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D IREITO C ONSTITUCIONAL P OSITIVO II - 2018.

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P ROFESSOR : G USTAVO S AMPAIO - F EITO POR C AROLINA G ALV ÃO

N S OBRE O C URSO N

O Direito Constitucional Positivo II encontra-se em um enclave, cercado pela Teoria Geral do Processo,
na medida em que ambos se inclinam à análise do Poder Judiciário e das funções essenciais da justiça. Não
obstante, inexiste repetição, pois, enquanto a Teoria Geral do Processo propõe-se a explorar as instituições pelas
categorias da ciência processual, o Direito Constitucional o fará através da ciência constitucional. O que há,
portanto, é uma coabitação necessária e de fundamental complementação.

Isto posto, a disciplina pretende o estudo dos três grandes segmentos do Poder Judiciário - segmentos
estes que se tornam sucessivos, se retroalimentam e somam, compondo um percurso mais longo do que o
anterior -, para então se debruçar sobre as funções essenciais da justiça e, por fim, sobre a defesa do Estado e
das instituições democráticas; estruturando-se da seguinte forma:
1. Poder Judiciário (Título IV, Cap. III, CRFB):
I. Princípios informadores do Poder Judiciário;
II. Estrutura organizacional do Poder Judiciário;
III. Competências do Poder Judiciário.
2. Funções essenciais da justiça (Título IV, Cap. IV, CRFB):
I. Ministério Público;
II. Advocacia Pública;
III. Advocacia;
IV. Defensoria Pública.
3. Defesa do Estado e das instituições democráticas (Título V, CRFB):
I. Estado de defesa;
II. Estado de sítio;
III. Forças armadas;
IV. Segurança pública.
O programa do curso reflete, por conseguinte, as matrizes curriculares e suas sucessivas alterações, que,
por sua vez, denotam mudanças empreendidas na vida política brasileira e na própria extensão da Constituição
em estudo. Isto pois nossa Constituição é analista - abrangendo matérias antes reguladas em lei - e os temas que
se encontram em voga, que geram grande fervor social, são hoje, em sua maioria, de ordem constitucional. Tem-
se um movimento de transferência da ribalda decisória, das grandes decisões que alteram o futuro da nação, do
Poder Legislativo ao Judiciário, fazendo deste um grande ator político, o que é preocupante e poderá fazer com
que, no futuro, seja julgado enquanto tal. Ademais, a Constituição de 1988 assumiu grau de analiticidade maior
do que as precedentes, o que é particularmente nítido no Capítulo que disciplina o Poder Judiciário, conferindo
a seu estudo sob o ângulo dogmático papel fundamental.

A proposta, por fim, é de embasar o estudo da disciplina pelo diálogo entre o texto constitucional, a
doutrina e a jurisprudência - sobretudo do Supremo Tribunal Federal.

Bibliografia Indicada: BARROSO, Luís Roberto - Curso de Direito Constitucional Contemporâneo; BRANCO,
Paulo Gonet; MENDES, Gilmar - Curso de Direito Constitucional; BULOS, Uadi Lammêgo - Curso de Direito
Constitucional; MARINONI, Luiz; MITIDIERO, Daniel; SARLET, Ingo Wolfgang; – Curso de Direito
Constitucional; MORAES, Guilherme Peña de - Curso de Direito Constitucional; SILVA, José Afonso da -
Curso de Direito Constitucional Positivo; TAVARES, André Ramos - Curso de Direito Constitucional.
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1. P ODER J UDICIÁRIO

N I) P RINCÍPIOS I NFORMADORES OU D IRETORES DO P ODER J UDICIÁRIO B RASILEIRO N

Conforme difundido por Paulo Bonavides, estaríamos atualmente no período do juspositivismo pós-
positivista, a saber, em uma fase de superação dos postulados do positivismo kelseniano e de relativização
daquela matriz, na qual há uma ascensão normativa dos princípios (vide Ronald Dworkin e Robert Alexy). Se
trata, desta forma, de um período histórico em que os princípios sobem, galgam de patamar, tomando posição
constitucional - o que não significa, porém, que tenham existência restrita à Constituição.1

A Constituição, portanto, não é hoje apenas uma tábua ou carta de regras, abrangendo, dentre suas
normas, também os princípios, em todas as particularidades e diferenças que podem ser cogitadas entre as duas
espécies.2 Inserida nessa tendência principiológica e publicista, a Constituição brasileira de 1988 recepcionou
em seu texto muitos desses comandos, certamente mais abertos e com maior amplitude aplicativa, que são os
princípios. Não há, contudo, a presença de uma expressa referência em cada norma que a qualifique e indique
enquanto regra ou princípio, de maneira que se exige um esforço hermenêutico para estabelecer a diferenciação
e catalogar as espécies, notando-se haver regras similares a princípios e vice-versa.

Espalhados pelo texto constitucional se encontram os princípios, que tem e terão sempre influência na
disciplina institucional e organizacional do Poder Judiciário, podendo-se delinear um quadro com aqueles que
apresentam importância estruturante ao referido Poder:

N A ) I NDEPENDÊNCIA DOS P ODERES ( ART . 2 º , CRFB) N

“São Poderes da União, independentes e harmônicos entre si, o Legislativo, o Executivo e


o Judiciário”.
Consoante ao exposto pelo próprio Título em que inserido, trata-se de um princípio fundamental, que
confere aos Poderes independência, centralizando a importância de que estejam as instituições livres da daninha
e perniciosa interferência das demais para que possam funcionalizar suas atribuições e competências. Aqui, ao
examinar o impacto exercido pelo princípio da independência dos poderes sobre o Poder Judiciário, é
imprescindível empreender um esforço histórico de contextualizar as influências externas sofridas. Tem-se que
a independência brasileira em muito se inspirou na matriz estadunidense, na qual a independência entre os
Poderes é relativizada a partir do mecanismo dos checks and balances (freios e contrapesos). Isto é claro ao
notarmos que o art. 2º da Constituição de 1988 não apenas estabelece a independência, como a HARMONIA.

É nessa harmonia que reside o anúncio do mecanismo dos FREIOS E CONTRAPESOS, que se espraia por
basicamente todo o texto constitucional. Tem-se como maior expressão desse controle o próprio controle de
constitucionalidade, que postula uma interferência do Judiciário na alçada do Legislativo, a qual, em outros
tempos e matrizes de influência, seria uma manifesta violação da independência, mas hoje é difundida enquanto
parte integrante da estética dos checks and balances. No passado, os universos de influência se dividiam
basicamente em duas matrizes centrais de manejo e compreensão do princípio da independência dos Poderes,
cujas características se alinhava:

1
Há princípios subconstitucionais e, até mesmo, metaconstitucionais, apesar da refratária jurisprudência brasileira, mas é
o papel do Direito Constitucional Positivo que determina o enfoque à norma positiva.
2
Vide ÁVILA, Humberto - Teoria dos Princípios. Verdadeiro breviário dos princípios na teoria do Direito Público.
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1) francesa: preconizava a separação rígida entre Poderes, sem ingerência ou controle mútuo. Justifica-
se por suas próprias raízes históricas. Isto pois, da derrubada do Antigo Regime herdou-se uma forte
desconfiança no Poder Executivo, tendo o contexto histórico revolucionário consolidado a crença no
Parlamento enquanto expressão máxima da soberania popular. Assim, a França adotou um sistema sem
controle, inclusive de ordem repressiva, que seria inserido apenas em 2008, quando foi promovida uma
alteração da Constituição vigente, a saber, da Quinta República francesa;
2) estadunidense: postulava o mecanismo dos checks and balances, tendo inserido o judicial review a
partir do precedente Marbury v. Madison, datado de dezesseis anos após a promulgação da Constituição
estadunidense. A harmonia é aqui presumida da relação de equilíbrio que decorre da possibilidade de
controle de um Poder pelo outro, o que não viola a independência, já que o controle só é possível quando
e desde que previsto pelo texto constitucional, como consequência da incidência do princípio máximo
da supremacia da Constituição.

Sucede que, embora tenha o Império brasileiro sofrido forte influência da tradição da Europa continental,
em especial a partir da República de 1891 nosso sistema passou a se inspirar essencialmente nos Estados Unidos,
adotando, por consequência, sua acepção da separação dos Poderes.

É importante ressaltar que o princípio da independência se reveste de tamanha relevância em nosso


ordenamento que qualquer Emenda tendente a abolir a separação entre os Poderes será inconstitucional (art.
60, § 4º, III, CRFB). Tal proibição, criada pelo poder constituinte originário, dependerá em muitos casos das
construções hermenêuticas edificadas, pois o texto constitucional não prevê balizas ou cercas definitivas, apenas
margens dentro das quais possível atuar. Qualquer Emenda, porém, que estabeleça algo que altere o núcleo
fundamental da separação será inconstitucional.

N B) J URISDIÇÃO U NA 3 ( ART . 5 º , XXXV, CRFB) N

“A lei não excluirá da apreciação do Poder Judiciário lesão ou ameaça a direito”.


Também apontada nos manuais enquanto princípio da inafastabilidade do controle jurisdicional ou da
jurisdição ou princípio do amplo acesso à justiça, é cláusula pétrea no ordenamento brasileiro. A jurisdição una
nos traz uma informação peremptória relevante, a de que, no Brasil, toda a jurisdição é entregue ao Poder
Judiciário. Não obstante isto nos pareça uma cláusula universal, uma regra absoluta, não o é. É comum na
tradição da Europa continental, à exemplo da França, Itália e Alemanha, a adoção da jurisdição dual, ou seja,
exercida tanto pelo Poder Executivo quanto pelo Poder Judiciário, geralmente responsáveis, respectivamente,
pelos feitos que envolvem a Fazenda Pública (o Poder Público) e por presidir as relações entre indivíduos (os
conflitos entre as pessoas de Direito Privado).

Aqui, é fundamental diferenciar a FUNÇÃO JURISDICIONAL e a FUNÇÃO ADMINISTRATIVA DE


JULGAMENTO, que é também no Brasil passível de ser exercida pelo Poder Executivo. Exemplifica-se: caso um

indivíduo, na entrega de sua declaração de imposto de renda, incorra em erro, deixando, desta forma, de pagar
certo valor, e, posteriormente, a Fazenda realize uma autuação fiscal, poderá ele, irresignado e crendo não ter
inadimplido com suas obrigações, apresentar impugnação administrativa. Conjecturando que tenha ele a

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Traz enquanto imprecisão técnica a alusão à existência de jurisdições: a jurisdição é una e indivisível, a saber, jurisdição
do Estado nacional.
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encaminhado de maneira correta à Delegacia da Receita Federal de sua região e, em julgamento, não se lhe
tenha assistido razão, o que ocorreu neste fato não foi o exercício da jurisdição pelo auditor fiscal do tesouro,
embora ocorrido julgamento. Ainda, se interpõe recurso ao CAPF (Conselho Administrativo de Recursos
Fiscais), muito embora acolhida ou não a pretensão, não haverá, igualmente, jurisdição. O CAPF pode ser o
mais alto órgão de julgamento administrativo do Brasil, porém, se sua decisão estiver em desacordo com o
ordenamento e a Constituição, poderá ser cassada. Só lhe será possível a “coisa julgada administrativa”, ou
seja, irrecorrível dentro da própria seara, mas passível de ser submetida a controle jurisdicional. O mesmo se
aplica, por exemplo, ao Tribunal de Contas.

Desta forma, a principal característica da jurisdição é a definitividade, a coisa julgada inquestionável


por via de recurso (embora cabível sua destituição por ações autônomas, caso da ação rescisória e da revisão
criminal). No Brasil, até mesmo o Presidente da República poderá ter os seus atos questionados perante o Poder
Judiciário, pois aqui negamos a possiblidade de jurisdição ao Executivo, mas não há impedimento de que este
exerça a função administrativa de julgamento. Ressalta-se que, caso seja um direito fundamental violado pela
Administração Pública, e a matéria levada ao Judiciário, estaremos falando do ingresso de uma ação judicial,
não de um recurso. Só cabe recurso sobre decisões proferidas pelo próprio Judiciário.

Essa estrutura se dá em decorrência das experiências autoritárias vivenciadas em governos brasileiros,


construindo um país traumatizado com o autoritarismo que, via de regra, compreende como mediado pelo
Executivo. Foi visando estabelecer um regime com sustentação para resistir às tendências autoritárias, de
contenção dos excessos, que a Assembleia Nacional Constituinte firmou a jurisdição una, confiando ao
Judiciário a reserva assecuratória de direitos e garantias.

Por outro lado, no modelo francês, havendo conflito com a Administração Pública, a compreensão é de
que o Poder Judiciário não poderia julgá-lo, porque o fazendo estaria invadindo a esfera da Administração. Na
França, o Conselho de Estado não é um Tribunal Constitucional da Administração, mas sim um órgão de cúpula
de seu poder administrativo - sendo exemplo de como os modelos europeus nem sempre são consolidados ou
aplicáveis ao Brasil, visto que nos encontramos em estágio histórico distinto, no qual se revela fundamental ser
assegurado o acesso ao Poder Judiciário. O dilema da imparcialidade, nesse modelo, é resolvido através da
existência de corpos internos com desempenho específico da função de julgamento, sendo, ademais, todo
processo administrativo também submetido à observância das normas do devido processo.

Mesmo no Brasil, porém, parte da doutrina alude à existência de uma EXCEÇÃO, na qual se concederia
ao Poder Legislativo o desempenho da jurisdição: o julgamento nos processos de impeachment; isto muito
embora alguns sustentem se tratar de função política. Sendo jurisdição (função jurisdicional anômala, vide
Nagib Filho), se trataria de uma exceptio estabelecida pelo próprio poder constituinte originário e, assim,
revestida de validade, pois a norma específica derroga a geral. Ainda, ao considerarmos o julgamento do
impeachment enquanto atividade jurisdicional, estamos reclamando também a incidência e a aplicação de todas
as garantias e direitos constitucionais em seu procedimento. Todavia, se tido como escolha política, se tratará
apenas de uma escolha, sem exigir a referida atenção.

No que tange ao impeachment, contudo, é importante destacar que estão estabelecidos no próprio texto
constitucional os crimes de responsabilidade - o que reforça, ainda, o argumento de que seu julgamento é o
exercício de jurisdição, tendo-se em vista que julgar crimes é uma função jurisdicional. Dessa maneira,
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porquanto adota o Brasil um sistema presidencialista, o afastamento de um Presidente em virtude da prática de
um crime de responsabilidade deveria ocorrer apenas se restasse efetivamente comprovado o fato delituoso,
com observância ao devido processo legal. É apenas em um regime parlamentarista cabível fazê-lo com base
em questões políticas e de ordem econômica, não nos sendo lícito forçar interpretações e articular eventuais
maiorias parlamentares para empreender afastamentos em patente desrespeito ao devido processo.

Ressalta-se, ainda, que em 1993 ocorreu no Brasil um plebiscito para estabelecer se o país continuaria
com um sistema presidencialista ou adotaria a forma parlamentarista, no qual a primeira opção logrou vitoriosa
com mais de 60% dos votos, sendo ilegítimo, portanto, distorcer seu funcionamento para estruturar a existência
de um presidencialismo em sentido formal e um parlamentarismo em sentido prático. Os malabarismos teóricos
e hermenêuticos feitos para construir crimes de responsabilidade afrontam o próprio Estado Democrático de
Direito.

N C) F EDERATIVO ( ART . 1 º , CAPUT , CRFB) N

“A República Federativa do Brasil, formada pela união indissolúvel dos Estados e


Municípios e do Distrito Federal, constitui-se em Estado Democrático de Direito”.
A inspiração no paradigma estadunidense foi certamente decisiva na proclamação da República do
Brasil. No entanto, o Estado federal brasileiro é bem distinto do existente nos Estados Unidos, já que
francamente baseado em um FEDERALISMO TRIDIMENSIONAL (União - Estados - Municípios), que é cláusula
pétrea no ordenamento.

NTRIDIMENSIONALISMO N
Três dimensões de pessoas jurídicas de Direito Público:
União - Estados - Municípios

O federalismo estadunidense é dual (União - Estados), sendo os Municípios questão dos Estados, que
os disciplinam da maneira que lhes aprouverem, enquanto são no Brasil estandardizados pela Constituição.
Assim, os Municípios são entes federados com poderes próprios e sujeitos de Direito Público, muito embora
não disponham de uma estrutura completa, vide a ausência do próprio Poder Judiciário (bipartição de poderes),
apesar de por vezes territorialmente coincidirem as comarcas delineadas e os Municípios. É certo que quem
presta a jurisdição no (e não do) território municipal é o Poder Judiciário do Estado ou da União, a depender da
competência em questão. Tais competências serão distribuídas com base na fixação residual, a saber, ao Poder
Judiciário do Estado-membro da Federação compete tudo aquilo que não foi designado ao da União,
titularizando e desempenhando, por via reflexa, as competências residuais. Em termos numéricos, porém, os
Estados acumularão demanda maior, dispondo também de mais juízes.4 Já o Distrito Federal é uma figura
anômala, que, todavia, não pode ser tomada como um “quarto plano” do federalismo.

Cabe aqui assinalar um ponto de divergência. José Afonso da Silva, compreendendo a Federação em
sua estrutura originária, de matriz estadunidense, não admite os Municípios enquanto entidade federativa,
embora membros da Federação. Isto justifica-se pelo alicerce da fundamentação histórica da construção
federativa dos Estados Unidos, no qual se buscava a maior autonomia possível. Já obtida a independência do
colonizador inglês, as Treze Colônias renunciaram à soberania apenas na medida necessária para a formação de

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O Brasil teria hoje em tramitação cerca de cem milhões de demandas judiciais, número que é particularmente expressivo
se confrontado à sua população total de cerca de 208 milhões de pessoas.
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um Estado nacional. Neste caso, a Federação representa a união entre Estados, sendo Municípios de questão
meramente administrativas. No entanto, a doutrina majoritária diverge, considerando os Municípios como entes
federativos no Brasil, pois previstos em seu texto constitucional nestes termos, enquanto estrutura tridimensional.

Cumpre pontuar, ainda, que o Superior Tribunal de Justiça e o Supremo Tribunal Federal não se
consideram enquanto tribunais da União - não obstante possam, por esse termo, serem referidos tecnicamente,
enquanto aludo à natureza jurídica e à vinculação do órgão -, mas sim como tribunais nacionais (por razões que
posteriormente serão abordadas).

N D) D UPLO G RAU DE J URISDIÇÃO N

No entendimento da maioria da doutrina, da acepção hermenêutica majoritária, seria o duplo grau de


jurisdição um princípio implícito, sem previsão expressa na Constituição,5 derivado, portanto, da própria ordem
informadora dos princípios estruturantes do Poder Judiciário e justificantes do ordenamento constitucional.
Embora a matéria comporte divergência, tem-se que se trataria de um princípio que é consectário lógico de um
outro princípio: o da falibilidade humana. Há dupla jurisdição, pois, doutrina e jurisprudência reconhecem que
o homem está sujeito a falhas na atividade jurisdicional, vez que a mente humana não está imune a erro, nele
podendo incorrer frequentemente na prestação jurisdicional. Ainda que investido de um cargo e da legitimidade
para a jurisdição, é o ser humano ainda humano e, assim, passível de falha.

No entanto, existem algumas exceções ao princípio da dupla jurisdição, mesmo que, a princípio, direito
fundamental, destacando-se o caso do impeachment. Isto ocorre em virtude da possibilidade existente de que a
própria norma jurídica excepcione o referido princípio, que não é de aplicabilidade obrigatória, e sequer está
previsto de forma explícita na ordem constitucional. O foro especial por prerrogativa de função, 6 embora
veiculado enquanto um “foro privilegiado”, na prática não é estritamente um privilégio, já que exclui a aplicação
do duplo grau de jurisdição, ou seja, da possibilidade ordinária de se recorrer, restrição que decorre de uma
presunção de probidade. A exceção, porém, não é única, sendo possível se falar também, por exemplo, no
controle direto abstrato de constitucionalidade, no qual não há duplo grau de jurisdição.

O recurso ordinário traz, diante da falibilidade humana, a possibilidade e oportunidade de se recorrer,


para que a lide seja apreciada por juízes frequentemente mais antigos, experientes e, ainda, em colegiados - de
forma que, tendo sido a sentença de 1ª instância monocrática, em 2ª instância o julgamento será empreendido
por três desembargadores, materializando um acórdão. 7 Salienta-se, porém, que não há uma relação de
hierarquia na função jurisdicional. Isto é explícito, por exemplo, nas hipóteses em que a parte não recorre à
decisão judicial, prosseguindo-se ao trânsito em julgado, que cristaliza a decisão enquanto imutável. Por

5
Não obstante, está previsto na Convenção Interamericana de Direitos Humanos, em seu artigo 8.2, alínea h, como “direito
de recorrer da sentença para juiz ou tribunal superior”.
6
A PEC 10/2013 tramita hoje na Câmara, propondo reduzir a pó o foro especial por prerrogativa de função. Ocorre que,
desde 2013, fortaleceu-se uma grande advocacia nacional contra o foro especial, o qual restou demonizado. Tal movimento
é preocupante, sob a perspectiva de que grandes instituições constitucionais não devem ser revogadas no calor e fogo das
disputas e crises políticas. Há uma veiculação de paixões e clamor popular pela imprensa, denotando as relações comuns
por um discurso de extinção do foro especial sem embasamento constitucional, quando a temática deveria ser abordada
cientificamente.
7
No entanto, ainda que exista um efeito devolutivo dos recursos (uma vez interposto, devolvido ao Poder Judiciário a
oportunidade de julgar, desta vez por autoridade distinta), não é certo que o segundo grau de jurisdição restará exercido,
no ordenamento brasileiro, sempre em segunda instancia. Fora desta linha, por exemplo, estão as Turmas Recursais, que
exercem o grau recursal das decisões prolatadas nos Juizados Especiais, sendo ambos os órgãos de primeira instância.
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decorrência do princípio da inércia jurisdicional, só cabe ao julgador atuar quando provocado e no limite do
pedido e, por vezes, a coisa julgada será constituída em primeiro grau. Esse princípio apresentará com o da
inafastabilidade da jurisdição uma relação de oposição (pois este estabelece a impossibilidade de isentar-se da
jurisdição, enquanto aquele que não poderá atuar de ofício) e complementariedade (pois quando provocado, o
juiz tem de exercer jurisdição).

Aqui, reside questão doutrinária relevante. Na pirâmide organizacional do Poder Judiciário, parte da
doutrina aponta à existência de várias instâncias, enquanto a doutrina majoritária, liderada por Sálvio de
Figueiredo Teixeira, alude a penas DUAS INSTÂNCIAS, a saber:

N VÁRIAS INSTÂNCIAS N
1ª: Varas
2ª: Tribunais de apelação
3ª: Tribunais superiores: N DUAS INSTÂNCIAS N
- Superior Tribunal de Justiça 1ª: Varas
- Tribunal Superior do Trabalho 2ª: Tribunais de apelação
- Tribunal Superior Eleitoral
- Superior Tribunal Militar
4ª: Supremo Tribunal Federal

Para a doutrina que defende a existência de apenas duas instâncias, qualquer recurso para além dos
tribunais de apelação será extraordinário, voltado aos casos excepcionais. O duplo grau de jurisdição reflete o
diálogo entre a justiça e a segurança jurídica, pois o processo também tem de chegar ao fim, adquirir força de
coisa julgada.8 Exemplifica-se: Se um juiz da 4ª Vara Cível da Comarca de Niterói condena um indivíduo ao
pagamento de 150 mil reais, o recurso da sentença direcionado ao desembargador será um recurso ordinário
(embora o nome técnico seja apelação). Após, exaurido o duplo grau de jurisdição, serão cabíveis apenas
recursos extraordinários. No caso em tela, por exemplo, finda a apelação consubstanciada em acórdão, provendo
ou não a pretensão, não caberá mais a interposição de recurso ordinário. No entanto, se, por exemplo, a
condenação ao pagamento do valor se deu em caráter frontalmente atentatório à lei federal, determinando, por
exemplo, a penhora de bens de família, pode a parte prejudicada interpor recurso extraordinário (gênero). Vide
o artigo 105, III, Constituição Federal:
“Compete ao Superior Tribunal de Justiça julgar, em recurso especial, as causas decididas,
em única ou última instância, pelos Tribunais Regionais Federais ou pelos tribunais dos
Estados, do Distrito Federal e Territórios, quando a decisão recorrida: a) contrariar
tratado ou lei federal, ou negar-lhes vigência; b) julgar válido ato de governo local
contestado em face de lei federal; c) der a lei federal interpretação divergente da que lhe
haja atribuído outro tribunal”.
A diferença remete ao fato de que o RECURSO ORDINÁRIO é movimentado pela livre motivação recursal,
despido de maiores balizas ou restrições para além da crença individual de ter sido a sentença injusta,
excessivamente gravosa ou iníqua; enquanto, por outro lado, os RECURSOS DE CARÁTER EXTRAORDINÁRIO
sujeitam-se à exigência de uma manifesta afronta ao ordenamento jurídico, não mais movido pela mera
irresignação ou pretensão de efetuar um controle de justiça, mas de legalidade, com motivação vinculada. Não
será sequer admitido o recurso extraordinário que se pretenda pautar em mera discordância da decisão de
segundo grau, já que nesse caso não estarão preenchidos os pressupostos especiais de recorribilidade.

É importante delinear que é possível a referência a recurso extraordinário tanto enquanto gênero (lato

8
Com imutabilidade pela via do recurso, havendo, ainda, a revisão criminal e a ação rescisória (art. 966, NCPC).
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sensu, abrangendo as hipóteses de recurso após decisão em segunda instância) quanto como espécie (stricto
sensu, nas hipóteses delegadas ao Supremo Tribunal Federal pelo art. 102, III, da Constituição Federal). O
recurso especial destinado ao Superior Tribunal de Justiça para adequação legal, por exemplo, é apenas em lato
sensu um recurso extraordinário, assim como o recurso de revista feito ao Tribunal Superior do Trabalho.

Ademais, embora comumente os tribunais de apelação exerçam o segundo grau de jurisdição, a saber,
a competência recursal, isto não exclui sua competência também originária, à exemplo de ações movidas contra
o ato de um governador estadual, mandados de segurança, mandando contra ato restritivo impetrado por habeas
corpus ou habeas data, representações de inconstitucionalidade de lei municipal que supostamente contraria a
Constituição estadual, entre outros.

N E) D EVIDO P ROCESSO L EGAL ( ART . 5 º , LIV, CRFB) N

“Ninguém será privado da liberdade ou de seus bens sem o devido processo legal”.
No sistema brasileiro, o princípio do devido processo legal assume sede constitucional, estando
circunscrito ao rol das cláusulas pétreas (Assembleia Constituinte de 1988 positivamente o constitucionalizou,
a fim de evitar retrocessos autoritários). Já no caso dos Estados Unidos, a previsão efetivou-se através da Quinta
Emenda (“nor be deprived of life, liberty, or property, without due process of law”) à Constituição, a qual
posteriormente consolidada pela jurisprudência. O devido processo legal consiste em uma remissão ao direito
legislado, pois não é o próprio texto constitucional que irá delinear todo o trilho do due process of law,
remetendo-se ao legislador o papel de estruturá-lo, a partir da assertiva de que não é o juiz autoridade máxima
livre para agir conforme seus anseios. Se detém o juiz certa liberdade de atuação, a margem autonômica que
lhe cabe é previamente estipulada pelo legislador. Assim, o magistrado preside a relação processual e decide
com pauta em seu livre convencimento, mas o fará nos termos firmados pelo ordenamento jurídico.

No caso do mandado de segurança, por exemplo, uma lei própria (Lei nº 12.016/2009) irá reger os
procedimentos vinculados à noção do devido processo. Questiona-se: irá o juiz ouvir testemunhas, nomear
perito para produção de prova pericial, conceder dilação probatória para que posteriormente o impetrante
apresente nova prova? A resposta é negativa. Neste caso em específico, ao impetrar a ação judicial, deve a parte
já apresentar ao Poder Judiciário todas as provas a serem apreciadas, em pré-constituição probatória, não se
admitindo, por conseguinte, a dilação. Isto pois não se estende no tempo a produção de provas no mandado de
segurança, as quais deverão ser, necessariamente, documentais e anexadas na exordial, conforme lei prévia que
discorre e dispõe acerca de seu conjunto probatório, em virtude de sua urgência e demanda por celeridade. Não
obstante, certamente não é concedido ao juiz o poder de transformar o rito do mandado de segurança em rito de
ação ordinária, embora lhe caiba toda a independência funcional para decidir pela concessão ou não do pedido.
A lei procedimental não é editada pelo julgador nem pelos tribunais, mas pelo legislador.

De maneira distinta, na ação ordinária em rito ordinário será admitida a dilação probatória, razão pela
qual legítima ao autor a produção de provas após a exordial, no transcorrer do processo. Na hipótese, por
exemplo, de ação de responsabilidade civil, é possível requerer ao juiz o deferimento da produção de todas as
provas admitidas em direito e, em defesa, que sejam ouvidas testemunhas e nomeado perito da confiança do
juízo (para que o especialista produza laudo pericial que irá auxiliar o magistrado a formar o conhecimento em
torno do fato que lhe é submetido à dação da ação). Poderá o juiz, portanto, em rito ordinário, deferir a produção
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do conjunto probatório ao longo do processo. Desta forma, o devido processo legal é o fio condutor do processo.
O juiz, com toda a independência funcional, que é essencial ao exercício de sua competência, irá conduzir o
processo nos fios das práticas previstas pelo legislador, que é eleito pelo povo para a produção da lei. Ou
seja, terá de se ater às previsões do processo porque não há mais Estado arbitrário, mas Estado de Direito,
devendo julgar com base no trilho legislado. Não o fazendo, restará o julgamento sujeito à nulidade.

Ressalva-se, ainda, a relevância da compreensão da história da positivação constitucional do princípio


do devido processo legal. A posição de jurista demanda uma defesa intransigente do conhecimento histórico,
pois essencial à estruturação de nossa própria identidade nacional, o que não pode ser desconsiderado. Tem-se
que, quando da instauração da Assembleia Constituinte, em 1987, o Brasil se encontrava em um momento de
enormes esperanças, à luz do propósito de sua redemocratização e, mais que isso, sua re-redemocratização, vez
que sua história perpassa uma pendularidade e oscilação entre regimes ditatoriais e democráticos. É certo que,
por exemplo, finda a ditadura civil de Vargas, propôs-se a Assembleia Constituinte de 1946 à similar tarefa de
redemocratização.

Neste contexto, foi Vivaldo Barbosa, deputado do Rio de Janeiro, responsável por propor emenda
aditiva ao texto constitucional, para que fosse adicionada a cláusula do devido processo legal, posteriormente
aprovada pela Assembleia Nacional, na qual constante a informação de que “ninguém será privado da liberdade
ou de seus bens sem o devido processo legal”. Foi, portanto, fruto do esforço pessoal do referido deputado o
estabelecimento de uma das principais cláusulas que hoje sustentam o Estado Democrático do Direito; princípio
que é inspiração institucional do Poder Judiciário. Por esse paradigma, à luz dos freios e contrapesos, juízes e
tribunais não estão perdidos no mundo, devendo obedecer aos trilhos legais e constitucionais.

Não há de se estritamente criticar o texto constitucional. Sempre que atuam as autoridades de forma
arbitrária ou se descumpre o catálogo dos direitos fundamentais, a culpa não é textual, devendo ser redirecionada
ao ator, ao ser humano que lhe dá aplicação. O texto da Constituição de 1988 abarca direitos, garantias e avanços
relevantes, motivo pelo qual a possibilidade de instauração de uma nova assembleia constituinte constitui um
risco institucional de pô-los em ameaça, estruturando quadro mais desfavorável.

N F) C ONTRADITÓRIO E A MPLA D EFESA N

Os princípios do contraditório e da ampla defesa são derivativos do devido processo legal. O


contraditório, por sua vez, deriva também de outro princípio, o da bilateralidade dos atos processuais, segundo
o qual a toda ação corresponde uma reação. Nestes termos, proposta, por exemplo, a exordial pelo autor, poderá
o réu contestá-la, embora não lhe seja obrigatório (já que também possível reconhecer a plausibilidade do pedido,
hipótese esta estatisticamente excepcional). Já o princípio da ampla defesa concede à parte todos os meios
assegurados para se defender, abrangendo, ainda, o emprego das vias recursais previstas no direito processual.
“Por contraditório deve entender-se, de um lado, a necessidade de dar conhecimento da
existência da ação e de todos os atos do processo às partes, e, de outro, a possibilidade de
as partes reagirem aos atos que lhes sejam desfavoráveis [...]. Os contendores têm direito
de deduzir suas pretensões e defesas, de realizar as provas que requereram para
demonstrar a existência de seu direito, em suma, direito de serem ouvidos paritariamente
no processo em todos os seus termos” (Nelson Nery Jr.).9
“Ampla defesa significa permitir às partes a dedução adequada de alegações que sustentem
sua pretensão (autor) ou defesa (réu) no processo judicial (civil, penal, eleitoral,

9
NERY JR., Nelson. Princípios do Processo na Constituição Federal. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2015, pg. 245.
DIREITO CONSTITUCIONAL POSITIVO II | PROFESSOR: GUSTAVO SAMPAIO | FEITO POR CAROLINA GALVÃO 10
trabalhista) e no processo administrativo, com a consequente possibilidade de fazer prova
dessas mesmas alegações e interpor os recursos cabíveis contra as decisões judiciais e
administrativas” (Nelson Nery Jr.).10
“o juiz, por força de seu dever de imparcialidade, coloca-se entre as partes mas
equidistante delas: ouvindo uma, não pode deixar de ouvir a outra. Somente assim se dará
a ambas a possibilidade de expor suas razões, de apresentar suas provas, de influir sobre
o convencimento do juiz. Somente pela soma da parcialidade das partes (uma
representando a tese e a outra, a antítese) o juiz pode corporificar a síntese, em um
processo dialético. Por isso foi dito que as partes, em relação ao juiz, não tem papel de
antagonistas, mas sim de "colaboradores necessários" - cada um dos contendores age no
processo tendo em vista o próprio interesse, mas a ação combinada dos dois serve à justiça
na eliminação do conflito que os envolve” (Cintra, Dinamarco e Pellegrini).11

N G) P RINCÍPIO DO J UIZ N ATURAL ( ART . 5 º , LIII, CRFB) N

“Ninguém será processado nem sentenciado senão pela autoridade competente”.12


De enorme relevância, o princípio do juiz natural consiste na predeterminação ou prefixação da
competência do órgão judicial. Ou seja, a competência do juízo não virá a ser estabelecida depois que a ação
já se encontra em curso ou o Poder Judiciário já foi provocado, sendo, portanto, estabelecida doravante, ex ante,
a priori. Quando proposta medida judicial, existe e há certeza no órgão judicial competente - ainda que a parte
não faça a mais remota ideia de qual seja.

A jurisdição do Estado nacional, representante de grande parte da soberania brasileira, é una, não
comportando repartições. O que é possível e efetivamente abarca é a divisão de competências. É que muitas
vezes há um distanciamento da linguagem teórica da prático-profissional e, por conseguinte, acabamos viciados
por jargões incorretos em termos técnicos. Consoante ao disposto coerentemente por André Fontes em sua obra,
a referida alusão é um tremendo erro de coloquialidade, pois a jurisdição é única; é jurisdição do Estado nacional
brasileiro e fruto da soberania nacional. De toda forma, a parte autora não poderá selecionar o juiz da causa
ou o tribunal para julgar seu recurso: quem faz isso é o próprio ordenamento jurídico. Não obstante, há TRÊS
GRANDES FONTES de determinação de competências: a Constituição Federal (vide a analiticidade no caso
brasileiro), a lei processual e os regimentos internos dos tribunais. Essas competências poderão, ainda, ser
fixadas por intermédio de muitos matizes, à exemplo das ratione materiae (em razão da matéria), ratione
personae (em razão da pessoa), ratione loci (em razão do lugar) e ratione valoris (em razão do valor da causa).

A questão, porém, não é tão simples. Por vezes, múltiplos critérios se interpõem, fazendo extremamente
árduo determinar a quem pertence a competência, e gerando CONFLITO, que pode ser: a) positivo - quando dois
juízes se consideram, simultaneamente, competentes; b) negativo - quando nenhum juízo se considera
competente para julgar a causa (inadmissível constitucionalmente porque o Estado se obrigou à prestação da
jurisdição). Nas duas hipóteses, um tribunal terá de decidir quem possui a competência. Quer dizer, uma vez
suscitado o conflito, algum órgão terá de desempenhar a função jurisdicional, querendo ou não o fazer.

Assim, fixar a competência pode ser uma tarefa simples ou árdua. Vislumbrando-se uma conduta cuja
prática seja delituosa e cujo todo iter criminis ocorreu no Município de Niterói, por exemplo, quem irá julgá-la?
Se o crime é praticado em detrimento do patrimônio da Universidade Federal Fluminense, caberá à Vara Federal

10
Idem, pg. 283.
11
CINTRA, Antonio; DINAMARCO, Cândido; PELLEGRINI, Ada. Teoria Geral do Processo. São Paulo: Malheiros,
2015, pg. 179.
12
Por outro lado, o art. 5º, XXXVII, CRFB (“não haverá juízo ou tribunal de exceção”), refere-se à consolidação do
princípio da vedação dos tribunais de exceção (de criação de tribunal para análise de um caso concreto em específico).
DIREITO CONSTITUCIONAL POSITIVO II | PROFESSOR: GUSTAVO SAMPAIO | FEITO POR CAROLINA GALVÃO 11
da Subseção Judiciária de Niterói; se o crime é contra a vida, caberá ao Tribunal do Júri; se o agente era militar
em exercício da função, nos termos do Decreto-Lei nº 1001/69, às Auditorias Federais ou Estaduais, a depender
da natureza do fato. Por outro lado, se governador estadual pratica crime comum, o juízo natural será o Superior
Tribunal de Justiça. Da mesma forma, competirá ao Supremo Tribunal processar e julgar a prática de crimes
comuns por deputado federal ou pelo próprio Presidente da República (art. 102, CRFB), o que fará,
respectivamente, através das Turmas e do Plenário (art. 5º, I, e art. 9º, I, j, Regimento Interno/STF). Estas são
hipóteses simples.

A doutrina, por sua vez, avança na construção de situações sem concreção, em espécies quase caricatas.
Um exemplo possível é aquele no qual um sujeito, ansiando por investir contra a vida de seu desafeto, em
tríplice limite estadual, dispara arma de fogo em São Paulo, que virá a atingir a vítima no Rio de Janeiro, a qual,
na tentativa de fugir, falece em Minas Gerais. Neste caso, a competência é do local no qual consumada a
infração.13 Por vezes, a determinação da competência demandará a confluência de vários postulados normativos.
Há certas situações nas quais é possível haver dúvida no estabelecimento da competência, gerando conflito, mas
é de enorme relevância ressaltar-se que o sistema é perfeito. No máximo, desenvolvemos má interpretação de
suas normas, mas sempre é possível identificar um órgão competente à jurisdição.

O princípio do juiz natural traz como derivativo lógico que o juízo competente antecede à propositura
da ação. Em ultima ratio, havendo vários juízes detentores exatamente da mesma competência, estaremos diante
de caso no qual será fixada em caráter definitivo pela LIVRE DISTRIBUIÇÃO. Exemplifica-se: se há quarenta
Varas Cíveis com a mesma competência, peça exordial é levada ao sorteio eletrônico e, com fundamento na
aleatoriedade, sujeita à probabilidade, terá um único juízo competente fixado. O mesmo ocorrerá para a fixação
de Tribunal competente ao julgamento de uma apelação. Exatamente para que se evite a condução política do
processo é que ocorre o sorteio, impossibilitando a parte de escolher um juiz eventualmente mais favorável ao
seu caso para julgá-lo. É através do juiz natural, portanto, que se sustenta a imparcialidade, neutralidade e o
devido processo legal, segundo fundamental que a ele se conforme o Poder Judiciário.

13
“A competência será, de regra, determinada pelo lugar em que se consumar a infração, ou, no caso de tentativa, pelo
lugar em que for praticado o último ato de execução” (art. 70, CPP).
DIREITO CONSTITUCIONAL POSITIVO II | PROFESSOR: GUSTAVO SAMPAIO | FEITO POR CAROLINA GALVÃO 12

N II) E STRUTURA O RGANIZACIONAL DO P ODER J UDICIÁRIO N

Neste segundo tópico, será edificado o desenho institucional do Poder Judiciário. O panorama aqui
estruturado filia-se à posição de Sálvio de Figueiredo Teixeira, que postula a existência de apenas duas
instâncias, após as quais podemos nos referir apenas a instâncias especial e extraordinária (ressalvando-se que
não é instância termo sinonímico de grau de jurisdição). Tal posição, no entanto, não é inequívoca, havendo
entendimentos diversos e confrontantes, à exemplo do sustentado por Ricardo Lewandowski, que, em seus votos,
alude a uma terceira instância.

A própria prática nos permite contestar a existência de uma terceira ou quarta instância. O Tribunal de
Justiça Estadual é um órgão jurisdicional de segunda instância. Ao decidir por acórdão que contraria lei federal,
caberá a interposição de recurso ao Superior Tribunal de Justiça; se contraria apenas a Constituição, a
competência pertence ao Supremo Tribunal Federal. Questiona-se: nesta última hipótese, o STF estaria, portanto,
atuando enquanto órgão de terceira instância? E no caso em que interposto recurso simultâneo? Os quadros
delineados corroboram a inexistência de uma terceira ou quarta instância.

Avançando-se, percebe-se que a Constituição prevê uma DUPLA FASE DE RESIDUALIDADE na fixação
de competências. Prima facie, determina quais serão as competências da justiça especializada, relegando à
justiça comum tudo aquilo que não compete à justiça especializada - competência subsidiária. Ademais, o texto
constitucional firma, dentro da justiça comum, as competências pertencentes à justiça federal, sendo estadual
todo o restante (forte incidência do princípio federativo).
N DUPLA FASE DE RESIDUALIDADE N
1) Previsão à justiça especializada?
SIM: Justiça especializada
NÃO: Justiça comum
2) Previsão à justiça comum federal?
SIM: Justiça comum federal
NÃO: Justiça comum estadual

Aqui, orienta-se a compreensão a partir da TEORIA DO ÓRGÃO, importada do Direito Administrativo.


Em tal teoria, se estabelece, com base no princípio da imputação volitiva, que a vontade de um órgão público
(o qual despido de personalidade jurídica) será imputada à pessoa jurídica a cuja estrutura pertence. Ou seja, de
todo órgão emana poder estatal, sendo centro de manifestação desse poder e desempenhando funções que serão
imputadas à pessoa jurídica.
“Os órgãos integram a estrutura do Estado e das demais pessoas jurídicas como partes desses
corpos vivos, dotados de vontade e capazes de exercer direitos e contrair obrigações para a
consecução de seus fins institucionais. Por isso mesmo, os órgãos não têm personalidade
jurídica nem vontade própria, que são atributos do corpo e não das partes, mas na área de
suas atribuições e nos limites de sua competência funcional expressam a vontade da entidade
a que pertencem e a vinculam por seus atos, manifestados através de seus agentes (pessoas
físicas). Como partes das entidades que integram, os órgãos são meros instrumentos de ação
dessas pessoas jurídicas, preordenados ao desempenho das funções que lhes forem atribuídas
pelas normas de sua constituição e funcionamento” (Hely Lopes Meirelles).14
“Não há entre a entidade e seus órgãos relação de representação ou de mandato, mas sim de
imputação, porque a atividade dos órgãos identifica-se e confunde-se com a da pessoa jurídica.
Daí por que os atos dos órgãos são havidos como da própria entidade que eles compõem.
Assim, os órgãos do Estado são o próprio Estado compartimentado em centros de competência,

14
MEIRELLES, Hely Lopes. Direito Administrativo Brasileiro. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1998, pg. 68.
DIREITO CONSTITUCIONAL POSITIVO II | PROFESSOR: GUSTAVO SAMPAIO | FEITO POR CAROLINA GALVÃO 13
destinados ao melhor desempenho das funções estatais” (Hely Lopes Meirelles).15
Assim, resta destacar, em um primeiro plano, que os órgãos não são necessariamente judiciários. Tem-
se que o Estado é tridimensional, abrangendo órgãos Legislativos, Executivos e Judiciários - e, inclusive, à título
de curiosidade, será, no Brasil, a estrutura de maior complexidade em termos orgânicos a correspondente à
Administração Federal. Avançando-se, ressalva-se, ainda, que cada órgão terá relacionado um feixe de suas
atribuições e competências, e, enquanto manifestação do poder estatal, poderá se desmembrar em dois ou mais
órgãos, que, por sua vez, podem novamente se desmembrar em mais órgãos. No entanto, há uma diferença entre
o órgão e a pessoa, pois esta titulariza a personalidade jurídica e aquele não é dotado de personalidade. Nesse
mosaico complexo, uma pessoa pode se dividir em órgãos, um órgão pode se dividir em pessoas e estas,
novamente, novos órgãos - e assim vai, em um indo e vindo infinito.

Essa complexidade estrutural não está adstrita à Administração Pública. Por exemplo: a Câmara dos
Deputados é um órgão do Congresso Nacional, que é órgão do Poder Legislativo da União, que é órgão da
União Federal, que é pessoa. Ademais, a própria Câmara se divide em um grande número de órgãos, à exemplo
das Comissões, do Plenário e da Mesa Diretora. A mesma complexidade é possível no Poder Judiciário, que
pode ser órgão do Estado ou da União (mas nunca do Município), em ambos os casos de subdividindo em uma
multiplicidade de órgãos, dos quais sucede a divisão em outra multiplicidade. O que é fundamental se ressaltar
nesse ponto é a forma pela qual o Judiciário irá repartir competências entre os órgãos por ele constituídos.

15
Idem, pg. 69.
DIREITO CONSTITUCIONAL POSITIVO II | PROFESSOR: GUSTAVO SAMPAIO | FEITO POR CAROLINA GALVÃO 14

- JUSTIÇA COMUM - - JUSTIÇA ESPECIALIZADA -


STJ TST TSE STM
JUSTIÇA ESTADUAL JUSTIÇA FEDERAL JUSTIÇA DO TRABALHO JUSTIÇA ELEITORAL JUSTIÇA MILITAR

2ª ● ESTADUAL:
TJ TRF TRT TRE TJ OU TJM
(INTEGRALMENTE (INTEGRALMENTE (INTEGRALMENTE (INTEGRALMENTE
● FEDERAL:
ESTADUAL) FEDERAL) FEDERAL) FEDERAL)
STM
● ESTADUAL:
DESEMBARGADORES DESEMBARGADORES DO DESEMBARGADORES DESEMBARGADORES
DESEMBARGADORES
FEDERAIS TRABALHO ELEITORAIS ● FEDERAL:
MINISTROS
5 REGIÕES 24 REGIÕES ● ESTADUAL:
27 TRIBUNAIS 27 TRIBUNAIS
(9 REGIÕES? - 27 TRIBUNAIS CONST. ESTADUAL
(ESTADOS + DF, (ESTADOS + DF,
EMENDA 73/2013: (ESTADOS + DF, ● FEDERAL:
ART. 125, CRFB) ART. 120, CRFB)
SUSPENSA) ART. 112, CRFB) CIRCUNSCRIÇÕES

1ª JUÍZES ELEITORAIS 1 JUIZ TOGADO


SINDICAIS (EC 24/99) (JUÍZES DE DIREITO 3 JULGADORES
JUÍZES DE DIREITO JUÍZES FEDERAIS
JUÍZES DO TRABALHO ESTADUAIS – EGRESSOS DO
ACUMULANDO) OFICIALATO
● VARAS FEDERAIS
● VARAS ESTADUAIS ● TURMAS RECURSAIS
● TURMAS RECURSAIS JUNTAS DE CONCILIAÇÃO
● JUIZADOS ESPECIAIS CONSELHOS DE
E JULGAMENTO (EC 24/99)
● JUIZADOS ESPECIAIS FEDERAIS JUSTIÇA MILITAR
VARAS DO TRABALHO
● TRIBUNAIS DO JÚRI ● TRIBUNAIS DO JÚRI
FEDERAIS JUNTAS E ZONAS
SUBSEÇÕES SUBSEÇÕES ELEITORAIS
JUDICIÁRIAS JUDICIÁRIAS CONSELHOS
COMARCAS
ESTADUAIS (FORÇAS
(≠ MUNICÍPIOS –
AUXILIARES) E
APROVEITAMENTO SEÇÕES JUDICIÁRIAS SEÇÕES JUDICIÁRIAS
FEDERAIS (FORÇAS
CARTOGRÁFICO) (TOTALIZANDO 27: (TOTALIZANDO 27:
ARMADAS)
ESTADOS + DF) ESTADOS + DF)
DIREITO CONSTITUCIONAL POSITIVO II | PROFESSOR: GUSTAVO SAMPAIO | FEITO POR CAROLINA GALVÃO 15

N II.1) P RIMEIRA I NSTÂNCIA : J USTIÇA C OMUM N

N A) J USTIÇA E STADUAL : V ARAS N

Em primeira instância, dentro da dinâmica lógica do duplo grau de jurisdição, temos, precipuamente,
as VARAS - em caráter geral, o qual, obviamente, comporta exceções, sendo possível tanto a existência de órgão
monocrático em segunda instância quanto de órgão colegiado em primeira. Nesse ponto, insere-se a questão:
afinal, o que são Varas? A explicação ingressa, a princípio, em sua natureza jurídica, o que, por sua vez, demanda
conceituar a própria natureza jurídica. Esta busca isolar um instituto jurídico dos demais, partindo de seu aspecto
mais geral e caminhando em direção ao mais específico, capaz de diferenciá-lo de todos os demais. Assim, se
inicia pelo geral, que será gradiente de muitos outros institutos, progredindo na especificidade até alcançar a
natureza jurídica da coisa. Exemplifica-se: qual é a natureza jurídica da Universidade Federal Fluminense? Aqui
é possível avançar nos seguintes termos:

pessoa jurídica de direito público federal da Administração Pública Indireta


logo, é a Universidade Federal Fluminense uma autarquia federal

Estipulado o trajeto à aferição da natureza jurídica de um instituto, prosseguir-se-á nele em relação à


Vara: se trata de um órgão jurisdicional monocrático de primeira instância:
a) órgão: é um centro de emanação do poder estatal, passível também de subdividir-se em novos órgãos
e pessoas, nos termos da teoria do órgão acima delineada.
b) jurisdicional: mais que órgão, é um órgão específico do Poder Judiciário, prestando, assim, uma
função jurisdicional em sua atuação.
b) monocrático: a jurisdição prestada em conflito intersubjetivo, no processo por litígio, é monocrática,
ou seja, prestada por um só magistrado e consubstanciada em sentença. Embora seja possível lotar mais
juízes nas Varas, visando atender às demandas geradas, isso não descaracteriza a monocraticidade do
órgão, visto que derivada da elaboração de decisão por único juiz. Por vezes, quando o quadro funcional
da Vara é composto por múltiplos juízes, será possível que mais de um deles oficie em um mesmo
processo. Ainda nessa hipótese, não se descaracteriza a monocraticidade. Embora seja o fato negativo
(vez que não é o mesmo magistrado que dá continuidade à jurisdição), cada uma das etapas do processo
terá sido prestada por um juiz, não havendo decisão interlocutória ou sentença (decisão terminativa, que
põe termo final ao processo) prolatada por mais de um juiz, em caráter simultâneo. Pela mesma razão é
que também a hipótese de substituição não retira a qualidade monocrática da decisão. Seja juiz titular
ou substituto, ainda que atuem em mesmo processo, apenas o farão em momentos distintos. A decisão
será, portanto, em todo caso, proferida por apenas um juiz, ainda que funcionalizada a jurisdição na
Vara por múltiplos magistrados.
d) de primeira instância: é importante, aqui, se ressaltar a insuficiência da qualificação da Vara apenas
enquanto órgão jurisdicional monocrático. Embora, de fato, estruture-se como regra à primeira instância
a monocraticidade, e à segunda instância a colegialidade, nenhuma dessas duas qualidades se dá de
maneira absoluta. Tem-se, por exemplo, o Tribunal do Júri e os Conselhos de Justiça Militar enquanto
órgãos colegiados em primeira instância, além da concessão de competência, no Tribunal de Justiça do
Rio de Janeiro, ao órgão da Vice-Presidência - portanto, monocrático - para julgar a admissibilidade de
Recurso Especial ao Superior Tribunal de Justiça.
DIREITO CONSTITUCIONAL POSITIVO II | PROFESSOR: GUSTAVO SAMPAIO | FEITO POR CAROLINA GALVÃO 16
Cada Vara é, por conseguinte, um órgão, um centro de manifestação estatal com competência estipulada
pela legislação. No âmbito da Justiça estadual comum de 1ª instância, as Varas se distribuem, territorialmente,
em COMARCAS, que são, portanto, o termo técnico adequado para referir-se a sua divisão organizacional
territorial, ou seja, sua demarcação territorial (não sendo aplicável à organização dos ramos da Justiça Federal).
Em geral, se aproveita a divisão municipal às Comarcas, a fim de mais apropriadamente desempenhar sua gestão.
Não obstante, Comarcas e Municípios não se confundem: a eventual coincidência será consequente do
aproveitamento legislativo da cartografia pronta, facilitando a compreensão territorial. Ainda, embora essa
coincidência seja, em termos estatísticos, mais comum em estados como o Rio de Janeiro, em virtude de sua
tradição e da grande população, ao avançarmos a localidades mais isoladas, por vezes a Comarca corresponderá
a uma pluralidade de Municípios (caso no qual se costuma fixar o Fórum da Comarca no Município com maior
demanda pelo exercício jurisdicional). Nestes casos, será necessário aos habitantes de determinado Município
se locomoverem a outra cidade para postularem sua demanda. Ainda, nos termos da Constituição do Estado do
Rio de Janeiro, a jurisdição estadual comum em primeira instância será desempenhada pelos JUÍZES DE DIREITO:
Art. 164: “Os Juízes de Direito, integrando a magistratura de carreira, exercem a
jurisdição comum de primeiro grau, nas Comarcas e Juízos, conforme estabelecido na Lei
de Organização e Divisão Judiciárias”.
Art. 165: “Para dirimir conflitos fundiários, o Tribunal de Justiça proporá a criação de
varas especializadas, designando juízes de entrância especial, com competência exclusiva
para questões agrárias.
Parágrafo único - Sempre que necessário à eficiente prestação jurisdicional, o juiz se fará
presente no local do litígio”.
As próprias Comarcas podem ser dotadas de divisão, conferida pela legislação estadual, como ocorre
no caso do Rio de Janeiro.16 Essa legislação de organização e divisão judiciária, incumbida a cada Estado, no
Brasil, é de proposta do Tribunal de Justiça, detentor de iniciativa reservada, que vindo a ser votada nas sessões
das Assembleias Legislativas. No caso do Rio, tem-se a divisão por ENTRÂNCIAS, correspondentes às seguintes
modalidades, que não possuem, entre si, qualquer relação hierárquica:
a) primeira entrância: refere-se à Comarca de menor porte, com uma só Vara instalada. Normalmente,
existe em localidades muito pouco populosas e de reduzido volume processual.
b) segunda entrância: seria um “tamanho intermediário”, com certa complexidade.
c) de entrância especial: são as Comarcas de maior complexidade, com número mais elevado de Varas.
Em geral, os Estados que estipulam um número mínimo de habitantes tendem a fixá-lo em 130 mil.

