Você está na página 1de 16

SERMÃO DE SANTO ANTÔNIO

Na festa que -se fez o Sarto na igreja


das Chagas de Lisboa, aos quatorze de
setembro de 1642, tendo-se publicado
as Cortes para o dia seguinte.

Vos estis sal terras”.

Ji

À Arcã do Testamento =que; assim lhe chamou


Gregório "EX =do Martelo das Heresias — que este
MIEIRA, Antônio (Pe.). Escritos Históricos e Políticos: nomé lhe-deu à mundo:—'ao defensor da fé, ao lu-
“ Estabelecimento dos textos, organização e prefácio de. me-da Igreja;à maravilha-de: Itália, à honrar de Espa-
nha;'à glória:de Portugal, ao mélhor filho de Lisboa,
“ Aleir Pécora São Paulo: Martins Fontes, 1995. ao quérubim mais eiinente da religião seráfica, ce-
lebramos festa hoje. “Necessário foi que'o adyertisse-
mos, “Pois; O dia 9 não supõe, antes parece que diz
Celebraimo: festa” Hoje, cómo dizia, ao

m ci unstâncias de femipo, “DA pés a thenor


ale td dé da festa «c «

m quatórze de' Sei


iembro? Entendo que não vem Santo António hoje
INTRODUÇÃO AUS ESTUDOS.S HISTÓRICOS |
PROF. ÂNGELO PESSOA
É ESCRITOS HISTÓRICOS
E POLÍTICOS SERMÕES 5
por hoje, senão por amanhã. Estavam publicadas as Na Igreja de Santo Antônio se costumam cá fa-
cortes do reino para quinze de setembro; vem Santo zer as eleições dos procuradores de cortes, e tam-
Antônio aos quatorze, porque vem às cortes. Como bém no céu se fez a eleição na pessca de Santo An-
há dias que o céu está pela coroa de Portugal, man- tônio. E foi a eleição do céu, com toda a proprieda-
da também seu procurador o céu às cortes do reino. de, porque, ainda humanamente falando, e pondo
Algumas sombras disto havemos de achar entre as Santo Antônio de parte o hábito e o cordão, parece
luzes do Evangelho. Com três semelhanças é com- que concorrem nele com eminência as partes e qua-
parado Santo Antônio, ou com três nomes é chama- lidades necessárias para este ofício público. As qua-
do neste Evangelho. É chamado sal da terra: Vos es- lidades que constituem um perfeito procurador de
tis sal terrae; é chamado luz do mundo: Vos estis lux cortes são duas: ser fiel, e ser estadista. E quem se
mundi”, é chamado. cidade sobre o monte: Non po- podia presumir mais fiel, e ainda mais estadista que
test civitas abscondi supra montem posita”. — Esta úl- Santo Antônio? Fiel, como português, Santo Antônio
tma semelhança me-faz. dificuldade. de Lisboa; estadista, como italiano. Santo Antônio
= Que Santo Antônio se chame sal da terra, sua de Pádua. Deu-lhe a fidelidade a terra própria, a ra-
grande” sabedoria-o merece: “que se chame luz do zão de Estado as estranhas. Isto de razão de Estado,
mundo, os rios de “sua doutrina, os resplendores com ser tão necessária
aos reinos, nunca se deu
de seus-milagres o aprovam; mas chamar-se cidade muito no. nosso — culpa de seu demasiado valor — e
Santo Antônio: Non potest civitas abscondi! - Um os-portugueses, que a usam e praticam com-perfei-
santo chamar-se uma cidade? Sim. Em outro dia fo- ção, mais a devem à experiência das terras alheias
ra mais dificultosa a resposta; mas hoje, e no nosso que às-influências da própria. E como Santo Antô-
pensarnento, -é-muito-fácil:-(Chama-se-cidade Santo ão andou tantas e tão polít
emicas
sua vida, Espa-
Antônio; porque-os procuradores. de-cortes:são.:ci> nha, França, Itália, ainda nesta parte ficava mui
dades pela, representação;ve-assim dizemos; que -acertada -a eleição de sua pessoa, quanto mais cres-
vêmas:cortes-as cidades doireino;
e não. vêm elas; cendo sobre estes talentos Os qutros maiores de seu
senão seus. procuradores; E, come:
os pr Zelo; de sua sabedoria, de sua santidade.
de. cortes.sãoscidades por.esta maneira; muito a =: S6 fará escrúpulo nesta-matéria O gênio tão co-
propósito: vera: Santo Antô
hoje sepresentad
nio, o.em “nhecido de Santo Antônio, segundo 0. qual.pareçe
uma, cidade, porque é-cidade..por..tepre - Que era mais conveniente-sua assistência-em Cortes
Mas que cidade? Civitas.supra montem po: “Que'se fizessem em Castela, que nestas que cele-
N.Cima, .OU; amos-em Portugal. Os intentos-de Castela, são re-
“Cuperar.o perdido; .os intentos de Portugal, são
Conservar..o recuperado. -E.como deparar coisas
- perdidasé o gênio € a graça particular de Santo
Amtônio,.a Castela parece que convinha -a- assistên-
“Sla-de seu patrocínio, -que.a nós por -agora.não..
- Quem. nos ajude a conservar o. ganhado, é o que
6 ESCRITOS HISTÓRICOS
E POLÍTICOS SERMÕES /
havemos mister. Ora, senhores, ainda não conhece- vida, para que não chegasse a perdê-la; aos estra-
mos bem a Santo Antônio? Santo Antônio, para Os nhos remedeia, mas ao seu sangue preserva. Cris-
estranhos, é recuperador do perdido; para com os to, Senhor nosso, foi redentor universal do gênero
seus é conservador do que se pode perder. Cami- humano, mas com diferença grande. A todos os
nhava o pai de Santo Antônio a degolar — assim O homens geralmente livrou-os da morte do pecado,
dizem muitas histórias, ainda que alguma nos fale depois de incorrerem nele, mas a sua Mãe preser-
menos nobremente - e chegando já às portas da vou-a, para que não incorresse; aos outros deu-
Sé, e às suas, eis que apareceu o santo milagrosa- lhes a mão, depois de caírem; a sua Mãe teve-a
mente, fez parar os ministros da justiça, ressuscita O mão, para que não caísse; dos outros foi redentor
morto, declara-se a inocência do condenado e fica por resgate, de sua Mãe por preservação. Assim
