA DE
VOTOS DOS MEMBROS DO TRIBUNAL.

ARGUELHES, RIBEIRO, 2018, p. 29.

A atuação judicial seria, assim, “duplamente contramajoritária” e minaria a legitimidade da


Corte.

Ainda sobre os problemas deliberativos do STF, Virgílio Afonso da Silva (2009, p. 217), ao
tratar da origem do modelo de constitucionalidade brasileiro — e das influências dos modelos
norte-americano e europeu —, aborda algumas
características centrais da deliberação no
Supremo:

Em primeiro lugar, haveria uma “quase total ausência de trocas de argumentos entre os
ministros”.


Em segundo, a “inexistência de unidade institucional e decisória”, de modo que o tribunal não
decide de maneira coletiva e institucional, e sim por meio da “soma dos votos individuais de
seus ministros”.


Por fim, existe uma “carência de decisões claras, objetivas e que veiculem a opinião do
tribunal”.

Diante desse e de outros problemas, Silva (2013) menciona a necessidade de se incrementar a


interação e o diálogo entre os ministros. Além disso, realiza um estudo sobre a prática
deliberativa do STF, revelando que algumas
regras e práticas internas dificultam a ocorrência
de uma deliberação entre os membros da Corte.

Dessa maneira, esse conjunto de situações prejudica a legitimidade do tribunal. O modelo de


deliberação é puramente agregativo, uma vez que cada ministro dá o seu voto e que cada um
deles é publicado com suas razões específicas.

PARA SILVA (2013, P. 568, GRIFOS NOSSOS), “NÃO HÁ


OPINIÃO DO TRIBUNAL, MAS APENAS UMA SÉRIE DE
ONZE OPINIÕES ESCRITAS”.

Silva (2013) lista as três principais regras que possuem um efeito negativo nas deliberações do
STF:

Imagem: Shutterstock

Em primeiro lugar, há um papel quase irrelevante do relator, considerando que sua escolha é
arbitrária e que seu voto somente é revelado na sessão plenária. Isso inviabiliza uma discussão
prévia — ainda mais se considerarmos
que todos os demais ministros apresentam seus votos
prontos na sessão.

Imagem: Shutterstock

Em segundo, a forma de comunicação entre os ministros por meio de leitura de votos em uma
determinada ordem.

Imagem: Shutterstock

E, por fim, a possibilidade de interromper uma sessão plenária antes que os ministros tenham
tido a oportunidade de expressar sua opinião sobre o caso em questão também prejudica o
debate e diálogo.
Algumas práticas consuetudinárias também são prejudiciais a uma deliberação de fato.

Em primeiro lugar, os ministros adotam estratégias advocatícias a fim de convencer os outros


membros da Corte, como, por exemplo, a divulgação de teses e informações somente
favoráveis ao voto.

Haveria certo individualismo judicial decorrente da emissão de votos individuais, o que acarreta
uma ausência de interação e consenso, sendo reforçado ainda pela ideia de que o juiz tem de
convencer seu
“auditório”.

Uma publicidade extrema já agravada pelas transmissões de julgamento pela TV Justiça e


pelos perfis do STF no Twitter e no Youtube. Por outro lado, podemos entender que isso
possibilita transparência e controle
social, além de contribuir para que os ministros não mudem
de opiniões e para que o teste de argumentos fique restrito, evitando perda de prestígio diante
da visibilidade.

Apesar de poder melhorar o processo decisório por meio da consideração das discordâncias e
trazer transparência, a publicação dos votos dissidentes não leva a um diálogo real nem à troca
de opiniões com
votos escritos. Ele acaba por ser uma mera formalidade de publicação.

4
5

Os impasses gerados para a separação dos Poderes e a democracia geraram críticas à


supremacia judicial. Somando-se a isso, surgiram objeções específicas ao modelo de
deliberação do STF.

Os diversos problemas analisados então passaram a minar a legitimidade e a credibilidade da


Corte Constitucional brasileira. Contudo, esse movimento de perda de credibilidade do
Judiciário vai além dos exames literários. Ele,
na verdade, perpassa a confiança da sociedade
ao longo dos anos tanto para a proteção e promoção dos direitos fundamentais quanto para a
própria democracia.