Em termos práticos, é importante ressaltar que há, em geral, gratificação ao magistrado que é designado
para atuar em Comarcas de maior porte e uma tendência estruturada de que permaneçam na entrância inicial
por um curto período do tempo, após o qual solicitam remoção. Aqui, efetiva-se grande rotatividade de juízes

16
Até 2015, a questão era regulada através do Código de Organização e Divisões Judiciárias do Estado do Rio de Janeiro
(CODJERJ). No referido ano, porém, editou-se a Lei n. 6.956, que atualizou a disciplina da matéria. Tem-se que, pelo
primeiro dispositivo, estavam estabelecidos critérios objetivos tanto à criação de Comarcas (a princípio, população mínima
de 15 mil habitantes ou 8 mil eleitores, movimento forense anual de, pelo menos, duzentos feitos judiciais, e uma receita
tributária municipal superior a três mil vezes o salário-mínimo vigente na capital do Estado) quanto à elevação da Comarca
à segunda entrância (população mínima de 70 mil habitantes ou 20 mil eleitores, movimento forense anual de, pelo menos,
mil feitos judiciais, e uma receita tributária municipal superior a quinze mil vezes o salário mínimo – e, estando um dos
requisitos em índices próximos, o Órgão Especial do Tribunal de Justiça poderia propor a elevação de entrância),
respectivamente, a partir dos arts. 11 e 12 do CODJERJ. Não obstante, a Lei n. 6.956, hoje, disciplina apenas que “Na
criação ou elevação das Comarcas, o Tribunal de Justiça, ao elaborar o respectivo projeto de lei, levará em consideração
as normas constitucionais que disciplinam o acesso aos serviços judiciais e, notadamente, o movimento forense, a
arrecadação tributária e a respectiva população” (art. 12), além de fixar taxativamente as de entrância especial (art. 13).
DIREITO CONSTITUCIONAL POSITIVO II | PROFESSOR: GUSTAVO SAMPAIO | FEITO POR CAROLINA GALVÃO 17
nas Comarcas mais remotas, trazendo perda em termos de familiaridade com as práticas locais.
Posta a natureza jurídica das Varas - órgão jurisdicional monocrático de primeira instância - e suas
particularidades, importa avançar à sua organização no âmbito da Justiça Comum Estadual, bem como as demais
estruturas integrantes desta esfera, a saber, os JUIZADOS ESPECIAIS E AS TURMAS RECURSAIS. Ponto central
na justiça comum estadual de primeira instância refere-se ao surgimento de figura bastante distinta e anômala.
Trata-se de um órgão criado no ordenamento brasileiro em 1995, através da Lei nº 9.099 (e, posteriormente, em
2011, pela Lei nº 10.259, no âmbito federal), que é o Juizado Especial. Sua origem remonta à reação
recomendada pela explosão de demandas judiciais. Subsistem, porém, críticas a sua implementação, que não
teria sido compatível ao modelo constitucional e processual do Brasil. Atualmente, segundo estatísticas do
Conselho Nacional de Justiça, os Juizados Especiais concentrariam cerca de 70% dos processos do país.

Na verdade, esse modelo é antecedente ao ano de 1995, tendo apresentado existência prévia sob uma
nomenclatura distinta, a de Juizados de Pequenas Causas, instituídos na década de 1980. O termo, porém, foi
considerado politicamente incorreto, já que edificado a partir da alusão ao valor da causa em questão, que, por
sua vez, terá representatividade distinta em função de a quem a importância se refere - afinal, uma pequena
causa é individualmente diferenciada. A partir da regulamentação nacional empreendida pela Lei n. 9.099, foram
os Juizados de Pequenas Causas, portanto, extintos e transformados em Juizados Especiais, que se subdividem,
ainda, em Cíveis e Criminais. Mudou-se, então, o nome e a estrutura desses órgãos, responsáveis por prestar a
função jurisdicional aos litígios cíveis de menor valor e aos crimes tidos pela lei enquanto de menor potencial
ofensivo. Aqui, quem jurisdiciona é o juiz de direito (seja em âmbito estadual ou federal), sendo facultativa a
assistência por advogado se o valor da causa for de até 20 salários mínimos (artigo 9º, Lei 9.099).
“A União, no Distrito Federal e nos Territórios, e os Estados criarão juizados especiais,
providos por juízes togados, ou togados e leigos, competentes para a conciliação, o
julgamento e a execução de causas cíveis de menor complexidade e infrações penais de
menor potencial ofensivo, mediante os procedimentos oral e sumariíssimo, permitidos, nas
hipóteses previstas em lei, a transação e o julgamento dos recursos por turmas de juízes de
primeiro grau” (Uadi Lammêgo).17
Há, ainda, outra questão referente aos Juizados Especiais que estrutura uma situação absolutamente sui
generis. A excentricidade reside no fato de que, ao recorrer de decisão proferida nesses órgãos, vai-se a Turma
Recursal do colégio recursal dos Juizados especiais, que é órgão de primeira instância. Ressalta-se que não se
confunde o princípio do duplo grau de jurisdição com a necessidade de haver uma dupla instância: é certo que,
sendo o duplo grau um mandamento, posso construí-lo dentro de uma mesma instância. Dessa forma, a partir
da finalidade de não se assoberbar os Tribunais, foi institucionalizado um colegiado de segundo grau (de grau
recursal) dentro da primeira instância.18 A previsão restou estabelecida na Lei n. 9.099 nos seguintes termos:
Art. 41: “Da sentença, excetuada a homologatória de conciliação ou laudo arbitral, caberá
recurso para o próprio Juizado.
§ 1º O recurso será julgado por uma turma composta por três Juízes togados, em exercício
no primeiro grau de jurisdição, reunidos na sede do Juizado.
§ 2º No recurso, as partes serão obrigatoriamente representadas por advogado”.
Importante destacar, porém, que, conforme melhor se analisará no tópico acerca da justiça estadual
comum de segunda instância, a criação das Turmas Recursais carrega em si consequência de enorme impacto
ao acesso à justiça e ao devido processo: por não se tratar, na verdade, propriamente de um Tribunal, não será

17
LAMMÊGO, Uadi. Curso de Direito Constitucional. São Paulo: Saraiva, 2015, pg. 1394.
18
Instância é um andar fixo na estrutura do Poder Judiciário, grau abarca mobilidade.
DIREITO CONSTITUCIONAL POSITIVO II | PROFESSOR: GUSTAVO SAMPAIO | FEITO POR CAROLINA GALVÃO 18
oponível às suas decisões recurso especial, mas apenas extraordinário, conforme já foi consolidado inclusive
através da Súmula 203 do Superior Tribunal de Justiça.

Por fim, é imprescindível aludir ao TRIBUNAL DO JÚRI, que recebe tal nome em razão da colegialidade
da decisão terminativa de mérito (outro exemplo de exceção à monocraticidade no âmbito da primeira instância),
que é proferida por sete jurados sorteados, os quais compõem o conselho de sentença, responsáveis por afirmar
ou negar existência de fato criminoso atribuído a uma pessoa. Sua competência é ratione materiae, para julgar
e processar os crimes dolosos contra a vida. No entanto, apenas a sentença será colegiada, enquanto, por outro
lado, toda a fase de cognição probatória, de instrução processual, é conduzida por um juiz monocrático. Assim,
em uma primeira fase, de caráter instrutivo, a saber, o judicium accusationis (juízo de acusação), o objeto será
a admissibilidade ou não da acusação, sendo produzidas provas para apurar a existência ou não da prática de
um crime. Essa fase, de competência do juiz de direito, perdurará do recebimento da denúncia à sentença de
pronúncia, impronúncia, desclassificação ou absolvição sumária do acusado.

Nestes termos, trata-se de uma EXCEÇÃO dentro da primeira instância, em virtude do caráter de
colegialidade, que traz em si própria outra exceção: nas hipóteses em que inexistir a pronúncia, haverá o fim
do processo sem a colegialidade. 19 Se for o réu pronunciado, será encaminhado à julgamento pelo Júri da
acusação admitida, em uma segunda fase de judicium causae, de juízo da causa, sendo certo que após a resposta
dos quesitos formulados dada pelo júri caberá ao juiz lavrar sentença e fixar a dosimetria da pena, de maneira
fundamentada.

N B) J USTIÇA F EDERAL : V ARAS F EDERAIS N

A competência da jurisdição nesse âmbito caberá, precipuamente, também às Varas, órgão monocrático
de primeira instância, no entanto, serão estas VARAS FEDERAIS, que, por sua vez, se dividem territorialmente
em SUBSEÇÕES JUDICIÁRIAS, que agrupadas correspondem à SEÇÃO JUDICIÁRIA. Aqui, a Constituição irá
intervir, já preestabelecendo suas delimitações geográficas, conforme se afere:
Art. 110: “Cada Estado, bem como o Distrito Federal, constituirá uma seção judiciária que
terá por sede a respectiva Capital, e varas localizadas segundo o estabelecido em lei.
Parágrafo único. Nos Territórios Federais, a jurisdição e as atribuições cometidas aos
juízes federais caberão aos juízes da justiça local, na forma da lei”.
O constituinte, porém, teria sido mais preciso se tivesse conferido ao artigo a seguinte redação: “Cada
Estado, bem como o Distrito Federal, corresponde a uma seção judiciária”. Não é o Estado-membro que irá
constituir as seções, que são demarcação territorial específica para a justiça federal, órgão do Poder Judiciário
da União. A jurisdição é empreendida nos Estados, mas não pertence aos Estados (não está atrelada a estes). O
que ocorreu foi um mero aproveitamento da cartografia geográfica existente, mas nada impediria que houvesse
previsto de maneira distinta, pois inexiste um atrelamento necessário. Isso é, na realidade, uma fictio iuris da
qual lançou mão o constituinte, pois a rigor a seção judiciária será demarcação relativa à União no âmbito da
primeira instância da justiça federal comum.20

De toda forma, tem-se, portanto, 27 Seções Judiciárias. No referido artigo, cumpre ressaltar também

19
Por isso mesmo, o Tribunal do Júri estará sempre atrelado a uma Vara e há o cuidado em se fixar a correspondência entre
Xº Tribunal do Júri e X° Vara Criminal.
20
Não há confusão da União Federal (esfera primária do governo) com Estado-membro (esfera secunária), nem deste com
os Municípios (esfera terciária).
DIREITO CONSTITUCIONAL POSITIVO II | PROFESSOR: GUSTAVO SAMPAIO | FEITO POR CAROLINA GALVÃO 19
uma EXCEÇÃO. Embora no Brasil não haja, atualmente, nenhum Território Federal, este permanece previsto
e disciplinado pela Constituição, de forma que, se eventualmente vier a ser criado, caberá a jurisdição e
atribuições cometidas aos juízes federais aos juízes de sua justiça local. As Seções Judiciárias, previstas pelo
constituinte, são subdivididas pelo legislador infraconstitucional em Subseções - as quais, cautelosamente, pode-
se dizer que estão para a Justiça Federal como estão as Comarcas para a Justiça Estadual. Sua área territorial,
porém, será bem mais ampla do que a conferida às Comarcas, sendo comum que abranja a demarcação de várias
destas, já que o quadro de magistrados é reduzido no âmbito federal, que são denominados de JUÍZES FEDERAIS.
Ressalta-se que os referidos Tribunais abrangerão uma autoridade administrativa de gestão sobre as Varas. A
eles incumbe, por exemplo, a remessa de cópias de autos ao Corregedor no caso de indícios de irregularidades
ou observações no funcionamento das Varas Federais.
Ademais, haverá na primeira instância da justiça comum federal a figura dos JUIZADOS ESPECIAIS
FEDERAIS, tanto cíveis quanto criminais e similares aos estaduais, porém, com algumas particularidades e
disciplina pela Lei n. 10.259, de 2001. Esta, de pronto, determinou a instalação de Juizados Especiais Federais,
no prazo de seis meses a partir de sua publicação, nas capitais dos Estados e no Distrito Federal, e de Juizado
com competência exclusiva para ações previdenciárias (artigo 19). Os demais terão instalação determinada pelo
Tribunal Regional Federal, conforme se depreende:
Art. 18: “Os Juizados Especiais serão instalados por decisão do Tribunal Regional Federal.
O Juiz presidente do Juizado designará os conciliadores pelo período de dois anos,
admitida a recondução. O exercício dessas funções será gratuito, assegurados os direitos
e prerrogativas do jurado”.
Sua competência, ainda, é para processar, julgar e conciliar causas de competência da Justiça Federal
de valor até sessenta salários mínimos, assim como de executar suas sentenças; e, em matéria criminal, serão
julgadas ações que tratem de crimes de menor potencial ofensivo, com pena máxima de até dois anos. Caberá
também recurso às TURMAS RECURSAIS FEDERAIS, compostas de três juízes de direito, que compõem exceção
ao caráter monocrático da primeira instância.

Além disso, teremos os TRIBUNAIS DO JÚRI FEDERAIS, também de caráter colegiado, os quais terão
competência para processar e julgar crimes dolosos contra a vida praticados em detrimento de bens, serviços ou
interesses da União (inclusas suas entidades autárquicas e as empresas públicas). Sua competência, em suma,
abarca o processo e julgamento de crimes dolosos contra a vida praticados contra ou por funcionário público
federal no exercício de sua função ou em virtude desta, bem como crime doloso contra a vida ocorrido a bordo
de navio ou aeronave, ressalvada a competência da Justiça Militar, e que envolva a disputa sobre direitos
indígenas. Estas são hipóteses raras, de difícil ocorrência. Seria o caso, por exemplo, do homicídio perpetrado
por traficante internacional de ilícitos entorpecentes contra aquele que patrulhava rodovia federal. Nesta
hipótese, a motivação do crime não seria de caráter pessoal, mas precisamente para evitar a efetivação do serviço
de patrulha, cabendo ao Tribunal do Júri Federal processar e julgar o caso.

Tem-se que, via de regra, os crimes dolosos contra a vida deverão ser processados e julgados, por
conseguinte, pelo Tribunal do Júri Estadual, não obstante resguardem-se hipóteses de juízo natural distinto, que
poderá, excepcionalmente, ser de competência do Tribunal do Júri Federal, nas hipóteses supracitadas, ou de
órgão distinto, quando previsto foro especial por prerrogativa de função (como é o caso dos deputados federais,
que irão à julgamento no Supremo Tribunal Federal; e, por exemplo, de um juiz de direito estadual de justiça
comum de primeira instância, que será processado e julgado no Tribunal de Justiça).
DIREITO CONSTITUCIONAL POSITIVO II | PROFESSOR: GUSTAVO SAMPAIO | FEITO POR CAROLINA GALVÃO 20

N II.2) P RIMEIRA I NSTÂNCIA : J USTIÇA E SPECIALIZADA N

N A) J USTIÇA DO T RABALHO : V ARAS DO T RABALHO N

No âmbito da justiça especializada de primeira instância, começam a surgir divergências estruturantes.


Em síntese, na Justiça do Trabalho, os órgãos jurisdicionais de primeira instância serão caracterizados por sua
monocraticidade, materializada nas VARAS DO TRABALHO. Não obstante, historicamente, essa seara revestia-
se, no Brasil, de colegialidade, inclusive em primeira instância, até o final da década de 1990. À época, o que
se havia eram as JUNTAS DE CONCILIAÇÃO E JULGAMENTO, que eram assim chamadas pela própria definição
terminológica do vocábulo: enquanto juntas, referiam-se a órgão colegiado. Desta forma, a sentença trabalhista
apresentava a subscrição de três magistrados.

Foi com o advento da Emenda Constitucional nº 24/1999, que, no período de grandes transformações
da década de 1990, se alterou o modelo até então fixado para harmonizá-lo e pô-lo em igualdade aos demais
órgãos jurisdicionais de primeira instância. Por conseguinte, as Juntas de Conciliação e Julgamento são extintas
e se tornam Varas do Trabalho. A impressão inicial é de que houve uma grande perda de institucionalidade, no
entanto, é fundamental destacar que, se antes existiam três juízes, estes não eram juízes togados. A Justiça do
Trabalho, em suas Juntas, teve origem na Era Vargas, em 1932, com características muito próprias em defesa
do trabalhador. Havia, de fato, um juiz togado (bacharel em Direito, submetido a concurso público, investido
em grau de provimento vitalício), porém, ao lado dele, os outros dois eram juízes classistas (um representando
o sindicato do trabalhador e o outro do empregador). Este era um modelo nacional de Justiça do Trabalho que
previa, praticamente, uma espécie de justiça de tutela do trabalhador. O pressuposto era de que, para que o
processo trabalhista enfrentasse convenientemente a tensão entre os fatores de produção da economia capitalista
(trabalho x capital)21, seria necessária a representação classista para avançar à equalização de classes (tratou-se
de um ímpeto de implementação de um Welfare State, em superação ao liberalismo puro). Intervinha, assim, o
Estado, visando à efetivação de uma equalização.

Durante a década de 1990, verificou-se um movimento pela retirada da importância da Justiça do


Trabalho brasileira. Aqui, é importante efetuar uma observação crítica da mudança que se operou. Isto pois o
período da década de 1990, no Brasil, representava um contexto de ascensão do liberalismo econômico - ou de
sua reascensão, tanto que muitos viriam a denominá-lo de neoliberalismo -, assim como no continente latino-
americano como um todo. Tal tendência se caracterizou, sobretudo, nos governos de Collor e Fernando Henrique
Cardoso, em políticas abrangendo agências reguladoras, a flexibilização da economia a partir da privatização
das grandes empresas estatais e sociedades de economia mista (o grande afluxo de privatização no Brasil teve
lugar na década de 1990, abarcando, por exemplo, a Embraer, a Companhia Vale do Rio Doce e a Embratel).

Além disso, a América Latina, conforme historiadores anotam com muita competência, vive, com muita
frequência sob o efeito orloff, ou seja, o que ocorre em um país repercute em seus vizinhos, se reproduzindo, o
que é muito comum, inclusive, entre Brasil e Argentina. Desta maneira, obteve expressão franca corrente de
flexibilização neoliberal tanto na sociedade brasileira quanto, por exemplo, na argentina e mexicana. Havia, por
fim, uma campanha de favorecimento das medidas defendidas pelo grande capital, que abrangia um programa

21
No passado, considerava-se também a terra como fator de produção, mas isso na visão da economia fisiocrática. Isto foi
abandonado pela economia capitalista, que reconhece a constante tensão entre capital e trabalho.
DIREITO CONSTITUCIONAL POSITIVO II | PROFESSOR: GUSTAVO SAMPAIO | FEITO POR CAROLINA GALVÃO 21
de reforma do Estado que atingiria o Poder Judiciário. Neste período, existia até mesmo uma companha no
Congresso Nacional que advogava pela extinção da Justiça do Trabalho, que já teria “cumprido o seu papel
histórico”, para que fossem redistribuídos os feitos trabalhistas à Justiça comum.

Porém, não se pode olvidar que a boa gestão dos conflitos trabalhistas se dá precisamente pela existência
de uma Justiça especializada ratione materiae. Como essa corrente não prosperou, chegou-se, portanto, a um
ponto intermediário, que foi a modificação do modelo de representação classista da Justiça do Trabalho, se
preservando apenas os JUÍZES VITALÍCIOS. Apesar do reconhecimento da relevância histórica da justiça
classista, de sua finalidade essencial e que a disputa desenvolvida na década de 1990 era fruto de uma grande
disputa ideológica entre os setores de produção e as representações sindicais dos trabalhadores, o resultado foi,
em geral, positivo (tendo sido esta ou não a intenção).

Isto porque, embora tenha sido a bancada classista historicamente concebida como instrumento de tutela
das relações de trabalho, a representação perdeu-se, paulatina e progressivamente, em sua finalidade. De certa
forma, as tensões entre os classistas eram neutralizadas pelos juízes togados, que atuavam em uma neutralização
decisória. No final da existência das Juntas de Conciliação e Julgamento, se limitavam os juízes classistas, em
geral, a subscrever as sentenças, raramente se pronunciando (salvo algumas honráveis exceções, que merecem
considerações elogiosas) e pouco influenciando no processo. Sabe-se que, eleitos pelos sindicados, não lhes era
obrigatório o bacharel em Direito, e restavam alguns mais ou menos preparados à função. A figura do juiz
classista, ao fim, pouco diferia no processo, e, apesar disso, tinha manutenção onerosa na folha de pagamento
(recebiam cerca de 2/3 da remuneração do juiz togado e se aposentavam após dois mandatos, por um regime
diferenciado de aposentadoria).

Em síntese, o instituto da representação classista expõe uma ideia com boas intenções, que, no entanto,
acabou sendo mal aproveitada em razão das idiossincrasias do gênero humano. Se tinha por objetivo forjar a
representação equânime perante a Justiça do Trabalho, acabou se tornando mecanismo politicamente versado,
ou malversado. Ademais, progressivamente o número de causas e da população foi se tornando mais elevado, e
novas Juntas foram construídas, gerando uma onerosidade excessiva para uma República. É claro que sabemos
que o Direito é produto de um contencioso político e as mudanças vieram na esteira de um movimento de
eliminação da Justiça do Trabalho. Porém, como essa corrente não em todo prosperou, a medida na qual
prosperou foi, na verdade, positiva, vez que eliminou aquele modelo decadente classista. Embora tenha a
campanha pela extinção prosseguido após a Emenda Constitucional nº 24/1999, em suas lideranças patronais,
sofreu a América Latina, no final da década de 1990, uma nova onda do efeito orloff (“eu sou você amanhã”).
Ascenderam governos de esquerda, com uma proposta nacional-desenvolvimentista.

Isto se relaciona com a Justiça do Trabalho da seguinte forma. Se, por um lado, a política do governo
Fernando Henrique Cardoso não logrou êxito em extinguir a Justiça do Trabalho, por outro, através da Emenda
Constitucional nº 45/2004 (época do primeiro mandato do Presidente Lula, com grande preeminência no
Congresso Nacional), se prosseguiu ao alargamento de suas competências. A referida Emenda empreendeu uma
verdadeira reforma do Poder Judiciário e de suas instituições, o que, no que tange à Justiça do Trabalho,
implicou na previsão de novas competências a sua jurisdição, pois já vivíamos novo tempo no Congresso
brasileiro e na própria América Latina.
DIREITO CONSTITUCIONAL POSITIVO II | PROFESSOR: GUSTAVO SAMPAIO | FEITO POR CAROLINA GALVÃO 22
Art. 114: “Compete à Justiça do Trabalho conciliar e julgar os dissídios individuais e
coletivos entre trabalhadores e empregadores, abrangidos os entes de direito público
externo e da administração pública direta e indireta dos Municípios, do Distrito Federal,
dos Estados e da União, e, na forma da lei, outras controvérsias decorrentes da relação de
trabalho, bem como os litígios que tenham origem no cumprimento de suas próprias
sentenças, inclusive coletivas” (antes da Emenda Constitucional nº 45/2004).
Art. 114: “Compete à Justiça do Trabalho processar e julgar: I) as ações oriundas da
relação de trabalho, abrangidos os entes de direito público externo e da administração
pública direta e indireta da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios; II)
as ações que envolvam exercício do direito de greve; III) as ações sobre representação
sindical, entre sindicatos, entre sindicatos e trabalhadores, e entre sindicatos e
empregadores; IV) os mandados de segurança, habeas corpus e habeas data , quando o
ato questionado envolver matéria sujeita à sua jurisdição; V) os conflitos de competência
entre órgãos com jurisdição trabalhista, ressalvado o disposto no art. 102, I, o; VI) as ações
de indenização por dano moral ou patrimonial, decorrentes da relação de trabalho; VII)
as ações relativas às penalidades administrativas impostas aos empregadores pelos órgãos
de fiscalização das relações de trabalho; VIII) a execução, de ofício, das contribuições
sociais previstas no art. 195, I, a , e II, e seus acréscimos legais, decorrentes das sentenças
que proferir; IX) outras controvérsias decorrentes da relação de trabalho, na forma da lei”
(redação dada pela Emenda Constitucional nº 45/2004).
Hoje, por conseguinte, nas Varas do Trabalho, a função jurisdicional será desenvolvida por juiz singular,
que ingressa na magistratura em CARREIRA PRÓPRIA, para ocupar o cargo de juiz do trabalho. É ele juiz federal,
embora não da Justiça Federal; pertence à União, ainda que não seja da Justiça federal comum. Trata-se de
justiça especializada em razão da matéria, cumprindo ressaltar que, nos termos da Constituição Federal:
Art. 112: “A lei criará varas da Justiça do Trabalho, podendo, nas comarcas não
abrangidas por sua jurisdição, atribuí-la aos juízes de direito, com recurso para o
respectivo Tribunal Regional do Trabalho”.
Art. 113: “A lei disporá sobre a constituição, investidura, jurisdição, competência,
garantias e condições de exercício dos órgãos da Justiça do Trabalho”.
É importante também pontuar que, a partir da Resolução n. 185/2012 do Tribunal Superior do Trabalho,
houve o cancelamento de sua Súmula 136, a qual dispunha que “não se aplica às Juntas de Conciliação e
Julgamento o princípio da identidade física do Juiz”, posteriormente tendo corrigida a expressão para Varas do
Trabalho, por intermédio da Resolução n. 123/2003. No mesmo sentido dispunha o Supremo Tribunal Federal,
em sua Súmula 222 (em vigor), ao pontuar que “o princípio da identidade física do juiz não é aplicável às juntas
de conciliação e julgamento da justiça do trabalho”. O referido princípio determina que, salvo casos
excepcionais, caberá ao juiz que encerrou a instrução processual prolatar a sentença, em razão de um melhor
preparo para fazê-lo, uma vez que foi responsável por colher as provas. O fundamento de sua não aplicação nas
Juntas de Conciliação pautava-se em sua própria composição colegiada, especialmente em virtude da presença
de juízes classistas, que possuíam mandatos de três anos e alta rotatividade - que tornaria impossível a imposição
de sua participação durante todo o decorrer do processo. Não obstante tenha sido cancelada a Súmula 136 do
Tribunal Superior do Trabalho, a atual exigibilidade do princípio da identidade física do juiz comporta grandes
divergências, diante da necessidade de maior demanda por celeridade e efetividade, vide julgado do TST:
“Não obstante o Tribunal Pleno tenha decidido cancelar a Súmula 136 do TST, continua
incompatível com o processo do trabalho, regra geral, o vetusto princípio da identidade
física do Juiz, brandido pelo art. 132 do CPC. É que a simplicidade, a celeridade e a
efetividade da prestação jurisdicional, hoje expressamente determinadas pela Constituição,
na qualidade de princípio cardeal (art. 5º, LXXVIII, CF) - e que são características
clássicas do processo trabalhista - ficariam gravemente comprometidas pela importação
de critério tão burocrático, artificial, subjetivista e ineficiente quanto o derivado do rigor
da identidade física judicial (art. 132, CPC). O Magistrado é autoridade pública com
significativo e profundo preparo técnico e seriedade profissional, podendo - e devendo –
conduzir o processo com esmero, objetividade e eficiência, carreando-lhe as provas
DIREITO CONSTITUCIONAL POSITIVO II | PROFESSOR: GUSTAVO SAMPAIO | FEITO POR CAROLINA GALVÃO 23
colhidas durante a instrução, que ficam objetivamente disponíveis no processo, aptas a
serem avaliadas e sopesadas pelo Julgador - mesmo que outro Magistrado. Ainda que se
possa, por absoluta exceção, considerar válido o princípio no processo penal, ele é
dispensável e inadequado no processo do trabalho, em vista da pletora de desvantagens e
prejuízos que acarreta, em contraponto com a isolada e suposta vantagem que, em tese,
propicia. Se a ausência da identidade física do Juiz gera disfunções estatísticas e
correcionais, estas têm de ser enfrentadas no campo próprio, sem comprometimento e piora
na exemplar prestação jurisdicional que tanto caracteriza a Justiça do Trabalho. Não quer
a Constituição que se importem mecanismos de retardo e burocratização do processo, em
detrimento de sua celeridade e da melhor efetividade na prestação jurisdicional. Incidência
dos princípios constitucionais da efetividade da jurisdição (art. 5º, LXXVIII, CF) e da
eficiência na prestação do serviço público (art. 37, caput, CF). Mantida, pois, a decisão
agravada proferida em estrita observância aos artigos 896, § 5º, da CLT e 557, caput, do
CPC, razão pela qual é insuscetível de reforma ou reconsideração. Agravo desprovido”
(Ag-AIRR 322-81.2011.5.06.0021, Rel. Min. Mauricio Godinho Delgado, julgado em
18/12/2013).

N B) J USTIÇA E LEITORAL : J UNTAS E Z ONAS E LEITORAIS N

A Justiça Eleitoral é ininterrupta: ela é operacionalizada em todos os momentos, com funcionamento


regular ainda que fora de ano eleitoral. É certo que neste haverá um volume de demanda muito mais elevado,
mas o exercício da jurisdição é contínuo, até mesmo em virtude do fato de que muitos dos processos se arrastam
no tempo - ainda que o processo eleitoral seja revestido de maior celeridade e orientado por prazos mais curtos,
à luz da exigência de sua eficácia decisória antes da expiração de eventual mandato. Em síntese, será o serviço
judiciário eleitoral permanente; no entanto, em virtude do exponencial crescimento de expressão de demandas
em períodos específicos, não terá, historicamente no ordenamento pátrio, um quadro próprio de carreira de
magistrado.

Isto é, hoje ninguém poderá se candidatar a um cargo de juiz eleitoral de primeira instância, pois este
não existe. Não há concurso próprio para o provimento, mas a Justiça Eleitoral funciona, nos dizeres do ex-
Ministro do Supremo Tribunal Federal, Carlos Mário Velloso, com juízes de empréstimo. Embora essa não seja,
obviamente, uma expressão técnica - pelo contrário, é essencialmente romântica -, fato é que são juízes de direito
da Justiça Estadual designados para acumular o mundo sindicante da Justiça Eleitoral de primeira instância. E
tal situação se prossegue ainda que seja a Justiça Eleitoral ramo, na verdade, da Justiça Federal da União. Ou
seja, a Justiça Eleitoral é toda da União, mas será a função jurisdicional de juiz eleitoral de primeira instância
exercida por acumulação dos juízes de direito da Justiça Estadual. Afinal, vivemos em um Estado federal, no
qual se pressupõe a cooperação.

Esse quadro organizacional tem, enquanto uma de suas razões fundantes, a desvantagem e onerosidade,
em termos orçamentários, da criação de uma carreira autônoma na Justiça Eleitoral. Ela tem de se estruturar de
maneira muito capilarizada, adentrar pelo território nacional, e, realizando concurso autônomo, teríamos uma
carreira de juiz eleitoral própria, remunerada com subsídio integral de magistrado mensalmente, enquanto seu
maior volume de trabalho ocorreria apenas em períodos eleitorais.22 Por essa lógica é que o ordenamento pátrio
optou pelo CÚMULO FUNCIONAL AOS JUÍZES DE DIREITO DO ESTADO, que, para tanto, receberão gratificação
(funcionando, ao mesmo tempo, como juiz de direito e eleitoral, de maneira temporária).

Ressalta-se que, nessa hipótese, há vitaliciedade, integrante das prerrogativas funcionais da magistratura
brasileira, mas esta não ocorrerá enquanto juízes eleitorais: eles serão vitalícios na origem, na função de juízes

22
E sendo maior, destaca-se o fato de que não há interrupção de jurisdição ou demanda.
DIREITO CONSTITUCIONAL POSITIVO II | PROFESSOR: GUSTAVO SAMPAIO | FEITO POR CAROLINA GALVÃO 24
de direito. Recebem acúmulo e remuneração por este, não obstante, posteriormente virão a se encerrar. É óbvio
que, na prática, há certa variação de acordo com a situação geográfica do órgão eleitoral. Em grandes centros
urbanos, nas Comarcas de maior complexidade estrutural e com maior número de magistrados, é possível que
as investiduras sejam divididas, criando uma rotatividade entre os juízes. O mesmo não ocorre, por exemplo,
em uma Comarca de juízo estadual único e que configura também zona eleitoral - aqui, certamente o juiz de
direito será sempre o juiz eleitoral.

Estabelecido o magistrado que atuará na Justiça Eleitoral, avança-se às suas demarcações territoriais.
Carlos Mário Velloso assinala o seguinte: os Poderes exercem funções típicas e atípicas. Ao Poder Judiciário,
uma das funções atípicas será, em geral, a administrativa, pois, em consonância ao princípio do autogoverno da
magistratura, aos tribunais cabe administrar a si próprios. Porém, a Justiça Eleitoral é o órgão judiciário com
a maior carga de função administrativa no Brasil, realizada esta escolha política no ordenamento. É mais um
dos reflexos das experiências históricas traumáticas, da vivência de ditaduras e regimes de exceção que são,
com frequências, emanados do Poder Executivo. Uma de nossas respostas foi, portanto, a judicialização da vida,
da política, de tudo - o que nos leva a um novo risco, de uma nova corrente ditatorial, desta vez relativa à
excessiva interveniência judicial.

De toda forma, à luz dessa historicidade, concedeu-se ao Poder Judiciário uma tarefa que na maioria
dos países pertence ao Executivo, a saber, da organização do processo eleitoral. Sendo a carga de administração
da Justiça Eleitoral elevada, se prosseguiu à divisão entre ZONAS E JUNTAS ELEITORAIS. A zona é uma divisão
voltada para o desempenho de uma atividade administrativa, que, por sua vez, se divide em juntas, as quais
realizam o contato diário com o eleitor (dessa forma, teremos juízes de junta e juízes de zonas). Haverá, em
geral, juízes mais experientes presidindo as zonas, e juízes (com uma coincidência não necessária) presidindo
as juntas. Em toda hipótese, é ao juiz eleitoral que caberá o exercício da função jurisdicional, em caráter
monocrático (seja da zona ou junta).

A questão que se coloca, portanto, é no que consiste cada uma dessas figuras. Pelo próprio nome, junta
lembra colegialidade, reunião, adjunção. A partir da leitura do Código Eleitoral, tem-se o seguinte: na junta
eleitoral de primeira instância, haverá um juiz eleitoral (juiz de direito, ocupante da função judicante eleitoral,
e que será responsável por presidir a junta), e, nas demais cadeiras (em número de duas ou quatro), cidadãos
de probidade, boa conduta e bons antecedentes, dentro do standard que o ordenamento jurídico estabelece (art.
36, caput, Código Eleitoral). Porém, embora componham as juntas para dirimir questões administrativas locais,
as juntas não desempenham em colégio a função jurisdicional eleitoral de primeira instância: quem o fará é
sempre o juiz eleitoral presidente da junta. Em síntese: a função jurisdicional é aqui exercida com
monocraticidade, cabendo à junta resolver questões administrativas, na forma firmada pelo Código Eleitoral.
Por isso, não integrará a junta o rol das exceções à monocraticidade em primeira instância, embora possa, ainda,
desempenhar a função administrativa de julgamento. Nos termos do Código Eleitoral:
Art. 40: “Compete à Junta Eleitoral; I - apurar, no prazo de 10 (dez) dias, as eleições
realizadas nas zonas eleitorais sob a sua jurisdição. II - resolver as impugnações e demais
incidentes verificados durante os trabalhos da contagem e da apuração; III - expedir os
boletins de apuração mencionados no Art. 178; IV - expedir diploma aos eleitos para cargos
municipais”.
Nessa estrutura, cumpre ressaltar que os servidores administrativos, os serventuários do Poder Judiciário
ligados ao ramo da Justiça Eleitoral, terão vínculo com a União Federal. É esta que realiza concurso público
DIREITO CONSTITUCIONAL POSITIVO II | PROFESSOR: GUSTAVO SAMPAIO | FEITO POR CAROLINA GALVÃO 25
para, por exemplo, analista judiciário eleitoral ou técnico judiciário eleitoral. No que tange ao magistrado, tem-
se que, é o juiz de direito aquele que acumula a função jurisdicional eleitoral de primeira instância, porém, no
acúmulo funcional exerce função de juiz federal especializado. Em exercício da função jurisdicional eleitoral,
não é, por conseguinte, juiz de direito, tanto que sob este termo não irá assinar qualquer sentença ou decisão
interlocutória; assina enquanto juiz eleitoral, visto que é aqui essa a investidura. É juiz de direito apenas na
origem, exercendo dois cargos (simultaneamente; por isso mesmo se trata de um cúmulo, não se afasta de seu
cargo vitalício).

Além disso, é importante destacar a existência de um litígio muito grande no Brasil entre as associações
de juízes federais da justiça comum (principalmente a Associação dos Juízes Federais do Brasil - AJUFE) e de
juízes de direito estaduais (uma por Estado). Há um diálogo bastante tenso, pois, com boa margem de razão, os
juízes federais pleiteiam que, sendo os juízos eleitorais de primeira instância federais, lhes seja cabível o cúmulo
funcional eleitoral, ocorra concentradamente em seu proveito. Não obstante, existe uma justificativa histórica
pela qual o ordenamento jurídico elege os juízes estaduais para a acumulação. A justiça federal de 1ª instância
vem se expandindo desde a promulgação da Constituição de 1988, no entanto, desde a sua institucionalização,
em 1891, na República Velha, sempre teve quadros de juízes muito menores do que a de juízes estaduais.

Durante a República Velha, havia basicamente apenas um juiz federal por Estado, com competências
extremamente específicas. Em 1937, com o golpe do Estado Novo, Vargas suprime a Constituição democrática
aprovada, outorgando uma ditatorial, na qual extinta a justiça federal de primeira instância, que viria a ser
instituída novamente apenas em 1966. Nessas ondulações históricas, manteve-se enquanto constante a grande
discrepância entre os quadros funcionais da justiça comum estadual e federal, de forma que, na Constituinte,
entendeu-se que não possuiria número suficiente de magistrados para exercer a jurisdição eleitoral. Mais que
isso, a justiça federal não é tão capilarizada territorialmente quanto a justiça estadual, tanto que as subseções
judiciárias englobam muitas comarcas. E a justiça eleitoral tem de ser bem interiorizada, sobretudo porque a ela
compete a tarefa administrativa de organizar inclusive as eleições municipais. Tal razão matemática é que
culminou no cúmulo funcional em proveito dos juízes estaduais.

Hoje existe uma contraproposta. Reconhecendo a diferença de quadros funcionais e que não há como
igualá-los, a AJUFE tem defendido que onde houver sede de Vara federal, juiz eleitoral deverá ser federal; não
havendo, compete ao juiz estadual. Porém, ainda que a tese seja defensável, essa decisão não pertence ao Poder
Judiciário e, havendo eventual reforma, deverá ser estabelecida pelo Legislativo.

Por outro lado, a questão de lotação de juízes perpassa alguns critérios. O primeiro, é óbvio, refere-
se à própria vontade do magistrado, que irá se oferecer para o cúmulo funcional - caráter necessariamente
voluntário. Dentre aqueles que se ofereceram, o Tribunal tem autoridade para decidir por base em múltiplos
critérios, em geral, à luz da antiguidade e experiência na área eleitoral. Presume-se a imparcialidade dos juízes,
e, portanto, que a questão política não será centralizada. Caberá ao Tribunal explorar também a proximidade
geográfica, sendo ideal a escolha de magistrado local ao cúmulo, para que assim compreenda melhor os fatos e
dinâmicas sociais locais, para além de ser conhecedor do direito.
DIREITO CONSTITUCIONAL POSITIVO II | PROFESSOR: GUSTAVO SAMPAIO | FEITO POR CAROLINA GALVÃO 26

N C) J USTIÇA M ILITAR : C ONSELHOS DE J USTIÇA M ILITAR N

Existe uma característica central da Justiça Militar em relação aos demais ramos especializados. Aqui,
temos uma divisão entre as duas esferas de governo abrangidas pelo Poder Judiciário (União e Estado): ou seja,
temos uma JUSTIÇA MILITAR DA UNIÃO e uma JUSTIÇA MILITAR DO ESTADO. A motivação é de ordem
institucional, já que, no Brasil, existem cinco forças militares (gênero):

N FORÇAS MILITARES BRASILEIRAS N


FORÇAS ARMADAS
ÓRGÃOS DA UNIÃO
- Exército
- Marinha
- Aeronáutica
FORÇAS MILITARES DE CARÁTER AUXILIAR
ÓRGÃOS DO ESTADO
- Corpos de Bombeiros Militares
- Polícias Militares
As Forças Armadas (Exército, Marinha e Aeronáutica) pertencem à União, enquanto as Forças Militares
de caráter auxiliar (Corpos de Bombeiros e Polícias Militares) são estaduais - embora no Distrito Federal sejam
mantidas também pela União, em razão de suas características peculiares. Vê-se que, nos termos da própria
Constituição: “As polícias militares e corpos de bombeiros militares, forças auxiliares e reserva do Exército,
subordinam-se, juntamente com as polícias civis, aos Governadores dos Estados, do Distrito Federal e dos
Territórios” (art. 144, § 6º). Fala-se, por conseguinte, que o governador estadual figura enquanto comandante
superior das Forças Militares de caráter auxiliar; enquanto, por outro lado, figurará o Presidente da República
na qualidade de comandante supremo das Forças Armadas (art. 84, XIII, CRFB) - isto é, há o comando efetivado
por um civil, essencial ao funcionamento de um regime democrático.

É em razão dessa estrutura que haverá Justiça Militar tanto estadual quanto federal, em ambos os casos
para exercer apenas jurisdição criminal especializada, com competência para processar e julgar crimes
militares definidos em lei (art. 124, CRFB). O Código Penal Militar é federal, posto que a competência de
legislar em matéria penal,23 no Brasil, é privativa da União (art. 22, I, CRFB); não obstante, a competência se
distribui no que tange ao julgamento das praças e oficiais integrantes das Forças Armadas ou Forças Militares
de caráter auxiliar - sendo este o funcionamento a grosso modo, que apresentará suas exceções, explicações e
detalhamentos.24

Tem-se que, de uma maneira geral, a função jurisdicional militar de primeira instância é prestada em
órgãos colegiados, pelos CONSELHOS DE JUSTIÇA MILITAR. Aqui, o julgamento não será realizado apenas por
JUÍZES TOGADOS, mas também por JULGADORES EGRESSOS DO OFICIALATO. Existem fatores e razões
históricas que orientam essa fuga à regra da monocraticidade em primeira instância, posto que sua estrutura é
decorrente da figura do escabinato, órgão que evoluiu até os contemporâneos Conselhos de Justiça Militar.

Em 1808, quando houve a chegada da família real portuguesa, retirante das perseguições napoleônicas,
vivenciava-se um momento de grande efusão no território nacional. À época, o Brasil possuía um baixíssimo

23
Embora apresente algumas ferramentas processuais, como o mandado de segurança, seu mérito é a jurisdição criminal.
24
Quem detêm patente nas Forças Armadas são os oficiais. É incorreto referir-se a patentes no que se concerne às praças,
já que estas possuem graduações.
DIREITO CONSTITUCIONAL POSITIVO II | PROFESSOR: GUSTAVO SAMPAIO | FEITO POR CAROLINA GALVÃO 27
grau de institucionalidade, e as mudanças jurídico-políticas feitas culminaram na edificação de órgãos típicos,
inclusive, de um Estado-nacional. Neste sentido, restou instituída, por meio de alvará, uma instância última de
julgamento das praças e oficiais, o Conselho Supremo de Justiça Militar, que é hoje o Superior Tribunal Militar.
Já o julgamento em primeira instância se efetivava, no Império, pelos escabinatos, que são esses colégios de
juízes civis e militares.

Há, atualmente, correntes de defesa do fim da Justiça Militar, redistribuindo seus feitos à Justiça comum.
Aqueles que defendem sua autonomia, porém, por vezes, alegam que seu modelo de composição a reveste da
capacidade de compreender a realidade que emana da vida da caserna. Isto porque a vida militar é pautada,
sobretudo, em um binômio fundamental, o da hierarquia e disciplina. Nestes termos, a presença dos oficiais no
escabinato ou colégio seria o que alimenta de experimentação prático-cultural o momento de julgar, pelas
características próprias do crime militar. Assim, manteve-se a estrutura colegiada na primeira instância da
Justiça Militar. É importante ressaltar, no entanto, que não há órgão estritamente monocrático ou colegiado, de
forma que algumas competências dentro dos Conselhos serão confiadas, por exemplo, ao juiz togado (juiz civil,
que é a Chefia do Conselho), casos nos quais serão, portanto, COMPETÊNCIAS MONOCRÁTICAS.

Exemplifica-se: é certo que o julgamento do mérito da ação penal ocorrerá em colégio. Existe, todavia,
uma fase inicial da relação processual penal, uma peça inicial que deflagra a ação penal pública, que é a denúncia.
Esta será oferecida pelo Promotor Militar para processar e julgar alguém pelo cometimento de um crime. 25 A
fim de gerar efeitos, deverá ser recebida, o que é feito quando atinge os pressupostos necessários à instauração
da ação penal, para que esta, por sua vez, tenha seu transcurso regular. Quem irá recebê-la na Justiça Militar de
primeira instância não é o colegiado, mas o juiz togado, compondo, por conseguinte, competência monocrática.
É o processamento e julgamento que se desenvolve em colegiado, por um juiz togado e quatro oficiais.

Além disso, conforme apontado anteriormente, é o Código Penal Militar (Dec. 1.001/69) que disciplina
a matéria específica aqui perpassada, tendo sido sua promulgação sucedida pela do Código de Processo Penal
Militar (Dec. 1.002/69). Observa-se que ambos os Decretos vieram em um momento histórico bastante curioso.
No Brasil, o Código Penal comum (Dec. 2.848/40) é também um sistema jurídico decorrente de um regime de
força, criado durante a ditadura do Estado Novo de Vargas. Porém, o quadro conjuntural brasileiro de 1969
abarca suas especificidades. Em setembro, adoeceu o Presidente Artur da Costa e Silva, vítima de um acidente
vascular cerebral fulminante, tendo sido formalmente afastado, por esta razão, de sua investidura. A ditadura, o
regime de força, à época, se valia de vestes democráticas e, nesse sentido, se empreendiam esforços: havia dois
partidos, um de situação e outro de oposição, e o Congresso Nacional funcionava. Para efeitos de divulgação
do regime, sobretudo internacional, tudo funcionava em sua normalidade. No sentido de manter essa imagem,
o próprio Vice-Presidente, Pedro Aleixo, era um civil.

Pedro Aleixo viria, naturalmente, a tentar assumir o cargo em virtude do afastamento de Costa e Silva,
porém, foi impedido de tomar posse. Instaurou-se, por conseguinte, uma junta governativa, também denominada
junta militar e triunvirato militar, composta por três oficiais generais de última patente das três Forças Armadas,
para governar o país. O Brasil passou dois meses, então, governado por essa junta, sem possuir um presidente.
A situação se manteve até que novas eleições ocorressem, investindo do cargo Emílio Garrastazu Médici. Não

25
O Ministério Público Militar é órgão especializado do Ministério Público da União completamente composto por civis.
DIREITO CONSTITUCIONAL POSITIVO II | PROFESSOR: GUSTAVO SAMPAIO | FEITO POR CAROLINA GALVÃO 28
obstante, em seu período de atuação, o triunvirato promoveu uma série de mudanças a fim de fortalecer o regime,
inclusive em matérias que já vinham sido debatidas no Congresso Nacional por comissões especializadas, como
no caso do Código Penal Militar e do Código de Processo Penal Militar. Era uma resposta estruturada também
para fortalecer as Forças Armadas, diante da iminência da ascensão de um presidente civil.

