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o veganismo:
discursos políticos nas práticas
comunicacionais e de consumo
do coletivo Vegano Periférico
DESGOURMETIZANDO O VEGANISMO:
discursos políticos nas práticas comunicacionais e de consumo
do coletivo Vegano Periférico
BANCA EXAMINADORA
____________________________________________________________
Orientador(a) e Presidente da Banca:
Profa. Dra. Tânia Márcia Cezar Hoff (ESPM)
____________________________________________________________
Avaliador(a) Externo(a)
Prof. Dr. Eneus Trindade Barreto Filho (ECA/USP)
____________________________________________________________
Avaliador(a) Interno(a)
Profa. Dra. Gabriela Machado Ramos de Almeida (ESPM)
DEDICATÓRIA
Dedico esse trabalho às mulheres da minha vida. Vilma Célia do Nascimento (mãe),
Alcinda Francisco do Nascimento (avó), Aparecida Denize de Souza (irmã)
e Vera Lúcia do Nascimento (tia — In memoriam).
AGRADECIMENTOS
Aos meus filhos, Pedro e Arthur a quem sou grato a cada dia, pelo amor, apoio e
incentivo a todas as minhas decisões, e pela presença sempre inspiradora.
Aos meus amigos, companheiros nesta caminhada no PPGCOM-ESPM e também os de
fora. São muitas pessoas, e cada um sabe no que contribuiu, mas escolhi nomear os que
estiveram juntos, especialmente ao André e Danielly, amigos de turma, obrigado demais pelo
apoio e por compartilhar as alegrias, as angústias e as trocas de informações, para facilitar nosso
propósito. À minha amiga, Cristina Dias, parceira de criação publicitária e incentivadora ativa
na minha produção acadêmica.
À minha orientadora, Tânia Hoff, que desde da minha preparação para o processo
seletivo, antes de me conhecer, respondeu aos meus e-mails, com dicas valiosas, para eu poder
fazer parte da turma de mestrando de 2020. Tem participação fundamental na minha formação
acadêmica. Muito competente e rigorosa, mas primeiro, pesquisadora admirável, bom caráter,
humilde, compreensível e sempre aberta ao diálogo.
A todos os professores do PPGCOM-ESPM, especialmente os que estiveram comigo
nos semestres de 2020/2021, Eliza Casadei, Mônica Nunes, João Carrascoza, Denise Cogo,
Rose de Mello e Gisela Castro, sempre próximos, generosos e empenhados na formação de
novos pesquisadores. Agradecimentos especiais aos Professores Eneus Trindade e à Professora
Gabriela Machado pela cuidadosa leitura e pelas contribuições no relatório de Qualificação.
Momento em que este trabalho ganhou musculatura. Avaliei e considerei as contribuições
sugeridas, aqui incorporadas.
Agradecimentos aos meu amigos, Pedro Lucente e Duca Rachid meus maiores
incentivadores, e sempre acreditaram no meu trabalho intelectual.
São muitas pessoas para agradecer, porque a caminhada foi longa, mas o fardo foi leve
e suave. A todos, muito obrigado!
indóceis tempos
vírus mentiras crimes
vícios lamentos mártires
difíceis versos
dor in[di]visível luto
me enluto reluto surto
firo as páginas
sangro em palavras
Abel Coelho
SOUZA, ANTÔNIO CARLOS DE. Desgourmetizando o veganismo: discursos políticos nas práticas
comunicacionais e de consumo do coletivo Vegano Periférico. Dissertação (Mestrado em Comunicação
e Práticas de Consumo) — Programa de Pós-Graduação em Comunicação e Práticas de Consumo,
Escola Superior de Propaganda e Marketing (ESPM), São Paulo.
RESUMO
Imagem 21 — Nuvem de palavras com gírias do Vegano Periférico. Fonte: elaborado pelo
autor........................................................................................................................................134
Imagem 22 — Nuvem de palavras com as palavras mais usadas nos posts do Vegano Periférico.
Fonte: elaborado pelo autor.....................................................................................................134
Imagem 23 — Posts do Instagram Vegano Periférico.............................................................135
Imagem 24 — Posts do Instagram Vegano Periférico............................................................139
Imagem 25 — Posts do Instagram Vegano Periférico............................................................143
Imagem 26 — Campanha publicitária composta de cards para o Instragram divulgado no site
http://pesquisassan.net.br/olheparaafome/..............................................................................157
LISTA DE QUADROS
INTRODUÇÃO.................................................................................................................................... 15
1 — COMUNICAÇÃO, CONSUMO E POLÍTICA NO VEGANISMO INTERSECCIONAL...32
1.1 — INTER-RELAÇÕES: COMUNICAÇÃO, CONSUMO E POLÍTICA............................... 32
1.1.1 - Comunicação e consumo .............................................................................................. 32
1.1.2 - Comunicação e consumo política ..................................................................................43
1.1.3 - Comunicação, consumo e o político ..............................................................................53
1.1.4 - Democracia e os sentidos políticos para liberdade ........................................................63
6. CONSIDERAÇÕES FINAIS.........................................................................................................168
6.1 - A gente não quer só comida, a gente quer comida, diversidade, inclusão social e cidadania..........168
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS..............................................................................................176
APÊNDICE..........................................................................................................................................180
15
INTRODUÇÃO
1
LIMA, Juliana. Aquecimento global pode chegar a 2,7 graus no século, alerta ONU. Observatorio do Terceiro
Setor, 2021 <www.observatorio3setor.org.br> acesso: Inserir nesta página a Ficha Catalográfica.2022
16
indígena, ambientalista, filósofo, poeta e escritor brasileiro da etnia indígena crenaque, em sua
cosmovisão frisa o que a situação ambiental que estamos vivendo pode ser obra de uma mãe
amorosa que decidiu fazer o filho calar a boca pelo menos por um instante. Não porque não
goste dele, mas por querer lhe ensinar alguma coisa. “Filho, silêncio”. A Terra está falando isso
para a humanidade. E ela é tão maravilhosa que não dá uma ordem. Ela simplesmente está
pedindo: “silêncio”. Esse é também o significado do recolhimento.
Por que razão, nos dois últimos séculos, dominou uma epistemologia que
eliminou da reflexão epistemológica o contexto cultural e político da produção
e reprodução do conhecimento? Quais foram as consequências de uma tal
descontextualização? São hoje possíveis outras epistemologias? (SANTOS;
MENESES, 2010, p. 7)
os problemas imbricados com o sistema capitalista. Por essas argumentações trazemos aqui
outras reflexões elaboradas pelo sociólogo português em outra obra com relação ao nosso
futuro.
Não existirá alternativa para um mundo em que 500 dos indivíduos mais ricos
detêm um rendimento semelhante ao rendimento somado dos 40 países mais
pobres, com uma população de 416 milhões de pessoas, (PNUD, 2005: 30) e
onde a catástrofe ecológica é uma possibilidade cada vez menos remota?