livre. Pergunto: Por que não esperou Santo Antônio também Santo Antônio. Aos estranhos ressuscitou-
que morresse seu paí, e depois de morto lhe resti- os.depois de mortos, a seu pai conservou-lhe-a vi-
tuiu a vida? Não é menos fundada a dúvida que no da, para que não morresse, que essa diferença faz
exemplo: de Cristo, Senhor nosso, de quem diz o o -divino português dos seus aos estranhos. Para
texto de.S. João que, avisado da enfermidade de com os estranhos das coisas perdi-
é recuperador
Lázaro, de propósito se deteve e .o deixou morrer, das, para com os seus é também preservador de
para depois o-ressuscitar: = Distulit sanare, ut pos- que se não percam. Por isso, com bem ocasionada
set resuscilare —- ponderou o Crisólogo: que lhe di- propriedade, se compara hoje no Evangelho
ao
latou a saúde, porque lhe quis ressuscitar a vida” — sal: Vos estis sal terrae: — O sal é remédio da cor-
Pois, se é mais gloriosa ação, e mais de Cristo, res- rupção, mas remédio preservativo; não remedeia O
suscitar-uma vida -que impedir uma morte, por que que se perdeu, mas conserva o que se pudera per-
não fez assim Santo Antônio? der; que é o de que temos necessidade.
“Não fora maior milagre, não fora mais bizárra. “ Suposto isto, nenhuma parte lhe falta a Santo
maravilha acabar o-verdugo de passar o cutelo pe- Antônio, antes todas estão nele em sua perfeição,
la garganta do pai, é no inesmo ponto aparecer so- “para O ofício que lhe consideramos
de. procurador
bre o teatro-o filho, ajuntar a cabeça ao tronco, le- “docéu nas nossas cortes. Como tal dirá o santo ho-
vantar-se o" mortó vivo, “pasmarem' todos, & não je-seu parecer a respeito da conservação do reino,
crerem que" o" viam; ficando só da: ferida um fio, ecesta será matéria do sermão. Santo Antônio é.o
sutilmente vermelho, para fiador do milagre?-Pois,. - que-há de .pregar, e não eu. E cuido que desta ma-
porque onão fez Santo Antônio assim? Se tinha neira ficarão sermão mais de Santo Antônio, gue
virtude milagrosa para” réssuscitar, se ressuscitou nenhum outro, porque nos outros tratamos:nés de-
aliium morto;'se ressuscitou “Gutfos -tnuitos ém “di- “le; neste trata ele de nós. Mas, como eu seu o que
versas ocasiões, por que: não esperou um pouco - hei-de falar, para que o discurso pareça de-Santo.
para” réssuscitar também o seu pai? Por quê?” Pór- - Antônio, cujo é, e não meu, muita graça me é ne-
que"era seu "pai. Ãos estranhos ressuscitou-os- de- “Cessária. Ave Maria.
pois de perderem a vida; a seu pai defendeu-lhe a
's ESCRITOS HISTÓR
E ICO
POLÍTIC
SOS SERMÕES 2
Õ regar-lhes a conservação, Sois pescadores, apósto-
los meus, porque quero que vades pescar por esse
Vos estis sal terrace. mar do mundo; mas advirto-vos que sois também
sal, porque quero que pesqueis, não para comer,
Já Santo Antônio tem dito seu parecer. Nestas senão para conservar. Senhores meus, já fomos
quatro palavras breves, nestas seis sílabas compen-
pescadores; ser agora sal é o que resta. Fomos pes-
diosas: Vos-es-tis-sal-ter-rae — se resume todo o ar-
cadores astutos, fomos pescadores venturosos,
razoado de Santo Antônio, em ordem ao bem e aproveitamo-nos da água envolta, lançarnos as re-
conservação do reino. E ninguém me diga que dis-
des a tempo, e ainda que tomamos somente um
se estas palavras Cristo a Santo Antônio, e não San-
peixe rei, foi o mais formoso lanço que se fez nun-
to Antônio a nós, porque, como a retórica dos do ca, não digo nas ribeiras do Tejo, mas em quantas
outro mundo são os exemplos, e o que obraram rodeiam as praias do Oceano. Pescou Portugal o
em vida é o que nos dizem depois da morte, dizer seu-reino, pescou Portugal a sua coroa; advirta ago-
Cristo a Santo Antônio o que foi, é dizer-nos Santo ra Portugal que não pescou para a comer, senão
Antônio O que devemos ser. Vos estis sal terrae — para a conservar. Foi pescador, seja sal. Mas isto
disse Cristo a Santo Antônio por palavra. — Vos estis não-se discorre, supõe-se. o
salterrae — diz Santo Antônio aos portugueses por
“ “Porém: St sal evanuerit, in quo salietur (Mt 5,
exemplo. Entendamos bem. estas quatro palavras; 13% Se o sal não for efetivo, se os meios que se to-
que. estas, bem entendidas, nos bastam. ou marem para a conservação saírem vãos e inefica-
“Vos. estis sal terrae. O primeiro fundamento gue zes, que remédio? — Esta é a razão de se repetirem,
toma para seu discurso Santo Antônio, é supor que “e esta é a maior dificuldade destas segundas cortes.
devemos e havemos de tratar de nossa conserva- - AS primeiras cortes foram de boas vontades; estas
ção. Isso quer dizer - conforme a exposição de to- segundas podem ser de bons entendimentos. Nas
dos os doutores:= Vos-estis sal terrae: Vôs sois sal primeiras tratou-se-de remediar.O reino, nestas tra-
da terra: =" Quem diz sal diz conservação, e .a que, -taise de remediar os remédios. Dificultosa empresa,
Cristo encomendava nooriginal destas:palavras tem Nas“importantíssima.. Quando os remédios não têm
grandes circunstâncias da nossa: Muito tenho Tepa- "bastante eficácia para-curar'a enfermidade, é ne-
rado em que primeiro chamou-Cristo aos apóstolos “Cessário curar os remédios, para que os remédios
pescadores, e ao: depois: chamou-lhes sal: Fatiam curem:'ao enfermo. Astim o fez o mesmo Cristo,
vos fieri piscatores bominium: Vos estis sal terrao. 'Deus e: Senhor nosso, sem dispêndio de sua sabe-