Por isso é que temos, hoje, uma Justiça Militar especializada, baseada em um modelo de crimes próprios,
que por vezes percorrem uma disciplina distinta daquela intrínseca ao direito penal comum. Há casos, inclusive,
em que os crimes terão mesma nomenclatura, mas com composição típica diferenciada, em suas elementares ou
até mesmo em seus pressupostos teóricos. É essa a hipótese do crime de dano. No direito penal comum, será,
necessariamente, uma infração dolosa. Não faria sentido, ausente o ânimo, o ímpeto de comprometer a higidez
patrimonial de outrem, provocar-lhe dano, incidir a legislação a fim de penalizar criminalmente um indivíduo.

Desta forma, o art. 163 do Código Penal demanda a vontade de atingir aquele desiderato depreciativo
do patrimônio alheio. No direito penal militar, no entanto, há previsão também da hipótese culposa do crime de
dano: se, pelo mero descuido, incorre nas modalidades de culpa (negligência, imprudência ou imperícia), em
seu exercício funcional, causa dano ao patrimônio, será o militar penalizado criminalmente. Isto porque estão
as Forças Militares submetidas à vigência de um regime hierárquico-disciplinar mais rígido. E é em virtude
dessa estrutura específica que demanda a Justiça Militar especialização.

Houve, ainda, recente discussão, por via de Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental,
acerca da compatibilidade entre o art. 235 do Código Penal Militar e a Constituição Federal de 1988, ou seja,
se teria por ela sido recepcionado. O referido artigo insculpe o crime de “pederastia ou outro ato de libidinagem”,
previsto como “Praticar, ou permitir o militar que com ele se pratique ato libidinoso, homossexual ou não, em
lugar sujeito a administração militar”. A matéria perpassa questões de gênero e de diversidade sexual, tendo se
decidido a questão nos seguintes termos:
“ARGUIÇÃO DE DESCUMPRIMENTO DE PRECEITO FUNDAMENTAL. ART. 235 DO
CÓDIGO PENAL MILITAR, QUE PREVÊ O CRIME DE “PEDERASTIA OU OUTRO
ATO DE LIBIDINAGEM”. NÃO RECEPÇÃO PARCIAL PELA CONSTITUIÇÃO DE 1988.
1. No entendimento majoritário do Plenário do Supremo Tribunal Federal, a
criminalização de atos libidinosos praticados por militares em ambientes sujeitos à
administração militar justifica-se, em tese, para a proteção da hierarquia e da disciplina
castrenses (art. 142 da Constituição). No entanto, não foram recepcionadas pela
Constituição de 1988 as expressões “pederastia ou outro” e “homossexual ou não”,
contidas, respectivamente, no nomen iuris e no caput do art. 235 do Código Penal Militar,
mantido o restante do dispositivo. 2. Não se pode permitir que a lei faça uso de expressões
pejorativas e discriminatórias, ante o reconhecimento do direito à liberdade de orientação
sexual como liberdade existencial do indivíduo. Manifestação inadmissível de intolerância
que atinge grupos tradicionalmente marginalizados. 3. Pedido julgado parcialmente
procedente” (ADPF 291/DF, Rel. Min. Roberto Barroso, julgamento: 28/10/2015).
Por fim, cumpre destacar que a própria Constituição determina casos em que não caberá o julgamento
pelos Conselhos Militares de Justiça. Em se tratando de crime doloso contra a vida, a competência pertence
ao Tribunal do Júri - outra exceção de órgão colegiado em primeira instância -, tanto aos militares estaduais
(por força do art. 5º, XXXVIII, CRFB) quanto federais (por previsão no art. 9º, Código Penal Militar). É também
caso que foge à justiça especializada aqueles em que o militar estadual pratica crime não doloso contra a vida
com vítima civil, hipótese na qual julgado apenas pelo juiz de direito da Justiça Militar, a saber, o juiz togado,
monocraticamente. Ademais, fala-se em EXCEÇÃO na Justiça Militar, em caso similar àqueles em que existe
previsão de foro especial por prerrogativa por função: é competência originária do Superior Tribunal Militar
DIREITO CONSTITUCIONAL POSITIVO II | PROFESSOR: GUSTAVO SAMPAIO | FEITO POR CAROLINA GALVÃO 29
processar e julgar originariamente os oficiais generais das forças armadas (portanto, apenas da União) pela
prática dos crimes militares definidos em lei (art. 6º, I, a, Lei nº 8.457/1992).

Em sede federal, existe uma carreira autônoma JUIZ AUDITOR MILITAR DA UNIÃO (carreira de juízo
federal especializada). Já no âmbito do Estado, apenas em São Paulo existe carreira própria para juiz auditor
militar; nos demais, será o juiz togado, civil, que preside o escabinato, um JUIZ DE DIREITO ESTADUAL
DESIGNADO para atuar nesta função (não em cúmulo funcional), em carreira, portanto, comum, mas lotado na
justiça especializada militar.

Ainda, em termos organizacionais, a Justiça Militar da União se dividirá em demarcações territoriais


denominadas circunscrições judiciárias militares, ao total de doze, que estão previstas na legislação federal
infraconstitucional (art. 2º, Lei nº 8.457/1992), especialmente em razão da quantidade de feitos. Ressalva-se que
a primeira circunscrição militar, que abarca Rio de Janeiro e Espírito Santo, é a maior em número de juízes,
sendo dotada de grande complexidade estrutural. No âmbito estadual, a divisão caberá à Constituição do Estado-
membro, porém, em geral, se determina que resida na capital.

12 CIRCUNSCRIÇÕES
JUSTIÇA MILITAR DA UNIÃO:
1ª: Rio de Janeiro e Espírito Santo; 2ª: São
Paulo; 3ª: Rio Grande do Sul; 4ª: Minas
Gerais; 5ª: Paraná e Santa Catarina; 6ª: Bahia
e Sergipe; 7ª: Pernambuco, Paraíba, Alagoas
e Rio Grande do Norte; 8ª: Pará, Amapá e
Maranhão; 9ª: Mato Grosso, Mato Grosso do
Sul e Rondônia; 10ª: Ceará e Piauí; 11ª:
Goiás, Tocantins e Distrito Federal; 12ª: Acre,
Amazonas, Roraima e Rondônia.
DIREITO CONSTITUCIONAL POSITIVO II | PROFESSOR: GUSTAVO SAMPAIO | FEITO POR CAROLINA GALVÃO 30

N II.3) S EGUNDA I NSTÂNCIA : J USTIÇA C OMUM N

N A) J USTIÇA E STADUAL : T RIBUNAIS DE J USTIÇA N

Neste plano, temos os Tribunais de Justiça, constituídos pelos DESEMBARGADORES e, em sua maioria,
organizados interna corporis a partir de regimentos, que são diplomas normativos próprios de cada Tribunal.
Isto pois aos tribunais compete privativamente “eleger seus órgãos diretivos e elaborar seus regimentos
internos, com observância das normas de processo e das garantias processuais das partes, dispondo sobre a
competência e o funcionamento dos respectivos órgãos jurisdicionais e administrativos” (art. 96, I, a, CRFB).
Sua área de competência jurisdicional foi determinada pela própria Constituição Federal, sendo certo que cada
Estado da Federação, bem como o Distrito Federal, terá um Tribunal de Justiça próprio.

Antes de adentrar em suas especificidades, porém, cumpre relembrar dado histórico relevante. Até o
advento da Emenda Constitucional nº 45/2004, existiam, no Brasil, os chamados TRIBUNAIS DE ALÇADA. A
partir de sua promulgação, restou determinada a extinção dos referidos tribunais, “passando os seus membros a
integrar os Tribunais de Justiça dos respectivos Estados, respeitadas a antiguidade e classe de origem” (art.
4º). Isto é, seus juízes foram chamados a se tornarem desembargadores dos Tribunais de Justiça, que, portanto,
em virtude dessa fusão, em muito tiveram seus quadros ampliados.

No entanto, a Emenda Constitucional nº 45/2004 não foi pioneira no processo de extinção dos Tribunais
de Alçada, sendo certo que alguns Estados, por iniciativa própria de seu Judiciário e através de deliberação no
Legislativo estadual, já se movimentavam nesse sentido. Foi à luz desse contexto que o constituinte derivado,
em âmbito federal, por Emenda Constitucional, resolveu extingui-los integralmente (a todos os subsistentes),
por determinação geral e abstrata. Os Tribunais de Alçada, criados, majoritariamente, na década de 1960, eram
órgãos integrantes da segunda instância da justiça estadual comum. Sua finalidade era a de, a partir da divisão
de trabalho, reduzir a sobrecarga dos Tribunais de Justiça, através de uma partilha de competências ratione
materiae determinada pela legislação estadual - e, portanto, efetivada de formas distintas em cada Estado. Assim,
por exemplo, no Rio de Janeiro, receberiam os casos menos complexos, nos seguintes termos (Lei Estadual nº
841/1985):
Art. 63: “O Tribunal de Alçada Cível terá competência exclusivamente cível, cabendo-lhe
o julgamento dos recursos nas ações relativas à locação de imóveis, nas possessórias, nas
relativas a matéria fiscal do interesse dos municípios, nas de procedimento sumariíssimo
em razão da matéria, nas de acidente do trabalho e nas execuções título extrajudicial,
exceto as de natureza fiscal do interesse do Estado.
Art. 64: “O Tribunal de Alçada Criminal terá competência exclusivamente criminal,
cabendo-lhe o julgamento de habeas-corpus e recursos relativos a processos por crimes
contra o patrimônio, independentemente da pena cominada, e por infrações a que não seja
cominada pena de reclusão, isolada, cumulativamente ou alternativamente, excetuados as
relativas a tóxicos ou entorpecentes e a falências”.
Em termos concretos, é possível referirmo-nos ao exemplo de que, em matéria cível, havendo conflito
de locação e proposta ação de despejo, o recurso iria ao Tribunal de Alçada Cível; em se tratando de uma ação
de responsabilidade civil, com risco de morte do autor, o recurso seria de competência do Tribunal de Justiça.
Por outro lado, em matéria criminal, um indivíduo condenado em primeira instância pelo crime de furto simples
(art. 155, caput, CP) poderia dirigir sua apelação ao Tribunal de Alçada Criminal; enquanto em casos de peculato
ou homicídio a competência seria do Tribunal de Justiça. Vê-se que o próprio ordenamento estadual dividia a
competência recursal, estabelecendo o Tribunal de Alçada não como um intermediário, uma nova instância,
DIREITO CONSTITUCIONAL POSITIVO II | PROFESSOR: GUSTAVO SAMPAIO | FEITO POR CAROLINA GALVÃO 31
mas como órgão competente para julgar determinadas matérias da justiça estadual comum de segunda instância.

Sua funcionalidade era de verdadeiros “tribunais de auxílio”, responsáveis por repartir competências
com o Tribunal de Justiça ratione valorae e ratione materiae, na qualidade de órgão autônomo dentro da
segunda instância da justiça comum estadual. No entanto, embora inexistisse hierarquia, sendo alternativo o
destino do recurso (para o Tribunal de Alçada ou Tribunal de Justiça), havia um rito de passagem na carreira
(ressaltando-se o caráter administrativo, de carreira, sem afetação processual). Um juiz de direito não poderia
ascender diretamente à posição de desembargador, se estipulando enquanto necessária a permanência na
qualidade de juiz de alçada por alguns anos.26

Cronologicamente, destaca-se que a instituição dos Juizados Especiais ocorreu em 1995, e a extinção
dos Tribunais de Alçada, no Rio de Janeiro, procedeu-se em 1997, com a Lei Estadual nº 2.856. Reverenciando
o duplo grau de jurisdição, tem-se que a criação dos Juizados instituiu também as Turmas Recursais, que podem
ser apreendidas enquanto sucedâneo dos antigos Tribunais de Alçada, resguardadas suas características próprias
e divergências. Nestes termos, é possível criticar-se o fato de que o legislador brasileiro, impulsionado pela
necessidade de promover transformações e solucionar o problema da sobrecarga de demandas processuais, na
verdade não trouxe nenhuma transformação substancialmente positiva, muito embora se tenda majoritariamente
a aprovar o modelo dos Juizados. É que estes desencadeiam algumas consequências apriorísticas. As Turmas
Recursais não são tribunais, mas órgão de primeira instância estruturado para satisfazer o duplo grau de
jurisdição, ao conceder a oportunidade de que seja a matéria reapreciada - o que se sucederá por juízes de direito,
não por desembargadores.

A mudança, aparentemente simples, na verdade traz repercussões constitucionais importantes: o recurso


especial ao Superior Tribunal de Justiça só é oponível à decisão emanada de Tribunal (lhe compete “julgar, em
recurso especial, as causas decididas, em única ou última instância, pelos Tribunais Regionais Federais ou
pelos tribunais dos Estados, do Distrito Federal e Territórios” - art. 105, III, CRFB). Não o sendo as Turmas
Recursais, não caberá recurso especial à sua decisão, e isto está inclusive disposto na Súmula 203, baixada pelo
Superior Tribunal de Justiça (“Não cabe recurso especial contra decisão proferida por órgão de segundo grau
dos Juizados Especiais”). Por conseguinte, foram trazidas consequências contrárias a ideia do devido processo
legal, posto que não será possível controlar em sede de legalidade suas decisões. Caberá recurso extraordinário
apenas porque oponível, conforme consolidado pela própria Constituição Federal, é de competência do Supremo
Tribunal Federal julgá-lo às “causas decididas em única ou última instância” (art. 102, III, CRFB), não sendo
feita referência à figura dos Tribunais.

O que ocorre é que, sendo o filtro do recurso extraordinário muito mais apertado, se está, na verdade,
restringindo o acesso à justiça. Por outro lado, nos Tribunais de Alçada se teria a oportunidade de interposição
de recurso especial. É que, em decorrência dessas minudências nomenclaturais, se terá muitas consequências
processuais ressurgindo. Como um todo, há quem afirme que a troca do sistema de Tribunais de Alçada para
instaurar os Juizados Especiais seria uma troca perniciosa, não favorável, diante não só do efeito aqui delineado,
como pela série de restrições que carrega em termos de procedimento, dentre as quais a redução do tempo de
sustentação oral. De toda forma, é o sistema que temos hoje.

26
Assinala-se que os Tribunais de Alçada, enquanto tribunais, tinham em seus quadros a reserva do quinto constitucional.
DIREITO CONSTITUCIONAL POSITIVO II | PROFESSOR: GUSTAVO SAMPAIO | FEITO POR CAROLINA GALVÃO 32
Já nos Tribunais de Justiça, o número de desembargadores e a complexidade estrutural será variável de
acordo com a demanda processual e as especificidades de cada Estado. Tal complexidade, por sua vez, está em
muito vinculada aos regimentos internos. Isto pois, embora, obviamente, as Constituições estaduais apresentem
normas gerais acerca da organização dos Tribunais de Justiça, naqueles espaços silentes, a disciplina cabe ao
regimento. O mesmo não ocorre na primeira instância: o número de Varas, a delimitação territorial de cada
Comarca, tudo está posto na lei estadual de organização e divisão judiciária. É nos tribunais que a organização
interna corporis será ditada majoritariamente a partir de seu regimento. Aqui, se destaca a importância de não
se confundir a figura do tribunal com a primeira instância, erro nomenclatural este que tem sido trazido com
frequência indesejada, inclusive à ciência jurídica. O Tribunal é um órgão de segunda instância, de instância
superior ou de instância extraordinária, mas não existem no âmbito da primeira instância, exceto no caso do
Tribunal do Júri, que é figura bastante peculiar no ordenamento.

Ainda, os Tribunais de Justiça estaduais são de FONTE DE ADMINISTRAÇÃO e vinculação administrativa


das Comarcas e Varas de primeira instância, que em relação aos primeiros resguardarão relação de uma certa
sujeição, destaca-se, de subordinação administrativa. Mas isso não significa que as Varas sejam Tribunais. Tal
asserção é tecnicamente incorreta, vez que as Varas pertencem à justiça do Estado, não ao Tribunal de Justiça
do Estado. O que se chama abstratamente de justiça do Estado é o Poder Judiciário do Estado, que se divide em
duas instâncias. Não obstante, só teremos Tribunais na segunda instância (à exceção, conforme já posto, dos
Tribunais do Júri); o juiz de direito não é membro do Tribunal de Justiça, mas apenas os desembargadores.

Um exemplo de elevado grau de complexidade é o Tribunal de Justiça do Estado do Rio de Janeiro, o


qual, precisamente por este fato, divide-se em uma miríade de órgãos, sobretudo nos órgãos fracionados que
obtêm a denominação de CÂMARAS (no âmbito da União, seria equivalente às chamadas Turmas). Tem-se que
a Câmara é o ÓRGÃO FRACIONÁRIO MÍNIMO, colegiado por excelência, e cada uma delas será composta por
cinco desembargadores. No Rio de Janeiro, temos 27 Câmaras Cíveis e 8 Câmaras Criminais. Certo é que, no
Tribunal de Justiça, os recursos são, por regra, julgados em colégios. Não serão os cinco desembargadores de
cada Câmara, porém, a julgar todo recurso que a ela chegue. Destes cinco, três julgam o recurso de apelação
(um sendo designado relator e outros dois o acompanhando ou não - relator, revisor e vogal), enquanto os dois
restantes não atuarão naquela causa específica.

Os responsáveis por julgar cada demanda serão definidos através da livre distribuição, que, a partir da
teoria da probabilidade, resolve a problemática de equilibrar a carga de trabalho, possibilitando uma divisão
equânime entre os desembargadores. Assim, primeiro há um sorteio eletrônico para definir por qual Câmara
será julgado o recurso e, depois, dentro dela, quais serão os desembargadores atuantes e, por fim, quem será o
relator do caso. Obviamente, outros fatores poderão eventualmente justificar uma distribuição, à exemplo da
previsão ou verificação pela Câmara da distribuição de ação conexa (isto é, se o recurso é conexo, competirá à
mesma Câmara). Neste sentido, são os fatos processuais que determinarão se uma ação será julgada por certa
Câmara ou deixada à livre distribuição. Por exemplo: se antes da sentença de mérito ocorre impugnação de uma
decisão interlocutória por Agravo, a Câmara responsável por julgá-lo, determinada por livre distribuição, terá
também competência na ocasião de interposição de recurso, como garantia da perpetuatio jurisdictionis.27

27
“De acordo com o princípio da perpetuatio jurisdictionis, a determinação da competência para exame de certa causa
se dá no início do processo, com a propositura da ação. Estabelecido o órgão jurisdicional competente, ele o será até o
DIREITO CONSTITUCIONAL POSITIVO II | PROFESSOR: GUSTAVO SAMPAIO | FEITO POR CAROLINA GALVÃO 33
Outro ponto que se destaca é que, da mesma maneira que existem exceções à monocraticidade quando
se trata da primeira instância, aqui também haverá EXCEÇÕES À COLEGIALIDADE. Um exemplo será o caso da
interposição de um Recurso Especial ao Superior Tribunal de Justiça. Como se trata de recurso extraordinário
(gênero), deverá, para que remetido, passar antes por um filtro, pelo juízo de admissibilidade primário feito
pelo próprio Tribunal de Justiça do Estado, o que é empreendido monocraticamente. Posteriormente, o recurso
passará por um novo juízo de admissibilidade, secundário, realizado pelo Superior Tribunal de Justiça, para que,
enfim, possa submeter-se ao juízo de mérito.

Algumas construções são também interessantes. Pouco tempo atrás, edificou-se o entendimento de que
a matéria relativa ao direito do consumidor estaria demasiadamente diluída nos Tribunais de Justiça. Sob esse
prisma, foram criadas Câmaras especializadas em matéria consumerista (com competência ratione materiae).
É que o regime interno tem autoridade de controle estrutural dentro do próprio Tribunal. A irradiação do
PRINCÍPIO DO AUTOGOVERNO DA MAGISTRATURA acaba possibilitando que o próprio Tribunal promove
alterações para si próprio, dentro, é claro, daqueles limites que foram fixados pelas Constituições estaduais (art.
99, CRFB: “Ao Poder Judiciário é assegurada autonomia administrativa e financeira”). Isto permite que, como
na ocasião, vislumbrada a necessidade de uma modificação estrutural a fim de favorecer o acesso e a qualidade
da justiça, seja possível a ela se proceder. No desenho estrutural regulamentado pelo regimento interno, fala-se,
ainda (com competências próprias), no Rio de Janeiro, em:

● SEÇÃO CÍVEL COMUM: “será composta por um Desembargador representante de cada uma das
Câmaras Cíveis Comuns, e será presidida pelo Primeiro Vice-Presidente do Tribunal de Justiça”. O
desembargador representante é eleito entre os membros de cada Câmara Cível Comum para o exercício
de mandato bienal (art. 5ºA, §§ 1º e 2º, Regimento Interno TJRJ).

● SEÇÃO CÍVEL DO CONSUMIDOR: “será composta por dois Desembargadores representantes de cada
uma das Câmaras Cíveis do Consumidor e será presidida pelo Terceiro Vice-Presidente do Tribunal
de Justiça”. O desembargador representante é eleito entre os membros de cada Câmara Cível Comum
para o exercício de mandato bienal (art. 5ºA, §§ 1º e 2º, Regimento Interno TJRJ).

● GRUPOS DE CÂMARAS CRIMINAIS: serão presididos pelo Desembargador mais antigo e estruturaram-

se da seguinte forma:
1º Grupo: 1ª e 2ª Câmaras Criminais;
2º Grupo: 3ª e 4ª Câmaras Criminais;
3º Grupo: 5ª e 6ª Câmaras Criminais;
4º Grupo: 7ª e 8ª Câmaras Criminais;

Em síntese, o Tribunal de Justiça é o único Tribunal de segunda instância dos Estados, sendo certo que
haverá um Tribunal de Justiça em cada um desses membros da Federação. Sua regimentalidade é variável, das
mais às menos complexas, vez que em seus quadros podem figurar muitos ou poucos desembargadores, neste
último caso possuindo um regime mais tênue e simples de organização. No Rio de Janeiro, a estrutura reveste-
se de alta complexidade, figurando em seu Tribunal de Justiça o total de 180 desembargadores. Temos, aqui, a
figura da presidência (com mandato bienal), da primeira vice-presidência, segunda vice-presidência, terceira

final do processo, ainda que o critério de competência venha a ser alterado futuramente” (MARINONI, Luiz Guilherme.
ARENHART, Sérgio Cruz. Manual do processo de conhecimento, v. 2. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2007, p. 46).
DIREITO CONSTITUCIONAL POSITIVO II | PROFESSOR: GUSTAVO SAMPAIO | FEITO POR CAROLINA GALVÃO 34
vice-presidência, órgão especial, plenário, corregedoria geral de justiça, entre outros. Dessa maneira, afere-se
um grande conjunto de colegiados inseridos em sua estrutura.

No que se refere à estrutura da vice-presidência (com primeira, segunda e terceira), o consuetudo


informa que apenas nos Tribunais de grande complexidade esta será adotada, no entanto, não há uma imposição
nem restrição, não se tratando de correspondência estritamente necessária. Já no que tange ao ÓRGÃO ESPECIAL,
é importante destacar que, consoante à disciplina dada pela própria Constituição Federal, um Tribunal só poderá
instituir órgão especial se tiver em seus quadros no mínimo vinte e cinco desembargadores, hipótese na qual
possível um gradiente de composição de onze a vinte e cinco desembargadores (art. 93, XI, CRFB). Com menos,
não haverá possiblidade regimental nem autorização constitucional para estabelecê-lo.

A autorização pelo constituinte originário para sua instituição, por sua vez, decorre da concepção de
que, em muitas hipóteses, o tratamento de determinadas matérias em plenário seria uma má administração do
processo deliberatório e decisório. Explica-se. A Constituição estabelece o princípio da reserva de plenário à
declaração de inconstitucionalidade de lei ou ato normativo do Poder Público por tribunais (art. 97, CRFB). No
entanto, fazê-lo, por exemplo, no Tribunal de Justiça do Estado do Rio de Janeiro, que é composto por 180
desembargadores, seria demasiadamente demorado e inepto. Em coerência à efetividade, autoriza-se, portanto,
a criação do órgão especial (igualmente harmônico ao art. 97 da Constituição, pela expressa previsão de que
nele se logre à declaração de inconstitucionalidade). Proposta representação de inconstitucionalidade (discussão
da constitucionalidade de lei municipal e estadual face à Constituição), portanto, havendo órgão especial, será
ele a julgá-la, e não o plenário.

Há outras hipóteses de competências ao órgão especial, cuja disciplina é feita em plano regimental (uma
vez estabelecida suas competências, caberá ao próprio Tribunal, a partir de seu regimento, estabelecer qual de
seus órgãos internos será responsável por efetivá-las). No Tribunal de Justiça do Estado do Rio de Janeiro, as
competências estão fixadas no artigo 3º de seu Regimento Interno, podendo-se destacar as de processar e julgar
o Vice-Governador e Deputados Estaduais, nos crimes comuns (alínea a); e dos mandados de segurança e habeas
data impetrados contra atos do Governador, Assembleia Legislativa, sua Mesa e Presidente, do próprio Tribunal
ou de seu Presidente e Vice-Presidentes (alínea b). Isso, porém, não esvazia as competências do plenário, que
permanecerá responsável, precipuamente, por decisões administrativas.

Ainda no caso do Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro, conforme postulado em seu regimento interno,
ao tribunal pleno (plenário), integrado por seus 180 desembargadores, competirá eleger o Presidente, os três
Vice-Presidentes e o Corregedor-Geral de Justiça (art. 2º, I), com quórum da presença de 2/3 de seus membros
e sendo necessário o voto da maioria dos membros de seu quadro (art. 10, caput e § 2º). “Se nenhum dos
concorrentes obtiver o número de votos indicado no parágrafo 2º, proceder-se-á a novo escrutínio, ao qual só
concorrerão os dois mais votados, havendo-se por eleito o que obtiver o voto de pelo menos metade dos votantes
e, no caso de empate, o mais antigo, ou, sendo igual à antiguidade, o mais idoso” (art. 10, § 3º).

Uma vez eleitos o Presidente e o Corregedor-Geral da Justiça, ficaram ambos afastados da distribuição
nas respectivas Câmaras e no órgão especial, caso o integrem (art. 11, § 5º). O órgão especial, por sua vez, será
composto por vinte e cinco desembargadores, dentre os quais treze serão determinados pelo critério de
antiguidade (aqueles que estiverem no cargo no período mais elevado de tempo) e doze serão eleitos entre os
demais membros do Tribunal para mandato de dois anos.
DIREITO CONSTITUCIONAL POSITIVO II | PROFESSOR: GUSTAVO SAMPAIO | FEITO POR CAROLINA GALVÃO 35
A segunda instância da justiça estadual comum brasileira, hoje, se compõe por Tribunais de Justiça, os
quais totalizam o número de 27 no Brasil: um para cada um dos 26 Estados e um para o Distrito Federal, que
não é propriamente um Estado-membro da Federação, embora em muito a ele se assemelhe, sobretudo por reunir
em si as competências judiciárias estaduais. No Distrito Federal, teremos o Tribunal de Justiça do Distrito
Federal e TERRITÓRIOS (TJDFT).

Isto pois, a rigor, o Território Federal é uma instituição que ainda está cristalizada na Constituição,
embora, atualmente, não tenhamos um caso concreto, vez que os existentes foram extintos ou convertidos em
Estados. No entanto, tendo sido a figura conservada, poderá voltar a ser efetivada, eventualmente. O Território
Federal é uma área do território nacional que não reúne condições suficientes para subsistir na qualidade de
Estado-membro da Federação, porque não apresenta um mínimo de institucionalidade, de realidade econômica,
política e social, ficando, por conseguinte, sob a tutela da União na condição de autarquias federais. Voltando
a existir, a competência seria entregue ao Tribunal de Justiça do Distrito Federal e Territórios.

Por fim, destaca-se que aqui, na composição dos quadros dos Tribunais de Justiça, haverá a reserva do
QUINTO CONSTITUCIONAL (art. 94, CRFB). Ou seja, um quinto de seus desembargadores deverá ser originário

dos membros do Ministério Público, com mais de dez anos de carreira, e de advogados com notório saber
jurídico e reputação ilibada, com mais de dez anos de efetiva atividade profissional. A representação de cada
uma dessas classes (Conselho Seccional da Ordem dos Advogados do Brasil e Conselho Superior do Ministério
Público Estadual conforme, respectivamente o artigo 58, XIV, EOAB, e artigo 14, I, Lei Orgânica Nacional do
Ministério Público) deverá formular, havendo vacância, uma lista sêxtupla de indicados, a qual será recebida
pelo Tribunal, que, por sua vez, é responsável por reduzi-la a uma lista tríplice (em plenário, possuindo cada
desembargador direito a votar em três nomes), enviada ao chefe do Poder Executivo estadual (governador), que
escolhe um dos integrantes para nomeação.28 Há, porém, uma EXCEÇÃO: no caso do Tribunal de Justiça do
Distrito Federal e Territórios, caberá ao Presidente da República a nomeação. O quinto constitucional é também
resguardado no órgão especial.

● REGRA:
no âmbito da justiça estadual de segunda instância, a nomeação
de desembargadores pelo quinto constitucional é realizada pelos
governadores;
● EXCEÇÃO:
no caso do Tribunal de Justiça do Distrito Federal e Territórios
(TJDFT), a competência será do Presidente da República.

Por fim, aponta-se que a Ordem Nacional dos Advogados do Brasil, em seu Provimento nº 102/2004,
dispôs “sobre a indicação, em lista sêxtupla, de advogados que devam integrar os Tribunais Judiciários e
Administrativos”, disciplinando, dentre outras matérias, acerca dos requisitos necessários para a inscrição no
processo seletivo, conforme se depreende:
Art. 5º: “Como condição para a inscrição no processo seletivo, com o pedido de inscrição
o candidato deverá comprovar o efetivo exercício profissional da advocacia nos 10 (dez)
anos anteriores à data do seu requerimento e, tratando-se de Tribunal de Justiça Estadual
ou de Tribunal Federal, concomitantemente, deverá comprovar a existência de sua
inscrição, há mais de 05 (cinco) anos, no Conselho Seccional abrangido pela competência

28
Em sede de segunda instância, ao contrário do que ocorre nos Tribunais Superiores, porém, não haverá intervenção do
Legislativo na nomeação.
DIREITO CONSTITUCIONAL POSITIVO II | PROFESSOR: GUSTAVO SAMPAIO | FEITO POR CAROLINA GALVÃO 36
do Tribunal Judiciário.
Parágrafo único. Não será admitida inscrição de advogado que possua mais de 65
(sessenta e cinco) anos de idade na data da formalização do pedido”.

N B) J USTIÇA F EDERAL : T RIBUNAIS R EGIONAIS F EDERAIS N

A constituição da segunda instância da justiça federal comum é realizada pelos TRIBUNAIS REGIONAIS
FEDERAIS, divididos territorialmente em 5 REGIÕES, as quais, por sua vez, não se confundem ipso iuris com
as seções judiciárias no âmbito dos Estados-membros. Tratam-se de coisas distintas: enquanto as regiões
existem no âmbito da segunda instância (isto é, na qualidade de demarcações territoriais de segunda instância
da justiça federal comum), as seções judiciárias referem-se às macrodemarcações territoriais da primeira
instância, com limites fixados pelo próprio constituinte. A região também não se confunde com seção judiciária,
embora tenda a agrupar várias delas. No Rio de Janeiro, por exemplo, estamos sob a competência territorial do
Tribunal Regional Federal da 2ª região, que corresponde (territorialmente) às seções judiciárias tanto do Rio de
Janeiro quanto do Espírito Santo.

Assim, teremos cinco áreas de competência territorial, uma para cada Tribunal Regional Federal (e,
uma vez que prosseguimos à soma de todas, alcançamos o equivalente ao próprio território nacional). Nesta
seara, chegamos inclusive a ter editada norma nova, a qual, no entanto, não foi implementada por questões
fático-orçamentárias. De toda forma, merece análise. A Emenda Constitucional nº 73/2013, visualizando o
problema do acesso à justiça que se encontra premente no Brasil, determinou a criação de quatro novos Tribunais
Regionais Federais, alterando o artigo 27 do Ato das Disposições Constitucionais Transitórias, para que então
passasse a vigor acrescido do § 11:
Art. 27, § 11: “São criados, ainda, os seguintes Tribunais Regionais Federais: o da 6ª
Região, com sede em Curitiba, Estado do Paraná, e jurisdição nos Estados do Paraná,
Santa Catarina e Mato Grosso do Sul; o da 7ª Região, com sede em Belo Horizonte, Estado
de Minas Gerais, e jurisdição no Estado de Minas Gerais; o da 8ª Região, com sede em
Salvador, Estado da Bahia, e jurisdição nos Estados da Bahia e Sergipe; e o da 9ª Região,
com sede em Manaus, Estado do Amazonas, e jurisdição nos Estados do Amazonas, Acre,
Rondônia e Roraima”.
Questiona-se: onde estão esses Tribunais? Em primeiro lugar, aponta-se que os efeitos de tal Emenda
foram suspensos pelo deferimento da liminar na Ação Direta de Inconstitucionalidade nº 5.017, em decisão
monocrática proferida pelo Min. Joaquim Barbosa. Subsiste na questão um grande imbróglio interpretativo. Há
quem afirme que, através da Emenda Constitucional 73/2013, se teria adentrado em âmbito de esfera legislativa
de iniciativa do Poder Judiciário. É que, segundo essa corrente, muito embora coubesse ao constituinte derivado
determinar a instituição de novos Tribunais Regionais Federais, não lhe seria competência a de circunscrever
sua abrangência. Aqui, o que se questiona, portanto, é a própria validade do pronunciamento.

Nestes espaços interpretativos, subsiste a disputa entre interesses dos Estados que intentam também se
tornarem sede de Tribunal Regional Federal, bem como de segmentos da magistratura federal. Isto pois
adiciona-se ao questionamento da própria validade da determinação das demarcações de competência territorial
fixadas pelo legislador, o fato de que a Emenda foi silente no que tange a como restaria, uma vez instituídos os
novos tribunais, aqueles preexistentes, o que ficaria a cargo do legislador complementar, do Congresso Nacional,
através da Lei de Organização e Divisão Judiciária, com iniciativa do Judiciário e deliberação congressista, vez
que aqueles que detêm autoridade para editar uma nova Emenda, seja aditiva, supressiva ou modificativa. De
toda forma, certo é que existem Estados que vindicam historicamente a sede de Tribunal Regional Federal,
DIREITO CONSTITUCIONAL POSITIVO II | PROFESSOR: GUSTAVO SAMPAIO | FEITO POR CAROLINA GALVÃO 37
como é o caso de Minas Gerais (por sua importância histórica, dimensão populacional e volume processual em
causas da justiça federal comum), mas também, por exemplo, da Bahia e de Manaus.

Não obstante, para além da questão processual, tem-se um problema de ordem político-orçamentária
no Brasil. O ano da Emenda coincide precisamente com aquele em que se começou a mergulhar em uma crise
financeiro-orçamentária, e é certo que a criação de Tribunais envolve vultosos custos: por exemplo, no que
tange à remuneração de magistrados (vitalícios), de gabinetes, assessorias, analistas judiciários, oficiais de
justiça, profissionais de apoio e mesmo e, até, com o edifício. Em meio ao contexto de crise dessa ordem, pesam
os fatos ora trazidos pela justificativa processual da decisão monocrática-liminar conferida. Não houve, porém,
ainda, a apreciação do mérito.

5 REGIÕES - JUSTIÇA FEDERAL:


1ª Região: MG, BA, PI, MA, MT, GO, DF
(sede), TO, AM, PA, AC, RO, RR, AP.
2ª Região: RJ (sede) + ES.
3ª Região: SP (sede) e MS.
4ª Região: RS (sede), SC e PR.
5ª Região: SE, AL, PE (sede), PB, RN e CE.

SEDE de maneira geral, situada na seção judiciária mais populosa, mas, principalmente, naquela que reúne maior
demanda, maior número de causas tramitando legislador não tem tanto compromisso com a divisão territorial ou
organização geográfica do país na determinação da extensão de cada região.

Insta ressaltar de onde decorre a problemática, já citada, de ACESSO À JUSTIÇA. Conforme quadro
aposto acima, temos cinco regiões no Brasil, com abrangência, em termos estritamente territoriais, muito
diferenciada. E do fato de que determinadas regiões reúnam, numericamente, mais Estados, não se afere
necessariamente que estes tenham uma demanda baixa. Vê-se que, por exemplo, na 1ª Região, que Minas Gerais
tem grande densidade populacional e volume processual; e a Bahia dimensão extensa. No entanto, de maneira
geral, reúnem-se muitas seções judiciárias com um volume de processos menor. A questão é que, se somarmos
todas as seções judiciárias abarcadas pela 1ª Região, estaremos diante de 83% do território brasileiro, que é um
território continental. Não há problemas no recurso de uma decisão proferida em uma Vara Federal de Brasília
ser interposto ao Tribunal Regional Federal da 1ª Região, também sediado em Brasília; mas e quando a decisão
é proferida em uma Vara Federal de Boa Vista, em Roraima? A distância física não se fará razoável.

Foi basicamente essa estrutura que inspirou o poder constituinte derivado quando da edição da Emenda
Constitucional nº 73/2031. O que se quis foi ampliar a acessibilidade justiça comum federal. Na primeira
instância, a própria Constituição Federal já estipulou que todo Estado-membro constituirá (corresponderá a)
uma seção judiciária federal. O acesso à justiça, porém, não se exaure na primeira instância. É por esta razão
que se prosseguiu ao intuito de construir uma MAIOR REGIONALIZAÇÃO, capilaridade da justiça comum federal.
Nesse sentido, um dos pleitos que parece mais sustentável é o da instituição de um Tribunal Regional Federal
sediado no Amazonas, a fim de conferir ACESSIBILIDADE RECURSAL àquelas partes que figuram em processos
federais na região amazônica, diante de sua grande relevância comercial e situação geograficamente distante do
Distrito Federal. A lógica é de que, quanto mais Tribunais, maior o acesso à justiça.
DIREITO CONSTITUCIONAL POSITIVO II | PROFESSOR: GUSTAVO SAMPAIO | FEITO POR CAROLINA GALVÃO 38
Ademais, é possível aludir aqui a um comentário relevante em um mundo de grandes transformações,
as quais trazem em si o vetor da tecnologia, em uma velocidade revolucionária. É que embora tenha a Emenda
Constitucional nº 73/2013 tenha sido criada para garantir a regionalização da justiça federal comum de segunda
instância, recebeu fortes críticas daqueles que afirmam não ser mais necessário o emprego de tanto dispêndio
na criação de Tribunais, pois se teria consolidado no Brasil o instituto do PROCESSO JUDICIAL ELETRÔNICO.
Este, a rigor, no discurso dos entusiastas da tecnologia, encurtaria as distâncias. Porém, a mera capacidade de
se protocolar petições sem deslocamento é insuficiente; o acesso à justiça não se reduz a protocolos.

Ao advogado incumbe realizar o trabalho judicioso e atento, trazendo legitimamente o interesse da parte,
o que muitas vezes exige não apenas que compareça à tribuna do Tribunal para fazer sustentação em sua defesa
(o que é importantíssimo, vez que, diante de desembargadores afundados em uma pauta infinita de processos,
em muitos casos formarão suas decisões na própria sustentação), como, a depender da sutileza da causa e da
sensibilidade da temática, comparecer aos gabinetes providos em mãos do memorial (instrumento fundamental,
referente, em síntese, à tese sustentada no recurso de apelação, que será lida antes do julgamento). A boa defesa
do interesse legítimo exige, portanto, presença, comparecimento - que será tão mais custoso quanto distante a
parte da sede do Tribunal. Imagine uma pessoa natural comum, simplória, litigante em Boa Vista, Roraima. Sua
vida está em jogo no recurso interposto, mas não necessariamente poderá arcar com as despesas necessárias
para que seu advogado compareça à Brasília, ali permaneça por alguns dias, distribua memoriais e realize a sua
sustentação. Nestes termos, pode-se afirmar que muitas vezes a tecnologia se faz excludente, segregacionista e
sectarista; por vezes, a tecnologia excluí.

No que tange ao Tribunal Regional Federal da 4ª Região, há problemática no mesmo sentido, na medida
em que adotou o sistema de sustentação oral telepresencial. Exemplifica-se. Um advogado do Paraná não precisa
mais deslocar-se até Porto Alegre para realizar sua sustentação oral. Basta comparecer à sede da seção judiciária
e fazê-la em uma sala específica, destinada a tal fim. O que ocorre é que a qualidade da sustentação não é a
mesma: é necessário sentir as pequenas nuances comunicacionais dos desembargadores, o que não será possível,
se reduzindo, por conseguinte, a capacidade de persuasão; da mesma forma, se fica sujeito à ocorrência de falhas
e interrupções técnicas. Em síntese: a presença é de enorme relevância para a ampla defesa. Por todo o exposto
é que a regionalização e capilarização da justiça comum federal é importante, em homenagem ao acesso à justiça
e à viabilização da proximidade da parte em relação ao Tribunal no qual a causa tramita.

Há outro dado histórico relevante a ser destacado: esse modelo de regionalização se deu apenas com o
advento da Constituição Federal de 1988, nos Atos das Disposições Constitucionais Transitórias. Desta forma,
questiona-se: como funcionava antes? Tínhamos, então, o Tribunal Federal de Recursos, que, portanto, foi
extinto há quase trinta anos. Apesar disso, são, ainda, por vezes citados seus acórdãos e súmulas por advogados
em suas petições e, até mesmo, por juízes em suas peças processuais. Isto decorre da relevância da qual já foi
dotado no Brasil, atuando sua jurisprudência, referência até os dias de hoje, enquanto instrumentos de persuasão
racional. Com sede em Brasília, o Tribunal Federal de Recursos era um tribunal único para toda a segunda
instância da justiça federal comum brasileira, isto é, possuía competência territorial em todo o território nacional.
Diante da multiplicação no volume processual na justiça federal desde o advento da Constituição de 1988, certo
é que não se pode mais imaginar uma estrutura como esta, que não suportaria jamais a demanda recursal.
DIREITO CONSTITUCIONAL POSITIVO II | PROFESSOR: GUSTAVO SAMPAIO | FEITO POR CAROLINA GALVÃO 39
Deve se atentar também com um equívoco histórico comumente cometido. Resta óbvio que o Tribunal
Federal de Recursos foi extinto. Porém, quando avançamos aos tribunais superiores, percebemos que seus então
desembargadores foram convertidos em ministros do Superior Tribunal de Justiça, compondo seu primeiro
quadro de magistrados. Com base em tal fato, muitos afirmam que o Superior Tribunal de Justiça seria um
sucedâneo do Tribunal Federal de Recursos, que este teria sido substituído por aquele. Isso não é verdade. O
que aconteceu foi um aproveitamento de seu corpo de juízes, para que não se aposentassem compulsoriamente,
mas as competências não são as mesmas. Na verdade, foram transferidas aos Tribunais Regionais Federais.

Aqui, atuam os DESEMBARGADORES FEDERAIS, cuja instituição se dá segundo o critério constitucional:


serão os juízes federais de primeira instância promovidos, alternadamente, pelos critérios de antiguidade e de
merecimento, resguardada a aplicação do QUINTO CONSTITUCIONAL dos advogados e membros do Ministério
Público. Isto de extrai da literalidade do texto da Constituição:
Art. 107: “Os Tribunais Regionais Federais compõem-se de, no mínimo, sete juízes,
recrutados, quando possível, na respectiva região e nomeados pelo Presidente da
República dentre brasileiros com mais de trinta e menos de sessenta e cinco anos, sendo: I
- um quinto dentre advogados com mais de dez anos de efetiva atividade profissional e
membros do Ministério Público Federal com mais de dez anos de carreira; II - os demais,
mediante promoção de juízes federais com mais de cinco anos de exercício, por antiguidade
e merecimento, alternadamente”.
Vacante o assento de desembargadoria, afere-se a origem da vaga para prosseguir-se à determinação de
um sucessor. O procedimento, porém, é mais rígido e sinuoso. Caberá ao Conselho Federal da Ordem dos
Advogados do Brasil, após publicada divulgação acerca da vacância da vaga, prosseguir à elaboração de lista
sêxtupla (artigo 54, XIII, EOAB). Esta, por sua vez, é encaminhada ao Tribunal Regional Federal, que, em
votação plenária, a reduz a três nomes, dentre os quais deverá o Presidente nomear um. Ademais, se efetivado
o disposto na Emenda Constitucional nº 73/2013, deverão ser criados novos cargos. Se, por exemplo, o Estado
do Amazonas deixar de integrar a 1ª Região, criado novo Tribunal, haverá um edital para que magistrados
das seções judiciárias submetidas àquela nova Região postulem a ascensão ao cargo de desembargadoria
federal (isto se dando pelo critério de antiguidade e merecimento e em respeito ao quinto constitucional).

Ressalta-se que no exercício da advocacia, em algumas hipóteses, far-se-á necessária, além do registro
principal (“no Conselho Seccional em cujo território pretende estabelecer o seu domicílio profissional” - art.
10, caput, EOAB) a inscrição suplementar, “em cujos territórios passar a exercer habitualmente a profissão,
considerando-se habitualidade a intervenção judicial que exceder de cinco causas por ano” (idem, § 2º). No
que tange ao quinto constitucional, nos termos do artigo 5º do Provimento 102/2004,29 do Conselho Federal da
Ordem de Advogados do Brasil, o candidato “deverá comprovar a existência de sua inscrição, há mais de 05
(cinco) anos, no Conselho Seccional abrangido pela competência do Tribunal Judiciário”. Assim, para que
possa se habilitar ao processo seletivo de um Tribunal Regional Federal de certa Região, terá de comprovar sua
inscrição, há mais de cinco anos, em Seccional sob sua competência territorial (no caso do Tribunal Regional
Federal da 2ª Região, por exemplo, no Rio de Janeiro ou Espírito Santo), e que tenha nesta área exercido, por
10 anos, ininterruptamente, a advocacia (aqui, da justiça federal). No mesmo sentido, se quiser se candidatar ao
Tribunal de Justiça, terá de comprovar o exercício no respectivo Estado (onde exerce competência territorial).

29
Havendo qualquer dúvida de cumprimento do provimento, deverá o próprio Conselho Federal da Ordem de Advogados
do Brasil decidir como agir, dirimindo as zonas de dúvida interpretativa.
DIREITO CONSTITUCIONAL POSITIVO II | PROFESSOR: GUSTAVO SAMPAIO | FEITO POR CAROLINA GALVÃO 40
Cada Tribunal Regional se divide em órgãos internos colegiados denominados TURMAS, nos termos da
teoria do órgão. Dessa forma, aquilo que chamamos de Câmaras nos Tribunais de Justiça estaduais, aqui obtém
a nomenclatura de Turmas. Somente à guisa de exemplo, o Tribunal Regional Federal da 2ª Região, de vinte e
sete desembargadores federais em seus quadros, se divide em oito Turmas, com três desembargadores cada. Isto
não quer dizer que as também as Turmas sejam os únicos órgãos fracionários. Teremos, aqui, também as
SEÇÕES (“conjunto de Turmas”, somatório), nos seguintes termos:

1ª SEÇÃO: 1ª Turma + 2ª Turma;


2ª SEÇÃO: 3ª Turma + 4ª Turma;
3ª SEÇÃO: 5ª Turma + 6ª Turma + 7ª Turma + 8ª Turma

Ressalta-se que as seções coincidem com o somatório das desembargadorias das Turmas, mas são órgão
distinto. Em termos mais técnicos, poderia se afirmar que, na verdade, as Turmas constituem a seção. Ocorre
que a matéria de competência desses órgãos será a mesma, mas os incidentes processuais que lhe incumbem
julgar não. Pois bem, mas o que é competência de Turma e de Seção? Estará disciplinado no regimento interno
de cada Tribunal. De uma maneira geral, os processos em grau de recurso são destinados às turmas. É o
caso, por exemplo, de um Agravo de Instrumento interposto à decisão interlocutória de uma das Varas Federais
em seção judiciária de competência territorial daquele Tribunal. Da mesma maneira, também será competência
da Turma o recurso de apelação impugnando sentença proferida pelo juiz federai de sua área de competência.
Cada regimento interno faz a sua própria divisão, e o Tribunal Regional da 2ª Região, por exemplo, fez a escolha
de procurar dividir-se internamente em TURMAS ESPECIALIZADAS, como movimento normativo relevante a
fim de buscar a dinamização dos serviços jurisdicionais da Corte.

É que até a década de 1990, o Tribunal Regional Federal da 2ª Região tinha tão somente seis Turmas,
cada qual com quatro desembargadores (quadro compositivo era numericamente igual, apenas a divisão interna
era empreendida de maneira distinta). Neste modelo, não havia distinção em matéria: todas as Turmas possuíam
competência para julgar todas as matérias trazidas. Com o passar do tempo, porém, como o Tribunal não logrou
êxito em crescer em número de desembargadores, por falta de autorização legislativa, optou por reduzir quantos
seriam alocados em cada Turma, aumentando a quantidade desses órgãos fracionários de seis para oito:

N COMPETÊNCIAS ESPECIALIZADAS - SEÇÕES TRF230 N


1ª SEÇÃO: em direito penal, previdenciário e propriedade intelectual;
2ª SEÇÃO: em direito tributário;
3ª SEÇÃO: em matéria residual cível e administrativa.

Deste modelo, extraem-se duas consequências relevantes: a) há livre distribuição entre, no mínimo,
dois órgãos de mesma competência, para que se evite uma excessiva concentração de competências (impedindo
que seja sempre a mesma Turma a julgar determinada matéria); b) há divisão por competências especializadas,
permitindo um tratamento mais adequado da matéria. No entanto, as seções, como as Turmas, enquanto divisões
dos Tribunais, tem competências fixadas pelos regimentos internos, e, por conseguinte, variáveis, próprias.

30
Ressalta-se que essa organização é propriamente do Tribunal Regional Federal da 2ª Região, podendo e sendo estipulado
de maneira diversa em outras regiões. É o caso, por exemplo, do Tribunal Regional Federal da 4ª Região. A competência
para julgar o habeas corpus impetrado em favor do ex-Presidente Luiz Inácio Lula da Silva foi da Oitava Turma. Isto pois,
naquele Tribunal, esta terá competência em matéria criminal.
DIREITO CONSTITUCIONAL POSITIVO II | PROFESSOR: GUSTAVO SAMPAIO | FEITO POR CAROLINA GALVÃO 41
Não obstante, a afirmação de que as Turmas, em geral, julgam recursos resguarda EXCEÇÕES. Analisa-
se o caso da ação rescisória: não se trata de recurso, mas de ação originária visando à desconstituição da coisa
julgada. Isto pois, embora seja a coisa julgada característica da imutabilidade da decisão, revestindo-a de caráter
imutável, apenas o será pela via de recurso. Uma vez ocorrido o trânsito em julgado, o que não se admitirá é
apelação, agravo, recurso especial, recurso extraordinário, nem embargos. Haverá ainda, no entanto, ações
autônomas próprias de impugnação da coisa julgada, cujas espécies são a ação rescisória e a revisão criminal.
Claro que estas não serão livres, em nome da necessidade da estabilidade jurídica (um dia o processo tem de
terminar), sendo cabíveis apenas em circunstâncias excepcionalíssimas.