A CRISE DE CREDIBILIDADE E A FALTA DE


CONFIANÇA NO JUDICIÁRIO

Um ponto central para se avaliar a crise de credibilidade do Judiciário diz respeito à confiança
que a população tem nas instâncias judiciais, especialmente o STF, que, conforme apontamos,
tem um papel de destaque no contexto
brasileiro não somente por ser sua última instância,
mas também pelo protagonismo que vem ganhando nos últimos anos.

Crédito editorial: Patricia dos Santos Foto: Shutterstock.com


Analisaremos agora as pesquisas empíricas do Índice de Confiança na Justiça Brasileira
(ICJBrasil) referente aos anos de 2012 a 2017 e a relação estabelecida entre o STF e a
sociedade. Para isso, nos basearemos nos estudos
realizados tanto por Joaquim Falcão e
Fabiana Luci de Oliveira no ano de 2013 quanto por três entidades em 2019: Associação de
Magistrados Brasileiros (AMB), Fundação Getúlio Vargas (FGV) e Instituto de Pagamentos
Especiais
de São Paulo (Ipespe).

O ICJBrasil tem como intuito realizar um levantamento qualitativo a fim de acompanhar o


sentimento da população em relação ao Judiciário. Para tanto, esse levantamento se subdivide
em dois índices:

De percepção

Avalia a opinião dos cidadãos sobre a Justiça e a prestação de direitos.


De comportamento

Analisa se a população recorre ao Judiciário para a resolução de conflitos.

A pesquisa do ICJBrasil é realizada em sete estados e no Distrito Federal. Apresentaremos a


seguir os índices relativos ao Relatório ICJBrasil (2017):

Quanto à confiança nas instituições, 24% dos entrevistados afirmaram em 2017 que confiavam
ou confiavam muito no Poder Judiciário. Esse percentual era maior que o do Congresso
Nacional (7%), dos partidos políticos (7%) e do
governo federal (6%).

Um fato curioso é que ele ficou aquém da confiança nas Forças Armadas, na Igreja Católica,
nas redes sociais, na imprensa escrita, nas emissoras de TV, nas grandes empresas, no
Ministério Público e na polícia. O percentual,
no entanto, estava no mesmo patamar da
confiança no STF.

Verifica-se na pesquisa do ICJBrasil (2017, p. 13) que a confiança no Judiciário caiu 10 pontos
entre 2013 e 2017, passando de 34% a 24%.

Talvez um aumento no percentual, ainda que pequeno, entre os anos de 2014 e 2015 tenha se
dado graças ao desenrolar da Operação Lava Jato (iniciativa de combate à corrupção e à
lavagem de dinheiro que teve início em março de
2014, gerando uma visibilidade maior à
atuação judicial e ao Ministério Público).

Crédito editorial: Massis – Foto: Shutterstock.com

No entanto, como destacamos anteriormente, entre os anos de 2013 e 2017, o grau de


confiança da população na atuação judicial caiu em número considerável, o que representa um
descrédito da instituição.

A pesquisa do ICJBrasil (2017, p. 16-17) também revelou que menos de um quarto da


população brasileira confiava no STF. A causa desse descrédito era atribuída, em geral, à
morosidade da Justiça, tendo 81% dos entrevistados
respondido que havia uma lentidão nos
julgamentos. O mesmo percentual alegou que o custo de acesso à justiça seria alto.

Conforme menciona o estudo realizado, os índices são ainda mais preocupantes quanto às
dimensões de honestidade, competência e independência da instituição.


EM 2017, 78% DOS ENTREVISTADOS CONSIDERARAM
O PODER JUDICIÁRIO NADA OU POUCO HONESTO,
OU SEJA, A MAIORIA DA POPULAÇÃO ENTENDEU
QUE ESSA INSTITUIÇÃO TEM BAIXA CAPACIDADE
PARA RESISTIR A SUBORNOS. ALÉM DISSO, 73% DOS
RESPONDENTES CONSIDERARAM QUE O JUDICIÁRIO
É NADA OU POUCO COMPETENTE PARA
SOLUCIONAR OS CASOS; E 66% ACREDITAM QUE O
JUDICIÁRIO É NADA OU POUCO INDEPENDENTE EM
RELAÇÃO À INFLUÊNCIA DOS OUTROS PODERES DO
ESTADO.

RAMOS et al ., 2017, p. 16-17.