Devemos assumir como um facto inevitável que os problemas causados pelo
capitalismo só poderão ser resolvidos por mais capitalismo, que a economia
da reciprocidade não é uma alternativa credível à economia do egoísmo, e que
a natureza não merece outra racionalidade que não seja a irracionalidade com
que é tratada pelo capitalismo? A perplexidade causada por estas perguntas é
tanto maior quanto se sabe que sem a concepção de uma sociedade alternativa
e sem uma luta politicamente organizada que a possibilite, o presente, por mais
violento e injusto, tende a ser despolitizado — a discussão das questões
políticas dá lugar à discussão do caráter dos políticos — e, como
consequência, deixa de ser uma fonte de mobilização para a revolta, o
inconformismo e a oposição. (SOUZA SANTOS, 2013, p. 529)
Nessa direção, avancemos com o conceito do “Bem Viver” proposto por Alberto
Acosta em seu livro “O Bem Viver”. Uma oportunidade para imaginarmos outros mundos”, no
qual o autor apresenta o conceito e possíveis alternativas para a crise estabelecida no planeta.
Nessa perspectiva, Acosta diz o seguinte:
Acosta (2019, p. 25-26) esclarece que o “Bem Viver” — enquanto filosofia de vida —
é um projeto libertador e tolerante, sem preconceitos nem dogmas. Um projeto que, ao haver
somado inúmeras histórias de luta, resistência e propostas de mudança, e ao nutrir-se de
experiências existentes em muitas partes do planeta, coloca-se como ponto de partida para
construir democraticamente sociedades democráticas. Nessa direção, apresentamos um diálogo
entre as ideias de Souza Santos e Acosta:
E assim como Souza Santos, Acosta também nos deixa mais uma questão a ser
refletida.
2
PÉREZ, Gorka R.; ARANDA, José Luis. Pandemia faz as maiores fortunas do planeta dispararem. El País.
<https://brasil.elpais.com/economia/2021-01-01/pandemia-faz-as-maiores-fortunas-palneta-dispararem.html>
Acesso: 09/01/2022
19
das comunidades periféricas e contra a exploração animal. O coletivo está situado na periferia
da cidade de Campinas e representa a vertente conceitual “Veganismo Interseccional”.
Surgiu da iniciativa e da necessidade financeira de dois irmãos, os gêmeos Eduardo e
Leonardo e Luvizetto, moradores do Parque Itajaí, periferia de Campinas, interior de São Paulo,
que propõem uma desconstrução do senso comum estabelecido sobre o veganismo como um
movimento de pessoas ricas e a ideia de que só é possível consumir produtos industrializados e
de grandes marcas.
Segundo números aferidos no Instagram, dia 26 de novembro de 2020, o perfil coletivo
Vegano Periférico atingiu a marca de 344 mil seguidores e a comunidade cresce mais a cada
semana. Os irmãos publicaram o seguinte na descrição do perfil: “Acreditamos em uma causa
acessível para todos. Não importa onde você mora, importa como você pensa. Temos uma
enorme vontade de contribuir para um veganismo realmente popular, revolucionário que
dialogue com todas as classes e as diversas causas”.
O veganismo tem se tornado um excelente nicho de mercado e atrai o interesse de
grandes marcas. Conforme consulta feita ao site da (SVB) — Sociedade Vegetariana Brasileira
em 2011, o IBOPE fez sua primeira pesquisa para entender quantos brasileiros se declaram
vegetarianos, e o resultado mostrou que 9% da população, cerca de 17,5 milhões. Já em 2012,
o IBOPE repetiu a pesquisa, e os resultados apresentaram uma queda: 8% da população, cerca
de 15,2 milhões de brasileiros, se declara vegetariana.
No ano de 2018, o IBOPE repetiu a mesma pesquisa e os resultados foram bem
diferentes. Atualmente 14% da população é vegetariana, cerca de 29,2 milhões de pessoas.
Além disso, o IBOPE trouxe dados importantes para o mercado:
• 55% dos entrevistados disseram que poderiam consumir mais produtos veganos se
houvesse uma melhor sinalização nas embalagens.
• 61% daria preferência para alimentos veganos se esses produtos tivessem preços
semelhantes aos produtos de animais.
O debate sobre o tema é de grande relevância política e em “O que é Política?” Arendt
(2002) responde que “a política se baseia na pluralidade dos homens. A política trata da
convivência entre diferentes. Os homens se organizam politicamente para certas coisas em
comum, essenciais num caos absoluto, ou a partir do caos absoluto das diferenças”.
Para Aristóteles na antiguidade a política é a ciência que tem por objetivo a felicidade
humana e divide-se em ética (que se preocupa com a felicidade individual do homem na pólis)
e na política propriamente dita (que se preocupa com a felicidade coletiva da pólis). O objetivo
21
Assim, o veganismo é tema que se insere no debate político e social, está presente nos
espaços midiáticos (notícias e publicidade), redes sociais e nas rodas de conversas, de modo
que se torna objeto da comunicação e do consumo. Além do coletivo Vegano Periférico,
localizamos outros coletivos como o Xepa Ativismo, Vegano Pobre, Coletivo Vegano Popular
entre muitos outros que exercem uma política de resistência através do alimento e do “ato de
comer”.
Peter Singer (2010) em sua obra “Libertação Animal” demonstra como “destacados
pensadores ocidentais, em diferentes períodos, formularam e defenderam atitudes especistas
incorporadas em nossa cultura. Singer aponta que nos últimos dois ou três séculos, estes hábitos
espalharam-se a partir da Europa, estabelecendo o modo de pensar das sociedades humanas
modernas, capitalistas e comunistas. E que as raízes destas atitudes especistas são provenientes
de duas tradições: o judaísmo e a antiguidade grega. Essas raízes confluem para o cristianismo
e é por meio dele que prevaleceram na Europa”.
Retomando a política Aristotélica, na Grécia antiga havia tendências conflitantes. O
pensamento grego não era uniforme. Pitágoras, era vegetariano e estimulava seus seguidores a
tratar os animais com respeito, porque acreditava que a alma dos mortos migrava para os
animais, mas Aristóteles, discípulo de Platão, representava a Escola filosófica mais importante
e apoiava a escravidão. Aristóteles pensava que alguns homens são escravos por natureza, por
isso, a escravidão era correta e vantajosa para eles. Singer (2010) menciona “esse relato não é
para desacreditar Aristóteles, mas, porque é fundamental para compreendermos sua atitude para
com os animais”. Na concepção de Aristóteles,
Desta forma, o veganismo estabelece um confronto político, ético e moral aos preceitos
filosóficos aristotélicos, pois é um modo de vida que procura excluir — na medida do possível
e do praticável — as formas de exploração e crueldade de animais para alimentação, vestuário
ou qualquer outro propósito; e por extensão, promove o desenvolvimento e uso de alternativas
livres de animais para o benefício de seres humanos, animais e do meio ambiente.
Para o coletivo Vegano Periférico, conforme foi abordado anteriormente, comer é,
antes de tudo, um ato político, pois traz para o debate o sistema de sociedade vigente e propõe
um modelo alternativo de resistência e combate ao especismo animal.