Tem de existir uma prova nova, mas não tão somente nova, quanto impassível de ser produzida quando
da instrumentalização cognitiva e probatória da relação processual; que era, àquele tempo, inalcançável. Se a
prova não fora produzida por dissídio do advogado ou descuido da parte, não caberá a desconstituição da coisa
julgada. Agora, imagine-se uma sentença de Vara Federal transitada em julgado. Embora fosse cabível o recurso,
este não foi interposto. Quem será competente para processar e julgar ação rescisória ou revisão criminal
é a Turma, muito embora não se refira a competência recursal do Tribunal. Por outro lado, se houve o trânsito
em julgado de um acórdão da Terceira Turma do Tribunal Regional Federal da 2ª Região, em matéria tributária,
surgindo prova nova, a quem competirá o julgamento de ação rescisória? Não caberá à própria Turma, nem a
uma distinta, de mesma especialização, mas à Seção (nesse caso, da 2ª Seção). Assim, “na sessão da seção
julgar-se-á a ação rescisória”. Porém, esta é organização empreendida no Tribunal Regional Federal da 2ª
Região, sendo possível a divisão competencial interna corporis de maneira distinta.

● REGRA:
as Turmas têm competência para processar e julgar recursos;
● EXCEÇÃO:
as Turmas terão competência para processar e julgar as ações
rescisórias e revisões criminais (originárias);
● EXCEÇÃO DA EXCEÇÃO:
as Seções terão competência para processar e julgar as revisões
criminais e ações rescisórias se o trânsito em julgado se deu em
sede de acórdão.
ISTO É, em geral, a Turma de Tribunal Regional Federal é o julgamento de matéria recursal; no entanto,
também terá competência para as ações rescisórias e revisões criminais nas hipóteses em que o trânsito em
julgado se deu sem interposição de recurso, ou seja, em sentença prolatada na primeira instância.

No âmbito do Tribunal Regional Federal da 2ª Região teremos, ainda, um ÓRGÃO ESPECIAL (cabível,
posto que constituído por vinte e sete desembargadores), hoje composto de 14 desembargadores. Novamente,
como foi tratado na disciplina do Tribunal de Justiça, é importante lembrar que da existência do órgão especial
não se extrai o completo esvaziamento das competências do plenário, que permanece, essencialmente, com
funções de ordem administrativa (como eleição de presidente, vice-presidente e elaboração de lista tríplice ao
quinto constitucional). No entanto, as vezes irá exercer funções típicas de pleno, competindo-lhe, por exemplo,
julgar os incidentes de inconstitucionalidade. Do princípio da reserva de plenário, estabelecido pela Constituição
aos Tribunais a fim de lhes reger uma boa funcionalidade, se extrai a submissão de matéria de controle de
constitucionalidade ao tribunal pleno ou órgão especial.

Há, porém, uma diferença central no controle de constitucionalidade exercido pelos Tribunais de
Justiça e pelos Tribunais Regionais Federais. Ao primeiro, será conferida a competência para processar e julgar
DIREITO CONSTITUCIONAL POSITIVO II | PROFESSOR: GUSTAVO SAMPAIO | FEITO POR CAROLINA GALVÃO 42
as ações diretas de controle concentrado das leis estaduais e municipais face às Constituições estaduais, isto é,
da chamada representação de inconstitucionalidade. Em outras palavras, nos Estados-membros, quem irá
desempenhar o controle de constitucionalidade concentrado são os Tribunais de Justiça, seja em seu plenário,
seja em seu órgão especial. Se uma lei editada no município de Niterói atenta frontalmente contra a Constituição
do Estado do Rio de Janeiro, algum dos legitimados poderá propor uma representação de inconstitucionalidade
diretamente no âmbito do Tribunal de Justiça estadual, para que seja efetuado o controle concentrado abstrato
de constitucionalidade. Isso é, mutatis mutandi, o que o Supremo Tribunal Federal faz nas ações diretas de
(in)constitucionalidade face à Constituição Federal.

Não existe, porém, apenas controle concentrado no Brasil. Não fosse a coexistência entre o controle
difuso e abstrato, não haveria de se falar em competência do Tribunal Regional Federal para o controle de
constitucionalidade, pois não poderá efetuá-lo em abstrato. Trata-se de um tribunal federal e, no âmbito da
justiça federal, quem detém competência para realizar o controle concentrado é o Supremo Tribunal Federal. O
que lhe cabe é, estritamente, o controle incidental (particularmente comum em matéria tributária). Questiona-
se: como será exercido esse controle difuso? No âmbito dos Tribunais, ele ocorre através dos incidentes de
inconstitucionalidade, de características bem distintas das representações. Os incidentes ocorrem quando, em
um órgão fracionário ou fracionado, por exemplo uma Turma ou uma Câmara, é acenada dúvida acerca da
constitucionalidade, seja isto empreendido pelo recorrente ou recorrido, pelo desembargador ou mesmo pelo
representante do Ministério Público em atuação junto àquele órgão.

É por este aceno de inconstitucionalidade que o Tribunal será provocado a decidir sobre a matéria. Aqui,
teremos que compreender que a afirmação da Constituição Federal de que cabe ao pleno julgar matéria de
controle de constitucionalidade não se restringe ao controle concentrado. Se, na 21ª Câmara Cível surge
um incidente de inconstitucionalidade, não poderá a própria Câmara julgá-lo. Em respeito ao princípio da
reserva de plenário, o Presidente da Câmara, diante do fato suscitado, deve suspender o julgamento do processo
e instaurar o incidente, encaminhando-o para o órgão especial ou plenário (a depender do Tribunal), que, por
sua vez, tem competência apenas para tratar da constitucionalidade, não lhe cabendo decidir o mérito da ação.
Dada a resposta, ou seja, decidida a matéria constitucional, o incidente é devolvido com sua decisão à 21ª
Câmara, que retorna o julgamento do processo, agora já jungido do que fora julgado pelo órgão especial acerca
da constitucionalidade da questão. Temos aqui uma CISÃO FUNCIONAL DE CARÁTER HORIZONTAL; horizontal
porque advém do próprio Tribunal.

Por fim, tem-se que a composição do órgão especial irá variar de acordo com cada regimento. A única
restrição constitucional é numérica (possível institui-lo apenas se houver, no mínimo, 25 desembargadores no
Tribunal, e devendo ser composto de no mínimo 11 e, no máximo, 25 membros). Não necessariamente precisa,
por exemplo, ter um membro de cada uma das Turmas do Tribunal. De modo geral, será constituído por uma
parcela de desembargadores mais antigos (critério de antiguidade) e uma parcela eleita para mandato bienal
pelos demais.

Pode-se aludir no âmbito da segunda instância justiça federal comum a uma discussão semântica que é,
porém, pouco proveitosa. Afinal, estaríamos tratando de fato de desembargadores federais ou juízes de direito?
Em cada um dos cinco regimentos internos dos Tribunais Regionais Federais, fala-se em desembargador federal.
Há dissidências, pois a Constituição não resolveu o problema. Não obstante, ao imaginário social e coletivo, o
DIREITO CONSTITUCIONAL POSITIVO II | PROFESSOR: GUSTAVO SAMPAIO | FEITO POR CAROLINA GALVÃO 43
que interessa é a boa comunicação com o jurisdicionado, ao qual mais fácil a visualização do juiz de direito
como magistrado de primeira instância e do desembargador em segunda.

É que nossa Lei Orgânica da Magistratura (Lei Complementar nº 35/1979), foi editada sob a égide da
Constituição Federal de 1979, ainda no regime ditatorial civil-militar. Portanto, trata-se de normativa anterior à
Constituição de 1988, a qual, por sua vez, foi responsável por instituir a figura do Tribunal Regional Federal.
Não haveria como, então, referir-se o legislador a desembargadores federais em órgão que sequer existia. O
problema é que a Carta de 1988 foi silente na temática, não se preocupando em conferir denominação aos seus
membros. Como consequência, por muito tempo os membros dos Tribunais Regionais Ferais foram chamados,
inclusive pelos regimentos internos, de juízes federais de segunda instância. Foi a partir do transcorrer do tempo
que se considerou mais coerente a denominação desembargadores federais. Isto foi feito inicialmente por alguns
regimentos, estendeu-se a todos e, hoje, é lógica utilizada inclusive na Justiça Trabalhista (para denominar os
magistrados que compõem o quadro da segunda instância como desembargadores do trabalho). A tendência é
que essa pequena lacuna venha a ser resolvida em sede de Emenda Constitucional, a fim de consolidar a matéria.
DIREITO CONSTITUCIONAL POSITIVO II | PROFESSOR: GUSTAVO SAMPAIO | FEITO POR CAROLINA GALVÃO 44

N II.4) S EGUNDA I NSTÂNCIA : J USTIÇA E SPECIALIZADA N

N A) J USTIÇA DO T RABALHO : T RIBUNAIS R EGIONAIS DO T RABALHO N

Na Justiça especializada do Trabalho de segunda instância, temos hoje a divisão em 24 REGIÕES. O


propósito inicial era o de que houvesse, pelo menos, tantas regiões quanto seções judiciárias existentes em
primeira instância - ou seja, a proposição era de que cada Estado-membro da Federação correspondesse a, no
mínimo, um TRIBUNAL REGIONAL DO TRABALHO. No entanto, questões de ordem orçamentária fizeram com
que o ideário inscrito na Constituição de 1988 não fosse atendido. Assim, a determinação, já ineficaz, restou
dispensada a partir da Emenda Constitucional n. 45/2004:
Art. 112: “Haverá pelo menos um Tribunal Regional do Trabalho em cada Estado e no
Distrito Federal, e a lei instituirá as Juntas de Conciliação e Julgamento, podendo, nas
comarcas onde não forem instituídas, atribuir sua jurisdição aos juízes de direito” (redação
original).
Art. 112. “A lei criará varas da Justiça do Trabalho, podendo, nas comarcas não
abrangidas por sua jurisdição, atribuí-la aos juízes de direito, com recurso para o
respectivo Tribunal Regional do Trabalho” (redação dada pela Emenda Constitucional n.
45/2004).
Atualmente, temos, em geral, um Tribunal Regional do Trabalho por Estado-membro da Federação,
ressalvadas as seguintes exceções: a) São Paulo: é sede do Tribunal Regional do Trabalho da 2ª e da 15ª
regiões,31 sendo de fundamental importância ressaltar que, embora estejam esses Tribunais sediados em São
Paulo, não são de São Paulo; essa divisão da competência territorial da jurisdição ocorre em virtude do grande
volume processual que apresenta e na necessidade de maior proximidade à segunda instância, que é ainda mais
relevante em matéria trabalhista, posta a sua particular sensibilidade; b) Amapá, Tocantins, Roraima e Acre:
localizam-se sob a competência territorial dos Tribunais Regionais do Trabalho, respectivamente, da 8ª, 10ª, 11ª
e 14ª regiões, que, no entanto, estão sediados no Pará, Distrito Federal, Amazonas e Rondônia.

A existência de um número maior de regiões na justiça do trabalho, quando comparada à justiça federal
comum, se deve à especificidade de sua matéria que, conforme anteriormente delineado, pauta-se pela tensão
entre os fatores da economia capitalista (trabalho x capital) e na relação de vulnerabilidade do trabalhador face
ao empregador. Sendo o tratamento das questões trabalhistas, portanto, delicado, deve se operar a resolução de
litígios nessa seara com maior proximidade regional e social.

Ainda, consoante ao estipulado pela própria Constituição Federal, cada Tribunal Regional do Trabalho
será composto de, no mínimo, sete juízes, recrutados, quando possível, na respectiva região, e nomeados pelo
Presidente da República dentre os brasileiros com mais de trinta e menos de sessenta e cinco anos (art. 115,
CRFB). Há garantia do QUINTO CONSTITUCIONAL (inc. I) aos advogados e membros do Ministério Público do
Trabalho, sendo os demais membros escolhidos pela promoção de juízes de trabalho, a partir dos critérios de
antiguidade e merecimento, alternadamente (inc. II). O procedimento será essencialmente o mesmo daquele
previsto ao Tribunal Regional Federal. Não obstante, destaca-se aqui o artigo 1º do Provimento nº 102/2004 da
Ordem dos Advogados do Brasil:

31
O Tribunal Regional do Trabalho da 2ª região é sediado em São Paulo, tendo competência territorial na capital, Guarulhos
e região, Osasco e região, Baixada Santista e ABC paulista. Já o Tribunal Regional da 15ª região, com sede em Campinas,
é o único Tribunal Regional federal sediado fora de uma capital, e exerce jurisdição nos municípios não abarcados pela
competência do TRT-2.
DIREITO CONSTITUCIONAL POSITIVO II | PROFESSOR: GUSTAVO SAMPAIO | FEITO POR CAROLINA GALVÃO 45
Art. 1º: “Art. 1º A indicação de advogados para a lista sêxtupla a ser encaminhada aos
Tribunais Judiciários (Constituição Federal, arts. 94; 104, parágrafo único, II; 107, I; 111-
A, I; 115, I) é de competência do Conselho Federal e dos Conselhos Seccionais da Ordem
dos Advogados do Brasil.
§ 1º Compete ao Conselho Federal a elaboração da lista sêxtupla a ser encaminhada ao
Superior Tribunal de Justiça, ao Tribunal Superior do Trabalho e aos Tribunais Federais
com competência territorial que abranja mais de um Estado da Federação.
§ 2º Compete aos Conselhos Seccionais a elaboração da lista sêxtupla a ser encaminhada
aos Tribunais de Justiça dos Estados e aos Tribunais Federais de competência territorial
restrita a um Estado”.
Além disso, os Tribunais estão obrigados à instalação de justiça itinerante, de forma a realizar
audiências e atividades jurisdicionais nos limites territoriais da respectiva jurisdição, restando facultada a
operacionalização descentralizada, constituindo Câmaras regionais para assegurar o pleno acesso à Justiça pelo
jurisdicionado (§§ 1º e 2º).

N B) J USTIÇA E LEITORAL : T RIBUNAIS R EGIONAIS E LEITORAIS N

A Constituição é mais taxativa ao disciplinar a justiça especializada eleitoral, em razão de sua ligação
direta com a direção federativa, embora não traga tantas regras peremptórias na seara trabalhista. Prevê-se que
haverá um TRIBUNAL REGIONAL ELEITORAL em cada Estado-membro da Federação e um no Distrito Federal
(trata-se de uma delimitação territorial aproveitando da cartografia geográfica já existente, mas o órgão é, na
verdade, sempre federal). Cada um desses Tribunais será necessariamente composto por SETE MAGISTRADOS,
por determinação constitucional, que também define a origem desses desembargadores eleitorais:

N COMPOSIÇÃO DOS QUADROS DO TRE N


● DOIS DESEMBARGADORES DO TJ
EM CÚMULO FUNCIONAL BIENAL - VITALICIEDADE NA ORIGEM
● DOIS JUÍZES DE DIREITO DA JUSTIÇA ESTADUAL COMUM
EM CÚMULO FUNCIONAL BIENAL - VITALICIEDADE NA ORIGEM
● UM DESEMBARGADOR FEDERAL DO TRF SEDIADO NO ESTADO
*NÃO SENDO SEDE, UM JUIZ FEDERAL DA PRIMEIRA INSTÂNCIA*
EM CÚMULO FUNCIONAL BIENAL - VITALICIEDADE NA ORIGEM
● DOIS ADVOGADOS ELEITOS EM LISTA TRÍPLICE
INVESTIDURA BIENAL - SEM VITALICIEDADE

Há algumas pontuações acerca de sua composição. Primeiro, que há forte crítica e discussão acerca da
presença de juízes de direito da justiça estadual comum de primeira instância, havendo correntes de defesa de
um cúmulo funcional em favor de quatro desembargadores do Tribunal de Justiça. De toda forma, é esta a
previsão constitucional. Ainda, se não estiver o Tribunal Regional Eleitoral situado em Estado que seja sede de
Tribunal Regional Federal, o acúmulo será conferido em favor de um juiz federal de primeira instância.

Por fim, resguarda-se aqui duas vagas à classe jurista, em um processo complexo de escolha. Para que
chegue ao cargo de desembargadoria eleitoral, deverá ser observado o seguinte procedimento. Havendo cargo
vacante, a Ordem de Advogados publica edital abrindo inscrições ao processo seletivo. Efetua-se deferimento
destas, e seu Conselho Seccional forma lista sêxtupla, que é encaminhada ao Tribunal de Justiça do Estado, que,
por sua vez, a reduz, em plenário, à lista tríplice, a qual é encaminhada ao Presidente da República (e não
governador, pois se trata de tribunal federal), para que nomeie um.

TODOS TERÃO INVESTIDURA BIENAL, isto é, transcorrido o período de dois anos, trocam-se os juízes,
desembargadores e advogados. São, afinal, magistrados de empréstimo, sem vitaliciedade no cargo. É bem
DIREITO CONSTITUCIONAL POSITIVO II | PROFESSOR: GUSTAVO SAMPAIO | FEITO POR CAROLINA GALVÃO 46
verdade que a lei autoriza UMA RECONDUÇÃO, para que se apresentem a fim de nova investidura bienal seguida.
Pode haver, em todo caso, alternância, até porque existem Estados com tribunais muito pequenos, nos quais se
tornaria impossível vedar o cúmulo em absoluto. Ademais, há uma REGRA DE SUPLÊNCIA, em razão de suas
características próprias, sendo inexistente nos demais Tribunais. Se ausentando o titular, caberá ao suplente se
apresentar imediatamente. E a lei eleitoral permite que o suplente seja reconduzido em suplência, depois eleito
titular, para enfim ser reconduzido nesta investidura uma vez. Ou seja, dependendo daquele magistrado e de sua
passagem, tem chance de permanecer por oito anos consecutivos no Tribunal.

No que tange à PRESIDÊNCIA do Tribunal Regional Eleitoral, cumpre ressaltar estar reservada a um
dos desembargadores do Tribunal de Justiça. Também o cargo de corregedor,32 que coincide com o de Vice-
Presidente, deverá ser de desembargador, na medida em que abarca a competência de substituir o Presidente.
Ninguém é vitalício na condição de magistrado da justiça eleitoral. Pode ser vitalício apenas na origem, mas
não na condição de desembargador eleitoral. Note-se caso interessante: como advogados passam, a princípio,
apenas um biênio no Tribunal Regional Eleitoral, não sendo revestidos de vitaliciedade, poderão ainda exercer
a advocacia. Trata-se de caso excepcional no ordenamento jurídico brasileiro, e que só existirá no âmbito da
justiça especializada eleitoral (também aos ministros da classe jurista no Tribunal Superior Eleitoral). A lógica
é de que, como esse desembargador eleitoral da classe dos advogados, ou classe jurista, é membro do Poder
Judiciário tão somente em seu biênio de investidura, não precisará deixar de lado o exercício de advocacia, é
claro, fora da área eleitoral. 33 O sistema não poderia impedi-lo, pois depende muito daquele fundo de
credibilidade, construída ao longo da vida, o exercício da advocacia. Caso contrário, em seu retorno, findo o
biênio, não teria a reputação e clientela de antes.

N C) J USTIÇA M ILITAR : T RIBUNAL DE J USTIÇA M ILITAR E S UPREMO T RIBUNAL DE J USTIÇA N

No âmbito da justiça militar, conforme aferido no tratamento da primeira instância, estamos diante da
única esfera da justiça especializada que não é inteiramente federal; aqui, para além desta, há uma esfera estadual.
Assim, no âmbito da justiça militar dos Estados, a segunda instância será exercida pelo TRIBUNAL DE JUSTIÇA
respectivo, que, portanto, acumula o papel de jurisdição militar de segunda instância, recebendo os recursos das
decisões dos Conselhos de Justiça Militar estaduais. Isto embora a Constituição Federal tenha previsto a
criação de tribunais próprios para essas competências, desde que o Estado possua um efeito militar de pelo
menos vinte mil integrantes. Ou seja, para instituir tribunal próprio de segunda instância da justiça especializada
militar, o Estado deveria possuir, somadas a Polícia Militar e o Corpo de Bombeiros, as praças e os oficiais, um

32
A Corregedoria do Tribunal Regional Eleitoral não é igual àquela existente no Tribunal de Justiça. Cada tribunal terá a
sua própria, que diz muito no sentido de relação dos serviços judiciários, para exercer uma função administrativa (e não
jurisdicional). Ao se afirmar a inexistência de hierarquia na função jurisdicional, se está referindo precisamente à hierarquia
entre juiz de direito, desembargador e ministro. Há apenas divisão competencial. Até porque, não havendo recurso, mesmo
em primeira instância ocorrerá o trânsito em julgado, após o qual não caberá ao desembargador ou ministro intervir. Não
há, em temos democráticos, a avocatória, mas apenas em contextos ditatoriais. Só se revê decisão quando chamado pela
via de recurso a fazê-lo. Não pode, de ofício, decidir o ministro ou desembargador por modificá-la. Por outro lado, pode
existir uma hierarquia administrativa entre os órgãos judiciários. Então, as corregedorias dos tribunais exercem um
papel de correção em relação ao serviço judiciário de primeira instância. Nesse sentido, a Corregedoria Geral do Tribunal
Regional Eleitoral desempenha papel administrativo importante, ou seja, de condicionamento, em posição hierárquica,
sobre as zonas e juntas eleitorais, sobre o serviço judiciário eleitoral de primeira instância. Mas as corregedorias não irão
interferir no mérito decisório.
33
Distinta é a hipótese na qual magistrado aposentado opta por exercer a advocacia, o que lhe é lícito em todas os casos,
ressalvado um triênio de quarentena, durante o qual não poderá advogar diante do Tribunal no qual fora magistrado.
DIREITO CONSTITUCIONAL POSITIVO II | PROFESSOR: GUSTAVO SAMPAIO | FEITO POR CAROLINA GALVÃO 47
total de vinte mil integrantes. No Rio de Janeiro, por exemplo, apenas na Polícia Militar existe um efetivo de
quarenta e sete mil pessoas, mas não se instituiu um tribunal próprio. Só haverá três casos no Brasil de Estados
que o fizeram: Rio Grande do Sul, São Paulo e Minas Gerais. O tendo feito, a justiça especializada militar de
segunda instância passa a ser desempenhada pelo Tribunal de Justiça Militar (TJM).
Art. 125, § 3º: “A lei estadual poderá criar, mediante proposta do Tribunal de Justiça, a
Justiça Militar estadual, constituída, em primeiro grau, pelos juízes de direito e pelos
Conselhos de Justiça e, em segundo grau, pelo próprio Tribunal de Justiça, ou por Tribunal
de Justiça Militar nos Estados em que o efetivo militar seja superior a vinte mil integrantes”.
Já na esfera federal, não houve também a criação de Tribunais Regionais Militares, especializados para
processar e julgar os recursos interpostos às decisões dos Conselhos de Justiça Militar da União. Por esse motivo,
atuará enquanto órgão recursal o SUPERIOR TRIBUNAL MILITAR. Portanto, embora lhe coubesse figurar, como
Tribunal Superior, enquanto guardião da legalidade, não se tendo criando órgãos de segunda instância próprios,
sob a alegação de que o volume processual não demandaria sua instituição, caberá ao Superior Tribunal Militar
atuar também em papel revisor. A matéria não poderia ser posta como competência ao Tribunal Regional
Federal, vez que o que demarca a justiça militar é precisamente a especialidade e não houve qualquer previsão
constitucional nesse sentido (ao contrário dos Tribunais de Justiça, em que a competência lhe fora estabelecida
constitucionalmente).
DIREITO CONSTITUCIONAL POSITIVO II | PROFESSOR: GUSTAVO SAMPAIO | FEITO POR CAROLINA GALVÃO 48

N II.5) T RIBUNAIS S UPERIORES N

N A) S UPERIOR T RIBUNAL DE J USTIÇA N

Sediado em Brasília, o Superior Tribunal de Justiça tem competência jurisdicional em todo o território
nacional. Trata-se de um dos mais importantes tribunais da nação brasileira, considerando-se uma hierarquia de
caráter social, e não jurisdicional. Receberá recursos orçamentários provenientes tanto da justiça estadual
quanto federal: tanto o Tribunal de Justiça quanto o Tribunal Regional Federal terão de fazer repasse de certos
recursos. Esta é a razão pela qual o Superior Tribunal de Justiça é considerado um TRIBUNAL NACIONAL, mais
do que tribunal federal. Claro que, em termos de repartição federativa, é um tribunal federal, na medida em que
pertence à União. Não obstante, recebe recursos vindos tanto da justiça estadual quanto federal, e é um tribunal
que diz respeito à toda a federação. Por isso mesmo, será considerado um tribunal nacional (categoria esta de
caráter doutrinário). Configura-se, portanto, de maneira distinta em relação aos demais Tribunais Superiores
(Superior Tribunal Militar, Tribunal Superior do Trabalho e Tribunal Superior Eleitoral), os quais, tratando de
matéria especializada, receberão tão somente recursos provenientes dessa matéria específica.

Constitui-se de 33 MINISTROS, nomeados entre pessoas de 35 a 65 anos, dotadas de reputação ilibada e


notório saber jurídico, que se dividem, nos termos previstos pelo regimento interno, em TURMAS, cada qual
com 5 ministros. Estas Turmas, por sua vez, se dividem em GRUPOS por competência ratione materiae (divisão
de competência empreendida em razão da matéria). Ainda, segundo o regimento, as Turmas são especializadas:

1ª E 2ª TURMAS: especializada em direito público não criminal


(tributário, administrativo, servidores, improbidade administrativa,
previdenciário, licitações e contratos da Administração, etc);
3ª E 4ª TURMAS: especializadas em direito privado geral (contratos
entre civis, direito civil, real, das sucessões, títulos de crédito, etc);
5ª E 6ª TURMAS: especializadas em direito criminal.
Como corolário da teoria do órgão, poderá, ainda, dividir-se em mais e subsequentes órgãos, firmando
um fracionamento competencial. E de fato o faz, de forma que, para além das Turmas, constituem SEÇÕES, que
correspondem ao somatório daquelas, nos seguintes termos:

1ª SEÇÃO: 1ª e 2ª Turmas;
2ª SEÇÃO: 3ª e 4ª Turmas;
3ª SEÇÃO: 5ª e 6ª Turmas.
Cada Seção terá competências próprias, determinadas pelo regimento interno. A regra geral é de que
sejam as competências destinadas às Turmas, mas há exceções em que se estabelece o julgamento pelas Seções,
como na hipótese de embargos infringentes em matéria criminal. Além disso, constituído o Superior Tribunal
de Justiça por 33 magistrados, poderá ter órgão especial, que, neste caso, foi denominado CORTE ESPECIAL,
compondo-se por 15 ministros. Essa Corte será responsável, por exemplo, por processar e julgar governador
estadual quando da prática de crime comum, na qual terá foro especial por prerrogativa de função no Superior
Tribunal de Justiça (artigo 105, I, a, CRFB). Destaca-se que, embora seja a Constituição clara em lhe estabelecer
a competência para processar e julgar governador em crime comum, é o próprio Tribunal que disciplina, interna
corporis, através de seu regimento, o órgão para tal. Da existência dessa Corte Especial também não se extrai a
obstrução de que esteja presente um PLENÁRIO revestido de competências. A este caberá, ainda, o exercício das
funções políticas e administrativas, como a eleição de ministros para ocupar as funções de administração.
DIREITO CONSTITUCIONAL POSITIVO II | PROFESSOR: GUSTAVO SAMPAIO | FEITO POR CAROLINA GALVÃO 49
O Superior Tribunal de Justiça deverá também possuir três ministros investidos das mais altas funções
administrativas (os quais, durante sua investidura, não farão parte das Turmas): um Presidente, que será também
Presidente da Corte Especial, um Vice-Presidente e um Corregedor-Geral da Justiça Federal comum. Note-
se que ele não será, em virtude do princípio federativo, o Corregedor-Geral da Justiça Estadual, pois cada Estado
deve manter sua autonomia. No Rio de Janeiro, por exemplo, há em seu Tribunal de Justiça um desembargador
que atua como Corregedor-Geral da Justiça de todo o Estado. E, no entanto, o Tribunal de Justiça é pari passu
ao Tribunal Regional Federal, os quais, por sua vez, terão apenas Corregedores Regionais. Isto pois são órgãos
jurisdicionais federais.

Quando se afirma a inexistência de uma relação de hierarquia, a referência é tocante ao exercício da


atividade jurisdicional, que é o cerne da atuação do Poder Judiciário. Isto é, que, por exemplo, um ministro do
Superior Tribunal de Justiça não é hierarquicamente superior a desembargador federal, que não é superior ao
juiz de direito de primeira instância. Não obstante, em termos administrativos existem relações de hierarquia,
de modo que, sendo a função do Corregedor não de jurisdição, mas, precisamente, de administração, e à luz do
fato de que os Tribunais Regionais Federais são tribunais federais de justiça comum, enquanto é o Superior
Tribunal de Justiça o tribunal superior da justiça comum, será um de seus ministros, com alternância bienal, o
Corregedor-Geral da Justiça Federal. Por outro lado, no âmbito dos Tribunais Regionais Federais, ter-se-á, a
cada dois anos, um desembargador federal eleito por seus pares à condição de Corregedor Regional da Justiça
Federal.

Para concluir-se, deve-se abordar a composição desse tribunal, e como se processa o acesso aos assentos
de ministro do Superior Tribunal de Justiça. É a Constituição que providencia a dogmática nesse sentido, ao
prever que serão 33 assentos, dos quais 11 vagas originárias (ou seja, ministro provém, é originário de) dos
quadros das desembargadorias dos Tribunais de Justiça estaduais; 11 varas originárias das desembargadorias
federais dos cinco Tribunais Regionais Federais; e 11 varas originárias dos membros das carreiras do Ministério
Público e da advocacia,34 alternadamente (isto é, em relação de 5 membros para uma classe e 6 para outra, de
forma alternada e sucessiva, na medida em que o número de cadeiras é ímpar).

N COMPOSIÇÃO DOS QUADROS DO STJ N


● 11 ASSENTOS ORIGINÁRIOS:
DAS DESEMBARGADORIAS DOS TRIBUNAIS DE JUSTIÇA;
● 11 ASSENTOS ORIGINÁRIOS:
DAS DESEMBARGADORIAS DOS TRIBUNAIS REGIONAIS FEDERAIS;
● 11 ASSENTOS ORIGINÁRIOS:
DA ADVOCACIA E DO MINISTÉRIO PÚBLICO.

Uma vez investidos por ato presidencial na função de ministros do Superior Tribunal de Justiça, perdem
os desembargadores a condição desembargadorial. Ainda serão juízes, pois ministro ainda o é, mas perderão a
sua investidura de origem. Questiona-se: como se dá essa SELEÇÃO? Havendo vacância, deve ser verificada a
sua origem. Sendo vitalícios, a perda de investidura só pode decorrer de quatro hipóteses: aposentadoria,
renúncia ao cargo sem aposentadoria (rara), morte ou cassação.

34
É importante se destacar que, firmadas vagas à advocacia, referimo-nos também aos Defensores Públicos. A estes, é
vedado o exercício da advocacia fora das atribuições constitucionais, mas não deixa de exercê-la.
DIREITO CONSTITUCIONAL POSITIVO II | PROFESSOR: GUSTAVO SAMPAIO | FEITO POR CAROLINA GALVÃO 50
Ao se verificar que a vaga de dado ministro, agora ociosa, é original de um Tribunal de Justiça, irá o
Presidente do Superior de Tribunal de Justiça publicar um edital, comunicando a vacância a todos os Tribunais
de Justiça, isto é, de todos os Estados e do Distrito Federal, para que possam os interessados se habilitarem à
concorrência da vaga. Aberto, e tendo os desembargadores postulado à vaga, fará o Superior Tribunal de Justiça,
em plenário, uma votação, obviamente precedida de um processo político, em seu sentido constitucional, de
comparecimento à sede do Tribunal para visitar os ministros em seus gabinetes, apresentar currículos, propostas
de investidura e defender suas qualidades. Cada um dos 33 ministros terá, então, direito a três votos, pois será
formada uma lista tríplice. Em caso de empate, atuará aqui regra regimental pela antiguidade. Forçosamente,
teremos os três candidatos mais votados, que constituem a referida lista, a qual será encaminhada ao Presidente
da República pelo Presidente do Superior Tribunal de Justiça através de uma mensagem (no sentido técnico-
constitucional do termo), para que INDIQUE um dos três nomes, segundo critérios obviamente políticos.35

O indicado será encaminhado por nova mensagem ao Presidente do Senado Federal, que o encaminha,
então, à sabatina na Comissão de Constituição e Justiça, que formulará uma série de perguntas ao candidato,
em procedimentos que costumam durar três, quatro horas, e, por vezes, até mais. Finda a sabatina, opta a
Comissão por aprovar ou não o nome do indicado. Se aprovada a indicação, o Presidente da Comissão de
Constituição e Justiça encaminha o nome ao Senado, para que, em plenário, faça uma nova votação. Se o
Senado aprovar, seu Presidente informará ao Presidente da República, para que então venha a nomear o novo
ministro. O caminho, obviamente, não é curto, e irradia fortemente o mecanismo de FREIOS E CONTRAPESOS.
Aqui, incidirá a atuação dos três Poderes: Judiciário, Legislativo e Executivo, até que, por fim, tenhamos um
nome escolhido à investidura de ministro do Superior Tribunal de Justiça.36

Há quem critique, no entanto, a histórica benevolência do Senado Federal, que tradicionalmente apenas
referenda a escolha feita pelo Presidente da República. Se o indicado não for aprovado, caberá ao Presidente
então apontar outro nome da lista tríplice, a posteriori. Aponta-se um desses nominados de origem, exceto não
haja mais indicados para irem ao Senado, à sabatina e referendo. Isto é, uma nova lista deveria ser feita apenas
no caso de não haver mais disponibilidade entre aqueles então escolhidos pelo plenário do Superior Tribunal de
Justiça. De toda forma, não há dúvidas de que o Presidente não poderá indicar qualquer nome que não esteja na
lista tríplice. As minúcias dessas questões, porém não estão constitucionalizadas.

Historicamente, houveram casos de rejeição da lista sêxtupla encaminhada pela Ordem de Advogados
do Brasil, tanto nas hipóteses de quinto constitucional quanto em relação àquelas encaminhadas ao Superior
Tribunal de Justiça, solicitando à instituição de origem que formulasse nova. Essa possibilidade não tem
previsão constitucional, porém já ocorreu e foi admitida pelo Supremo Tribunal Federal (vide Recurso Ordinário
em Mandado de Segurança nº 27.920). Não obstante, talvez pelo atrito político que desencadeia entre a Ordem
de Advogados do Brasil e o respectivo tribunal, não tem mais ocorrido.

35
Por vezes, lemos que o Presidente da República escolhe os ministros do Superior Tribunal de Justiça, como se, aberta a
vaga, viesse a escolher arbitrária e livremente. No entanto, conforme delineado, não é simples o processo de seleção.
36
Esse modelo de seleção é uma importação aperfeiçoada do existente nos Estados Unidos. Estipulamos a passagem por
um número maior de estágios do que aqueles previstos na ordem estadunidense. Nesta, para a nomeação à Suprema Corte,
o indicado irá à sabatina em comissão do Senado, após a qual, se aprovado, terá de ser referendado pelo Senado, para,
enfim, receber a nomeação do Presidente. Também é interessante o fato de que, nesse sistema, o juiz é vitalício ipso facto
(até a ocasião de seu falecimento), enquanto o Brasil apresenta a figura de sua aposentadoria compulsória, aos 75 anos.
DIREITO CONSTITUCIONAL POSITIVO II | PROFESSOR: GUSTAVO SAMPAIO | FEITO POR CAROLINA GALVÃO 51
Já quando a vacância se referir à assento originário do Tribunal Regional Federal, o procedimento será
essencialmente o mesmo, porém, é claro, em proveito deste. Tomando ciência da vaga, o Presidente do Superior
Tribunal de Justiça noticiará o fato por edital aos Tribunais Regionais Federais das cinco regiões, para que os
que pretendem ascensão possam se apresentar. A concorrência aqui tende a ser numericamente menor, vez que
existe um número reduzido de desembargadores federais comparativamente ao de desembargadores. Entre os
pleiteantes, o próprio Superior Tribunal de Justiça formulará lista tríplice, que será encaminhada ao Presidente
da República, indicando um dos três nomeados, que prossegue à sabatina da Comissão de Constituição e Justiça
do Senado. Se aprovado, é encaminhado, ainda, ao plenário do Senado, que pode ou não referendar a aprovação.
O fazendo, noticia o Presidente da República, para nomeá-lo.

É importante destacar, nesses dois casos, que desembargador é desembargador, sem distinções entre
aqueles originários do quinto constitucional: revestem-se todos das mesmas prerrogativas e vitaliciedade. Não
importa, da mesma maneira, o tempo de investidura, do ponto de vista jurídico-normativo. Obviamente, em se
tratando de juiz de direito federal promovido ao cargo de desembargador federal por merecimento e, apenas três
meses após sua investidura, resolve se habilitar à investidura ao cargo de ministro, obviamente sua candidatura
tem poucas chances de prosperar (e, inclusive, poderá gerar uma espécie de mal-estar em torno de seu nome,
mas isto diz respeito meramente à ordem política, das relações fático-pessoais e de credibilidade, e em nada diz
respeito à normativa constitucional).

Por fim, noticiada a vacância em assento do Superior Tribunal de Justiça originária da classe jurista, o
Presidente do Conselho Federal da Ordem de Advogados do Brasil publica edital de caráter nacional,
aceitando inscrições de advogados que militem em qualquer seccional do território brasileiro (posto tratar-se o
Superior Tribunal de Justiça de um tribunal nacional). Uma comissão do Conselho Federal será responsável por
aferir se os pleiteantes preenchem os requisitos necessários para se habilitarem ao processo seletivo, nos termos
do Provimento 102/2004, isto é, tenham entre 35 e 65 anos, exercício por 10 anos consecutivos da advocacia,
bons antecedentes, conduta ilibada, entre outros, inclusas certidões negativas de toda espécie. Então, em um
primeiro momento, a comissão analisa as inscrições, pelo deferimento ou deferimento, sem exercer nenhuma
espécie de mérito curricular, mas meramente com base na observância ou não dos requisitos constitucionais
e postos pela própria Ordem de Advogados do Brasil. Forma-se, então, uma lista de inscritos com habilitações
deferidas, publicando-se edital, para que haja sua submissão à sabatina perante os 81 conselheiros federais
do Conselho Federal da Ordem de Advogados do Brasil.

Na prática, é comum ser designado um conselheiro federal sabatinador, para que presida a realização
das perguntas, mas nada impede que os demais também interponham suas questões. Finda a sabatina, o Conselho
Federal delibera e elabora lista sêxtupla com os seis inscritos mais votados, que será encaminhada, através de
mensagem, pelo Presidente do Conselho Federal ao Superior Tribunal de Justiça. Esses seis candidatos irão se
apresentar perante ao Tribunal em sessão plenária, na qual os ministros formarão uma lista tríplice, por sua
vez, encaminhada pelo Presidente do Superior Tribunal de Justiça ao Presidente da República, para que venha
a indicar um dos nomes. O indicado vai à sabatina na Comissão de Constituição e Justiça e, se aprovado, à
votação no Senado. Havendo o referendo, por fim, poderá o Presidente da República nomeá-lo. O trajeto, assim,
não é curto, e nele se ressalta o funcionamento dos mecanismos do check and balances.
DIREITO CONSTITUCIONAL POSITIVO II | PROFESSOR: GUSTAVO SAMPAIO | FEITO POR CAROLINA GALVÃO 52
Por outro lado, se a vacância é originária de assento do Ministério Público, a única divergência no que
tange ao procedimento empreendido à classe dos advogados é a fase inicial de formação da lista sêxtupla, que
deverá ocorrer no próprio Ministério Público (para que, enfim, encaminhe ao Superior Tribunal de Justiça, que
reduz lista sêxtupla à tríplice, da qual indicado um nome pelo Presidente da República, a ser aprovado pela
Comissão de Constituição e Justiça, referendado pelo Senado e enfim nomeado pelo Presidente). Poderão se
habilitar ao processo seletivo tanto os Procuradores da República (membros do Ministério Público Federal),
quanto os Procuradores de Justiça (membros do Ministério Público Estadual). Apenas não podem concorrer os
membros dos Ministérios Públicos especializados, porque, então, terão carreira própria para a candidatura.

Mas, afinal, o que ocorre durante essa vacância? O mesmo que nas hipóteses, por exemplo, de licença
médica ou afastamento. Costumam os tribunais, de forma plenamente regulada, convocar os magistrados das
instâncias inferiores para que funcionam na qualidade de MAGISTRADOS CONVOCADOS, suprindo a vaga. Isso
ocorre inclusive nos tribunais de apelação. Se um desembargador federal se encontra de férias ou licença, irá o
Tribunal Regional Federal convocar um juiz federal, de primeira instância, que será chamado de juiz federal
convocado. Este permanecerá funcionando apenas por determinado período de tempo enquanto desembargador,
e, havendo o retorno do desembargador ao cargo, retorna também à Vara Federal de origem. Quem escolhe esse
magistrado é o próprio plenário do Tribunal.

E, assim como teremos juiz convocado no Tribunal Regional Federal, para temporariamente suprir a
vaga em aberto, teremos a figura do desembargador federal convocado, para suprir a vacância de ministro do
Superior Tribunal de Justiça. Isso é necessário para que, por exemplo, a Turma não fique prejudicada, atuando
com um número par de membros. Trata-se de uma escolha técnica eminentemente técnica do tribunal, enquanto
não resolve uma determinada pendência. Por exemplo, enquanto um magistrado se recupera de cirurgia, será
convocado desembargador estadual ou federal, a depender da origem da vaga, para suprir o assento em caráter
provisório. Em geral, publica-se edital, prosseguindo-se uma votação sumária (não havendo de se falar em uma
eleição); não obstante, a depender da urgência, o Superior Tribunal de Justiça poderá exercer seus poderes de
convocação, sem fazê-lo.

N B) T RIBUNAL S UPERIOR DO T RABALHO N

É o Tribunal Superior especializado da justiça do trabalho, que será constituído por 27 MINISTROS, para
exercer um papel de controle de legalidade trabalhista. As decisões dos Tribunais Regionais do Trabalho
podem vir a sofrer impugnação, por exemplo, através de recurso de revista (recurso de controle de legalidade,
análogo ao recurso especial ao Superior Tribunal de Justiça, porém sob nomen iuris específico da matéria
trabalhista). Obviamente, porém, não tem suas competências restritas ao controle de legalidade, cabendo até
mesmo recursos ordinários e competências originárias ao Tribunal Superior do Trabalho, conforme se verá no
estudo específico do assunto.

Sua divisão interna é disciplinada pelo regimento interno, possuindo 8 TURMAS, cada uma constituída
de 3 ministros. Não obstante, por sua natureza, divide-se em órgãos chamados de SEÇÕES: a seção de direitos
individuais (seção de dissídios individuais) e a seção de dissídios coletivos. Essa divisão abrange uma grande
profundidade, que repercute inclusive no estudo do Direito do Trabalho e Direito Processual do Trabalho. É que
a natureza dos conflitos trabalhistas abarca a possiblidade de que se desenvolvam tanto como repercussão na
DIREITO CONSTITUCIONAL POSITIVO II | PROFESSOR: GUSTAVO SAMPAIO | FEITO POR CAROLINA GALVÃO 53
esfera de trabalhador individualmente considerado quanto todo um conjunto (pautando-se pelo descumprimento
de normas coletivas que atingem toda uma categoria ou grande parte desta). Certo é que a primeira hipótese,
numericamente (e não em termos de magnitude), se instaura na justiça trabalhista com maior frequência. Não
obstante, em virtude de suas particularidades e relevância, o Tribunal Superior do Trabalho se dividirá dessa
maneira, tendo, inclusive, dividida sua seção de dissídios individuais em duas subseções: a subseção de dissídios
individuais 1 e a subseção de dissídios individuais 2.

N C) T RIBUNAL S UPERIOR E LEITORAL N

A filosofia compositiva do Tribunal Superior Eleitoral é muito semelhante àquela apresentada em toda
a justiça especializada eleitoral. Os órgãos judiciários eleitorais são constituídos, em expressão coloquial, por
juízes de empréstimo, aproveitados de outras instâncias e ramos do Judiciário. Nos termos estipulados pelo texto
constitucional, o Tribunal Superior Eleitoral será composto por 7 MINISTROS, dos quais (artigo 119, CRFB):

N COMPOSIÇÃO DOS QUADROS DO TSE N


● TRÊS MINISTROS DO STF:
EM CÚMULO FUNCIONAL BIENAL - VITALICIEDADE NA ORIGEM
● DOIS MINISTROS DO STF:
EM CÚMULO FUNCIONAL BIENAL - VITALICIEDADE NA ORIGEM
● DOIS ADVOGADOS (CLASSE JURISTA)
INVESTIDURA BIENAL - SEM VITALICIEDADE

A cada dois anos, se alternam os membros investidos em cada assento, porém, resguarda a investidura
sempre a mesma proporção: três ministros são também do Supremo Tribunal Federal (cúmulo), dois do Superior
Tribunal de Justiça, e dois advogados. Desta forma, a função de desembargadoria eleitoral, de judicância nessa
matéria especializada na qualidade de ministro do Tribunal Superior Eleitoral, se empreende a partir do cúmulo
funcional de ministros do Supremo Tribunal Federal e Superior Tribunal de Justiça, os quais, por conseguinte,
não ficam afastados de seus cargos, mas atuam em cúmulo funcional (por esta razão é que as sessões costumam
ser noturnas, embora possível, em especial durante o período eleitoral, pré-eleitoral ou pós-eleitoral, que, diante
da dimensão da pauta, sejam marcadas sessões extraordinárias), e da eleição de advogados para ocupar as vagas
remanescentes. É importante destacar que, no âmbito da justiça eleitoral, não terá o Ministério Público
cargo de desembargador nem ministro, apenas vindo a atuar perante seus tribunais na atuação funcional de
membro do Ministério Público.

Não há vitaliciedade no cargo de ministro do Tribunal Superior Eleitoral, razão pela qual seu processo
de formação de quadros será muito mais simples. Então, haverá cinco ministros vitalícios em sua origem, na
condição de membros do Superior Tribunal de Justiça ou do Supremo Tribunal Federal, os quais serão eleitos
em plenário no tribunal respectivo, para a atuação em biênio, que, findo, gerará novas eleições. Ademais, haverá
dois ministros sem vitaliciedade alguma, provenientes da classe jurista. Indicará o SupremoTribunal Federal
seis advogados de reputação ilibada e notório saber jurídico, dentre os quais o Presidente da República escolherá
dois nomes para atuarem enquanto ministros do Tribunal Superior Eleitoral pelo período de dois anos. Assim
como ocorre nos Tribunais Regionais Eleitorais, porém, será admitida uma RECONDUÇÃO, desde que se passe
por um procedimento novo de seleção, firmando o limite de quatro anos consecutivos de exercício da judicatura
eleitoral.
DIREITO CONSTITUCIONAL POSITIVO II | PROFESSOR: GUSTAVO SAMPAIO | FEITO POR CAROLINA GALVÃO 54
Ademais, estará também aqui presente uma característica particular da justiça eleitoral: a existência de
SUPLENTES, tanto para desembargadores quanto ministros eleitorais, a fim de que não haja vacância naqueles
momentos cruciais do período eleitoral. Por conseguinte, haverá hoje, por exemplo, três ministros do Supremo
Tribunal Federal na titularidade e três na suplência, do cargo de ministro do Tribunal Superior Eleitoral. Se
considerarmos o somatório da suplência e da titularidade, temos que mais da metade dos membros do Supremo
estão também na justiça eleitoral. A Constituição Federal fará, ainda, algumas exigências. O PRESIDENTE do
Tribunal Superior Eleitoral, bem como o VICE-PRESIDENTE (visto que está nessa função precisamente para
substituir o primeiro), deverá ser um dos ministros do Supremo Tribunal Federal presentes. Da mesma maneira,
o CORREGEDOR-GERAL ELEITORAL deve ser eleito entre os ministros provenientes do Superior Tribunal de
Justiça. Ressalta-se: a matéria não é dispositiva ao regimento interno, mas está vinculada pela própria
Constituição, só cabendo alteração desses critérios através da edição de Emenda Constitucional.

Claro que em relação aos ministros egressos da classe jurista também não haverá impedimento ao
exercício da advocacia, vez que a investidura é bienal, não vitalícia. Imposta proibição, viver-se-ia um problema
de retorno, já que a advocacia é uma profissão liberal que se faz a partir de uma relação de fidúcia, de confiança
e de credibilidade. Se tivesse de parar o exercício da advocacia, sairia, portanto, tremendamente prejudicado em
seu retorno. Mas, é claro, há um IMPEDIMENTO PARCIAL. Quer dizer, durante a investidura do biênio, aquele
ministro, por razões as mais evidentes, que dispensam qualquer comentário, estará impedido de advogar em
matéria eleitoral. Não haveria de julgar as próprias causas nem de fazer jurisprudência em matéria que lhe
importa. Então muitos mantêm seus escritórios de advocacia, embora não obrigados a tal. É que tal situação é
bem distinta daquelas do quinto constitucional, em que deixa de ser advogado, passando a ser desembargador
vitalício. O máximo que a Constituição tolera, hoje, aos magistrados, é a cumulação de magistério ou de cargo
de professor, visando essa permissão justamente possibilitar que o magistério abarque profissionais de carreira,
que tragam o conhecimento vivido nos anos de função para dentro da academia (artigo 37, XVI, CRFB).

N D) S UPERIOR T RIBUNAL M ILITAR N

O Superior Tribunal Militar convive, simultaneamente, no exercício do papel de segunda instância junto
ao de guarda da legalidade. Sua estrutura é definida, em grande parte, pela própria Constituição Federal. Haverá
15 MINISTROS VITALÍCIOS, que em muito seguem a estrutura originária do escabinato, como figura histórica
da jurisdição militar em que eram os Conselhos constituídos tanto por juízes civis quanto por integrantes das
Forças Militares. Isto pois, desses ministros, 10 serão militares e 5 civis. Sendo todos vitalícios, qualquer um
poderá ser Presidente, tanto civil quanto militar, desde que eleito para investidura bienal.

N COMPOSIÇÃO DOS QUADROS DO STM N


● DEZ MINISTROS MILITARES DO STM:
- 4 GENERAIS DO EXÉRCITO (EXÉRCITO);
- 3 TENENTES-BRIGADEIRO (AERONÁUTICA);
- 3 ALMIRANTES-ESQUADRA (MARINHA).
● CINCO MINISTROS CIVIS DO STM:
- 3 ADVOGADOS (REPRESENTAÇÃO CLASSISTA);
- 1 MEMBRO DO MINISTÉRIO PÚBLICO MILITAR;
- 1 JUIZ AUDITOR MILITAR DA UNIÃO.