Com base nesses dados e em outros avaliados ao longo da pesquisa, o relatório do ICJBrasil
(2017, p. 7) obteve dois resultados importantes.

QUAIS RESULTADOS FORAM OBTIDOS?

EM PRIMEIRO LUGAR...
Houve uma queda na avaliação da Justiça, com subíndices sofrendo uma baixa significativa
entre os anos anteriores e o de 2017 (data da pesquisa).

EM SEGUNDO LUGAR...
Ocorreu uma queda na confiança nas instituições de forma geral.

Para os pesquisadores, isso demonstra uma insatisfação quanto aos problemas de corrupção.
Outros resultados relevantes revelam que, apesar da má avaliação do Judiciário, as pessoas
ainda recorrem a ele para a resolução de conflitos e que variáveis como
escolaridade e idade
não influenciam na confiança na instituição.

Em 2019, foi a vez de outro estudo propor um diagnóstico estatístico sobre a imagem do
Judiciário. Desta vez, ele foi realizado por três instituições: FGV, AMB e Ipespe.
O ESTUDO DA IMAGEM DO JUDICIÁRIO BRASILEIRO
REVELOU QUE O JUDICIÁRIO POSSUI UM ÍNDICE DE
DESCONFIANÇA DE 44%.

Ainda que ele seja menor que os índices dos demais Poderes, representados pelo presidente
da República (66%) e pelo Congresso Nacional (79%), esse percentual se revela alto.

Daí também se conclui um relativo descrédito da instituição, ainda mais se levarmos em conta
que o grau de confiança nos Estados Unidos (NCSC, 2019), por exemplo, quase alcança os
70% quando se trata da Suprema Corte. Ainda
assim, devemos ressaltar que, lá, os números
de confiança caíram de 2018 para 2019.

Apesar de ser a instância que ainda permanece com legitimidade, na opinião dos
entrevistados, maior que a dos outros dois Poderes majoritários para definir questões políticas
relevantes, parece evidente haver uma maior demanda
por participação popular.

Além disso, mesmo que não possa haver uma percepção pública sobre a interferência do STF
na competência dos outros Poderes, as pesquisas revelam um grau de discordância e
desconfiança considerável em relação às decisões do
Supremo.

Foto: Shutterstock.com

Ainda que não haja um resultado definitivo, se combinarmos os resultados das duas pesquisas
analisadas (as de 2017 e 2019), veremos que, ao longo dos anos, tem havido uma perda de
credibilidade popular do Judiciário – e notadamente
do STF.
Sendo assim, além das críticas da literatura sobre a atuação expansiva da Corte
Constitucional, cujos fundamentos são mais estruturais, estando ligados à separação dos
Poderes, aos valores democráticos e ao processo deliberativo,
o grau de confiança popular no
Judiciário definitivamente caiu nos últimos anos. Essa queda é uma variável relevante na
estruturação democrática das instituições.

Está clara a ocorrência de um processo de perda da credibilidade. Isso gera discussões


complexas sobre quem deve ter a última palavra acerca das questões constitucionais e sobre a
legitimidade da jurisdição constitucional para a tomada de decisões políticas
relevantes no
cenário brasileiro atual.

CAUSAS DA CRISE DE CREDIBILIDADE DO


JUDICIÁRIO
Apontaremos neste vídeo as causas para a crise de credibilidade do Poder Judiciário.
ALTERNATIVA À SUPREMACIA JUDICIAL: A TEORIA
DOS DIÁLOGOS CONSTITUCIONAIS

Com o surgimento de problemas por conta da propagação das demandas judiciais e do


ativismo judicial, além da retirada de temas importantes da ação dos Poderes majoritários,
começaram a ser construídas, na literatura, alternativas
para o modelo de supremacia judicial.

SERIA DE FATO JUSTO QUE AS CORTES


CONSTITUCIONAIS TENHAM A ÚLTIMA PALAVRA
SOBRE A INTERPRETAÇÃO DA CONSTITUIÇÃO?

Nesse sentido, abordaremos neste subtópico o modelo proposto pelas teorias dialógicas
(apesar de haver outras concepções alternativas). Estamos cientes de que existem
controvérsias entre autores sobre os aspectos específicos
de várias linhas de diálogos
possíveis, porém tal viés não será analisado neste tema.