Em 15 de setembro de 2006, foi sancionada a Lei 11.346, pelo então Presidente da
República, Luiz Inácio Lula da Silva e pelo ex-ministro Patrus Ananias, que estabelece a criação
do (SISAN) — Sistema Nacional de Segurança Alimentar e Nutricional com vistas em
assegurar o direito humano à alimentação adequada e dá outras providências. Em seu artigo 1.º,
esta lei estabelece as definições, princípios, diretrizes, objetivos e composição do SISAN, por
meio do qual o poder público, com a participação da sociedade civil organizada, formulará e
implementará políticas, planos, programas e ações com vistas em assegurar o direito humano à
alimentação adequada. Integrado ao SISAN, foi criado o (CONSEA) — Conselho Nacional de
Segurança Alimentar, um órgão de assessoramento imediato à Presidência da República, e que
garantia a participação da sociedade civil, na formulação, monitoramento e avaliação de
políticas públicas de segurança alimentar e nutricional com vistas a promover a realização
progressiva dos Direitos Humanos à alimentação, mas com a eleição do militar reformado Jair
Messias Bolsonaro à Presidente da República, em 28 de outubro de 2018, há mudanças radicais
nas políticas públicas do país.
Entretanto, em seu governo, passa a circular em seus discursos o termo ideologia para
marcar sua oposição às políticas de esquerda. Em seu governo de direita conservador, têm
adotado políticas neoliberais e com decisões autocráticas. Proporcionando um desmanche das
políticas públicas e inclusivas estabelecidas nos governos anteriores.
Em janeiro de 2019, através da Medida Provisória (MP-870), o Presidente extinguiu o
CONSEA, passando sua atribuição ao Ministério da Cidadania, a pasta ministerial é comandada
pelo atual ministro João Roma, assim, essas são as diretrizes políticas vigentes que fragilizam,
e acarretam perdas sociais as comunidades periféricas, representante da FAO no Brasil — a
Organização das Nações Unidas para a Alimentação e a Agricultura, Rafael Zavala destaca que
23
o CONSEA teve papel essencial nas políticas de combate à fome promovidas pelo Brasil nos
últimos 15 anos e poderia auxiliar também no enfrentamento da obesidade.
Segundo Zavala, hoje menos de 5% da população brasileira sofre de insegurança
alimentar, mas mais de 18% são ou estão obesos. Essas declarações são de 25 de abril de 2019,
em audiência pública na Comissão de Direitos Humanos e Minorias da Câmara dos Deputados.
Essas decisões políticas interferem profundamente nas políticas públicas de alimentação e
impactam as políticas públicas de saúde das populações periféricas do país conforme
abordaremos em nossa pesquisa.
O capitalismo promove a exploração animal, considera a natureza algo disponível, um
recurso que o homem pode dispor. A crise ambiental, as mudanças climáticas, o consumismo,
a produção em larga escala, são alguns dos aspectos implicados no debate da causa vegana.
Fisher (2020) traz as seguintes ponderações com as quais concordamos,
alimentação saudável. Estes são alguns dos problemas que atingem de maneira incisiva as
camadas mais pobres e periféricas da sociedade brasileira.
O Veganismo Interseccional e especificamente o coletivo Vegano Periférico se filiam
à ideologia marxista que tem no seu horizonte a exclusão de toda e qualquer alienação com
relação à produção e ao consumo dos bens, fatores que impactam politicamente alimentação e
a saúde.
Segundo Marx e Engels (1998), à medida que os trabalhadores vão se organizando em
associações, sindicatos e em partidos políticos, sua luta contra os capitalistas vai se
fortalecendo; eles vão adquirindo consciência de sua força e, deste modo, vão se formando
como classe antagônica ao capital. Aqui há uma das dimensões daquilo que Gramsci chamou
de processo catártico: “A estrutura da força exterior que esmaga o homem, que o assimila e o
torna passivo, se transforma em meio de liberdade, em instrumento para criar uma nova
iniciativa” (1975).
Nesta introdução, propomos uma visão panorâmica sobre o veganismo. Delimitamos
o objeto de pesquisa dessa dissertação, o Veganismo Interseccional. Apresentamos um cenário
que nos permite problematizar questões biopolíticas – políticas, éticas e morais no que concerne
ao consumo da proteína animal como principal fonte de alimentação e a libertação animal no
que concerne aos modos de produção de carne para abate que implicam procedimentos
cruéisaos animais, como confinamento, medicamentos para crescimento rápido, dentre outros.
Assim, pesquisamos os processos comunicacionais, analisando os aspectos
biopolíticos presentes nos discursos políticos, por meio da linguagem, da historicidade e da
ideologia. A seguir, apresentamos a questão problema, o objetivo geral e os específicos que
nortearão esta pesquisa.
PROBLEMA
OBJETIVO GERAL
Problematizar os aspectos biopolíticos, a partir dos discursos políticos nas suas inter-
relações com os discursos disciplinares presentes no ativismo e no consumo vegano,
considerando os discursos disciplinares relativos à saúde, bem como de sua apropriação pelas
lógicas capitalistas no contexto das contemporâneas culturas do consumo.
OBJETIVOS ESPECÍFICOS
PROCEDIMENTOS TEÓRICO-METODOLÓGICOS
sentido” (2020, p. 24). Assim, identificamos os discursos políticos presentes nas práticas
comunicacionais do coletivo Vegano Periférico, que atua em conformidade ao Veganismo
Interseccional, inter-relacionando três conceitos da Análise de Discurso de Linha Francesa
(ADF), sujeito, discurso e ideologia, para problematizar os aspectos biopolíticos implicados na
produção de sentidos na comunicação do referido Coletivo. Para tanto, nossa análise busca a
identificação do (1) interdiscurso (memória discursiva); (2) do lugar de fala e dos
silenciamentos, para se refletir sobre a produção dos sujeitos e seus assujeitamentos no
contexto do capitalismo neoliberal. Detalhamos a seguir os procedimentos da análise dos dois
corpora desta pesquisa: um documentário e postagens nas mídias sociais, como o Instagram e
Facebook.
Os pressupostos da ADF, serão embasados pelos trabalhos de Eni P. Orlandi,
Dominique Maingueneau e Maria Aparecida Baccega; e os dos estudos Decoloniais, por
Maldonado-Torres, Grosfoguel e Enrique Dussel. Assim, investigaremos as práticas
comunicacionais do coletivo, os debates sobre o sistema vigente e o combate ao especismo
animal.
No eixo Comunicação e Consumo, é de suma importância ressaltar a necessidade de
trabalharmos com outras bibliografias que combinadas à análise de discurso nos apoiarão a
reunir subsídios teóricos, para adensar a análise dos aspectos biopolíticos presentes nos
discursos políticos. Autores basilares deste eixo serão mobilizados ao longo do trabalho como
Jürgen Habermas, Stuart Hall, Muniz Sodré, Maria Aparecida Baccega, Jesús Martin-Barbero,
Mary Douglas, Baron Isherwood, Zygmunt Bauman e Isleide Fontenelle.
No eixo Veganismo e Decolonialidade, investigaremos as inter-relações veganismo
interseccional, saúde e estudos decoloniais. Estes estudos apontam para uma desobediência
epistêmica, insurgência sobre os conhecimentos hegemônicos e um resgate dos saberes
silenciados, inquerindo a branquitude como lugar de privilégio. Leva-nos a questionar, a
necessidade da decolonialidade, e olhar para outras pedagogias (exúlicas das casas de
candomblé, por exemplo), subvertendo as práticas hegemônicas de se alimentar e de cuidar da
saúde dos sujeitos. Autores fundamentais dos estudos decoloniais serão mobilizados para
tensionar a empiria na construção de conhecimento do objeto, entre eles Maldonado-Torres,
Grosfoguel e Dussel.