Os Ministros militares serão indicados dentro de sua própria classe e, uma vez formada lista tríplice,
caberá ao Presidente da República escolher um deles, o qual deverá ainda se submeter à sabatina na Comissão
DIREITO CONSTITUCIONAL POSITIVO II | PROFESSOR: GUSTAVO SAMPAIO | FEITO POR CAROLINA GALVÃO 55
de Constituição e Justiça e à aprovação em Plenário do Senado, para que enfim nomeado. É importante ressaltar,
porém, que configuram um caso muito especial, em uma espécie de zona de interseção do direito brasileiro. É
que os militares criaram, em geral, forças agregadas ao Poder Executivo, tanto que o Presidente da República é,
nos termos do artigo 84, inciso XIII, da Constituição Federal, o Comandante Supremo das Forças Armadas
(que é, portanto, um civil, no bojo dos indicativos das nações democráticas presidencialistas). Por outro lado, o
Poder Judiciário é independente e não se confunde nem com Legislativo nem com Executivo. Não obstante,
para ocupar o cargo de Ministro do Superior Tribunal Militar, os oficiais-generais de última patente não partem
aos quadros de reserva das Forças. Se tornam, na verdade, Ministros das forças militares.

Para isso, porém, surge uma confluência interpretativa curiosa. Enquanto Ministros, serão vitalícios.
Mas o militar não é vitalício, apenas estável, com um estado próprio regido a partir do Estatuto dos Militares,
que trata das praças e dos oficiais das três Forças. Da mesma forma que ocorre nos Conselhos de Justiça Militar
e por influência do modelo de escabinato, não se deixa de ser oficial para compor os quadros da magistratura.
Tanto que nas sessões do Superior Tribunal Militar ocorre um fato interessante: enquanto os Ministros civis
usam a toga jurisdicional como vestimenta, os militares utilizam fardamento próprio, com as insígnias de suas
respectivas patentes. Sua PERMANÊNCIA NA ATIVA decorre do próprio intuito da composição de uma estrutura
nesses termos: a coexistência entre magistrados civis e militares (sentido que seria mitigado em se tratando de
um general aposentado). Por fim, quem pode garantir a validade desse modelo é o princípio da especialidade,
nesse caso, especialidade formulada pela própria Constituição Federal, que previu a presença dos oficiais-
generais de última patente ao número de dez no Superior Tribunal Militar.

Já no que tange aos Ministros civis, faz-se importante analisar seu processo de escolha. Aqueles três
originários da advocacia (originários pois se tornam vitalícios) constituem hipótese de quinto constitucional.
Aqui, haverá um processo de formação de lista. Uma vez aberta a vaga, o Presidente do Superior Tribunal
Militar comunica o fato ao Conselho Federal da Ordem de Advogados do Brasil, a qual, por conseguinte, publica
edital visando à formação de lista sêxtupla. Nessa fase, se realiza um juízo das inscrições realizadas, para que,
quando deferidas, sejam os candidatos sabatinados no Conselho Federal, responsável por elaborar a referida
lista sêxtupla com os mais votados, e que será levada ao Superior Tribunal Militar para que reduzida a uma lista
tríplice. Esta então é encaminhada ao Presidente da República, que escolhe um dos candidatos, o qual terá de se
submeter a uma sabatina na Comissão de Constituição de Justiça para que, se aprovado, a matéria vá à Plenário
no Senado Federal, em sede cuja anuência faz o nome voltar ao Presidente da República, para que enfim seja
nomeado. Desta forma é que temos três ministros civis provenientes da classe da advocacia.

Ainda, no que se refere à vaga originária do assento no Ministério Público Militar (que também se torna
magistrado vitalício), o processo será análogo, resguardando distinção apenas na origem da lista sêxtupla. Por
fim, haverá um Ministro originário da Justiça Militar da União, isto é, dos quadros de juízes auditores militares
da União, que é construído por magistrados de carreira investidos de cargo vitalício por concurso público (os
quais não ocorrem com muita frequência, na medida em que os quadros são relativamente reduzidos). Portanto,
um ascenderá mediante promoção, adquirindo a qualidade de Ministro do Superior Tribunal Militar, em virtude
do fato de que não foram criados Tribunais Regionais Militares como o constituinte havia incumbido ao
legislador. Se o tivesse feito, existiriam desembargadorias militares de segunda instância para a promoção. A
Associação dos Magistrados da Justiça Militar da União (Amajum) reivindica, no entanto, uma mudança
DIREITO CONSTITUCIONAL POSITIVO II | PROFESSOR: GUSTAVO SAMPAIO | FEITO POR CAROLINA GALVÃO 56
constitucional no sentido de que o número de vagas originárias da magistratura militar no Superior Tribunal
Militar seja maior. Não obstante, trata-se apenas de uma postulação, inexistindo hoje qualquer sinal de que isso
venha a ser aprovado por Emenda Constitucional.

- ADENDO: OFICIALATOS -
EXÉRCITO AERONÁUTICA MARINHA
TENENTES (1º E 2º TENENTES (1º E 2º TENENTES (1º E 2º
- SUBALTERNO -
TENENTES) TENENTES) TENENTES)
- INTERMEDIÁRIO - CAPITÃES CAPITÃES CAPITÃES-TENENTES

● CAPITÃES DE CORVETA
● MAJOR ● MAJOR
● CAPITÃES DE FRAGATA
- SUPERIOR - ● TENENTE-CORONEL ● TENENTE-CORONEL
● CAPITÃES DE MAR E
● CORONEL ● CORONEL
GUERRA
● GENERAL DE BRIGADA ● BRIGADEIRO ● CONTRA-ALMIRANTE
- GENERALATO/
● GENERAL DE DIVISÃO ● MAJOR BRIGADEIRO ● JUSTIÇA-ALMIRANTE
ALMIRANTADO -
● GENERAL DO EXÉRCITO37 ● TENENTE BRIGADEIRO ● ALMIRANTE-ESQUADRA
*o oficialato em si já se encontra na parte superior, pois a parte inferior da pirâmide se constrói pelas praças.

37
Marechal é última patente por condecoração por bravura ou desempenho em contexto de guerra. Como o Brasil não se
envolve em guerra declarada desde 1945 (isto é, desde a Segunda Guerra Mundial, quando mediante procedimento formal
se firmou guerra externa), não temos mais marechais.
DIREITO CONSTITUCIONAL POSITIVO II | PROFESSOR: GUSTAVO SAMPAIO | FEITO POR CAROLINA GALVÃO 57

N II.6) S UPREMO T RIBUNAL F EDERAL N

O Supremo Tribunal Federal é compõe-se de 11 MINISTROS VITALÍCIOS, escolhidos entre indivíduos


entre 35 e 65 anos de notório saber jurídico e reputação ilibada. Será o procedimento de escolha de seus membros
mais simples, com menos etapas percorridas: não se forma aqui lista sêxtupla ou tríplice, em direta inspiração
do modelo estadunidense. Havendo vacância, o Presidente da República indica nome, que vai à sabatina da
Comissão de Constituição e Justiça, para que, se aprovado, prossiga ao plenário do Senado Federal, no qual
deve receber referendo para que, enfim, seja nomeado pelo Presidente.

Então, o que nós temos hoje é um sistema muito semelhante ao da Suprema Corte norte-americana,
embora seja nesta a vitaliciedade ipso facto (fica no cargo enquanto tiver vida, ressalvada a possibilidade de se
aposentar voluntariamente ou ser afastado por senilidade, por alguma doença ou depreciação natural), enquanto
aqui estão sujeitos os magistrados à aposentadoria compulsória aos 75 anos. Mas o Presidente da República não
estará aqui vinculado à origem de vaga, desde que, obviamente, haja vacância, o que depende de uma sorte
histórica no exercício do mandato presidencial.

O regimento interno do Supremo Tribunal Federal estabelece uma composição mais simples, pois, como
o tribunal tem apenas 13 MINISTROS, teremos apenas DUAS TURMAS (1ª Turma e 2ª Turma), cada qual com 5
ministros, e um PLENÁRIO. Esses são os órgãos mais importantes da Corte. As ações de controle concentrado
abstrato de constitucionalidade, que são aquelas ações que discutem a constitucionalidade da lei em tese, recaem,
com base no artigo 97 da Constituição da República, no princípio da reserva de plenário, ou seja, se tratam de
ações de competência direta do pleno. No entanto, os recursos, por exemplo, poderão competir às Turmas ou,
em alguns casos, pelo pleno. A solução processual encontra-se no regimento interno.

De dois em dois anos, os onze ministros do Supremo Tribunal Federal elegem um PRESIDENTE. Quanto
a isso, existem questões de tradição da Corte, e não regimentais. Há tradição - e que pode mudar de acordo com
o plenário, embora muito enraizada - de que o Presidente será o ministro mais antigo do Supremo que ainda não
houver exercido a Presidência. Em geral, eleger-se-á um ministro mais antigo apenas nas hipóteses em que todos
os membros já houverem exercido a Presidência. É claro que, independente da tradição, o plenário tem de vir a
realizar a votação. Mas, por essa razão, sequer há disputa, sendo, em geral, o candidato eleito à unanimidade.
Será esse Presidente do Supremo Tribunal Federal o chief justice, o chefe do Poder Judiciário da República
do Brasil (não apenas da União), tanto que está na linha de sucessão presidencial.

Já tivemos, na história, caso em que Presidente do Supremo Tribunal Federal atingiu a presidência da
República pela linha de sucessão. É comum que o faça interinamente, mas aqui estamos falando da hipótese de
SUCESSÃO DEFINITIVA. Tratou-se de caso peculiar, ocorrido quando da deposição do Presidente Getúlio Vargas,

em 1945. Há um dado importante: à época, o Brasil estada em ditadura civil, a ditadura do Estado Novo, e o
Congresso se encontrava fechado. Não havia, então, Presidente do Senado nem da Câmara, nem mesmo Vice-
Presidente, de forma que o primeiro na linha de sucessão era o Presidente do Supremo Tribunal Federal (na
figura de José Linhares, que orientou o processo de redemocratização).
DIREITO CONSTITUCIONAL POSITIVO II | PROFESSOR: GUSTAVO SAMPAIO | FEITO POR CAROLINA GALVÃO 58

N III.1) C OMPETÊNCIAS DO P ODER J UDICIÁRIO : S UPREMO T RIBUNAL F EDERAL N

N C ONSIDERAÇÕES I NICIAIS N

A matéria de competência será estudada no sentido inverso do empreendido na análise dos órgãos do
Poder Judiciário: se parte do Supremo Tribunal Federal, aos Tribunais Superiores, aos Tribunais de 2ª instância,
até que nada a Constituição diga - isto é, até lançar mão da residualidade -, percorrendo o mesmo caminho que
a própria disciplina normativa constitucional realiza. Cabe lembrar que a analiticidade competencial firmada
pela Carta Magna vai se refazendo, diminuindo em intensidade no tratamento das instâncias e ramos do Poder
Judiciário, havendo maior preocupação do constituinte com o estudo das competências referentes ao Supremo
e do Superior Tribunal de Justiça. Vê-se, por exemplo, que ao tratar da justiça de trabalho, apenas se encerrou
suas competências, sem, no entanto, dividir o que caberia ao Tribunal Superior do Trabalho, Tribunal Regional
do Trabalho e juízes do trabalho. Já no que se refere à justiça militar, houve apenas a previsão de lhe incumbir
processar e julgar os crimes militares cometidos em lei; da mesma maneira em que na justiça eleitoral a menção
foi apenas à recorribilidade ou não em sede de Tribunal Superior Eleitoral e Supremo Tribunal Federal.

Afirma-se, portanto, que a exploração normativa das competências se reduz em carga e fervor conforme
o texto constitucional perpassa as instâncias e órgãos do Poder Judiciário. Não significa que não existam tantas
competências, mas tão somente que sua disciplina não foi ponto de enfoque constitucional (notando-se que a lei
também poderá determinar o que é competência do Poder Judiciário, bem como os regimentos internos dividir,
interna corporis, a competência dos tribunais). Ocorre que, no entanto, o que é alçada de lei não nos comete,
vez que a disciplina é de direito constitucional positivo. O início do tratamento das competências a partir do
Supremo Tribunal Federal, porém, não se restringe ao fato de estarem inventariadas primeiro as suas, mas
perpassa a consideração de se tratar de órgão integrante da cúpula do Poder Judiciário brasileiro.

Questão metodológica igualmente relevante é a existência de divisão do Supremo Tribunal Federal em


três básicas modalidades competenciais (duas recursais e uma originária), dentre as quais as competências a ele
atribuídas irão se distribuir especificamente. Reforçar a intelecção em torno da divisão sistêmica dessas três
grandes modalidades é tão relevante quando entender quais são as competências, em espécie. Destaca-se: não
são três competências, mas modalidades competenciais:
● ORIGINÁRIAS:
aquelas em que a relação processual irá se instaurar diretamente
perante o Tribunal;
● RECURSAIS ORDINÁRIAS:
previsões excepcionalíssimas, que levam, atipicamente, o papel de
desempenhar um segundo grau de jurisdição – cujo exercício, em
geral, seria dos tribunais de apelação;
● RECURSAIS EXTRAORDINÁRIAS:
hipóteses de recurso motivado quando a decisão atacada eiva de
um vício em constitucionalidade.
Claro que o que mais caracteriza os tribunais, no que tange às competências, são as de caráter recursal
(se pressupondo a reapreciação de matéria que já fora julgada, de algo que já restou, a priori, decidido), e não
as originárias, por sua própria natureza. No entanto, para além dessas competências recursais, terão sempre os
tribunais também originárias, e relações jurídico-processuais instauradas diretamente perante a eles. Em geral,
tem-se, por exemplo, que o mandado de segurança contra ato de agente público caberá à Vara de Fazenda
DIREITO CONSTITUCIONAL POSITIVO II | PROFESSOR: GUSTAVO SAMPAIO | FEITO POR CAROLINA GALVÃO 59
Pública respectiva. No entanto, afirma a Constituição do Estado do Rio de Janeiro, que, em se tratando de
mandado e segurança contra ato de governador estadual, a competência para processá-lo e julgá-lo, de forma
originária, será do Tribunal de Justiça do Estado (embora seja caracterizado pelo julgamento recursal). Também
terá competência originária para processar e julgar juiz de direito na prática de crime comum.

N A) C OMPETÊNCIAS O RIGINÁRIAS ( ART . 102, I, CRFB) N

O traço fundamental é que, nas competências originárias, o processo, a relação processual, já se instaura
perante aquela Corte ou Tribunal. Isso é de enorme relevância para que se compreenda tal modalidade de
competência, que existe em todos os tribunais, embora, é claro, historicamente não seja essencialmente aquilo
que os caracteriza. Prima facie, e no consciente coletivo, visualizamos e temos despertada a percepção mais das
competências de caráter recursal (instância à qual se recorre), vergastando-se uma decisão de competência
originária de um órgão de primeira instância, ou seja, originariamente por ele exercida. No entanto, ainda que
estatisticamente reduzidas, não se pode negar a existência de competências originárias nos tribunais: vide os
casos de mandado de segurança contra ato de governador ou ato de secretário do Estado, ação autônoma iniciada
no Tribunal de Justiça do Estado, não passando por primeira instância.

E, no Supremo Tribunal Federal, existem muitos casos de competência originária que estão distribuídos
ao longo das alíneas do inciso I, artigo 102, da Constituição da República. Tem sido muito frequente na imprensa
o julgamento dos deputados federais e senadores, de competência autenticamente originária do Supremo (o que
se alude na coloquialidade da linguagem forense como processo originário). Da mesma forma, pode-se falar na
extradição, cujo requerimento passa pelo crivo autorizativo da Suprema Corte.

a) A AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE DE LEI OU ATO NORMATIVO FEDERAL OU


ESTADUAL E A AÇÃO DECLARATÓRIA DE CONSTITUCIONALIDADE DE LEI OU ATO NORMATIVO
FEDERAL:

O Supremo Tribunal Federal figura como guarda da Constituição. Nessa alínea está, hoje, na atual
quadra histórica, a competência mais relevante estabelecida a este tribunal, a saber, para processar e julgar o
controle concentrado abstrato de constitucionalidade, nas ações declaratórias de constitucionalidade de leis
ou de atos normativos federais e nas ações diretas de inconstitucionalidade de leis ou atos normativos federais
ou estaduais (controle concentrado das leis e atos normativos). É certo que o Supremo Tribunal Federal está
longe de apenas agir nesse sentido, porém, é de enorme relevância sua atuação como guardião concentrado da
Carta Magna, em especial na análise da quadra contemporânea. É que, a princípio, o Supremo Tribunal era uma
instância máxima de apelação do país (sucessora do Supremo Tribunal de Justiça do Império, sucessora da Casa
da Suplicação do Brasil). Apenas no transcurso da história é que virá a se transformar.

São aquelas medidas concebidas no modelo europeu, a partir do kelsenianismo, da Escola de Viena e,
depois, da muito evoluída Lei Fundamental de Mônaco, no período pós-guerra: modelo de controle por ações
diretas, as quais não têm por objetivo o desempenho de qualquer tipo de controle no caso concreto. Não são
ações que decorram de processo subjetivo clássico de inspiração carneluttiana, de conflito intersubjetivo (entre
autor e réu) de interesses, qualificado por uma pretensão resistida. Na ação direta de inconstitucionalidade
sequer figuram autor e réu. O que existe é um controle in abstracto da lei ou ato normativo que revestir-se de
força de lei, como na medida provisória, diretamente em face da Constituição. Por isso é que essa modalidade
de controle ocorre em tese, ou seja, independentemente de qualquer caso concreto. Não se trata, então, da análise
DIREITO CONSTITUCIONAL POSITIVO II | PROFESSOR: GUSTAVO SAMPAIO | FEITO POR CAROLINA GALVÃO 60
e apreciação de uma lei que eventualmente fira interesse do autor ou réu, em dada relação processual, e, dessa
maneira, por ser inconstitucional, precisa ser vergastada. É, na verdade, o controle em abstrato que exercerá
efeitos vinculante e erga omnes.

Quando a Constituição foi promulgada, em 5 de outubro de 1988, no entanto, a alínea em análise não
tinha a mesma extensão. Foi posteriormente aduzida uma segunda parte, através da Emenda Constitucional
03/1993, que expandiu as competências do Supremo Tribunal Federal para, além de processar e julgar ação
direta de inconstitucionalidade, o fazê-lo no que tange às AÇÕES DECLARATÓRIAS DE CONSTITUCIONALIDADE.
Estas se tornaram remédio importante, ainda que numericamente muito menos utilizado do que as chamadas
ações diretas de inconstitucionalidade. Estas já ultrapassam o registro de 5.000 tombos, enquanto aqueles têm
pouco mais de 40 (não obstante, foram todas fundamentais).
Art. 102, I, a: “a ação direta de inconstitucionalidade de lei ou ato normativo federal ou
estadual” (redação original).
Art. 102, I, a: “a ação direta de inconstitucionalidade de lei ou ato normativo federal ou
estadual e a ação declaratória de constitucionalidade de lei ou ato normativo federal”
(redação dada pela Emenda Constitucional nº 03/1993).
Há, inclusive, até o presente momento, uma sob a iminência de julgamento pelo Supremo, e que tem
repercutido fortemente no campo midiático. Trata-se da ação declaratória de constitucionalidade nº 43, que
propõe seja declarada a constitucionalidade do artigo 283 do Código de Processo Penal (“Ninguém poderá ser
preso senão em flagrante delito ou por ordem escrita e fundamentada da autoridade judiciária competente, em
decorrência de sentença condenatória transitada em julgado ou, no curso da investigação ou do processo, em
virtude de prisão temporária ou prisão preventiva”), o qual basicamente reitera o artigo 5º, LVII (“ninguém
será considerado culpado até o trânsito em julgado de sentença penal condenatória”), do texto constitucional.

De toda forma, promulgada a referida Emenda, houve certa dificuldade de compreensão do instituto por
parte da doutrina. O sistema de controle concentrado surgiu com as ações diretas de inconstitucionalidade, pelas
quais, em se tratando de lei que agride a Constituição Federal, incumbirá ao rol de legitimados a proposição,
em representação, para que reste a norma em questão declarada inconstitucional. Preexistente, portanto, esse
instrumento no ordenamento brasileiro, em virtude de qual razão se proveu o acréscimo da ação de declaração
de constitucionalidade? E, ainda, por qual motivo seria necessário solicitar a declaração de constitucionalidade
de uma norma quando há presunção militando a seu favor, a presunção da constitucionalidade?

Parte-se de um benefício da boa-fé, da intelecção e da probidade administrativa; de que a norma


emanada do Parlamento, das Casas Legislativas e sancionada pelo Presidente está conforme a Constituição.
Nascida a lei, porém, tal presunção é relativa, tanto que posteriormente será possível ao Supremo Tribunal
Federal vir a declarar sua inconstitucionalidade. Uma vez declarada sua constitucionalidade, todavia, essa
presunção iuris tantum se converte em iuris et iure (absoluta). Ou seja, a partir dessa declaração, ninguém
poderá discutir seu cumprimento ou não cumprimento e todos os órgãos do Poder Judiciário (federal e estadual)
e da administração (federal, estadual e municipal) estarão vinculados ao decidido. Nestes termos é que se afirma
ser o Supremo Tribunal Federal o órgão mais importante em termos de concentração de poder, a ponta extrema
de sua concentração (impondo-se, por conseguinte, a necessidade de se discutir a legitimidade democrática de
seus membros, na medida em que decidem o rumo da nação).
DIREITO CONSTITUCIONAL POSITIVO II | PROFESSOR: GUSTAVO SAMPAIO | FEITO POR CAROLINA GALVÃO 61
A criação da ação declaratória de constitucionalidade decorre de um motivo histórico e de um motivo
jurídico. Sua dilação é necessária sobretudo ao considerarmos que a alínea na qual se circunscreve se refere à
mais relevante da Constituição no âmbito das competências originárias do Supremo Tribunal Federal, que é,
hoje, visto pelo fato de ser o Tribunal de julgamento das ações diretas de constitucionalidade. Afirma-se isto
sem que haja uma gradação normativa de hierarquia, mas é certo que, em termos de importância político-social,
a alínea a se sobrepõe às demais.

O controle preventivo de constitucionalidade já estava presente na Constituição de 1824 do Império


do Brasil. À época não havia de se falar em um controle repressivo, inclusive por razão teórica, na medida que
em voga a influência de uma separação rígida de poderes de matriz francesa. Assim, não se admitia que o
Judiciário pudesse pronunciar, declarar a inconstitucionalidade de um ato emanado do Legislativo, pois apenas
este poderia reconhecer a inconstitucionalidade eivada de sua própria produção. Este controle do Legislativo
feito por ele próprio transcorria em caráter prévio à promulgação da lei, enquanto ainda estava sendo produzida.
Findo o Império, no período da República Velha, adotou-se no ordenamento pátrio através da Constituição de
1891, pela qual o Supremo Tribunal de Justiça veio a se tornar propriamente o Supremo Tribunal Federal, o
controle difuso de constitucionalidade, herdado dos Estados Unidos. É esse controle que, conforme alude a
nomenclatura, está distribuído por todo o Poder Judiciário, revestindo mesmo o juiz de direito de primeira
instância de uma comarca interiorana da autoridade para afastar a aplicabilidade de uma norma ao caso
concreto, por considerá-la inconstitucional. Todos esses passos históricos são fundamentais e nada menos que
fundamentais para se compreender o quadro contemporâneo.

Desta forma, questiona-se: por que teria o Brasil adotado essa sistemática de JUDICIAL REVIEW na
Constituição de 1891? Isto deriva do próprio movimento republicano brasileiro, o qual, ao derrubar a monarquia
constitucional e levar ao chão o último gabinete do Império, almejou banir toda a herança imperial figurante.
Uma delas era a contaminação da ordem jurídica pelo modelo europeu continental, inspirado, sobretudo, na
França. Vitorioso, o movimento republicado não desejava apenas expulsar territorialmente do Brasil a família
imperial, como símbolo de uma vitória imposta sobre a monarquia constitucional. Os próceres da República
ansiavam por eliminar tudo aquilo que remetia ao Império, inclusive suas matrizes fundacionais, de forma que
derrubamos o regime imperial e implantamos forma republicana; extinguimos o parlamentarismo e firmamos o
presidencialismo; além de eliminar a forma unitária de Estado em proveito de uma federativa (concebida pelos
convencionais da Filadélfia no século XVIII, nos Estados Unidos) e substituir o nome especial de Império do
Brasil por Estados Unidos do Brasil. Vivia-se momento, portanto, de uma declaração às expressas do entusiasmo
estadunidense; de importação de sua organização institucional e estrutural.

Nessa conjuntura, surgiu o modelo de judicial review of legislation no Brasil, inspirado na matriz inglesa
e, depois, com grande força, estadunidense, a partir do precedente Marbury x Madison. Em síntese, trouxemos,
na Constituição de 1891, o modelo difuso de controle. Tanto que havia previsão de que aos então criados juízes
federais (e tão somente a eles, a princípio) de primeira instância (e havia apenas um por Estado) caberia exercer
a judicial review com recurso ao Supremo Tribunal Federal, que atuava, dessa forma, apenas como instância
revisora, recursal, à maneira, destarte, empreendida na Suprema Corte dos Estados Unidos. Esta não julga ações
de competência originária em matéria de controle concentrado de constitucionalidade; os grandes cases partem
da sede de controle difuso, da base judiciária local, escalando o caso concreto pelas Cortes de Apelação, pelas
DIREITO CONSTITUCIONAL POSITIVO II | PROFESSOR: GUSTAVO SAMPAIO | FEITO POR CAROLINA GALVÃO 62
Cortes Supremas dos Estados ou, se for federal, pelas Cortes Federais do instituto de apelação, até chegar na
Suprema Corte. O julgado recente no sentido da constitucionalidade do casamento entre pessoas do mesmo sexo,
por exemplo, não surgiu em sede concentrada de controle de constitucionalidade, mas escalou a base do Poder
Judiciário, de suas instituições.38

A modalidade de controle concentrado foi inserida no bojo do ordenamento brasileiro pela primeira vez
apenas na Constituição de 1934, a partir da figura de representação interventiva ou ação direta interventiva,
a qual é, à doutrina majoritária, uma ação de controle de constitucionalidade. Não obstante, trata-se de um
controle concentrado concreto, que se propõe a uma declaração de inconstitucionalidade sem pronúncia de
nulidade no que se refere à violação perpetrada ao regime federativo. Nesse caso, a ideia é de o Estado venha a
ab-rogar seu ato violador, fazendo cessar a inconstitucionalidade sem a necessidade de que para tanto se decrete
a intervenção federal. O controle concentrado abstrato, por outro lado, só veio a ser instituído em 1965, com
a Emenda Constitucional nº 16, editada sobre a Constituição então em voga, isto é, a Constituição de 1946.
Inseriu-se no Brasil a figura da representação de inconstitucionalidade (abstrata), que é antecessora da ação
direta. Isso tem uma razão de ser. Certo é que se passava por um importantíssimo passo, em que o Supremo
Tribunal Federal se tornava competente para processar e julgar, a despeito do caso concreto, ação interposta
visando à discussão da conformidade da lei ou não com o texto constitucional.

Não podemos, porém, nos olvidar à história. A mudança foi empreendida no ano seguinte à deflagração
civil-militar brasileira. Por que? A competência do Supremo restringia-se ao processar e julgar, mas a
legitimidade para propor a ação era exclusiva do Procurador-Geral da República, o qual, ademais, não
chefiava um órgão autônomo na ordem constitucional. Em tempos de regime militar, o Ministério Público
pertencia ao próprio Poder Executivo e o Procurador-Geral estava, assim, subsumido à autoridade do Presidente
da República, em relação de subsunção. Decorreu de tal fato certa frustração logo na inauguração do controle
concentrado, vez que o único legitimado à proposição estaria sob a égide do Presidente e, ao mesmo tempo, o
próprio Supremo Tribunal Federal encontrava-se manietado pela ditadura (ocorrendo três casos historicamente
consagrados de cassação de Ministros que se interpuseram ao regime: Min. Hermes Lima, Evandro Lins e Silva
e Vitor Nunes Leal).

Em síntese: um Supremo Tribunal Federal manietado era chamado a processar e julgar as representações
de inconstitucionalidade propostas por um Procurador-Geral da República que fora nomeado pelo próprio
Presidente da República e não detinha a mesma independência funcional de hoje. O desfecho disto em relação
à inauguração do controle concentrado de constitucionalidade no Brasil foi sua efetivação em termos muito
menos bem-sucedidos do que atualmente realizado sob o manto da Constituição de 1988. Tanto que, fazendo

38
Outro caso histórico é o Brown v. Board of Education, julgado na década de 1950, quando a jurisprudência da Suprema
Corte era, ainda, favorável à segregação racial. Na ocasião, uma jovem negra, que pleiteara matrícula em escola reservada
a brancos, a qual foi indeferida, ingressou em juízo, representada por seus pais, propondo medida judicial, um writ, para
solicitar a matrícula. Entendeu-se que seu pais estavam discutindo a inconstitucionalidade da segregação racial normatizada,
e o writ, denegado, foi subindo de tribunal em tribunal até chegar à Suprema Corte. Nesta, entendeu-se que não era possível
impedir a matrícula da estudante. Isto é, até então havia assentamento jurisprudencial acerca da constitucionalidade da
segregação, o qual, somente em meados do século XX, portanto, passou a se alterar. E, mesmo assim, não se tratou de uma
decisão essencialmente progressista, na medida em que a escola para negros mais próxima à residência de Linda Brown
localizava-se, ainda assim, muito distante, e o acesso era inviável, pois não havia linha de ônibus que percorresse o trajeto.
Vislumbrando-se que seria, dessa maneira, privada de estudar, bem como comprovado nos autos a divergência entre as
duas escolas em qualidade de ensino, é que se concedeu o writ. De toda forma, foi um passo de extrema relevância.
DIREITO CONSTITUCIONAL POSITIVO II | PROFESSOR: GUSTAVO SAMPAIO | FEITO POR CAROLINA GALVÃO 63
uma curva na evolução do controle de constitucionalidade em volume de ações propostas desde 1965, veremos
que, ao passarmos pela Carta Magna de 1988, as demandas crescem vertiginosamente.

Decorre isto de várias razões: pela efusão e recuperação democrática brasileiras, com o estabelecimento
da autonomia e independência funcional ao Ministério Público, e, ainda, pela ampliação do rol de legitimados
para propor ação direta. Poderá fazê-lo o Presidente da República, a Mesa do Senado Federal, a Mesa da Câmara
dos Deputados; a Mesa de Assembleia Legislativa ou da Câmara Legislativa do Distrito Federal, o Governador
de Estado ou do Distrito Federal, o Procurador-Geral da República (agora independente), o Conselho Federal
da Ordem dos Advogados do Brasil, partido político com representação no Congresso Nacional, confederação
sindical ou entidade de classe de âmbito nacional (artigo 103, CRFB). Desta forma, fala-se que, embora antes
existisse o controle concentrado, apenas passou a ter vida efetiva em 1988 - e, por conseguinte, trata-se de virada
também em termos de importância ao próprio Supremo Tribunal Federal (embora deva se enfatizar o equilíbrio
como virtude, contendo os ímpetos de um governo de juízes e uma judicialização de tudo). Ocorreu, porém, um
problema, refletido pelos estudiosos do direito constitucional: a implementação de um controle concentrado,
típico da tradição europeia, sem suprimir a modalidade difusa preexistente. Isto é, firmamos um modelo misto
de controle de constitucionalidade, aquilo que Luís Roberto Barroso denomina sincretismo metódico em
matéria de controle, em que somadas historicamente modalidades:

● IMPÉRIO (1824):
por influência francesa, pautada na rígida separação de poderes,
só admitia um controle preventivo;
● REPÚBLICA (1891):
adotou, na Constituição de 1891, o controle difuso (juízes federais
com revisão no Supremo), mantendo, ainda, o controle preventivo;
● CONSTITUIÇÃO DE 1934:
aparece pela primeira vez no ordenamento brasileiro o controle
concentrado concreto de constitucionalidade, através da figura da
representação de intervenção;
● EMENDA Nº 16/1965 – CONSTITUIÇÃO DE 1946:
a partir desta, foi incorporado o controle concentrado abstrato de
constitucionalidade, nas representações de inconstitucionalidade,
ao mesmo tempo em que mantidos o controle difuso e preventivo.
● CONSTITUIÇÃO DE 1988:
ampliação do rol de legitimados para a proposição de ação direta,
de controle concentrado, no artigo 103 da Carta Magna, além de
fixação de independência funcional ao Ministério Público.
● EMENDA Nº 03/1993 – CONSTITUIÇÃO DE 1988:
instituiu a ação declaratória de constitucionalidade.

O Brasil, conforme se depreende, estrutura rico modelo de controle de constitucionalidade, porém, isso
gera, por vezes, alguns atritos. Quando surgiu o adensamento do controle concentrado, a partir da Constituição
de 1988, temeu-se a convivência entre um forte instrumento de controle abstrato junto ao controle difuso.
Explica-se. Conforme anteriormente apontado, existe uma presunção que milita em favor da lei, a presunção de
constitucionalidade: presumimos que uma norma é constitucional, salvo posterior manifestação de um órgão
competente em sentido contrário. Porém, pode, por um exemplo, um juiz da 4ª Vara Cível da Comarca de Niterói,
no caso concreto e sem repercussão geral, mas com efeito inter partes, afastar a aplicação de uma norma. Caso
um réu afirme, na causa, que a lei invocada pelo autor em seu próprio benefício ofende ao texto constitucional,
e solicita, por conseguinte, que não seja aplicada, o juiz tem competência, a princípio, de afastar a incidência
DIREITO CONSTITUCIONAL POSITIVO II | PROFESSOR: GUSTAVO SAMPAIO | FEITO POR CAROLINA GALVÃO 64
dessa norma jurídica. Enquanto magistrado, detém a autoridade para afastar a aplicação, jungido à concretude
do caso, e valendo apenas para as partes, autor e réu. Da mesma forma, nada impede que um juiz resolva um
caso idêntico de maneira distinta.

Esse é o controle difuso, que pode chegar ao Supremo Tribunal Federal, porém, caso o faça, será pela
via do recurso extraordinário (como realizado na Suprema Corte estadunidense). Nesta sede, poderá também
proferir grandes decisões de controle de constitucionalidade, como o fez no Recurso Extraordinário nº 635.659,
que discutiu a descriminalização do porte de drogas para consumo próprio, no qual entendeu exceder os limites
da estatalidade e do próprio poder do Estado proibir o consumo da cannabis para fins estritamente pessoais. Isto
ocorreu na via de controle difuso, partindo do caso concreto de um interno em estabelecimento prisional flagrado
em sua cela com módica quantidade de substância psicotrópica para consumo próprio. Foi, ao fim, o recurso
provido, entendendo-se que se estaria fora dos limites do direito penal e de sua legitimidade.

No entanto, ao mesmo tempo em que se afirmava a presunção de constitucionalidade relativa em favor


da norma, e mantinha-se o controle difuso, a via concentrada poderia apenas declarar inconstitucionalidade.
Imagine que, muitas vezes, podemos chegar a um tal grau de instabilidade interpretativa da norma quanto à sua
constitucionalidade que se torna capaz de violar a própria SEGURANÇA JURÍDICA. Claro que geralmente essa
instabilidade ocorre entre regiões e Estados, mas imagine que, em casos idênticos, um juiz da 4ª Vara Cível da
Comarca de Niterói entenda a lei inconstitucional, deixando de aplicá-la ao caso concreto e, ao mesmo tempo,
o juiz da 5ª Vara a entenda sempre constitucional e, por fim, o da 6ª Vara apresente o entendimento de que seja
parcialmente constitucional. O controle difuso permite que situações como essa ocorram: em cada cabeça, uma
sentença. As interpretações divergem e essas divergências podem alçar proporções nacionais, fazendo com que
o princípio da livre distribuição se torne uma roleta russa.

Existe um momento em que o controle difuso se torna prejudicial, na medida em que se estrutura uma
tal extensão de instabilidade jurisprudencial que fica ameaçado. Neste contexto, havendo pronunciamento do
controle concentrado, se apertará e adstringirá o controle difuso: o controle concentrado abstrato vincula
certas decisões. Se o Supremo Tribunal Federal, na via concentrada, afirma a inconstitucionalidade uma norma,
todos os andares do Poder Judiciário estarão vinculados. Dessa forma, o juiz de primeira instância não poderá
mais decidir de forma distinta, sob pena inclusive de infração funcional. Isto é, não terá mais autoridade para
afirmar a constitucionalidade ou inconstitucionalidade da referida norma, pois o Supremo já teria decidido sobre
a matéria. Aqui é que pode ser delineada a razão jurídica que ensejou a criação da ação declaratória.

É que muitas vezes, nas instâncias judiciais, chega-se à seguinte confusão: o que fazer ao se militar pela
constitucionalidade da lei e estarem os magistrados decidindo por sua inconstitucionalidade em sede de controle
difuso? Propor ação direta de inconstitucionalidade de fundamentação fraca para que indeferida e, assim, fosse
afirmada, indiretamente, a constitucionalidade da lei? Até aconteceu casos semelhantes, mas é a antítese de toda
a teoria processual. Premente a necessidade de aperfeiçoamento do sistema, se criou a ação declaratória de
inconstitucionalidade, para que se pudesse propor ação correta de acordo com a interpretação abraçada. Poderão,
então, os Ministros do Supremo se reunir para pôr fim à instabilidade, incerteza. É esse o conteúdo teórico
dogmático, a razão científica da ação declaratória de constitucionalidade: PRESERVAR A ESTABILIDADE DA
ORDEM CONSTITUCIONAL, se superando a zona de incertezas.
DIREITO CONSTITUCIONAL POSITIVO II | PROFESSOR: GUSTAVO SAMPAIO | FEITO POR CAROLINA GALVÃO 65
Não obstante, existe também razão política, referente a um fato histórico de enorme relevância. Certo é
que a Emenda Constitucional nº 03/1993 não foi introduzida puramente por razões científicas. Em 1993, estava-
se, na verdade, em período logo após ao impeachment de Collor, tendo assumido o governo Itamar Franco, com
uma grande preocupação, que era também preocupação nacional: promover políticas que gerassem estabilidade
econômica no Brasil, após o fracasso do Plano Brasil Novo, que bloqueara todas as aplicações de overnight. À
época, se avolumavam ações judiciais por todo o território nacional, discutindo expurgos inflacionários desde
os tempos dos planos econômicos fracassados de Sarney. Chegada a demanda ao Judiciário, começou a se
verificar uma desuniformidade decisional, enquanto o controle difuso ocorria em espiral, na forma de verdadeiro
ciclone no Brasil inteiro.

Nessa conjuntura, a motivação política da introdução da ação declaratória de constitucionalidade era a


de ESTABILIZAÇÃO JURISPRUDENCIAL, a fim de resolver definitivamente a questão da constitucionalidade ou
não dos planos econômicos, cessando matéria em controle difuso. Isto pois, conforme pontuado, a presunção de
legitimidade que milita a favor da norma é relativa (iuris tantum), vindo a se tornar absoluta quando o Supremo
Tribunal Federal, em sede de controle concentrado, declara a constitucionalidade da norma. Encerra-se esse
tópico com a seguinte observação técnica relevante: como afirma Luís Roberto Barroso, em acertada menção,
a ação direta e inconstitucionalidade e a ação declaratória de constitucionalidade caminham em uma mesma
direção, porém, em sentidos opostos, são ações com sinal trocado. Por conseguinte, o indeferimento de um
pedido formulado em ação direta de inconstitucionalidade equivale ao deferimento de ação declaratória de
constitucionalidade e vice-versa. Permanece, porém, necessária a existência de uma ação própria à declaração
de constitucionalidade, em harmonia à teoria processual.

Ressalta-se que o princípio básico e maior da hermenêutica constitucional, que é a pedra angular ao
sistema de controle de constitucionalidade, é o da supremacia da Constituição. Hoje, “prevalece no Brasil,
em sede doutrinária e jurisprudencial, com chancela do Supremo Tribunal Federal, o entendimento de que lei
inconstitucional é nula de pleno direito e que a decisão de inconstitucionalidade tem eficácia retroativa,
restando inválidos todos os atos praticados com base na lei impugnada”39. Assim, “como regra, não serão
admitidos efeitos válidos à lei inconstitucional, devendo todas as relações jurídicas constituídas com base nela
voltar ao status quo ante”40. É regra precisamente porque ressalvadas hipóteses nas quais, em nome da boa-fé
e da segurança jurídica, restará excepcionada a nulidade ab initio, para que tenha a declaração efeitos ex nunc,
a partir da chamada modulação de efeitos. Ademais, não se faz estritamente necessário que a declaração de
inconstitucionalidade seja acompanhada de uma pronúncia de nulidade e, de fato, há casos em que isto não
ocorre, como da declaração de inconstitucionalidade por omissão ou da ação direta interventiva.

ENUNCIADOS DE SÚMULA E PRECEDENTES


DO SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL

● DISTRITO FEDERAL: Dispõe o Enunciado de Súmula nº 642 do Supremo Tribunal Federal que “não cabe

39
BARROSO, Luís Roberto. O controle de constitucionalidade no direito brasileiro. São Paulo: Saraiva, 2011, pg. 42.
40
Idem, pg. 38.
DIREITO CONSTITUCIONAL POSITIVO II | PROFESSOR: GUSTAVO SAMPAIO | FEITO POR CAROLINA GALVÃO 66
ação direta de inconstitucionalidade de lei do Distrito Federal derivada da sua competência legislativa
municipal”. Ocorre que, não obstante tenha a Constituição Federal, em seu artigo 32, vedado a divisão do
Distrito Federal em Municípios, de maneira que a referida entidade federativa acumula as competências
reservadas tanto à esfera estadual quanto municipal (§ 1º), não é cabível o controle abstrato de normas
municipais em face da Carta Magna. Por conseguinte, igualmente não é cabível ação direta de
inconstitucionalidade que tenha por objeto ato normativo editado pelo Distrito Federal no exercício de
competência municipal (vide STF, ADI 880 MC/DF, Rel. Min. Sepúlveda Pertence, julgado em 06/10/1993, DJ
04/02/1992). Insta ainda destacar, porém, que no que tange às normas que tratam de ORGANIZAÇÃO DE
PESSOAL, como é o caso daquelas que dispõem acerca de carreiras e cargos públicos, não se afasta o controle
concentrado do Supremo Tribunal Federal, ante a dificuldade de distinguir as esferas municipal e estadual (ADI
3.341/DF, Rel. Min. Ricardo Lewandowski, julgado em 29/05/2014, DJe 01/07/2014).

● SIMULTANEIDADE DE IMPUGNAÇÃO JUNTO AO SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL E AO TRIBUNAL DE JUSTIÇA

RESPECTIVO: A existência de “anterior formalização da representação de inconstitucionalidade perante


tribunal de justiça local, em face de dispositivo de Carta estadual de reprodução obrigatória, não afasta a
apreciação pelo Supremo de ação direta na qual se questiona a harmonia da mesma norma com a Carta
Federal” (ADI 2.361/CE, Rel. Min. Marco Aurélio, julgado em 24/09/2014, DJe 23/10/2014, p. 7). Nesse caso,
ao revés, impõe-se a “suspensão da representação de inconstitucionalidade em curso no tribunal de justiça
local, que, após a decisão do Supremo na ação direta, poderá ter prosseguimento, se não ficar prejudicada”
(p. 8). Precedentes: ADI 1.423 MC/SP, Rel. Min. Moreira Alves, julgado em 20/06/1996, DJ 22/11/1996; Rcl
425 AgR/RJ, Rel. Min. Néri da Silveira, julgado em 27/05/1993, DJ 22/10/1993).

● CONTROLE DE CONSTITUCIONALIDADE DE ATOS NORMATIVOS: Em regra, revestem-se os atos normativos


de caráter regulamentar, quer dizer, voltam-se ao propósito de garantir a fiel execução da lei, de modo que
apenas indiretamente buscam fundamento de validade na Constituição Federal. Sendo assim, a jurisprudência
do Supremo Tribunal Federal aponta no sentido do não cabimento de ação direta com o escopo de examinar
atos normativos de natureza secundária (Precedentes: ADI 4.176 AgR/DF, Rel. Min. Carmen Lúcia, julgado
em 20/06/2012, DJe 01/08/2012; ADI 2.398 AgR/DF, Rel. Min. Cezar Peluso, julgado em 25/06/2007, DJ
31/08/2007; ADI 2.626/DF, Rel. Min. Sydney Sanches, julgado em 18/04/2004, DJ 05/03/2004; ADI 2.714/DF,
Rel. Min. Maurício Corrêa, julgado em 13/03/2003, DJ 27/02/2004).

Precisamente por regularem normas legais, eventual excesso em sua edição ensejará a possibilidade de
resolução no campo da legalidade. Ao extrapolar à lei regulamentada, nesse sentido, o ato regulamentar estaria
eivado de ilegalidade, e não inconstitucionalidade.

Não obstante, consolidou a jurisprudência do Supremo Tribunal Federal o cabimento da fiscalização


abstrata da constitucionalidade de um ato normativo, desde que seja AUTÔNOMO, GERAL E ABSTRATO41 (nessa

41
Importante é frisar que o sentido do controle abstrato de constitucionalidade é, precisamente, confrontar norma ou lei em
tese com o ordenamento constitucional: “[...] O controle normativo de constitucionalidade qualifica-se como típico
processo de caráter objetivo, vocacionado, exclusivamente, à defesa, em tese, da harmonia do sistema constitucional. A
instauração desse processo objetivo tem por função instrumental viabilizar o julgamento da validade abstrata do ato
estatal em face da Constituição da República. O exame de relações jurídicas concretas e individuais constitui matéria
juridicamente estranha ao domínio do processo de controle concentrado de constitucionalidade. A tutela jurisdicional de
situações individuais, uma vez suscitada a controvérsia de índole constitucional, há de ser obtida na via do controle difuso
de constitucionalidade, que, supondo a existência de um caso concreto, revela-se acessível a qualquer pessoa que disponha
DIREITO CONSTITUCIONAL POSITIVO II | PROFESSOR: GUSTAVO SAMPAIO | FEITO POR CAROLINA GALVÃO 67
esteira: ADI 2.387/DF, Rel. Min. Maurício Corrêa, julgado em 21/02/2001, DJ 05/12/2003; ADI 1.670/DF, Rel.
Min. Ellen Gracie, julgado em 10/10/2002, DJ 08/11/2002; ADI 1.590-7 MC/SP, Min. Rel. Sepúlveda Pertence,
julgado em 19/06/1997, DJ 15/08/1997; ADI 519-7 MC/DF, Rel. Min. Moreira Alves, julgado em 15/08/1991,
DJ 11/10/1991).

A distinção entre o cabimento ou não do controle concentrado de constitucionalidade, portanto, estaria


centrada em aferir a existência de invasão em esfera reservada à lei, a partir do qual o ato normativo passa a
ser considerado com caráter autônomo - não encontrando validade na lei pretensamente regulamentada, atuam
como se norma primária fossem. Nesse caso, o que ocorre não é a fuga à letra da lei regulamentada - o que
exigiria interpretar a distorção ou não dos contornos da lei -, mas a própria fuga à matéria a se regulamentar. O
que se passa a pretender, desse modo, é derivar o conteúdo do ato normativo da própria Constituição Federal,
e, por isso mesmo, caracteriza-se o ato como autônomo.

Nesse sentido, cumpre indicar a existência de precedentes no Supremo Tribunal Federal a partir dos
quais conclui-se que, na investigação da qualificação do ato enquanto normativo, despe-se de relevância a forma,
prevalecendo o exame seu conteúdo. Assim é que mesmo um aviso pode ser eventualmente qualificado enquanto
ato normativo e, mais, ato normativo primário (ADI 1.748-9/RJ, Min. Rel. Sydney Sanches, julgado em
15/12/1997, DJ 08/09/2000). Admitiu, ainda, o Supremo Tribunal Federal, no julgamento da ADI 3.731 MC/PI,
a interposição de ação direta de inconstitucionalidade com objeto em ato normativo subalterno “cujo conteúdo
seja de lei ordinária em sentido material e, como tal, goze de autonomia nomológica” (Rel. Mil. Cezar Peluso,
julgado em 29/08/2007, DJ 11/10/2007, p. 43).

Outrossim, há no Supremo Tribunal Federal precedentes que apontam inclusive a possibilidade de que
seja o ato normativo de efeitos concretos objeto de ação de controle concentrado de constitucionalidade,
quando diante “de um tema ou de uma controvérsia constitucional suscitada em abstrato, independente do
caráter geral ou específico, concreto ou abstrato de seu objeto” (ADI 4.048 MC/DF, Rel. Min. Gilmar Mendes,
julgado em 14/05/2008, DJ 22/08/2008, p. 68). In casu, vergastou-se a Medida Provisória nº 405/2007, a qual
abria crédito extraordinário em favor da Justiça Eleitoral e de diversos órgãos do Poder Executivo. Ocorre que,
embora norma de efeito concreto, a questão centrava-se em TESE SUSCITADA EM ABSTRATO, a saber, a de que
tais créditos, porquanto despidos do caráter de extraordinários conforme o parâmetro constitucional (artigo 167,
§ 3º, CRFB/1988), não poderiam ser abertos através de medida provisória. Admitiu-se, portanto, que houvesse
um controle abstrato de leis de efeitos concretos (em igual sentido: RE 412.921 AgR/MG, Rel. Min. Ricardo
Lewandowski, julgado em 22/02/2011, DJe 15/03/2011).

Infere-se, portanto, a tendência de, vislumbrado o teor autonômico do ato normativo, quando inova este
na ordem jurídica, torná-lo passível de controle abstrato com o escopo de, inclusive, evitar se torna meio de
escapar ao controle de constitucionalidade. Na matéria, ilustrativo é o julgamento da ADI 2.950 AgR/RJ, no
qual destaca-se excerto do voto do Ministro Gilmar Mendes:
“a norma legal limitou-se a esboçar uma autorização genérica, que foi concretizada no
âmbito do decreto. Tirar essa questão do exame de constitucionalidade é um pouco
condenar o sistema a um tipo de falência. Aí há uma armadilha argumentativa: aquilo que
não se pode fazer por lei, porque ela será contrastada em sede de jurisdição constitucional,

de interesse e legitimidade (CPC, art. 3º)” (ADI 2.551 MC-QO/MG, Rel. Min. Celso de Mello, julgado em 02/4/2003, DJ
20/04/2006, p. 25).
DIREITO CONSTITUCIONAL POSITIVO II | PROFESSOR: GUSTAVO SAMPAIO | FEITO POR CAROLINA GALVÃO 68
faz-se por decreto” (idem, p. 107).

