Escolar Documentos
Profissional Documentos
Cultura Documentos
2)
Prof. Gustavo Sampaio / Transcrição por Júlia Zorattini
ÍNDICE
● Jurisdição una
● Princípio federativo
● Inércia jurisdicional
● Duplo grau de jurisdição
● Coisa julgada
● Devido processo legal
● Juiz natural
■ Competências originárias
■ Competências ordinárias
■ Competências especiais
● Tribunais Regionais Federais
■ Competências originárias
■ Competências ordinárias
● Juízes federais
● Justiça do Trabalho
● Justiça Eleitoral
● Justiça Militar da União
● Justiça Estadual Comum
● Justiça Militar Estadual
● Ministério Público
● Advocacia Pública
● Advocacia
● Defensoria Pública
● Estado de defesa
● Estado de sítio
● Forças armadas
● Segurança pública
2
PRINCÍPIOS INFORMADORES DO PODER JUDICIÁRIO
Hoje, o direito constitucional se estrutura por meio de princípios. Contudo, é claro
que não são somente eles que compõem a dogmática constitucional; também o fazem as
regras. Aqui, cabe recordar a distinção entre os conceitos de princípios e regras. Em sua
obra "Teoria dos princípios", Humberto Bergman Ávila faz o estudo sinóptico sobre os
principais critérios havidos na doutrina mundial sobre princípios e regras. A
Constituição Federal não os distingue de forma clara; nós precisamos fazê-lo por meio de
uma interpretação conteudística de seu texto, pelo qual estão espraiados.
Alguns princípios foram grafados como cláusulas pétreas por conta de uma das
características-norte da Constituição de 1988: o resgate democrático. No entanto, esse
não foi o primeiro episódio de redemocratização na história brasileira. Esse processo
também se deu na Constituição de 1946, editada ao fim do regime do Estado Novo.
Uma constituição de redemocratização é uma constituição sempre preocupada em
não retornar ao passado. As cartas nacionais de Portugal e Espanha, por exemplo, são
marcadas por garantias e princípios petrificados que pretendem que tais estados não
retornem àqueles períodos de autoritarismo. Essas garantias são capazes de assegurar a
permanência dos direitos fundamentais. Outro exemplo marcante é a Lei
Fundamental de Bonn.
Dentro desse patamar máximo de normatividade, temos ainda um núcleo
essencial, incontornável, das cláusulas pétreas. Vem à tona o art. 60 §4º:
“Art. 60. A Constituição poderá ser emendada mediante proposta: (...)
§ 4º Não será objeto de deliberação a proposta de emenda tendente a
abolir:
I - a forma federativa de Estado;
II - o voto direto, secreto, universal e periódico;
III - a separação dos Poderes;
IV - os direitos e garantias individuais.”
Thomas Jefferson afirmava que "o preço da liberdade é a eterna vigilância". O
constitucionalismo, nesse sentido, é quase uma ideologia, que visa assegurar o progresso
e vedar o retrocesso. Aqui está a natureza garantista das constituições do pós-guerra:
ninguém pode estar acima delas, apenas sob sua égide.
3
A) JURISDIÇÃO UNA
O Poder Judiciário é regido por vários desses princípios petrificados. O mais
importante seria o princípio constitucional da jurisdição una, prevalecente no Brasil
desde 1891. A partir dele, funda-se uma salvaguarda importante para um país
desconfiado de sua Administração Pública. Toda a função jurisdicional do Estado se
concentra em um só Poder.
Não é assim no mundo inteiro. Muitos países no mundo adotam o modelo da
jurisdição dual, muito comum na Europa continental. A França o adota, sendo seu
marco maior. Ali é desempenhada tanto pelo Judiciário, quanto pelo Executivo. A
Administração concentra vários órgãos que visam à resolução de conflitos entre o
indivíduo e o próprio Estado. Por exemplo, conflitos em matéria fiscal, tributária e
administrativo se resolvem em âmbito executivo, pela função jurisdicional a ele
concedida.
O texto constitucional nunca menciona esse termo, porém esse princípio pode ser
deduzido do art. 5º, XXXV:
“XXXV - a lei não excluirá da apreciação do Poder Judiciário lesão ou
ameaça a direito;”
Também pode ser denominado princípio da inafastabilidade do controle
jurisdicional ou da jurisdição. Isso quer dizer que o Poder Judiciário é o único que pode
produzir coisa julgada. Assim, pode-se dizer que o Judiciário pode questionar qualquer
caso de ameaça ou de lesão a direito.
Na França, uma decisão jurisdicional do Poder Executivo, em matéria tributária
ou de contratos administrativos, não poderá ser questionada diante do Judiciário. Essa
decisões podem ser revistas em âmbito recursal pelo Conselho do Estado. Há uma
verdadeira divisão de competências.
Esse princípio é característico de Estados que estão passando por uma
redemocratização, visto que limitam os poderes do Executivo, de onde, via de regra,
partem os regimes autoritários, já que, de acordo com a divisão clássica de Montesquieu,
é ele que tem o monopólio das armas.
4
B) PRINCÍPIO FEDERATIVO
O segundo princípio a ser analisado no âmbito da organização do Poder Judiciário
é o federativo. Curiosamente, quando nós falamos do princípio federativo, somos
remetidos à organização politico-administrativa do Estado brasileiro, sem relação com
a organização do Judiciário. Contudo, é também aplicável a esse meio.
Conforme examinamos no título III da CRFB, nosso federalismo é de trato
tridimensional (Augusto Zimmermann). O federalismo brasileiro, ao contrário do
estadunidense, contempla o município em sua estrutura. Isso se encontra disposto no
caput do art. 1º da Carta Magna:
“Art. 1º A República Federativa do Brasil, formada pela união indissolúvel
dos Estados e Municípios e do Distrito Federal,”
No art. 34, são delimitados os fatores que ensejam a intervenção federal:
“VII - assegurar a observância dos seguintes princípios constitucionais:
a) forma republicana, sistema representativo e regime democrático;
b) direitos da pessoa humana;
c) autonomia municipal;”
A autonomia municipal é um princípio sensível justamente por ser o nosso
federalismo um de três níveis.
A diferença entre Brasil, Estados Unidos e França se encontra na divisão
estrutural. Nesses últimos países, existem municípios. No entanto, não há uma
preocupação por parte das respectivas cartas nacionais a seu respeito. A França nem
mesmo é um estado federal, apesar de ter municípios. No Brasil, eles são previstos na
própria Carta Magna.
Isso traz uma consequência à análise. O Distrito Federal não pode ser considerado
um quarto vetor nessa relação.
Tal fato se dá na divisão vertical (União, Estados, Municípios), diferente da
horizontal, de Montesquieu, que se dá entre os Poderes e dentro da vertical. Em nosso
espectro federativo, não temos Judiciário municipal, apenas nos planos federal e
estadual. As comarcas são divisões estaduais que muitas vezes coincidem com os
5
municípios territorialmente. Portanto, não há juízes ou cortes municipais. A divisão só é
tripartite em âmbito vertical, não no horizontal.
Cada Estado tem seu próprio Judiciário, apesar da jurisdição ser uma só: a da
União. Se formos mais obedientes à Teoria do Estado, não falaremos de jurisdição estatal,
mas competências. O conceito de jurisdição parte da supremacia da União. Fala-se,
portanto, de competência jurisdicional dos Estados. Jurisdição, no Brasil, é
competência do Judiciário para imposição do direito nos conflitos qualificados por
pretensão resistida. A confusão sobre os conceitos de jurisdição e competência são
advindos do Império, quando adotamos a jurisdição dual, inspirados pela França.
C) INÉRCIA JURISDICIONAL
Há também o princípio da inércia jurisdicional, que se associa ao dever de
abstenção de posições do Judiciário. Ele não decide quando escolhe decidir, mas
quando é chamado a fazê-lo. Vai no sentido contrário da indeclinabilidade da
jurisdição, sob a qual o Poder Judiciário tem o dever de prestar justiça. O Pacto de São
José da Costa Rica determina este segundo princípio como fundamental, já que é vedada
a justiça com as próprias mãos, sob pena de violação de direito humano. É, então, um
poder-dever estatal.
A figura da avocatória no período da ditadura tinha o poder de retirar um juízo
da primeira instância para julgá-lo. Em uma democracia, um tribunal só pode julgar um
mérito se tiver competência recursal ou originária.
Não há uma hierarquia dentro do Judiciário, apenas uma divisão de
competências. Isso se mostra pelo fato de que um tribunal não pode modificar uma
decisão judicial, a menos que seja provocado por meio de recurso.
D) DUPLO GRAU DE JURISDIÇÃO
Outro princípio importante é o duplo grau de jurisdição. Diferentemente dos
outros princípios, a CRFB não o traz de forma expressa. No art. 92, são delimitados os
órgãos do Judiciário, entre eles, os tribunais e juízos, que expressam esse duplo grau.
Alguns autores, portanto, afirmam que ele é um princípio implícito e decorrente
do devido processo legal e ampla defesa. É intimamente ligado à dignidade da pessoa
6
humana e ao princípio da falibilidade humana, que é um princípio condutor ao duplo
grau. É a possibilidade de pedir ao Estado que julgue novamente o mérito a fim de se
atingir uma posição de convicção sobre o julgamento feito, já que as decisões são
proferidas por seres humanos e, como tais, os juízes podem falhar. Pode não estar
explícito na Carta Magna, mas o está na Convenção Interamericana de Direitos Humanos
como elemento essencial para a fruição da dignidade humana.
Na teoria geral do recurso, o recurso produz dois efeitos: um suspensivo e um
devolutivo (necessariamente produzido). Hoje, em regra, o recurso não mais suspende a
autoridade da decisão, mas certamente devolve ao Judiciário a capacidade de julgar
aquele mérito. Esse efeito é bastante associado ao duplo grau de jurisdição. É também
virtude da inércia jurisdicional.
De uma maneira geral, o juiz profere uma decisão, e, em grau de recurso, o
tribunal examina a matéria em colegiado, não de forma monocrática. Cada tribunal tem
seu regimento interno que determina sua organização interna.
Um recurso de apelação será julgado por, a título de exemplo, três dos cinco
desembargadores do tribunal. A decisão proferida por um colégio é denominada
acórdão. A sentença é a decisão que põe termo à controvérsia.
Os juizados especiais foram implementados nos anos 90 e retiraram dos
tribunais a competência recursal. Os recursos advindos dos juizados especiais nunca
serão encaminhados aos tribunais. Para isso, foi criado o sistema das turmas recursais,
uma turma de juízes de primeira instância que integram uma comissão para julgar os
recursos advindos dos juizados, a fim de desafogar os tribunais de segunda instância e
assegurar o duplo grau de jurisdição neste âmbito.
E) COISA JULGADA
Temos também o princípio da coisa julgada, que se forma pela
irrecorribilidade, buscando uma maior segurança jurídica. Dessa forma, limitam-se os
graus da jurisdição. Dá-se estabilidade à relação jurídico-processual.
7
F) DEVIDO PROCESSO LEGAL
O princípio do devido processo legal, advindo da quinta e décima quarta
emendas da constituição americana, orienta a necessidade do juiz julgar dentro dos
moldes estabelecidos pelo legislador. Está expresso pelo art. 5º, LIV:
“LIV - ninguém será privado da liberdade ou de seus bens sem o devido
processo legal;”
G) JUIZ NATURAL
O princípio do juiz natural parte da premissa de que ninguém escolhe o órgão
jurisdicional. Sua competência é previamente estabelecida pelo ordenamento jurídico,
legitimamente constituído. É uma das cercanias mais importantes na análise da
observância do devido processo legal, ainda que a distribuição seja feita
eletronicamente.
Há várias varas com a mesma competência. Numa hipótese de ação de
responsabilidade civil com foro central na comarca de Niterói, a competência será
definida pelo sorteio eletrônico, pois há várias varas com a mesma competência. O
princípio do juiz natural está preservado devido à definição do juízo pelo ordenamento
jurídico, e não pelas partes ou pelo juiz.
Há competências em razão da matéria versada na prestação jurisdicional, como
a justiça do trabalho, que versa a respeito dos conflitos relacionados ao trabalho; em
razão da pessoa (competências criminais determinadas pelo foro especial); em razão do
lugar (crime ocorrido em Niterói); em razão do valor (juizado especial).
Existe um mosaico de mecanismos de determinação de competência que,
somados, permitem a localização do órgão competente para julgamento do mérito, o que
garante o princípio do juiz natural, já que a competência foi previamente determinada
pelo ordenamento jurídico, algo que não é restrito à Constituição Federal, mas extensível
às leis e aos regimentos internos (princípio do autogoverno da magistratura - o próprio
tribunal determina a distribuição de competências dentro do tribunal).
Por exemplo, o TJRJ tem 27 câmaras cíveis e tinha determinado, em seu regimento
interno, que da 23ª a 27ª, a competência cível se restringiria à matéria consumerista.
8
Depois, essa norma foi revogada e a competência restituída para as demais câmaras. Isso
coincide tanto com o princípio do juiz natural, quanto com o do autogoverno da
magistratura.
O princípio do juiz natural é uma das colunas de sustentação do estado
democrático de direito, dado que se desviar dele significa uma inclinação ao
autoritarismo.
As causas de conexão e continência são institutos que justificam a dimensão
aplicativa do juiz natural. Digamos que uma causa seja distribuída para a mesma vara
que uma outra, conexa a ela. Nem por isso o juiz natural está sendo violado, visto que há
previsão pelo ordenamento. No caso, pelo art. 54, §1º do Código de Processo Civil:
§1º Os processos de ações conexas serão reunidos para decisão conjunta,
salvo se um deles já houver sido sentenciado.”
Por exemplo, o caso de prevenção de câmara. A 4ª vara cível de Niterói julgou um
determinado processo judicial. Se houver irresignação da parte em relação à sentença,
que encaminha a matéria ao tribunal de apelação. Digamos que a causa tenha sido
distribuída à 8ª câmara do TJRJ. Certamente, aquele recurso terá sido distribuído
eletronicamente. Se no curso do processo, atacando uma decisão interlocutória, for
interposto um agravo de instrumento, distribuído a essa mesma 8ª câmara e por ela
julgado e proferido o acórdão e, em seguida, remetido de volta à 4ª vara cível. Se isso
ocorrer novamente, o agravo irá, necessariamente, enviado à 8ª câmara cível, pois esta
está preventa para julgar esse mérito, por já ter julgado o agravo anterior, a câmara já
adquiriu conhecimento sobre o caso em questão. A apelação cível da sentença
eventualmente proferida também seria enviada à 8ª câmara cível.
Hoje, o órgão competente para julgar deputado federal que tenha cometido crime
comum é o STF. Isso também é conforme o princípio em questão, visto que há previsão
legal (art. 102, I, b) . Ninguém será processado e julgado, senão pela autoridade
competente.
9
ESTRUTURA ORGANIZACIONAL DO PODER JUDICIÁRIO
O Poder Judiciário está dividido em dois grandes ramos: a Justiça Comum e a
Justiça Especializada. O Judiciário é uno, portanto, esta é apenas uma divisão orgânica.
Quando falamos da Justiça Especializada, já remetemos a uma divisão por matéria.
Essa repartição não se exaure aí. A Justiça Comum se divide em dois grandes
ramos: Estadual e Federal. Cada Estado tem “seu próprio Judiciário”, como verificamos
na análise do princípio federativo. Em primeira instância, integram a Justiça Estadual
os juízes de direito. Na Federal, também em primeira instância, os juízes federais. A
Justiça Especializada traz as Justiças do Trabalho, Eleitoral e Militar. Cabe lembrar que
não existe Judiciário em âmbito municipal, apenas nas esferas Federal e Estadual.
A quais ramos do governo pertencem as espécies da Justiça Especializada? Quase
toda é integrante da esfera da União Federal, salvo a Justiça Militar, que existe tanto na
esfera da União, quanto dos Estados.
Há duas instâncias ordinárias. Segundo a classificação de Pontes de Miranda, o
recurso dirigido da vara à 2ª instância é ordinário, pois é de livre motivação, ou seja,
baseia-se na mera irresignação da parte.
Na pirâmide do Judiciário, há as varas (1ª instância), os tribunais de apelação (2ª
instância), os tribunais superiores (STJ, TST, TSE e STM) e o STF (tribunal de cúpula do
Brasil).
A.1) JUSTIÇA ESTADUAL - 1ª INSTÂNCIA
Em âmbito estadual, a primeira instância é preponderantemente monocrática,
a segunda, colegiada. Há exceções. Por isso falamos com frequência que na 1ª instância
teremos como personagens centrais as varas e os juízes de direito.
O Estado do Rio de Janeiro é uma pessoa jurídica, assim como o são a União e o
município, visto que o Brasil é uma federação tridimensional. As competências confiadas
a essas pessoas se dividem por meio de órgãos, núcleos de manifestação do poder
estatal. Dessa forma, cada um dos Poderes é um órgão, que pode se dividir em outros
órgãos (teoria do órgão, em Direito Administrativo). Para conhecer cada tribunal, é
10
preciso verificar seus regimentos internos.
A complexidade organizacional do tribunal nada tem a ver com sua importância.
O STF, por exemplo, é um tribunal de baixa complexidade estrutural por conter apenas
onze juízes.
Territorialmente, a Justiça Estadual se divide em comarcas.
A vara é um órgão jurisdicional, já que diz o direito ao caso concreto. Há outra
divisão importante no Judiciário que diz respeito ao número de magistrados:
essencialmente monocráticos (a jurisdição emana de um só magistrado) ou
essencialmente colegiados (ao menos três juízes). A vara, portanto, é um órgão
jurisdicional monocrático. O fato de uma vara ter dois ou três juízes não faz dela
colegiada. Isso se dá pela explosão de litigiosidade, que traduz a necessidade de mais de
um juiz para divisão dos trabalhos. A sentença, em primeira instância, será dada por um
só juiz, de qualquer forma.
Como exemplo de exceção, temos um recurso especial interposto em ataque a
um acórdão da 8ª câmara cível, que, antes de subir ao STJ, passa por um juízo de
admissibilidade no próprio tribunal de justiça, para evitar que recursos que não
preencham seus requisitos passem adiante. No Rio de Janeiro, o órgão que faz o juízo
dessa procedência é a 3ª vice-presidência do Tribunal de Justiça, que é monocrática.
Contudo, não é possível definir a natureza jurídica da vara lato sensu como um
órgão jurisdicional monocrático da justiça do Estado, visto que, por exemplo, os órgãos
de primeira instância na Justiça do Trabalho também são varas, e nem por isso são
estaduais. Vara é órgão jurisdicional monocrático de primeira instância. Não é tribunal
de apelação, nem tribunal superior.
O cargo de juiz de direito é cargo estadual de primeira instância.
A organização judiciária se tornou mais complexa com o advento dos juizados
especiais cíveis e criminais (lei 9.099/95), cuja jurisdição também é prestada por juízes
de direito. Esses órgãos têm uma natureza jurídica mais complexa, visto que visam a
desafogar tanto a primeira instância, como os tribunais de apelação e, assim, concentram
em si tanto o primeiro grau da jurisdição, quanto o segundo. Dessa forma, concentra-se o
duplo grau de jurisdição na primeira instância. É um órgão jurisdicional monocrático de
primeiro grau de primeira instância.
11
A título de exemplo, num caso em que houver alguma ação consumerista de
particular contra companhia telefônica, a sentença será proferida igualmente por um
juiz de direito de forma monocrática, caso não haja conciliação. Se houver recurso, ele
será remetido às turmas recursais, órgãos colegiados dentro da primeira instância.
Até a década de 90, existiam os tribunais de alçada. A Constituição Federal
permitia a sua criação pelos Estados-membros. Cada Estado tem um tribunal de justiça,
mas o Rio de Janeiro tinha dois tribunais de alçada. Eles foram extintos em 1997 e,
nacionalmente, com a Emenda Constitucional nº 95/04.
Aqui, no Estado do Rio de Janeiro, havia uma divisão de competências: os
recursos relacionados às causas cíveis de menor valor, não iam aos tribunais de justiça,
mas aos de alçada. O mesmo ocorria com os crimes de menor teor de ofensividade. A
diferença entre eles e as turmas recursais é que os tribunais de alçada eram, de fato,
tribunais. Assim, o Superior Tribunal de Justiça teria competência para julgar os
recursos especiais dali advindos. A decisão da turma recursal transita em julgado, não
cabendo recurso ao STJ.
III - julgar, em recurso especial, as causas decididas, em única ou última
instância, pelos Tribunais Regionais Federais ou pelos tribunais dos
Estados, do Distrito Federal e Territórios, quando a decisão recorrida: (...)”
O segundo ramo da justiça comum é a Justiça Federal, encabeçada pelos juízes
federais na 1ª instância.
Na Justiça Federal Comum, não há apenas as varas federais (órgãos jurisdicionais
monocráticos de 1ª instância), mas também os juizados federais especiais. O legislador
especial, depois de anos de experiências com os juizados especiais em âmbito estadual,
instituiu-os também na esfera federal com a lei 10.259/2001, que estabelece seu regime.
Portanto, os juizados especiais hão de ser considerados como uma exceção à
12
monocraticidade característica da primeira instância tanto na Justiça Estadual, quanto
na Federal.
As varas federais estão para a Justiça Federal, assim como as varas estaduais estão
para a Justiça Estadual. No ponto de vista da organização territorial, os ramos da
Justiça Federal se dividem em seções judiciárias. O aproveitamento da cartografia
nacional pela Constituição Federal dita que cada Estado da Federação corresponderá a
uma seção judiciária federal. Dessa forma, temos 27 seções judiciárias federais. Isso se dá
para facilitar a divisão administrativa dos trabalhos.
Contudo, a normativa infraconstitucional determina a possibilidade de divisão
dessas seções em subseções judiciárias federais, que se aproximam mais das comarcas.
É a divisão mínima de competência territorial da prestação jurisdicional na justiça
comum federal de primeira instância. Elas também podem coincidir com a comarca.
O número de juízes federais é muito menor que o número de juízes de direito, o
que leva à conclusão de que existem muito menos subseções judiciárias do que
comarcas.
A interiorização da Justiça Federal é um processo relativamente novo, instituído
pela CF/88. A capital nunca é subseção judiciária, mas sede da seção judiciária. As
divisões são feitas pelo influxo de demanda da prestação jurisdicional federal, não pela
densidade populacional.
Por exemplo, o estado do Mato Grosso corresponde a uma seção judiciária. Uma
de suas cidades, Sinop, tornou-se sede de uma vara federal. Cada subseção judiciária
federal no Mato Grosso, corresponde a mais do que o território da seção judiciária do Rio
de Janeiro, em área territorial. Percebe-se aqui a dificuldade de deslocamento para a
prestação jurisdicional e o óbice que a baixa interiorização representa.
A Justiça Federal se dedica a tratar de questões em que a União, as entidades
autárquicas federais ou as empresas públicas federais sejam rés, autoras, assistentes
ou oponentes. Assim, por exemplo, ações relacionadas à União, à UFF (autarquia federal)
ou à Caixa Econômica Federal (empresa pública federal) são de competência da Justiça
Federal.
O Rio de Janeiro pode não ser mais a capital, mas várias entidades importantes à
13
Federação continuam sediadas aqui, como o Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais
(INPE), o que traduz uma demanda judicial muito mais elevada. Por isso, a organização
judiciária se diferencia de um lugar para o outro.
Como já dito, de modo geral, a primeira instância é monocrática, não colegiada,
mas existem exceções. Na Justiça Estadual, temos as turmas recursais dos juizados
especiais, o que se repete em âmbito federal em obediência ao princípio do duplo grau de
jurisdição.
Ademais, há também o tribunal do júri, que, a rigor, é presidido por um juiz de
direito. Ele se divide em duas fases: no sumarial de culpa, é essencialmente monocrático,
pois aqui não estão presentes os jurados, apenas o juiz, que coleta as provas e
testemunhos. Já na segunda fase, o corpo de jurados é convocado e formado por juízes de
fato. Dessa forma, é uma fase colegiada. Para chegar a essa fase, o juiz precisa
pronunciar sentença.
Existe o tribunal do júri na Justiça Federal? Ou ele é uma figura presente apenas
na Justiça Estadual?
“XXXVIII - é reconhecida a instituição do júri, com a organização que lhe
der a lei, assegurados:
d) a competência para o julgamento dos crimes dolosos contra a vida;”
14
em primeira instância. Esses órgãos são relativamente recentes. Anteriormente, havia as
juntas de conciliação e julgamento, constituída por três juízes (órgão colegiado). Nos
anos 90, essas juntas foram convertidas em órgãos monocráticos de jurisdição, decisão
essa motivada pelas tendências neoliberais da época. Com o fim das juntas do trabalho,
tornou-se o ramo mais similar à Justiça Comum.
A Justiça do Trabalho no Brasil foi inaugurada por Vargas, sob a égide da
autoritária Constituição de 1937, que curiosamente inaugurou institutos de bem-estar
social, como a Lei de Introdução ao Código Civil, a Consolidação das Leis do Trabalho e o
Código Penal.