Nosso tratamento será realizado de forma ampla. O intuito é estabelecer a compreensão da


lógica geral da teoria dos diálogos constitucionais como uma alternativa ao modelo de
supremacia judicial.

Para Christine Bateup (2006), as teorias dialógicas enfatizam o fato de que o Judiciário não
possui o monopólio sobre a interpretação constitucional. Portanto, deve haver um processo
dialético e interativo de construção dos
significados constitucionais para preencher uma lacuna
de legitimidade da jurisdição constitucional.
A autora concilia as teorias dialógicas que privilegiam a dialética entre os Poderes de Estado
com a ideia de constitucionalismo popular. Seu intuito, com isso, é:

GUIAR UM DESVIO DE FOCO DO JUDICIÁRIO PARA


OUTRAS INSTÂNCIAS DELIBERATIVAS.

PROMOVER A PARTICIPAÇÃO POPULAR NA


CONSTRUÇÃO DA INTERPRETAÇÃO
CONSTITUCIONAL.

Já a ideia de Bateup (2006) diz respeito a uma compreensão abrangente do diálogo


constitucional. Segundo o autor, isso resultaria em uma concepção de equilíbrio e parceria
entre diversos mecanismos possíveis de dialética.

O papel judicial seria o de facilitador e fomentador da discussão constitucional na sociedade


como um todo. Para resolver o problema contramajoritário, completa Bateup (2006), isso
abarcaria a possibilidade de haver contribuições
institucionais na própria interpretação
constitucional.

Ademais, as teorias dialógicas, como destaca Rodrigo Brandão, vislumbram...


O CONTROLE DE CONSTITUCIONALIDADE NÃO
COMO UMA BARREIRA INTRANSPONÍVEL ÀS
INSTITUIÇÕES DEMOCRÁTICAS, MAS COMO
INSTRUMENTO CATALISADOR DE UM DIÁLOGO
ENTRE AS INSTITUIÇÕES POLÍTICAS SOBRE A
MELHOR FORMA DE HARMONIZAR AS LIBERDADES
INDIVIDUAIS E OS INTERESSES DA COLETIVIDADE.

BRANDÃO, 2012, p. 273

Desse modo, as maiorias eventuais do Poder Legislativo teriam a prerrogativa de reverter


decisões sobre a inconstitucionalidade de determinada matéria.

O POTENCIAL DE TAIS TEORIAS ESTÁ NO FATO DE


ELAS RESOLVEREM DE FORMA SATISFATÓRIA O
PROBLEMA DA DIFICULDADE CONTRAMAJORITÁRIA
DA JURISDIÇÃO CONSTITUCIONAL.

O mecanismo tradicional que conduziria as possibilidades da teoria dos diálogos no exemplo


brasileiro é a Emenda Constitucional prevista no artigo 60 da CRFB/1988. Digamos que ela
teria o condão de potencialmente superar uma
jurisprudência do STF acerca da
inconstitucionalidade de determinada matéria.

Vale destacar que, segundo as alíneas I, II e III desse artigo, as emendas constitucionais
podem ser propostas tanto pelo chefe do Executivo Federal quanto pelo Legislativo, tendo,
portanto, a participação dos Poderes majoritários. Além disso, elas são
processadas pelo
Legislativo, enquanto a sua aprovação, por dois turnos, depende de um quórum qualificado
(artigo 60, § 2º, CRFB/1988).

Esse desafio entre os Poderes requer um trabalho em duas fases:

Primeiro

Emenda superadora de decisões de inconstitucionalidade do STF...


Segundo
Possibilidade de controle de emendas pelo STF inerente às teorias dos diálogos
constitucionais...


Geraria...

Maior interação, debate público e busca de pontos de equilíbrio entre os Poderes dentro da
lógica de freios e contrapesos.

O ponto central aqui é que, diante das falhas da supremacia judicial e dos problemas práticos
de um ativismo judicial exacerbado e da judicialização crescente, alternativas são possíveis.

Na lógica de freios e contrapesos do princípio de separação dos Poderes, buscam-se os meios


de estabelecer maior diálogo entre as instituições judiciais, legislativas e executivas. Espera-se
que, como reforço da ideia de democracia
representativa, sejam promovidas tanto a abertura
de canais de participação popular quanto a construção de um significado constitucional
dialético e democrático.