Nosso enfoque de análise consiste na reflexão sobre os processos de desconstrução
colonial dos patriarcados e especismo, efeitos emocionais, afetivos e psicológicos produzidos
sobre os corpos dos sujeitos periféricos. Concomitantemente, a partir dos processos de
desconstrução colonial, olharemos para as diretrizes políticas públicas estabelecidas pela FAO
27
e os efeitos ocasionados por leis como a Medida Provisória (MP-870), por exemplo, que
oprimem, invisibilizam, silenciam e excluem o sujeito, lançando-o a condição de subcidadania.
No eixo Políticas e Biopolíticas, refletiremos sobre as políticas de governos neoliberais
e conservadores através de ferramentas conceituais de biopoder, mecanismos de produção de
subjetividades (selfs) e disciplinas de opressão. Conforme citamos anteriormente, estudaremos
os aspectos políticos sensíveis ao alimento e à saúde, mobilizando autores como Chantal
Mouffe (2015), Mark Fisher (2019) e Achille Mbembe (2018). Assim, embasados em estudos
desenvolvidos pela (FAO) — Organização das Nações unidas, pela (Rede PENSSAN) – Rede
Brasileira de Pesquisa em Soberania e Segurança Alimentar, analisamos os sistemas que
atendem aos interesses particulares de grupos hegemônicos — elite e classe média — sendo
privilegiados por políticas que permitem a liberação de agrotóxicos, abandonam a produção de
hortas comunitárias, suspendem incentivos à produção de produtos orgânicos, estabelecendo
desertos alimentares e perpetuando um sistema nutricional hegemônico, opressor e colonizado,
causando efeitos devastadores sobre a saúde da comunidade preta e periférica.
SELEÇÃO/FORMAÇÃO DO CORPUS
3. Críticas aos meios de produção, aos frigoríficos que não são transparentes ao produzir
suas mercadorias. Não demonstram a violência contra os animais não humanos, nem as
condições e o não cumprimento das leis trabalhistas vigentes para com os animais humanos;
4. Críticas ao setor agropecuário e as políticas públicas, em detrimento das hortas
comunitárias e ao cultivo de produtos orgânicos.
5. Trabalham com o conceito de interseccionalidade, trazendo para o debate as questões
das comunidades periféricas (pobres), LGBTQIA+, o Afro Veganismo Feminino dando voz aos
que teoricamente não tem voz no movimento. Defendem o mesmo que os veganos
(abolicionistas) tradicionais, a exclusão da exploração animal, mas defendem pelo viés político;
A estratégia de comunicação do coletivo Vegano Periférico é realizada por meios
digitais e contempla uma variedade de canais de interação com o seu público, sendo as mídias
sociais o principal canal e também o site institucional. No site, estão ancorados um
documentário, uma loja virtual (e-commerce) e uma plataforma de captação de recursos
(crowdfunding) para que o coletivo se viabilize comercialmente.
O corpus selecionado é formado pelos seguintes materiais:
• 1 documentário (audiovisual);
• 64 postagens do Instagram/Facebook que foram selecionadas de uma amostragem
com 476 publicações. O recorte temporal do corpus está balizado entre janeiro de 2018 a janeiro
de 2021.
Os materiais referentes ao corpus estão divididos em duas partes: o documentário
“Vegano Periférico”; e as postagens do Instagram do coletivo.
No documentário Vegano Periférico, é possível observar:
a) Os pilares conceituais do coletivo;
b) as dimensões sociais e políticas do movimento vegano;
c) aspectos discursivos – uso da linguagem,a historicidade e ideologia.
Nessa primeira etapa, buscaremos ter o contato com o texto para observar a
discursividade e empreender um primeiro lance de análise de natureza linguístico enunciativa
– para considerar o esquecimento “desfazendo assim a ilusão de que aquilo que foi dito só
poderia sê-lo daquela maneira”. Desnaturalizar a relação “palavra coisa” (ORLANDI, 2020, p.
76).
Assim, empreendemos a análise, relacionando as formações discursivas, identificadas
na interpretação de sentidos observado na sinonímia e com a formação ideológica que regem
essas nas relações. Dessa maneira, atingir “a constituição dos processos discursivos
responsáveis pelos efeitos de sentidos” (ORLANDI, 2020, p. 76), produzidos nesse material
29
Alimento é tudo aquilo que pode ser ingerido para manter uma pessoa viva;
comida é tudo que se come com prazer, de acordo com as regras mais sagradas
de comunhão e comensalidade. Em outras palavras, o alimento é como uma
grande moldura; mas a comida é o quadro, aquilo que foi valorizado e
escolhido dentre os alimentos; aquilo que deve ser visto e saboreado com os
olhos e depois com a boca, o nariz, a boa companhia e, finalmente, a barriga...
O alimento é algo universal e geral. Algo que diz respeito a todos os seres
humanos: amigos ou inimigos, gente de perto ou de longe, da rua ou de casa,
do céu ou da terra. Mas a comida é algo que define um domínio e põe as coisas
em foco. Assim, a comida é correspondente ao famoso e antigo “de-comer”,
expressão equivalente a refeição, como de resto é a palavra comida. Por outro
lado, comida se refere a algo costumeiro e sadio, alguma coisa que ajuda a
estabelecer uma identidade, definindo, por isso mesmo, um grupo, classe ou
pessoa. (DAMATTA, 2011, pp. 46-47)
JUSTIFICATIVAS
30
Como me parece claro, hoje, que o objeto da Comunicação não pode ser
apreendido enquanto “coisas” nem “temas”, mas sim como um certo tipo de
processos epistemicamente caracterizados por uma perspectiva
comunicacional – nosso esforço é o de perceber processos sociais, em geral,
pela ótica que neles busca a distinção do fenômeno. Que se busque capturar
tais processos e suas características nas mídias, na atualidade, nos signos, em
episódios interacionais – não faz tanta diferença. O relevante é que nossas
conjeturas sejam postas a teste por sua capacidade para desvelar e explicitar
os processos que, de um modo ou de outro, resultem em distinção
crescentemente clara sobre o que se pretenda caracterizar como “fenômeno
comunicacional” relacionado aos temas e questões de nossa preferência.
(BRAGA, 201, p. 62-77)
isso, a escravidão era correta e vantajosa para eles. Peter Singer (2010) menciona esse relato
não para desacreditar Aristóteles, mas, porque é fundamental para compreendermos sua atitude
para com os animais. Na concepção de Aristóteles,
Desta forma, o veganismo estabelece um confronto político, ético e moral aos preceitos
filosóficos aristotélicos, pois é um modo de vida que procura excluir — na medida do possível
e do praticável — todas as formas de exploração e crueldade de animais para alimentação,
vestuário ou qualquer outro propósito; e por extensão, promove o desenvolvimento e uso de
alternativas livres de animais para o benefício de seres humanos, animais e do meio ambiente.