O modelo colegiado tinha uma razão de ser: o processo do trabalho é um campo
de embate entre os dois atores do capitalismo, o capital e o trabalho. Portanto, o
Estado-Juiz deve presidir a resolução desses conflitos. Havia um juiz togado e dois juízes
classistas, eleitos por sindicatos (um empregado e outro empregador).
A.4) JUSTIÇA ELEITORAL - 1ª INSTÂNCIA
Na Justiça Eleitoral, em primeira instância, temos as zonas eleitorais. A Justiça
Eleitoral integra a esfera da União.
Há também a junta eleitoral, órgão que o cidadão comum busca para tirar seu
título de eleitor e renová-lo, além de regularizar sua situação eleitoral.
O Código Eleitoral vigente ainda é o de 1965 e trata da junta eleitoral como um
órgão colegiado. Contudo, não é uma exceção à monocraticidade da primeira instância.
Os tribunais do júri e as turmas recursais exercem função jurisdicional. As juntas
exercem função administrativa. Os Poderes têm funções típicas e atípicas. Esta é uma
das atípicas, consoante ao autogoverno da magistratura. Os Poderes precisam se
autoadministrar. É um ramo da justiça que tem uma carga administrativa muito grande,
já que todo o processo eleitoral é monitorado pelo Judiciário. Em muitos outros países, é
de incubência do Executivo.
Na junta eleitoral, há apenas um juiz togado, que a preside. Os demais membros
são cidadãos de notória idoneidade (art. 36, do CE). As medidas jurisdicionais serão
15
prestadas pelo magistrado. Do ponto de vista jurisdicional, portanto, ela é monocrática.
A Justiça Eleitoral, como ramo da Justiça Especializada, tem suas características
próprias. Como exemplo disso, temos a ausência de vitaliciedade no corpo de juízes. É
uma prerrogativa da magistratura nacional (art. 95, I), ainda que essa garantia não seja
uma regra absoluta no Poder Judiciário. Ninguém adquire vitaliciedade na função
judicante eleitoral, seja como juiz eleitoral, seja como desembargador eleitoral, seja como
ministro do Tribunal Superior Eleitoral. É uma função, por excelência, temporária.
Muito se discute no âmbito da ciência política a permanência dessa característica.
Dentre os fatores positivos que contribuem para a sua manutenção estão: segurança,
estabilidade; independência funcional; autoridade para que o magistrado decida sem
estar preso aos finais e inícios de períodos de mandato, ou que tenha que prestar
satisfações ao púlpito eleitoral.
É o único ramo da justiça brasileira que não tem um corpo de juízes próprio. Há
um modelo de aproveitamento egresso de outros ramos do Judiciário. O modelo de
direito eleitoral foi criado com o Código Eleitoral em 1932, que, inclusive, inaugurou o
sufrágio universal entre nós.
Os magistrados que prestam jurisdição nesse ramo não se originam nele. O juiz
eleitoral é, originariamente, juiz de direito. São, então, necessariamente juízes de
primeira instância da Justiça Estadual em cúmulo funcional, que acumulam a
judicatura eleitoral.
Enquanto no exercício da judicatura eleitoral, o juiz de direito assina como juiz
eleitoral. É magistrado de justiça especializada da União no exercício de competência
federal.
De um ponto de vista histórico, o volume de trabalho aumenta nos períodos
pré-eleitorais, eleitorais e pós-eleitorais. Não falamos aqui de sazonalidade. A Justiça
Eleitoral não funciona apenas nesse interregno. A função jurisdicional, assim como o
Estado, opera de forma ininterrupta.
Pela natureza de funcionalidade da democracia, a Justiça Eleitoral é mais célere e
conta com prazos abreviados quando comparados aos dos demais ramos. Por essa razão,
além do dispêndio orçamentário, não se viu como necessária a criação de um ramo
16
autônomo, com uma carreira autônoma.
A AJUFE (Associação dos Juízes Federais do Brasil) defende que a acumulação de
funções seja concedida aos juízes federais, não aos juízes de direito.
A Justiça Estadual é mais consolidada que a Federal, o que tem uma razão
histórica de ser: a primeira instância da Justiça Federal foi suspensa por Vargas e só
restituída durante a ditadura, em 1966. A sua força expansiva só se deu a partir da CF/88.
Daí a manutenção dos juízes de direito como os juízes eleitorais. Além disso, a Justiça
Estadual tem seu corpo funcional mais extenso que o da Federal.
A.5) JUSTIÇA MILITAR - 1ª INSTÂNCIA
O sistema penal militar foi instituído pelo Decreto Lei 1.001/69, que define os
crimes militares. Assim como o Código Penal, foi recepcionado pela CF/88. Possui
legislação própria devido às especificidades da vida na caserna, que revolvem em
torno do binômio hierarquia e disciplina.
O Supremo Tribunal Militar foi criado por um alvará de Dom João VI, que trouxe
consigo a Justiça Militar para o Brasil em 1808. Criou também a figura do escabinato, um
modelo misto que trazia um juiz togado e quatro militares do quadro ativo e antecessor
dos conselhos de justiça militar.
A Justiça Militar existe nas esferas federal e estadual, diferentemente dos
demais ramos da justiça especializada. Isso se dá pelo fato de que o Brasil adota um
modelo estatutário militar em que o patrulhamento ostensivo é militar. Na Argentina,
por exemplo, esse tipo de função é concedida à polícia civil.
Adotamos cinco forças militares: as forças armadas, da União (marinha, exército e
aeronáutica) e as forças auxiliares do Exército Brasileiro (polícia militar e corpos de
bombeiros).
Se temos cinco forças militares brasileiras, três federais e duas estaduais, devemos
ter, igualmente, tribunais federais e estaduais para julgar as causas pertinentes às
Forças. Daí a necessidade de uma Justiça Militar estadual e uma federal.
17
Na primeira instância, temos colégios: os conselhos de justiça militar. São
órgãos jurisdicionais stricto sensu, ao contrário das juntas eleitorais. Têm competência
para processar e julgar crimes militares. A divisão territorial se dá em circunscrições
judiciárias militares.
Aos militares, a judicatura militar não é um cargo vitalício, mas o é para o juiz
civil concursado: o juiz auditor militar. Os militares compositores do colégio serão
membros dos respectivos ramos das forças militares.
B.1) JUSTIÇA ESTADUAL - 2ª INSTÂNCIA
Sob o trato da Emenda Constitucional nº 45/04, que extinguiu os tribunais de
alçada no Direito Brasileiro, temos, na segunda instância da Justiça Estadual os
Tribunais de Justiça.
Como já mencionado, alguns estados, como o Rio de Janeiro, já haviam extinto
esses tribunais em 1997 nos âmbitos cível e criminal. Contudo, em São Paulo,
perduraram até a promulgação da emenda supracitada. Nesses dois estados, houve uma
concentração maior de juízes nos Tribunais de Justiça.
Havia entes da Federação que nunca tiveram tribunais de alçada, como o
Tocantins. Isso mostra que, no ponto de vista material, há um flagrante descompasso
entre os estados. Nosso federalismo é substancialmente assimétrico.
O tribunal não se confunde com a primeira instância. Os regimes de instância
estão delimitados na lei de organização e divisão judiciárias do estado, que é decisão
da Assembleia Legislativa do estado. Aqui no Rio de Janeiro, vige a lei nº 6.956/2015. Os
regimentos internos ficam a encargo do próprio tribunal. Na Alemanha, os regimentos
passam também pelo crivo do Legislativo.
A composição interna dos tribunais perpassa o princípio do autogoverno da
magistratura, ou seja, é determinado pelo regimento interno de cada um deles. O TJRJ é
um tribunal altamente complexo, não necessariamente a nível político e social, mas pelo
ponto de vista regimental. Nesse sentido, é mais complexo que o STF. As competências
de câmaras e grupos de câmaras são disciplinadas pelo regimento interno.
18
A Constituição Federal também intervém no âmbito das estruturas dos tribunais,
como por exemplo, as decisões sobre controle de constitucionalidade serão dadas pelo
plenário, conforme dita o princípio da reserva de plenário. Nesse caso, o regimento
interno não tem como legislar de forma distinta.
“Art. 97. Somente pelo voto da maioria absoluta de seus membros ou dos
membros do respectivo órgão especial poderão os tribunais declarar a
inconstitucionalidade de lei ou ato normativo do Poder Público.”
No entanto, a Constituição relativiza esse princípio ao permitir que sejam criados
órgãos especiais quando o tribunal tiver mais de 25 membros, medida não obrigatória
e, portanto, suscetível à discricionariedade de cada tribunal. Esse órgão poderá exercer
competências típicas do pleno.
As decisões que, obrigatoriamente, devem ser levadas ao plenário são: a
representação de inconstitucionalidade (ADIn perante a Constituição Estadual),
nomeação do presidente, eleição do vice-presidente (competências administrativas),
formação de lista tríplice, eleição do quinto constitucional, etc.
Os desembargadores do órgão especial são também desembargadores das
câmaras. Dessa forma, o desembargador que cumula funções perde 1/3 das relatorias da
câmara como forma de compensação.
Participar do órgão especial não é uma função obrigatoriamente vitalícia. O
presidente do órgão especial é o presidente do Tribunal de Justiça, eleito para um
mandato de dois anos. Temos também um primeiro, um segundo e um terceiro
vice-presidentes com divisão de competências, em virtude do grau de complexidade do
tribunal.
O juízo de admissibilidade de Recurso Especial, por exemplo, passa pelo crivo
do próprio Tribunal de Justiça, do terceiro vice-presidente. Se um recurso é proposto
perante um acórdão da oitava câmara cível do TJRJ, ele passa pelo juízo de
admissibilidade do terceiro vice-presidente do Tribunal, para, depois, ser enviado ao STJ.
19
B.2) JUSTIÇA FEDERAL - 2ª INSTÂNCIA
Na Justiça Federal, temos os Tribunais Regionais Federais na segunda instância.
No Ato das Disposições Constitucionais Transitórias, foram estabelecidos cinco
tribunais regionais federais. A Emenda Constitucional nº 73 visava aumentar esse
número para nove. Contudo, essa emenda passou por controle de constitucionalidade e
sofreu uma liminar de eficácia suspensiva. Portanto, ainda temos apenas cinco TRFs.
Cada região agrupa um número de seções judiciais. No Rio de Janeiro, estamos sob o
domínio do TRF da segunda região.
Anteriormente, havia apenas um tribunal centralizado de segunda instância na
justiça federal comum, o Tribunal Federal de Recursos, que foi extinto. Era composto
de ministros e tinha competência sobre todo o território nacional. Ele não se
transformou no STJ, pois apresenta competências distintas, mesmo que o corpo de
ministros tenha sido reaproveitado na primeira iteração do Superior Tribunal.
Nós temos, também, as seções especializadas, cujas competências são
determinadas pelo regimento interno. No TRF da 2ª região, essa escolha foi feita em
razão da matéria.
B.3) JUSTIÇA DO TRABALHO - 2ª INSTÂNCIA
Entramos agora na segunda instância da Justiça Especializada. A iniciar pela
Justiça do Trabalho, temos os Tribunais Regionais do Trabalho. É importante lembrar
que estes são órgãos federais, e como tal, não se dividem, forçosamente pelos estados.
Podem se dividir dessa forma apenas como forma de aproveitamento cartográfico. A
União é um Poder, o Estado é outra unidade de Poder. Não há um atrelamento
institucional.
Todos os órgãos da Justiça do Trabalho são órgãos federais. Ela se divide em 24
regiões e é integrada por desembargadores do trabalho. A diferença fundamental que
há entre a Justiça do Trabalho e a Justiça Federal Comum é que cada tribunal regional
federal acaba agrupando um número muito maior de seções judiciárias federais. A
maioria dos TRTs presta jurisdição a uma área que equivale a apenas uma região, mas há
exceções, visto que há 24 tribunais regionais do trabalho e 27 estados.
20
Por que 24 TRTs e apenas 5 TRFs? O volume de processos na segunda instância
da Justiça do Trabalho é muito maior, além da natureza dos seus processos colocarem
em contraponto as duas faces da produção capitalista, que traduz uma fragilidade do
trabalhador que estabelece uma necessidade de proximidade com o juízo trabalhista de
segunda instância como uma questão de acesso à justiça. É uma característica do estado
de bem-estar social a tutela do trabalhador, que orientou o legislador na criação de um
número maior de TRTs.
O ordenamento constitucional brasileiro de 1988 estabelecia que cada estado
membro da federação seria sede de um Tribunal Regional do Trabalho, disposição que se
mostrou pouco efetiva. Por exemplo, Roraima e Acre não eram sedes e não se conseguia
orçamento para implementá-los nessas regiões. Até que o legislador constituinte
derivado pôs fim a essa obrigação.
O único estado que se tornou sede de mais de um TRT é São Paulo. São Paulo é
sede do TRT da 2ª região, sediado na capital. É o estado com a maior densidade
industrial do país, então a demanda trabalhista é muito grande. Dessa forma, criou-se
outro tribunal sediado em Campinas (15ª região), que divide, territorialmente, o
equivalente ao estado de São Paulo com o TRT da 2ª região.
Houve um projeto da advocacia fluminense sobre instituir um TRT em Niterói,
que não vingou. Faz-se essa demanda devido ao volume de demandas pelo serviço
judiciário do trabalho muito acentuado.
Esses tribunais regionais são organizados por seus regimentos internos.
Costumam também haver sessões de dissídios individuais e sessões de dissídios coletivos.
B.4) JUSTIÇA ELEITORAL - 2ª INSTÂNCIA
A Justiça Eleitoral em segunda instância se constitui pelos Tribunais Regionais
Eleitorais.
É integralmente Federal, então, em tese, não há qualquer vinculação a
estado-membro da federação. No entanto, há 27 TREs. Há uma razão que vincula a
Justiça Eleitoral aos estados, decorrente do sistema eleitoral brasileiro. Cada
21
estado-membro é uma circunscrição eleitoral para a escolha de uma série de mandatos
eletivos, visto que aqui não temos o voto distrital.
Temos, aqui, um federalismo tridimensional. Então, temos, basicamente, três
circunscrições eleitorais: União, Estado e Município. O Distrito Federal seria uma quarta.
Cada estado, portanto, pode ser sede de apenas um tribunal regional eleitoral. O limite de
competência territorial de um TRE é o estado onde está sediado ou o Distrito Federal.
A CF/88 estabelece que cada TRE será composto de sete magistrados titulares e
sete suplentes. A Justiça Eleitoral não dispõe de um quadro próprio e vitalício. Portanto,
é diferente da primeira instância, visto que, nesta, são juízes estaduais em cúmulo
funcional nas zonas eleitorais e, em segunda instância, dois são desembargadores do
Tribunal de Justiça daquele estado, que permanecem no TSE por dois anos. A
Constituição prevê a possibilidade de uma recondução por mais dois anos. Isso depende
do mesmo processo eleitoral interno. Outras duas vagas são ocupadas por juízes de
direito daquele estado. Isso se deve ao crescimento expressivo dos tribunais, a fim de
que não haja um número muito grande de desembargadores estaduais em cúmulo
funcional.
A Carta Magna determina que uma dessas vagas será destinada a um
desembargador federal em cúmulo funcional. Contudo, 22 estados na Federação não
são sede de Tribunal Regional Federal. A solução dada pela carta magna é que integrará
o TRE no lugar do desembargador federal um juiz federal de primeira instância da
seção judiciária, se o estado não for sede de TRF.
Estabelece, ainda, que, para além desses cinco, há dois assentos reservados a
advogados, para os quais temos critérios de lista tríplice. No entanto, aqui não falamos
do quinto constitucional stricto sensu, mas em sentido amplo. Esse instituto é para
provimento de cargos vitalícios, o que não é uma característica da Justiça Eleitoral. A
lista tríplice é formada pelo Tribunal de Justiça, mas a escolha é feita pelo presidente da
República, pois o tribunal eleitoral é Federal. Na Justiça do Estado, é o governador quem
faz essa escolha.
As mesmas regras se reproduzem na suplência e todos terão dois anos de
investidura.
A presidência do TRE é reservada a um dos desembargadores do tribunal de
22
justiça do estado. Ou seja, quem já está em cúmulo funcional não pode exercer o cargo. É
uma forma de freio e contrapeso imbuída nas esferas dos poderes. O mesmo ocorre com
o vice-presidente, que acumula a função de corregedor regional.
Os tribunais regionais eleitorais não se fracionam em colégios ou turmas, só se
reúnem em plenário. Por isso, é o único ramo de Justiça em que há a figura do
desembargador substituto, para que seja possível a deliberação em plenário.
B.5) JUSTIÇA MILITAR - 2ª INSTÂNCIA
A Justiça Militar, em segunda instância, diverge dos outros ramos da justiça
especializada por dividir-se tanto na esfera estadual, quanto na federal.
No âmbito da União, a CF/88 estabeleceu uma cláusula que permitia ao poder
legislativo da União criar os tribunais regionais militares, o que não foi feito até hoje.
O Superior Tribunal Militar, a rigor, é um tribunal superior, mas por falta de
Tribunal Regional Militar, na Justiça Militar da União, ele funciona como instância
ordinária recursal de duplo grau de jurisdição nos julgamentos dos conselhos militares
federais. Contudo, não julgará recurso interposto de decisão da Justiça Militar do Estado.
Portanto, na esfera estadual, é possível recorrer ao Tribunal de Justiça Militar,
caso o estado em questão o tenha instituído, ou ao Tribunal de Justiça. Para poder optar
pela instituição o TJM, o estado deverá preencher uma condição constitucional: as forças
militares estaduais devem superar 20 mil integrantes. O Rio de Janeiro, por exemplo, não
fez essa escolha. Apenas três estados na federação têm TJM: Rio Grande do Sul, São Paulo
e Minas Gerais.
C) TRIBUNAIS SUPERIORES
Os tribunais superiores são o terceiro pavimento do Poder Judiciário, mas não
traduzem um terceiro grau de jurisdição, como Figueiredo Teixeira afirma. São um
grau especial, extraordinário da jurisdição.
23
C.1) SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA
O STJ é a instância extraordinária para a Justiça Comum. É considerado o
segundo tribunal mais destacado do país.
É composto por pelo menos 33 ministros, ainda que não tenha superado este
número desde sua instituição pela CF/88. É dividido pelo seu regimento interno,
conforme garantido pelo princípio do autogoverno da magistratura. São seis turmas
divididas por matéria. A 1ª e 2ª turmas tratam do direito público não criminal. Já as 3ª e
4ª têm por encargo o direito privado. Por fim, as 5ª e 6ª estão reservadas à matéria
criminal.
É dividido, ademais, em três seções. A primeira se constitui do somatório dos
ministros da primeira e segunda turmas; a segunda, do somatório dos da terceira e
quarta; a terceira, do somatório dos da quinta e sexta.
Por ser composto de mais de 25 ministros, a Constituição autoriza a criação de
órgão especial - a corte especial, que tem competências próprias definidas pelo
regimento interno.
Os cargos são vitalícios. Há eleições bienais para presidente, vice-presidente e
corregedor-geral, responsável pelas questões de funcionalidade administrativa da
corte.É corregedor-geral, pois cada tribunal da segunda instância da Justiça Comum
Federal elege, de dois em dois anos, um desembargador para ser seu corregedor
regional. Isso indica que o STJ é o órgão superior da Justiça Federal brasileira. Contudo, o
corregedor regional não se juge ao corregedor-geral pelo próprio princípio federativo.
O regimento interno não prevê a reeleição do presidente. Há uma tradição nos
tribunais de que quem será presidente é um ministro que nunca foi, então há grande
rotatividade neste cargo.
Há três terços de origem reservada: um deles se origina do quadro dos
desembargadores dos Tribunais de Justiça dos estados; outro, do quadro dos
desembargadores dos Tribunais Regionais Federais; o último, da advocacia e
Ministério Público. Aqui não falamos de cúmulo funcional. O STJ é um tribunal
provedor da manutenção da estabilidade do direito federal, então se reserva um terço,
ao invés de um quinto.
24
O quinto constitucional dos advogados e do Ministério Público consiste na
previsão constitucional de que um quinto das vagas nos tribunais de desembargadores
deve ser reservado para o quadro da advocacia e do Ministério Público. Prevê, ainda, um
critério de alternância entre antiguidade e merecimento na promoção do juiz a
desembargador.
O processo de chegada à desembargadoria por meio do quinto constitucional é
imbuído pelo sistema de freios e contrapesos. Este não se dá apenas no intercâmbio
entre os Poderes, mas também nas esferas de governo e em seus órgãos internos.
Quando há vacância, verifica-se a origem da vaga, que indicará a que órgão cabe
o início do processo. Se for oriunda de uma vaga ocupada por antigo membro do
Ministério Público, caberá ao parquet dar início ao processo de lista para a escolha de
novo desembargador. Deverá elaborar uma lista de seis nomes (lista sêxtupla), para a
qual promotores e procuradores se habilitarão. Essa lista é encaminhada ao plenário do
Tribunal de Justiça do estado, que votará e elaborará uma lista tríplice com os três mais
votados, que será encaminhada ao governador do estado, que escolherá o
desembargador de forma discricionária. É um modo de ventilação da jurisprudência
criado pela CF/88.
Em caso de vaga oriunda do quadro de advogados, o Tribunal de Justiça deverá
oficiar a OAB. O presidente do conselho seccional publica um edital anunciando a
vacância no décimo constitucional dos advogados, para que os interessados se
apresentem. Há requisitos constitucionais para essa candidatura, como a verificação de
dez anos contínuos e ininterruptos de exercício da advocacia, comprovados por meio de
atos privativos de advogados. Nomeia-se uma comissão no conselho, que verifica o
preenchimento dos requisitos. Os convocados deverão ir em sabatina ao conselho
seccional, por meio da qual o conselho faz uma votação e chega a uma lista sêxtupla. O
presidente do conselho seccional encaminha um ofício ao Tribunal de Justiça, ao qual a
lista sêxtupla é encaminhada e se faz uma votação, e chega-se a lista tríplice. Daí, é
encaminhado ao governador, que o nomeia.
A Constituição determina que o quinto constitucional deve ser observado.
Portanto, muitas vezes, ele é superado. Por exemplo, no TRF da 2ª região, há 27
desembargadores, então seu quinto constitucional corresponde a 6 deles, pois 5 estaria
abaixo do quinto, o que é inadmissível.
25
A CF/88 foi categórica quando reservou um terço das vagas do STJ à advocacia e
ao Ministério Público. Aqui há um critério de alternância, visto que seria 5 membros do
parquet e 6 membros da advocacia, ou vice-versa, a fim de promover uma equalização. O
nomen iuris "quinto constitucional" tornou-se relacionado a esse meio de investidura que
faz uso de listas. Então, no STJ, temos quinto constitucional lato sensu e terço
constitucional stricto sensu.
Para o STJ, o terço constitucional tem uma fase adicional, na qual o Presidente da
República faz a escolha e a encaminha ao Senado. Aqui, o presidente do conselho federal
da OAB vai publicar o edital. O presidente do Senado encaminha a escolha à Comissão de
Constituição e Justiça, que marca ali uma sabatina. Se aprovada, a indicação será
restituída ao plenário do Senado e, se aprovada, o presidente do Senado comunica ao
presidente da República que há um novo ministro. Isso só se dá nos casos de morte ou
aposentadoria voluntária.
Esse sistema foi inspirado pelo modelo norte-americano. Hoje se discute muito se
a nomeação dos ministros pelo Executivo não fere o sistema de freios e contrapesos, pois
o Judiciário também julga políticos. Juízes federais também passam pelo critério de
merecimento em casos de promoção ao cargo de desembargador. O Presidente deve
nomeá-lo caso o magistrado figure três vezes consecutivas na lista tríplice, ou cinco
alternadas. Assim, seu ato discricionário passa a ser vinculado.
C.2) TRIBUNAL SUPERIOR DO TRABALHO
O Tribunal Superior do Trabalho é composto por 27 ministros vitalícios, que se
dividem de acordo com o regimento interno da corte. São turmas compostas por três
ministros com competência de Justiça Especializada Trabalhista. Subdivide-se em seções
de dissídios individuais e coletivos. Há eleições bienais de presidente, vice-presidente e
corregedor geral.
C.3) TRIBUNAL SUPERIOR ELEITORAL
O Tribunal Superior Eleitoral segue um modelo análogo ao dos tribunais regionais
eleitorais. São 7 ministros titulares. Aqui há cúmulo funcional. 3 são ministros do STF, 2
do STJ e 2 são advogados. Não há fracionariedade interna. De dois em dois anos, essas
26
casas têm de eleger os ministros que irão exercer função no TSE. Há também os
ministros suplentes, já que não podem faltar magistrados para o exercício das
competências do plenário. O presidente e o vice-presidente devem, necessariamente, ser
ministros do STF. O ministro-corregedor deve ser membro do STJ.