Se-pescadóres; por que. sal juntamente? Porque im> doria, nem erro de sua providência. Não se pode
porta” pouco «x ter tomado, se se não conservar o “Acertar. tado da primeira vez: Trabalhava Cristo por
que se tomou: “Chamar-lhes pescadores, foi enco- sárar e converter o 'seu povo com: os remédios ordi-
mendar-lhes a pescaria: chamar-lhes sal, foi -encar
- -Nários da doutrina e pregação evangélica. é; vendo
- Que 'se não seguia a desejada saúde, que fez? Tra-
* Mt1, 17. [Bu vos farei pescadores de homens.] Ou de remediar os remédios, para que os remé
dios
10 ESCRITOS HISTÓR
E ICOS
POLÍTICOS SERMÕES 11
remediassem os enfermos. Em próprios termos o gosto; é O preservativo dos preservativos, e o sabor
disse Santo Astério, falando da ressurreição da filha dos sabores: Sal incorruptionem corporibus, quibus
de Jairo: Ut vidit judaeos ad sermones obsurdescere, fuerit aspersus, impertil, ei ad omnem sensum con-
jaciis ipsos instituil, ac medicinae medicinam ac- diti saporis aptissimus est. — Tais como isto devem
commodat: Vendo Cristo que estava a enfermidade ser os remédios com o que se hão de conservar as
rebelde, e os ouvintes surdos a seus sermões, ajun- repúblicas. Conservativos sim, mas desabridos não.
tou às palavras obras, ajuntou à doutrina milagres, Obrar a conservação, e saborear, ou, ao menos,
e tomou por arbítrio melhorar os remédios, para não ofender o gosto, é o primor dos remédios. Não
que os remédios melhorassem os enfermos: 4c me- tem bons efeitos o sal, quando aquilo que se salga
dicinae medicinam accommodat. — Aplicou umas fica sentido. De tal maneira se há de conseguir a
medicinas a outras medicinas, para que os que conservação, que se escuse quanto for possível o
eram remédios fracos fossem valentes remédios. Es-
sentimento. Tirou Deus uma costa a Adão para a
te é o fim de se repetirem cortes em Portugal. Arbi- fábrica de Eva; mas como lha tirou? Jmmisit Deus
lraram-se nas passadas vários modos de tributos,
soporem in Adam — diz o texto sagrado: Fez Deus
para remédio da conservação do reino, mas, como
adormecer a Adão, e assim dormindo lhe tirou a
estes tributos não foram efetivos, como estes remé- costa:
dios: saíram ineficazes, importa agora remediar os Pois, por que razão dormindo, e não acordado?
Temédios: : Disse-o advertidamente .o nosso português Oleas-
tró;-e é-o pensamento tão tirado da cósta de Adão,
como das entranhas dos portugueses: Ostendit
Dr, quam difficile sit ab homine auferre, quod etiam in
ejuscedit utilitatem: quamobrem opus est ab eo sur-
“Mas perguntar-me-á alguém, ou-perguntara:eu riperé, quod ipse concedere negligit: A costa de que
a Santo. Antônio: Que: remédio: teremos nós para-re
se havia de formar Eva, tirou-a Deus a Adão dor-
mediar os remédios? Muito fácil, diz Santo Antônio:
- mindo, e não acordado, para mostrar quão dificul-
Vos estis sal terrae..— Para se-curar uma enfermida-
tosamente se-tira aos homens, -& com quanta Suavi-
de; vê-se em-que peca- a enfermidade: -para se cura-
dade se deve tirar, ainda O que é para seu proveito.
remos remédios, veja-se em que pecaram os temé-
— Da criação e fábrica de Eva dependia não. menos
“dios. Os-remédios, como-diz-a queixa: pública, pe-
caram.na violência::muitos arbítrios; mas: violentos que conservação e propagação do gênero huma-
- Do; mas repugnam tanto os homens'a deixar arran-
muitos.- Pois modere-se a violência: com-a-suavida-
de: ficarão-os remédios remediados. Foram inefica-
car de si aquilo que se lhes tem convertido em car-
zes os-tributos por violentos; sejam suaves, e. serão ne e sangue, ainda que seja para bem de sua cása,
efetivos: Vos estis.sal terras: Duas propriedades. tem de” seus filhos, “que para isso” traçou Deus tirar a:
o sal. — "diz aqui Santo Hilário: — conserva, e. mais CG 2722. [Mandou, “pois, senhor Deus um prófusido
tempera; é o antídoto da-corrupção, e lisonja do sóno a Adão.)
12 ESCRITOS HISTÓRICOS
E POLÍTICOS SERMÕES 13
costa a Adão, não acordado, senão dormindo: ador- to não do preço, senão da moeda que se achar na
meceu-lhe os sentidos, para lhe escusar O senti- boca do peixe? Quis O Senhor que pagasse S. Pe-
“mento. Com tanta suavidade e como isto, se há de dro o rributo, e mais que lhe ficasse em casa o fru-
tirar aos homens o que éÉ necessário para sua con- to de seu trabalho, que este é o suave modo de pa-
servação. Se é necessário para a conservação da gar wibuios. Pague Pedro o tributo sim, mas seja
pátria, tire-se a carne, tire-se O sangue, tirem-se Os com tal suavidade e com tão pouco dispêndio seu
ossos, que assim é razão que seja; mas tire-se com que, satisfazendo às obrigações do tributário, não
tal modo, com tal indústria, com tal suavidade, que perca os interesses de pescador. Coma o seu peixe,
os homens não o sintam, nem quase o vejam. Deus como dantes comia, e mais pague o tributo que
tirou a costa q Adão, mas ele não o viu nem o sen- dantes não pagava. Por isso tira a moeda, não do
tiu, e, se o soube, foi por revelação. Assim aconte- preço, senão da boca do peixe. Aperio ore ejus, in-
ceu aos bem governados vassalos do imperador venites staterem”. — Aperto ore: notai. Da boca do
“Teodorico, dos quais, por grande glória sua, dizia peixe se tirou o dinheiro do tributo, porque é bem
ele: Sentimus aucias ilationes, vos addita tribuia que para o tributo se tire da boca. Mas esta diferen-
nescitis:.
Eu sei que há tributos, porque vejo as mi-. ça há entre os tributos suaves e os violentos: que
nhas rendas acrescentadas; vós não sabeis se os há, os suaves tiram-se da boca do peixe, os violentos
porque não sentis.as vossas diminuídas. — Razão é da-boca do pescador. Hão-se de tirar os tributos
que por todas as vias se acuda à conservação: mas, com tal traça, com tal indústria, com tal invenção:
como somos compostos. de carne e sangue, obre Invenies staterem — que pareça o dinheiro achado,
de-tal maneira, O racional, que tenha sempre respei- e não perdido; dado. por mercê da ventura, e não
to ao sensitivo. Tão ásperos podem ser os remédios,
tirado-à força da violência. Assim O fez Deus com
Adão, assim o fez Cristo. com S. Pedro, e, para que
que seja menos feia a morte-que a saúde. Que me
não.diga alguém que são milagres a nós impossí-
importa a mim sarar do remédio, se hei de morrer
veis, assim o fez Teodorico, com seus vassalos. A
do tormento?
boa indústria é suplemento da onipotência, e o que
“Divina doutrina nos deixou Cristo. desta mode.
faz Deus por todo-poderoso, fazem os homens por
ração nã sujeita matéria dos tributos. Mandou Cristo muito industriosos.
a S. Pedro que pagasse .o tributo, a-César, e disse-
le. Que; fosse pescar, &: que na boca do. primeiro
peixe acharia uma moeda de prata, com que pagas-
se.. Duas. ponderações . demos a este lugar O dia
IV
passado: hoje. lhe daremos: sete a diferentes inten- Sim. Mas que indústria poderá haver para que
tos. Se Deus não faz, milâgres sem necessidade, por Os tributos se não sintam, para que sejam suaves e
que o fez Cristo nesta ocasião, “Sendo: ao -parecer fáceis