● REAJUSTE DE VENCIMENTOS POR RESOLUÇÃO: Destaca-se o cabimento do controle concentrado de


resoluções de tribunais que deferem o reajuste de vencimentos de forma diversa da prevista pelo artigo 96,
inciso II, alínea “b”, da Constituição Federal (ADI 1.614/DF, REL. MIN. EROS GRAU, JULGADO EM 18/12/1998,
DJ 06/08/1999).

b) NAS INFRAÇÕES PENAIS COMUNS, O PRESIDENTE DA REPÚBLICA, O VICE-PRESIDENTE, OS


MEMBROS DO CONGRESSO NACIONAL, SEUS PRÓPRIOS MINISTROS E O PROCURADOR-GE-
RAL DA REPÚBLICA:

Nesta alínea, inserem-se algumas das hipóteses de foro especial por prerrogativa de função no Supremo
Tribunal Federal, bem como na alínea “c”. A divisão decorre do fato de que aqui o foro especial refere-se apenas
aos crimes comuns, enquanto a seguinte abarcará tanto estes quanto os crimes de responsabilidade, obviamente
fazendo referência a autoridades diferentes. É possível, porém, se indagar: qual é a razão de ser do foro especial
por prerrogativa de função? Seu fundamento refere-se à busca pelo JUÍZO PRESUMIVELMENTE MAIS ISENTO.
A depender da função exercida pelo réu, para além de qualquer desconfiança no que toca a boa-fé ou capacidade
técnica, não será possível presumir que determinado juiz será imparcial, pois exposto a pressões preocupantes.
Assim, em nome da defesa daquela mesma função (mandato ou cargo), com o objetivo de sua preservação e
para salvaguardar seu exercício, é que será previsto um foro especial.

É possível que haja, por exemplo, um deputado federal aclamado em certa região e rejeitado em outra.
Transcorrendo a inteiriça do iter criminis no local em que profundamente malvisto, inclusive pelas elites
políticas locais, deverá ser nela processado e julgado? De igual modo, o Promotor atuante em Cordeiro, região
interiorana, poderia ser processado e julgado pelo juiz dessa mesma Comarca, alguém com quem trabalha
diuturnamente? A questão não é de desconfiança, mas de afirmar a existência de causas de impedimento e
suspeição. O legislador se antecipa criando hipótese em abstrato que suplanta a hipótese em concreto, para evitar
desde logo a quebra presumível de imparcialidade, determinando o julgamento em juízo mais isento. Isto é, o
foro especial perpassa também o argumento de que, aprioristicamente, in abstracto, aquele juiz não é isento
para processar e julgar figura que desempenha mandato ou cargo tão relevante, isto é, seja pelo mandato de
caráter popular ou pela magnitude de um cargo público.42 É por isso que se prevê o deslocamento do foro: não
em favor de privilégios, mas para preservar a autoridade do cargo e do mandato.

Se extinto o foro especial, ou mesmo através de sua redução, teremos dificuldade de governança, pois
ao invés de concentrarmos a atribuição da denúncia, a estaremos difundindo. Insere-se aqui outro ponto de
fundamental importância: aqui também engendramos uma concentração atribucional da denúncia, quer dizer,
da peça inicial que deflagra a ação penal pública. Ao deputado federal, por exemplo, apenas o Procurador-Geral
da República terá atribuição para oferecê-la. Uma vez eliminado esse modelo, estaremos então pulverizando as
denúncias perante uma multiplicidade de órgão judiciais, e, sendo o foro especial destinado a pessoas que em
muito restam expostas, ficarão suscetíveis à inviabilização política. É por isso que à campanha em discurso
cativante de que o fim do foro que alegam privilegiado representa uma afirmação da igualdade se contra-

42
Há quem defenda que também os delegados de polícia sejam detentores do foro especial. É certo que lhes é possível
alegar impedimento ou suspeição, mas aí é que está: acima das questões de concretude, estão as in abstracto. Nas hipóteses
em que a frequência de parcialidade é grande, o legislador se antecipa na garantia do foro especial.
DIREITO CONSTITUCIONAL POSITIVO II | PROFESSOR: GUSTAVO SAMPAIO | FEITO POR CAROLINA GALVÃO 69
argumenta que isonomia, na verdade, consiste em tratar desigualmente os desiguais naquilo que se desigualam.

De toda forma, serão processados e julgado pelo Supremo Tribunal Federal em crimes comuns:

● PRESIDENTE E VICE-PRESIDENTE DA REPÚBLICA: No caso do Presidente da República, deflui-se importação

da matriz estadunidense. Previu-se seu julgamento no Supremo Tribunal Federal nas hipóteses de crime comum,
embora lhe seja resguardada IMUNIDADE. Quer dizer, deverá a Câmara dos Deputados aprovar o seguimento
da denúncia oferecida pelo Procurador-Geral da República, como condição de procedibilidade (isto é, tem de
aprovar para que haja o próprio recebimento da denúncia como peça inicial de instauração da ação penal).
“Compete privativamente à Câmara dos Deputados autorizar, por dois terços de seus membros, a instauração
de processo contra o Presidente e o Vice-Presidente da República” (artigo 51, I, primeira parte, CRFB/88).
Recentemente foi solicitada autorização à Câmara para que instaurada ação face ao Presidente Michel Temer, a
qual restou rejeitada43. É fundamental ressaltar, no entanto, que a rejeição não extingue a punibilidade, mas
apenas suspende a tramitabilidade, bem como o lapso prescricional. A partir do momento em que deixa de ser
Presidente ou Vice-Presidente a não autorização deixa de ter validade. Ademais, perdendo-se o foro especial
por prerrogativa de função, deslocar-se-á o processo para a primeira instância, na qual correrá o julgamento
do ex-Presidente ou ex-Vice-Presidente.

Limita-se a alínea, no entanto, a estabelecer o foro especial aos crimes comuns. Já o julgamento dos
crimes de responsabilidade se dará no Senado Federal. “Compete privativamente ao Senado Federal processar
e julgar o Presidente e o Vice-Presidente da República nos crimes de responsabilidade” (artigo 52, I, CRFB/88).
Nesta hipótese, também por inspiração no modelo estadunidense, quem presidirá a sessão será não o Presidente
do Senado, mas do Supremo Tribunal Federal (simetricamente a sê-lo feito pelo Presidente da Suprema Corte).
Destaca-se que também neste caso se resguarda a autorização pela Câmara dos Deputados para a procedibilidade
do processo em questão. Aqui, defende-se se tratar de função jurisdicional tão somente por razões protetivas e
garantistas: não se admitindo se tratar de jurisdição, não se admite que o que se encontra em julgamento é crime,
excluindo a exigência, por conseguinte, de todas as garantias que devem recair sobre a jurisdição criminal. É
para que estas necessariamente incidam que função jurisdicional excepcional trazida pelo texto da Constituição
original desde o princípio da especialidade.

● DEPUTADOS FEDERAIS E SENADORES: Quem tem competência para processar e julgar deputados federais e
senadores pela prática de crimes comuns é o Supremo Tribunal Federal. A denúncia é oferecida pelo Procurador-
Geral da República, recebendo-se a peça inicial da ação penal, que, sendo pública, é denominada denúncia; para
que então se instaure a ação penal face o congressista.

Até pouco, a imunidade, que hoje ampara o Presidente da República, amparava também os deputados
federais e senadores, sob a autoridade inclusive da Constituição de 1988. Significa dizer que antes, em nossa
história recente, só poderia ser um congressista processado e julgado perante o Supremo Tribunal Federal se a
respectiva casa legislativa autorizasse. A mudança ocorreu em 2001, com a Emenda Constitucional nº 35. Na
ocasião se acenava que o FIM DA IMUNIDADE PARLAMENTAR para o processamento da ação de crime

43
“Esta foi a primeira vez que a Câmara dos Deputados votou uma solicitação para instauração de processo contra um
presidente da República. Com a decisão, o STF não poderá analisar a denúncia contra Temer apresentada pelo
procurador-geral da República, Rodrigo Janot, no final de junho. O presidente só poderá responder judicialmente após o
término do mandato”. Extraído de <“http://www2.camara.leg.br/camaranoticias/noticias/POLITICA/538514-CAMARA-
NEGA-AUTORIZACAO-PARA-PROCESSO-CONTRA-TEMER-NO-SUPREMO.html”>.
DIREITO CONSTITUCIONAL POSITIVO II | PROFESSOR: GUSTAVO SAMPAIO | FEITO POR CAROLINA GALVÃO 70
comum era o anúncio de uma suposta assepsia do Congresso, para que retornasse a ordem moral e fossem
afastadas as nefastas figuras que circundavam o Parlamento, conforme sustentava o então presidente da Câmara
dos Deputados, Aécio Neves. Hoje, de fato, não é necessária a autorização da Câmara ou Senado para que se dê
ensejo ao processamento de ação contra congressista, e o Supremo Tribunal Federal irá recepcionar, receber a
denúncia à revelia de tal fato.

É certo que a história tem sido angustiante ao povo brasileiro, com a deflagração dessa crise de caráter
ético-moral na política do país, diante da qual se fez necessário extinguir a imunidade do texto constitucional,
apesar de sua relevância. A imunidade já se fez fundamental em certos contextos. À época do regime militar,
um período de agravamento do governo através dos atos institucionais decorreu da resistência sustentada no
Congresso Nacional, que se valia das imunidades, firmadas precisamente a fim de proteger a independência
funcional dos congressistas. Caso emblemático foi a sustentação do então deputado Márcio Moreira Alves, que,
em discurso realizado na Câmara dos Deputados, criticou fortemente o regime em ato considerado afrontoso
pelas Forças Armadas brasileiras. À época, vigorava Constituição de 1967, mas restava prevista a imunidade,
tendo se solicitado à casa legislativa autorização para processá-lo e julgá-lo. A autorização foi, então, negada,
pois se considerou que a manifestação havia sido legítima dentro de sua esfera de imunidade: afinal, tratava-se
de palavras e votos proferidos no recinto da Casa Legislativa. No dia seguinte ao fato, o Presidente Costa e Silva
assinou o Ato Institucional nº 100, fechando o Congresso Nacional pelo período que viria a ser de onze meses.
É para a resistência nesses casos que foi criada a imunidade parlamentar enquanto instrumento de independência,
e por esta razão o instituto foi mantido na Constituição redemocratizadora de 1988.

Posteriormente a esse momento de grande efusão e esperança, porém, o Brasil entrou em um ciclo de
apodrecimento, dessa metástase moral dentro das casas parlamentares, decorrente do mau comportamento de
seus membros, em condutas que em nada se coadunam à dialógica opinativa. O estopim teria se dado em caso
de deputado federal do Acre, que representa um dos mais tristes momentos da história parlamentar brasileira.
Hildebrando Pascoal chefiava esquadrões de extermínio e veio a ser alcançado pelo serviço de justiça criminal,
cassado como parlamentar, processado e julgado criminalmente e condenado à pena privativa de liberdade por
vários crimes contra a vida. Então, a imunidade parlamentar, que teria protegido o deputado Moreira Alves,
após triste quadra da história brasileira, de malversação dos congressistas para a prática de crimes comuns,
restou extinta, excluída pela Emenda Constitucional nº 35/2001.

Outras questões são aqui de relevante análise. Quando houve o julgamento da Ação Penal nº 470, que
ficou historicamente conhecida como “Caso do Mensalão”, dos trinta e sete réus, apenas sete eram deputados
federais. A princípio, portanto, trinta não tinham foro especial por prerrogativa de função – e precisamente por
essa razão deveriam ter acesso ao duplo grau de jurisdição. Então por qual razão foram processados e julgados
pelo Supremo Tribunal Federal? Até então, esta Corte reconhecia a conexão de causa. Isto é, que na cadeia de
um mesmo cometimento delitivo, deveriam ser todos julgados conjuntamente, embora figurassem na situação
tanto deputados federais quanto lobistas, doleiros ou dirigentes de instituições financeiras privadas, por exemplo.
Na ocasião, uma secretária pediu fosse seu julgamento remetido à primeira instância, requerimento este
negado. 44 Em nome de uma uniformidade decisória, restou reconhecida a conexão. O resultado foi uma

44
No mesmo caso, o (ex-)dirigente da instituição financeira Banco Rural, José Roberto Salgado, através do patrocínio do
grande advogado brasileiro Márcio Thomaz Bastos, arguiu preliminar de desmembramento durante uma das sessões de
DIREITO CONSTITUCIONAL POSITIVO II | PROFESSOR: GUSTAVO SAMPAIO | FEITO POR CAROLINA GALVÃO 71
condenação maciça e o início de um reconhecimento pelos representantes políticos de que o foro especial não
era tão positivo assim, na medida em que impedia o recurso.

O problema é que se àquele que exerce função específica faz-se possível argumentar a expectativa maior
de obediência do trilho da conduta legal e, por conseguinte, a ausência de um duplo grau de jurisdição, o mesmo
não poderia ocorrer para com o cidadão comum. Disto gerou-se forte discussão, até mesmo porque embora o
duplo grau seja princípio implícito na ordem constitucional, está expresso na Convenção Interamericana de
Direitos Humanos (artigo 8.2, alínea “h”), o que poderia ensejar reclamação na Corte e parece tê-lo feito. Mas,
é claro, não sendo órgão de jurisdição nacional, não lhe cabe a interferência no julgamento processado no
Supremo Tribunal Federal. De toda forma, certo é que após a Ação Penal nº 470, houve uma mudança de
entendimento para que se reconhecesse que APENAS DESTINATÁRIOS EXPRESSOS do duplo grau de jurisdição
seriam julgados originariamente no Supremo. No mesmo sentido, uma vez verificada a PERDA DE MANDATO,
o processo sai do Supremo Tribunal Federal e é remetido à primeira instância – raciocínio este que vale para
todos os processos com foro especial.45

A única EXCEÇÃO que não se tem contemplado, em homenagem ao princípio da perpetuatio


jurisdiciones, é o caso da RENÚNCIA DE MÁ-FÉ ao mandato ou cargo público. No caso em que, por exemplo,
um deputado federal é denunciado perante ao Supremo Tribunal Federal e, durante o transcurso do processo,
nas imediações de uma decisão, percebe que será condenado e por essa mesma razão opta por renunciar ao
mandato para que o processo vá à primeira instância e possa ele se valer de todas as instâncias recursais a seu
favor, o próprio Supremo proferirá a decisão, seja condenatória ou de absolvição. Em síntese, se houve má-fé
nessa renúncia, o que não se confunde com perda do mandato, admite-se a perpetuatio. Evento no qual não foi
verificada a má-fé e definiu-se o deslocamento competencial do feito é aquele referente ao deputado federal
Eduardo Cunha, pois embora denunciado perante o Supremo Tribunal Federal, terminou posteriormente sendo
cassado de seu mandato e o feito foi deslocado à primeira instância – por conexão de causa para com a Vara
Federal de origem da dita “Operação Lava-Jato”, à 13ª Vara da Seção Judiciária do Paraná, na qual condenado
e na qual teve contra si decretada prisão preventiva.

Tudo isto porque o foro especial se limita à investidura no mandato ou cargo público. Pela mesma
lógica é que um Ministro aposentado do Superior Tribunal de Justiça não tem foro especial por prerrogativa de
função: não a mais exercendo, não há nada a se preservar e automaticamente se torna passível de ser processado
e julgado normalmente na primeira instância do Poder Judiciário. Ao todo, o que foi tratado pela Ação Penal nº
470 é passado. O olhar é agora voltado para o futuro, daqui em diante segundo a jurisprudência contemporânea.
Hoje, quem não é detentor de foro especial vai à primeira instância, em homenagem ao due process of law. No
mesmo diapasão, surge a consciência de que esse mesmo foro especial por prerrogativa de função não é um foro
privilegiado. A ideia do privilégio é veiculada no sentido de que, em sendo os tribunais órgãos colegiados por
excelência e não sendo estruturados com vistas à instrução processual, agem de forma mais lenta e retardam a

julgamento. Alegava não ser o destinatário do foro especial por prerrogativa de função, resguardando, por conseguinte, o
direito ao duplo grau de jurisdição. O pleito foi negado, porém a partir do entendimento de naquele momento processual,
em que a instrução processual já estava feita, a pretensão do desmembramento estaria preclusa. Nos votos, se assinalou a
necessidade de uma revisão do entendimento pela Corte.
45
Se é, por exemplo, um prefeito réu em processo penal que tramita perante o Tribunal de Justiça do Estado respectivo,
para seu julgamento em instância única, uma vez que findo o mandato eletivo, deixando de exercê-lo, o processo será
remetido à primeira instância.
DIREITO CONSTITUCIONAL POSITIVO II | PROFESSOR: GUSTAVO SAMPAIO | FEITO POR CAROLINA GALVÃO 72
decisão. Não obstante, afora essa questão temporal, denota-se uma preferência de julgamento em primeira
instância para que se se possa valer e recorrer em todos os graus.

Isso realmente gera um descompasso, na figura daquilo que o Ministro Marco Aurélio tem denominado
coloquialmente enquanto elevador processual. Na política, é comum sejam ocupados cargos diversos durante a
carreira. Dessa maneira, estando o processo em curso, gera-se um elevador processual, pelo qual alterada a
competência a julgá-lo. Da problemática, porém, não se deve atribuir culpa ao foro especial, mas suscitar como
pauta a necessidade de celeridade processual e de dinamização dos tribunais para que julguem o feito dentro do
tempo regular da processualística penal. Somados todos os prazos do rito ordinário, o processo penal, a rigor,
deveria durar oitenta e um dias. Certo é que isto seria inexequível face ao número de ações penais movidas. No
entanto, não se deve aqui fatalistamente criticar o foro especial: trata-se de uma questão de assessoria, bastando
sejam aumentados os cargos de juiz de instrução, de juízes auxiliares. O Supremo Tribunal Federal tem, por
exemplo, à cada ministro, quadro de juízes instrutores, de primeira instância, convocados ao tribunal para atuar
sem autoridade decisória, apenas coletando depoimentos e provas, realizando a instrução judicial. O que se faz
é a ampliar a estrutura para dinamizar o processo. A forma de curar uma doença não é matar o paciente; a
decisão acerca do foro especial não deve se orientar pela estrutura eventual dos tribunais, mas em questionar-se
se determinada instituição ou instituto é bom ou ruim.

O Congresso Nacional é titular do poder constituinte derivado e tem competência para decidir. Se torna
problemático, todavia, que ultimamente alguns tribunais tem se considerado legitimados a reescrever o texto
constitucional e contestar sua reverência à autoridade da Constituição, enquanto, em verdade, o que nela está
dito tem de ser respeitado. Quem pode alterá-la é o povo, através da revolução em sentido jurídico (quer dizer,
por nova Assembleia Nacional Constituinte) ou o Congresso Nacional por seu poder constituinte derivado,
fazendo Emendas à Carta Magna existente. Atualmente, tem-se em curso a Proposta de Emenda Constitucional
(PEC) nº 10/2013,46 que pretende basicamente abolir o foro especial, para que subsistente apenas aos Presidentes
da República, da Câmara, do Senado e do Supremo Tribunal Federal, além do Procurador-Geral da República.
O projeto já foi aprovado no Senado à unanimidade e passou pelo crivo da Comissão de Constituição e Justiça,
estando a aguardar apreciação na Câmara, em que já passou por parecer favorável. Dessa maneira, questiona-
se: teria havido uma votação tão significativa contrária ao próprio privilégio? Podemos vislumbrar a hipótese
de uma unanimidade em agir altruístico ou a ciência de que ter toda a escala recursal, com devido processo legal
garantido, é realidade mais favorável.

Avançando, a JUSTIÇA ELEITORAL aqui envolve uma questão delicada e é necessário ter cuidado em
virtude de sua competência especializada. Quando uma autoridade é destinatária do foro especial por
prerrogativa de função, se não houver exceção à justiça eleitoral, o crime eleitoral será julgado pela justiça
comum (isto é, pela justiça não especializada). O julgamento pode ocorrer até mesmo no Superior Tribunal de
Justiça (como no caso de crime eleitoral perpetrado por governador) ou no Supremo Tribunal Federal (se

46
Se aprovada, gerará efeitos. Mas é importante assinar: se o foro especial por prerrogativa de função realmente viola o
princípio da isonomia, deveria ser extinto para todos, inclusive ao Presidente da República. Disto, decorreria um grande
problema estrutural, no entanto, isonomia é isonomia. Se certo indivíduo alega que o foro especial deve ser extinto em
relação a todos, exceto o Presidente, já o está defendendo através da afirmando que para alguém ele há de existir. Ao
término, o fim do foro especial perpassa campos de disputa política, e o discurso de tribuna, que encanta, se vitorioso, virá
a desencadear um problema estrutural na administração da política brasileira, talvez inclusive a inviabilizando no país.
DIREITO CONSTITUCIONAL POSITIVO II | PROFESSOR: GUSTAVO SAMPAIO | FEITO POR CAROLINA GALVÃO 73
praticado por congressistas), mas não deixa de se tratar da justiça comum. No avançar do estudo constitucional,
veremos que existem casos nos quais a Constituição Federal prevê aos investidos de certo cargo o julgamento
por certo órgão jurisdicional, exceto em determinadas hipóteses taxadas. Os Procuradores da República federais
em primeira instância, por exemplo, são julgados pelo Tribunal Regional Federal da respectiva região, salvo
nos casos de competência da justiça eleitoral. Em outras palavras, o que o texto constitucional está dizendo é
que se esse Procurador pratica um crime comum, será julgado no Tribunal Regional Federal; se o crime, porém,
é eleitoral, a competência será da justiça especializada. Não obstante, na maioria dos casos de foro especial essa
exceção não é mencionada.47

Ademais, uma decisão polêmica foi recentemente proferida na Ação Penal nº 937, que tramita perante
o Supremo Tribunal Federal contra Marcos da Rocha Mendes, a qual subiu ao Supremo Tribunal Federal com
bojo no artigo 102, I, b, da Constituição Federal, vez que à época investido no mandato de deputado federal:
“A AP 937 trata do caso do ex-deputado federal Marcos da Rocha Mendes, acusado de
corrupção eleitoral (compra de votos) quando era candidato à prefeitura de Cabo Frio
(RJ), em 2008. Como Marcos Mendes foi eleito prefeito, o caso começou a ser julgado no
Tribunal Regional Eleitoral do Rio de Janeiro (TRE-RJ), onde a denúncia foi recebida em
2013. Com o fim do mandato, o caso foi encaminhado à primeira instância da Justiça
Eleitoral. Mas em 2015, como era o primeiro suplente do partido para a Câmara dos
Deputados e diante do afastamento de titulares, passou a exercer o mandato de deputado
federal, levando à remessa dos autos ao STF. Eleito novamente prefeito de Cabo Frio, em
2016, renunciou ao mandato de deputado federal quando a ação penal já estava liberada
para ser julgada pela Primeira Turma do Supremo. A partir das mudanças de foro para
julgar o processo contra Marcos Mendes e o risco de prescrição da pena, o relator decidiu
remeter uma questão de ordem ao Plenário sobre a possibilidade de se restringir a adoção
do foro especial por prerrogativa de função aos crimes cometidos em razão do ofício e que
digam respeito estritamente ao desempenho daquele cargo. O relator entende que o caso
deveria voltar à primeira instância, que já havia finalizado a instrução processual, uma
vez que o réu não é mais detentor de foro por prerrogativa de função no STF”.48
Foi suscitada, no bojo da referida ação, questão de ordem a fim de discutir se o foro especial por
prerrogativa de função abrange todos os crimes ou apenas os propter officium, isto é, próprios do ofício.
Nesse sentido, a tese sustentada fora a de que, na medida em que o foro especial volta-se à proteção do exercício
da função, é quando o crime resguarda relação com esta que a proteção é cabível (quando relacionada ao cargo
ou mandato). Assim, os crimes non propter officium não teriam razão para serem julgados em foro especial. Em
síntese, no entendimento do Ministro suscitador da ordem, cuja tese foi acolhida pelo Plenário do Supremo, os
membros do Congresso Nacional seriam julgados perante o referido tribunal apenas por atos praticados (isto é,
por crimes perpetrados) durante a investidura do mandato e relacionados à função (isto é, com nexo funcional).
Dá-se novo entendimento, de caráter restritivo, ao foro especial por prerrogativa de função.

A despeito de eventuais críticas, certo é que decisão do Supremo Tribunal Federa, sobretudo em sessão
plenária, é decisão que deve ser respeitada. 49 Uma decisão com frequência pode engendrar tensões entre a
política e o direito. Tal distinção em muito não se tende a reconhecer, vez o que o direito, embora não ao todo,
é em grande parte fruto da deliberação política e construção legislativa, de forma que grandes autores tutelares

47
O governador estadual, por exemplo, será julgado pelo Superior Tribunal de Justiça em crime eleitoral (artigo 105, I,
CRFB/88), assim como o Presidente da República o será no Supremo Tribunal Federal (artigo 102, I, b), nesta última
hipótese mediante autorização da Câmara dos Deputados, pois em ambos os casos não há ressalva à justiça eleitoral.
48
Disponível em <“http://portal.stf.jus.br/noticias/verNoticiaDetalhe.asp?idConteudo=377039”>.
49
Adágio comum afirmava que “decisão judicial não se discute, se cumpre”. Não obstante, decisão judicial não só pode
como deve ser discutida. E por mais que o Supremo Tribunal Federal seja a reserva moral e intelectual da nação, não está
impassível de ser criticado.
DIREITO CONSTITUCIONAL POSITIVO II | PROFESSOR: GUSTAVO SAMPAIO | FEITO POR CAROLINA GALVÃO 74
do pensamento jurídico (como Pontes de Miranda, Nelson Hungria e Francisco Campos), não propugnavam tal
divisão. No entanto, o fortalecimento dos princípios e a ascensão do neoconstitucionalismo fez relativizada uma
distinção mais rígida e dicotômica, desde os postulados de Alexy e Dworkin (trazidos ao Brasil por Paulo
Bonavides). No juspublicismo pós-positivista, os princípios alçam posição central no ordenamento e se tornam
a grande inspiração e vetores de compreensão do direito. Essa perspectiva avançou sobretudo sob a égide da
Constituição de 1988, sob o pálio democrático, em que suscitadas alterações profundas. O mergulho nessa visão
principiológica, porém, o qual faz dos princípios a panaceia e fonte do direito brasileiro, em seus excessos é
negativa.

A virtude reside no equilíbrio e problema histórico em que eivamos no pós-1988 é o fato de que o
Judiciário parece ter deixado de acreditar nesta virtude. Isso não implica em um necessário questionamento da
boa-fé dos Ministros do Supremo Tribunal Federal, mas nem só de boas intenções vive a humanidade e por
vezes do excesso deriva o retrocesso. Nesta seara circunscreve-se a alteração da Lei de Introdução às normas
do Direito Brasileiro (Decreto-Lei nº 4.657/1942), a qual fora lei virtuosíssima, extremamente evoluída a seu
tempo, quando do Estado Vargas, em um governo de afirmação de um Estado de bem-estar social. Tinha-se no
Código Civil de 1916 a veiculação de uma lógica de inspiração em modelo individualista, proprietarista e
napoleônica, quer dizer, um dispositivo legal pautado por um liberalismo puro (não de bem-estar), que, por
conseguinte se apreendeu ultrapassado.

Neste sentido, a edição do Decreto-Lei nº 4.657/1942 configurou a tão ansiada relativização desse
modelo liberal clássico, para que fixada conotação de intervenção social nas relações privadas. Todavia, em 25
de abril de 2018 foi editada pelo Congresso Nacional a Lei nº 13.655, que alterou o referido Decreto-Lei. Dentre
as muitas modificações por ela trazidas, destaca-se a introdução de cláusulas como a necessidade de que o
Judiciário motive suas decisões e o faça não apenas com base em princípios, mas, quando o fizer, à luz de seus
efeitos práticos. Chegamos, portanto, à percepção de um plano de relação entre política e direito, sendo possível
se chegar a patamares mais graves, avançados de beligerância entre estas esferas, em que o Congresso Nacional
venha a adotar mudanças em razão da ingerência e insurgência advinda das interpretações hermenêuticas. O
juspublicismo pós-positivista investiu de forças e armas ao Judiciário, não o Parlamento. Nessa superação do
positivismo clássico da Escola de Viena, de Kelsen, com a ascensão principiológica, se busca superar
importantes tradições do direito, como a civil law, para que densificada a common law, em seu sistema de
precedentes e princípios. O problema é quando a hipertrofia extrapola os limites e adentramos em cenários como
o atual.

No entanto, aqui há um possível excesso de interpretação e do fato de que existente dever de respeito
não anula sua a possibilidade de crítica técnico-científica. Ocorre que o texto da Constituição Federal, ao tratar
do foro especial por prerrogativa de função, parece claro em não empreender tal distinção. Tanto que quando
discorre a competência originária do Supremo Tribunal Federal na matéria, nas alíneas b e c, do inciso II, do
artigo 102, da Constituição Federal, estipula referência aos crimes comuns e de responsabilidade. Invocando
uma lógica cartesiana, aferimos que nada há em matéria criminal além dos crimes comuns e de responsabilidade.
É certo que, no estudo da Teoria Geral do Direito Penal, nota-se a possibilidade de que sejam os crimes
desmembrados em várias categorias, porém, quando aludida a divisão dúplice entre crimes comuns e de
responsabilidade, não há nada que lhe exceda.
DIREITO CONSTITUCIONAL POSITIVO II | PROFESSOR: GUSTAVO SAMPAIO | FEITO POR CAROLINA GALVÃO 75
A filosofia do foro especial por prerrogativa de função perpassa a ciência de que certa autoridade, em
razão do mandato que titulariza ou cargo que ocupa, não deve ser julgada em primeira instância, pois este não
será o foro presumivelmente mais isento para tal (seja nas hipóteses de crime propter officium ou non propter
officium). Sua finalidade não é de benefício ou castigo por verificar-se que um fato delituoso foi praticado ou
não dentro de um nexo funcional. Se parte, em verdade, da ideia de que o juiz poderá favorecer em nome de sua
afeição ou perseguir por desafeição em toda hipótese de crime. Por isso o legislador quis levar aos tribunais a
competência nesses casos (talvez não de crimes de responsabilidade, quando o próprio texto constitucional os
encerra). O que está muito abaixo dessa discussão científica é aquela que tangencia ser o foro especial negativo
ou positivo, o acerto do instituto. Esta espécie de juízo não pertence ao Judiciário; cabe ao Congresso Nacional.
Não podemos nos valer de subterfúgios hermenêuticos para alegar que, em nome do neoconstitucionalismo, da
vanguarda iluminista contemporânea, o dizer constitucional restou alterado. Quem efetivamente tem de decidir
essa questão é o foro democrático: o Parlamento pode estar desgastado, porém não por isso iremos suprimir sua
autoridade constitucionalmente conferida.

Ao tomar posse, o membro do Supremo Tribunal Federal jura fidelidade à Constituição, e lhe caberá
defender o ali disposto, ainda que de todo contrário. O magistrado tem de ser imparcial e preservador da Carta
Maior, em especial diante do papel do Supremo de guarda da Constituição. É claro que ninguém afirmará em
voto frontalmente colidir ao texto constitucional. Se justifica a escolha política na retórica hermenêutica. Não
obstante, em certos casos o constituinte é tão claro que não haverá retórica que justifique uma dada decisão.
Nesses casos, se deve aguardar o legislador disciplinar a matéria, reverenciando tanto a Constituição quanto
aqueles que efetivamente têm competência para decidir. Preocupa o ativismo judicial,50 do qual passível sejam
derivados atritos entre a política e o direito de tão grande força que acabemos por comprometer a nova república,
esse sonho consolidado em 1988.

● PROCURADOR-GERAL DA REPÚBLICA: Nos crimes de responsabilidade, será julgado no Senado Federal, nos
termos do artigo 52, II, CRFB.

● MINISTROS DO SUPREMO: Os ministros do Supremo Tribunal Federal serão julgados por seus próprios pares.
É que, sendo o tribunal máximo no Brasil, o cume do Poder Judiciário brasileiro, não haveria como se dispor
de forma diferente. Um juiz de direito da primeira instância da justiça comum terá foro especial por prerrogativa
de função no Tribunal de Justiça do Estado respectivo, cujos desembargadores terão foro especial no Superior
Tribunal de Justiça, cujos ministros, por fim, terão foro no Supremo Tribunal Federal. Em relação a este, não se
teria como determinar a competência nessa mesma lógica.

A competência para processar e julgar os detentores do foro especial por prerrogativa de função no
Supremo Tribunal Federal é do plenário ou da Turma? A Constituição é silente nessas minúcias, dispondo a
regulamentação da matéria aos regimentos internos (que poderão ser, portanto, nesses pontos, alterados sem que
se prossiga à alteração do texto constitucional) - ressalvada a reserva de plenário quando se tratar de julgamento
de controle de constitucionalidade. A Ação Penal nº 140, referente ao mensalão, e que envolvia sete deputados
federais, foi processada e julgada perante o pleno. Na ocasião, após demorada fase de processamento, quando
se empreendeu o julgamento, o Supremo parou suas atividades e suspendeu ações pelo período quase de um

50
Não é suficiente a alusão a uma orientação principiológica: à luz do princípio republicano, democrático e da isonomia
seria possível reescrever toda a ordem jurídica.
DIREITO CONSTITUCIONAL POSITIVO II | PROFESSOR: GUSTAVO SAMPAIO | FEITO POR CAROLINA GALVÃO 76
semestre (exceto, obviamente, o essencial, que permanecia a julgar). Transcorrido esse grande incurso, à luz da
prejudicial interrupção de atividades, reuniram-se os ministros do Supremo Tribunal Federal para estabelecer
uma alteração regimental, transferindo algumas das competências antes do pleno às turmas. Hoje, no que tange
ao foro especial e conforme extraído de seu regimento, há a seguinte divisão:
●PLENÁRIO: “nos crimes comuns, o Presidente da República, o Vice-Presidente da República,
o Presidente do Senado Federal, o Presidente da Câmara dos Deputados, os Ministros do
Supremo Tribunal Federal e o Procurador-Geral da República, bem como apreciar pedidos de
arquivamento por atipicidade de conduta” (artigo 5º, I).
● TURMAS: “nos crimes comuns, os Deputados e Senadores, ressalvada a competência do
Plenário, bem como apreciar pedidos de arquivamento por atipicidade de conduta” (artigo 9º,
I, j); “nos crimes comuns e de responsabilidade, os Ministros de Estado e os Comandantes da
Marinha, do Exército e da Aeronáutica, ressalvado o disposto no art. 52, I, da Constituição
Federal, os membros dos Tribunais Superiores, os do Tribunal de Contas da União e os chefes
de missão diplomática de caráter permanente, bem como apreciar pedidos de arquivamento
por atipicidade da conduta” (artigo 9º, I, k).

c) NAS INFRAÇÕES PENAIS COMUNS E NOS CRIMES DE RESPONSABILIDADE, OS MINISTROS DE


ESTADO E OS COMANDANTES DA MARINHA, DO EXÉRCITO E DA AERONÁUTICA, RESSALVA-
DO O DISPOSTO NO ART. 52, I, OS MEMBROS DOS TRIBUNAIS SUPERIORES, OS DO TRIBUNAL
DE CONTAS DA UNIÃO E OS CHEFES DE MISSÃO DIPLOMÁTICA DE CARÁTER PERMANENTE:

● CHEFES DE MISSÃO DIPLOMÁTICA: A Constituição Federal aqui não se refere a quaisquer embaixadores,
mas sim e especificamente àqueles que estejam investidos da função de cheia de missão diplomática de caráter
permanente – à exemplo de embaixador na França, no Fundo Monetário Internacional ou na China. Para que se
torne chefe, porém, deve antes passar por uma sabatina no Senado Federal, que é formada na Comissão de
Constituição e Justiça, na Comissão de Relações Exteriores e Defesa Nacional, após a qual deve ser aprovado
(artigo 52, IV, CRFB/88); se rejeitado, não deixa de ser embaixador. Ressalta-se, ainda, que a aprovação é
referente apenas à chefia daquela missão específica.

● MINISTROS DE ESTADO E COMANDANTES DAS FORÇAS ARMADAS: São Ministros de Estado, por exemplo,
o Ministro da Justiça, da Fazenda e das Relações Exteriores. Aqui há dado importante, que beira à única zona
de crise entre as alíneas b e c, do inciso I, do artigo 102, da Constituição Federal. É que, via de regra, aqueles
que abarcados pela alínea b são julgados pelo Supremo Tribunal Federal apenas nas hipóteses de crime comum,
enquanto os inseridos na alínea c tanto por estes quanto pelos crimes de responsabilidade. A EXCEÇÃO se refere
aos Ministros de Estado51 e Comandantes das Forças Armadas: nos termos do artigo 52, I, da Carta Magna,
a competência para julgá-los em crimes de responsabilidade conexos a crime de responsabilidade praticado pelo
Presidente da República será privativa do Senado Federal (“processar e julgar o Presidente e o Vice-Presidente
da República nos crimes de responsabilidade, bem como os Ministros de Estado e os Comandantes da Marinha,
do Exército e da Aeronáutica nos crimes da mesma natureza conexos com aqueles”). Assim, o caso de virem a

51
Secretário de Estado: previsão de foro especial nos limites da Constituição Estadual. Certamente, se for a Proposta de
Emenda à Constituição nº 10 aprovada, arrastará efeitos também sobre os textos constitucionais estaduais. Porém, por ora,
é a resposta a ser dada: variável conforme Estado. E nem tão cedo teremos resposta, pois sob intervenção federal, na qual
não cabe editar Emenda Constitucional. A orientação do Supremo Tribunal Federal é no sentido da aplicação do princípio
da simetria, com base na premissa do artigo 52, I, da Carta Magna da República, para que se reconheça possível a causa de
conexão. O princípio da simetria é verdadeiramente cláusula que amarra e adstringe, de maneira até preocupante, na medida
em que os Estados acabam por ser reprodução do modelo constitucional em função de norma que não está no texto da
Constituição – na verdade, o princípio da simetria foi criação do Supremo Tribunal Federal.
DIREITO CONSTITUCIONAL POSITIVO II | PROFESSOR: GUSTAVO SAMPAIO | FEITO POR CAROLINA GALVÃO 77
ser processados e julgados por crime de responsabilidade abrange duas hipóteses:

● CONEXO COM CRIME DE RESPONSABILIDADE PRATICADO PELO PRESIDENTE:


competência privativa do Senado Federal;
● NÃO CONEXO COM CRIME DE RESPONSABILIDADE PRATICADO PELO PRESIDENTE:
competência do Supremo Tribunal Federal.

Assim, a depender do caso, teremos de conjugar dois artigos distintos. A previsão de eventual
julgamento no Senado Federal por conexão se deu em homenagem ao PRINCÍPIO DA UNIFORMIDADE
DECISÓRIA. Ocorre que o julgamento do crime de responsabilidade perpassa critérios que não estritamente
destinados à apreciação pelo juízo comum. Dessa maneira, se o Presidente da República é acusado por esta
categoria de crime e também seu Ministro, que é seu auxiliar primário e precípuo de seu governo, há
possiblidade real de conexão entre os fatos perpetrados. Se a conexão existir, o julgamento é conjunto no Senado;
se inexistente, ainda que também o Presidente tenha incorrido na prática de crime de responsabilidade, o
Ministro de Estado será julgado perante o Supremo Tribunal Federal.

MINISTRO DE ESTADO ≠ MINISTROS JUDICIÁRIOS: Do analisado, afere-se que distinto o tratamento conferido
aos ministros judiciários, isto é, aos membros ou dos Tribunais Superiores ou do Supremo Tribunal Federal (os
quais, ressalvados os dois Ministros do Tribunal Superior Eleitoral da classe jurista, são todos vitalícios). Dessa
maneira, questiona-se: a quem compete processar e julgar esses ministros do judiciário?

N MIN. TRIBUNAL SUPERIOR N


● CRIME COMUM:
competência do Supremo Tribunal Federal;
● CRIME DE RESPONSABILIDADE:
competência do Supremo Tribunal Federal.

N MIN. SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL N


● CRIME COMUM:
competência do Supremo Tribunal Federal;
● CRIME DE RESPONSABILIDADE:
competência do Senado Federal (artigo 52, II, CRFB/88).

Isto é, a competência, tanto em crimes comuns quanto de responsabilidade, é originária do Supremo.


Não obstante, se membros deste e em se tratando da prática de crime de responsabilidade (dois requisitos), será
originária do Senado Federal (artigo 52, II, CRFB/88). Aqui, não haverá causa de conexão: se membro de um
Tribunal Superior, sempre julgado no Supremo; e se membro deste, sempre julgado no Senado nessa espécie de
crime. Todavia, apesar de muitas acusações e representações, não tivemos até o presente momento julgamento
de ministro do Supremo por crime de responsabilidade, vez que o Senado não deu sequência ao procedimento,
após fazer sua Mesa a triagem necessária – à qual o Presidente da referida Casa tem papel preponderante. Tem-
se que o procedimento de impeachment de um Ministro do Supremo é bem distinto daquele previsto para o
Presidente da República, não exigindo, por exemplo, que se passe pelo crivo autorizativo da Câmara dos
Deputados.

d) O HABEAS CORPUS, SENDO PACIENTE QUALQUER DAS PESSOAS REFERIDAS NAS ALÍNEAS
ANTERIORES; O MANDADO DE SEGURANÇA E O HABEAS DATA CONTRA ATOS DO PRESIDENTE
DA REPÚBLICA, DAS MESAS DA CÂMARA DOS DEPUTADOS E DO SENADO FEDERAL, DO TRI-
BUNAL DE CONTAS DA UNIÃO, DO PROCURADOR-GERAL DA REPÚBLICA E DO PRÓPRIO SU-
PREMO TRIBUNAL FEDERAL:
DIREITO CONSTITUCIONAL POSITIVO II | PROFESSOR: GUSTAVO SAMPAIO | FEITO POR CAROLINA GALVÃO 78
Nessa alínea, estão inseridos três remédios constitucionais, cada qual orientado por tratamento distinto
próprio: o habeas corpus, a medida de segurança e o habeas data:

● HABEAS CORPUS: Será de competência originária do Supremo Tribunal Federal quando for paciente qualquer
pessoa citada nas alíneas b e c, do inciso I, do artigo 102, da Constituição. É importante relembrar que paciente,
no bojo do habeas corpus, se refere à pessoa em favor da qual impetrado, que se encontra com sua liberdade
cerceada ou em iminência de lamentavelmente vir a sê-lo. Assim, se o paciente é Presidente ou Vice-Presidente
da República, deputado estadual, senador federal, ministro do Supremo Tribunal Federal ou membro de Tribunal
Superior ou Tribunal de Contas da União, se Procurador-Geral da República, Ministro de Estado, Comandante
das Forças Armadas ou chefe de missão diplomática de caráter permanente; competência para processar e julgar
habeas corpus, originariamente, será do Supremo Tribunal Federal. Cumpre ressaltar que habeas corpus não é
recurso, mas ação originária. Impetrada para a preservação da liberdade desses titulares de foro especial por
prerrogativa de função no Supremo, a este competirá habeas corpus em que sejam pacientes.

● MANDADO DE SEGURANÇA: Obviamente, não será em qualquer caso. Estamos no campo das competências
originárias do Supremo Tribunal, de forma que sempre tratamos de exceções. De maneira geral, o mandado de
segurança é impetrado diretamente nas Varas de primeira instância. Há casos, no entanto, em que deverá sê-lo
diretamente perante tribunal, os quais estão previstos explicitamente no texto constitucional. Exemplifica-se: o
mandado de segurança, quando ajuizado contra ato de governador estadual, vai para o respectivo Tribunal de
Justiça (isto é, não passa pela Vara de Fazenda Pública); o mesmo quando contra ato de secretário de segurança
do Estado. Nesse diapasão, será o mandado de segurança, nas hipóteses previstas, competência originária do
Supremo Tribunal Federal, onde irá nascer e morrer. É o caso de mandado de segurança impetrado contra ato:
● do Presidente da República: se, por exemplo, decreto expropriatório de gleba rural for absolutamente
em desconformidade com o ordenamento, será possível interpor mandado de segurança ao Supremo
Tribunal Federal.
● da Mesa da Câmara dos Deputados ou da Mesa do Senado: são órgãos diretores das referidas casas
legislativas. Ressalta-se: a Mesa em si não é propriamente um órgão legislativo, mas órgão diretor dos
órgãos legislativos, vez que chefia as Casas.
● do Tribunal de Contas da União: o Tribunal de Contas da União corresponde, no Brasil, não a um
tribunal judiciário, mas de administração. Isto embora seja assaz controvertia sua natureza jurídica. Há
autores consagrados que afirmam que seja, como instituição, autônomo na ordem constitucional,52 não
pertencendo a nenhum Poder. Por outro lado, corrente doutrinária distinta entende se tratar de um órgão
auxiliar do Poder Legislativo brasileiro. Impassível de controvérsias é o fato de que o Ministério Público
é órgão autônomo, estando inserido em capítulo próprio às funções essenciais da justiça. Já o Tribunal
de Contas da União encontra-se inserido no capítulo disposto ao Legislativo, razão pela qual se tornaria
claro que órgão deste mesmo Poder, mas aqui atuando como órgão administrativo, que não presta uma
jurisdição circunscrita (órgão administrativo do Poder Legislativo). Ademais, é ÓRGÃO DE APOIO, quer

52
É relevante pontuar que os membros dos Tribunais de Contas se revestem das mesmas prerrogativas da magistratura e
até mesmo em termos físicos seus edifícios trazem a sensação de se estar diante de um órgão do Poder Judiciário, vez que
invocada toda a liturgia deste. Mas o Tribunal de Contas não exerce função jurisdicional. Não obstante defesa por parcela
da doutrina de que exerceria jurisdição anômala, não produz coisa julgada, mas tão somente coisa julgada administrativa.
Isto é, suas decisões podem ainda ser questionadas no Poder Judiciário e tornadas nulas; sua definitividade se dá apenas no
âmbito administrativo.
DIREITO CONSTITUCIONAL POSITIVO II | PROFESSOR: GUSTAVO SAMPAIO | FEITO POR CAROLINA GALVÃO 79
dizer, que auxilia na fiscalização contábil, financeira, orçamentária, operacional e patrimonial, que se
denomina FISCALIZAÇÃO QUINÁRIA. Se diz auxiliar precisamente porque, do ponto de vista formal, o
controle pertence à Casa Legislativa, que tem poder para rejeitar os pareces trazidos pelo Tribunal de
Contas. O Congresso Nacional tem no âmbito da União grande função fiscalizatória, desempenhada
com o auxílio do Tribunal de Contas. Em síntese, é órgão autônomo e independente que auxilia o Poder
Legislativo. Pela relevância político-institucional da função desempenhada pelo Tribunal de Contas,
embora não seja órgão pertencente ao Poder Judiciário, é definida a competência originária do Supremo
Tribunal Federal para processar e julgar os mandados de segurança impetrados contra seus atos. Seja
qual for sua natureza, debatida ainda no campo doutrinário, trata-se de órgão de tal forma reconhecido
que o constituinte disciplinou a competência para mandado de segurança face seus atos ao cume do
Poder Judiciário brasileiro.
● do Procurador-Geral da República;
● do próprio Supremo Tribunal Federal: Segue a lógica da regra de ouro,53 isto é, de que mandado de
segurança contra ato de tribunal no direito brasileiro é competência do próprio tribunal. A previsão, por
conseguinte, não é específica ao Supremo Tribunal Federal por se tratar do cume do Poder Judiciário.

e) O LITÍGIO ENTRE ESTADO ESTRANGEIRO OU ORGANISMO INTERNACIONAL E A UNIÃO, O


ESTADO, O DISTRITO FEDERAL OU O TERRITÓRIO:
Nesses casos, em tese, a competência pode ser de autoridade judiciária estrangeira, determinada pelo
ordenamento desse Estado soberano, revestido de autonomia para decidir a qual órgão competirá processar e
julgar o conflito. Aqui, se partirá da premissa de que se trata de competência da autoridade judiciária brasileira.
É no âmbito do direito internacional privado, não do direito constitucional, que se resolve tal questão, e a quem,
por exemplo, em casos de conflito entre a União Federal e a França, entre o Rio Grande do Sul e Uruguai, caberá
a competência. Se não for da autoridade judiciária brasileira, nem se cogita a hipótese da incidência da alínea e.
Mas, se for, cabe originariamente, isto é, a relação processual já se instaura, prima face, perante o Supremo
Tribunal Federal.

Isto quando o conflito for entre: a) Estado estrangeiro e a União Federal; b) organismo internacional e
a União Federal; c) Estado estrangeiro e Estado-membro da Federação brasileira; d) organismo internacional e
Estado- membro da Federação brasileira. O Estado estrangeiro é pessoa jurídica de direito internacional público,
assim como as organizações internacionais, embora estas não sejam soberanas (como é o caso da Organização
das Nações Unidas, cuja personalidade decorre do Tratado de São Francisco, de 1945; ou da Fundação Mundial
do Comércio, ao qual instituída pelo Tratado de Bretton Woods, de 1944). Ainda, o Estado-membro apresenta
personalidade jurídica de direito nacional interno, mas não de direito internacional público.

Se o conflito ocorre, por outro lado, EM MUNICÍPIO, A REGRA É OUTRA. Em se tratando de um conflito
entre o Município de Santana do Livramento e o Uruguai, a competência originária não é do Supremo Tribunal

53
Desde já, cumpre pontuar que a localização de competência para processar e julgar mandado de segurança contra ato de
Vara não foge à regra de ouro. Esta se relaciona a caso próprio de tribunal, enquanto Vara é órgão monocrático de primeira
instância. No caso desta, quem julga, a princípio, é o tribunal imediatamente acima: se contra ato de juiz de direito, o
Tribunal de Justiça respectivo; se contra ato de juiz federal, o Tribunal Regional Federal. Novamente: não é exceção à
regra porque Vara não se confunde com tribunal nem é órgão deste. É que a Vara não é colegiada e o tribunal pode se
desmembrar dentro de sua própria colegialidade, estabelecendo sempre órgão competente para julgamento.
DIREITO CONSTITUCIONAL POSITIVO II | PROFESSOR: GUSTAVO SAMPAIO | FEITO POR CAROLINA GALVÃO 80
Federal (pois não está prevista no texto constitucional), competindo, então, ao juiz federal de primeira instância
processar e julgar essa relação.

f) AS CAUSAS E OS CONFLITOS ENTRE A UNIÃO E OS ESTADOS, A UNIÃO E O DISTRITO FEDERAL,


OU ENTRE UNS E OUTROS, INCLUSIVE AS RESPECTIVAS ENTIDADES DA ADMINISTRAÇÃO INDI-
RETA:

Trata-se também de uma competência para processar e julgar conflitos entre entes, no entanto, versando
sobre hipótese distinta: é caso genuinamente de direito constitucional, não internacional. Tendo o Brasil adotado
o federalismo, a divisão entre Estados-membros, em contraposição a uma estrutura unitária, reconhecerá o texto
da Constituição competência para julgar os casos de conflito entre os entes federados instituídos, essas pessoas
de direito público. Aprioristicamente, a Federação é a união indissolúvel entre os Estados, sendo, portanto, de
fundamental importância preservar sua harmonia.

Assim, será competência do Supremo Tribunal Federal processar e julgar os conflitos: a) entre a União
e os Estados-membros; b) entre a União e o Distrito Federal; c) entre os Estados-membros; d) entre os Estados-
membros e o Distrito Federal. É certo que o Distrito Federal não é Estado, mas resguarda em relação a ele boa
margem de similitude, recebendo forte influência estadunidense (na figura do distrito em comunas, embora não
seja estritamente igual). Aqui, o Supremo Tribunal Federal exerce com maior força o papel decorrente da carga
semântica de FEDERAL. Essa competência foi, inclusive, uma das razões centrais de sua criação, na República
Velha, época na qual o exercício do controle de constitucionalidade era muito tênue. Quer dizer, o Supremo
Tribunal Federal teve criação em muito inspirada pela finalidade de que atuasse como um grande juiz da
Federação, resolvendo os conflitos federativos. Ao proclamar a República, as províncias foram convertidas em
Estados-membros, PESSOAS JURÍDICAS DE DIREITO PÚBLICO INTERNO, de forma que o Supremo Tribunal de
Justiça, órgão de cúpula do Judiciário à época, convolou-se em Supremo Tribunal Federal, ampliando-se o rol
de suas competências, para que viesse também a processar e julgar, por exemplo, os conflitos entre os membros
da nova Federação.