C.4) SUPERIOR TRIBUNAL MILITAR
O Superior Tribunal Militar é o tribunal mais antigo do país, instituído em 1808
com a chegada da família real portuguesa.
A CF/88 estabelece que o STM é constituído por 15 ministros vitalícios, com uma
divisão de origem das vagas bem detalhada no texto constitucional. O modelo da Justiça
Militar se inspira no modelo do escabinato, desde o alvará exarado por Dom João VI e,
desde então, temos a composição mista, assim como nos conselhos de justiça militar.
10 são militares e 5, civis. Nos conselhos de justiça militar, os juízes são de
passagem temporária. Apenas o juiz togado tem cadeira vitalícia, tanto em âmbito
estadual, quanto no federal. No STM, tanto os ministros de origem militar, quanto os de
origem civil têm cargo vitalício.
Dos 10 militares, 4 serão oficiais generais de última patente do exército: os
generais de exército. Há três patentes no generalado: os generais de brigada, os
generais de divisão e os generais de exército. 3 serão oficiais da última patente da
aeronáutica: os tenentes brigadeiros titulares. São equivalentes aos generais de
exército. Outros 3 são advindos da última patente do almirantado na marinha brasileira:
os almirantes de esquadra.
São membros do Poder Judiciário, visto que o STM é o órgão de cúpula da Justiça
Militar da União. Em sentido amplo, são juízes, diferentemente dos conselhos de justiça
militar, em que os militares ficam ali temporariamente. Eles estão no quadro ativo ou
vão para a reserva quando se empossam no STM?
O estatuto dos militares, que rege o âmbito da União, estabelece a seguinte
cláusula, em conjunto com o regimento interno do STM: o ministro advindo da carreira
militar permanece no quadro ativo. Dessa forma, é membro tanto do Executivo, como
militar, quanto do Judiciário. É um caso ímpar no ordenamento jurídico brasileiro. É
27
preciso compreender que a Justiça Militar ainda está em um estágio transitório. Durante
a primeira república, a Justiça Militar era parte do Executivo, como Justiça
Administrativa. Isso só mudou em 1946.
O limite da vitaliciedade também está nos 75 anos, conforme estabelecido pela
Emenda Constitucional nº 88. Garante-se a investidura militar, da mesma forma, até tal
idade, impedindo que esses ministros sejam passados à reserva.
Dentre os ministros civis, três são provenientes da advocacia. Diferentemente
da Justiça Eleitoral, ingressam pelo quinto constitucional e não cumulam funções. Um é
oriundo do quadro do Ministério Público Militar. O último provém da Justiça Militar da
União. Critica-se a diminuta quantia de vagas disponíveis para os magistrados dessa
derradeira carreira.
De dois em dois anos, elege-se dentre um dos ministros o presidente do STM.
C.5) SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL
Conforme a Constituição, o STF é composto de 11 ministros. Não é um tribunal
superior, mas a suprema corte propriamente dita. Sua composição estrutural é de baixa
complexidade, diferentemente dos Tribunais de Justiça estaduais de São Paulo ou do Rio
de Janeiro, de composições muito mais amplas, por exemplo. Todos os cargos são
vitalícios.
Dividem-se em duas turmas de cinco ministros cada, além de um presidente eleito
de dois em dois anos. Este é o chefe do Poder Judiciário brasileiro. É o equivalente ao
chief justice estadunidense. Existe uma tradição não regimental de que o ministro mais
antigo da corte que ainda não tenha sido presidente assuma a presidência da Corte.
Há basicamente três órgãos colegiados: a primeira turma, a segunda turma, e o
plenário. O presidente, via de regra, não faz parte das turmas. Daí as divergências
jurisprudenciais entre uma turma e outra. O plenário é o mais importante órgão
jurisdicional do ordenamento jurídico pátrio. Todas as matérias de controle de
constitucionalidade são de competência do pleno, devido ao princípio de reserva ao
plenário.
28
O STF não tem cota de origem. Portanto, não há lista tríplice. Suas vagas são
preenchidas por indicação do Presidente da República. O regimento interno determina
que o Senado realizará uma sabatina na Comissão de Constituição e Justiça, que votará
em plenário. Quando aprovada a indicação, o presidente do Senado notifica o presidente
da República (em consonância com o sistema de checks and balances), que nomeia o novo
ministro, que, nesse momento, passa a ter cargo vitalício.
COMPETÊNCIAS
Estudaremos as competências fixadas na Constituição Federal. Faremos apelos às
bases regimental e legal. São os arts. 102 ao 125 da Carta da República.
A) SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL
Os grupos de competência do STF são: originárias, recursais e extraordinárias.
São as mais importantes para o estudo do Direito Constitucional.
As competências originárias são aquelas que têm o STF como a instância única.
Ali, o processo nasce e morre: a Excelsa Corte é o primeiro e único julgador da causa. São
os casos enumerados no inciso I do art. 102. É o caso das ações diretas de
inconstitucionalidade de leis ou atos normativos em face à Constituição Federal.
A competência recursal ordinária, no STF, caracteriza uma função atípica da
Suprema Corte como tribunal de apelação. São recursos de livre motivação. Em alguns
casos, os tribunais superiores exercem competência originária e, aí, aceita-se a
competência recursal ordinária ao STF. Nem sempre isso acontece. Algumas dessas
hipóteses não admitem recurso ao STF. As hipóteses possíveis estão enumeradas no
inciso II do mesmo artigo.
No inciso III, temos as competências extraordinárias. Por meio delas, nos
aproximamos mais do modelo da Suprema Corte dos EUA. É a instância máxima
verdadeira. Aqui, o STF não está dentro do duplo grau de jurisdição. Na verdade,
excede-o. Provoca o grau extraordinário da jurisdição. Estatisticamente falando, as
ações alçadas ao STF já passaram pelos dois graus e foi arguida alguma questão de
29
inconstitucionalidade.
Pode advir também de uma decisão de instância única. Por exemplo, se o TJRJ
estiver exercendo competência originária e o acórdão por ele proferido afrontar
diretamente autoridade da CF/88, há a possibilidade de recurso extraordinário. Aqui, não
será o segundo grau da jurisdição, já que não revisa cláusula contratual, ou depoimento,
ou fato, ou prova, ou questão de mera justiça. Avalia a adequação do julgado em
relação ao texto constitucional. É a competência que mais caracteriza o STF. É um
recurso de motivação vinculada. Fazem análise do direito nos casos especificados pela
Magna Carta, nunca do fato.
O princípio do esgotamento da via recursal ordinária traduz o fato de que
qualquer recurso extraordinário só será cabível quando for incabível o recurso de
natureza ordinária. Aqui falamos de gêneros, não de espécies. A maioria dos recursos
ordinários não é denominada “recurso ordinário”. Por exemplo, no STJ, há o Recurso
Especial (REsp), recurso que instrumentaliza o controle de legalidade e é uma espécie do
gênero recurso extraordinário, assim como o Recurso de Revista, no TST, e o Recurso
Especial Eleitoral no TSE. Todos de motivação vinculada.
A apelação cível, a apelação criminal, o recurso ordinário constitucional, entre
outros, são recursos ordinários.
Assim, enquanto for cabível o recurso em trato ordinário, seja ele qual for, não
caberá o recurso de trato extraordinário, seja qual for. Se alguém for condenado por um
crime de roubo na terceira vara criminal de Niterói, o recurso cabível à sentença é a
apelação criminal, de natureza ordinária. Se condenado em primeira instância, por
flagrante afronta a CF/88, deve-se esgotar os recursos ordinários antes que se possa
impetrar um recurso extraordinário ao STF. Agora, caso seja feita a apelação criminal e a
30
terceira câmara do TJ mantenha a sentença, cujo texto contém uma cláusula que viole a
Lei Maior, caberá o recurso extraordinário, pois se esgotou a via ordinária.
A.1) COMPETÊNCIAS ORIGINÁRIAS
Com a alínea a do art. 102 da CRFB, iniciaremos pela competência considerada a
mais importante no sistema jurídico-político brasileiro: o controle concentrado
abstrato de constitucionalidade de leis e atos normativos do Poder Público. Trata-se
do principal tomo do papel que o STF tem tomado como guardião da constituição a partir
dos mecanismos de fiscalização abstrata de inconstitucionalidade.
“Art. 102. Compete ao Supremo Tribunal Federal, precipuamente, a guarda
da Constituição, cabendo-lhe:
I - processar e julgar, originariamente:
a) a ação direta de inconstitucionalidade de lei ou ato normativo federal ou
estadual e a ação declaratória de constitucionalidade de lei ou ato
normativo federal;”
Isso não encerra todo o controle de constitucionalidade, já que o Brasil adota o
sistema misto de controle de constitucionalidade. Temos o controle concentrado e o
difuso, recepcionado no início da República Velha do sistema norte-americano. Ainda
temos o método do controle preventivo parlamentar, principalmente pelas Comissões de
Constituição, Justiça e Cidadania das casas parlamentares. Luís Roberto Barroso define o
sistema brasileiro como adotante do sistema sincrético do controle de
constitucionalidade.
O controle constitucional abstrato não só se concentra exclusivamente no STF,
como também é abstrato. Isso não se trata de uma redundância. A sua existência
pressupõe o controle de constitucionalidade concreto, do qual não estamos falando aqui.
O controle abstrato trata do controle da lei em tese, não se motiva pelo caso concreto,
de interesse de uma pessoa física ou jurídica. É uma análise de parametricidade. Ou
seja, em sua sede verifica-se se uma dada lei está ou não de acordo com o seu parâmetro
de validade: a Constituição da República. Advém do princípio da supremacia da
Constituição, o mais importante na interpretação constitucional.
31
A ação direta de inconstitucionalidade (ADIn) foi instituída na CF/88 sob esse
nomen juris. A parte que cita a ação declaratória de constitucionalidade era inexistente
no texto original da Carta Magna; foi instituída com a EC nº 03/93.
Analisa-se a adequação da lei à Constituição, pouco importando a questão
processual. A função do STF no controle concentrado abstrato é inequivocamente
jurisdicional, mas ela não é ínsita ao processo subjetivo clássico. A doutrina aceita se
tratar de processo objetivo, que nega a lógica do processo subjetivo, que traz os
personagens do juiz, do réu e do autor.
É objetivo, pois se considera um processo sem partes. É o controle do Estado
sobre si mesmo. O Procurador Geral da República, como proponente da ação, funciona
como provocador, não como parte interessada. Todavia, no sistema brasileiro, esse
processo objetivo não nega a sua essência jurisdicional.
O controle difuso surgiu na Constituição de 1891, o marco da
constitucionalização da República Brasileira, sob influência de Rui Barbosa. Reflete um
desejo de substituição da herança do Império. Por isso, importou-se a matriz
estadunidense.
O Decreto Executivo nº 01 convertia a forma monárquica em republicana, trazia o
presidencialismo e convertia a forma unitária de estado à federativa. Essa vertente de
controle de constitucionalidade surgiu com o precedente Madison v. Marbury, quando os
EUA passaram a adotá-lo. A Constituição de 1891 trouxe também a figura do juiz
federal e lhes conferiu a competência para o controle difuso, com possibilidade de
recurso ao STF. Hoje, o recurso passa a outros tribunais. O STF não julgava ações diretas,
ou seja, não podia ser diretamente provocado, como até hoje é a Suprema Corte
americana. Só julgava em grau de recurso no processo subjetivo.
Em 1965, o Congresso Nacional editou uma emenda constitucional, invocando a
Carta de 1946. A EC nº 16 introduziu a ferramenta da representação de
inconstitucionalidade, que foi substituída pela ADIn na CF/88. Houve mudanças na
substância do instituto, não foi meramente uma mudança de nome. Foi aqui que se
iniciou o controle concentrado abstrato de constitucionalidade.
O controle concentrado de constitucionalidade surgiu em 1934, com a
Constituição então promulgada. Foi criada uma ferramenta de competência da Suprema
32
Corte, sobre o processo e julgamento da representação interventiva, originariamente.
Por muitas décadas, a ação direta interventiva tinha características de controle
concentrado, já que verifica se o estado-membro está observando as disposições
constitucionais. Nessa época, o Brasil passava por um período mais centralizador com o
modelo varguista. Era um controle concreto, pois avaliava a violação da autoridade
constitucional pelo ato estadual.
O controle de constitucionalidade surgiu no Brasil sob influência francesa, que
não admitia o sistema de checks and balances; os poderes eram nitidamente separados e
não era admitido o controle de um poder sobre o outro. Era o controle preventivo de
constitucionalidade, exercido pelo Parlamento. Hoje em dia, esse tipo de controle está
presente no veto presidencial - o presidente faz parte do processo legislativo. Dá-se nas
hipóteses de ausência de interesse público e inconstitucionalidade. No Império, era feito
pelo Parlamento brasileiro. Só não havia o controle judicial.
O sistema sincrético se origina da agregação desses métodos pela trajetória
constitucional brasileira.
A representação de inconstitucionalidade tinha alguns problemas e, por isso, foi
redesenhada em 1988. Um deles era a legitimidade exclusiva do Procurador Geral da
República. Hoje, o PGR é chefe do Ministério Público, órgão autônomo na ordem
constitucional que não se submete a nenhum dos três poderes. Durante a ditadura, o
parquet era subordinado ao Executivo. Logo, o PGR estava sob a batuta do Presidente da
República. Dessa forma, a representação funcionava quando interessava, de alguma
forma, ao Executivo. Dessa forma, a CF/88 renomeou para ADIn e ampliou o seu rol de
legitimados, expresso no art. 103.
O conselho federal da OAB é legitimado por ser o órgão mais importante da
Ordem. Pela importância da Ordem na redemocratização, o legislador constituinte
entendeu ser ela mais do que apenas uma entidade de classe.
Por que a ação declaratória de constitucionalidade foi instituída em 1993 com a
EC nº 03? Uma lei, quando promulgada, tem presunção relativa de constitucionalidade. O
constituinte percebeu que havia construído uma estrada longa, de uma só mão. Quis,
então, criar a outra mão. É uma ação direta de inconstitucionalidade com o sinal
invertido. A partir dela, não se pode mais duvidar da constitucionalidade da lei.
Torna-se uma presunção absoluta de constitucionalidade. Isso é devido ao fato de que o
33
Brasil adota o sistema sincrético. Então, coabitam o controle difuso e o controle abstrato.
O controle difuso tem efeito inter partes, mas o juiz no controle difuso tem autoridade
para tal enquanto a presunção de constitucionalidade da norma for relativa. Cessa
quando passar a ser absoluta. Isso ocorre porque as decisões do STF nesse âmbito têm
efeito vinculante erga omnes. Serve para conferir segurança jurídica e pacificar a
jurisprudência.
O deferimento do pedido formulado na ação declaratória de constitucionalidade é
o mesmo do indeferimento do pedido formulado na ação direta de inconstitucionalidade,
e vice-versa. Os efeitos são os mesmos: há a conversão da presunção relativa em
absoluta.
A ocorrência da instância única também se verifica em outros tribunais, como o
TJRJ e o TRF da 2ª região. Nessas situações, caberia a interposição de recurso
extraordinário ou recurso especial, mas isso não desnatura a instância única.
“Art. 102. Compete ao Supremo Tribunal Federal, precipuamente, a guarda
da Constituição, cabendo-lhe:
Esses, portanto, são as autoridades que possuem foro especial por prerrogativa
de função no STF, instituto esse colocado em evidência com a Ação Penal nº 470, o
Mensalão, que consolidou a jurisprudência revisora.
O instituto do foro especial não foi criado em 1988. Integra o ordenamento
jurídico brasileiro desde a promulgação da Constituição de 1891. Na CF/88, alargaram-se
as hipóteses de foro, mas as Constituições anteriores já delineavam a sua existência.
O foro por prerrogativa de função não existe apenas no STF. Também se faz
presente nos tribunais de apelação. O TJRJ, por exemplo, ostenta competência para julgar
algumas autoridades por foro por prerrogativa de função, como o prefeito de município
do estado do Rio de Janeiro, os deputados estaduais (a priori) , e os juízes de direito. é
uma competência típica do processo penal conferida tanto aos tribunais de justiça do
34
estado, aos TRFs, aos TREs, ao TSE, ao STM e ao STJ. Por se tratar de competência
criminal condenatória, os tribunais do trabalho não a têm, como veremos a seguir.
O constituinte concebeu essas competências especiais para preservar a
autoridade do cargo da função pública, pois estes emanam do interesse público. Assim,
visa-se evitar o comprometimento deste último.
Em cidades do interior, as relações entre as autoridades públicas e o povo são
mais próximas. O prefeito de uma cidade desse tipo é muito mais visibilizado em sua
conduta pessoal perante o seu eleitorado do que o governador do estado. Assim, o juiz
dessa cidade certamente terá suas opiniões pessoais sobre o prefeito, o que
comprometeria sua imparcialidade numa situação em que tal figura pública precise
vir a julgamento.
É semelhante às figuras processuais da exceção de impedimento e de suspeição.
Contudo, na arguição de suspeição, analisa-se se o magistrado está suspeito para aquela
hipótese específica. No caso de foro, o constituinte, em abstrato, determinou que aquela
competência não seja desempenhada por aquele magistrado. O constituinte quis
garantir a imparcialidade daquele órgão jurisdicional.
Exige-se uma distância entre o órgão jurisdicional e a figura política em questão.
O deputado, por exemplo, não pode ser julgado pelo Tribunal de Justiça, visto que,
naquela circunscrição, encontra-se o seu eleitorado. Daí a competência do STF para
julgar o mérito.
“Art. 102. Compete ao Supremo Tribunal Federal, precipuamente, a guarda
da Constituição, cabendo-lhe:
Serão julgados pelo STF os Ministros de Estado cujos crimes de responsabilidade
não sejam conexos ao do presidente, se estes existirem. Se forem, serão julgados pelo
Senado, em virtude da premissa de uniformidade decisória.
35
É um caso que está sendo relativizado. Trata-se da jurisprudência firmada com o
julgamento da Ação Penal nº 937, originária no STF. Por meio de uma questão de ordem,
o ministro Luís Roberto Barroso arguiu que, pela interpretação da alínea C, a concessão
de foro especial se daria em relação a crimes praticados em razão e durante o ofício.
Isso retirou do STF 90% da sua carga processual, visto que tais julgamentos baixaram à
primeira instância. Se o crime foi consumado no Rio de Janeiro, a autoridade será
processada e julgada no Rio de Janeiro.
O resultado disso foi o tensionamento entre os poderes e a correção legislativa,
por meio da PEC nº 3/13, que reduz os casos de foro especial: para o presidente,
presidente da Câmara, do Senado, do STF e do PGR. Isso significa um problema seríssimo
na gestão política do país.
“Art. 102. Compete ao Supremo Tribunal Federal, precipuamente, a guarda
da Constituição, cabendo-lhe:
I - processar e julgar, originariamente:
d) o habeas corpus , sendo paciente qualquer das pessoas referidas nas
alíneas anteriores; o mandado de segurança e o habeas data c ontra atos do
Presidente da República, das Mesas da Câmara dos Deputados e do Senado
Federal, do Tribunal de Contas da União, do Procurador-Geral da República
e do próprio Supremo Tribunal Federal;”
O habeas corpus vai direto ao STF, quando tutelar a liberdade de locomoção de
qualquer uma dessas autoridades. No tangente ao mandado de segurança, quando o ato
promanar do presidente, das mesas do Senado Federal e da Câmara, do Tribunal de
Contas da União, ou do próprio STF, o julgamento será feito diretamente no STF.
De modo geral, o mandado de segurança é julgado pelos juízes de primeira
instância. Contudo, há os mandados de segurança de competência originária do STF,
quando os atos promanam de autoridades tão relevantes dentro da estrutura
organizacional da República, que a Suprema Corte será competente para julgá-la
originariamente.
O Presidente da República é chefe de Estado, de governo, da administração
pública federal e do Poder Executivo. Essa expressão põe em cheque o preceito de que
não há supremacia hierárquica entre os Poderes, pois o presidente do Senado é o chefe
36
do Legislativo, mas não é chefe de Estado; o presidente do STF é chefe do Judiciário, mas
não é chefe de Estado. O presidente da República é chefe do Executivo e chefe do Estado,
personifica a nação, simboliza todo o Estado Nacional, inclusive perante a sociedade
internacional.
A Constituição Federal também nomeia as mesas do Senado e da Câmara, dois
órgãos de função político-administrativa de trabalho legislativo de grande significado.
Por exemplo, as Comissões Parlamentares de Inquérito são instauradas a partir de atos
dessas mesas e o processo legislativo é todo das mesas. Daí a competência do STF para
julgar mandados de segurança impetrados contra atos dos presidentes dos respectivos
órgãos.
Há uma regra geral para localizar as competências para processo e julgamento
do mandado de segurança. Há exceções. O writ impetrado contra ato de tribunal será
julgado pelo próprio tribunal, originariamente. Então, a quem competirá julgar mandado
de segurança impetrado contra ato do tribunal regional do trabalho da primeira região?
Ao próprio TRT da primeira região. É uma determinação da CF/88. O órgão do tribunal a
julgar a causa será definido pelo regimento interno do tribunal, explorando a
colegialidade.
O mandado de segurança impetrado contra ato do TCU será também julgado no
STF. Não se trata de uma exceção à regra, pois essa corte não se trata de um tribunal do
Poder Judiciário. É um tribunal que desempenha função administrativa e de grande
força político-institucional, o que lhe concedeu estatura muito semelhante àquela da
magistratura, com vitaliciedade, inamovibilidade e irredutibilidade de subsídios (art.
95/CRFB): as três prerrogativas dos membros do Judiciário. Até mesmo a simbologia é
semelhante a dos órgãos do PJ. Contudo, não está sequer situado no Poder Executivo,
mas no Legislativo. É um tribunal auxiliar deste poder no desempenho da fiscalização
contábil, financeira, operacional, orçamentária e patrimonial. Não exerce função
jurisdicional, logo não pode julgar mandado de segurança ele mesmo. Em deferência ao
trajeto político da corte, o julgamento é feito no STF.
A regra do habeas corpus é diferente: quando impetrado contra ato de tribunal,
quem julga originariamente é o tribunal acima. O habeas corpus envolve direito tão mais
sutil, tão mais defensável no ponto de vista da sua própria axiologia, que se preferiu que
nem mesmo o próprio tribunal o julgasse, e sim, o tribunal imediatamente superior.
Quando for relacionado ao STF, será julgado no próprio tribunal, dado que se trata do
37
órgão de cúpula do Judiciário.
Em relação a mandado de segurança contra ato de juiz de primeira instância,
a regra é a mesma do habeas corpus: é competência originária do tribunal acima.
Há casos em que o juiz de direito não é julgado pelo Tribunal de Justiça, mas pelo
TRF, conforme será visto no futuro.
“Art. 102. Compete ao Supremo Tribunal Federal, precipuamente, a guarda
da Constituição, cabendo-lhe:
Esta é uma das competências mais características do STF no começo da história
republicana.
Durante a maior parte do Império, o STF era denominado Supremo Tribunal de
Justiça, que agia de forma unitária. Só passou a agir de forma federativa com o advento
38
da República. O Brasil não adota propriamente o modelo de corte constitucional
europeu, embora o STF também funcione como tal. Nosso modelo é o de suprema corte.
Sua denominação tem uma razão de ser: no início da República, voltamos à
repartição dos Poderes e extinguimos o Poder Moderador. Aí se questionava: quem
substituiria o Poder Moderador? Quem julgaria os conflitos entre os Estados que
viriam a existir? Tínhamos províncias, que eram meras repartições político,
administrativas, territoriais, sem personalidade jurídica. Daí “Supremo Tribunal
Federal”. Era o tribunal apaziguador de eventuais conflitos entre os estados membros
que então seriam criados. O estado-membro é uma pessoa da União e, portanto, a
resposta será a mesma: é competência originária do STF, pois o conflito vai envolver
pessoas de esferas distintas.
“Art. 102. Compete ao Supremo Tribunal Federal, precipuamente, a guarda
da Constituição, cabendo-lhe:
“Art. 102. Compete ao Supremo Tribunal Federal, precipuamente, a guarda
da Constituição, cabendo-lhe:
39
seu Presidente;
A alínea H foi revogada, mas seu texto foi transplantado para as competências
originárias do STJ, no art. 105, inc. I, com a Emenda Constitucional nº 45/04. Dispõe
sobre as competências de homologação de sentença estrangeira e concessão de
exequatur ao cumprimento das cartas rogatórias concedidas por estado estrangeiro.
Cada país possui jurisdição própria. Nós agimos em cooperação entre as nações, o
que significa que, a priori, o juiz brasileiro colaborará para a homologação de uma
sentença dada por juiz estrangeiro. Entretanto, deve haver critérios para tal: há também
um juízo de adequação à ordem pública.