Ê de levar? Que indústria? Vos estis sal terrae. —
supérfluo? Pudera O Senhor dizer a Pedro
se pescar, e que do.preço.do que pescasse, pagaria * Mt 17, 26. [Abrindo-lhe a boca, acharás dentro um
tributo. Pois, por que dispõe que se pague o tribu- estáter.]
ESCRILOS HUSTORICOS E POLUICOS SERMÕES 45
Não se mete Santo Antônio a discursar arbítrios go de minha lei é suave, e o peso de meus precei-
particulares, que seria coisa larga, e menos própria tos é leve.
deste lugar, posto que não dificultosa; um só meio Ora, se tomarmos bem o peso à lei de Cristo,
aponta O santo nestas palavras, que transcende uni- havemos de achar que tem alguns preceitos pesa-
versalmente por todos os que se arbitrarem, com dos, e, segundo a natureza, assaz violentos. Haver
que qualquer tributo, se for justo, será mais justo, de amar aos inimigos, confessar um homem suas
e, se fácil, muito mais fácil e mais suave: Vos estis fraquezas a outro homem, bastar um pensamento
sal terrae, — Nota aqui 8. João Crisóstomo a genera- para ofender gravemente a Deus e ir ao inferno, es-
lidade com que falou Cristo aos discípulos. Não
tes e outros semelhantes preceitos não há dúvida
lhes chamou sal de uma casa, ou de uma família,
que são pesados e dificultosos, e por tais os esti-
ou de uma cidade, ou de uma nação, senão sal de Senhor, quando lhes chamou cruz
mou o mesmo
todo o mundo, sem excetuar a ninguém. — Vos estis
nossa: Tollat crucem suam, ei sequatur me”. — Pois,
sal terrae, non pro una gente, sed pro universo
mundo — comenta O santo padre. —- Queremos, se- se os preceitos da lei de Cristo, ao menos alguns,
são cruz pesada, como lhes chama o Senhor jugo
nhores, que O sal, qualquer que for, não seja desa-
“suave e carga leve: Jugum enim meum suave est, et
brido? Queremos, que os meios da conservação pa-
onus meum leves — Antes de o Senhor lhes chamar
reçam suaves? Non pro una gente, sed pro universo
assim, já tinha dito a causa: Venite ad me omnes",
mundo: Não sejam os remédios particulares, sejam
- A lei de Cristo é uma lei que se estende a todos
universais; não carreguem os tributos somenté so-
com igualdade, e que obriga a todos sem privilé-
bre uns, carreguem sobre todos. Não se trate de
gio:-ao grande e ao pequeno, ao alto e ao baixo,
salgar só um gênero de gente: Non pro una gente.
ao rico e ao pobre, a todos mede pela mesma me-
=Teparta-se, e alcance 6 sal a terra: Vos estis sai ter-
rae.— Convida Cristo aos homeris para à aceitação dida. E como a lei é comum sem exceção de pes-
e observância de sua lei, e diz assim: Venile ad me
soas, € igual sem diferença de preceito, modera-se
omnes qui Taboraiis, et Onerati estis, et ego reficiam tanto'o. pesado no comum, e o violento no-igual,
vos": Vinde á mim todos, que tão cansados e mo- que, ainda que à lei seja rigorosa, é jugo suave;
lestados vos traz 6 mundo, e eu vos aliviarei. — Toi- -ainda que tenha preceitos dificultosos, é carga leve:
lite jugum meum super vos, et invenietis requiem -Jugum meum suave est, et onus meum. leve. — E ver
animabus vestris*. — Tomai o meu jugo sobre vós, “dade que é jugo, é verdade que é peso, nem Cristo
e achareis descanso. para a vida: Jugum enim “ O-nega; mas como é jugo que a todos iguala, o
meum suave est, e onus meum leve; Porque o ju- exemplo o faz suave; como é peso que sobre todos
carrega, a companhia o faz leve: Clemente, Alexan-
“Mt, 28. (Vinde à mim. todos os que “trabalhais e vos drino: Non praetergredienda est aequalitas,. quae
achais carregadós, e eu vos aliviarei] versatur im distributionibus bonorando justitiam:
** Jd., 29. [Tomai sobre vês o meu jugo, Cc. 3. e achareis des-
canso para as vossas almas.) “Mt 16, 24 [Tome a sua cruz, e siga-me.
“7 fé, 50. [Porque o meu jugo é suave, e O meu peso, leve]
“ Mr II, 28.
16 ESCRITOS HISTÓRICOS E POLÍTICOS SERMÕES 17
bropierea Dominus: Tollite, inguil, juguim mem stu-
montes são a quem principalmente. ameaçam os
per vos, quia benignum est et leve.
raios, € reparta-se por todos o peso, para que fique
O maior jugo de um reino, a mais pesada carga leve a todos. Os mesmos animais de carga, se lha
de uma república, são os imoderados tributos. Se
deitam toda a uma parte, caem com ela; e a muitos
queremos que sejam leves, se queremos que sejam navios meteu nas mãos dos piratas a carga, não por
suaves, repartam-se por todos. Não há tributo mais
muita, mas por descompassada. Se se repartir O pe-
pesado que o da morte, e, contudo, todos o pa- so com igualdade de justiça, todos o levarão com
gam, e ninguém se queixa, porque é tributo de to- igualdade de ânimo. Nullus enim gravanter obtulii,
dos. SE uns homens morreram, e outros não, quem quod cum aequitaie persolvitur: Porque ninguém
levara em paciência esta rigorosa pensão da morta- toma pesadamente o peso que se lhe distribuiu
lidade? Mas a mesma razão, que a estende, a facili- com igualdade — disse o político Cassiodoro.
ta, e, porque não há privilegiados, não há queixo-
sos. Imitem as resoluções políticas o governo natu-
ral do Criador: Qui solem suum oriri facit super bo- v
nos et malos, ei pluit super justos ei injustost. — Se
amanhece o sol, a todos aquenta, e se chove o céu, Boa doutrina estava esta, se não fora dificulto-
a todos molha. Se toda a luz caíra a uma parte, é sa, e, ao que parece, impraticável. Bom era que
toda a tempestade a outra, quem O sofrera? Mas nos igualárarmos todos; mas, como se podem igua-
não sei que injusta condição é a deste elemento lar extremos que têm a essência na mesma -desi-
grosseiro, em que vivemos, que as mesmas igualda- “gualdade? Quem compõe os três estados do reino é
des do céu, em chegando à terra; logo se desigua- a-desigualdade das pessoas. Pois, como se hão de
lam. Chove o céu tom aquela igualdade distributiva “igualar os três estados, se são estados porque são
que vemos; mas, em água chegando à.terra, os desiguais? Como? Já se sabe que há de ser: Vos estis
montes ficam enxutos, eos vales afogando-se; os sai-terrae. - O que aqui pondero é que não diz
montes escoam o peso da água de si, e toda a for- “Cristo aos apóstolos: Vós sois semelhantes ao sal —
ça-da-.corrente desce .a. alagar os vales; e queira senão: Vos estis: Vós sois sal, - Não é necessária fi-
Deus que não seja teatro de recreação, para os quê “Josofia. para saber que um indivíduo não pode ter
estão olhando-do alto, ver nadar as cabanas dos -Syas essências. Pois, se os apóstolos eram homens,
pastores sobre os dilúvios de-suas ruínas: Ora, - Se-eram indivíduos da natureza humana, como lhes
guardemo-nos: de algum dilúvio universal; que, “iz Cristo que são sal: Vos estis sal? Alta doutrina de
quando Deus iguala desigualdades, até os mais al- “estado. Quis-nos ensinar. Cristo, Senhor nosso, que
tos montes ficam debaixo da água. O que importa “Pelas: conveniências do bem.comum se hão de.
é que os montes se igualem com os vales, pois, os - Mansformar os homens, e que hão de deixar de ser
'Q/Que. são por natureza, para serem o que devem
* Mt5, 45. IO qual faz nascer o seu sol sóbre bons e maus,