Em outra perspectiva de interpretação temos a ativista e feminista Carol Adams. Em sua
análise defende a teoria de que o consumo da carne está diretamente relacionado com a
sexualidade. Sua teoria defende a ideia de que o consumo da carne tem uma relação estreita
com o consumo da pornografia e que neste consumo estabelecemos o que ela chama “política
sexual” da carne. Carol Adams diz que
essas questões estão “na nossa cara” o tempo todo. Não as percebemos como
problemática porque estamos muito acostumados a ter a nossa cultura
dominadora refletindo essas atitudes. Somos moldados pela estrutura do
referente ausente e nos tornamos participantes dela. A política sexual da carne
também atua em outro nível: a superstição permanente de que a carne fortalece
e de que os homens precisam de carne. Do mesmo modo como nos últimos
dez anos ocorreu uma proliferação das imagens em que mulheres e animais
são referentes ausentes, houve um ressurgimento da “mania da carne bovina”,
com a carne associada à masculinidade. (ADAMS, 2018)
do corpo de uma mulher não representam a mulher, bem como os produtos expostos nas vitrines
dos açougues ou em embalagens cuidadosamente elaboradas em cortes diferenciados não
representam os corpos de animais.
Estes corpos passaram por diversos processos na produção, que não são visibilizados
no momento do ato de comer. Desde do seu confinamento até finalizar com suas vidas através
de um processo de abate. Estes animais são submetidos a um processo violento e desumano.
Em alguns casos são amenizados, como se fosse o suficiente para ignorar uma lei
específica de regulamentação do tratamento destes corpos. Seguindo essa linha de raciocínio é
possível abrir-se uma discussão a partir do contexto europeu. Na Europa, já é possível
identificar políticas e leis que se preocupam com as técnicas de criação e abate sendo aplicadas
no tratamento dos animais que serão sacrificados para o consumo. Na França, a lei contempla
diretrizes e boas práticas, que preservem e considerem o abate de animais sencientes. Animais
que manifestam algum tipo de reação psicológica ou fisiológica com relação à dor. Por
exemplo, as galinhas precisam ter um espaço mínimo de locomoção no confinamento, para
evitar estresses e sejam pisoteadas umas pelas outras.
Uma terceira forma de pensar o consumo da carne, além do pensamento de Aristóteles
e Adams, estaria associada às construções de identidades envolvidas no consumo. Para Stuart
Hall, a identidade é realmente algo formado, ao longo do tempo, por meio de processos
inconscientes, e não algo inato, existente na consciência no momento do nascimento. Existe
sempre algo ‘imaginário' ou fantasiado sobre sua unidade. Ela permanece sempre incompleta,
esta sempre em “processo, sempre sendo formada” (2006, p. 38).
37
A identidade não pode ser vista como uma constante imutável, já dada, mas
como algo que se transforma e pode assumir múltiplos sentidos. A
alimentação, quando constituída como uma cozinha organizada, torna-se um
símbolo de uma identidade, atribuída e reivindicada, por meio da qual os
homens podem se orientar e se distinguir. Mais do que hábitos e
comportamentos alimentares, as cozinhas implicam formas de perceber e
expressar um determinado modo ou estilo de vida que se quer particular a um
determinado grupo. (MACIEL, 2005, pp. 65-66)
comentário quando as pessoas vão preparar uma refeição e não veem um pedaço de carne: “Não
vai ter nada para comer?” À mesa tem saladas, massas, arroz, feijão, mas se não tem um bife,
não é uma refeição. O consumo de carne atribui status, poder financeiro. É muito comum
classificar a carne por categoria de “segunda”, carne de “primeira”, pois está diretamente
relacionada ao poder aquisitivo e um apontamento para a construção de nobreza relacionando
com as partes que serão consumidas do animal. Segundo Canesqui e Garcia e Canesqui (2005,
p. 17) “O prato serve para nutrir o corpo, mas também sinaliza um pertencimento, servido como
um código de reconhecimento social”. Quanto mais cara a carne, quanto mais sofisticado o
corte, maior o seu o status e maior seu capital social. “O indivíduo usa o consumo para dizer
alguma coisa sobre si mesmo. Sua família, sua localidade, seja na cidade ou no campo, nas
férias ou em casa” (DOUGLAS E ISHERWOOD, 2009). O consumo permite que os indivíduos
construam a sua identidade que surge não tanto da plenitude da identidade que já está dentro de
nós como indivíduos, mas de uma falta de inteireza que é “preenchida” a partir do exterior,
pelas formas através das quais nós imaginamos ser vistos por outros.” (HALL, 2006, p.39)
O ator e ex-governador do Estado da Califórnia dos EUA, Arnold Schuwarzenegger e
o diretor de cinema James Cameron, produziram o documentário “Dieta de Gladiadores” e
abordam a dieta a base de proteína vegetal para atletas de alto desempenho ou para pessoas que
querem perder peso. Schuwarzenegger sempre consumiu muita carne e ovos, mas quando
mudou sua dieta para o veganismo, diziam que a dieta adotada não era dieta de homem.
concluídos, outros estavam incompletos, contendo apenas partes da pesquisa. Os testes que
envolviam pessoas, a amostragem era muito pequena, não podendo obter resultados expressivos
para serem analisados.
Ainda na linha de estereótipos construídos a partir da sexualidade que envolve o
consumo da carne, os irmãos Leonardo e Eduardo debatem no documentário do coletivo o
preconceito sofrido por parte dos amigos que na visão deles são alienados, “os moleques não
têm consciência do discurso que produzem, o consumo de carne envolve muito machismo”. No
início dos comentários, encontra-se a seguinte fala:
se eu não como carne, eu sou gay. Aí entra duas coisas, tanto a homofobia,
porque vê a homofobia como um problema, quanto machista. Os caras têm
que desapegar desse bagulho. Não é o que você põe no seu prato que define o
que você é, entendeu? Isso é um ponto que a gente tem que bater. Eu vejo que
bloqueia muito. Uma vez um moleque falou: Nem vou trocar ideia com você
porque você é vegano. Vai comer uma picanha, depois a gente troca uma ideia.
Eu falei: Na moral você tá viajando. O que tem a ver comer carne com ser
homem? Dá onde vem isso? Você vê que é inconsciente. E de como é
importante bater nessa tecla. O cara se acha menos homem ou mais homem
por consumir arroz integral. Olha o grau da ignorância que a gente vive. Cara,
eu acho o seguinte, os moleques olham pra quem tem qualquer coisa fora desse
padrão, que é um condicionamento do cara, ele tem que ser barbudo, comer
carne, tem que ser machão, tem que dominar a mulher. Aí eles olham um
vegano, um vegetariano, Ah, o cara não come carne, o cara é o que? Viadinho?