O exequatur é um ato que ordena a execução de uma diligência requerida por
um juiz de um estado estrangeiro, como quando há uma testemunha essencial que
deve ser ouvida em outro país. Para tal, escreverá uma carta rogatória. Este é um
instrumento de comunicação entre juízes de jurisdições distintas. Dentro da mesma
jurisdição, faz-se por carta precatória. Pode também ser denegado em virtude de afronta
à ordem pública.
Essa transferência de competências fez parte de uma tentativa de redução das
competências da Suprema Corte. Alguns, como o ministro Barroso, defendem a
transformação do STF em mera corte constitucional, tendo suas outras competências
transferidas a outros tribunais. Defendia-se que fosse transferida à primeira instância,
mas o foi ao STJ.
“Art. 102. Compete ao Supremo Tribunal Federal, precipuamente, a guarda
da Constituição, cabendo-lhe:
40
“Art. 102. Compete ao Supremo Tribunal Federal, precipuamente, a guarda
da Constituição, cabendo-lhe:
O STF tem competência para processar e julgar as ações rescisórias e as revisões
criminais de seus próprios julgados. De modo geral, os tribunais brasileiros julgam e
processam ações rescisórias e revisões criminais suas. Claro, há exceções.
A ação rescisória é uma ação originária, proposta diretamente ao STF, nesse
caso. Tem uma finalidade muito peculiar: afastar a incidência da coisa julgada, uma
cláusula fundamental da segurança jurídica. É uma característica que reveste a decisão
imutável por via recursal. Também decorre do princípio do duplo grau de jurisdição ao
estabelecer um limite para a recorribilidade. Estatisticamente, a maior parte das
decisões transita em julgado na primeira instância. Os ordenamentos processuais
preveem circunstâncias de tal ordem graves nas suas infringências, que deve-se
ponderar a movimentação da máquina judiciária no sentido de desconstituir a coisa
julgada por meio de uma ação. Relativiza-se, assim, a coisa julgada. A natureza jurídica
da ação rescisória é, portanto, ação autônoma desconstitutiva de coisa julgada.
As decisões proferidas pelo juiz de primeira instância, às quais for proposta ação
rescisória ou revisão criminal, serão revisadas pelo tribunal acima. Uma ação rescisória
proposta contra sentença de vara federal, julgará o TRF da 2ª região. Já uma ação
rescisória contra acórdão do TRF da 2ª região será julgada pelo próprio tribunal. Isso se
dá devido à colegialidade, que permite o exercício da competência de forma mais
imparcial. Portanto, nunca seria julgada sentença de juiz de direito por juiz de direito.
Há casos em que a ação rescisória contra sentença de juiz de direito será julgada
pelo TRF, e não pelo TJ.
A revisão criminal se destina a recompor sentença de competência criminal.
Está para o processo penal, assim como a ação rescisória está para o processo civil.
Ambas as ações são frutos da ponderação entre a segurança jurídica e a
premissa de justiça e equidade. Baseiam-se na superveniência de fato novo, prova
nova, ou circunstância nova que justifique a desconstituição da coisa julgada. A partir do
41
momento que a segurança jurídica passa a ser inimiga da justiça e da equidade, passa a
ser possível desconstituir a coisa julgada.
Em âmbito cível, um grande exemplo disso for o surgimento dos exames de DNA,
que permitiu o conhecimento de verdades distintas daquela alcançada perante o juízo.
A rigor, essas ações também podem ser propostas contra decisão de turma
recursal ou juizado especial.
A revisão criminal não tem prazo para ser proposta. Pode ser rescindida até
mesmo após a morte do apenado, para restituir a honra do nome familiar ou por alguma
questão sucessória. A ação rescisória tem prazo de dois anos para ser proposta.
“Art. 102. Compete ao Supremo Tribunal Federal, precipuamente, a guarda
da Constituição, cabendo-lhe:
A natureza jurídica da reclamação é questão equívoca na doutrina. Há quem diga
que é ação autônoma, há quem diga que é mero procedimento administrativo. Não é
recurso, por ser de competência originária.
Importa dizer que essa ferramenta foi criada para que os tribunais conservem a
autoridade de suas decisões e a autoridade de suas próprias competências. Dá-se a
cada tribunal a competência para julgar a reclamação, a fim de determinar se sua
competência foi ou não usurpada.
Um exemplo disso foi uma decisão da vara federal de Santana do Livramento nos
anos 90, em que o juiz concedeu o exequatur a uma carta rogatória de um juízo
paraguaio. Havia um movimento para a descentralização desta competência. Sua decisão
foi atacada perante o STF (competente na época), e declarou nula a decisão do juiz.
Poderia cumprir a diligência, mas não conceder o exequatur.
Todos os tribunais têm competência para reclamação.
42
“Art. 102. Compete ao Supremo Tribunal Federal, precipuamente, a guarda
da Constituição, cabendo-lhe:
Uma decisão do STF não é necessariamente executada pelo próprio STF. A
delegação dessa competência é facultativa. A execução da sentença do julgamento do
Mensalão, por exemplo, foi delegada à primeira instância. Nas causas de competência
originária do STF, cabe a ele a execução ou a delegação.
O processo judicial consiste em duas grandes fases: conhecimento
(instrumentalização cognitivo-probatória) e execução (quando a parte não cumpre a
sentença por conta própria - o Estado detém o monopólio da força, então pode tomar
medidas a fim de que seja cumprida a decisão).
“Art. 102. Compete ao Supremo Tribunal Federal, precipuamente, a guarda
da Constituição, cabendo-lhe:
I - processar e julgar, originariamente:
n) a ação em que todos os membros da magistratura sejam direta ou
indiretamente interessados, e aquela em que mais da metade dos
membros do tribunal de origem estejam impedidos ou sejam direta ou
indiretamente interessados;”
A alínea N trata de uma cautela do constituinte de asseguração da
imparcialidade judicial. Uma causa de interesse geral da magistratura brasileira seria,
por exemplo, uma ação movida pela Associação dos Magistrados Brasileiros (AMB) que,
assim, iria direto ao STF. O mesmo ocorre se mais da metade dos magistrados do tribunal
estiverem impedidos para julgar a causa, o que se verifica mais facilmente em tribunais
menores, como o do Tribunal de Justiça de Tocantins.
“Art. 102. Compete ao Supremo Tribunal Federal, precipuamente, a guarda
da Constituição, cabendo-lhe:
43
I - processar e julgar, originariamente:
o) os conflitos de competência entre o Superior Tribunal de Justiça e
quaisquer tribunais, entre Tribunais Superiores, ou entre estes e qualquer
outro tribunal;”
A alínea O diz respeito aos conflitos de competência. Esses conflitos se dão nas
espécies negativa e positiva. São vários os domínios normativos de determinação de
competências: a CF/88, os regimentos internos e a lei processual, por exemplo.
É certo dizer que o Estado não pode negar a prestação jurisdicional. Para cada
conflito levado ao Judiciário, haverá ao menos um órgão competente para o processo e
julgamento. O conflito positivo é aquele em que dois ou mais órgãos se consideram
competentes, e o negativo, aquele em que dois ou mais órgãos se dizem incompetentes.
No positivo, admitir todas as competências significaria uma afronta ao princípio da
uniformidade decisória, enquanto no negativo, a jurisdição seria negada.
No Poder Judiciário, quem julga conflitos dessa ordem são os tribunais, nas
hipóteses definidas pela CF/88. O STF será competente para tal quando houver um
conflito envolvendo tribunais superiores. Basta o envolvimento de um.
Há uma regra de ouro (plena de exceções): o tribunal competente para julgar o
conflito de competências é o primeiro tribunal comum aos órgãos envolvidos no
conflito.
“Art. 102. Compete ao Supremo Tribunal Federal, precipuamente, a guarda
da Constituição, cabendo-lhe:
O pedido de medida cautelar nas ADIn, no ponto de vista processual, justifica-se
pela urgência traduzida pela ação direta de inconstitucionalidade. Há dois requisitos:
fumus boni iuris (fumaça do bom direito) e periculum in mora ( risco de perecimento do
direito). Ou seja, a medida cautelar se baseia na necessidade de que o provimento
jurisdicional seja tão logo conferido, de modo a evitar o perecimento do direito enquanto
se espera pela decisão de mérito da ação principal.
44
A medida cautelar tem sua lógica presente no processo subjetivo carneluttiano
(pretensão e pretensão resistida). A questão que se soma é se é possível a medida
cautelar no processo objetivo, em que não há partes. O constituinte entendeu que
sim, visto que o aguardo pelo deslinde da ação pode significar um perecimento do
direito.
No STF, é comum observar pedidos de vista da ação sequenciais, o que traduz um
processo pouco célere. Não se pode olvidar que a lei se presume constitucional e, por
isso, continuará a ser aplicada. Caso a lei seja manifestamente inconstitucional e esteja
causando os mais deletérios danos ao corpo social, é preciso uma medida cautelar para
conter tais efeitos.
A medida cautelar deve ser julgada pelo plenário. Na impossibilidade e em
grande urgência, o relator pode conceder um provimento liminar monocraticamente.
“Art. 102. Compete ao Supremo Tribunal Federal, precipuamente, a guarda
da Constituição, cabendo-lhe:
I - processar e julgar, originariamente:
q) o mandado de injunção, quando a elaboração da norma
regulamentadora for atribuição do Presidente da República, do Congresso
Nacional, da Câmara dos Deputados, do Senado Federal, das Mesas de uma
dessas Casas Legislativas, do Tribunal de Contas da União, de um dos
Tribunais Superiores, ou do próprio Supremo Tribunal Federal;”
O mandado de injunção (art. 5º, LXXI) tem uma função supletiva nos casos em
que os destinatários de um direito não podem dele usufruir porque não há lei para
regulamentá-lo.
José Afonso da Silva determina as normas constitucionais de eficácia plena
(dispensam regulamentação), as de eficácia limitada (só se efetivam com providência
infraconstitucional a posteriori) e as de eficácia contida (podem ser balizadas pela
legislação posterior). No rol das espécies normativas, a lei complementar é
eminentemente dedicada à regulamentação da norma de eficácia limitada, fazendo
com que seja efetiva. A lei se encontra logo abaixo da Constituição, portanto, trata-se de
um ato normativo primário, pois só diz respeito à Lei Maior.
45
Será regulamentada por lei complementar sempre que a Constituição assim
determinar, sob pena de inconstitucionalidade formal propriamente dita.
A lei ordinária pode ser utilizada para regulamentar norma de eficácia limitada
residualmente, quando não couber qualquer outra espécie normativa.
O mandado de injunção é de competência de vários tribunais no Poder Judiciário
brasileiro. Será de competência do STF quando a elaboração da norma for de encargo
das autoridades elencadas na alínea Q.
Não há redundância quando o legislador constituinte elenca, separadamente,
Congresso, Câmara e Senado, visto que há competências próprias de cada um desses
órgãos. A competência para legislar, no sentido técnico-formal, é do Congresso, que se
constitui de Câmara e Senado.
As competências exclusivas da Câmara estão elencadas no art. 51, e as do Senado,
no art. 52. Nesses casos, ou só a Câmara age, ou só o Senado, como nos casos de
regimento interno. O exercício dessas competências privativas se dá mediante
resoluções. Se o regimento for lacunoso, é uma hipótese de frustração constitucional, o
que ensejaria o mandado de injunção.
As competências do Congresso que se dão mediante decreto-lei estão no art. 49.
Não é admissível a confusão entre mandado de injunção e ação direta de
inconstitucionalidade por omissão. Se diferenciam pelo fato de o mandado de injunção
ser um remédio constitucional, cuja legitimidade é geral, de competência difusa e
efeitos inter partes (a priori - visto que serve para assegurar o exercício de um direito por
parte de seus impetrantes) e a ação direta de inconstitucionalidade por omissão ser
uma ação de inconstitucionalidade, de legitimidade taxativa, de competência
concentrada, cujos efeitos são erga omnes.
O mandado de injunção é regulamentado pela lei nº 13.300 e foi instituído pela
CF/88, apesar de a lei para regulamentação ter, ironicamente, sido promulgada muitos
anos depois. Portanto, seu uso foi inviabilizado. Retomou força com alguns casos
jurisprudenciais ocorridos, como a queda do boeing 737.
“Art. 102. Compete ao Supremo Tribunal Federal, precipuamente, a guarda
46
da Constituição, cabendo-lhe:
A alínea R foi introduzida pela EC nº 45/04 e foi uma consequência lógica das
instituições realizadas pela emenda, que criou o CNJ e o CNMP, dois órgãos de controle
administrativo do Poder Judiciário e do Ministério Público, respectivamente. O único
órgão do Judiciário que não é controlado pelo CNJ é o STF. Pela sua importância,
entendeu-se a necessidade de criar um regime especial de competências para processar e
julgar as ações propostas contra tais instituições.
A.2) COMPETÊNCIAS RECURSAIS ORDINÁRIAS
“Art. 102. Compete ao Supremo Tribunal Federal, precipuamente, a guarda
da Constituição, cabendo-lhe:
47
recurso ordinário ao STF, se for denegatória a decisão. Se concessiva, não há a
possibilidade de interpor recurso ordinário, dado que não é hipótese de interposição
bifronte e decorre exclusivamente da necessidade constitucional de garantias
individuais, da proteção do direito líquido e certo. Trata-se do recurso ordinário
constitucional e se chama dessa forma não por discutir matéria constitucional, mas por
ter sido criado pela CF/88 e não pela legislação processual.
A alínea B trata dos crimes políticos. Ao longo das três décadas de vigência da
CF/88, não tivemos experiência jurisprudencial em relação à persecução política. Foram
previstos na égide da redemocratização, após décadas de forte persecução penal política.
A CRFB é uma constituição de um país traumatizado devido a nossa dimensão
histórica. Sob o mesmo espírito, foram elaboradas as Cartas Magnas da Espanha em
1978, de Portugal em 1976, da Itália em 1946 e a Lei Fundamental de Bonn em 1949.
Eram marcadas pelas garantias fundamentais, característica de países que passaram por
regimes autoritários.
Ao possibilitar o recurso ordinário ao STF em caso de crime político, a CF/88
indica a sensibilidade da imputação como forma de persecução do inimigo, que
justificaria o escalonamento ao STF pela via ordinária, por meio de um recurso de livre
motivação. O juiz federal julga em primeira instância o crime político.
Uma parcela minoritária da doutrina admite a existência de um terceiro grau
de jurisdição, atipicamente, em defesa à garantia fundamental, visto que à decisão do
juiz federal, cabe recurso ordinário ao TRF e, se denegado, ao STF. Não há porque criar
um acesso direto ao STF se não se reconhecer que essa seria uma via excepcional do
duplo grau de jurisdição, que se encerra nos tribunais de apelação.
48
A.3) COMPETÊNCIAS RECURSAIS EXTRAORDINÁRIAS
No inciso III, chegamos às competências extraordinárias. Não cabe recurso
ordinário ao STF nos casos de sentença condenatória em sede de foro especial. Trata-se,
portanto, de hipótese taxativa. No entanto, será possível interpor recurso extraordinário
ao STF, nas hipóteses do inciso III.
“Art. 102. Compete ao Supremo Tribunal Federal, precipuamente, a guarda
da Constituição, cabendo-lhe:
III - julgar, mediante recurso extraordinário, as causas decididas em única
ou última instância, quando a decisão recorrida:
a) contrariar dispositivo desta Constituição;”
As decisões proferidas em única ou última instância não são, necessariamente,
decisões de tribunais. A partir do segundo grau de jurisdição, a recorribilidade é, via de
regra, excepcional. Se houver afronta à lei federal e à CF/88, cabe tanto o REsp quanto o
Recurso Extraordinário. Um exemplo da única instância é o foro por prerrogativa de
função. A última instância se refere ao segundo grau de jurisdição.
A primeira delas é a contrariedade à CF/88, que enseja o controle de
constitucionalidade.
“Art. 102. Compete ao Supremo Tribunal Federal, precipuamente, a guarda
da Constituição, cabendo-lhe:
III - julgar, mediante recurso extraordinário, as causas decididas em única
ou última instância, quando a decisão recorrida:
b) declarar a inconstitucionalidade de tratado ou lei federal;”
A alínea B trata da declaração de inconstitucionalidade de tratado ou lei federal.
O tratado, ressalvadas as exceções, é equiparado à lei federal. A EC nº 45/04
possibilitou que o tratado ocupasse um patamar intermediário entre a lei e a CF/88.
“Art. 102. Compete ao Supremo Tribunal Federal, precipuamente, a guarda
da Constituição, cabendo-lhe:
49
III - julgar, mediante recurso extraordinário, as causas decididas em única
ou última instância, quando a decisão recorrida:
c) julgar válida lei ou ato de governo local c ontestado em face desta
Constituição.”
Se a decisão questionar lei ou ato local em face da constituição, trata-se de
controle difuso. O STF poderá, portanto, receber o recurso extraordinário e julgá-lo.
“Art. 102. Compete ao Supremo Tribunal Federal, precipuamente, a guarda
da Constituição, cabendo-lhe:
III - julgar, mediante recurso extraordinário, as causas decididas em única
ou última instância, quando a decisão recorrida:
d) julgar válida lei local contestada em face de lei federal. ”
A alínea D trata do controle da lei local frente pela lei federal. A competência para
processar e julgar recurso em escala excepcional de lei local em face da lei federal, era
do STJ até a promulgação da EC nº 45/04, que transpôs a competência ao STF.
Portanto, há de se reconhecer que não se trata de controle de legalidade, mas
de possível conflito federativo. O art. 24 fala das competências concorrentes para
legislar, cria um modelo de interdependência legislativa: a União edita as normas gerais
e os Estados, as específicas. O estado está vinculado às normas gerais da União. Faz-se
um exame da lei local frente a lei federal, no regime das competências legislativas de
trato concorrente.
B) SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA
As competências originárias do STJ estão elencadas no art. 105, I. A sua divisão
interior de competências é muito semelhante a do STF, que também é organizada em
originárias, ordinárias e extraordinárias. A única diferença de nomenclatura tange aos
recursos extraordinários que, no STJ, chamamos de competências recursais especiais.
Contudo, um recurso especial é um recurso de escala excepcional, na medida que
não é um recurso ordinário. Assim, também se trata de recurso extraordinário, como
espécie de tal gênero. O STJ também julga recursos ordinários, mas atipicamente.
50
B.1) COMPETÊNCIAS ORIGINÁRIAS
“Art. 105. Compete ao Superior Tribunal de Justiça:
I - processar e julgar, originariamente:
a) nos crimes comuns, os Governadores dos Estados e do Distrito
Federal, e, nestes e nos de responsabilidade, os desembargadores dos
Tribunais de Justiça dos Estados e do Distrito Federal, os membros dos
Tribunais de Contas dos Estados e do Distrito Federal, os dos Tribunais
Regionais Federais, dos Tribunais Regionais Eleitorais e do Trabalho, os
membros dos Conselhos ou Tribunais de Contas dos Municípios e os do
Ministério Público da União que oficiem perante tribunais;”
Os casos de foro especial por prerrogativa de função no STJ dividem-se em dois
grupos: as autoridades ali julgadas em ação penal ordinária por crimes comuns, e
aquelas julgadas por crimes comuns e por crimes de responsabilidade.
Os governadores dos Estados e do Distrito Federal são os integrantes do primeiro
grupo. Isso se dá no âmbito dos crimes comuns, pois o modelo de impeachment se reflete
em todos os Chefes do Poder Executivo, que são todos os prefeitos dos municípios
brasileiros, além dos governadores e do Presidente da República, decorrente do
federalismo tridimensional.
Se o impeachment do Presidente é decretado no Senado (art. 52 c/c art. 85), o
governador é sujeito a impeachment na Assembleia Legislativa do Estado e o prefeito, na
Câmara Municipal. A priori, julga-se o impeachment do chefe do Executivo no
parlamento. No caso do prefeito, alguns crimes são julgados na câmara, outros no
Tribunal de Justiça. O marco legal do impeachment para o presidente e os governadores é
o mesmo. Já o do prefeito foi regulamentado pelo Decreto-lei nº 201/67, que divide as
hipóteses de julgamento.
As demais autoridades são julgadas tanto nos crimes comuns, quanto nos de
responsabilidade. A Lei Orgânica da Magistratura Nacional (LOMAN) define como
desembargadores os membros do tribunal de justiça do estado. O problema é que
com a CF/88, foram criados os TRFs e não houve alteração da LOMAN no sentido de
redesenhar as definições técnicas dos cargos. Contudo, os regimentos internos chamam
os magistrados dos TRFs de desembargadores. Parece que a transição não se
aperfeiçoou. Nos primeiros anos de vigência da CF/88, chamavam-se os membros dos
51
TRFs de juízes federais, como na primeira instância.
Os desembargadores integravam o que outrora era chamado de tribunal da
relação, existentes em Portugal até hoje como tribunais de segunda instância
regionalizados. No Brasil Colônia, os tribunais da relação eram passíveis de impugnação
da casa de suplicação de Lisboa.
Criamos aqui uma espécie de casa de suplicação, sediada no Rio de Janeiro, que
foi transformada no Supremo Tribunal de Justiça e, em seguida, no STF. Os tribunais da
relação, que eram compostos por desembargadores, se tornaram os tribunais de
apelação. A CF/88 simplesmente não criou o título em âmbito federal na segunda
instância. Os TRFs são originários do tribunal federal de recursos, cujos membros se
denominavam ministros. Então, a Constituição não adicionou nobilidade ao título. Dessa
forma, inclui-se, também, nas competências originárias do STJ o julgamento em crimes
comuns e de responsabilidade dos desembargadores dos TRFs.
O Tribunal de Contas da União é um órgão de auxílio ao Senado Federal e, pela
incidência do princípio da simetria, essa relação vale para os Estados também, sendo eles
órgãos auxiliares das Assembleias Legislativas. Aqui, o foro é concedido aos conselheiros
dos tribunais de contas dos estados e municípios, já que os ministros do TCU têm foro no
STF.
Os tribunais de contas municipais existem apenas no Rio de Janeiro e São Paulo,
visto que a CF/88 vedou a criação desses órgãos, mas não extinguiu os já existentes. A
solução da CF/88 foi a mesma para o conselheiro do TCE e do TCM, pois o TCE auxilia
tanto as Assembleias Legislativas, quanto as Câmaras Municipais. A função exercida é a
mesma, então o foro é o mesmo.
Temos, ainda, o foro para os membros do Ministério Público da União que oficiem
perante tribunais. Segundo o art. 128, o MPU se divide em Ministério Público Federal,
Ministério Público do Trabalho e Ministério Público Militar. O Ministério Público está
onde o Poder Judiciário estiver, apesar de ser dele independente. Os procuradores que
oficiem perante a primeira instância, portanto, não se beneficiarão deste foro.
A Lei Complementar nº 73/93 (Lei Orgânica do MPU) divide os cargos do MPU. Os
procuradores regionais da República são os procuradores da república no âmbito dos
TRFs. Quando são promovidos ao ofício perante o STJ, tornam-se subprocuradores gerais
da república. Essa regra tem como exceção o Procurador Geral da República, que é
52
membro do MPU e oficia perante tribunal, será julgado pelo STF nos crimes comuns e
pelo Senado nos crimes de responsabilidade. Não há incongruência nessa exceção devido
ao princípio da especialidade.
“Art. 105. Compete ao Superior Tribunal de Justiça:
I - processar e julgar, originariamente:
b) os mandados de segurança e os habeas data contra ato de Ministro de
Estado, dos Comandantes da Marinha, do Exército e da Aeronáutica ou do
próprio Tribunal;”
Na alínea B, determina-se a competência de ação cívica: os remédios
constitucionais. O mandado de segurança impetrado contra ato de comandante de Força
é de competência originária do STJ, assim como no caso de ato coator de ministro de
estado. Aqui funciona a regra geral do mandado de segurança, já que ele mesmo julga.
Cabe lembrar que os Comandantes têm status equivalente ao de ministro. Por isso, a
competência é a mesma.
“Art. 105. Compete ao Superior Tribunal de Justiça:
I - processar e julgar, originariamente:
c) os habeas corpus , quando o coator ou paciente for qualquer das
pessoas mencionadas na alínea "a", ou quando o coator for tribunal sujeito
à sua jurisdição, Ministro de Estado ou Comandante da Marinha, do
Exército ou da Aeronáutica, ressalvada a competência da Justiça Eleitoral; ”
Vale a regra geral do habeas corpus. O STJ julgará, então, habeas corpus impetrado
contra ato de Tribunal de Justiça, por exemplo. Quando o coator for ministro de estado
ou comandante de força, ressalvada a competência da justiça eleitoral.
“Art. 105. Compete ao Superior Tribunal de Justiça:
I - processar e julgar, originariamente:
d) os conflitos de competência entre quaisquer tribunais, ressalvado o
disposto no art. 102, I, "o", bem como entre tribunal e juízes a ele não
vinculados e entre juízes vinculados a tribunais diversos;”
53
A alínea D prevê os casos em que o STJ julga conflitos de competência. Aqui, já
encontramos exceções à regra geral estabelecida de que o tribunal competente para
julgar o conflito de competências é o primeiro tribunal em comum. Estão ressalvadas as
competências delineadas pelo art. 102, alínea O.