e manda a chuva sobre justos e injustos.)
Ser por obrigação. Por isso, tendo Cristo constituído
àOs apóstolos ministros da redenção e conservado-
18 ESCRITOS HISTÓRICOS
E POLÍTICOS SERMÕES 19
res do mundo, não os considera sal por semelhan- ao céu e apartado da terra; elemento a quem todos
ça, senão sal por realidade: Vos estis sal — porque o os outros sustentam, isento ele de sustentar a nin-
Ofício há-se de transformar em natureza, a obriga- guém. O elemento do ar representa o estado da
ção há-se de converter em essência, e devem os nobreza, não por ser a esfera da vaidade, mas por
homens deixar de ser o que são, para chegarem a ser o elemento da respiração, porque os fidalgos
ser O que devem. Assim o fazia o Batista, que per- de Portugal foram o instrumento felicíssimo por
guntado quem era, respondeu: Ego sum vox. Eu que respiramos, devendo este reino eternamente à
sou uma voz. - Calou o nome da pessoa, e disse O resolução de sua nobreza os alentos com que vive.
nome do ofício, porque cada um é o que deve ser, os espíritos com que se sustenta.
e, se não, não é o que deve. Se os três estados do Finalmente, o elemento da água representa o
reino, atendendo a suas preeminências, são desi- estado do povo: — Aguae sunt populi*, — diz um,
guais, atendam a nossas conveniências, e não o se- texto do Apocalipse — e não como dizem os críti-
jam. Deixem de ser o que são, para serem o que é cos, por ser elemento inquieto e indômito, que à
necessário, e iguale a necessidade os que desigua- variedade de qualquer vento se muda, mas por
lou a fortuna. servir o mar de muitos e mui proveitosos usos à
“A mesma formação do sal nos porá em prática terra, conservando os comércios, enriquecendo as
esta doutrina. Aristóteles e Plínio reconhecem na cidades, sendo o melhor vizinho que a natureza
composição do sal o elemento -da água'e do fogo: deu'às que amou mais. Estes são os elementos de
Sal est igneae et aqueae naturae, continens duo ele- que se compõe a república. De maneira, pois, que
menta, ignem et. aquam — diz Plínio. — A glosa ordi- aqueles três elementos naturais deixam de ser o
náriá, e S. Cromácio, acrescentam o terceiro ele- que eram, para se converterem em uma espécie
mento do ar-— prova seja a grande umidade deste conservadora das coisas: Ex eo quod fuit, in alte-
misto — e-diz assim S. Cromácio: Naiura-salis per “ram speciem commutatur — assim estes três ele-
aquam, per calorem solis, per flatum venti conistai, -Mentos políticos hão de deixar de ser 6 que são,
et ex eo quod: fuit, in alteram speciem commutatur: | Para se" reduzirem unidos a um estado que mais
A matéria;"ou natureza.
do sal, são três elementos : Convenha à conservação do reino. O estado ecle-
transformados, 'Os quais, tendo sido fogo, ar e água, Siástico deixe de sero que é por imunidade, e ani-
se uniramem uma diferente espécie, e se coriverte- - Messe a assistir com O que não deve. O estado da
ram em sal. = Grande exemplo da nossa doutrina! breza deixe
Assim Como o -sal é uma junta de três elementos, “ale Nte-se a concorde ser O que é por privilégio, é
rer com O que não usa. O estado
fogo, ar e água, assim-a república é uma união-de
do povo deixe de ser o que é por possibilidade, e
três “estados, eclesiástico, nobrezaé povo. O'ele- - ESfórce-se a contribuir com o que pode; e desta
mento do fogo representa O estado eclesiástico; - Maneira, “deixando cada um de ser O que foi, -al-
elemento mais levantado que todos, mais chegado “ Snçarão todos juntos a ser o que devem, sendo
* J61, 23. [Eu sou q voz.)
É Ap 17,15. (As águas (.) são os povos.)
20 ESCRITOS HISTÓRICOS E POLITICOS SERMÕES 21
esta concorde união dos três elementos, eficaz Christus tributum solvere voluit, ut nec publicanos
conservadora do quarto: Vos estis sal terrae. offenderer, nec suum perderet privilegium — diz o
coutíssimo Maldonado, de sentença de S. Crisósto-
mo e de Eutímio. A sua razãoé: Dum non ex suo,
VI
sed ex invento solveret: porque pagou do dinheiro
achado. e não do seu.
Amplifiquemos este ponto, como tão essencial, Mas. a mim mais fácil me parece distinguir na
e falemos particularmente com cada um dos três es- mesma pessoa diferentes representações, que adrni-
tados. Primeiramente, O estado eclesiástico deixe de tir, receber e dar sem consideração do domínio. O
ser o que é por imunidade, e seja o que convém à pensamento é o mesmo; escolha cada um das duas
necessidade comum. Serem isentas de pagar tributo razões a que mais lhe contentar. E como a matéria
as pessoas e bens eclesiásticos, o direito humano o era de tanta importância, ainda por outra cláusula a
dispõe assim, e alguns querem que também o divi- confirmou e ratificou o Senhor, para que este
no. No nosso passo o temos. indo propor S. Pedro exemplo lhe não prejudicasse: Da eis pro me ei te*:
a Cristo que os ministros reais lhe pediam o tributo, Dai, Pedro, por mim e por vôs. - Da: aqui reparo.
respondeu o Senhor que fosse pescar, como disse- Quando lhe vieram perguntar a Cristo se era lícito
mos, e que na boca do primeiro peixe acharia o di- pagar o tributo a César, respondeu o Senhor: Red-
dracma, ou moeda, Dificulto. Suposto. que o tributo dite quase sunt Caesaris, Caesari; et quae sunt Dei,
se havia de pagar do dinheiro milagroso, e não do Deo": Pagai o de César a César, e o de Deus a
preço do peixe, para que vai pescar S. Pedro? Não Deus. = Pergunta Teofilato: Quare reddite, et non
era mais barato dizer-lhe Cristo que metesse a mão date?-Por que diz Cristo pagai e não diz da? — A
na algibeira, e que 4í acharia com que pagar? Para mesmaquestão faço. eu aqui: Da.eis bro me et te.
Cristo. tão fácil era uma coisa como a outra; para S. “Quare da, et non redde? Por que diz dai, e não diz
Pedro mais fácil a segunda. Pois, por que. lhe man- pagai? -.Se lá diz Cristo: pagai, e não dai - por que
da que vá ao mar, que pesque, e que do dinheiro Cá diz o mesmo Senhor: dai, e não pagai? A razão é
que achar por esta indústria pague o tributo? A ta - porque. lá falava Cristo com os seculares, cã falava
zão foi porque quis Cristo contemporizar com o tri- "com os eclesiásticos, e, quando uns e -Gutros: con-
buto-de César, e-mais conservar em seu ponto a . Correm para os tributos, Os seculares pagam, e os
imunidade eclesiástica. Pague Pedro — como se dis-
E eclesiásticos dão, Os seculares pagam, porque: dão
sera Cristo — mas pague como pescador, não pague “O que devem; os eclesiásticos dão, porque pagam o
como apóstolo; pague como oficial do povo, e não
“que não devem. Por isso Cristo usou da cláusula
como ministro da Igreja. Deixe Pedro, por represen- -da-com grande providência, para que este ato, tão
tação, de ser O que é, e tome por representação a -Sontrário -à imunidade eclesiástica, não cedesse em
ser o que foi; deixe de ser eclesiástico, e torne a ser -
pescador; e então pague, por obrigação do ofício, o E cMMUIT, 26. (Dáho por mim e poril
que não deve pagar por privilégio da dignidade. Za nm Mi 22, 21.
22 ESCRITOS HISTÓRIC
E POLÍTIC
OSOS SERMÕES 23