VERIFICANDO O APRENDIZADO

1. COMBINADAS COM O ATIVISMO JUDICIAL, AS JUDICIALIZAÇÕES DA


VIDA E DA POLÍTICA LEVARAM A UMA EXACERBAÇÃO DA ATUAÇÃO
JUDICIAL. NO ENTANTO, ALGUNS AUTORES, AINDA ASSIM, DEFENDEM
A SUPREMACIA JUDICIAL COMO NECESSÁRIA À DEMOCRACIA. SÃO
EXEMPLOS DESSAS DEFESAS AS SEGUINTES SENTENÇAS, EXCETO:

A) A autoridade das Cortes Constitucionais para a resolução de algumas questões é inerente


na medida em que ela deriva de uma aceitação da própria sociedade quanto à vigência e à
produção de efeitos das decisões em sede de controle constitucional.

B) As Cortes Constitucionais possuem uma função pacificadora, sendo necessárias para a


estabilidade e a harmonia social; além disso, há um ponto ótimo das decisões judiciais que
deriva do isolamento político e da estabilidade interna da Corte.
C) A função de intérprete das Cortes Constitucionais deriva do arranjo institucional, que busca
manter a ordenação e a estabilidade entre os órgãos.

D) Para a manutenção e a estabilidade da legalidade, é necessário existir uma segurança


jurídica quanto ao significado da Constituição. Se houvesse uma multiplicidade de intérpretes,
o número de conflitos na sociedade aumentaria drasticamente.

E) As Cortes Constitucionais, em geral, possuem legitimidade representativa devido à sua


composição, que é feita de membros eleitos pelo voto popular.

2. PROGRESSIVAMENTE, NO DESENVOLVIMENTO DA NOVA REPÚBLICA


APÓS A PROMULGAÇÃO DA CONSTITUIÇÃO DE 1988, FORAM
PERCEBIDOS ALGUNS PROBLEMAS DA ATUAÇÃO EXPANSIVA DO STF.
ENTRE AS CRÍTICAS TECIDAS NA LITERATURA BRASILEIRA ACERCA
DA ATUAÇÃO DO SUPREMO, DESTACAM-SE:

I. O JUDICIÁRIO, POR UMA QUESTÃO DE CAPACIDADE INSTITUCIONAL,


NÃO TEM A VISÃO DE POLÍTICAS PÚBLICAS NECESSÁRIA PARA
EFETIVAR EM LARGA ESCALA OS DIREITOS FUNDAMENTAIS E OS
PRECEITOS CONSTITUCIONAIS. AÇÕES NESSE SENTIDO CAUSAM
DISFUNÇÕES NO SISTEMA DE SEPARAÇÃO DOS PODERES À MEDIDA
QUE PÕEM EM RISCO A CONTINUIDADE DE POLÍTICAS PÚBLICAS
CONDUZIDAS PELOS PODERES MAJORITÁRIOS.

II. A SUPREMOCRACIA, QUE REVELA A AUTORIDADE DO STF EM


RELAÇÃO ÀS DEMAIS INSTÂNCIAS JUDICIAIS E SUA EXPANSÃO EM
DETRIMENTO DOS DEMAIS PODERES, TRAZ UMA REVELAÇÃO SOBRE
UM PROBLEMA DE REPRESENTATIVIDADE DA DEMOCRACIA
BRASILEIRA.

III. QUANTO AO ASPECTO DELIBERATIVO DO STF, A MINISTROCRACIA


SE APRESENTA COMO UM PROBLEMA GRAVE AO EVIDENCIAR UMA
INFLUÊNCIA CONSIDERÁVEL DA AÇÃO INDIVIDUAL DOS MINISTROS
SOBRE AS PAUTAS LEGISLATIVAS SEM A PARTICIPAÇÃO DO
PLENÁRIO. NESTE CASO, A ATUAÇÃO JUDICIAL É DUPLAMENTE
CONTRAMAJORITÁRIA.

IV. DO PONTO DE VISTA DELIBERATIVO, A CORTE BRASILEIRA É


DOTADA DE UMA ESTRUTURA REFINADA QUE PERMITE TANTO A
ARGUMENTAÇÃO E O DEBATE ENTRE MINISTROS QUANTO A
CONSIDERAÇÃO DE DIVERSOS PONTOS DE VISTA POR MEIO DA
LEITURA DE VOTOS E DA TRANSPARÊNCIA E PUBLICIDADE
(DERIVADAS DA TRANSMISSÃO DOS JULGAMENTOS PELA TV
JUSTIÇA).