Juízos vinculados a tribunais diversos são de competência do STJ, como quando há
conflito de competência entre TRFs. Se envolver tribunal superior, será de competência
do STF. Com base no princípio da especialidade, há exceções, já que certas normas
determinam outras funções e são consideradas normas especiais. Um exemplo disso é o
art. 106, que versa sobre a competência da Justiça Federal.
“Art. 105. Compete ao Superior Tribunal de Justiça:
Não há novidade quanto às ações rescisória, às revisões criminais e às
reclamações, que serão julgadas pelo próprio STJ, conforme a regra estabelecida. O órgão
interno que processará e julgará a causa será determinado pelo regimento interno da
corte.
“Art. 105. Compete ao Superior Tribunal de Justiça:
A alínea G trata do conflito de atribuições. Não se trata de conflito jurisdicional:
é um conflito de natureza administrativa. A competência é naturalmente decisória,
ligada à atividade judicante. Trata-se de atribuição administrativa de órgão executivo e
órgão judiciário, em sua função atípica de administração. Um exemplo disso seria um
conflito de atribuição entre um órgão do Ministério Público (que, por exclusão, se
54
enquadra no Executivo) e um órgão do Judiciário.
“Art. 105. Compete ao Superior Tribunal de Justiça:
A alínea H trata do mandado de injunção, nos casos em que a elaboração da
norma faltante for de competência de órgão (excetuadas as competências do STF, Justiça
Eleitoral, Federal ou do Trabalho). Não se pode dizer que é uma competência residual,
pois esta já é da Justiça Estadual. Há, na verdade, uma margem de residualidade, visto
que faz-se ressalvas, mas se determina qual será a competência do STJ.
“Art. 105. Compete ao Superior Tribunal de Justiça:
55
STJ age, atipicamente, como tribunal de apelação. Contudo, não é simétrica à
competência recursal ordinária do STF. Aqui, é conferido tratamento diferenciado aos
remédios constitucionais.
“Art. 105. Compete ao Superior Tribunal de Justiça:
II - julgar, em recurso ordinário:
a) os habeas corpus decididos em única ou última instância pelos
Tribunais Regionais Federais ou pelos tribunais dos Estados, do Distrito
Federal e Territórios, quando a decisão for denegatória;
b) os mandados de segurança decididos em única instância pelos
Tribunais Regionais Federais ou pelos tribunais dos Estados, do Distrito
Federal e Territórios, quando denegatória a decisão; ”
Tem competência recursal ordinária para processar e julgar decisão denegatória
de mandado de segurança advinda dos tribunais superiores em única instância,
enquanto que processará e julgará o habeas corpus quando este for denegado em última
ou única instância.
Essa diferenciação não se dá no âmbito da Suprema Corte. Na alínea A, o STJ é
instância recursal no que diz respeito a essas decisões. No caso do habeas corpus,
ensejará, atipicamente, um triplo grau de jurisdição, pois se trata de recorribilidade
ordinária, já que o constituinte permitiu o acesso ao STJ por via ordinária.
No caso das decisões denegatórias de mandado de segurança em única instância,
simplesmente exercerá o duplo grau de jurisdição. Isso se dá pela sensibilidade do
direito tutelado pelo habeas corpus. Por sua vez, o mandado de segurança é um remédio
constitucional de natureza residual, vide o próprio texto da Carta Magna.
Dependendo do ordenamento jurídico nacional, o habeas corpus pode ser mais ou
menos amplo. Já era previsto pelo Código de Processo Criminal do Império e sua origem
tem raízes no medievo.
Em primeira instância, o recurso que cabe quando for denegado o habeas corpus
é o recurso em sentido estrito (recurso típico do Processo Penal).
O nomenclatura Recurso Ordinário Constitucional (ROC) é uma construção
ordinária. Não foi conferido pelo legislador, mas pelo próprio texto constitucional.
56
“Art. 105. Compete ao Superior Tribunal de Justiça:
II - julgar, em recurso ordinário:
c) as causas em que forem partes Estado estrangeiro ou organismo
internacional, de um lado, e, do outro, Município ou pessoa residente ou
domiciliada no País;
Considerando competente a autoridade brasileira, a competência originária será
do juiz federal, ensejando recurso ordinário direto ao STJ (per saltum) , e não ao TRF da
região. Isso traduz a busca de uma estabilidade jurisprudencial em questão que poderá
impactar a soberania nacional.
B.3) COMPETÊNCIAS RECURSAIS ESPECIAIS
As competências do STJ em recurso especial são aquelas que mais caracterizam
este tribunal.
“Art. 105. Compete ao Superior Tribunal de Justiça:
III - julgar, em recurso especial, as causas decididas, em única ou última
instância, pelos Tribunais Regionais Federais ou pelos tribunais dos
Estados, do Distrito Federal e Territórios, quando a decisão recorrida:
a) contrariar tratado ou lei federal, ou negar-lhes vigência;”
Em primeiro lugar, temos a origem do REsp nos tribunais dos estados, TRFs e TJMs
(nos estados de RS, MG e SP). Quando o constituinte se refere ao tribunal do estado, não
se refere às turmas recursais, visto que elas não são tribunais. Essa redação é do tempo
em que ainda havia tribunais de alçada.
Também é possível quando a decisão contrariar tratado internacional ou lei
federal, que têm, em sua maioria, a mesma autoridade, salvo os tratados de autoridade
supralegal.
“Art. 105. Compete ao Superior Tribunal de Justiça:
57
III - julgar, em recurso especial, as causas decididas, em única ou última
instância, pelos Tribunais Regionais Federais ou pelos tribunais dos
Estados, do Distrito Federal e Territórios, quando a decisão recorrida:
b) julgar válido ato de governo local contestado em face de lei federal;”
Um dado importante sobre o STJ é a sua comparação às Cortes de Cassação da
Europa Ocidental. Ele não pode ser classificado como uma delas, ainda que também se
destinem ao controle de legalidade.
As cours de cassation vão além do duplo grau de jurisdição. Há, na França, os
tribunais de primeira instância e as cortes de apelação, que fazem o segundo grau da
jurisdição. O modelo de cassação permite que as decisões dos tribunais de apelação
sejam impugnadas quando forem manifestamente contrárias ao direito nacional
legislado, por meio do recurso pourvoi en cassation, equivalente lógico ao REsp, que
excede a recorribilidade ordinária.
A grande diferença entre os nossos sistemas é que o recurso do direito francês
cassa a decisão e devolve à segunda instância para julgamento (renvoi) . Assim, não se
trata de terceiro grau de jurisdição, mas apenas de uma instância especial. Não faz o
julgamento da matéria, isso será feito pela corte de apelação. Apenas se manifesta
quando provocada, tendo o princípio da inércia jurisdicional em mente.
Segundo o princípio da deferência, a corte de apelação respeitará a decisão da
corte de cassação, dado que esta também se trata de um tribunal de defesa e guarda da
lei, como o STJ. Prevê, ainda, um segundo pourvoi en cassation, caso a corte de apelação
persista na manutenção do julgamento. Aqui, a corte de cassação julgará a matéria de
fundo.
O STJ, por sua vez, julga o recurso na íntegra. Tem autoridade para desconstituir
o acórdão e analisar o mérito. Pode até haver o trânsito em julgado. Então, não adotamos
o sistema de cassação, mas o modelo de tribunal superior. Há casos em que o STJ
também devolve o processo para o tribunal originário, como na situação de
incompletude de prestação jurisdicional, fato contrário à indeclinabilidade da
jurisdição.
A hipótese de interposição recursal dúplice demonstra com clareza a natureza
extraordinária dos recursos extraordinário e especial, além da concepção de que o STF
constituiria uma quarta instância. Como ensinado por Sálvio de Figueiredo Teixeira,
58
temos duas grandes instâncias. As demais são extraordinárias.
Se um acórdão da quarta câmara cível de Niterói afrontar diretamente a CF/88,
caberá recurso extraordinário direto ao STF, o que já demonstra que esta corte não se
trata de uma quarta instância. Caso contrarie a lei federal, caberá REsp ao STJ. Se a
oitava câmara cível do TJRJ proferir acórdão manifestamente contrário à CF e à lei
federal, teremos uma dupla ofensa e, consequentemente, uma hipótese de dúplice
interposição recursal. Não falamos aqui de terceira e quarta instâncias, mas da
provocação de duas instâncias extraordinárias.
O ordenamento processual dita que o recurso extraordinário deverá esperar pela
tramitação do REsp, a fim de evitar contrariedade decisória. Além disso, o recurso
extraordinário poderá perder seu objeto se deferido o REsp. Isso porque o interesse da
parte já terá sido elidido, já que a coisa julgada foi desconstituída.
O REsp só admite discussão quanto à legalidade, enquanto o recurso
extraordinário só admite a discussão acerca da constitucionalidade, o que é
complicado, pois o ordenamento jurídico é muito denso e há uma grande zona cinzenta
entre as matérias. São tribunais distintos com competências distintas, que não vinculam
um ao outro.
“Art. 105. Compete ao Superior Tribunal de Justiça:
III - julgar, em recurso especial, as causas decididas, em única ou última
instância, pelos Tribunais Regionais Federais ou pelos tribunais dos
Estados, do Distrito Federal e Territórios, quando a decisão recorrida:
c) der a lei federal interpretação divergente da que lhe haja atribuído
outro tribunal.
Se a decisão recorrida foi divergente quanto à interpretação de outro tribunal.
Advém do papel de uniformização da jurisprudência nacional. Não se trata de
qualquer dissidência interpretativa, mas de uma insegurança hermenêutica.
59
C) TRIBUNAIS REGIONAIS FEDERAIS
C.1) COMPETÊNCIAS ORIGINÁRIAS
“Art. 108. Compete aos Tribunais Regionais Federais:
A alínea B trata das ações rescisórias e revisões criminais, cuja competência é do
TRF, no tangente aos seus próprios julgados e aos dos juízes federais de suas respectivas
regiões, já que compete ao tribunal de segunda instância julgar a ação rescisória e
revisão criminal propostas contra decisão de primeira instância.
Há um caso em que o TRF desconstituirá decisão de juiz de direito: quando ele
estiver no exercício de competência federal, visto que a Justiça Federal não é tão
interiorizada e, por vezes, não há vara federal correspondente àquele juízo. Só se admite
esse exercício de competência por parte do juiz de direito nos casos explicitados pela
legislação civil e processual.
“Art. 108. Compete aos Tribunais Regionais Federais:
A alínea C trata do habeas data e do mandado de segurança contra ato do
próprio tribunal e do juiz federal. O mandado de segurança contra ato de juiz será
60
julgado pelo tribunal acima, e contra ato de tribunal, pelo próprio tribunal. A regra do
habeas data, via de regra, coincide com a do mandado de segurança.
“Art. 108. Compete aos Tribunais Regionais Federais:
A alínea D trata do habeas corpus quando a autoridade coatora for juiz federal.
Quando o coator for desembargador federal, quem julgará é o STJ.
“Art. 108. Compete aos Tribunais Regionais Federais:
I - processar e julgar, originariamente:
e) os conflitos de competência entre juízes federais vinculados ao
Tribunal;”
A alínea E traz a competência para julgamento de conflitos de competência que
envolva juízes federais da mesma região. Caso pertençam a regiões distintas, o conflito
será julgado pelo STJ. Um conflito de competência entre vara estadual e federal poderá
ser de competência originária do STJ (se se situarem em regiões distintas) ou do TRF (se
se situarem na mesma região), quando decorrer do exercício judicante federal pela vara
de justiça do estado membro. É como se fosse um conflito de competência entre duas
varas federais.
C.2) COMPETÊNCIAS RECURSAIS ORDINÁRIAS
“Art. 108. Compete aos Tribunais Regionais
Federais:
II - julgar, em grau de recurso, as causas
decididas pelos juízes federais e pelos juízes
estaduais no exercício da competência
federal da área de sua jurisdição.”
As competências recursais dos TRFs são as mais características destes tribunais,
visto que são, tradicionalmente, tribunais de apelação. São recursos de livre motivação.
Receberá os recursos proferidos, monocraticamente, pelas varas federais de sua região,
61
além das varas de justiça estadual em sua região no exercício de função federal.
D) JUÍZES FEDERAIS
Analisaremos, agora, as competências dos juízes federais, na primeira instância.
Exercem tanto competência cível, quanto criminal. São competências exclusivamente
originárias.
“Art. 109. Aos juízes federais compete processar e julgar:
I - as causas em que a União, entidade autárquica ou empresa pública
federal forem interessadas na condição de autoras, rés, assistentes ou
oponentes, exceto as de falência, as de acidentes de trabalho e as sujeitas à
Justiça Eleitoral e à Justiça do Trabalho;”
É um inciso tipicamente definidor de competência cível. Isso significa que a
Justiça Federal é, acima de tudo, uma justiça que defende os interesses da
administração pública.
A Justiça Federal passou a existir com a República, em 1890, por meio de lei e,
depois, pela Constituição de 1891. O Império, por ser estado unitário, não tinha Justiça
Federal.
Na Europa continental, como um todo, a justiça administrativa se encontra no
Poder Executivo, de acordo com a jurisdição dual. O Brasil se americanizou com a
proclamação da República, portanto, a justiça administrativa se situa no Poder Judiciário,
já que a jurisdição é una.
A Justiça Estadual tem competência para dirimir os conflitos relativos aos estados
e aos municípios, assim como a Justiça Federal tem competência para julgar os conflitos
que envolvam a administração pública. Contudo, a competência da Justiça Estadual é
residual, o que significa que tudo o que não compete aos juízes da União, competirá aos
juízes estaduais.
A União é uma pessoa jurídica de direito público. Para bem executar seus
serviços, pode se desmembrar em pessoas. Assim, uma pessoa pode pertencer a outras.
Aí temos a diferença entre a administração direta e indireta.
62
A competência será atraída ainda que algum dos entes citados entre como
assistente do processo, mesmo que o processo tenha se iniciado na justiça estadual.
A natureza jurídica da entidade autárquica federal é pessoa jurídica de direito
público. Por outro lado, a empresa pública federal, é uma pessoa jurídica de direito
privado. Todo o capital dessas empresas é federal. São advindas da intervenção do
Estado na economia. A autarquia executa serviço do Estado. As universidades privadas,
por exemplo, são delegatárias do poder público. Na sociedade de capital misto, a maior
parte do capital é público, mas não todo.
Assim, a competência para julgar causas envolvendo as empresas públicas é
do juiz de direito. Isso advém do princípio da residualidade, já que tudo o que não é
competência das justiças da União, é da Justiça Estadual.
Excetuam-se as causas de falência, que são de competência do juiz de direito, já
que o art. 109 as excluem expressamente. As causas de falência serão ajuizadas por um
só juízo. Isso decorre do princípio do juízo universal da falência. Quando a falência é
decretada, constitui-se a massa falida, que é uma universalidade de bens. O juiz nomeia
um administrador da massa falida, para que os créditos dos credores insatisfeitos sejam
sanados. Isso se dá ainda que a União tenha crédito tributário.
A residualidade passa por um duplo critério: examina-se se a competência é de
algum dos ramos da justiça especializada e, em seguida, se é de competência da justiça
federal. Os acidentes de trabalho eram julgados pela justiça estadual segundo esta
premissa. Com a EC nº 45/04, o constituinte derivado transplantou a competência para a
Justiça do Trabalho.
A Justiça Militar não é mencionada, pois trata apenas de competência cível,
competência essa que os juízos militares da União não têm. Portanto, nem precisa ser
mencionada.
“Art. 109. Aos juízes federais compete processar e julgar:
63
estrangeiro ou organismo internacional;”
Julgará também os conflitos envolvendo o município ou seu residente e estado
estrangeiro ou organismo internacional. Além disso, as causas fundadas em
tratado-contrato entre a União e estado estrangeiro ou organismo internacional.
“Art. 109. Aos juízes federais compete processar e julgar:
IV - os crimes políticos e as infrações penais praticadas em detrimento de
bens, serviços ou interesse da União ou de suas entidades autárquicas ou
empresas públicas, excluídas as contravenções e ressalvada a competência
da Justiça Militar e da Justiça Eleitoral;”
O inc. IV inaugura as competências criminais dos juízes federais, que estão
espraiadas pelo restante do artigo, juntamente com as demais competências cíveis.
Contudo, este dispositivo é a alma das competências criminais.
No Brasil, diferentemente do que ocorre nos Estados Unidos, não temos crimes
federais. Apenas há uma partilha de competências entre a União e os Estados. Existe a
competência federal para processo e julgamento de crimes, mas não o crime federal em
si. Toda a competência criminal brasileira é da União Federal, conforme determinado no
art. 21 da CF/88.
Contudo, pode haver delegação vertical da União aos Estados por meio de Lei
Complementar. Ela nunca aconteceu durante a vigência da CF/88. Um crime de peculato
cometido contra a Caixa Econômica Federal, por exemplo, será julgado pelo juiz federal,
a priori.
As contravenções penais, ainda que tendentes ao desaparecimento, continuam
vigentes no direito brasileiro. Muitas não foram recepcionadas pela CF/88.
Historicamente, as infrações penais estão divididas em crimes e contravenções. O
legislador constituinte temeu que o vocábulo "crimes" fosse interpretado tão
amplamente que as contravenções seriam incluídas. Portanto, competirá ao juiz de
direito julgar as contravenções cometidas contra os entes elencados neste título, pelo
princípio da residualidade.
64
As causas sujeitas à Justiça Militar e à Justiça Eleitoral estão excetuadas, pois
ambas as justiças têm competência judicial criminal. O critério diferencial de
competências é a primazia da justiça especializada. Dessa forma, não será julgado pela
Justiça Federal Comum.
“Art. 109. Aos juízes federais compete processar e julgar:
V - os crimes previstos em tratado ou convenção internacional, quando,
iniciada a execução no País, o resultado tenha ou devesse ter ocorrido no
estrangeiro, ou reciprocamente;”
Como já visto, os tratados ou as convenções internacionais têm autoridade de lei
federal, então podem determinar crimes. Muitas vezes, o crime versado por eles já está
tipificado no ordenamento jurídico penal nacional.
“Art. 109. Aos juízes federais compete processar e julgar:
VI - os crimes contra a organização do trabalho e, nos casos
determinados por lei, contra o sistema financeiro e a ordem
econômico-financeira;”
O inc. VI traz a competência para o julgamento dos crimes contra a organização
do trabalho. Este item foi alvo de calorosos debates em virtude da EC nº 45/04, em que as
associações nacional e regionais da magistratura do trabalho reivindicavam a
transposição desta competência para a Justiça do Trabalho.
É competência da Justiça Federal Comum e não da Justiça Estadual, pois o
trabalho foi consolidado como um valor nacional, graças ao governo Vargas e a
implementação do estado de bem-estar social no Brasil. Isso deflagrou o modelo da
intervenção federal sobre a organização do trabalho. Por isso, a própria Justiça do
Trabalho é federal. Dessa forma, ainda que não toque diretamente a pessoa da União
Federal, tange a valores nacionais.
Os crimes contra o sistema financeiro nacional e a ordem econômico-financeira
foram instituídos por leis extravagantes.
“Art. 109. Aos juízes federais compete processar e julgar:
65
VII - os habeas corpus, em matéria criminal de sua competência ou
quando o constrangimento provier de autoridade cujos atos não estejam
diretamente sujeitos a outra jurisdição;
No inc. VII, trata-se do habeas corpus, ainda uma competência criminal de tutela,
quando o coator for agente federal que não esteja diretamente sujeito a nenhuma outra
jurisdição, como o delegado da polícia federal ou o auditor fiscal da Receita Federal.
Não há dúvidas de que o Presidente da República ou um desembargador federal
sejam agentes federais, mas têm os habeas corpus contra seus atos julgados,
respectivamente, pelo STF e pelo STJ, estando, assim, diretamente sujeitos a outra
jurisdição. Em verdade, o melhor é dizer que estão sujeitos a outra competência.
“Art. 109. Aos juízes federais compete processar e julgar:
VIII - os mandados de segurança e os habeas data c ontra ato de
autoridade federal, excetuados os casos de competência dos tribunais
federais; ”
Excetuados os casos de competência dos tribunais federais, o inc. VIII trata da
competência para processar e julgar mandado de segurança e habeas data contra ato de
autoridade federal.
IX - os crimes cometidos a bordo de navios ou aeronaves, ressalvada a
competência da Justiça Militar; ”
66
“Art. 109. Aos juízes federais compete processar e julgar:
O inc. X traz tanto competências cíveis, quanto criminais. Fala-se do crime de
ingresso e permanência irregular no país. É competência federal, pois envolve a
soberania nacional. No âmbito cível, cabe ao juiz federal a execução após a concessão de
exequatur pelo STJ.
O inc. XI traz a competência para processo e julgamento das disputas sobre os
interesses da coletividade dos povos indígenas. O texto constitucional se preocupa muito
com a tutela e proteção desses grupos, dedicando a eles um título próprio, como forma de
reparação histórica. Por isso, houve uma tendência à federalização da matéria.
“§1º As causas em que a União for autora serão aforadas na seção
judiciária onde tiver domicílio a outra parte.”
O §1º determina que as causas em que a União for autora serão julgadas no foro
do domicílio da outra parte. Sempre se entendeu a Justiça Federal como uma justiça
fazendária, um ramo do Poder Judiciário que denota certa desigualdade em relação a
outra parte. Dessa forma, tentou-se mitigar este descompasso.
“§2º As causas intentadas contra a União poderão ser aforadas na seção
judiciária em que for domiciliado o autor, naquela onde houver ocorrido o
ato ou fato que deu origem à demanda ou onde esteja situada a coisa, ou,
ainda, no Distrito Federal.”
O §2º estabelece uma elegibilidade de foro pelo autor: seu domicílio, o Distrito
Federal, o lugar de ocorrência do fato, ou onde a coisa se situe. Tal disposição está em
consonância com a motivação que originou aquelas do parágrafo anterior. Assim, o
autor poderá eleger o foro cujo histórico de decisões seja mais favorável a sua demanda,
67
por exemplo.
“§ 3º Lei poderá autorizar que as causas de competência da Justiça Federal
em que forem parte instituição de previdência social e segurado possam
ser processadas e julgadas na Justiça Estadual quando a comarca do
domicílio do segurado não for sede de vara federal. ”
O §3º versa sobre a competência da Justiça Estadual para processar e julgar
causas previdenciárias no domicílio do segurado ou beneficiário quando a comarca
correspondente não for sede de vara federal. Aqui, também visa-se à tutela do elo mais
frágil da relação processual. É um caso de delegação da competência federal ao juízo
estadual. Caso esta competência não esteja determinada em lei, dever-se-á deslocar à
vara federal mais próxima.
“§4º Na hipótese do parágrafo anterior, o recurso cabível será sempre
para o Tribunal Regional Federal na área de jurisdição do juiz de
primeiro grau.”
O §4º determina que os recursos às decisões advindas do parágrafo supracitado
serão encaminhados ao TRF da região.
O §5º deve ser analisado em conjunto com o inc. V-A, motivo pelo qual
postergamos o seu estudo:
“Art. 109. Aos juízes federais compete processar e julgar:
V-A as causas relativas a direitos humanos a que se refere o § 5º deste
artigo;”
“§5º Nas hipóteses de grave violação de direitos humanos, o
Procurador-Geral da República, com a finalidade de assegurar o
cumprimento de obrigações decorrentes de tratados internacionais de
direitos humanos dos quais o Brasil seja parte, poderá suscitar, perante o
Superior Tribunal de Justiça, em qualquer fase do inquérito ou processo,
incidente de deslocamento de competência para a Justiça Federal.”
Nas hipóteses de graves violações de direitos humanos, o Procurador Geral da
República poderá solicitar incidente de deslocamento de competência para a Justiça
68
Federal perante o STJ. Foi uma disposição introduzida pela EC nº 45/04, tendo em vista as
pressões locais que podem vir a comprometer a imparcialidade do julgamento e a
integridade das investigações. Há requisitos: graves violações a direitos humanos que
tenham repercussões nos tratados internacionais dos quais o Brasil é parte e atribuição
exclusiva do Procurador Geral da República para a provocação do STJ, a fim de que este
desloque a competência.
E) JUSTIÇA DO TRABALHO
As competências da Justiça do Trabalho estão elencadas no art. 114.
Há de se observar que a EC nº 45/04 estabeleceu intensas transformações neste
ramo da justiça especializada. Antes de sua promulgação, o artigo em análise se tratava
um parágrafo único.
apenas de um caput e
A onda neoliberal dos anos 90 visava a extinguir ou a reduzir o escopo de atuação
desta Justiça. Foi bloqueado pela ascensão dos governos nacional-desenvolvimentistas no
início deste século, que ampliou a sua atuação. O movimento de constrição da Justiça do
Trabalho retorna no atual cenário histórico-político.