Mulherzinha? Tá ligado? Isso não existe. Tá tudo na cabeça do maluco. A
gente não está falando de feminismo, porque a gente não é mulher para falar
de feminismo, a gente tá falando de machismo, que é o que nós somos, que
nós praticamos. Como homem, nós olhamos o mundo dessa forma, então a
gente pode falar. Não tô falando “o fulano olha desse jeito! Não! Eu enxerguei
desse jeito. Eu treino minha visão para não cair nessa armadilha. Eu treino
minha visão, eu Eduardo, o Leo treina a visão dele pra quando tiver no meio
dessa rapaziada, não sabotar, falar “ é verdade, mano, esse bagulho é de
mulherzinha, num sei o que... Dá uma picanha... Então, assim, a gente treina
nossa visão e a nossa mente como homem, sendo, extremamente machista,
tentando desconstruir isso dentro da gente mesmo. Não tem a ver com
esquerda, direita ou feminismo. Tem a ver com uma coisa séria, que é o
machismo” (VEGANO PERIFÉRICO).
vegano, esses players de mercado têm direcionado suas estratégias de comunicação também a
outros públicos (não veganos), com outros tipos de desejos, afetos, preocupações e
necessidades, tais como: carnívoros que desejam diminuir o consumo da carne, veganos que
gostam do sabor da carne, ou vegetarianos, que não defendem as mesmas causas associadas ao
ativismo vegano. Nessa dinâmica, a publicidade tem educado e construído a identidade de um
novo grupo de consumidores para esse sendo os “flexitárianos”. Flexitárianos ou
semivegetarianos, na definição do dicionário de inglês Oxford, que incluiu o verbete em 2014,
é aquele que segue dieta vegetariana na maior parte do tempo, mas que, ocasionalmente, come
algum tipo de carne. “O consumo é um processo ativo em que todas as categorias sociais e está
sendo continuamente redefinidas” (DOUGLAS; ISHERWOOD, 2009). Para Barbosa e
Campbell (2006), “a atividade de consumir pode ser considerada um caminho vital e necessário
para o autoconhecimento, enquanto o mercado começa a se tornar indispensável para o processo
de descoberta de quem realmente somos”.
Tais denominações para o consumo são fruto do atual estágio do capitalismo neoliberal,
de modo que a criação publicitária deles se apropria e os divulga, associando-os a marcas, cujo
está voltado a corrigir ou amenizar os problemas advindos do consumo. Assim, há marcas que
buscam engajamento com aquilo que os consumidores reclamam e outras que buscam apenas
uma oportunidade criativa e de venda. Barbosa e Campbell (2006) avançam na concepção da
construção da identidade de consumidores dizendo que: “é evidente que o que compramos diz
algo sobre quem somos. Não poderia ser de outra forma. Mas o que estou sugerindo é que o
verdadeiro local onde reside a nossa identidade deve ser encontrado em nossas reações aos
produtos e não nos produtos em si”.
Isto pode ser observado pela quantidade de grandes frigoríficos que adotaram a
fabricação destes produtos em suas linhas de produção e têm estabelecido parcerias com as
redes de fast-foods, para a implantação de hambúrgueres plant-based em seus cardápios.
Assim, fornecendo produtos que atendam a uma demanda e estabeleçam novas formas
de consumo, novas categorias de consumidor com discursos de engajamento ao consumo
consciente.
42
[...] o branding das grandes marcas coloca a questão ambiental no core de sua
política corporativa. A questão de fundo, portanto, é a de construir o discurso
e a imagem de um campo mais atento a um consumo mais sustentável, menos
predatório, ou seja, um consumo de produtos, serviços e experiências, de
organizações que estão sensibilizadas a responder a esse novo cenário.
(FONTENELLE, 2017, p.149-150)
Nesta perspectiva, o consumo consciente emerge como uma crítica ao consumo, para
além do consumismo, condição doentia do sujeito na relação com as mercadorias. Consumo
consciente envolve a crítica à sociedade de consumo, no sentido de preservar a natureza e o
meio ambiente, preservar as reservas de água; enfim, uma atitude mais consciente em relação
às práticas de consumo.
Apesar de haver um objetivo central no movimento vegano que é a libertação animal,
não existe um consenso na circulação de discursos. Veganos Interseccionais divergem dos
Veganos Liberais no discurso político criticam as lógicas de mercado, a publicidade, a produção
de produtos caros e industrializados, denunciam a exploração, as condições de sofrimento que
os animais são submetidos nas fazendas industriais e para além da libertação animal, estão
preocupados com a libertação dos humanos. Preocupam-se com as condições de trabalho nos
frigoríficos. Funcionários explorados, com jornadas de trabalhos exaustivas, sem equipamentos
adequados de EPI, sem direitos e vínculos empregatício estabelecidos por lei. Enquanto
Veganos Liberais enxergam nas lógicas de mercado a oportunidade de terem seu consumo
atendido através da industrialização e processamento de produtos veganos.
43
Nesse subcapítulo ampliaremos nossa visão sobre outros discursos que circulam na
sociedade do consumo, são discursos enunciados no consumo político e no ativismo alimentar.
Discursos em circulação relevantes para a preservação e manutenção da humanidade e estão
diretamente ligados ao ato de consumir. No ato de consumir também devemos considerar a
conexão com a cidadania, dessa forma elevando o também o consumo a uma dimensão política.
Se olharmos para a experiência dos movimentos sociais perceberemos que caminhamos para
uma redefinição do que entendemos por cidadania, segundo Canclini (2005, p.36) “não apenas
em relação aos direitos à igualdade mas também em relação aos direitos à diferença” e o
consumo é uma forma de estabelecer essa identidade.
3
“A principal tese dos que afirmam a existência de racismo institucional é que os conflitos raciais também são
parte das instituições. Assim, a desigualdade racial é uma característica da sociedade não apenas por causa da ação
isolada de grupos ou de indivíduos racistas, mas fundamentalmente porque as instituições são hegemonizadas por
determinados grupos raciais que utilizam mecanismos institucionais para impor seus interesses políticos e
econômicos”. (ALMEIDA, 2019, l. 325)
44
enorme campo de pesquisa a ser explorado e ressalta a demanda pela construção de uma
epistemologia em torno desse objeto. As principais pesquisas se concentram no Norte Global,
há poucos estudos realizados no Brasil, segundo pesquisas feitas por Halkier (2019) em
periódicos acadêmicos da área. Portilho (2020) conclui em seu artigo que
Fontenelle (2017, p. 141) assevera que o debate acerca do consumo responsável é amplo
e complexo. “Condensa questões que dizem respeito ao meio ambiente, ao mundo social, ao
equilíbrio do corpo humano e da psique. E que coloca em questão termos que englobam o
consumo verde, ecológico, ambiental, ético, ativista, eficiente-racional, consciente, saudável,
sustentável, entre outros”.
Estas denominações para o consumo são frutos do atual estágio de capitalismo, de modo
que a criação publicitária deles se apropria e os divulga, associando-os a marcas, cujos discursos
estão voltados a corrigir ou amenizar os problemas advindos do consumo. Assim, há marcas
que buscam engajamento com temas que os consumidores reclamam e outras buscam apenas
uma oportunidade criativa e de venda. Isto pode ser observado pela quantidade de grandes de
frigoríficos que adotaram a fabricação destes produtos em suas linhas de produção e têm
estabelecido parcerias com as redes de fast foods, para a implantação de hambúrgueres plant-
based em seus cardápios.