ESTÃO CORRETAS AS ASSERTIVAS:

A) I e II

B) II e III

C) I, II e III

D) II, III e IV

E) I. II, III E IV

GABARITO

1. Combinadas com o ativismo judicial, as judicializações da vida e da política levaram a


uma exacerbação da atuação judicial. No entanto, alguns autores, ainda assim,
defendem a supremacia judicial como necessária à democracia. São exemplos dessas
defesas as seguintes sentenças, exceto:

A alternativa "E " está correta.

Os integrantes das Cortes Constitucionais, como regra, são nomeados isolada ou


conjuntamente pelo Poder Executivo e/ou pelo Legislativo.

2. Progressivamente, no desenvolvimento da Nova República após a promulgação da


Constituição de 1988, foram percebidos alguns problemas da atuação expansiva do STF.
Entre as críticas tecidas na literatura brasileira acerca da atuação do Supremo,
destacam-se:

I. O Judiciário, por uma questão de capacidade institucional, não tem a visão de políticas
públicas necessária para efetivar em larga escala os direitos fundamentais e os
preceitos constitucionais. Ações nesse sentido causam disfunções no sistema de
separação dos Poderes à medida que põem em risco a continuidade de políticas
públicas conduzidas pelos Poderes majoritários.

II. A supremocracia, que revela a autoridade do STF em relação às demais instâncias


judiciais e sua expansão em detrimento dos demais Poderes, traz uma revelação sobre
um problema de representatividade da democracia brasileira.

III. Quanto ao aspecto deliberativo do STF, a ministrocracia se apresenta como um


problema grave ao evidenciar uma influência considerável da ação individual dos
ministros sobre as pautas legislativas sem a participação do plenário. Neste caso, a
atuação judicial é duplamente contramajoritária.

IV. Do ponto de vista deliberativo, a Corte brasileira é dotada de uma estrutura refinada
que permite tanto a argumentação e o debate entre ministros quanto a consideração de
diversos pontos de vista por meio da leitura de votos e da transparência e publicidade
(derivadas da transmissão dos julgamentos pela TV Justiça).

Estão corretas as assertivas:

A alternativa "C " está correta.

A afirmativa I está correta diante da falta de capacidade institucional do Judiciário para a


definição de políticas públicas. Ademais, a expansão do Supremo sobre os demais Poderes
demonstra um problema de representatividade na democracia do Brasil, o que também deixa
correta a afirmativa II. Destaca-se ainda que a atuação individual dos ministros indica um
problema contramajoritário (afirmativa III).

CONCLUSÃO
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Ao longo deste tema, oferecemos um panorama sobre o desenvolvimento da Justiça no Brasil,
especialmente na Nova República, abordando temas e conceitos importantes. Começamos
pela estruturação dos Poderes no Estado brasileiro,
passando, em seguida, pela instituição do
controle de constitucionalidade, que buscava dar efetividade aos direitos constitucionalmente
estabelecidos.

Também vimos os processos de judicialização da política e da vida, apontando a exacerbação


do ativismo judicial. Em seguida, apontamos a crise de credibilidade do Judiciário, verificando
todos os aspectos ligados à consolidação
da Justiça no país.

No módulo 1, delineamos separação dos Poderes e da jurisdição constitucional, assim como


sua concretização. Tivemos como propósito consolidar o desenvolvimento deles até a Nova
República, que culminou em uma visão do STF como
árbitro dos conflitos dos Poderes.

No módulo 2, identificamos o conceito de ativismo judicial e sua relação com os direitos


fundamentais. Para tanto, estabelecemos um panorama dos problemas da falta de efetividade
dos direitos como um problema anterior à Constituição
de 1988, o que propiciou a posterior
judicialização da vida e da política – e, como consequência, uma expansão da atuação judicial.

Finalmente, no módulo 3, analisamos uma constante ocorrência de posturas ativistas. Por fim,
descrevemos as causas da crise da supremacia judicial e de credibilidade do Poder Judiciário.

FALA, MESTRE!

Você também pode gostar