“Art. 114. Compete à Justiça do Trabalho processar e julgar:
I - as ações oriundas da relação de trabalho, abrangidos os entes de
direito público externo e da administração pública direta e indireta da
União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios;”
Não estamos aqui nos referindo apenas aos conflitos que dizem respeito aos
contratos de trabalho; as relações de trabalho vão muito além disso. Há um índice muito
elevado de informalidade no Brasil. Se fosse meramente uma justiça do contrato de
trabalho, seria muito celetista. No âmbito do direito do trabalho, há o reconhecimento de
vínculo, que, por meio de provas, permite que o juiz reconheça a relação do trabalho,
apesar da ausência das formalidades contratuais.
Incluem-se os entes da administração pública direta e indireta dos Estados,
Municípios e União, além dos de direito público externo. Contudo, os servidores públicos
vinculados à União, Estados e Municípios não têm seus litígios trabalhistas atrelados a
69
essa justiça, conforme estabelecido pela jurisprudência do STF.
As relações laborais entre servidor público investido em cargo de provimento
estável ou comissionado e a administração pública se caracterizam como vínculo
institucional, não vínculo contratual. Portanto, não se associam à Justiça do Trabalho. É
uma relação de pertencimento, não um acordo de vontades como é o contrato de
trabalho, por mais desiguais que sejam as partes. Será da Justiça Estadual ou da Justiça
Federal, dependendo do ente federativo ao qual o servidor público estiver vinculado.
Um auditor fiscal da Receita Federal, por exemplo, não discutirá pagamento de
verba vencimental perante à Justiça do Trabalho, mas perante à Justiça Federal, já que
seu vínculo institucional é com a União.
As associações representativas da magistratura do trabalho defendem que este
inciso deveria abarcar também os servidores públicos.
Há uma distância entre o que a CF/88 sonhou para o Brasil e o que, de fato, pôde
ser feito. Pelo art. 37 da Constituição, o acesso ao cargo público se dará exclusivamente
por concurso público, presumindo que esta seja uma via isonômica de acesso.
Com o tempo, verificou-se que o país não teria condições de cumprir tal promessa
devido ao descompasso institucional entre os municípios, principalmente. A sua
maioria não tem condições estruturais para possuir um estatuto do servidor próprio ou
realizar concursos, o que deve ser feito, tendo em vista o federalismo tridimensional. O
estatuto dos servidores públicos civis rege de maneira geral esta classe, e não a CLT, que
disciplina os contratos trabalhistas. Essa impossibilidade municipal faz com que sejam
corriqueiras as contratações trabalhistas comuns para que o município possa funcionar.
Nesses casos, o conflito entre estes indivíduos e a administração pública serão
processados pela Justiça do Trabalho.
Há de se mencionar as contratações trabalhistas feitas pela administração pública,
não porque o município carece de estrutura institucional, mas porque o vínculo em
questão é naturalmente trabalhista. São os casos das empresas públicas e das
sociedades de economia mista. São eles os empregados públicos, vinculados pelos
contratos típicos da CLT.
A menção aos entes da administração pública externa nada tem a ver com a
soberania brasileira, mas com as representações diplomáticas estrangeiras no Brasil.
70
De modo geral, os consulados são órgãos de representação. Então, o conflito será entre
seu funcionário e o estado de origem. A lei brasileira terá de resolver o problema da
competência, cuja resposta será dada casuisticamente. Se tiver um vínculo institucional,
discutirá com o estado de origem. Por vezes, contrata-se brasileiros para o exercício de
funções dentro destes órgãos.
A Associação Nacional dos Magistrados da Justiça do Trabalho (Anamatra) critica
o fato de as competências da Justiça do Trabalho não terem sido divididas entre as
instâncias, como foi feito com a Justiça Federal, o STJ e o STF. Deveria ter dividido as
competências entre originárias, recursais e de revista no TST. Então, defendeu a
promulgação de uma emenda constitucional que fizesse essa mudança, mas ela não
passou.
A ratio essendi do inc. I se aplica, simetricamente, aos demais incisos do art. 114.
“Art. 114. Compete à Justiça do Trabalho processar e julgar:
II - as ações que envolvam exercício do direito de greve;”
A Justiça Comum poderá julgar estes conflitos, caso se trate de greve de
servidor público. O ramo da Justiça Comum dependerá de qual ente federativo o
servidor tem vínculo institucional. O precedente do mandado de injunção nº 708 afirma
a aplicação subsidiária da lei de greve do trabalhador do setor privado ao servidor
público por falta de regulação do direito de greve destes.
“Art. 114. Compete à Justiça do Trabalho processar e julgar:
III - as ações sobre representação sindical, entre sindicatos, entre
sindicatos e trabalhadores, e entre sindicatos e empregadores;”
Os sindicatos surgem como representação dos empregados. Na evolução deste
instituto, as forças de produção também passaram a ser representadas por eles. Temos
sindicatos, federações e confederações sindicais, tamanha foi a complexidade que este
instituto assumiu. A Justiça do Trabalho é o ramo do Poder Judiciário que preside as
relações entre capital e trabalho, então às vezes surgem conflitos entre os sindicatos e
uma dessas partes, ou mesmo entre sindicatos.
71
“Art. 114. Compete à Justiça do Trabalho processar e julgar:
habeas data, quando o
IV - os mandados de segurança, habeas corpus e
ato questionado envolver matéria sujeita à sua jurisdição;”
O inc. IV afirmou competência que a Justiça do Trabalho já tinha antes da
promulgação da EC nº 45/04 e introduziu uma nova: o habeas corpus. Anteriormente, a
Justiça do Trabalho não tinha qualquer forma de competência criminal. Continua não
tendo competência criminal condenatória. Os crimes contra a organização do trabalho
são competência dos juízes federais, por exemplo. O habeas corpus não é tratado pelo
processo civil, mas pelo processo penal. É ação de liberdade, não condenatória. Existe
desde o Império, com o Código de Processo Criminal. Portanto, está dentro da
competência criminal, não da civil.
O habeas corpus era frequente na Justiça do Trabalho, mas agora sua presença é
rara. Isso se deu por uma questão jurisprudencial. A prisão no direito brasileiro é
sempre penal, salvo nos casos previstos pela Constituição: a prisão do devedor de
alimentos e a prisão do depositário infiel, ambas modalidades civis.
Questionou-se se a prisão do depositário infiel afetava o núcleo essencial das
cláusulas pétreas, tendo o Pacto de São José da Costa Rica em vista, no qual apenas a
prisão do devedor de alimentos está prevista. Admitiu-se uma extensão de
jusfundamentalidade baseada nos tratados internacionais.
Os casos de decretação de prisão do depositário infiel eram muito comuns na
Justiça do Trabalho. Na fase da execução, é comum que o devedor nomeie um bem para
garantir o juízo do trabalho. Se esse bem perecer, considera-se que frustrou a execução.
“Art. 114. Compete à Justiça do Trabalho processar e julgar:
V - os conflitos de competência entre órgãos com jurisdição trabalhista,
ressalvado o disposto no art. 102, I, o;”
O inc. V traz os conflitos de competência entre órgãos de jurisdição
trabalhista. O conflito de competência entre a vara do trabalho de Niterói e outra do
Rio, será julgada pelo TRT da primeira região. O TST julgará o conflito entre vara do
trabalho de Niterói e vara do trabalho de Ribeirão Preto. A exceção está no envolvimento
72
do TST nesse conflito, que será julgado originariamente pelo STF, conforme delineado
pela exceção expressa pelo art. 102, I, O.
“Art. 114. Compete à Justiça do Trabalho processar e julgar:
VI - as ações de indenização por dano moral ou patrimonial,
decorrentes da relação de trabalho;”
O inc. VI traz a competência para julgar danos materiais e morais. Aqui,
incluem-se os acidentes de trabalho. O espírito do art. 114 é transformar a Justiça do
Trabalho em uma justiça das relações do trabalho, que inclui as ações indenizatórias.
Cabem também as ações de assédio moral neste conjunto.
“Art. 114. Compete à Justiça do Trabalho processar e julgar:
VII - as ações relativas às penalidades administrativas impostas aos
empregadores pelos órgãos de fiscalização das relações de trabalho;”
O inc. VII traz a competência de julgamento dos conflitos envolvendo órgãos de
fiscalização do trabalho, tarefa da administração pública. Muitas vezes, as sanções
impostas comprometem a existência e funcionalidade da empresa, o que implica uma
análise detida da situação. Caso seja aplicada em questão relativa a infrações à lei
trabalhista, terá de suportar. Às vezes, os desvios de poder ocorrem, sendo sanções
aplicadas sem motivação, por abuso de poder ou corrupção. O empregador poderá
mover ação contra esse excesso. Poderá ser movida uma ação anulatória, ou um
mandado de segurança, por exemplo.
“Art. 114. Compete à Justiça do Trabalho processar e julgar:
VIII - a execução, de ofício, das contribuições sociais previstas no art. 195,
I, a , e II, e seus acréscimos legais, decorrentes das sentenças que proferir;”
A contribuição social é espécie de tributo. Adotamos uma classificação quinária
dos tributos: imposto, taxa, contribuição social, empréstimos compulsórios e
contribuições de melhoria. Neste inciso, nos referimos à contribuição do trabalhador por
meio do desconto na folha. É uma contribuição dúplice: tanto o empregador, quanto o
empregado participam. É endereçado ao FGTS, ao qual todos os trabalhadores da
iniciativa privada pagam tributos. A execução fiscal desses tributos compete ao juiz
73
federal.
O art. 114, VIII faz uma exceção à regra, na qual competirá a execução ao juiz do
trabalho quando percebida de ofício, segundo o princípio da perpetuatio jurisdictionis,
numa tentativa de promover a celeridade da justiça e facilitar a execução do crédito.
Também repercute em âmbito criminal, sob a forma da apropriação indébita.
F) JUSTIÇA ELEITORAL
O texto constitucional vai rareando no tangente à definição das competências pelo
capítulo 3º da CF/88. Já nas competências da Justiça do Trabalho, percebemos que não há
nem mesmo uma divisão entre instâncias. Não é mais tão analítico quanto antes.
O art. 121 praticamente não determina competências da Justiça Eleitoral. Não
delimita as competências originárias de cada instâncias. Se a Constituição não as
determina, isso fica sob o encargo das leis processuais e infraconstitucionais. A lei nº
4.717/65 instituiu o Código Eleitoral, embora muitas de suas disposições não tenham
sido recepcionadas pela CF/88.
Quando falamos do período histórico coincidente com sua promulgação, logo vem
em mente o início do regime militar. O Código Eleitoral é uma codificação típica de
regimes democráticos, então por que foi promulgado durante a ditadura?
No ano de 1964, havia um discurso de que o golpe era uma medida excepcional
para evitar a instauração de um regime comunista no Brasil. Seria um governo de
transição, o que era, inclusive, a pretensão do marechal Castelo Branco. Por isso,
preparou-se o Código Eleitoral. De fato, houve eleições para deputados, mas não para a
Presidência da República, que era feita de forma indireta, pelo Congresso. Cabe também
ressaltar a roupagem democrática do regime militar.
Esse Código revogou o Código Eleitoral de 1932, marco de inauguração da Justiça
Eleitoral no Brasil. Nele, estão elencadas normas de direito material e processual.
“§3º - São irrecorríveis as decisões do Tribunal Superior Eleitoral, salvo as
que contrariarem esta Constituição e as denegatórias de habeas corpus ou
74
mandado de segurança.”
São irrecorríveis as decisões do TSE. A rigor, os recursos se exaurem aqui.
Todavia, a Justiça Eleitoral tem suas peculiaridades. Uma delas está no fato de que os
TREs têm uma carga maior de competências originárias do que os tribunais da Justiça
Comum. Muitas vezes, o recurso ordinário é julgado pelo TSE, ou então esta corte exerce
o controle de legalidade.
A exceção está nos casos de contrariedade à Lei Maior. Caso contrário,
desrespeitar-se-ia o disposto no art. 102, inciso III. Poderá a decisão ser desafiada por
recurso extraordinário, apenas se diretamente contrária à CF/88.
Também são exceções as hipóteses de decisão denegatória de mandado de
segurança e habeas corpus. Aqui, caberá recurso ordinário ao STF, conforme o art. 102,
II. A jurisprudência do STF determinou que o recurso, quando a decisão tiver sido
proferida pelo TSE em grau originário, será ordinário constitucional. Se tiver sido
julgado em grau de recurso, não caberá mais recurso ordinário, mas o extraordinário.
Nesse caso, enquadrar-se-á na hipótese de afronta à Constituição.
“§ 4º - Das decisões dos Tribunais Regionais Eleitorais somente caberá
recurso quando:
I - forem proferidas contra disposição expressa desta Constituição ou de
lei;
Neste parágrafo, são versadas as hipóteses de recorribilidade das decisões dos
TREs ao TSE. No caso de decisão expressamente contrária à Constituição ou à lei,
percebe-se uma diferença em relação à Justiça Comum, na qual os tribunais superiores
geralmente realizam, apenas, o controle de legalidade: no campo da residualidade
recursal, o recurso ordinário é primaz em relação ao recurso especial eleitoral (REsp
eleitoral).
“§ 4º - Das decisões dos Tribunais Regionais Eleitorais somente caberá
recurso quando:
II - ocorrer divergência na interpretação de lei entre dois ou mais
tribunais eleitorais;”
75
Ao TSE também cabe uniformizar a interpretação da lei eleitoral pela via de
recurso especial eleitoral. Aqui, há um paralelo com o art. 105, III, C, hipótese de REsp ao
STJ.
“§ 4º - Das decisões dos Tribunais Regionais Eleitorais somente caberá
recurso quando:
III - versarem sobre inelegibilidade ou expedição de diplomas nas
eleições federais ou estaduais;
IV - anularem diplomas ou decretarem a perda de mandatos eletivos
federais ou estaduais; ”
Os incs. III e IV trazem casos de questões típicas do direito eleitoral, como a ação
de cassação de diploma, questões de inelegibilidade e perda de mandato eletivo. Aqui,
trata-se das eleições federais e estaduais.
O Brasil, no entanto, é uma federação trina. Os municípios são excluídos, pois, por
ser Justiça Especializada, o legislador entendeu que mandato de vereador ou prefeito
ensejará competência do juiz eleitoral, com oportunidade de recurso ordinário ao
TRE. Senadores e deputados federais serão julgados, nesses casos, pelo TRE, com
oportunidade de recurso ordinário ao TSE.
“§ 4º - Das decisões dos Tribunais Regionais Eleitorais somente caberá
recurso quando:
V - denegarem habeas corpus, mandado de segurança, habeas data ou
mandado de injunção.”
No caso do inc. V, o grau do julgamento determinará a espécie de recurso que
poderá ser interposta. Se o TRE estiver julgando originariamente, será recurso ordinário
ao TSE. Se em grau de recurso, será REsp eleitoral, exclusivamente nas hipóteses de
desuniformidade hermenêutica ou afronta à CF/88.
Cabe ressaltar que, se subsistente a inconstitucionalidade após análise do REsp
eleitoral, ainda caberá interposição de recurso extraordinário ao STF.
76
G) JUSTIÇA MILITAR DA UNIÃO
A Justiça Militar da União tem suas competências descritas no art. 124:
“Art. 124. À Justiça Militar compete processar e julgar os crimes militares
definidos em lei.
Parágrafo único. A lei disporá sobre a organização, o funcionamento e a
competência da Justiça Militar.”
Aqui, são relevantes o Código Penal Militar e o Código de Processo Penal Militar.
Esses dois códigos foram promulgados durante o governo da junta militar, entre os
governos Costa e Silva e Médici.
As competências da Justiça Militar da União e do Estado são assimétricas,
conforme veremos a seguir.
H) JUSTIÇA ESTADUAL COMUM
Apesar da residualidade ser a premissa de localização das competências da
Justiça Estadual, mais de 70% dos processos tramitando na Justiça brasileira são de
competência desta esfera. O único ramo de justiça especializada que existe nesse âmbito
é a militar.
“Art. 125. Os Estados organizarão sua Justiça, observados os princípios
estabelecidos nesta Constituição.
§1º A competência dos tribunais será definida na Constituição do Estado,
sendo a lei de organização judiciária de iniciativa do Tribunal de Justiça.”
As competências dos tribunais serão definidas pela Constituição Estadual,
observado o princípio da simetria. A separação dos Poderes na esfera estatal é
intimamente relacionada àquela realizada no âmbito da União.
A lei orgânica disciplina a organização da primeira instância do Poder Judiciário e
será de iniciativa reservada do Tribunal de Justiça, apesar de ser elaborada pela
77
Assembleia Legislativa. O tribunal também poderá propor alterações. O governador
deverá sancioná-la.
“Art. 125. Os Estados organizarão sua Justiça, observados os princípios
estabelecidos nesta Constituição.
§ 2º Cabe aos Estados a instituição de representação de
inconstitucionalidade de leis ou atos normativos estaduais ou municipais
em face da Constituição Estadual, vedada a atribuição da legitimação para
agir a um único órgão.
O parágrafo segundo trata do controle concentrado abstrato, que não é só
competência do STF. Aqui, é feito face a Constituição do Estado pelo plenário do
Tribunal de Justiça ou pelo órgão especial.
A legitimação para agir deve ser plural. Os Estados devem discipliná-la como
melhor lhes aprouver, desde que não estabeleça um legitimado único. O STF entendeu
que o poder constituinte derivado deverá estabelecer um rol de legitimados em um
modal simétrico ao âmbito federal. O princípio da simetria, assim, tolhe as autoridades
locais. Contudo, a simetria não é vinculante, neste caso.
No Rio de Janeiro, por exemplo, o deputado estadual é legitimado, enquanto que o
deputado federal não o é. O STF não criou obstáculos para que isso acontecesse. A
jurisprudência do STF fez uma série de concessões quando àquilo que poderá ser
disposto pelas constituições locais.
78
I) JUSTIÇA MILITAR ESTADUAL
“§3º A lei estadual poderá criar, mediante proposta do Tribunal de Justiça,
a Justiça Militar estadual, constituída, em primeiro grau, pelos juízes de
direito e pelos Conselhos de Justiça e, em segundo grau, pelo próprio
Tribunal de Justiça, ou por Tribunal de Justiça Militar nos Estados em que o
efetivo militar seja superior a vinte mil integrantes.”
Apenas três estados da Federação instituíram o TRM: MG, SP e RS. É uma
faculdade dos estados com mais de 20 mil agentes no efetivo militar.
“§4º Compete à Justiça Militar estadual processar e julgar os militares dos
Estados, nos crimes militares definidos em lei e as ações judiciais
contra atos disciplinares militares, ressalvada a competência do júri
quando a vítima for civil, cabendo ao tribunal competente decidir sobre a
perda do posto e da patente dos oficiais e da graduação das praças.
§5º Compete aos juízes de direito do juízo militar processar e julgar,
singularmente, os crimes militares cometidos contra civis e as ações
judiciais contra atos disciplinares militares, cabendo ao Conselho de
Justiça, sob a presidência de juiz de direito, processar e julgar os demais
crimes militares.”
As dissonâncias entre a Justiça Militar da União e a Justiça Militar Estadual se
fazem presentes nas competências. Assemelha-se quanto à competência para processar e
julgar os crimes militares previstos em lei. Aqui, falamos do mesmo Código Penal Militar.
Diferentemente da Justiça Militar da União, o ramo estadual dessa Justiça tem
competência cível. As ações cíveis propostas por militares estaduais em relação a
sanções disciplinares serão julgadas pelos juízes da Justiça Militar Estadual.
Se um civil invadir um quartel e furtar munição para fornecê-la ao crime
organizado, será julgado pela Justiça Militar da União, já que é um crime militar
cometido contra patrimônio da União ligado ao exército. Não será da Justiça Federal
Comum, pois o art. 109 ressalva a competência da Justiça Militar. A Justiça Militar da
União não tem nenhuma competência para processar e julgar ações propostas por
militares contra sanções militares. Julgará, apenas, ações criminais.
79
Se, a título de exemplo, uma praça da força aérea venha a propor ação anulatória
de determinada sanção administrativa que lhe foi imposta, quem processará e julgará
será o juiz federal, pela premissa da residualidade, já que não é competência da Justiça
Militar da União. Por outro lado, em âmbito estadual, o juiz de direito da justiça militar
faria esse julgamento.
Exclui-se a competência quando a vítima for civil. Será competência do tribunal
júri (art. 5º, inc. XXXVIII/CF). Essa medida foi tomada pelo legislador apenas no âmbito
dos estados. Demonstra uma desconfiança sobre as polícias militares.
Um decreto no governo Temer excluiu essa competência, transplantando-a para a
Justiça Militar da União.
A competência do tribunal do júri pode ser excepcionada por outras
determinações da CF/88, como, por exemplo, o foro por prerrogativa de função.
Os §§4º e 5º enunciam três conjuntos de competência: as do Conselho de Justiça
Militar, do tribunal do júri e do juiz de direito do juízo militar.
O juiz de direito do juízo militar preside o Conselho de Justiça Militar. Se a vítima
é civil, para evitar corporativismo, quem julga é o juiz e não os militares membros do
Conselho de Justiça Militar, monocraticamente. Não se tratam dos crimes dolosos contra
a vida, que irão direto ao tribunal do júri. Também julgará as ações cíveis.
80
FUNÇÕES ESSENCIAIS À JUSTIÇA
A Constituição Federal divide as funções essenciais à Justiça em quatro grandes
instituições: a Defensoria Pública, o Ministério Público, a Advocacia Pública e a
advocacia. Estudaremos a estrutura de cada uma delas e as suas atribuições.
A) MINISTÉRIO PÚBLICO
Dividiremos o estudo do Ministério Público em três fases: estrutura institucional,
princípios e atribuições.
A.1) ESTRUTURA INSTITUCIONAL
O Ministério Público está presente nos Estados e na União. Logo, não está presente
no âmbito municipal. O Ministério Público da União atua perante os ramos de Justiça
Federal, e os Ministérios Público sdos Estados, perante os ramos de Justiça do Estado.
“Art. 128. O Ministério Público abrange:
I - o Ministério Público da União, que compreende:
a) o Ministério Público Federal;
b) o Ministério Público do Trabalho;
c) o Ministério Público Militar;
d) o Ministério Público do Distrito Federal e Territórios;
II - os Ministérios Públicos dos Estados.”
Não se menciona o Ministério Público Eleitoral. No entanto, se o Ministério
Público está onde está o Judiciário, estará também presente nos ramos da justiça
especializada.
A Constituição não é tão extensiva sobre o Ministério Público, então algumas
diplomações legislativas devem ser compreendidas por nós como diplomações
fundamentais à compreensão desta instituição. Por exemplo, a Lei Complementar nº
75/1993 (Lei Orgânica do Ministério Público da União).
O Ministério Público se constitui de procuradores e promotores. Os nomina iura
do Ministério Público muitas vezes se confundem em lei. São, lato sensu, promotores.
81
Este título, stricto sensu, só existe na primeira instância do Ministério Público Estadual e
no Ministério Público do Distrito Federal e Territórios.
Um dos princípios-norte do Ministério Público é do promotor natural. Aqui,
falamos em sentido amplo. É simétrico ao princípio do juiz natural e dele deduzido. O
promotor natural é aquele que tem atribuição disciplinada pela lei infraconstitucional ou
pela constituição no caso concreto. Se o presidente da república vier a ser acusado por
sonegação fiscal, o promotor natural será o Procurador Geral da República. Não se elege
o promotor da causa.
A Lei Orgânica do Ministério Público ainda estabelece, no âmbito da União,
normas gerais sobre os Ministérios Públicos dos Estados. O Estado terá alguma
autonomia, ainda que nosso federalismo seja constritivo.
O Ministério Público não atua apenas na seara criminal, mas também na cível.
Exerce também a função de curadoria, nas tutelas dos interditos. Tem uma atuação
muito ampla.
Em âmbito estadual, a carreira se inicia na promotoria de justiça e se encerra
no âmbito dos tribunais de justiça ou perante seus órgãos fracionários. São eles os
procuradores de justiça, título dos membros do MPE que atuam perante tribunais. É
um standard nacional, já que a autonomia estadual é muito limitada na Federação,
conservando aspectos de estado unitário.
O chefe do MPE é um procurador de justiça que estará nessa condição por dois
anos: o Procurador Geral de Justiça do Estado. É diferente do Procurador Geral do
Estado, que é o chefe da advocacia pública estadual.
Já no MPF, no âmbito da Justiça Federal Comum, teremos, em primeiro grau, os
procuradores da República. Eles são estritamente os membros do MPF em primeira
instância. É comum se referir a qualquer membro do MPF como procurador da
República. Em segunda instância, são procuradores regionais da República. Atuarão
perante as câmaras e turmas dos TRFs.