Para tanto, o consumo consciente, o ativismo alimentar e o consumo político, segundo
Portilho a definição usual relaciona-se “à percepção e uso efetivo do consumo (poder de compra
no mercado) para pressão política para promover mudanças sociais. Embora o consumo político
também possa ter governos como alvo, trata-se, na maior parte das vezes, de uma forma de
engajamento político na esfera do mercado (market-oriented engagements), que se manifesta
na escolha de marcas, produtos, produtores e/ou varejistas baseada em considerações políticas,
éticas e/ou ambientais”.
Portilho (2020) faz algumas reflexões sobre o ativismo alimentar e o consumo político
no contexto brasileiro. Para a autora, a definição usual de consumo político relaciona-se à
percepção e uso efetivo do consumo (poder de compra no mercado) como forma de pressão
45
política para promover mudanças sociais. Embora o consumo político também possa ter
governos como alvo, trata-se, na maior parte das vezes, de uma forma de engajamento político
na esfera do mercado (market-oriented engagements), que se manifesta na escolha de marcas,
produtos, produtores e/ou varejistas baseada em considerações políticas, éticas e/ou ambientais.
Nessa dimensão, a comunicação e consumo demandam outras abordagens e análises específicas
como Portilho (2020) pontua:
Em suas análises, Portilho argumenta que o ativismo alimentar no Brasil pode ser
divido em duas fases. A primeira fase teria como embrião algumas iniciativas por volta dos
anos de 1940, através de reflexões pioneira de Josué de Castro “mostrando que a fome e a
pobreza são uma questão política, e não apenas de saúde pública ou de assistência social”
(PORTILHO, 2020, p. 414). Mas trazendo para um momento mais recente da história e para
ficar na contextualização da nossa pesquisa Portilho ressalta naprimeira fase a campanha
liderada por Betinho, irmão do Henfil que criou e dedicou-se ao projeto “Ação da Cidadania
contra a Fome, a Miséria e pela Vida”.
Essa primeira fase descrita foi fundamental para o avanço nas políticas públicas. Por
meio desse trabalho realizado pelo Betinho, outras frentes foram abertas, outras iniciativas
foram desenvolvidas. Aconteceram outros movimentos seguindo a mesma pauta. Eclodiu
movimentos agrários, e tendo como o divisor de águas como foi citado anteriormente a Lei
11.346, sancionada em 2006, pelo então Presidente da República, Luiz Inácio Lula da Silva e
pelo ex-ministro Patrus Ananias, que estabelece a criação do SISAN com vistas em assegurar
46
o direito humano à alimentação adequada e dá outras providências. “Um dos resultados de tais
lutas, o SISAN, pode ser considerado um exemplo bem-sucedido de politização da
alimentação.” (PORTILHO, 2020, p. 414).
No momento, segundo Portilho, estaríamos vivendo a segunda fase desse ativismo
alimentar e consumo político, entretanto, ressaltamos que devido às políticas adotadas pelo
atual governo, o Brasil regrediu ao estágio embrionário, voltando a figurar novamente no mapa
da fome e da miséria do globo. A segunda fase se caracteriza por diversos atores sociais. Parte
deles se concentra na sociedade civil, representada por associações, movimentos políticos,
sindicatos, (ONGs) — Organização Não Governamental e mais recentemente os coletivos que
estão namoda. Outros se encontram nos governos institucionais, são partidos políticos que têm
em sua proposta de governo trabalhar em função dessas lutas e causas; vereadores, deputados
estaduais e federais que, eleitos pelo povo, trabalham em conjunto com a sociedade civil para
aprovações de leis e projetos que atendam a essa demanda. Para diversos autores, parte desse
movimento se explica pelo trabalho realizado por ambientalistas e outros movimentos que
aconteciam nas décadas de 60 e 70 que geraram esses resultados.
A primeira grande reunião de chefes de estado organizada pela (ONU) — Organização
das Nações Unidas, para tratar das questões relacionadas à degradação do meio ambiente
aconteceu em 1972, na capital da Suécia, Estocolmo foi a Conferência das Nações Unidas sobre
o Meio Ambiente Humano que ficou conhecida como Conferência de Estocolmo. Reconhecida
como um marco nas tentativas de melhorar as relações do homem com o Meio Ambiente
(ambientalismo), e também por inaugurar a busca por equilíbrio entre desenvolvimento
econômico e redução da degradação ambiental que evolui para a noção de desenvolvimento
sustentável.
Os estudos de Fontenelle ressaltam uma virada de chave na compreensão do consumo
consciente, que, ao nosso ver, dialogam com as interpretações da Portilho e serão importantes
para nossas reflexões sobre os discursos que estão em disputa na arena “discursiva vegana”.
Fontenelle ressalta outro evento histórico importante e comenta que: “Esse deslocamento
discursivo da produção para o consumo foi a ECO-92. A Conferência das Nações Unidas sobre
o Meio Ambiente e o Desenvolvimento realizada no Rio de Janeiro, 1992” (FONTENELLE,
2017, p.149). Fontenelle credita esse deslocamento por uma mudança estrutural de produção
dos países desenvolvidos que pelo processo de globalização terceirizaram sua produção para
outros países que eram considerados emergentes ou não desenvolvidos. E destaca que esse
movimento produziu novas questões imbricadas:
47
Sem previsão de remoção da carga viva e precisando liberar o tráfego rodoviário, um grupo de
ativistas do movimento se organizaram e se deslocaram até o local para protestar contra a forma
com que esses animais estavam sendo transportados, mas principalmente para ajudar e prestar
solidariedade aos animais, fornecendo água, comida e garantindo que a remoção dos animais
fosse com humanidade. Quando ocorrem esses acidentes, é comum ocorrer saques às
mercadorias, quando a população costuma atacar na tentativa de furtar as “mercadorias”.
“Sugiro o seguinte: se você quer coisas sabor carne, coma carne. Se quer
comer plantas, coma plantas com gosto de plantas. E se quer parar ou diminuir
o consumo de carne, o universo vegetal é gigantes...” (Paola Carosella)
52
Imagem 5: postagens feitas por Paola Carosella em sua rede Social (Twitter).
Fonte: redação VEJA São Paulo. Matéria publicada em 26 set. 2019, 17h13, na seção Comida & Bebida Saúde e
atualizado em 14 fev. 2020, 15h57.
Uma outra iniciativa mundial nessa direção é a Campanha Mundial “Segunda sem
Carne”. Presente em mais de 40 países, como nos Estados Unidos e no Reino Unido, apoiada
por líderes e personalidades internacionais. A SVB, lançou essa campanha no Brasil em outubro
53
de 2009, e conta com apoio do poder público e empresas. A “Segunda Sem Carne” brasileira é
considerada a maior do mundo.
Vamos almoçar
Sentados na calçada
Conversar sobre isso e aquilo
Coisas que nóis não entende nada
Depois, puxá uma páia
Andar um pouco
Pra fazer o quilo
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É dureza joão!
É dureza joão!
É dureza joão!
É dureza joão!