Na República Velha, ainda, sob forte inspiração dos Estados Unidos, se pensava os Estados com uma
autonomia e independência maiores que do que as existentes hoje. Houve certo retrocesso (embora não muito)
nesse regime federativo. É que se previa, em sede constitucional, competências maiores aos Estados-membros,
que poderiam, por exemplo, editar sua legislação processual e eleitoral. Hoje, por outro lado, existe corrente de
uma concentração competencial cada vez mais elevada no poder central, à exemplo do efeito vinculante nas
ações diretas de inconstitucionalidade, da criação das súmulas vinculante. Há, na ordem brasileira, uma vocação
profundamente centralizadora. Mas, de toda forma, o Estado é federal e há Estados-membros, que, por sua vez,
tem personalidade jurídica de direito público, e, havendo entre eles confito, deverá ser julgado pelo Supremo
Tribunal Federal.

g) A EXTRADIÇÃO SOLICITADA POR ESTADO ESTRANGEIRO:


Aqui, insere-se outro instituto conexo ao Direito Internacional. Não obstante, algumas pontuações são
necessárias. Primeiramente, não se relaciona a uma competência concessória ou concessiva da extradição. Isto
é, a autoridade que se reveste da competência para conceder a extradição é o Presidente da República
(artigo 84, VII, CRFB), e não o Supremo Tribunal Federal. A este, caberá julgar a extradição solicitada por
autoridade judicial estrangeira (em um processo de grande complexidade) em sua CONSTITUCIONALIDADE E
DIREITO CONSTITUCIONAL POSITIVO II | PROFESSOR: GUSTAVO SAMPAIO | FEITO POR CAROLINA GALVÃO 81
COMPATIBILIDADE COM A ORDEM PÚBLICA BRASILEIRA. Dessa forma, não poderá o Presidente, recebendo o

pleito, optar pela concessão ou não sem antes passar a matéria pelo crivo autorizativo do Supremo. Da mesma
maneira, ao deferir o pleito extradicional ou extraditório, afirmando a harmonia deste com a ordem pública e a
Constituição Federal brasileiras, a autorização é comunicada ao Presidente que, por sua vez, com base em um
juízo político, decide pela concessão ou não do pedido formulado. Quer dizer, ao Presidente não cabe tanto a
concessão da extradição quando entender o Supremo Tribunal Federal incabível, quanto não estará vinculado
ao que fora decidido por este.

A necessidade de autorização judicial sucede de alguns critérios constitucionais. Insere-se no núcleo da


jurisprudência brasileira, por exemplo, a não autorização da extradição em hipótese na qual vise à aplicação da
pena de morte. No mesmo sentido, não será concedida quando para execução de pena cruel. Curiosamente, no
entanto, o Brasil autoriza a extradição para o cumprimento de pena privativa de liberdade de caráter perpétuo.
Um exemplo de caso polêmico nesse sentido foi o relativo ao italiano Cesare Battisti, no qual fora solicitada a
sua extradição precisamente para que encarcerado perpetuamente, tendo havido o juízo autorizativo por parte
do Supremo, vindo o então Presidente, Lula, posteriormente, a negar a concessão. Diante do fato, houveram
alguns constitucionalistas e internacionalistas a afirmar que a referida autorização teria vinculado o Presidente.
No entanto, questiona-se: ao compreendermos que a autorização é vinculante, qual seria o propósito da previsão
da assinatura presidencial? Teríamos então de revogar sua competência pela mais absoluta inutilidade. Da alínea
em análise, deve ser extraído o seguinte procedimento: autoridade judicial estrangeira solicita a extradição, em
relação a qual fará o Supremo juízo de compatibilidade com a Constituição e ordem pública brasileiras, para
que, a partir daí, havendo autorização, decidir pela concessão ou não, sob crivo essencialmente político, lhe
cabendo ponderar as benesses e malefícios nas relações exteriores.

h) A HOMOLOGAÇÃO DAS SENTENÇAS ESTRANGEIRAS E A CONCESSÃO DO EXEQUATUR ÀS


CARTAS ROGATÓRIAS, QUE PODEM SER CONFERIDAS PELO REGIMENTO INTERNO A SEU PRE-
SIDENTE (REVOGADA PELA EMENDA CONSTITUCIONAL Nº 45/2004):

competência para homologar ≠ competência para executar sentença homologada


competência para conceder exequatur ≠ cumprir a diligência rogada

Essa alínea foi revogada e hoje constitui competência originária não do Supremo Tribunal Federal, mas
transferida ao Superior Tribunal de Justiça através do advento da Emenda Constitucional nº 45/2004. Estamos
falando de duas hipóteses: homologação de sentenças estrangeiras e concessão de exequatur ao cumprimento
das cartas rogatórias expedidas por autoridade judiciária estrangeira. Note que não se trata aqui do cumprimento
da sentença estrangeira homologada nem de execução da disciplina pleiteada na carta rogatória, mas tão somente
de um juízo de compatibilidade e de CONTROLE QUANTO À ORDEM PÚBLICA. Ocorre que, quando uma
sentença estrangeira há de ser cumprida no Brasil, alguém deverá dizer se está ou não de acordo com a República
nacional. Na hipótese em que uma sentença determinasse medida constritiva do corpo da pessoa, em violação à
dignidade humana, não poderia jamais ser cumprida no território brasileiro. Por isso mesmo é que se exige,
antes de sua execução, seja realizado um juízo de adequação ou inadequação à ordem pública nacional brasileira.

Competia ao Supremo Tribunal Federal fazê-lo até 08/12/2004, quando, através do advento da Emenda
Constitucional nº 45, desde as profundas mudanças que fixou à estrutura do Poder Judiciário e o estabelecimento
de suas competências, passou a ser papel do Superior Tribunal de Justiça. Destaca-se, porém, que a competência
para executar a sentença estrangeira e para cumprir o exequatur, a diligência rogada, esta não mudou. Já era e
DIREITO CONSTITUCIONAL POSITIVO II | PROFESSOR: GUSTAVO SAMPAIO | FEITO POR CAROLINA GALVÃO 82
ainda pertence ao juiz federal de primeira instância (artigo 109, X, CRFB/88). Importa perceber, ademais,
que aqui estão circunscritas duas hipóteses completamente distintas e que não podem ser objeto de confusão:

● HOMOLOGAÇÃO DA SENTENÇA ESTRANGEIRA: Nesta hipótese, a decisão judicial já foi proferida e não cabe
mais à autoridade judicial brasileira alterar o teor judicial consubstanciado. A esta caberá apenas proceder à
homologação ou não, na medida em que ao Brasil não cabe então realizar qualquer juízo de mérito, o qual já foi
empreendido pelo juiz da soberania estrangeira.

● CONCESSÃO DE EXEQUATUR AO CUMPRIMENTO DE CARTA ROGATÓRIA: A carta rogatória refere-se a um


instrumento formal de comunicação entre, no âmbito internacional, juízos de soberanias distintas. É certo que,
necessitando do cumprimento de certa diligência no território brasileiro, não poderá um juiz estrangeiro enviar
seu oficial de justiça, analista judiciário ou pessoal de apoio, sob pena de invadir a soberania nacional. Por esta
razão é que depende da concessão de um aval: ao pedir o exequatur expedindo carta rogatória, pede à autoridade
brasileira que cumpra certa diligência. Assim, se precisa, por exemplo, colher o testemunho de pessoa no Brasil,
terá de solicitá-lo via carta rogatória, a qual envolve tradução juramentada e uma série de atos típicos dessa
espécie de procedimento. A matéria, então, vai hoje ao Superior Tribunal de Justiça, para que uma vez concedido
o exequatur seja baixado o processo à primeira instância para que juiz federal o cumpra – por exemplo, ao colher
testemunho, uma prova pericial ou prova documental.54

Historicamente, conforme já assinalado, tais competências pertenciam ao Supremo Tribunal Federal,


por orientação do entendimento de que se tratava do tribunal mais adequado para empreender a realização desse
juízo de compatibilidade com a ordem pública. No entanto, procedeu a Emenda nº 45/2004 no sentido de uma
transferência competencial. Para muitos internacionalistas, a alteração foi negativa, pois o resultado não foi o
que se pretendia. À época, havia movimento intenso, consolidado sobretudo na década de 1990, no sentido de
uma descentralização competencial. Se pugnava a retirada da competência do Supremo Tribunal Federal na
matéria, no entanto objetivando uma descentralização plena, atribuindo-a ao juízo de piso, ou seja, ao juízo de
primeira instância. O que se entendia, portanto, era que este deveria revestir-se de autoridade para homologar
sentença estrangeira, bem como conceder exequatur, facilitando e mesmo promovendo celeridade no processo.

Ao fim, na linha de como tudo no Brasil tem ocorrido, a decisão saiu pela metade, situada no meio-
termo: restou suprimida a competência do Supremo Tribunal Federal, mas não se procedeu à descentralização.
Quer dizer, o vício originário continua o mesmo, na medida em que o Superior Tribunal de Justiça, ao qual
foi transferida idêntica competência, é também tribunal nacional sediado em Brasília e com jurisdição sobre
todo o território brasileiro, de forma que em termos de aceleração e facilitação procedimental, não houve
qualquer avanço. A morosidade foi mantida por razões procedimentais de alta complexidade. Parece que de
nada adiantou e a acusação que se inquinava subsiste, que é a esfera procedimental aqui necessária, o caminho
de ida e volta: quando juiz estrangeiro expede carta rogatória, esta irá à repartição de relações exteriores do
Brasil, que é o Ministério das Relações Exteriores (parte administrativa responsável pelo contato estrangeiro),
para depois ser remetida ao Ministério da Justiça (ministério que trata das relações exteriores no âmbito interno,
dentro do Poder Executivo), e, por fim, é encaminhada ao órgão jurisdicional competente – antes Supremo
Tribunal Federal, hoje Superior Tribunal de Justiça –, o qual, se concede exequatur, dá baixa ao feito à

54
Exequatur é termo do latim correspondente ao imperativo do verbo executar: isto é, significa execute-se.
DIREITO CONSTITUCIONAL POSITIVO II | PROFESSOR: GUSTAVO SAMPAIO | FEITO POR CAROLINA GALVÃO 83
primeira instância para que o juiz colha a diligência rogada pela autoridade estrangeira. Finda a diligência,
realiza-se todo o caminho de volta. Desta forma, notamos violada a intenção de estabelecer uma COMUNICAÇÃO
DIRETA.

É esse rito tradicional procedimental que, por exemplo, juiz estrangeiro do Uruguai terá de seguir para
que tenha uma diligência sua no Brasil. Claro, não pode enviar oficiais de justiça próprios ao território brasileiro,
invadindo sua soberania nacional. Houve, porém, em Santana do Livramento, município no Rio Grande do Sul
em fronteira com o Uruguai, caso que se tornou emblemático. Na ocasião, um juiz de direito concedeu rogatória
e cumpriu decisão sem seguir o procedimento descrito, atendendo à solicitação de um magistrado de Rivera,
cidade fronteiriça do Uruguai. Deu-se isto em sinal de protesto. A decisão sofreu reclamação formal perante o
Supremo Tribunal Federal, que considerou nula a decisão do juiz do referido Município, e inclusive lhe aplicou
sanção por usurpação competencial. Desta maneira, ao alterar a matéria, a Emenda Constitucional nº 45/2004
foi absolutamente inócua e até agravou o problema. De tribunal centralizado à tribunal centralizado, pelo menos
o Supremo Tribunal Federal já tinha décadas de tradição e repositórios autorizados de jurisprudência sobre o
tema. Já o Superior Tribunal de Justiça partir da estaca zero de sua jurisprudência, e acabou por majoritariamente
importar do que consta da histórica jurisprudência do Supremo Tribunal Federal. A referida emenda, embora
em muito positiva, nesse estepe foi pouco contributiva. Hoje, permanece o juiz de primeira instância responsável
pela execução da rogatória, sendo a única diferença o fato de que é ao Superior Tribunal de Justiça, e não mais
ao Supremo Tribunal Federal, que caberá dar baixa ou não ao feito. Apenas se transferiu para tribunal com
menos competências em matéria de compatibilidade com a ordem pública, sem conferir celeridade.

i) O HABEAS CORPUS, QUANDO O COATOR FOR TRIBUNAL SUPERIOR OU QUANDO O COATOR


OU O PACIENTE FOR AUTORIDADE OU FUNCIONÁRIO CUJOS ATOS ESTEJAM SUJEITOS DIRETA-
MENTE À JURISDIÇÃO DO SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL, OU SE TRATE DE CRIME SUJEITO À
MESMA JURISDIÇÃO EM UMA ÚNICA INSTÂNCIA:

Trata-se de caso de habeas corpus com competência originária do Supremo Tribunal Federal. Exemplo
seria o próprio habeas corpus impetrado pelo ex-Presidente Lula contra ato do Superior Tribunal de Justiça, que
negou o provimento de liminar em habeas corpus interposto. O que, atualmente, a jurisprudência entende com
base nessa alínea é que, se não for cabível recurso ordinário, por exemplo, em decisão colegiada de mérito da
Turma ou Corte Especial, dentro do Tribunal Superior, será cabível habeas corpus em cima do habeas corpus.
Ou seja, habeas corpus que sucede outro habeas corpus denegado, pois não cabível recurso ordinário.

● HABEAS CORPUS DE COMPETÊNCIA ORIGINÁRIA DE TRIBUNAL SUPERIOR:


caberá recurso ordinário ao Supremo Tribunal Federal se denegada a ordem;55
● HABEAS CORPUS DE COMPETÊNCIA ORIGINÁRIA DO SUPREMO:
não caberá recurso, se tendo aceitado, por conseguinte, a interposição de habeas
corpus sucedâneo (sobre) habeas corpus.

Situa-se aqui hipótese de regra de ouro – sempre ressalvadas sua sujeição às devidas exceções, as quais
devem ser conhecidas e compreendidas dentro do todo de um regramento de regras gerais e específicas. Sendo
caso de habeas corpus, pela sutileza e importância histórica do que se tutela – a liberdade –, compete, a princípio,
ao tribunal imediatamente acima do tribunal coator (juiz de direito – Tribunal de Justiça respectivo; juiz

55
Embora se prefira posição garantista no tratamento do habeas corpus, sustenta-se que, prevista a possiblidade do recurso
ordinário, que se reveste de ampla possiblidade de acesso, não haveria sentido na interposição de habeas corpus sucedâneo.
DIREITO CONSTITUCIONAL POSITIVO II | PROFESSOR: GUSTAVO SAMPAIO | FEITO POR CAROLINA GALVÃO 84
federal – Tribunal Regional Federal respectivo; Superior Tribunal de Justiça – Supremo Tribunal Federal).
Nesse diapasão, a alínea aqui analisada disciplina a competência do Supremo Tribunal Federal para processar e
julgar habeas corpus contra ato de Tribunal Superior. Se impetrado habeas corpus contra ato de juiz federal do
Rio de Janeiro, será competência do Tribunal Regional Federal da 2ª Região; se denegada a segurança pleiteada,
a via será de recurso ordinário em habeas corpus ao Superior Tribunal de Justiça. De tão sagrado, relevante e
peculiar que é o habeas corpus, o constituinte abriu a possibilidade de recurso ordinário ao Tribunal Superior.
Já se habeas corpus originário de Tribunal Superior, denegada a ordem a solução é o recurso ordinário ao
Supremo Tribunal Federal.

Sempre que houver essa possibilidade de recurso ordinário ao Supremo Tribunal Federal, é este que
prepondera. Mas exige-se cuidado porque não é tão simples assim. Recentemente, houve um julgamento nessa
Suprema Corte que repercutiu nacionalmente. Algumas hipóteses permitem a flexibilização das regras recursais
do habeas corpus: é o problema do habeas corpus sobre habeas corpus. O Ministro Marco Aurélio tem se
manifestado de maneira cada vez mais incisiva no sentido de sua restrição, afirmando que se cabível recurso
ordinário, não caberá ser interposto novo habeas corpus. Todavia, no caso do habeas corpus impetrado pela
defesa do ex-Presidente Luiz Inácio Lula da Silva perante o Superior Tribunal de Justiça surgiu questionamento.
Uma vez impetrado, o habeas corpus fui distribuído à 5ª Turma do referido tribunal (pelo regimento interno,
poderia sê-lo apenas à 5ª ou 6ª Turmas, que se revestem de competência para matéria criminal), apresentando
pedido de concessão de provimento liminar, o qual negado monocraticamente pelo Ministro Félix Fischer. O
mérito iria ao Pleno da 5ª Turma na semana seguinte, para ser apreciado colegiadamente por seus cinco ministros,
porém, a defesa do Presidente, nesse intervalo de tempo, impetrou um novo habeas corpus.

Em princípio, o argumento é de que cabível recurso ordinário e apenas uma vez findo o julgamento
colegiado da Turma. No entanto, questiona-se: e da decisão monocrática do Relator? A Súmula 691 do Supremo
Tribunal Federal dispõe que não será cabível habeas corpus desta decisão monocrática por negar provimento à
liminar, fazendo-se necessário aguardar o julgamento definitivo de mérito pela Turma, para então impetrar o
recurso ordinário. A referida Súmula, porém, não é vinculante, mas de caráter persuasivo já relativizado em sua
interpretação. Sendo o habeas corpus garantia processual ativa, remédio constitucional e ferramenta inscrita em
cláusula pétrea, os mais libertários e garantistas têm sustentado que uma Súmula de caráter persuasivo não pode
impedir sua impetrabilidade. Certo é que incabível impedir ao interessado, quem quer que seja este, o direito e
possibilidade de impetrar o habeas corpus perante o tribunal que é competente para processá-lo e julgá-lo – o
que também não impede que o tribunal posteriormente não o conheça, inclusive por orientação da Súmula 691.
Assim, chegou o habeas corpus em favor do ex-Presidente Lula nos ombreais do Supremo Tribunal Federal:

habeas corpus contra ato do Tribunal Regional Federal da 4ª Região perante o Superior Tribunal de Justiça
liminar negada monocraticamente: habeas corpus perante o Supremo Tribunal Federal

Nessa seara, é importante destacar que as restrições jurisprudenciais ao habeas corpus são bem menores
do que aquelas impostas ao mandado de segurança. Afere-se que “conceder-se-á mandado de segurança para
proteger direito líquido e certo, não amparado por habeas corpus ou habeas data, quando o responsável pela
ilegalidade ou abuso de poder for autoridade pública ou agente de pessoa jurídica no exercício de atribuições
do Poder Público” (artigo 5º, LXIX, CRFB/88). Por conseguinte, é certo que também o mandado de segurança
tutela direito líquido e certo, mas demarca-se pela residualidade: apenas quando não tutelados pelos institutos
DIREITO CONSTITUCIONAL POSITIVO II | PROFESSOR: GUSTAVO SAMPAIO | FEITO POR CAROLINA GALVÃO 85
do habeas corpus e habeas data. Empreendendo-se uma valoração axiomática e apriorística, tutela direito líquido
e certo, porém não direito e líquido certo que chega a ser a liberdade de locomoção. Não obstante inexista escala
de valores, hierarquização de axiomas como estruturada no constitucionalismo germânico, afere-se que, depois
da vida, o direito fundamental mais relevante é a liberdade de ir e vir.

A liberdade de locomoção pode ser privada apenas por critérios de interveniência estatal, à exemplo da
condenação a uma pena privativa de liberdade imposta em virtude de uma infração penal praticada, portanto
violadora de norma jurídico-penal incriminadora, que enseja o patamar máximo de repressão estatal; desde que
observado um julgamento correto e justo, considerar-se-á a privação da liberdade legítima. Também aquelas
impostas em sede de prisão de caráter provisório, seja por prisão em flagrante, preventiva ou temporária, as
quais não podem se revestir de abusos. Não podemos, por exemplo, ter metade do efetivo carcerário brasileiro
privado de liberdade provisoriamente. Isso é um atentado conceitual ao Estado Democrático de Direito. De toda
forma, em tese a prisão é legítima. O que o habeas corpus vergasta é a exação arbitrária, a exação ilegítima, fora
dos padrões legitimantes do ato estatal. Para essas hipóteses é que surge desde suas mais remotas erudições
processuais, como o interdito de homine libero exhibendo, dos tempos do Tribunal do Santo Ofício. Evoluiu de
forma gradativa, passando por inúmeras declarações, inclusive o Bill of Rights, até chegar à erudição da doutrina
brasileira, capitaneada por Rui Barbosa durante a República Velha e que posteriormente avançou até a chegada
de nossos dias, nos quais, considerado garantia constitucional processual ativa, recebe tratamento especial. Por
isso mesmo, inserem-se na referida alínea as seguintes possibilidades:

● QUANDO O COATOR FOR TRIBUNAL SUPERIOR: Se decisão ou ato do Tribunal Superior contraria a liberdade
de locomoção, é tida como contrária à fruição e ao gozo da liberdade locomocional, pode ser impugnada através
de habeas corpus. Até este ponto, parece tudo evidente, na medida em que o próprio inciso LXVIII, artigo 5º,
da Constituição Federal, disciplina que: “conceder-se-á habeas corpus sempre que alguém sofrer ou se achar
ameaçado de sofrer violência ou coação em sua liberdade de locomoção, por ilegalidade ou abuso de poder”.
Isto é, que o habeas corpus será concedido para proteger a liberdade locomocional de quem quer que seja, em
sede repressiva ou preventivamente. E é uma das ações constitucionais mais caras de todo o ordenamento, uma
das ferramentas constitucionais mais preciosas de todo o constitucionalismo brasileiro, de maneira que compete
ao Supremo Tribunal Federal processar e julgar o habeas corpus impetrado contra ato de Tribunal Superior.

● QUANDO O COATOR OU O PACIENTE FOR AUTORIDADE OU FUNCIONÁRIO CUJOS ATOS ESTEJAM SUJEITOS
DIRETAMENTE À JURISDIÇÃO DO SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL: Os membros do Supremo Tribunal Federal

são apenas seus onze ministros. Mas o tribunal também tem quadro de servidores, aos milhares, agregados a
sua autoridade. Se, por exemplo, um de seus oficiais de justiça comete excesso no cumprimento de decisão da
Suprema Corte e este excesso seja tal que enseja coação arbitrária sob a liberdade locomocional de outrem, se
o excesso decorre do cometimento de ato desarrazoado no desempenho de suas funções, este mesmo ato será
impugnado por habeas corpus perante o próprio Supremo Tribunal Federal.

● QUANDO SE TRATE DE CRIME SUJEITO À MESMA JURISDIÇÃO EM UMA ÚNICA INSTÂNCIA: Casos de crimes
sujeitos ao regime do foro especial por prerrogativa de função. Porém, não se trata aqui de repetição do disposto
na alínea d: esta é para quando o paciente for autoridade com foro especial fixada ao próprio Supremo Tribunal
Federal. Aqui, em se tratando de crime submetido à jurisdição do Supremo em única instância, poderá chamar
para si o julgamento de habeas corpus em caso de violência arbitrária contra a liberdade locomocional. Na Ação
DIREITO CONSTITUCIONAL POSITIVO II | PROFESSOR: GUSTAVO SAMPAIO | FEITO POR CAROLINA GALVÃO 86
Penal nº 470, por exemplo, dos trinta e sete réus, apenas sete eram deputados federais com foro especial. Sendo
as demais levaras à julgamento na Corte Suprema por razões de conexão e continência, embora não abarcadas
pela disposição da alínea d, inciso I, artigo 102, da Constituição, estando sob as barras da jurisdição do Supremo
terão discussão em matéria de liberdade locomocional também empreendida por este.

j) A REVISÃO CRIMINAL E A AÇÃO RESCISÓRIA DE SEUS JULGADOS:


REGRA DE OURO: quem julga ação rescisória e revisão criminal contra decisão de tribunal é o próprio tribunal, desde
que a decisão rescindenda (a rescindir) seja no tribunal. Se a ação a rescindir é do Supremo Tribunal Federal, a
competência da ação rescisória ou revisão criminal é dele próprio. 56
Tal competência abarca questão relevante: a Constituição de 1988 é analítica e perpassa matérias dos
mais distintos ramos infraconstitucionais. Hoje, o Direito Constitucional avançou muito nessa analiticidade e
trouxe para si questões que não eram de índole meramente constitucional. Ação revisória e rescisão criminal
são institutos, historicamente, tratados no âmbito do Direito Processual Civil e Processual Penal. Não obstante,
em síntese, trata-se aqui se suas características centrais.

Ao tratar de ação rescisória e revisão criminal, não estamos abordando recurso: o recurso não cria uma
nova relação processual, mas apenas estende no tempo uma relação preexistente.57 O processo, em verdade, é
apenas um: a relação surgida pela instauração daquele conflito intersubjetivo de interesses qualificado por uma
pretensão resistida. Produzida a coisa julgada, se marca o fim, a extinção daquele processo e a estabilização da
norma jurídica proveniente do comando judicial (tem de se levar em conta que a decisão judicial também produz
norma jurídica, com efeito concreto, e não abstrato). O que o recurso faz é estender a relação até que apreciado;
se há recurso não resta findo o processo e este ainda se encontra em tramitação, ainda há vida naquela relação
processual – e isto embora por vezes sejam criticados pelo fenômeno da morosidade na prestação jurisdicional.

Imagine que o juiz da 4ª Vara Cível da Comarca de Niterói esteja processando e julgando ação em rito
ordinário. Este é caso que enseja múltipla recorribilidade, a ser mencionada. Uma vez proferida decisão de
caráter interlocutório, a qual resolve questão incidental, não pondo fim ou termo ao processo, poderá ser atacada,
consoante à expressa previsão do ordenamento jurídico, mediante Agravo, preferivelmente na forma de
Instrumento. Tendo a parte agravado ao Tribunal de Justiça do Estado do Rio de Janeiro, conjecture-se que o
Agravo foi distribuído à Oitava Câmara Cível, que julga o feito e devolve o processo à 4ª Vara Cível, mormente
em se tratando de decisão de caráter interlocutório e permanecer a jurisdição em sua competência. Face eventual
nova decisão interlocutória, qualquer parte, se sentindo ofendida, poderá agravá-la e, à luz do fenômeno da
prevenção, este novo agravo já não passará por distribuição, sendo remetido à 8ª Câmara Cível.

Ainda, poderá haver uma sentença,58 isto é, decisão terminativa de mérito. Dado ao magistrado ao fato,
caberá ao juiz dar a estes fatos o direito, e, através da dação do direito, que é a juris da ação, a jurisdição, a

56
Ressalta-se: isso vale para tribunais, não para Varas de primeira instância (sequer é exceção porque se colocou como
regra de ouro aos tribunais). No caso destas, a competência originária para julgar ação rescisória ou revisão criminal é do
Tribunal imediatamente acima. Também a esta regra existe exceções.
57
Esse é um ponto dramático, sobretudo posto que os tribunais e juízos brasileiros, sobretudo em seus sistemas de consulta
processual, visando conferir administrabilidade a esse arsenal de recursos interpostos costuma dar numeração autônoma a
cada um destes. E o pior: da coloquialidade avessa ao formalismo das coisas, que vende e promete uma simplicidade,
porém só dificulta vez que a ignorância leva a maus resultados, não raro consubstancia-se no site do tribunal essa nova
numeração dos autos como “número do processo”. O equívoco reside no fato de que o processo ali é um só, e não uma para
cada um dos recursos interpostos.
58
Etimologicamente, se refere ao sentimento do magistrado, sua percepção dos fatos após a longa instrução cognitivo-
probatória processual.
DIREITO CONSTITUCIONAL POSITIVO II | PROFESSOR: GUSTAVO SAMPAIO | FEITO POR CAROLINA GALVÃO 87
dicção do direito ao mundo fático traduzido pelo conflito intersubjetivo, o juiz pacifica a relação – sendo esta
sua própria função. Trata-se do sistema de actum trium personarum: polarizam-se autor e réu como dois sujeitos,
mas há também um terceiro elemento (ou primeiro), que é precisamente o elemento neutral: o Estado-juiz. As
partes não sabem fazer justiça com as próprias mãos e, consoante ao consolidado a partir da teoria do estado
contratual, diante de conflito intervém o Estado a fim de fazer justiça ao caso concreto através da jurisdição (da
dicção do direito). Se é a sentença impugnada, o recurso será dirigido à preventa Câmara em Apelação Cível.

A decisão prolatada na apelação e consubstanciada em acórdão pode ser inquinada pela parte porque
obscura, lacunosa ou omissa em algum aspecto, dispositivo ou conteudístico através da interposição de
embargos de declaração à própria 8ª Câmara Cível. Se esta nega provimento e uma das partes entende que o
acórdão contraria frontalmente a autoridade de lei federal, faz-se cabível o recurso de caráter extraordinário de
nomina iuris recurso especial, que deve ser direcionado ao Superior Tribunal de Justiça (REsp). Neste, não mais
se discute fato, prova ou cláusula contratual. Ademais, porquanto deve passar por juízo bifronte de
admissibilidade, primeiro pelo juízo do tribunal de origem e depois pelo tribunal de destino para que, supérstite
esse duplo exame, seja finalmente apreciado em seu mérito, deve a parte encaminhá-lo ao órgão de justiça
competente para efetivar a etapa inicial desse juízo.

No que tange ao Tribunal de Justiça do Estado do Rio de Janeiro, o órgão responsável é a 3ª Vice-
Presidência. Se o Terceiro Vice-Presidente denega a admissibilidade, afirmando que o recurso especial não pode
prosseguir por discutir prova e fato, infringindo, dessa maneia, a Súmula 7 do Superior Tribunal de Justiça, a
princípio o Superior Tribunal de Justiça sequer possuiria a possibilidade de tomar ciência e conhecimento da
existência do recurso especial. Por conseguinte, estabelece-se possível à parte atacar a decisão monocrática do
3º Vice-Presidente do Tribunal de Justiça. Inadmitido na origem, quer dizer, na primeira fase de avaliação de
admissibilidade, sobe ao Superior Tribunal de Justiça na forma de Agravo em Recurso Especial. Se provido, tê-
lo-á admitido, de modo a julgar seu mérito na turma competente. De todo o exposto e por toda a história traçada,
houve no percurso inteiro apenas uma relação processual. Em síntese, o processo é um só, compondo o conflito
intersubjetivo de interesses qualificado por uma pretensão resistida entre autor e réu nesse actum trium
personarum – nesse ato de três personagens – que se teria iniciado, no caso narrado, na 4ª Vara Cível da Comarca
de Niterói.

Por outro lado, estão a ação rescisória e a revisão criminal no escopo desse longo histórico processual
ou um novo processo delas exsurge? Originam processo fenomenicamente novo, posto que são novas ações,
ações autônomas, logo, que definem e estruturam novas relações processuais. Mas com qual finalidade?
Seu intuito específico (razão pela qual obtém previsão própria no texto constitucional) é de DESCONSTITUIÇÃO
DA COISA JULGADA (quer dizer, são ações autônomas de desconstituição da coisa julgada). 59 Tarefa
desconstitutiva muito especial, na qual impõe-se, por uma questão de justiça, o desfazimento da coisa julgada,
de uma então estabilidade jurídica. A coisa julgada é em si uma característica que acomete as decisões judiciais
impassíveis de mudança pela via do recurso. Ressalta-se: não há de se extrair uma impossibilidade de
modificação por qualquer expediente, mas apenas por recurso, os quais existem em miríade, nomeados e
inominados – nada se falou quanto à modificação por via de ação autônoma.

59
Ações autônomas desconstitutiva de coisa julgada que pedem provimento de caráter desconstitutivo ou, como afirmava
o célebre doutrinador Pontes de Miranda, de caráter constitutivo negativo.
DIREITO CONSTITUCIONAL POSITIVO II | PROFESSOR: GUSTAVO SAMPAIO | FEITO POR CAROLINA GALVÃO 88
Imagine-se que um indivíduo fora processado e julgado com incurso na pena prevista no artigo 121 do
Código Penal, tendo sido por este condenado e, assim, iniciado o seu cumprimento de pena em uma unidade
penitenciária de regime fechado. Eis que, cinco anos depois, recebe a visita precisamente da pessoa que fora
condenado pelo homicídio. Está finda a instrução e o julgamento e já se deu o trânsito em julgado. Enquanto
homenagem à segurança jurídica, lhe caberia cumprir integralmente a pena? Certamente que não. Com vistas a
esse gênero de excepcionalidades é que se prevê a revisão criminal. O deferimento tanto da ação rescisória
quanto da revisão criminal são, porém, de provimento árduo. E, ademais, só poderá ser pautada em prova que
era, à época da instrução processual, impassível de ser produzida; de forma sua não produção não fora decorrente
apenas da mera desídia da parte ou de seu advogado. Exige-se, portanto, prova nova absolutamente impossível
de ser produzida ao tempo da instrumentalização cognitivo-probatória da relação processual, fundamento este
que excepcionalmente justifica a cisão da coisa julgada.

Mas o Supremo Tribunal Federal terá competência para processar e julgar apenas as ações rescisórias e
revisões criminais propostas em relação a suas próprias decisões, seus próprios julgados. Se porventura ocorrer
o trânsito em julgado de uma relação cível em sede de recurso extraordinário no Supremo Tribunal Federal,
eventual ação rescisória será de sua competência. A ação rescisória poderá ser proposta até dois anos após o
trânsito em julgado; revisão criminal não tem prazo (pois hipótese de repressão penal, que é patamar máximo
de repressão estatal e de frustração inclusive da liberdade locomocional), esta possível inclusive após a morte
do apenado, como cláusula garantista.60 O órgão, interna corporis, responsável por julgar essas ações, porém, é
previsto no âmbito regimental. Em geral, não há coincidência entre aquele no qual produzido trânsito em julgado
e o que julgará ação rescisória e revisão criminal. No Supremo Tribunal Federal, cabe ao Plenário.

l) RECLAMAÇÃO PARA A PRESERVAÇÃO DE SUA COMPETÊNCIA E GARANTIA DA AUTORIDADE


DE SUAS DECISÕES:

Trata-se de competência originária comum em muitos tribunais. Há dúvida doutrinária acerca do que é
o instituto da reclamação e qual seria sua natureza jurídica: alguns entendem tratar-se de ação autônoma, para
outros, ação de índole meramente administrativa (minoria). De toda forma, necessário compreender qual será a
sua finalidade. A alínea l, em análise, trouxe tal finalidade em si própria, a saber, preservar a autoridade do
Tribunal e assegurar a efetividade de suas decisões. Por muitas vezes, por equívoco hermenêutico, ou por abuso
de poder, um órgão judicial usurpa (em sentido técnico-processual) a competência de outro. Suponhamos que
o Superior Tribunal de Justiça tenha exercido uma competência do Supremo Tribunal Federal, logo, de maneira
inconstitucional, e a partir daí tenha proferido decisão ou expedido uma ordem. Essa decisão ou ordem será dita
de reclamação, pois esta visa que o tribunal que recebeu verdadeiramente competência pela Constituição possa
tornar nula a decisão de órgão que proferiu decisão fora de sua esfera competencial, usurpando competência
que não era sua. Assim, o Supremo Tribunal Federal poderá processar e julgar reclamação em casos de afronta
contra suas próprias competências firmadas pela Carta Magna, pelo desatendimento ao regime competencial
(se provida, haverá nulidade da atuação usurpadora).

60
É certo que existem efeitos civis da condenação criminal, ainda que nos limites do monte inventariado na herança. Assim,
podem os herdeiros deter interesse em desconstituir a coisa julgada para sustar as repercussões cíveis que o quinhão
hereditário viria a sofrer. E mais: é possível que visem ao restauro da imagem familiar; se o indivíduo foi apenado de forma
injusta, cumpriu a pena que lhe fora imposta, sua família tem todo o interesse – e em nome próprio – de que seja sua
imagem retificada.
DIREITO CONSTITUCIONAL POSITIVO II | PROFESSOR: GUSTAVO SAMPAIO | FEITO POR CAROLINA GALVÃO 89
Da mesma forma, a reclamação serve para assegurar a autoridade de suas decisões. Havendo decisão
em sede de ação direta de inconstitucionalidade, avançando em uma interpretação do texto Constitucional, em
se tratando de controle abstrato, repercutirá vinculação do Poder Judiciário e da Administração Pública de todo
o país e em todos seus andares. Se tribunal ou juiz vem a descumprir sua decisão, caberá reclamação para que
se preserva a própria autoridade do Supremo Tribunal Federal. Difere-se, porém, do conflito de competência,
neste, dois ou mais órgãos judiciários se afirmam competentes ou incompetentes. Na reclamação, houve o
exercício de competência que não era sua, a despeito de suscitar conflito ou não. E uma vez que já se verifique
essa ofensa ao regime constitucional de distribuição de competência, propor-se-á uma reclamação ao tribunal
com competência para julgar a reclamação. O conflito de competências se dá, forçosamente, em uma de suas
duas espécies, positiva ou negativa. Já existente o conflito, alguém terá de solvê-lo e o ordenamento jurídico
processual estipulará tribunal capaz de dizer qual órgão judicial possuirá competência para julgar certo caso (há
tensão entre dois juízos afirmando-se competentes ou incompetentes).

m) A EXECUÇÃO DE SENTENÇA NAS CAUSAS DE SUA COMPETÊNCIA ORIGINÁRIA, FACULTADA


A DELEGAÇÃO DE ATRIBUIÇÕES PARA A PRÁTICA DE ATOS PROCESSUAIS:

REGRA DE OURO: em geral, a competência para execução de sentença compete ao juízo de competência originária
daquela relação processual (que é única, ainda que sejam interpostos recursos).
Na Teoria Geral do Processo, aprende-se que o processo apresenta duas grandes fases, de conhecimento
e de execução (implementação coercitiva do julgado quando parte se recusa, não voluntariamente se propõe a
cumprir a determinação judicial). Pode haver uma instituição forçada daquele julgado, vez que a jurisdição é
uma manifestação da soberania interna estatal; não é aconselhamento, é forçosa, cogente e coercitiva, a decisão
judicial tem de ser cumprida. Muitas vezes, porém, não é cumprida por impossibilidade da parte, a priori, de
cumprir a sentença. A fase cognição é a fase de produção de provas, conhecimento dos fatos, entendimento pelo
magistrado a respeito da realidade dos fatos e, ato contínuo, aplicação de julgado que irá resolver a controvérsia.

A partir de 1995, no entanto, houve no Brasil uma sucessão de leis esparsas, responsáveis por suscitar
alterações sucessivas no Código de Processo Civil de 1973, o que é negativo, na medida em que traz constante
incerteza na compreensão do ordenamento. Essas pequenas reformas e mudanças culminaram, por fim, em 2015,
na promulgação de um novo Código de Processo Civil (em relação ao qual houve já leis com alterações). Mas
essas mudanças todas fizeram com que o direito processual brasileiro se desconfigurasse, sob uma inefável
influência da common law. Porém, esta não se dita a partir da dogmática. A common law é coisa que se faz e
se consolida com o passar não só de décadas, como de séculos. Pauta-se no assentamento secular de costumes.
Não pode crer-se, no ordenamento brasileiro, que a influência lusitana, francesa e da matriz europeia-continental
encontra-se desgastada no tempo, criando, subitamente em termos históricos, novos institutos, pela ideia de que
resolveriam todas as controvérsias estatais brasileiras. Isto não ocorrerá e pode, inclusive, vir a criar novas
incertezas jurídicas. É o caso, por exemplo, do incidente de resolução das demandas repetitivas, autêntica obra
de influência do modelo estadunidense e que pode desencadear novos problemas.

Até o início da década de 1990, havia uma divisão muito clara entre o que se chamava processo de
conhecimento e processo de execução. Não eram fases, mas verdadeiramente processos autônomos, que tinham
autos próprios. A instauração de processo de execução firmava, a este, autos autônomos. Foi dentro da busca
pela efetividade da prestação jurisdicional que passamos a ter uma nova divisão do processo civil. Estruturamos
processo único, dentro do qual havia fases, passando a execução civil a se dar nos autos no mesmo processo de
DIREITO CONSTITUCIONAL POSITIVO II | PROFESSOR: GUSTAVO SAMPAIO | FEITO POR CAROLINA GALVÃO 90
conhecimento. Muda-se de processos autônomos para fases autônomas. A despeito disso, deu-se que a execução
de um determinado julgado deve se dar no juízo da competência originária daquela relação processual.
Quem executa, no processo civil, a autoridade do julgado é o órgão detentor de competência originária para
aquela relação processual, não para ações autônomas decorrentes daquela relação processual. Recursos não
fundam novas relações, mas apenas prolongam no tempo e até no espaço a mesma relação processual.

Havendo decisão interlocutória da 4ª Vara Cível da Comarca de Niterói agravada ao Tribunal de Justiça
do Estado do Rio de Janeiro, que resolve a questão, se retorna o processamento na Vara. Se esta profere nova
decisão interlocutória, que é novamente agravada, caberá ao Tribunal resolver o incidente, e, após decisão, se
volta à 4ª Vara Cível para continuar o processamento. Vindo a proferir sentença (que tem natureza distinta; é
que decisão interlocutória resolve questão incidental, enquanto sentença põe termo ao processo, resolve aquela
controvérsia). À sentença cabe apelação cível ao Tribunal de Justiça, que profere acórdão. Se entender uma das
partes entender que este afronta a autoridade do direito federal legislado (lei federal), poderá interpor recurso
especial ao Superior Tribunal de Justiça.61 Assim, vai à 3ª Vice-Presidência do Superior Tribunal, que, conforme
o regimento interno, é quem detém a competência para julgar a admissibilidade do recurso (admissibilidade
bifronte). Se negada a admissibilidade do recurso, poderá se agravar a decisão, na forma de Agravo de Recurso
Especial. Quantas relações processuais há em todo esse prolongamento? Apenas uma. Tudo foi apenas
prolongamento, no tempo e espaço, por mais justo que tenha sido, de uma mesma relação. Fenomenicamente,
tudo está dentro da mesma relação processual, se destinou, dentro da ideia da prestação jurisdicional, para
resolver o conflito intersubjetivo de interesse qualificado por uma pretensão resistida. A partir das controvérsias
surgidas dentro de uma controvérsia, processo se estende a outras instâncias.

Essa explicação é relevante porque o próprio inciso estipula que ao Supremo Tribunal Federal caberá a
execução de suas sentenças de competência originária. Ou seja, não se está dizendo que tem competência
para as causas de competência recursal. A rigor, o juízo da execução é o juízo de onde se iniciou o processo.
Para satisfazer a pretensão, veda-se o exercício arbitrário das próprias razões, e o exequente deve exigir do juízo
meios necessários para essa execução, que, por sua vez, competirá ao órgão com competência originária para a
causa, em geral. No âmbito criminal, é comum termos as Varas de Execução Penal, em justiça federal e estadual,
como um órgão judicial autônomo, encarregado especificamente de analisar as questões inerentes à execução
no campo da jurisdição criminal, diante da gravidade da questão, que toca bem jurídico fundamental, da vida e
da própria liberdade. No processo penal, há divórcio competencial originário entre o conhecimento e execução.
O Supremo Tribunal Federal também apresenta casos de competência originária para julgamento penal (vide
as hipóteses de foro especial por prerrogativa de função), e aqui também lhe caberá a execução.

Porém, faculta-se a DELEGAÇÃO DA PRÁTICA DE ATOS PROCESSUAIS. Apesar de apresentarem os


tribunais competências originárias, e não apenas recursais, sabemos que não são órgãos genuinamente
aparelhados para esse tipo de empreitada. A primeira instância tem maior aparelhamento que os tribunais para
a execução. Ainda, em matéria penal, como o número de ações penais de autoridades com foro especial por
prerrogativa de função se tornou muito maior do que se previra originariamente, os tribunais terminaram

61
Há uma fase de admissibilidade no tribunal de origem e uma no de destino. Se o tribunal de origem negou o recurso em
juízo de admissibilidade, caberá interposição de Agravo ao tribunal de destino, para questionar se suplanta a decisão do
tribunal de origem para forçar subida do recurso.
DIREITO CONSTITUCIONAL POSITIVO II | PROFESSOR: GUSTAVO SAMPAIO | FEITO POR CAROLINA GALVÃO 91
excessivamente onerados com o julgamento dessas ações. Assim, o próprio Supremo Tribunal Federal tem se
valido da possibilidade de delegar a prática dos atos processuais, a autoridade para execução das penas ou prática
de atos referentes à execução (como se prefere dizer, pois execução permanece de competência do Supremo).

n) A AÇÃO EM QUE TODOS OS MEMBROS DA MAGISTRATURA SEJAM DIRETA OU INDIRETA-


MENTE INTERESSADOS, E AQUELA EM QUE MAIS DA METADE DOS MEMBROS DO TRIBUNAL DE
ORIGEM ESTEJAM IMPEDIDOS OU SEJAM DIRETA OU INDIRETAMENTE INTERESSADOS:

Recentemente, se tem repercutido a questão do auxílio moradia a juízes, de possível ou não. Quem terá
de julgá-lo é o Supremo Tribunal Federal, na medida em que envolve interesses da magistratura como um todo.
É por isso que a competência originária será sua. Trata-se de uma busca pela imparcialidade do juízo, de que
seja este o mais isento para processar e julgar determinada matéria.

Resguardando a mesma finalidade, também lhe competirá processar e julgar originariamente as causas
em que mais da metade dos membros do tribunal de origem estejam impedidos ou sejam, direta ou indiretamente,
interessados. Há casos em que determinado tribunal, mais da metade dos desembargadores tem impedimento.
É importante lembrar que nossa organização judiciária é assimétrica, existindo tribunais com um quadro bem
menor de magistrados, nos quais será mais elevada a probabilidade de isto ocorrer. Mas não há um deslocamento
da competência, é originária.

o) OS CONFLITOS DE COMPETÊNCIA ENTRE O SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA E QUAISQUER


TRIBUNAIS, ENTRE TRIBUNAIS SUPERIORES, OU ENTRE ESTES E QUALQUER OUTRO TRIBUNAL:

REGRA DE OURO: o tribunal competente para julgar conflito de competência, tanto negativo quanto positivo, será o
primeiro tribunal em comum acima de todos órgãos em conflito.62
Há alguns casos previstos na legislação processual e até no ordenamento constitucional que se referem
a duas hipóteses básicas: de conflito positivo (quando dois órgãos jurisdicionais ou mais dizem-se competentes
para o mesmo julgamento) e de conflito negativo (quando dois órgãos jurisdicionais ou mais se reconhecem
incompetentes para mesma matéria) de competência. Em ambas as hipóteses, temos um problema: a jurisdição
sobre o mesmo caso concreto não pode ser desempenhada ou exercida por órgãos jurisdicionais, bem como não
se admite no Brasil a chamada negativa de prestação jurisdicional. O ordenamento constitucional não admite
essa possibilidade, inclusive à luz do princípio da inafastabilidade do controle jurisdicional: a lei não excluirá
da apreciação do Poder Judiciário lesão ou ameaça a direito.

Se é submetida uma matéria à esfera jurisdicional, o Estado brasileiro tem de prestar jurisdição, pois a
nós, súditos estatais, não é dada a possibilidade de se fazer justiça com as próprias mãos. E, assim, o litígio deve
ser submetido à apreciação jurisdicional do Estado-juiz, com substituição dos indivíduos em conflito. O Estado
jurídico se baseia em dois princípios aparentemente contrapostos, mas fundamentais para que seja prestada a
jurisdição: o princípio da inércia jurisdicional (o Estado não age de ofício, mas tão somente se houver prévia
provocação das partes) e da inafastabilidade do controle jurisdicional (que afirma que, uma vez provocado,
o Estado se vê obrigado à prestação da justiça).

62
Se duas Varas Federais se encontram em conflito de competência, a competência para julgá-lo será do Tribunal Regional
Federal da respectiva região, se ambas estiverem circunscritas à mesma. No entanto, se não pertencem à mesma Região, o
primeiro tribunal em comum acima dos órgãos em conflito é o Superior Tribunal de Justiça. Esta sequer é, ainda, uma
exceção à regra de ouro, apenas sua confirmação. No mesmo sentido: se for conflito entre duas Varas da justiça estadual,
se localizadas em um mesmo Estado, caberá ao Tribunal de Justiça respectivo; caso contrário, será de competência do
Superior Tribunal de Justiça.
DIREITO CONSTITUCIONAL POSITIVO II | PROFESSOR: GUSTAVO SAMPAIO | FEITO POR CAROLINA GALVÃO 92
Tanto a situação de conflito negativo quanto positivo de competência é, portanto, indesejável, e caberá
ao próprio Poder Judiciário resolver a questão. Se, por exemplo, houver hipótese de conflito negativo entre a 1ª
Vara Federal do Rio de Janeiro e a 1ª Vara Federal de Niterói, sendo chamado o Tribunal Regional da 2ª Região
para resolver a questão, no momento em que este afirmar quem é o órgão competente, aquele juiz que se houver
declarado incompetente não disporá mais da possibilidade de não jurisdicionar no caso concreto, sendo, então,
compelido à prestação jurisdicional por determinação do Tribunal competente para processar e julgar o conflito
de competência. Se o conflito for entre Tribunais de Justiça, a competência será do Superior Tribunal de Justiça,
vez que se estaria ferindo o princípio federativo se pudesse o tribunal de um Estado-membro em específico vir
a julgar a questão. Entre dois Tribunais Regionais do Trabalho, competência do Tribunal Superior do Trabalho,
bem como se for o conflito entre Varas do Trabalho situadas em regiões distintas.

São poucas, porém, as hipóteses em que o conflito de competência será julgado pelo Supremo Tribunal
Federal. O fará apenas quando houver envolvimento de algum Tribunal Superior (qualquer um dos quatro).
Digamos que o Superior Tribunal de Justiça esteja se afirmando competente para julgar determinada matéria,
bem como o Tribunal Regional da 2ª Região. Nesse caso, a competência para julgar o conflito será do Supremo
Tribunal Federal. O conflito, obviamente, também poderá ser entre dois Tribunais Superiores.

É importante destacar, ainda, que existem EXCEÇÕES à regra de ouro que não podem ser esquecidas.
Se, por exemplo, houver um conflito de competência entre um Tribunal de Justiça do Estado e um Tribunal
Regional do Trabalho, segundo a referida regra, a competência caberia ao Supremo Tribunal Federal; no entanto,
será do Superior Tribunal de Justiça. É que, conforme visto, a competência do Supremo restringe-se àquelas em
que houver conflito envolvendo Tribunal Superior. Se for conflito de competência entre Vara estadual e Vara
federal, se a matéria não envolver, aprioristicamente, matéria de delegação na Vara federal, caberá ao Superior
Tribunal de Justiça resolvê-lo.