O STJ recebe recursos tanto dos Tribunais de Justiça quanto dos TRFs. Quem
representa o Ministério Público perante este tribunal, que é uma corte nacional? A lei
orgânica determina que serão os membros do MPF: os subprocuradores gerais da
82
República. Não se confundem com o vice procurador geral da República.
Perante a justiça especializada, temos o Ministério Público do Trabalho,
composto pelos procuradores do trabalho em primeira instância, pelos procuradores
regionais do trabalho em segunda instância e os subprocuradores gerais do trabalho,
perante o TST.
O Ministério Público Militar da União é composto pelos procuradores de justiça
militar em primeira instância. Perante a segunda instância, não há nenhum cargo, já
que não foram instituídos os TRMs. Perante o STM, atuam os subprocuradores gerais
de Justiça Militar.
O art. 128 estabelece a divisão entre Estado e União e inclui nesta seara o MPDFT,
que, curiosamente, não é órgão do Distrito Federal, mas da União Federal. A mudança
nomenclatural (promotores de justiça em primeira instância) se dá pelo fato de que o
MPDFT desempenha tipicamente as funções de Estado, de alçada residual. Então, a CF/88
não disciplina as competências judiciais do Distrito Federal. Aqueles que atuam em
segunda instância são considerados procuradores de justiça.
O STF recepciona o Procurador Geral da República, que é o chefe do Ministério
Público da União. Contudo, há o princípio da unidade do Ministério Público, então é
possível considerá-lo o chefe de todo o Ministério Público.
Os procuradores de justiça elegem uma lista tríplice, vinculante e obrigatória,
para escolher o Procurador Geral de Justiça do estado. O mesmo não ocorre para o
Procurador Geral da República e, por isso, criou-se o costume de a Associação Nacional
dos Procuradores da República elaborar uma lista tríplice periodicamente e entregá-la ao
presidente, que, em deferência à associação, escolhe um deles. Essa lista, no entanto, se
restringe aos membros do MPF tradicionalmente.
A ausência do Ministério Público Eleitoral no texto constitucional se trata de
mais uma das imperfeições técnicas da CF/88. A lei complementar nº 75 o disciplina.
Aqui, também ocorrerá o cúmulo funcional, como no Poder Judiciário. Em sua primeira
instância, são promotores de justiça que cumulam a função de promotores eleitorais.
Perante os TREs, órgãos federais, será o procurador regional eleitoral. Será apenas um
promotor, já que os TREs não se fracionalizam. Sempre funcionam no colégio de sete.
83
O procurador regional eleitoral será proveniente da carreira do MPF. Um
procurador regional da república que atue perante o TRF sediado naquele estado será
eleito bianualmente para exercer esse cúmulo. Se o Estado não for sede de procuradoria
regional da República, o cargo será preenchido pelo procurador da República, de forma
simétrica à composição dos TREs.
Perante o TSE, atuará o Procurador Geral Eleitoral perante seu plenário.
A.2) PRINCÍPIOS INSTITUCIONAIS
A Constituição enuncia três princípios institucionais inerentes ao Ministério
Público: unidade, indivisibilidade e independência funcional. Estão vinculados entre si.
O Ministério Público não pertence ao Judiciário, que é uno, ainda que se divida
estruturalmente, já que a função jurisdicional é una. Um dos mais importantes
julgamentos do STF foi a Ação Direta de Constitucionalidade nº 12, que declarou
constitucional uma resolução do Conselho Nacional de Justiça que vedava a prática do
nepotismo no Judiciário. Aqui, foi reafirmada a unidade da jurisdição, já que os tribunais
dos estados poderiam ser vinculados. De fato, todo o Judiciário estaria vinculado.
Esse raciocínio de unidade se transplanta ao Ministério Público, que se divide
estruturalmente de forma semelhante ao Judiciário. Isso não afasta a sua unidade como
sociedade em juízo. Onde estiver o Poder Judiciário, estará o Ministério Público
representando ou presentando a sociedade.
O princípio da indivisibilidade determina que a voz opinada não se divide entre
seus membros, ainda que a promotoria esteja exercendo meramente a função de custos
legis. Em dadas ações, o Ministério Público se fará presente durante processo por meio
de membros distintos. No procedimento de júri, por exemplo, o promotor que
acompanha o sumarial de culpa será um; no plenário do tribunal do júri, poderá ser
outro. A opinião manifestada será do Ministério Público, não do promotor em si.
Há uma divisão funcional muito marcante no Ministério Público, diferentemente
do que acontece na advocacia, na qual o advogado acompanhará o processo do início ao
fim. Isso não ocorre na França, por exemplo. Entre nós, é comum que membros
tuem no mesmo processo.
diferentes do parquet a
84
O princípio da independência funcional é o princípio cardeal do Ministério
Público na atualidade. Também inexiste hierarquia entre os membros do Ministério
Público quanto às suas atribuições, apenas no tangente às funções administrativas.
Há uma distribuição dessas atribuições. A CF/88 acercou de garantias
constitucionais a figura do Ministério Público. Hoje em dia, questiona-se se não houve
um excesso nesse aspecto. Visava-se assegurar a sociedade em juízo acima de tudo, já
que a subsunção do Ministério Público ao Executivo não era mais convincente no modelo
democrático. Daí sua independência como instituição. O membro do parquet recebeu
autoridade para fazer o seu juízo de interpretação sem o prejuízo de qualquer
consideração hierárquica.
Portanto, não há quaisquer obstáculos à mudança de posição de um promotor
para o outro nos autos do processo, contanto que esteja se manifestando como Ministério
Público na promoção da justiça, e não como particular. A livre convicção deve se dar de
acordo com a realidade dos autos. Esse princípio se conecta intimamente ao da
indivisibilidade.
A.3) FUNÇÕES INSTITUCIONAIS
As funções institucionais do Ministério Público estão elencadas no art. 129. Aqui
também não há qualquer sobreposição hierárquica.
“Art. 129. São funções institucionais do Ministério Público:
I - promover, privativamente, a ação penal pública, na forma da lei;”
A titularidade para a ação penal pública está elencada no primeiro inciso por
ser uma das atribuições ministeriais mais características e antigas. Tanto a condicionada,
sociedade em
quanto a incondicionada são movidas pelo Ministério Público. O parquet é
juízo e a transgressão da norma penal ofende não só a vítima, como também toda a
sociedade.
De umas décadas para cá, o Ministério Público passou a assumir mais atribuições
na seara cível, o que não desdoura o inciso primeiro como definidor de seu maior papel.
A ação penal privada subsidiária da pública é movida quando o Ministério Público
85
permanece inerte.
O princípio da indisponibilidade confere ao parquet toda a autonomia para
mover a denúncia ou não. Contudo, dado o papel acusatório do órgão, costuma fazê-lo,
ao invés de promover o arquivamento. Isso porque, via de regra, age sob o corolário do
in dubio pro societate. A partir do momento que o juiz declara a instauração do processo
penal, o Ministério Público não poderá desistir da ação penal, mas poderá pleitear pela
absolvição do réu.
“Art. 129. São funções institucionais do Ministério Público:
II - zelar pelo efetivo respeito dos Poderes Públicos e dos serviços de
relevância pública aos direitos assegurados nesta Constituição,
promovendo as medidas necessárias a sua garantia;”
O inc. II confere um comando geral: como sociedade em juízo, o Ministério
Público deve prezar pelo bom funcionamento dos serviços públicos. É um verdadeiro
curador da sociedade. Tomará tanto medidas judiciais, quanto administrativas para
isso. Aqui, temos uma atribuição administrativa do órgão, o que demonstra o quanto sua
atuação se expandiu com o passar dos anos.
“Art. 129. São funções institucionais do Ministério Público:
86
“Art. 129. São funções institucionais do Ministério Público:
O inc. IV trata da representação para fins de intervenção da União nos Estados, e
do Estado no Município. Em verdade, quando falávamos das atribuições elencadas nos
incisos anteriores, falávamos de funções espraiadas por todo o parquet. Aqui, temos uma
atribuição restrita aos procuradores gerais. Esse tipo de ação tem vários nomina iura,
mas o mais conhecido é ação direta interventiva ou representação interventiva.
lencados no art. 34:
A intervenção federal tem seus pressupostos materiais e
“Art. 34. A União não intervirá nos Estados nem no Distrito Federal,
exceto para:
I - manter a integridade nacional;
II - repelir invasão estrangeira ou de uma unidade da Federação em outra;
III - pôr termo a grave comprometimento da ordem pública;”
Já seus pressupostos formais foram delineados pelo art. 36:
“Art. 36. A decretação da intervenção dependerá:
I - no caso do art. 34, IV, de solicitação do Poder Legislativo ou do Poder
Executivo coacto ou impedido, ou de requisição do Supremo Tribunal
Federal, se a coação for exercida contra o Poder Judiciário;
II - no caso de desobediência a ordem ou decisão judiciária, de requisição
do Supremo Tribunal Federal, do Superior Tribunal de Justiça ou do
Tribunal Superior Eleitoral;
III - de provimento, pelo Supremo Tribunal Federal, de representação do
Procurador-Geral da República, na hipótese do art. 34, VII, e no caso de
recusa à execução de lei federal.”
Nos incs. VI e VII do art. 34, pressupõe-se uma movimentação prévia de uma
ação interventiva. Essa providência não é necessária nas hipóteses dos incs. I ao V. A
intervenção no Rio de Janeiro decretada pelo ex-presidente Michel Temer, por exemplo,
foi embasada pelo inc. III (grave comprometimento da ordem pública), então houve
87
necessidade de manifestação do Procurador Geral da República. Os casos em que isso
será necessário serão: inexecução de lei federal (inc. VI) e violação a princípio
constitucional sensível (inc. VII). É condição de procedibilidade.
O art. 35 trata da intervenção estadual no município. Conjuga tanto os
pressupostos materiais quanto os formais.
“Art. 35. O Estado não intervirá em seus Municípios, nem a União nos
Municípios localizados em Território Federal, exceto quando:
I - deixar de ser paga, sem motivo de força maior, por dois anos
consecutivos, a dívida fundada;
II - não forem prestadas contas devidas, na forma da lei;
III - não tiver sido aplicado o mínimo exigido da receita municipal na
manutenção e desenvolvimento do ensino e nas ações e serviços públicos
de saúde;
IV - o Tribunal de Justiça der provimento a representação para assegurar a
observância de princípios indicados na Constituição Estadual, ou para
prover a execução de lei, de ordem ou de decisão judicial.”
O inc. IV traz a hipótese de representação para fins de intervenção do Estado no
Município. Dos incs. I ao III, o governador poderá decretá-la sem manifestação do
Procurador Geral de Justiça.
Curioso é notar que a CF/88 não prevê casos de intervenção direta da União nos
Municípios. Existe uma escala no federalismo tridimensional, exceto se se tratar de
município situado em território federal, que é autarquia federal. Portanto, pressupõe-se
a inexistência do Estado nesses casos. Hoje em dia, isso não pode ocorrer, visto que não
temos mais territórios federais desde 1988. Roraima e Amapá foram convertidos em
Estados-membros. Contudo, a previsão constitucional subsiste.
Dessa forma, são 27 figuras institucionais que podem exercer essa atribuição: o
Procurador Geral da República (União nos Estados) e os 26 Procuradores Gerais de
Justiça de cada Estado (Estados nos Municípios). A intervenção no Distrito Federal será
feita igualmente pelo Procurador Geral da República.
Os órgãos jurisdicionais competentes são o STF (quando movida pelo PGR), e os
Tribunais de Justiça, quando movida pelo PGJ.
88
As representações existem para evitar a intervenção propriamente dita. Se o
STF, no processamento e julgamento da ação interventiva, fizer com que o
Estado-membro restabeleça o equilíbrio institucional, evita-se a instauração da
intervenção federal. O presidente não poderá decretá-la sem que haja antes uma
representação. De modo geral, tem-se resolvido o problema na representação
interventiva, sem a necessidade da decretação da intervenção. O governo do estado
rearrumará suas funções e ordenações a fim de restabelecer o equilíbrio institucional.
Caso permaneça, decretar-se-á a intervenção federal. O mesmo vale para a hipótese de
intervenção estadual nos municípios.
A representação interventiva foi instituída em 1934. A Constituição deste ano foi
emblemática, pois apesar de ser a Lei Maior de um Estado democrático, o governo
Vargas tinha fortes tendências centralizadoras. A ideia de uma federação sem limites,
nascida com o movimento republicano, havia sido superada. Aqui, a Suprema Corte era o
órgão competente para julgá-la.
“Art. 129. São funções institucionais do Ministério Público:
V - defender judicialmente os direitos e interesses das populações
indígenas;”
O inc. V traz a atribuição de defesa dos direitos e interesses das populações
indígenas. Refere-se tanto ao MPE, quanto ao MPF, no tangente às medidas judiciais que
visam a essa proteção, ainda que, no Judiciário, seja uma competência federal. O
Ministério Público tem órgãos de investigação que apuram eventuais violações a esses
direitos e interesses, o que coloca essa instituição em posição de destaque.
“Art. 129. São funções institucionais do Ministério Público:
VI - expedir notificações nos procedimentos administrativos de sua
competência, requisitando informações e documentos para instruí-los, na
forma da lei complementar respectiva;”
O inc. VI confere ao parquet a atribuição de expedição de notificações de
procedimentos administrativos de sua competência, requisitando informações e
documentos para instruí-los na forma da lei complementar respectiva. Apesar de não ser
um órgão do Executivo, o Ministério Público está mais próximo desse ramo do Poder do
89
que de qualquer outro. Provoca a função jurisdicional, mas deflagra em âmbito interno
atividades administrativas, nas quais precisa ter poderes instrutórios para que não
dependa do Judiciário para tudo. O poder de requisição denota o caráter coercitivo
ministerial para realização dessa atribuição.
“Art. 129. São funções institucionais do Ministério Público:
VII - exercer o controle externo da atividade policial, na forma da lei
complementar mencionada no artigo anterior;”
IX - exercer outras funções que lhe forem conferidas, desde que
compatíveis com sua finalidade, sendo-lhe vedada a representação judicial
e a consultoria jurídica de entidades públicas.”
90
O inc. IX prevê acréscimos às funções do parquet, desde que compatíveis com a
constituição e as leis infraconstitucionais.
B) ADVOCACIA PÚBLICA
A CF/88 colocou fim na confusão entre Ministério Público e advocacia pública. O
parquet é sociedade em juízo e a advocacia pública, estado em juízo. Muitas vezes, a
sociedade entra em juízo contra o Estado. Portanto, resta incompatível a concentração
dessas atribuições numa mesma instituição.
O inc. IX do art. 129 ainda veda a advocacia contenciosa, quanto a consultiva pelo
Ministério Público em relação aos entes federativos. No Rio de Janeiro, já não tínhamos
este problema, visto que já havia uma Procuradoria Geral do Estado antes de 1988.
A Advocacia Geral da União é regulamentada pela Lei Complementar nº 73/93.
A advocacia pública existe nos três níveis do federalismo: União, Estados e
Municípios, já que é estado em juízo. Representa as pessoas jurídicas de direito
público.
Temos uma estrutura de alta complexidade. Divide-se em três grandes carreiras:
advogados da União (representação e consultoria jurídica da União como pessoa jurídica,
da administração direta), procuradores federais (representação e consultoria jurídica
das autarquias federais) e procuradores da fazenda nacional (destina-se à administração
direta nos executivos fiscais).
Dentro dessa estrutura, há as chefias regionais. A carreira dos advogados da
União é chefiada pelo Procurador Geral da União; a dos procuradores federais pelo
Procurador Geral Federal; a dos procuradores da fazenda nacional pelo Procurador Geral
da Fazenda Nacional.
Acima deles, temos o Advogado Geral da União, chefe da advocacia pública da
União Federal. É nomeado pelo Presidente da República e não precisa ser da carreira da
advocacia pública, mas, tradicionalmente, o é. Pode ser nomeado e destituído
livremente.
91
A carreira dos procuradores federais não existia. Cada autarquia tinha uma
carreira própria. O procurador autárquico era servidor da administração indireta. Com
a alteração da Lei Complementar nº 73, foram extintas e conglomeradas na função única
dos procuradores federais, servidores da administração direta. Por isso, muitos afirmam
que essa mudança foi inconstitucional. Hoje em dia, portanto, não percebemos um grau
de especialização tão grande dos procuradores federais, quanto nos procuradores
autárquicos, que conheciam profundamente a realidade da autarquia.
O BACEN conservou a carreira autônoma de procurador autárquico, por sua
importância institucional.
As procuradorias gerais dos estados estão previstas no art. 132, que é uma
anotação geral sobre esse modelo. É uma carreira que depende de concurso público.
Têm, a priori, todas as atribuições de advocacia pública sobre todo o domínio estadual, e
se desmembram em procuradorias especializadas. A procuradoria geral do Rio de
Janeira é mais tradicional do que a da União entre nós, que foi uma criação da CF/88. É
muito adstrita pelas tendências centralizadoras, mas conserva algumas características
especiais de acordo com as Constituição Estadual. Por exemplo, temos o princípio da
unicidade da representação dos feitos do Estado, inclusive sobre as autarquias.
Uma das exceções são as procuradorias universitárias, que foram constituídas
antes da CE/89. A UERJ, por exemplo, é uma fundação pública e, pelo princípio da
autonomia universitária, é possível que remanesça essa carreira, desvinculada da PGE.
Isso se dá, pois a UERJ não é uma autarquia qualquer, mas uma fundação pública.
O PGE é nomeado pelo governador, em simetria com o modelo da AGU. Há uma
diferença estrutural entre o cargo de Procurador Geral de Justiça, eleito por meio de lista
tríplice pelos membros do MPE, e o de Procurador Geral do Estado, nomeado pelo
governador do Estado. Assim como o AGU, que tem status de ministro de Estado, tem
status de secretário de Estado. Está diretamente jugido ao governador.
O Poder Judiciário e o Ministério Público só existem no âmbito da União e dos
Estados. Já a advocacia pública, não. Representa interesses dos entes públicos, sendo
estado em juízo. As procuradorias no âmbito dos municípios existem, via de regra,
acionais: o das procuradorias gerais do município, que vem se
em três standards n
popularizando entre os municípios de médio porte; o de assistência jurídica chefiada por
um procurador geral (o poder contencioso se concentra nele e a assistência jurídica, por
92
advogados públicos), que tende a se extinguir; por fim, o modelo monocrático de
advocacia pública, comum nos municípios pequenos. Nas leis orgânicas, aparece a figura
do procurador. Neste último modelo, é cargo de confiança nomeado pelo prefeito da
cidade. É também uma forma de simetria entre o município, os estados e a União. Tem
status de secretário municipal. Nesse caso, não há órgão de procuradoria, apenas o cargo
de procurador.
Há um déficit grande em alguns municípios brasileiros, que não conseguem
estabelecer regimes próprios de previdência. Apenas cerca de 2.000 deles têm esses
regimes. Como a carreira de advogado público é considerada carreira de estado, os
municípios que a estão instituindo criam leis municipais e carreira pública de
procurador com regime de previdência municipal. A CF/88 nada diz sobre o procuratório
dos municípios. Portanto, para compreendê-lo, é preciso ir às leis orgânicas dos
municípios.
C) ADVOCACIA
A advocacia é a advocacia das pessoas privadas, tanto as naturais, quanto as
jurídicas de direito privado. Neste último caso, também consideramos as associações
civis, as fundações de direito privado, etc.
Foi uma das grandes forças que zelaram pela reconstrução democrática do Brasil,
em conjunto com a OAB. Tiveram um papel preponderante na Constituinte. O nosso
texto constitucional prestigia essas instituições reiteradas vezes, como legitimada, por
meio do conselho federal, para a ADIn. No art. 133, é conferida ao advogado imunidade
de palavras no exercício das funções. A OAB é uma instância da sociedade brasileira, que
luta pela conservação do Estado Democrático de Direito. Teve papel grandioso durante o
regime militar ao defender os direitos dos presos políticos.
O STF não positivou jurisprudência sobre o art. 133, mas há parte da doutrina que
defende seu status de cláusula pétrea, já que a jurisdição é inafastável e não se pode
fazer justiça com as próprias mãos, sob pena de incorrer no crime de exercício arbitrário
das próprias razões.
D) DEFENSORIA PÚBLICA
93
O art. 134 delineia a Defensoria Pública. É uma instituição que se viu,
historicamente, muito assimétrica entre os estados. A Defensoria Pública do Estado do
Rio de Janeiro é uma das mais tradicionais do país.
Mesmo depois da CF/88, muitos Estados ainda não possuíam defensoria pública,
como São Paulo e Minas Gerais. Neste último, o cargo de defensor era da Secretaria de
Justiça. Já em São Paulo, era exercido pela procuradoria geral do Estado. Fazia-se
concurso para a advocacia pública e era possível ser promovido para a carreira de
defensor. Muitas vezes, o defensor investe contra o Estado, cujo poder é defendido pelo
advogado público. Percebe-se então a incompatibilidade entre essas carreiras. Aqui no
Rio de Janeiro, pertencia à carreira do MPE. Fazia-se concurso para o MPRJ e tomava-se
posse como defensor público e, depois, era promovido a promotor de justiça.
A jurisprudência, na ADO nº 26, discutiu os casos de Paraná e Santa Catarina, que
não tinham defensoria. Ali, por lei, publicava-se uma tabela de honorários defensórios e,
se o advogado tivesse interesse, credenciava-se perante os juízos das comarcas para
exercer essas funções. Sustentava-se que, por isso, cumpriam a determinação
constitucional, já que no art. 5º é previsto que o estado deve prover assistência jurídica
integral e gratuita aos necessitados, cláusula pétrea. O STF determinou que é
inconstitucional por omissão a não instituição da defensoria pública. Deu um prazo de
seis meses para que isso fosse feito, sob pena de os governadores incorrerem em crime
de responsabilidade.
Até a CF/88, não tínhamos uma Defensoria Pública perante a Justiça Federal. A Lei
Complementar nº 80/94 veio para regulamentar a Defensoria Pública da União e
estabelecer normas gerais sobre as Defensorias Públicas dos estados. Isso não obsta que
os estados elaborem leis orgânicas locais.
A assistência jurídica não se exaure na Defensoria Pública. Também é oferecida
pelos núcleos de prática jurídica.
A inamovibilidade é uma prerrogativa da Defensoria Pública, assim como o é
para os magistrados. Contudo, é a única prerrogativa que têm em comum, estando
excluída a vitaliciedade. Houve uma polêmica jurídica, pois alguns estados elaboraram
normas que a concediam aos defensores públicos. O STF entendeu, em sua
jurisprudência, que a CF/88 deve ser a única fonte de garantias. O advogado público tem
apenas estabilidade funcional. O defensor só poderá agir dentro das atribuições
institucionais.
94
Os serventuários da Defensoria Pública são funcionários do estado.
A Defensoria Pública tem iniciativa reservada para elaborar sua proposta
orçamentária, assim como o Ministério Público. Também é regida pelos mesmos
princípios do parquet, a fim de exercer sua função de forma efetiva.
95
DEFESA DO ESTADO E DAS INSTITUIÇÕES DEMOCRÁTICAS
O título V da Constituição se intitula "Da defesa do Estado e das instituições
democráticas". Institui mecanismos de força para a preservação da soberania
nacional e da ordem. O primeiro capítulo trata do estado de defesa e do estado de sítio.
O segundo, das forças armadas. O terceiro, sobre segurança pública.
O primeiro capítulo traz medidas de exceção. São costumeiras nos estados
democráticos de direito, apesar de terem aspectos antipáticos e parecerem pouco
democráticas em sua essência. Não se trata de nenhum governo golpista ou ditatorial, já
que foi estabelecido pela assembleia constituinte democrática e se situam no devido
processo legal. A adoção desses mecanismos, como o da intervenção federal, funciona
como uma medicação quando estamos doentes. São procedimentalizadas por
autoridades constituídas.
Existe uma semelhança estética e processual do estado de defesa e estado de sítio
com a intervenção federal. No entanto, são trabalhados em títulos distintos da Lei Maior.
Quando falamos de intervenção federal, falamos de uma relação jurídica
excepcional formada entre a União e o Estado-membro. Já no estado de defesa e
estado de sítio, não temos nenhuma relação formada entre esferas de governo
distintas. O título V versa sobre uma descentralização de caráter horizontal, sem relação
de hierarquia entre os poderes, mas o título III trata da relação entre União, Estados e
Municípios. Portanto, é uma descentralização vertical.
São institutos antigos, que foram repaginados pela CF/88. Na República Velha, um
ensaio democrático no ponto de vista formal, foi fortemente marcada pela incidência
desses institutos. Arthur Bernardes exerceu seu mandato em quase sua totalidade em
estado de sítio. Foi mantido tendo como justificação as sublevações das forças militares
na época. A regulamentação do estado de sítio, então, era muito laxa. Hoje em dia, é
muito mais restrita.
A Constituição de 1934 foi a nossa Constituição de Weimar, que previu, pela
primeira vez, a representação interventiva, de competência do STF. Obedecia às
tendências centralizadoras do governo Vargas.