prejuízo dela, declarando que o tributo que um e deira inteligência do texto, conforme uma glosa de
outro estado paga, promiscuamente, nos seculares fé. no capítulo sexto de S. Lucas. Pois, se os pães da
é justiça, nos eclesiásticos é liberalidade; nos secula- proposição eram próprios dos sacerdotes, e nenhum
res é dívida, nos eclesiásticos é dádiva: Da: Reddite.
homem secular podia comer deles licitamente, como
Tanta é a imunidade das pessoas e bens eclesiás- os deu a Davi um sacerdote tão zeloso como Aqui-
ticos, mas estamos em tempo em que é necessário melec. e como os tomou para seus soldados um rei
cederem de sua imunidade, para socorrerem a nossa tão santo como Davi?
necessidade. Não digo que paguem os eclesiásticos, Não temos menor intérprete ao lugar que o Su-
mas digo que dêem; não digo reddite, mas digo da.
mo Pontífice Cristo, autor e expositor de sua mes-
Liberalidade peço, e não justiça, ainda que a ocasião
ma lei. Aprova Cristo esta ação de Davi no capítulo
presente é tão forçosa, que justiça vem a ser a libe-
segundo de 5. Marcos, e diz assim: Nungquan legis-
ralidade. Com nenhum doutor alegarei nesta maté-
tis quid fecerit David, quando necessitatem babuit?
ria, que não seja ou sumo pontífice ou cardeal ou Quomodo introivit in domum Dei, et panes proposi-
bispo para que, com o desinteresse em causa pró- tionis manducavit, quos non licebat manducare,
pria, se qualifique ainda mais 2 autoridade maior.
nisi sacerdotibus, et dedit eis qui cum eo erant':
Quando el-rei de Israel, Saul, tratava de tirar à vida
Nunca lestes o que fez Davi, quando teve necessi-
de Davi, rei também de Israel — que havia naquele
dade, como entrou no templo de Deus, como to-
tempo dois que se intitulavam reis do mesmo reino:
“mou'os pães, que não era lícito comer, senão aos
um rei injusto, outro santo; um, rei escolhido por
sacerdotes, e os deu a seus soldados? — De maneira
Deus, outro; reprovado por ele — neste tempo = que
que à total razão por que aprova Cristo entrar Davi
parece neste tempo - foi ter Davi como saterdote
no templo, e tomar o pão dos sacerdotes é porque
Aquimelec, ou Abiatar, e, com licença sua, tomou -do
“o fez O rei quando necessitatem habuit: quando te-
altar Os pães da proposição, e repartiu-os a seus sol-
ve necessidade — porque, quando estão em neces-
dados. Ação foi esta, que tem contra si um texto ex-
sidade os reis, é bem que ós bens eclesiásticos os
presso no capítulo vinte e quatro-do Levítico, desta
maneira: Eruntque- panes propósitionis = Agron et - SOcorram, e que tirem os sacerdotes o pão da boca
fliorum ejus,
"para O sustentarem a ele e.a seus soldados. Assim
ut-comedant eos:in loco Sancio: quia
Sanctum, sanciorumiest de-sacrifictis Domini. jure declara Cristo que precede o direito natural ao po-
perpetuo*: Quer dizer que os pães da proposição. se- “sitivo,e que pode ser lícito, pelas circunstâncias do
riam-perpetuamente de Arão, e seus descendentes, e tempo, o que pelas leis e cânones é proibido.
que: os comeriam os- sacerdotes, e .não-outrem, por : E verdadeiramente que, quando a nenhum rei
ser pão santo e-Consagradoà Deus. — Esta é a verda- deveram os eclesiásticos esta correspondência, os
" 7 ram " º o í = o
Me 2, 25.26, Nunca lestes o que fez Davi, quando
.
se
* Lv 24,9. [E pertencerão a Arão e à seus filhos, para os encontrou em dificuldade (...) Como enttou na casa de Deus,
comerem no lugar santo; porque são coisas santissimas dos
erifícios do Senhor por um direito perpétuo.) sa- €..) e comeu os pães da proposição, dos quais não era lícito
Comer, senão aos sacerdotes, e deu aos que com ele estavamí]
24 ESCRITOS HISTÓR
E ICO
POLÍTICOS
S SERMÕES 25
reis de Portugal a mereciam, porque, se atentamen-
te se lerem as nossas crônicas, apenas se achar senaqueribe, também arderia com a cidade o tem-
á plo: Quando non sufficiebant thesauri regis, mos
templo, ou mosteiro em todo Portugal, que os
reis
portugueses, com seu piedoso zelo, ou não fundas- erat in bujusmodi necessitatibus sacros etiam the-
sem totalmente, ou não dotassem de grossas ren- sauros consunmere; necessitas autem effecit ur etiam
das, ou não enriquecessem com preciosíssimas conflarei portas aeneas, ne si bello superior Juissei
dá-
divas. Impossível coisa fora deter-me em matér Senacherib, et urbem et templum incenderet. — Fi-
ia
tão larga e inútil, e tão sabida. Concorram
nalmente, por razão de obrigação em respeito do
pois as
igrejas a socorrer a seus fundadores, a sustentar a
mesmo rei, porque — como nota O texto — confregit
quem as enriqueceu, e a oferecer parte de Ezechias valvas templi, et laminas atri, quas ipse
suas affixerar”.
rendas às mãos de cuja realeza receberam todas.
Mais é isto justiça que liberalidade, mais é obrig As lâminas de ouro, que Ezequias arrancou das
ação
que benevolência, mais é restituição que dádiva, portas do templo, ele mesmo as timha dado; e era
Tirou el-rei Ezequias do templo, para se justa correspondência, que em tal ocasião as portas
socor-
Ter em uma guerra, Os tesouros sagrados,e as se despissem de suas jóias, e restituíssem generosa-
mes-
mas lâminas de ouro com que estavam chapeadas mente O seu ouro a um rei, que com tanta liberali-
as portas, e justificam muito esta resolução dade as enriquecera. Os templos são armazéns das
assim o
texto como os doutores, por três razões: de neces- necessidades, e os reis, que oferecem votos, depo-
sidade, em respeito do reino; de conveniênc sitam socorros. Quando Davi se viu no deserto de-
ia, em
respeito do templo; de obrigação, em respeito sarmado e perseguido, nenhum socorro achou se-
do
rei. Por razão de necessidade em respeito não a espada do gigante, que consagrara a Deus
do reino
— diz O cardel Caetano — porque quando o reino no templo — que as dádivas que dedicaram aos
nha chegado a termos, que se não podiam
ti-
templos os reis vitoriosos, bem é que as restituam
conser-
var ném defender de outra maneira, justo era que os templos aos reis necessitados. Isto é o que deve
em falta dos tesouros profanos substituíssem os : fazer o estado eclesiástico de Portugal, e em pri-
grados, e que se empenhassem e vendessem as jóiassa-
meiro lugar os primeiros dele, que por isso pagou
da Igreja para remir a liberdade pública: Omai - Otríbuto não outro dos apóstolos, senão S. Pedro.
ceprioné majus est exemplum hoc Ezechiae, ut ex-
-
redem
pro
ptione vexationis ab infidelius liceal, exbaw
s-
tis publicis thesauris, ex Ecclesiae totalibus
re publicae libertáti christianóriim. < Por
subventi- vm
razão de
Convéniência, em respéito do templo — diz O estado da nobreza também é isento por seus
o bispo
S. Teodoreto — porque mais convinha- “: Piivilégios de pagar tributos: Capita stipendio censa
ao templo
conservar-se pobre, que não se conservar,
e é
que na perda ou defesa da cidade consistia certo * 4 Rs 18, 16. [Ezequias despedaçou as duas meias portas
mente junta-
a sua, porque, fazendo-se senhor do zemple, (..) e as chapas de ouro, de que ele mesmo as tinha
da cidade forrado.)
26 ESCRITOS HISTÓRICOS
E POLÍTICOS SERMÕES 27