Mas, estaticamente, na maioria dos casos a disputa da competência decorre de competência estadual
por delegação e, nesse caso, o Tribunal Regional Federal da respectiva Região terá a competência para julgar
o conflito. É que, em muitos casos, quando não há Vara federal sediada em determinada Comarca, e nela
existindo Vara estadual, caberá a esta o exercício, por delegação, de competência federal, em nome do princípio
de acesso à justiça, pela proximidade com o jurisdicionado. Se o conflito decorrer da disputa pela competência
federal é que caberá ao Tribunal Regional da respectiva Região. Muitas vezes esses casos são disciplinados em
Resolução do próprio Tribunal da Regional. Em síntese: se a discussão cingir ao questionamento de estar ou
não a competência dentro dos limites da justiça federal ou, em caso negativo, pertencer à estadual, é o Superior
Tribunal de Justiça que julgará o conflito; por outro lado, se a disputa em si se referir a saber se está ou não em
uma extensão delegatória a justiça federal à estadual, caberá ao Tribunal Regional Federal.

p) O PEDIDO DE MEDIDA CAUTELAR DAS AÇÕES DIRETAS DE INCONSTITUCIONALIDADE:63


As ações diretas de inconstitucionalidade (veja, não estou falando de recurso extraordinário nem de um
controle difuso) são ações concentradas, que discutem a constitucionalidade em tese, a despeito de qualquer
afetação em caso concreto. Discute-se em abstrato se está a norma em acordo ou não com a Constituição da

63
A previsão só foi inserida na alínea p, muito embora as ações diretas de inconstitucionalidade estejam previstas na a pois
só restou estabelecida no final dos trabalhos da Assembleia Constituinte.
DIREITO CONSTITUCIONAL POSITIVO II | PROFESSOR: GUSTAVO SAMPAIO | FEITO POR CAROLINA GALVÃO 93
República, na chamada fiscalização de parametricidade, aferindo se a lei está de acordo com a Constituição
enquanto parâmetro. Exigir-se-á, assim, da lei em relação ao parâmetro uma relação de hierarquia, ressaltando-
se ser o princípio da supremacia da Constituição central no ordenamento.

A lei é um ato normativo de escala primária, sendo a conta feita a partir da Carta Magna. A partir
desta, há os atos normativos de escala primária, que são aqueles que devem obediência à Constituição, por
exemplo, a lei. Por isso é que será a lei o ato normativo que, autenticamente, mais se submete ao controle de
constitucionalidade. Um Decreto do Presidente da República,64 em princípio, deve obedecer à lei, submete-se
ao controle de legalidade, sendo ato normativo de escala terciária; enquanto, por sua vez, a lei submete-se ao
controle de constitucionalidade. Sempre haverá um exame de parametricidade, no entanto, é um exame de
parametricidade constitucional (a chamada fiscalização paramétrica de constitucionalidade) que diz respeito ao
posto no texto da Constituição. Mas do fato do controle de constitucionalidade referir-se aos atos normativos
primários não se quer dizer que estará restrito a lei, na medida em que existem outros desse gênero, à exemplo
a medida provisória, expedida pelo Presidente da República. Ela não é lei, na medida em que se permeia por
um prazo de validade, não obstante, conforme postulado no artigo 62 da Constituição Federal, enquanto vigente
terá força de lei.

Como abstratas ações diretas de inconstitucionalidade não traduzem um conflito intersubjetivo clássico.
O autor da ação não se encontrará em conflito com o legislador, mas abarca-se um conflito em tese. O que há é
um controle de parametricidade e o processo, segundo a doutrina majoritária, é objetivo; um controle do
Estado pelo próprio Estado. A medida cautelar será cabível nesse processo objetivo de controle concentrado
abstrato, pois a norma vergastada pode estar produzindo malefício momentâneo e imediato à sociedade, talvez
um malefício iminente, de forma a não se pode aguardar tanto tempo até que se decida sobre a matéria. É claro
que o Supremo Tribunal Federal dá urgência ao que for emergencial, pelo poder de agenda do plenário, mas há
muitas causas tramitando. Caso notório, patente e claro o malefício gerado pela norma, ainda que a favor dela
milite a presunção de constitucionalidade, será cabível medida cautelar, diante de convicção assertiva de se
tratar de norma inconstitucional. Na medida cautelar, que vem em apenso à ação direta, obviamente não caberá
ser declara a inconstitucionalidade da norma, mas, em razão do periculum in mora, se pode afastar a efetividade
da norma.

q) O MANDADO DE INJUNÇÃO, QUANDO A ELABORAÇÃO DA NORMA REGULAMENTADORA FOR


ATRIBUIÇÃO DO PRESIDENTE DA REPÚBLICA, DO CONGRESSO NACIONAL, DA CÂMARA DOS
DEPUTADOS, DO SENADO FEDERAL, DAS MESAS DE UMA DESSAS CASAS LEGISLATIVAS, DO
TRIBUNAL DE CONTAS DA UNIÃO, DE UM DOS TRIBUNAIS SUPERIORES, OU DO PRÓPRIO
SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL:65
O constituinte previu as principais hipóteses do mandado de injunção ao Supremo Tribunal Federal, que

64
Que não se confunde com Decreto-Lei, instituto não previsto pela Constituição Federal de 1988, embora ainda existam
alguns atualmente vigentes na ordem brasileira em decorrência do fenômeno da recepção, como é o caso do Código Penal
brasileiro. Também não se confunde com o Decreto legislativo, como espécie normativa, se destina ao tratamento das
competências que são exclusivas do Congresso Nacional (e não apenas da Câmara ou só do Senado), enumeradas no artigo
49 da Constituição da República; não pode ser confundido com a lei, que é também de competência do Senado. Volta-se
aos atos fiscalizatórios do Congresso. É o instrumento, por exemplo, através do qual adota ou não tratado internacional
assinado pelo Presidente da República, a intervenção federal por ele decretada, de aprovação anual das contas do Poder
Executivo, entre outros. Esse Decreto é um ato legislativo primário.
65
Para fins exemplificativos, consultar o MI 712, julgado pelo Supremo Tribunal Federal em 25/10/2007.
DIREITO CONSTITUCIONAL POSITIVO II | PROFESSOR: GUSTAVO SAMPAIO | FEITO POR CAROLINA GALVÃO 94
não se confundem com as ações de inconstitucionalidade por omissão, embora resguardem uma expressiva zona
de interseção. São ações distintas, pois a ação de inconstitucionalidade é uma ação direta concentrada de controle
de constitucionalidade, enquanto o mandado de injunção é uma garantia ativa, um remédio constitucional (artigo
5º, LXXI, CRFB). Pela primeira, julga-se e discute-se em abstrato se a ausência de norma decorrente de omissão,
à segunda demanda-se um efeito concreto, que inviabilize o exercício dos direitos e liberdades constitucionais
e das prerrogativas inerentes à nacionalidade, soberania e cidadania (alguma margem de concretude, relativa ao
indivíduo ou coletividade). O requisito para o mandado de injunção é esta prejudicial ausência de norma. Logo,
diante da falta de norma regulamentadora, poderá se impetrar mandado de injunção. À ação direta, além da falta
da norma, deve ter havido omissão da autoridade normatizadora (que é necessariamente do Poder Legislativo),
a qual, para que caracterizada, exige o transcurso de certo interstício. Isto é, há uma qualificadora na ausência
da norma, que é a omissão constitucional. O prazo para que seja caracterizada a omissão, no entanto, não tem
previsão objetiva ou a positivação de um prazo genérico para todas as hipóteses, demandando a análise concreta
caso a caso.

No aspecto que tangencia a legitimidade para propositura, é possível aferir nova divergência. A ação de
inconstitucionalidade por omissão, que é instrumento de controle concentrado abstrato, tem como legitimados
apenas aquele abraçados pelo artigo 103 da Carta da República, o qual representa um rol taxativo, numerus
clausus. Ao revés, no mandado de injunção a legitimidade é irrestrita, ad causam ou ampla, pertencendo,
por padrão, a quem quer que seja atingido pela ausência da norma regulamentadora, visto se tratar de um
remédio constitucional. Enquanto tal, a competência para processar e julgar o mandando de injunção, quer dizer,
sua competência judicial, será de caráter difuso. Já a ação de inconstitucionalidade por omissão recai no
âmbito da competência concentrada, remetida ao Supremo Tribunal Federal ou ao Tribunal de Justiça respectivo,
a depender da origem da omissão normativa. Por oportuno, vale pontuar que a ação de inconstitucionalidade
por omissão reveste-se de efeitos erga omnes, enquanto o mandado de injunção de inter partes. No entanto, tem
a jurisprudência do Supremo Tribunal Federal evoluído neste sentido, vez que não tão somente um cidadão
eventualmente prejudicado pode impetrá-lo, como, por exemplo, uma entidade sindical (“mando de injunção
coletivo”).

Ademais, nem sempre precisará ser impetrado por falta de lei stricto sensu, podendo também ser
impetrado por falta de outras normas que não traduzidas nesta espécie normativa. Isto está muito claro na alínea
em análise. Ora, se o Congresso Nacional se constitui por Câmara e Senado, por que mencioná-los os três?
Responde-se: pois há algumas competências que podem pertencer a cada um, isoladamente, e que não
necessariamente materializam-se em lei, isto é, competências privativas. A fito de exemplo, podemos nos
remeter ao artigo 52 da Constituição, em que abarcadas as competências privativas do Senado Federal,
desempenhadas através de Resoluções (e não leis). Há, no referido artigo, competências normativas de caráter
genérico (para além, por exemplo, do impeachment, que é hipótese de maior concretude e, talvez, gravidade) e
em relação a estas caberá mandado de injunção se a omissão for comprometedora da fruição de direito
constitucional. Quer-se proteger cidadão ou coletividade por ausência de provimento regulamentar, gerando
necessidade de um pronunciamento do Poder Judiciário que, de alguma forma, autorize o exercício de um direito
constitucional.

A partir desse estudo de diferenças, pretende-se chegar a questão atinente à ausência de normas. Deve
DIREITO CONSTITUCIONAL POSITIVO II | PROFESSOR: GUSTAVO SAMPAIO | FEITO POR CAROLINA GALVÃO 95
se atentar ao fato de que o direito se reveste de técnica e as palavras empregadas por seus dispositivos não vêm
ao léu ou são difundidas ao sabor da erudição; norteiam-se precisamente de significado dogmático. É por isso
que o mandado de injunção, em sua previsão, alude à falta de norma, enquanto a ação de inconstitucionalidade
por omissão delineia-se como relativa à omissão inconstitucional, decorrente de uma ausência de produção
normativa. Questiona-se: estaríamos tratando da mesma coisa, embora com nomina iuris distintos, ou são elas
ideal e substancialmente distintas? A segunda assertiva é a que nos parece adequada. Nessa esteira, vale recorrer
à classificação e divisão das normas constitucionais no que tange à aplicabilidade ou quanto à eficácia. Em sua
obra, Aplicabilidade das normas constitucionais, propugna o professor José Afonso da Silva uma divisão trina:66

● NORMAS CONSTITUCIONAIS DE EFICÁCIA PLENA: são aquelas que independem de qualquer regulamentação

para serem efetivamente vivenciadas, aplicáveis e empreendidas.

● NORMAS CONSTITUCIONAIS DE EFICÁCIA CONTIDA:67 refere-se àquelas normas que se encontram no texto
constitucional e não demandam qualquer regulamentação para que aplicadas; não obstante, é lício ao legislador
adotar regulamentação restritiva de sua margem incidência. É neste ponto que reside sua diferença capital: não
poderia o Legislativo firmar limitação a uma norma de eficácia plena, à exemplo do direito à vida, mas lhe é
possível limitar direitos fundamentais em que tolerada certa constrição, como o faz em relação à liberdade de
ofício e profissão. Trata-se, por certo, de um viés ou matiz do direito fundamental à liberdade, o qual se encontra
assentado no inciso XIII do artigo 5º da Constituição Federal. Em síntese, aqui estão circunscritas as normas
que, embora revestidas de eficácia imediata, são passíveis de restrição em sua margem de aplicação. Temos, por
conseguinte e à guisa de exemplo, um número cada vez mais expansivo de profissões regulamentadas, o que
revestir-se-ia de espaço muito saudável, inclusive de reconhecimento das profissões. É o caso da advocacia, que
teve pelo legislador estabelecida a padronagem, o trilho legal de exercício dentro do qual que lhe é cabível a
atuação enquanto advogado.

● NORMAS CONSTITUCIONAIS DE EFICÁCIA LIMITADA: trata-se das normas dependentes de regulamentação


posterior, sob pena de inefetividade e impossibilidade de aplicação. Este fenômeno ocorre com frequência no
direito tributário, vez que o constituinte foi claro ao estabelecer que:
Art. 146: “Cabe à lei complementar:
I - dispor sobre conflitos de competência, em matéria tributária, entre a União, os Estados,
o Distrito Federal e os Municípios;
II - regular as limitações constitucionais ao poder de tributar;
III - estabelecer normas gerais em matéria de legislação tributária, especialmente sobre:
a) definição de tributos e de suas espécies, bem como, em relação aos impostos
discriminados nesta Constituição, a dos respectivos fatos geradores, bases de cálculo e
contribuintes;
b) obrigação, lançamento, crédito, prescrição e decadência tributários;
c) adequado tratamento tributário ao ato cooperativo praticado pelas sociedades

66
É possível classificar as normas constitucionais sob ampla gama de critérios e, ainda, dispor de formas distintas acerca
de sua divisão em um mesmo critério. Traz-se aquela construída por José Afonso da Silva por sua tradição e aceitabilidade.
No entanto, essa classificação sequer aparece, por exemplo, para Pontes de Miranda, que empreende apenas duas divisões
classificatórias quanto à aplicabilidade das normas: a) normas bastante em si (que se bastam, como notado nas normas de
eficácia plena, que independem de legislador ou iniciativa regulamentar); e b) normas não bastantes em si (as quais, por
sua própria natureza, por não serem bastantes em si mesmas desde a previsão constitucional, falecem na sua aplicação se
não houver uma providência regulamentar ulterior). De um modo geral, há também doutrinadores que procedem à divisão
das normas em autoaplicáveis e não autoaplicáveis.
67
Michel Temer afirma que nomenclatura mais adequada do que normas de eficácia contida seria a intitulação normas de
eficácia contível, já que o legislador não está obrigado à contenção. A princípio, seu conteúdo eficacial é pleno, e faculta-
se ao Legislativo a contenção a partir de um juízo de conveniência política.
DIREITO CONSTITUCIONAL POSITIVO II | PROFESSOR: GUSTAVO SAMPAIO | FEITO POR CAROLINA GALVÃO 96
cooperativas.
d) definição de tratamento diferenciado e favorecido para as microempresas e para as
empresas de pequeno porte, inclusive regimes especiais ou simplificados no caso do
imposto previsto no art. 155, II, das contribuições previstas no art. 195, I e §§ 12 e 13, e
da contribuição a que se refere o art. 239”.
Desta maneira, tratam-se de matérias dependentes de regulamentação infraconstitucional. É ainda sem aplicação
o imposto sobre grandes fortunas (IGF) precisamente por falta de regulamentação. Aqui, houve de fato uma
escolha do Poder Legislativo, que no interstício de trinta anos entre a promulgação do texto constitucional aos
dias atuais optou pela não regulamentação, muito embora neste período pudesse tê-lo feito. Aqui, o previsto na
Constituição Federal e não regulamentado despe-se de eficácia; foi o imposto sobre grandes fortunas instituído
pelo constituinte nas previsões e na dogmática constitucionais, porém o legislador compreendeu inexistir
conveniência política na regulamentação.

Ora, essas classificações são essenciais para que construída a compreensão da diferença existente entre
falta de norma e omissão inconstitucional. Esta última refere-se não a uma omissão simples, mas a uma omissão
qualificada pela violação ao texto constitucional e à expectativa do constituinte – em outras palavras, pela
inconstitucionalidade, caso contrário se trataria de mera omissão que não inconstitucional. Por conseguinte, é o
mandado de injunção mais amplo em sua incidência, ainda que revestido de efeitos mais restritos. Ocorre que,
conceitualmente, pressupõe a omissão uma falta de esforço quando o mesmo deveria ter sido empregado,
quando era razoável esperá-lo e não o foi. No que tange à Constituição, a falta de esforço ocorre quando, apesar
de se tratar de norma já inscrita em seu texto, não houve guarita regulamentar por lei infraconstitucional ou
espécie normativa regulamentadora cabível.

Promulgada a Constituição Federal em 05 de outubro de 1988, decerto no dia 06 de outubro do mesmo


ano não haveria de se falar em legitimidade ao cidadão para demandar judicialmente que o Legislativo, ainda
em festa, tivesse regulamentado todas as normas constitucionais de eficácia limitada em um só dia de trabalho.
O legislar é processo lento, gradual e democrático, que se estende ao longo do tempo e assim tem de ser. Ao
revés, não haveria de se negar a falta de norma regulamentadora – que é mera constatação de fato e poder-se-ia,
portanto, de pronto ser suscitada, embora com apoio na teoria da recepção muitas normas regulamentadoras
foram aproveitadas pela nova Carta Magna, desde que compatíveis.68

Questiona-se: hoje, nas imediações de comemorarmos trinta anos desde a promulgação da Constituição,
é possível apontar a omissão inconstitucional? Nem assim a resposta é de todo simples. É possível alegar que
nesse transcurso de tempo qualquer matéria poderia ter sido regulamentada, razão pela qual toda falta de norma
regulamentadora é omissão inconstitucional. No entanto, tal lógica recai em equívoco, pois o texto
constitucional não estabeleceu padrões temporais, não dispôs prazos máximos determinados à regulamentação.
Disto, resulta pergunta desafiadora: quem, terminantemente, com poder de coisa julgada, possuí a competência
para afirmar a ocorrência ou não de omissão de uma ou outra norma? É o Poder Judiciário, mediante provocação
pela ação de inconstitucionalidade por omissão. Pautando-se em hipóteses extremas, é óbvio que não se teria
por razoável o ajuizamento de ação de inconstitucionalidade por omissão à data de 06 de outubro de 1988;
porém, hoje a resposta dependerá da norma tratada.

68
Aproveitaram-se, inclusive, muitas normas tributárias, já que não o fazendo ficaria a tributação brasileira paralisada por
meses, até que aprovada nova norma regulamentadora.
DIREITO CONSTITUCIONAL POSITIVO II | PROFESSOR: GUSTAVO SAMPAIO | FEITO POR CAROLINA GALVÃO 97
À guisa de exemplo, analisa-se o imposto sobre grandes fortunas. Se questionada perante o Supremo
Tribunal Federal, em ação de inconstitucionalidade por omissão, a ausência regulamentar do dito imposto, será
que o órgão jurisdicional afirmaria que o legislador constituído, o Congresso Nacional, foi omisso? É provável
que não. A resposta tende a ser no sentido de que se trata de hipótese na qual optou o constituinte por dar ao
congressista o poder de escolha temporal da regulamentação, e este último, realizando análise de pertinência
temática, resolveu por não regulamentar, ao menos por ora. Por mais que estes posicionamentos possam ser
explicados a partir dos fatores reais de poder, de Ferdinand Lasalle, do ponto de vista técnico-constitucional são
escolhas legislativas. Todavia, em relação a outras matérias, em especial relativas a direito individuais, que
dependem de providência regulamentadora sob pela de não serem exercidos direitos e prerrogativas atinentes à
cidadania, nacionalidade e direitos políticos, é claro que o Supremo poderia decidir a omissão inconstitucional.
Nestes termos, caracteriza-se claramente a diferença entre falta de norma e omissão inconstitucional: omissão
decorre do tempo suposto, pressuposto e esperado para que se adote uma dada medida, já quanto à mera
falta de norma, fixa-se uma constatação binária (ou há ou não há).

- AÇÃO DE INCONSTITUCIONALIDADE
- MANDADO DE INJUNÇÃO -
POR OMISSÃO -

● ação de controle concentrado abstrato


NATUREZA ● remédio constitucional
de constitucionalidade
● legitimidade restrita ao rol previsto no
LEGITIMIDADE ● legitimidade ampla
artigo 103, CRFB/88

EFEITOS ● erga omnes ● inter partes

COMPETÊNCIA ● competência concentrada ● competência difusa

PRESSUPOSTO ● omissão inconstitucional ● falta de norma regulamentadora

Da história brasileira, permeada por suas idiossincrasias, extrai-se dado relevante. Como previamente
exposto, o mandado de injunção encontra-se no núcleo irreformável do texto da Carta Magna, constituindo
cláusula pétrea, impassível de supressão via reforma constitucional. Ainda, nos termos do artigo 5º, § 1º, na
qualidade de garantia fundamental, revestir-se-ia de aplicação imediata. No entanto, diferentemente do habeas
corpus e do mandado de segurança, que já se encontravam consolidados no ordenamento brasileiro,69 o mandado
de injunção adveio pela primeira vez, como novidade, na Constituição de 1988. Por conseguinte, tão somente
no pós-1988 é que se iniciou jurisprudência na matéria. Aportada uma sequência de mandados de segurança no
Supremo Tribunal Federal, deparou-se este, porém, com intensa dificuldade de aplicação, na medida em que
não estabeleceu o legislador balizas e procedimentos para tanto.

Face ao desafio, realizou o Supremo imenso esforço hermenêutico, buscando resgatar a normativa de
diversos dispositivos, a fim de lograr êxito à específica aplicação do mandado de injunção. Dentre as tentativas,
destaca-se o uso da Lei 1.533/1951 (então lei reguladora do mandado de segurança, a qual posteriormente
substituída pela Lei 12.016/2009), editada sob a égide da Constituição de 1946 e posteriormente recepcionada
pelas Cartas de 1967 e 1988 – portanto, instrumento legal muito experimentado pelo Poder Judiciário. Verificou-

69
O habeas corpus como instrumento consolidado no ordenamento brasileiro através dos séculos e o mandado de segurança
tendo sido autonomizado gradativamente – instituído em sede legal, galgou patamar constitucional em 1934.
DIREITO CONSTITUCIONAL POSITIVO II | PROFESSOR: GUSTAVO SAMPAIO | FEITO POR CAROLINA GALVÃO 98
se, assim, a insuficiência de sua aplicação, dada a natureza completamente diversa do mandado de injunção. A
falta de êxito motivou a utilização de normas regimentais do Supremo Tribunal Federal, objetivando sanar o
problema, o que novamente notou-se impossível, tanto por sua natureza quanto pelo fato de que cada vez mais
ampliativamente aplicado o mandado de injunção às hipóteses por ele ventiladas.

Impossibilitada a operacionalização do mandado de injunção, a despeito dos esforços empreendidos


nesse sentido, optou o Supremo Tribunal Federal por sobrestar seu julgamento até que dada resposta congressual
regulamentar às alturas de sua especificidade – à exemplo do que ocorre com o habeas corpus e com o mandado
de segurança, regulamentados, respectivamente, pelo Código de Processo Penal e por lei específica. Esperou-
se, então, por resposta avançada do Congresso Nacional. Esta, no entanto, demorou excessivamente,70 tendo
transcorrido grande lapso temporal no qual ficou o mandado de injunção inoperante. Sem lei infraconstitucional
necessária para que funcionasse processualmente; sem base legal para procedimentalizá-lo, processá-lo e julgá-
lo, permaneceu sua apreciação sobrestada.

No decorrer desse período de não regulamentação, porém, ocorreu um gravíssimo fato na história
brasileira, em trágico momento que viria a marcar a jurisprudência do Supremo Tribunal Federal. Naquela
cercania história, notadamente no ano de 2006, o Boeing 737 da Gol Linhas Aéreas sofreu uma queda no estado
do Mato Grosso. À época, uma empresa estadunidense havia comprado um jato fabricado no Brasil pela
Embraer. Seus pilotos, então, decolaram de São José dos Campos com destino aos Estados Unidos da América;
contudo, cruzaram o espaço aéreo brasileiro com seus equipamentos de transponder desligados, isto é, sem
emitir sinal da trajetória traçada e ingressaram, ainda, em aerovia privativa de voo da Gol. Desta maneira, em
uma infelicidade trágica, colidiu com o Boeing 737, que teve uma de suas asas ceifadas e, sem nenhuma chance
de defesa, caiu a mais de dez mil metros de altura, ocasionando a morte de todos os passageiros a bordo.

Tais fatos ensejaram intensa crise e forte discussão acerca da responsabilidade dos controladores de voo
brasileiros, que trabalham nos centros de comando aéreo das Forças brasileiras e, portanto, no controle do espaço
aéreo brasileiro. Nesse contexto, os controladores de voo, que exercem sua função sob influência de grande
pressão, e já com demanda acumulada de muitos anos pelas más condições de trabalho, decidiram entrar em
greve. É certo que, parado o sistema aéreo brasileiro, se parou a própria economia nacional, instaurando debate
relativo aos limites do direito de greve. Àquele tempo, não havia qualquer resposta judicial definida. Isto pois é
o direito de greve um direito consagrado na Constituição Federal, que, por sua vez, aguardou providência
regulamentar por parte do Congresso Nacional. A Carta Magna data de outubro de 1988 e logo em 1989 editou-
se a Lei 7.783, a qual regulamentou o direito de greve. O referido dispositivo legal, no entanto, regulamentou a
greve do trabalhador comum, de iniciativa privada, não do servidor público, em relação a qual houve silêncio.

Por lei, a atividade dos controladores de voo é privativa de certos graduados da Força Aérea ou praças,
os sargentos especialistas em matéria de controle de voo da Força Aérea brasileira (assim como, por exemplo,
existe o sargento especialista de mecânica de aeronave). Ora, procedeu-se à resposta imediata: em se tratando
de militar, conforme inciso IV do § 3º do artigo 142 da Constituição, estabeleceu-se a proibição da greve. De
imediato, o comando da Força Aérea, portanto, procedeu à prisão de uma gama de sargentos especialistas, ou

70
Em verdade, a lei regulamentar do mandado de injunção (Lei 13.300) foi promulgada apenas em 2015, isto é, 27 anos
após a promulgação da Constituição Federal.
DIREITO CONSTITUCIONAL POSITIVO II | PROFESSOR: GUSTAVO SAMPAIO | FEITO POR CAROLINA GALVÃO 99
ao menos das lideranças do movimento. Conforme previamente assinalado, as Forças Armadas pautam-se por
uma dinâmica de hierarquia, disciplina, obediência e ordem.

No entanto, dentre os cerca de 2700 controladores de voo em exercício naquele ano, apenas 700 eram
sargentos especialistas. Descobriu-se que, na falta destes últimos, havia se aberto a oportunidade de alocação
de servidores públicos civis no controle de voo e, também na falta de servidores capacitados, abriu-se a
oportunidade de contratação administrativa de controladores. Extrai-se, por conseguinte, três hipóteses de
análise do direito de greve. Aos sargentos especialistas, encontrar-se-ia vedado; enquanto aos trabalhadores da
iniciativa privada, contratados administrativamente, a disciplina é conferida nos termos da Lei 7.783/1989.
Questionava-se, então, e os servidores públicos civis?

A fim de responder à aludida indagação, teve o Supremo Tribunal Federal de recorrer a seus julgados
sobrestados. Posto que a iniciativa regulamentar existente encontrava-se restrita aos trabalhadores de iniciativa
privada, quer dizer, face à ausência de norma regulamentadora especializada, várias entidades representativas
dos servidores públicos haviam impetrado mandado de injunção junto ao Supremo. Procedeu-se, dessa maneira,
ao julgamento do Mandado de Injunção nº 712,71 o qual representa um leading case em sua jurisprudência. O
que se propunha a discutir era se o direito de greve poderia ou não ser exercido pelos servidores públicos civis
e em que limites. Tratou-se de julgamento histórico, no qual restou decidido que, enquanto o Congresso
Nacional não editar lei regulamentadora para os servidores, aplica-se extensivamente a estes a Lei 7.783/1989
–mesma interpretação desenvolvida pelos sindicatos representativos no sentido da justeza e legitimidade de sua
greve –, 72 excluídos os militares, em relação aos quais reconhecido o princípio da especialidade para
excepcionar o direito de greve. De todo modo, revitalizou-se o mandado de injunção.

Por oportuno, vale ratificar que, embora teoricamente e a princípio os efeitos do mandado de injunção
sejam inter partes, não há menção ao tamanho das partes. Se foi a propositura do Mandado de Injunção nº 712
realizada por entidades representativas dos servidores públicos, valeria apenas àqueles que representa? É certo
que a jurisprudência do Supremo Tribunal Federal evoluiu nesse sentido. A definição dos efeitos do mandado
de injunção integra seu conceito, sua essência, mas avançou-se a fim de dar-lhe eficácia a todos aqueles que
possam estar hipoteticamente cobertos pela decisão prolatada. É a admissão do “mandado de injunção coletivo”,
apesar de inexistir menção constitucional expressa a sua diferenciação.

Cumpre, ainda, avençar outra questão relevante sobre o mandado de injunção. Este não se destina
unicamente à verificação da ausência de norma legal, o que se reveste de enorme importância no estudo do
processo legislativo, desde o qual notada a existência de espécie normativa prioritariamente dedicada ao fim da
regulamentação das normas constitucionais de eficácia limitada: a LEI COMPLEMENTAR. Há clareza solar sobre
o destino deste instituto, o que não é afirmação sinonímica de que se trata do único instituto regulamentador da
norma constitucional de eficácia limitada. Tal ponto resolveu uma questão antiga, a saber, de se haveria ou não

71
O Mandado de Injunção nº 712 foi uma espécie de condutor no debate. Não foi, porém, o único, devendo se destacar
também os de numeração 692 e 708.
72
Todavia, até hoje discute a jurisprudência discute acerca da extensão do direito de greve, sobretudo no que tange às
atividades essenciais. São definidas na Lei 7.783/1989 dez atividades essenciais, tendo sido o Supremo Tribunal provocado
a discutir se sua limitação é ainda mais restritiva em se tratando da atuação de servidores públicos, desta vez em sede de
controle concentrado abstrato de constitucionalidade. Há quem defenda perspectiva mais restritiva sob argumento de que,
na medida em que o servidor público apresenta um vínculo de natureza institucional, estatutária, sendo parte da instituição
(e em certa medida parte do Estado), terá de apresentar um direito de greve naturalmente mais restrito.
DIREITO CONSTITUCIONAL POSITIVO II | PROFESSOR: GUSTAVO SAMPAIO | FEITO POR CAROLINA GALVÃO 100
hierarquia entre lei complementar e lei ordinária. No modelo da trilogia kelseniana, a Constituição está acima
da lei, e esta encontra-se acima do decreto. Nessa esteira, se torna possível afirmar que a lei constitui o ato
normativo primário, porquanto obedece tão somente – e diretamente – à Constituição, ao passo que o decreto
presidencial é ato normativo secundário, na medida em que obedece a lei, que obedece à Constituição. A linha
não se extingue aqui, existindo também, por exemplo, portarias ministeriais, que obedecem ao decreto, do que
se extrai existirem tanto normas primárias quanto secundárias, terciárias, quaternárias, como aí em diante.

Discutia-se, contudo, se a lei complementar, em razão de sua finalidade mais nobre de regulamentação
do texto constitucional, estaria acima da lei ordinária, isto é, se haveria ou não uma hierarquia de normas entre
a lei ordinária e complementar. A rigor, o projeto daquela demanda maioria simples para ser aprovada nas Casas
Legislativas, enquanto o desta maioria absoluta (artigo 69, CRFB/88). Sendo assim, parte da doutrina afirmava
e sustentava – e no passado essa linha de construção era comum – que a lei complementar se revestia de
autoridade hierárquica superior a lei ordinária. Não obstante, essa corrente carece de sentido e foi superada, e o
foi por uma razão simples: quando o constituinte determina que a lei complementar se destina à regulamentação
de norma constitucional de eficácia limitada, circunscreve seu campo de incidência e, ao mesmo tempo, firma
a lei ordinária como espécie normativa de caráter essencialmente residual, de forma que legisla-se mediante lei
ordinária quando as demais espécies normativas do artigo 59 da Constituição Federal não são aplicadas.73

Desse modo, quando o legislador (ou constituinte) requer a regulamentação por lei complementar, o
estabelece com clareza, tal qual restou enunciado em inúmeras passagens do texto constitucional. Nesse caso,
não há opção: a regulamentação da matéria apenas poderá se dar através de lei complementar; caso contrário,
havendo pretensão de regulamentação por lei ordinária, se estará incorrendo em uma inconstitucionalidade de
natureza formal propriamente dita. A inconstitucionalidade, porém, não é orgânica,74 posto que o órgão editor
da norma terá sido o mesmo, o que ocorre é a aprovação da espécie normativa equivocada. Logo, por uma
questão de lógica cartesiana, na hipótese em que imposto que seja a matéria tratada por lei complementar, deverá
sê-lo, ao passo que, não sendo exigida a regulamentação via lei complementar, a tarefa legislativa recairá para
a lei ordinária. Conclui-se, portanto, inexistir sobreposição, não estando a lei complementar acima da lei
ordinária, e nem vice-versa. O que se estende são campos legislativos distintos, a despeito da exigência de que
seja a lei complementar aprovada mediante maioria absoluta e a lei ordinária por maioria simples.

A lei complementar reveste-se da finalidade específica de regulamentar norma constitucional de eficácia


limitada. Porém, conforme aponta a própria jurisprudência do Supremo Tribunal Federal, nem sempre será
necessário que a norma constitucional seja regulamentada por lei complementar. Não exigindo a Constituição
Federal, em específico, que seja a regulamentação empreendida via lei complementar, será cabível editar outras
espécies normativas com finalidade regulamentar. Uma regulamentação realizada pelo Superior Tribunal de
Justiça em seu âmbito interno, por exemplo, se dá através da alteração de seu regimento interno.

Julgado recente do Supremo Tribunal Federal que ajuda a esclarecer a matéria, porquanto se tornou de

73
Insta ressaltar que as espécies normativas não se restringem à lei complementar e ordinária. Consoante estabelece o
artigo 59 da Constituição, “o processo legislativo compreende a elaboração de: I - emendas à Constituição; II - leis
complementares; III - leis ordinárias; IV - leis delegadas; V - medidas provisórias; VI - decretos legislativos; VII –
resoluções”. Ademais, há outras espécies normativas, como a medida provisória e as normativas administrativas (decreto
executivo, portaria, circular, etc.).
74
O que não exclui a possibilidade de que haja inconstitucionalidade nas hipóteses de vício de competência.
DIREITO CONSTITUCIONAL POSITIVO II | PROFESSOR: GUSTAVO SAMPAIO | FEITO POR CAROLINA GALVÃO 101
enorme relevância e até paradigmático, é o RE 566.622. In casu, encontrava-se em pauta a constitucionalidade
da Lei nº 8.212, correspondente à lei orgânica da seguridade social, pela qual instituído seu sistema de custeio.
Pela numeração, tem-se, de plano, que se trata de uma lei ordinária. Sucede que, no entanto, a referida lei trazia
em seu artigo 55 requisitos para o exercício da imunidade constitucional sobre as contribuições previdenciárias,
regulamentando a fruição prevista pelo artigo 195, § 7º, da Constituição Federal. Discutia-se, assim, um tema
de grande repercussão no direito tributário: ora, o referido dispositivo estabelecia que certas entidades brasileiras
de assistência social estariam dispensadas do recolhimento da contribuição patronal sobre a remuneração dos
empregados. Como se sabe, os empregados apresentam um vínculo contratual sobre o qual incide a cobrança
de uma modalidade de tributo, a saber, de uma contribuição social, denominada contribuição patronal. Assim é
que o empregador tem de pagar uma contribuição obrigatória para formar o monte previdenciário do trabalhador.

A fim de incentivar as entidades beneficentes de assistência social, as instituições filantrópicas, como


são hoje muitas associações (vide a Santa Casa da Misericórdia) e universidades privadas no Brasil, o próprio
constituinte originário enunciou no artigo 195 da Carta Magna sua imunidade no que tange às contribuições
previdenciárias. Isto para que pudessem obter o estímulo fiscal necessário para lograr êxito em suas atividades,
na medida em que revestidas de interesse público. E o legislador não poderia ir contra a imunidade fixada no
texto constitucional. Embora seja a isenção fiscal prevista em lei, enquanto a imunidade é prevista na própria
Constituição, não há impedimento de que o legislador estabeleça condições ao seu exercício, tendo assim o feito,
em 1991, no artigo 55 da Lei nº 8.212.

No entanto, e apesar de historicamente muitas entidades terem sido condenadas por infração ao núcleo
de previsões do referido dispositivo, trata-se de matéria tributária, em relação a qual a Constituição Federal
foi clara ao estabelecer como necessária a regulamentação através de lei complementar. Logo, as condições à
imunidade constitucional do artigo 195, a despeito de sua razoabilidade, se encontravam dispostas através da
espécie normativa incorreta - sob disciplina de lei ordinária, embora a própria Carta Magna tenha exigido lei
complementar. Por conseguinte, é que, na via do controle difuso, a matéria alcançou a cúpula da organização
judiciária brasileira, o Supremo Tribunal Federal, o qual, por seis votos a cinco entendeu inconstitucional fossem
estabelecidas condições à imunidade fiscal condicional mediante lei ordinária, razão pela qual pronunciou a
inconstitucionalidade formal do artigo 55 da Lei nº 8.212. Reconhecer o emprego da espécie normativa incorreta,
porém, não é sinônimo de reconhecer a existência de hierarquia entre a lei ordinária e complementar; trata-se
apenas de sedimentar que, tendo o constituinte estabelecido a reserva de lei complementar para a matéria, não
se tratava de hipótese residual de lei ordinária. Não é bastante seja a seara regulamentada, mas deve sê-lo pela
espécie normativa correta. O legislador não poderia, com carga democrática menor, disciplinar a matéria.

É possível, ainda, se agravar a discussão relativa à pirâmide kelseniana em matéria legislativa. O decreto
legislativo, previsto no inciso VI do artigo 59 da Constituição Federal tem força de lei; porém, igualmente se
reveste o decreto executivo de força de lei? A princípio, a indagação obtém resposta negativa, posto que se trata
de ato normativo secundário, que diz respeito à lei prima facie, e apenas indiretamente à Constituição. Ocorre
que, ao longo do tempo, o processo normativo evoluiu e se tornou mais complexo. Nos casos previstos no inciso
VI do artigo 84 do texto constitucional, de edição de decreto autônomo para questões intestinas, interna corporis,
do Poder Executivo, e que não passam pelo afazer do Legislativo, o Presidente da República regula por conta
própria, considerando o entendimento majoritário da doutrina se tratar de ato normativo primário.
DIREITO CONSTITUCIONAL POSITIVO II | PROFESSOR: GUSTAVO SAMPAIO | FEITO POR CAROLINA GALVÃO 102
Abaixo do decreto executivo, porém, que, em geral, é ato normativo secundário, se desdobra uma escala
hierárquica - no sentido de norma constitucional e norma propriamente dita -, na qual inclusas as normas de
alçada administrativa. No campo da Administração Pública, apresentamos uma hierarquia bastante rígida entre
diplomas normativos. O Presidente da República, por óbvio, pode editar decreto regulamentar tendo por objeto
o texto legislativo que regulamenta a Constituição Federal. Esse decreto, contudo, pode pender de determinada
portaria ministerial, que, por sua vez, pode ser regulamentada pela instrução normativa de um órgão setorial do
Ministério. A Administração Pública, ainda, não é apenas direta, como indireta. Dessa forma é que, por exemplo,
a Universidade Federal Fluminense é uma autarquia federal, da qual a Faculdade de Direito é órgão. Haverá,
nessa estrutura, o regimento da universidade, abaixo do qual se encontram normas estabelecidas pela própria
Faculdade de Direito, que deverão obedecê-lo, bem como às normas emanadas do Conselho Universitário e dos
demais conselhos superiores. Assim é que a Administração vive de um modo extremamente hierarquizado em
termos normativos.

Isso é relevante na medida em que inscrevemos o seguinte questionamento: é certo que pode a norma
constitucional de eficácia limitada ser regulamentada por lei complementar ou ordinária, mas o que ocorre caso
remeta a lei ordinária a matéria à regulamentação do decreto executivo do Presidente da República e este
não o houver editado? Nesse caso, há falta de norma legal, de providência do Congresso, ou, eventualmente,
até mesmo omissão constitucional do Congresso? Não. O que existe é a omissão do administrador chefe, que é
o Presidente da República, posto não ter procedido à edição do decreto regulamentar devido. Na ponta da cadeia
normativa, porém, permaneceu inaplicada a norma constitucional. Pior: havendo decreto regulamentar, este
pode ter pendido dentro de uma pasta ministerial da providência regulamentar de uma portaria ministerial, que
não chegou. Por vezes, faltou na cadeia normativa uma norma secundária, terciária, quaternária, e assim por
diante. Em todo caso, faltou norma; e, faltando norma, aquele direito de eficácia limitada continuou carente de
aplicação. Questiona-se: face esta falta inviabilizadora do direito, caberá mandado de injunção? Caberá, não
obstante não seja a competência originária do Supremo Tribunal de Federal.

Logo, o artigo 102, inciso I, alínea q, da Constituição Federal, abarca as hipóteses mais sensíveis, bem
como relevantes socialmente, sem excluir que haja também casos de competência, por exemplo, do Superior
Tribunal de Justiça ou do Tribunal de Justiça do Estado do Rio de Janeiro para processar e julgar mandado de
injunção, já que não se trata de competência concentrada, de forma diversa da ação de inconstitucionalidade por
omissão. Afinal, o mandado de injunção envolve falta de norma, e não omissão inconstitucional. Assim, o
mandado de injunção compete originariamente ao Supremo Tribunal Federal quando a norma for de alçada do
Congresso Nacional, da Câmara dos Deputados, do Senado Federal ou suas Mesas, da Presidência da República,
do Tribunal de Contas da União, de um dos Tribunais Superiores e do próprio Supremo Tribunal Federal.

Nessa esteira, deve se ter atenção à teoria do órgão. É certo que um órgão pode ser constituído de outros
órgãos, que se dividem em outros, cada qual com suas atribuições e competências definidas pelo ordenamento
jurídico, como centro de manifestação do poder estatal. Alude o inciso em análise em específico ao Congresso,
Câmara, Senado e suas respectivas Mesas não por efeito repetitivo. Cada um desses é um órgão revestido de
competências próprias. Exemplo de competência autêntica do Congresso Nacional é a criação de leis; contudo,
tem-se da leitura do artigo 51, inciso III, da Constituição Federal que compete privativamente à Câmara, por
sua vez, dispor sobre seu regimento interno (competência exclusiva), de maneira que neste não se envolve o
DIREITO CONSTITUCIONAL POSITIVO II | PROFESSOR: GUSTAVO SAMPAIO | FEITO POR CAROLINA GALVÃO 103
Senado e muito menos o Presidente da República. Ao Senado Federal também são estabelecidas competências
privativas, como é o caso da fixação, através de resolução75 e por proposta do Presidente da República, os limites
globais para o montante da dívida consolidada da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios
(artigo 52, inciso VI, CRFB/88). O ato de Mesa, por fim, é definido não pela Carta Magna, mas pelo próprio
Regimento Interno das Casas Legislativas.

Sendo assim é que, na hipótese de falta de norma regimental, por exemplo, do Senado Federal, da qual
decorra o não exercício de um direito constitucional não autoaplicável, caberá o ajuizamento de mandado de
injunção (in casu, em virtude da carência normativa do Regimento, e não da lei), com competência originária
do Supremo Tribunal Federal para processá-lo e julgá-lo. O mesmo ocorrerá caso impossível a fruição de direito
constitucional ante a ausência de decreto regulamentar do Presidente da República ou pela falta de uma norma
regulamentar de competência judiciária que deveria ter sido editada pelo Supremo Tribunal Federal ou pelos
Tribunais Superiores. Se houvesse no regimento interno do Supremo Tribunal Federal norma regimental faltante,
engendrando a obstrução do direito de defesa, do exercício do devido processo legal ou a faculdade de produção
probatória, caberia mandado de injunção de competência originária do Supremo. Mais: a falta não precisa ser
concernente ao regimento interno. Sendo competente aos referidos tribunais ato normativo próprio, de sua falta
também poderá decorrer interposição de mandado de injunção. De maneira distinta, caso a falta de norma interna
ocorresse no âmbito do Instituto Nacional de Seguridade Social ou na seara de registrabilidade de marco-patente
no Instituto Nacional de Propriedade Industrial, por óbvio a competência originária não seria da Suprema Corte.

Insta ressaltar, por fim, que foi apenas em 2015 que, finalmente, se regulamentou o mandado de injunção,
através da Lei nº 13.300, que o disciplina infraconstitucionalmente. No entanto, sua regulação não foi muito
extensiva, de forma que ainda se aguarda uma previsão mais detalhada e precisa da matéria. De toda forma,
superou-se o longo período de tempo no qual o mandado de injunção não obtinha aplicabilidade em razão de
falta de regulamentação, embora ele em si traduza remédio constitucional à falta de previsão regulamentadora.

r) AS AÇÕES CONTRA O CONSELHO NACIONAL DE JUSTIÇA E CONTRA O CONSELHO NACIO-


NAL DO MINISTÉRIO PÚBLICO:

A alínea em comento foi a única integralmente produzida por Emenda Constitucional. Todas as demais
defluem do texto originário da Carta Constitucional de 1988, a despeito de terem eventualmente se tornado
objeto de alterações, como é no caso da alínea a, que recebeu adição. No entanto, a única que foi autonomamente
instituída, a posteriori, pelo poder constituinte derivado, por certo é a alínea em análise, que ingressou no
ordenamento constitucional através da edição da Emenda Constitucional nº 45/2004. Esta criou, igualmente,
dois órgãos até então não existentes, o Conselho Nacional de Justiça e o Conselho Nacional do Ministério
Público, os quais se revestem de caráter administrativo, e não jurisdicional, apesar de apresentarem monumental
relevância político-institucional.

Sua criação, contudo, não foi unânime. Durante onze anos, a matéria restou intensamente debatida,
sobretudo no que concerne ao Conselho Nacional de Justiça, que reluziu mais por tangenciar o Poder Judiciário.
À época, divergiam a defesa e combate à existência de um controle externo do Judiciário, que culminou, ao
término, no estabelecimento do “controle externo mais interno da história”. A ideia, a princípio, era de um órgão

75
Quando as Casas Legislativas trabalham isoladamente, o fazem mediante resolução, seja senatorial ou da Câmara.
DIREITO CONSTITUCIONAL POSITIVO II | PROFESSOR: GUSTAVO SAMPAIO | FEITO POR CAROLINA GALVÃO 104
externo empreendendo o controle de seu desempenho administrativo e financeiro, sem que interferisse na função
jurisdicional. Aqueles contrários ao controle externo tinham bons argumentos e aduziam, inclusive, que essa
modalidade de controle poderia comprometer a independência funcional essencial à ordem constitucional,
ferindo a autonomia dos magistrados.

Após intensa disputa, porém, criou-se o Conselho Nacional de Justiça como órgão do próprio Poder
Judiciário (com sua correspondente inclusão enquanto tal no inciso I-A do artigo 92 da Constituição Federal),
constituído por quinze membros, dois quais nove do próprio Judiciário e seis externos a este. Além disso, do
mesmo modo que Conselho Nacional de Justiça pertence ao Poder Judiciário para que não haja violação da sua
independência, o Conselho Nacional do Ministério Público encontra-se na estrutura do Ministério Público, para
que este não seja violado - sendo certo que, a despeito de não ser Poder, o Ministério Público foi incluído na
ordem constitucional como órgão autônomo. Ambos desempenham função administrativa e são órgãos centrais,
de estrutura máxima de controle tanto administrativo quanto financeiro e disciplinar, com investidura em todo
o território nacional e, portanto, se encontram muito acima dos Conselhos da Magistratura dos tribunais locais
e regionais e das corregedorias de mesmo âmbito. Por isso é que cabível, por exemplo, que seja um magistrado
aposentado compulsoriamente por determinação do Conselho Nacional de Justiça.

Esses órgãos são agregados às mais altas instâncias tanto do Poder Judiciário quanto do Ministério
Público. O Conselho Nacional de Justiça está submetido tão somente à autoridade do Supremo Tribunal Federal
(único tribunal, portanto, que não se submete às suas determinações, e cujo presidente será também presidente
do Conselho), da mesma forma que o Conselho Nacional do Ministério Público está jungido à autoridade do
Procurador-Geral da República.

Não obstante, porquanto órgãos administrativos e não jurisdicionais, SUAS DECISÕES SÃO PASSÍVEIS
DE QUESTIONAMENTO PERANTE O PODER JUDICIÁRIO. E, diante da importância que recebem, criou-se alínea

para prever que ações movidas contra seus atos serão de competência originária do Supremo Tribunal Federal.
Uma decisão, por exemplo, do Conselho Nacional de Justiça, leia-se, de caráter administrativo, poderá ser
vergastada pelo exercício da função jurisdicional, posto que a lei não excluirá de apreciação do Poder Judiciário
lesão ou ameaça de direito. A alínea, porém, tem sido interpretada restritivamente, apontando a jurisprudência
do Supremo Tribunal Federal no sentido de que esse questionamento se reserva às hipóteses de habeas data,
habeas corpus, mandado de segurança e mandado de injunção, embora inexistente reserva em sua redação.
Nesse sentido, vide:
“CONSELHO NACIONAL DE JUSTIÇA (CNJ) - CAUSAS DE NATUREZA CIVIL CONTRA
ELE INSTAURADAS - A QUESTÃO DAS ATRIBUIÇÕES JURISDICIONAIS ORIGINÁRIAS
DO SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL (CF, ART. 102, I, “ r”) - CARÁTER ESTRITO E
TAXATIVO DO ROL FUNDADO NO ART. 102 DA CONSTITUIÇÃO DA REPÚBLICA -
REGRA DE COMPETÊNCIA QUE NÃO COMPREENDE QUAISQUER LITÍGIOS QUE
ENVOLVAM IMPUGNAÇÃO A DELIBERAÇÕES DO CNJ - RECONHECIMENTO DA
COMPETÊNCIA ORIGINÁRIA DO SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL APENAS
QUANDO SE CUIDAR DE IMPETRAÇÃO de mandado de segurança, de “habeas data”,
de “habeas corpus” (se for o caso) ou de mandado de injunção NAS SITUAÇÕES EM QUE
O CNJ (órgão não personificado definido como simples “parte formal”, investido de mera
“personalidade judiciária” ou de capacidade de ser parte) FOR APONTADO como órgão
coator – LEGITIMAÇÃO PASSIVA “AD CAUSAM” DA UNIÃO FEDERAL NAS DEMAIS
HIPÓTESES, PELO FATO DE AS DELIBERAÇÕES DO CNJ SEREM JURIDICAMENTE
IMPUTÁVEIS À PRÓPRIA UNIÃO FEDERAL, QUE É O ENTE DE DIREITO PÚBLICO EM
CUJA ESTRUTURA INSTITUCIONAL SE ACHA INTEGRADO MENCIONADO
CONSELHO – COMPREENSÃO E INTELIGÊNCIA DA REGRA DE COMPETÊNCIA
DIREITO CONSTITUCIONAL POSITIVO II | PROFESSOR: GUSTAVO SAMPAIO | FEITO POR CAROLINA GALVÃO 105
ORIGINÁRIA INSCRITA NO ART. 102, I, “r”, DA CONSTITUIÇÃO - DOUTRINA -
PRECEDENTES - AÇÃO ORIGINÁRIA NÃO CONHECIDA - RECURSO DE AGRAVO
IMPROVIDO”. (AO 1.706 AgR, Rel. Min. Celso de Mello, julgado em 18/12/2013 - g.n.).

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