O decreto da intervenção federal, do estado de sítio e do estado de defesa é de
96
atribuição do Presidente da República, por meio do decreto executivo. O momento
desse decreto pode variar.
Quando o decreto executivo é expedido pelo Presidente em caso de intervenção
federal, ele deve encaminhar mensagem ao Presidente do Senado, também presidente
do Congresso Nacional, que determinará um projeto de decreto legislativo. Se for
rejeitada, perderá imediatamente seus efeitos. O mesmo ocorre no estado de defesa. A
manifestação das casas legislativas é feita a posteriori. Aqui, falamos de aprovação pelo
Congresso Nacional.
Já no estado de sítio, o Congresso Nacional se manifesta antes da manifestação do
Presidente da República. O Presidente pede autorização ao Congresso Nacional, que a
concederá ou negará, para que possa decretar a medida. Aqui, falamos de autorização.
Isso é porque o estado de sítio é mais interveniente do que as outras medidas
excepcionais. Assim, deve passar por estágios sucessivos de controle. Se decretar o
estado de sítio sem a autorização, o Chefe de Estado incorrerá em crime de
responsabilidade.
Além disso, a Constituição determina que essas medidas deverão ser precedidas
de manifestação consultiva dos Conselhos de Estado e de Defesa Nacional. São pareceres
não vinculantes.
O art. 136 disciplina os aspectos formais e materiais do estado de defesa. Durará
por trinta dias, mas poderá ser prorrogado por mais trinta com outra edição, seguindo
o mesmo procedimento. Não poderá ser reeditado depois disso. Geralmente, é decretado
por comoções de caráter regional.
O estado de sítio pode ser decretado pela insuficiência das medidas tomadas no
estado de defesa. Há outras hipóteses. Tem caráter nacional. Também haverá uma
limitação de trinta dias. Não tem limitação de reedições. Porém, pressupõe manifestação
prévia do Congresso Nacional. As relações entre Executivo e Legislativo se modificam,
então, é difícil imaginar um cenário no qual a autorização seja sempre concedida. Poderá
ser decretado sem limitação de tempo em casos de guerra externa, um fator exógeno.
A) ESTADO DE DEFESA
“Art. 136. O Presidente da República pode, ouvidos o Conselho da República
97
e o Conselho de Defesa Nacional, decretar estado de defesa para preservar
ou prontamente restabelecer, em locais restritos e determinados, a ordem
pública ou a paz social ameaçadas por grave e iminente instabilidade
institucional ou atingidas por calamidades de grandes proporções na
natureza.”
O art. 136 determina que o Presidente poderá ouvir o Conselho de Defesa Nacional
e o Conselho da República antes de decretar o estado de defesa (pressuposto formal).
Mesmo que os conselhos se manifestem de forma contrária, poderá ser decretada, já que
é uma manifestação meramente opinativa. Não é à toa que surgiu uma celeuma com a
intervenção federal no Rio de Janeiro, já que o então presidente Temer não tinha
consultado os conselhos e o fez após a decretação. Não há menção expressa no texto
constitucional sobre o momento em que isso deve ser feito.
São duas as grandes causas ensejadoras do estado de defesa: as naturais
(calamidade pública) e as humanas (instabilidade institucional). Dessa forma, são
também dois os pressupostos materiais.
Aqui, percebe-se a diferença organizacional entre a disciplina deste instituto e a
da intervenção federal, para a qual o constituinte separou dois artigos muito bem
o
delineados que elencam os pressupostos materiais e os pressupostos formais. O caput d
art. 136 traz os dois mesclados.
Será estabelecida em locais restritos e determinados. Estamos aqui num meio
termo, entre a intervenção federal, em que a União intervém no Estado, e o estado de
sítio, de escala nacional. O estado de defesa tem caráter regional e não se pauta numa
relação entre o Estado e a União.
“§1º O decreto que instituir o estado de defesa determinará o tempo de sua
duração, especificará as áreas a serem abrangidas e indicará, nos termos
e limites da lei, as medidas coercitivas a vigorarem, dentre as seguintes:
O decreto que o instituir deverá indicar seu termo, as áreas em que incidirá e
as medidas coercitivas que devem vigorar. O próprio dispositivo enumera quais serão
as medidas que serão tomadas. A intenção é balizar essas medidas excepcionais para que
elas não sirvam de porta de entrada para um governo autoritário.
98
A alínea A traz a restrição à liberdade de reunião, ainda que exercida no seio
das associações. O art. 5º da CF/88 instituiu uma série de matizes do direito de liberdade.
Trata, ainda, da liberdade de associação e de reunião como direitos distintos dentro do
direito macro da liberdade. As associações também existem em vários matizes e se
concretizam por meio do direito de reunião. Portanto, há uma zona de intersecção entre
eles. Aqui, estamos em uma das cidadelas mais avançadas da excepcionalidade do
regime democrático.
Contudo, o art. 136 não está restringindo o direito de liberdade de associação,
apenas o de reunião. Isso é porque a reunião se dá em um lapso específico de tempo,
enquanto a associação se dá por tempo indeterminado. O estado de defesa é um regime
que deve durar pouco.
“b) sigilo de correspondência;
As alíneas B e C trazem a restrição ao sigilo de correspondência e à
comunicação telegráfica e telefônica e devem ser interpretadas de acordo com as
mudanças que o mundo sofreu, de forma a promover a durabilidade da Constituição. O
receio da Constituinte em instituir essa cláusula foi rapidamente superado. Houve um
esvaziamento eficacial dessas alíneas. Hoje, somos constantemente patrulhados.
“II - ocupação e uso temporário de bens e serviços públicos, na hipótese de
calamidade pública, respondendo a União pelos danos e custos
decorrentes.
§2º O tempo de duração do estado de defesa não será superior a trinta
dias, podendo ser prorrogado uma vez, por igual período, se persistirem as
razões que justificaram a sua decretação.”
O inc. II se refere aos casos de calamidade pública, em que a ocupação e uso
temporário dos serviços públicos talvez seja necessário. No Brasil, temos uma correlação
do capital público e do privado para a prestação dos serviços públicos por meio das
concessionárias. A União responderá por eventuais danos, já que a propriedade também
é direito protegido pela constituição.
99
O tempo de duração não será superior a 30 dias, podendo ser repetido por mais 30
dias, com todo o procedimento constitucional exigido. Só poderá ser prorrogado uma
vez.
“§3º Na vigência do estado de defesa:
O §3º estabelece restrições para a ação estatal. A prisão por crime contra o
Estado será imediatamente comunicada à autoridade judicial, que poderá relaxá-la. É
mais um indício do controle judicial, em que o juiz zelará pela preservação dos limites
impostos à exceção. Poderá o preso requerer o exame de corpo de delito, provando o
status anterior e posterior do detido, uma garantia importante. Deverá ainda declarar o
estado físico e mental do detido no momento da prisão, e esta não poderá ser efetuada
cautelarmente por mais de dez dias. O direito de comunicação do preso deve ser
preservado.
“§4º Decretado o estado de defesa ou sua prorrogação, o Presidente da
República, dentro de vinte e quatro horas, submeterá o ato com a
respectiva justificação ao Congresso Nacional, que decidirá por maioria
absoluta.
§6º O Congresso Nacional apreciará o decreto dentro de dez dias contados
de seu recebimento, devendo continuar funcionando enquanto vigorar o
estado de defesa.
Há a necessidade de envio de mensagem ao Congresso Nacional dentro de 24h
pelo Presidente e o mandado estará sujeito à aprovação congressual por maioria
100
absoluta dentro de 10 dias quando de seu recebimento. Se estiver em recesso, será
convocado extraordinariamente para essa discussão. O Congresso deverá funcionar
enquanto durar a medida de exceção. Rejeitado o decreto, cessam seus efeitos.
B) ESTADO DE SÍTIO
“Art. 137. O Presidente da República pode, ouvidos o Conselho da
República e o Conselho de Defesa Nacional, solicitar ao Congresso Nacional
autorização para decretar o estado de sítio nos casos de:
I - comoção grave de repercussão nacional ou ocorrência de fatos que
comprovem a ineficácia de medida tomada durante o estado de defesa;
II - declaração de estado de guerra ou resposta a agressão armada
estrangeira.
101
§1º O estado de sítio, no caso do art. 137, I, não poderá ser decretado por
mais de trinta dias, nem prorrogado, de cada vez, por prazo superior; no do
inciso II, poderá ser decretado por todo o tempo que perdurar a guerra ou
a agressão armada estrangeira.
102
I - obrigação de permanência em localidade determinada;
II - detenção em edifício não destinado a acusados ou condenados por
crimes comuns;
III - restrições relativas à inviolabilidade da correspondência, ao sigilo das
comunicações, à prestação de informações e à liberdade de imprensa,
radiodifusão e televisão, na forma da lei;
IV - suspensão da liberdade de reunião;
V - busca e apreensão em domicílio;
VI - intervenção nas empresas de serviços públicos;
VII - requisição de bens.
Parágrafo único. Não se inclui nas restrições do inciso III a difusão de
pronunciamentos de parlamentares efetuados em suas Casas Legislativas,
desde que liberada pela respectiva Mesa.”
O art. 139 determina quais medidas poderão ser tomadas contra as pessoas. Entre
elas: a obrigação de permanência em localidade determinada; detenção em edifício não
destinado a acusados ou condenados por crimes comuns (instalações do exército, por
exemplo); suspensão da liberdade de reunião; busca e apreensão em domicílio;
intervenção nas empresas de serviços públicos e requisição de bens.
Pode ser suspendida a liberdade de reunião. É mais do que a restrição de
liberdade de reunião do estado de defesa.
Fala-se também de restrições relativas à inviolabilidade da correspondência, ao
sigilo das comunicações, à prestação de informações e à liberdade de imprensa,
radiodifusão e televisão, na forma da lei. Aqui se fala de restrições à liberdade de
imprensa, algo que não é mencionado no estudo do estado de defesa. Trata-se de cláusula
pétrea.
Contudo, de acordo com o parágrafo único, as restrições nesse âmbito não se
estenderão aos parlamentares em suas Casas Legislativas. São a representação do
povo, que exerce controle sobre o presidente da República. Para isso, o Parlamento deve
ser livre. Muitas vezes, o parlamentar estará relatando um excesso por parte do
Executivo.
“Art. 140. A Mesa do Congresso Nacional, ouvidos os líderes partidários,
designará Comissão composta de cinco de seus membros para acompanhar
103
e fiscalizar a execução das medidas referentes ao estado de defesa e ao
estado de sítio.”
Parágrafo único. Logo que cesse o estado de defesa ou o estado de sítio, as
medidas aplicadas em sua vigência serão relatadas pelo Presidente da
República, em mensagem ao Congresso Nacional, com especificação e
justificação das providências adotadas, com relação nominal dos atingidos
e indicação das restrições aplicadas.”
As disposições gerais se referem tanto ao estado de defesa, quanto ao estado de
sítio.
O art. 140 determina que o Congresso estabelecerá uma comissão com cinco
membros para fiscalizar e acompanhar as medidas referentes aos estados de exceção.
No art. seguinte, é ressaltada que findos o estado de defesa ou o estado de sítio,
cessarão também os seus efeitos, sem prejuízo de eventual responsabilidade penal de
seus executores.
Será elaborado relatório circunstancial pelo presidente com o fim do estado de
defesa ou do estado de sítio, sob pena de incorrer em crime de responsabilidade, com
especificação e justificação das providências adotadas, com relação nominal dos
atingidos e indicação das restrições aplicadas.
C) FORÇAS ARMADAS
A soberania se divide em dois grandes matizes: o interno e o externo. A soberania
externa traduz o poder de autodeterminação do Estado diante de qualquer outra força
no cenário internacional. Tem autonomia de vontade. No âmbito interno, é o poder de
imposição aos súditos do Estado a sua vontade, respeitando a vontade da maioria de
acordo com os corolários da democracia. Nesse âmbito, falamos de segurança pública e
até mesmo do Judiciário.
As forças armadas são o braço forte da soberania externa. Também têm papel
104
constitucional reflexo à soberania interna, porém subsidiário. Nesse sentido, são
costumeiramente empregadas no estado de defesa e no estado de sítio, assim como o
foram na intervenção federal no Rio de Janeiro. Mesmo fora dessas medidas
excepcionais, esse papel subsiste, principalmente nas medidas de garantia da lei e da
ordem. Essas forças serão empregadas dentro dos limites constitucionais.
“Art. 142. As Forças Armadas, constituídas pela Marinha, pelo Exército e
pela Aeronáutica, são instituições nacionais permanentes e regulares,
organizadas com base na hierarquia e na disciplina, sob a autoridade
suprema do Presidente da República, e destinam-se à defesa da Pátria, à
garantia dos poderes constitucionais e, por iniciativa de qualquer destes,
da lei e da ordem.”
Em razão disso, a CF/88 determina que qualquer Poder constituído pode
solicitar o emprego das forças armadas para manutenção de sua autoridade
institucional.
A rigor, são parte do Executivo, tendo como comandante supremo o presidente da
República, chefe de Estado. Esta é uma consequência do governo civil. Hierarquia e
disciplina são corolários definidores das forças armadas.
Acima dos oficiais mais altos das três Forças, temos o Presidente da República, que
tem o maior poder de mando. Assim é em grande parte das nações democráticas do
mundo contemporâneo, como Estados Unidos e França.
O presidente é o chefe do Executivo. A independência dos Poderes é cláusula
pétrea definida pelo art. 2º da Carta Magna. Qualquer embargo ao livre funcionamento
dos Poderes enseja a solicitação da participação das FA na defesa de sua funcionalidade.
É uma pressuposição da cláusula democrática.
A rigor, os Poderes não se sobrepõem, já que foi abolido o Poder Moderador.
Adotamos o sistema norte-americano do checks and balances. Entre nós, o art. 2º é
inequívoco quanto à independência e harmonia entre os Poderes. Não deflagra o
exercício arbitrário de um Poder sobre o outro, apenas o controle de um e do outro de
modo coerente, na medida das determinações constitucionais.
O problema é que o sistema presidencialista faz com que o presidente seja chefe
do Executivo e do Estado, que compreende União, Estados, Municípios, além dos Três
105
Poderes. Trata-se, portanto, de celeuma irresolúvel pela teoria do Estado, pela mera
contraposição de princípios. Somos tão traumatizados por nossa história, que não
admitimos qualquer nível de sobreposição de um Poder sobre os outros, ainda mais
porque os regimes autoritários, em regra, partem do Executivo, que detém as armas.
Os Poderes Legislativo e Judiciário são Poderes desarmados. O juiz também pode
determinar emprego da força auxiliar por meio da repartição de competências, mas, em
regra, o monopólio é do Executivo.
No caput, há a enumeração dos componentes das Forças: Marinha, Exército e
Aeronáutica. Não há nenhuma relação de hierarquia entre elas, mas essa ordem se dá
por deferência histórica à Marinha, que foi a que surgiu primeiro, com a Armada na
vinda da família real.
Ressalta-se mais uma vez a importância da hierarquia e da disciplina, que
verticaliza as estruturas internas, com o presidente da República no topo. Isso define a
supremacia do governo civil.
Em cada força armada, existe um comandante. Até a década de 90, tínhamos três
ministérios militares para cada uma delas, um modelo não condizente com as
expectativas do mundo democrático.
O ex presidente Fernando Henrique Cardoso, por Emenda Constituconal, instituiu
o Ministério da Defesa. Isso não agradou as forças armadas, já que também extinguiu os
Ministérios, que se tornaram comandos.
Chegou-se a uma solução intermediária: quem nomeia os chefes das Forças, assim
como o Ministro da Defesa, é o Presidente. Então, temos instâncias colateralizadas com
repartição de competências. Ao Ministério da Defesa compete a elaboração conjunta de
estratégias de defesa nacional e de planejamento orçamentário de funcionalização
financeira. Reporta-se diretamente ao Presidente. Contudo, os comandantes de força
continuam tendo status de ministro.
A lei complementar nº 97 versa sobre a organização, preparo e emprego das
forças armadas. É complementar, pois a CF/88 determinou que assim seria. É diferente
do Estatuto dos Militares, que é diferente do Estatuto dos Servidores Públicos Civis. A EC
nº 18 pôs fim à designação de servidor público militar. Desde então, são apenas
106
denominados militares.
“§ 2º Não caberá habeas corpus em relação a punições disciplinares
militares.”
Não se trata de uma disposição inconstitucional, já que foi uma exceção ao
próprio texto constitucional feita por norma originária. Caso tivesse sido feita por
emenda constitucional, seria, de fato, inconstitucional, já que seria tendente a abolir a
cláusula pétrea do habeas corpus. É meramente uma incidência do princípio da
especialidade. Incide apenas sobre as punições administrativas. No caso de imputação
penal, caberá habeas corpus.
Contudo, a jurisprudência do STF passou a admiti-la. O feixe de incidência dessa
norma seria apenas quanto ao mérito da prisão. Caberá apenas nos casos de vícios
procedimentais. Por exemplo, a prisão pode ter sido decretada por uma autoridade que
não teria a atribuição de fazê-lo.
“§3º Os membros das Forças Armadas são denominados militares,
aplicando-se-lhes, além das que vierem a ser fixadas em lei, as seguintes
disposições:
I - as patentes, com prerrogativas, direitos e deveres a elas inerentes, são
conferidas pelo Presidente da República e asseguradas em plenitude aos
oficiais da ativa, da reserva ou reformados, sendo-lhes privativos os títulos
e postos militares e, juntamente com os demais membros, o uso dos
uniformes das Forças Armadas;”
O inc. I trata das patentes. São conferidas aos oficiais, e não aos graduados.
Grande parte da estrutura militar não tem patente. Os graduados são detentores de
graduação e também são chamados praças. As patentes são vitalícias, mas as fardas
podem apenas ser usadas por membros do quadro ativo.
Os postos estão vinculados às patentes. Durante os períodos em que o
autoritarismo se estabeleceu no Brasil, os oficiais perduravam nos postos. Por isso,
estabeleceu-se um limite de permanência. Há postos que são privativas de determinadas
patentes. Isso impede que o militar fique ali muito tempo e não crie a definitividade de
uma detenção de poder, para fim de controle dos excessos autoritários.
“II - o militar em atividade que tomar posse em cargo ou emprego público
107
civil permanente, ressalvada a hipótese prevista no art. 37, inciso XVI,
alínea "c", será transferido para a reserva, nos termos da lei;
XVI - é vedada a acumulação remunerada de cargos públicos, exceto,
quando houver compatibilidade de horários, observado em qualquer caso
o disposto no inciso XI:
c) a de dois cargos ou empregos privativos de profissionais de saúde, com
profissões regulamentadas;”
O militar que tomar posse em cargo ou emprego público civil permanente será
transferido para a reserva. Aqui, nos referimos tanto aos loci existentes nas pessoas
públicas de direito público, quanto aos loci existentes nas pessoas públicas de direito
privado. É um regime de incompatibilidade. O regime mais constritivo e limitador de
acúmulo funcional é o dos militares. A exceção são os cargos e empregos no serviço de
saúde, já que as forças armadas têm também seus quadros de saúde. Excepcionaliza
apenas a alínea C do art. 37.
“III - o militar da ativa que, de acordo com a lei, tomar posse em cargo,
emprego ou função pública civil temporária, não eletiva, ainda que da
administração indireta, ressalvada a hipótese prevista no art. 37, inciso
XVI, alínea "c", ficará agregado ao respectivo quadro e somente poderá,
enquanto permanecer nessa situação, ser promovido por antiguidade,
contando-se-lhe o tempo de serviço apenas para aquela promoção e
transferência para a reserva, sendo depois de dois anos de afastamento,
contínuos ou não, transferido para a reserva, nos termos da lei;”
Já a tomada de cargos ou empregos públicos civis não permanentes e não eletivos
não enseja transferência ao quadro da reserva. Ficará agregado ao respectivo quadro
e poderá apenas ser promovido por antiguidade. Não poderá ser promovido por
merecimento nesse ínterim. Depois de dois anos de afastamento, será transferido para a
reserva.
“IV - ao militar são proibidas a sindicalização e a greve;”
Está vedado aos militares o direito de greve e a sindicalização, sob pena de
prisão. Um exemplo disso é o mandado de injunção nº 712. Não é inconstitucional da
mesma forma que a vedação ao habeas corpus na seara das prisões administrativas não o
é: foi uma disposição instituída pelo poder constituinte originário.
108
“V - o militar, enquanto em serviço ativo, não pode estar filiado a partidos
políticos;”
Não poderá o militar no quadro ativo se filiar a partido político. O Presidente da
República está no topo da hierarquia das forças armadas. Por isso, não poderá se
fidelizar a partido, já que está filiado à autoridade presidencial.
“VI - o oficial só perderá o posto e a patente se for julgado indigno do
oficialato ou com ele incompatível, por decisão de tribunal militar de
caráter permanente, em tempo de paz, ou de tribunal especial, em tempo
de guerra;”
Os casos de perda de patente serão julgados, em regra, por tribunais de caráter
permanente, já que a CF/88 veda os tribunais de exceção. Em tempos de guerra, o Código
Penal Militar prevê o estabelecimento dos tribunais de exceção.
“VII - o oficial condenado na justiça comum ou militar a pena privativa de
liberdade superior a dois anos, por sentença transitada em julgado, será
submetido ao julgamento previsto no inciso anterior;”
O militar condenado pela justiça comum ou pela justiça militar estará sujeito a
julgamento de perda de patente se for condenado a pena superior a dois anos.
D) SEGURANÇA PÚBLICA
As instituições da segurança pública são instituições, em regra, de soberania
interna. Formam um mosaico bastante complexo: há órgãos civis e militares; federais e
estaduais. É um sistema muito questionado pela ciência política, já que o patrulhamento
ostensivo é em grande parte exercido pelas forças militares, o que não é comum em
outros países. A polícia militar seria uma polícia treinada para a arte da guerra.
Embora adotemos o federalismo, a segurança pública é, historicamente, de
atribuição dos Estados. Contudo, a União também tem atribuições nesse âmbito.
Estão sob comando dos Estados as forças auxiliares (polícias militares e
bombeiros militares). As forças federais são as forças armadas. As forças auxiliares
109
auxiliam o Exército do Brasil, não as Forças Armadas. Dado interessante é o fato de que a
patente mais alta na polícia militar é a de coronel. Logo, não há generalado. As patentes
máximas estão no exército, já que as polícias militares são subordinadas a ele. Poderá
ainda ordenar o trabalho conjunto com a polícia estadual, como ocorreu durante a
intervenção federal no Rio de Janeiro. A Força Nacional de Segurança existe para reduzir
a atuação do exército, atuando em questões migratórias ou em grandes eventos.
A polícia civil é apelidada polícia judiciária. É órgão do Executivo, mas é
denominada assim por dar o suporte probatório inicial necessário para que o
Judiciário possa instaurar a ação penal. É um título dado no âmbito dos Estados.
Já no âmbito federal, intitula-se polícia federal, mas é, essencialmente, civil.
Desempenha a função de polícia judiciária da União, investigando os crimes de
competência do juiz federal.
Nos Estados, há uma dualidade muito marcante entre a polícia civil e a militar, o
que não ocorre na esfera federal. Dessa forma, a polícia federal também tem outras
atribuições, como a de patrulhamento ostensivo em alguns casos (águas internas nas
proximidades portuárias e aeroportos), além da investigativa. O dever de patrulha
portuária é diferente da patrulha marítima, que é atribuição da Marinha brasileira.
As polícias rodoviária e ferroviária federal fazem o patrulhamento ostensivo
nas rodovias e ferrovias da União. São forças civis, não militares, ainda que seus
uniformes sejam semelhantes aos militares.
A polícia militar fará o patrulhamento ostensivo das rodovias nos Estados.
A polícia legislativa existe para garantir a independência do Legislativo e se
pauta no princípio de autogoverno dos Poderes. Pode existir no Congresso ou mesmo nas
Assembleias Legislativas. É vinculada ao Legislativo, ao contrário da polícia judiciária,
que se vincula ao Executivo.
Hoje, o governador deverá nomear o chefe da polícia civil dentre integrantes da
carreira. Isso não ocorria antes, ele podia nomear qualquer um. É diferente do cargo de
secretário de segurança pública, que será nomeado e demitido ad nutum por ele.
As polícias judiciárias não apurarão as infrações militares; este papel pertence
110
à própria força por meio do inquérito policial militar (IPM).
As atividades de defesa civil desempenhada pelos bombeiros envolvem a
concessão de alvarás de funcionamento, uma função preventiva. Trata-se de uma
inspeção preventiva de desastres. A defesa civil é prioritária no Estado e no Município,
que terão secretarias de defesa civil.
As forças auxiliares têm como comandante superior o governador. Não é o
comandante supremo, pois elas são subordinadas ao Exército, que tem como
comandante supremo o Presidente.
As guardas municipais têm função de guarda patrimonial, não de policiamento
ostensivo, nem de investigação.
111