ignobiliora — disse lã Tertuliano; donde Jeremias, bem a Cristo que paguem tributos os nobres, a
falando de Jerusalém: Princeps provinciarum jfacia quem isentam as leis, quanto mais em um caso tão
est sub tributo" — contrapôs o tributo à nobreza, e extraordinário e maior, que pode acontecer em um
exagerou a Jerusalêm senhora, para a lamentar tri- reino, em que se arrisca a conservação do mesmo
butária. No passo que nos fez o gasto temos tam- ceino, do mesmo rei e a mesma nobreza?
bém isto. Quando os ministros de César pediram o Por duas razões principalmente me parece que
tributo a 8. Pedro, perguntou-lhe Cristo: Quid tibi corre. grande obrigação à nobreza de Portugal de
videtur, Simon?*. Que vos parece, Pedro, neste ca- concorrerem com muita liberalidade para os subsí-
so? — Reges terrae, a quibus accipiunt tributum, a dios e contribuições do reino. A primeira razão é
filtis, an ab alienis”*. Os reis da terra, de quem porque as comendas e rendas da coroa, os fidalgos
recebem tributo? Dos filhos, ou dos estranhos? — Ab deste reino são os que as logram e lograrão sem-
alienis*. Dos estranhos — respondeu S. Pedro. — pre, € é justo que os que se sustentam dos bens da
Ergo liberi sunt filire"*. Logo, isentos somos nós coroa não faltemà mesma coroa com seus próprios
bens: Quae de manu tua accepimus, dedimus tibi.
de pagar tributos — diz Cristo. — Eu, porque sou Fi-
lho do Rei dos reis, e vós, porque sois domésticos - Não há tributo mais bem pago no mundo que o
e criados de minha casa, que os que têm foro ou fi- que pagam os rios ao mar. Continuamente estão
liação na casa real, isentos e privilegiados são de pagando este tributo, ou em desatados cristais, ou
pagar tributos. — Hoc exemplum probat — diz o dou- em prata sucessiva — como dizem os cultos — e ve-
tíssimo Tanero: -: etiam familiares ipsius Christi a mos que, para não faltarem a esta dívida, se desen-
tranham'as fontes e se despenham as águas. Pois,
tributo liberos esse, cum et in humana. politia non
quem deu tanta pontualidade a um elemento bruto?
tantum filius ibse regis, sed etiam familia ejusa tri-
Por que se despendem com tanto primor umas
butis libera esse soleat. - Isto resolveu Cristo de ju-
águas irracionais? Por quê? Porque é justo que tor-
re. Mas de facto, que resolveu? Ut autem non scan-
“nem ao mar águas que do mar saíram. Não é pen-
dalizemus eos, vade, et da eis pro me et te'tttt. —
samento de quem cuidais, senão de Salomão. Ad
Resolveu que; sem embargo de serem privilegia-
locum unde exeunt Flumina revertuntur*: Tornam
dos; pagassem'o tributo, porque seria matéria de
“OS TIS perpetuamente ao mar — e em tempos tem-
escândalo que, quando pagavam todos, não pagas-
-pestuosos com mais pressa e muito tributo — por-
sem eles. — Pois, se nos casos comuns lhe parece
“Que; mais ou menos grossas, do mar recebem todas
- Súas correntes. Que injustiça fora da natureza, e
* Lm 1, 2. iA princesa das províncias ficou sujeita ao tributo.)
* Mt 17, 24. [Que te parece, Simão?). : Que escândalo do universo, se, crescendo caudalo-
»* Ibid. [De quem recebem os reis da tema O tributo ou o --S08"0s" rios, € fazendo-se alguns navegáveis com a
censo? De seus filhos, 6u dos estranhos?) : ' liberalidade do mar, represaram avarentos suas
- Águas, e lhe negaram o devido tributo? Tal seria, se
Mr Id, 25.

Mtv Pia, Logo são isentos os filhos.)


cre Jd, 26. [Todavia, para que não os escandalizemos, vai
€.) e dá-lho por mim e por til “ Ed 1,7. [Os rios voltam 20 mesmo lugar donde satram.]
28 ESCRITOS HISTÓRIC
E POLÍTICO
OSS ;
SERMÕES 29
a nobreza faltasse à coroa com o ouro que dela re-
fiz. eu O sustentarei — diz por Isaías. A razão com
cebe. E é muito de advertir aqui uma lição que a ue o Filho de Deus se animou à conservação tão
terra nos dá, se já não for repreensão, com seu
dificultosa e tão penosa de Adão, foi com se lem-
exemplo. A água que recebe a terra é salgada, a
brar que ele o fizera: Ego feci. ego feram. — Para se
que torna ao mar é doce. O que recebe em ondas
persuadir a ser redentor, lembrou-se que fora cria-
amargosas, restitui-o em doces tributos. Assim ha-
dor, e para conservar a Adão com todo o sangue,
via de ser, senhores, mas não sei se acontece pelo
tembrou-se que o fizera com uma palavra. Nobreza
contrário. A todos é coisa muito doce o receber; é o
de Portugal, já fizeste ao rei: conservá-lo agora
mas, tanto que se fala em dar, grande amarguras! que resta, ainda que custe: Ego feci, ego feram. —
Pois, consideremos a razão, e parecer-nos-á imitá- Muito foi fazer um rei com uma palavra, mas, con-
vel o exemplo. A razão por que as águas amargo- servá-lo com todo o sangue das veias, será a coroa
sas do mar se convertem em tributos doces, é por-
de tão grande façanha. Sangue e vida é o que pe-
que a terra, por onde passam, recebe o sal em si. ço, que a tão ilustres e generosos ânimos, petição
Vos estis sai terrae. — Portugueses, entranhe-se na fora injuriosa falar em fazenda.
terra O sal; entenda-se que o que se dá éosale
conservação da terra, e logo serão os tributos do-
ces, ainda que pareçam amargosas as águas. VOL
A segunda razão por que a nobreza de Portugal
deve servir com sua fazenda a el-rei, nosso senhor, Resta que obrigação absoluta de pagar tributos
que Deus guarde, mais que nenhuma outra nobre- só o terceiro estado a tenha. E assim o diz o nosso
za a outro rei, é porque ela o fez. Já que a fidalguia passó, que, como até agora nos acompanhou, ain-
de Portugal saiu com a glória. de levantar o rei, não da aqui nos não falta. Da boca do peixe tirou S, Pe-
deve querer que a leve outrem de o conservar e dro a moeda para o tributo; mas perguntará algum
sustentar no reino. Fazer, e não conservar, é insufi- curioso que peixe era este, ou como se chamava?
ciência de causas segundas inferiores: os efeitos Poucos dias há que eu me não atrevera a satisfazer
das. causas primeiras dependem delas in fieri, et “«à-dúvida; mas fui-a achar decidida em um autor es-
conservari: E verdade que muitas vezes tem maio- lrangeiro de nossa companhia, chamado Adamus
res dificuldades o conservar que -o fazer;-mas; Conthzem, pode ser que seja mais conhecido dos
quem se gleria da-feitura, não deve recusar 0 peso «políticos que dos escriturários, mas em uma € outra
da conservação. Pecou Adão, decretou o Eterno Pa- “Zoisaé muito douto. Diz este autor, falando do
dre que não havia de aceitar menor satisfação que “Nosso peixe: Piscis est apud Plinium, qui faber dici-
o sangue de seu Unigênito Filho. Notificou-se este tur, ei piscis Sancti Petri christianis: Que é este um
decreto ao Verbo— digamo-lo assim — e que-vos o Peixe, a. que hoje Os cristãos chamam peixe de S.
parece que responderia? Ego:feci, ego feram: Eu o “Pedro, e Plínio, na sua História Natural, lhe chama
“ Jfaber.— Notável coisa! Faber quer dize
* Is 46, 4. [Eu vos criei, é vos susterei]
De sorte que, ainda no mar, r O oficial.
quando se há de pagar
30 ESCRITOS HISTÓRICOS E POLÍTICOS 31
: SERMÕES
um tributo, não o pagam os outros peixes, senão o
je — Bem dizia eu, logo, que em Lisboa não há
peixe oficial. Não pagou o tributo um peixe fidal- E
go, senão um peixe mecânico. Não o pagou um «rês estados, senão dois: eclesiástico e nobreza.
se quisermos dizer que há três, não são eclesiásti-
peixe que se chamasse rei, ou delfim, cu outro no- e povo, senão eclesiástico, nobreza e
co. nobreza
me menor de nobreza, senão um peixe que se cha-
príncipes. E a príncipes, quem os há de exortar em
mava oficial: faber. Sobre os oficiais, sobre os que matéria de liberalidade? o
menos podem, caem de ordinário os tributos; não só digo, por conclusão, e em nome da pátria o
sei se por lei, se por infelicidade, e melhor é não encareço muito a todos, que ninguém repare em
saber por quê. dar com generoso ânimo tudo o que se pedir — que
Seguia-se agora, segundo a ordem que leva- não será mais do necessário — ainda que para isso
mos, exortar o povo aos tributos, mas não comete- se desfaça a fazenda, a casa, O estado, e as mesmas
rei eu tão grande crime. Pedir perdão aos que cha- pessoas, porque, se pelo outro caminho deixarem
mei povo, -isso sim. Em Lisbca não há povo. Em de ser O que são, por este tornarão a ser o que
Lisboa não há mais que dois estados — eclesiástico eram: Vos estis sal ierrae. A água, deixando de ser
e nobreza. Vassalos, que com tanta liberalidade água, faz-se sal, e O sal, desfazendo-se do que é,
despendem o que têm, e ainda o que não têm, por “ torna a ser água. Neste círculo perfeito consiste a
seu rei, não são povo. Vai louvando o Esposo divi- - nossa conservação e restauração. Deixem todos de
no as perfeições da Igreja, em figura de esposa, e, ser o que eram, para se fazerem o que devem; des-
admirando o ar, garbo e bizarrtia com que punha os . façam-se todos como devem, tornarão a ser o que
pés no chão, chama-lhe filha de príncipe: Quam “eram. Este é, em suma, o espírito das nossas quatro
pulchri suni gressus tui in Calceamentis, filia princi- “palavras. Vos, esiis, sal, terrae.
pis” - Não há dúvida que no corpo político de
qualquer-monarquia os pés, coino parte inferior,
significam O povo. Pois, se o Esposo louva O povo IX
da monárquia da Igreja, com que pensamento, ou
com que energia lhe chama neste louvor filha de . 1Temos acabado o sermão. E Santo Antônio?
púncipe: filia principis? = A versão hebréia O decla- Parece que nos esquecemos dele, mas nunca fala-
rou ajustadamente: Filia principis, idest, filia populi mos de. outra coisa. Tudo o que dissemos neste
sponte offerentis. - Onde a Vulgata diz filha de - discurso foram louvores de Santo Antônio, posto
príncipe, tem a raiz hebréia: filha do povo, que “Que-desconhecidos, por irem com o nome muda-
oferece voluntária e liberalmente. E povo que ofe- do:.Chamamos-lhe propriedade do sal, e eram vir-
tece "com vontade
é liberalidade nãoé povo, é tudes-do santo. E se não, arribemos brevemente
príncipe: Filia populi sponte offerentis, filia princi- “Sobre elas, e vamo-las discorrendo. Se a primeira
Propriedade do sal é preservar da corrupção, que
e 7. 1 iQuão belos são os teus pês, no calçado que “Espírito apostólico houve que mais trabalhasse por
trazes, ó filha do principe!) , : - Conservar incorrupta a fé católica com a verdade
32 ESCRITOS HISTÓR
E ICO
POLÍTICSOS
SERMÕES 33
de sua doutrina, com a pureza de seus escritos,
com a eficácia de seus exemplos, e com a maravi- com caminhos, com trabalhos padecidos constante
e fervorosamente por Deus, até que em trinta e
lha perpéiua de seus prodigiosos milagres? Se a
segunda propriedade do sal é, sobre preservativo, seis anos de idade — sendo robusto por natureza —
deixou de ser temporalmente ao corpo, para ser
não ser desabrido, que santo mais afável, que san-
por toda a eternidade à alma, onde vive, e viverá
to mais benigno, que santo mais familiar, que santo,
sem fim?
enfim, que tenha uns braços tão amorosos, que,
por se ver neles Deus, desceu do céu à terra, não
para lutar, como Jacó, mas para se regalar doce-
mente? Se a terceira propriedade do sal apostólico
era não ser de uma, senão de toda a terra, quem
no mundo mais sal da terra que Santo Antônio?
De Lisboa, deixando a pátria, para Coimbra;
de
Portugal, com desejo de martírio, para Marrocos;
da arribada de Marrocos para Espanha, de Espa-
nha para Itália, de Itália para França, de França
para Veneza; de Veneza outra vez à França,
outra
à Itália, com repetidas jornadas; com os pês andou
a Europa, e com os desejos a África, e, se não
le-
You Os raios de sua doutrina a mais partes
do
mundo, foi porque ainda as não tinham descober-
to Os portugueses,
Se a quarta propriedade do sal foi ser sujeito
das transformações dos elementos, em que santo
se viram tantas metamorfoses como em Santo An-
tônio, transformando-se do que era, para ger O
que mais convinha? De Fernando se mudou em
Antônio, de secular em eclesiástico, de clérigo
em
religioso, e ainda de um hábito em outro
hábito,
para maior glória de Deus, tudo, sendo
o primeiro
em quem foi crédito a mudança, e a incon
stância
virtude. Finalmente, se a última propriedade
' do
sal é conseguir o-seu fim desfazendo-se,
quem
mais bizarra e animosamenté que Santo Antôn
se'tiranizóu a si mesmo, io
desfazenco-se
com peni-
tências, com jejuns, com asperezas,
com estudos,

Você também pode gostar