O mestre falou
Que hoje não tem vale não
Ele se esqueceu
Que lá em casa não sou só eu
Adoniran Barbosa, compôs em 1980 a música “Torresmo à milanesa” que era uma
belíssima crítica ao abuso sofrido pelos operários, que não recebiam nem ao menos o vale-
refeição. Para além dessa crítica, podemos extrair outros elementos de análise a partir da letra
da canção, a política e o consumo que estavam postos nesta época no Brasil. Podemos
conjecturar que as leis trabalhistas não eram respeitadas. A alimentação dos trabalhadores era
precária, a jornada de trabalho exaustiva e o patrão, representando a figura do burguês, detentor
do capital, demostra o descaso pelo proletariado, esquecendo-se de pagar o “vale”, quantia que
representa uma parte dos proventos que deveriam ser pagos ao fim da jornada semanal.
A proteína que eles consumiam eram torresmos, ovos fritos acompanhado de arroz e
feijão, na marmita, panela de lata que servia de recipiente, para os trabalhadores levarem a
comida ao trabalho. Alimentação de baixo valor nutricional, acompanhada de arroz e
descrevendo um padrão de consumo possível e imposto à classe-baixa e periférica. Fica
evidente como determinados indivíduos e grupos sociais participam da política e da vida em
sociedade.
material, existencial e política. “Essas duas realidades são inseparáveis. Ao mesmo tempo, elas
são analiticamente diferentes, o que significa que é necessário compreendê-las na sua
interdependência mútua, de modo a esclarecer esse fenômeno complexo” (SOUZA, 2018, p.
42).
A pobreza tem se perpetuado no Brasil, desde o final da escravidão. A história pode
explicar parte dos problemas de como se construiu a pobreza e a desigualdade no país. Os
negros foram abandonados a própria sorte pelos seus donos e pela sociedade. A ausência de
políticas que garantisse habitação, trabalho, saúde lançam esses indivíduos a margem da
sociedade. Assim, num processo precário passar a viver em condições subumana. Essas razões
dificultaram a adaptação as condições estabelecidas de um modo de vida burguês. As marcas
da escravidão deixariam sequelas, constatar esta preocupação implica, indiscutivelmente,
reconhecer a desumanização, não penas como viabilidade ontológica, mas como realidade
histórica. (FREIRE, 1987, p. 29-30). Essas relações com a sociedade burguesa contribuiriam
para a construção das imagens simbólicas desses indivíduos. Para Souza (2018),
O caminho percorrido até aqui nos ajuda a construir e a explicar uma parte do problema
onde a sociedade brasileira está mergulhada. Mas para compreendermos a contemporaneidade
e como sujeitos periféricos vivem a cidadania, e como já foi dito, apartados das políticas de
Estado. Jessé Souza procura demonstrar como se construiu o que ele chama “a ralé” que é
precisamente, “a classe não apenas sem acesso aos capitais que propiciam a incorporação da
moderna ideia de alma, ou seja, dignidade e realização expressiva, mas sem acesso até mesmo
aos pressupostos dessa incorporação. (SOUZA, 2018, p. 42)
Segundo suas palavras, sua intenção não foi de ser pejorativo, mas sim, provocativo.
Valendo-se de conceitos teóricos do sociólogo Pierre Bourdieu de “capital” e de “habitus”
Souza (2018, p. 29) salienta que: “Bourdieu percebe os capitais econômico e cultural como os
elementos estruturantes de toda a hierarquia social moderna.” E que o “habitus”
56
A partir do conceito de “capital”, Souza constrói a ideia da “ralé” que constitui a maior
parte do povo brasileiro, atingindo algo em torno de 80%. Os 20% restantes seria a elite
brasileira que concentra a maior parte da renda do país. A construção simbólica da “ralé” se dá
através da discursividade produzida pela elite e pela classe média brasileira apoiada por
narrativas elaboradas por intelectuais brasileiros. Souza (2018) destaca a importância Gilberto
Freire que através da sua produção intelectual, principalmente pelo livro “Casa Grande”
Senzala, ajudou a disseminar a ideia de igualdade de raças no Brasil. O que foi extremante
relevante para o processo de silenciamento das questões relacionadas às desigualdades raciais
e para que ainda hoje continuássemos reproduzindo esse discurso que desumaniza e não repara
as desigualdades, ou seja, que não se materializa de maneira real e concreta. Para Paulo Freire
(1987) nos diz:
A desumanização, que não se verifica apenas nos que têm sua humanidade
roubada, mas também, ainda que de forma diferente, nos que a roubam, é
distorção da vocação do “ser mais”. É distorção possível na história, mas não
vocação histórica. Na verdade, se admitíssemos que a desumanização é
vocação histórica dos homens, nada mais teríamos que fazer, a não ser adotar
uma atitude cínica ou de total desespero. A luta pela humanização, pelo
trabalho livre, pela desalienação, pela afirmação dos homens como pessoas,
como “seres para si”, não teria significação. Esta somente é possível porque a
desumanização, mesmo que um fato concreto na história, não é, porém,
destino dado, mas resultado de uma “ordem” injusta que gera a violência dos
opressores a esta, o “ser menos”. (FREIRE, 1987, p. 30)
Outros pontos abordados por Souza dizem respeito ao uso do “capital econômico” pela
elite que forjou o conceito de patrimonialismo, que determina define que a corrupção seria um
problema inerente ao Estado, deslocando o foco do verdadeiro problema relacionado ao “poder”
do capitalismo e a intervenção do mercado financeiro e têm o “poder” de controlar a política
do país. Por outro lado, a classe média faz o uso do “capital social” para construir uma imagem
enviesada sobre o conceito de populismo. A classe média construiu o imaginário simbólico que
os pobres seriam fáceis de manipular. Devido à origem campesina, sem leitura e por serem
carentes de uma educação formal. Souza enxerga na junção desses fatores, uma combinação
determinante para o padrão avaliativo e as disposições de comportamento do povo.
57
Constituindo-se assim um padrão que ele vai conceituar como “habitus precário” com a
seguinte definição:
O habitus precário seria o limite do habitus primário para baixo, ou seja, seria
aquele tipo de personalidade e de disposições de comportamento que não
atendem às demandas objetivas para que um indivíduo ou um grupo social
possa ser considerado produtivo e útil numa sociedade de tipo moderno e
competitivo, podendo gozar de reconhecimento social com todas as suas
dramáticas consequências existenciais e políticas. O que estamos chamando
de habitus secundário tem a ver com o limite do habitus primário para cima,
ou seja, tem a ver com uma fonte de reconhecimento e respeito social que
pressupõe, no sentido forte do termo, a generalização do habitus primário para
amplas camadas da população de uma dada sociedade. Como a categoria de
habitus primário é a mais básica, na medida em que é a partir dela que se
tornam compreensíveis seus limites para baixo e para cima, devemos nos deter
ainda um pouco na sua determinação. (SOUZA, 2018, p. 207-208)
Dessa maneira, Souza encontrou uma forma de iluminar a origem das mazelas da
sociedade brasileira. E podemos concluir com essa contribuição da análise de um elemento de
discursividade:
O Brasil não atingiu o Estado democrático, que tem como pressuposto a igualdade para
todos e participação plena de direitos e deveres. Passamos pelos anos do milagre econômico,
pela ditadura, reestabeleceu-se a República democrática por meio das “Diretas já” e o discurso
proferido, sempre o mesmo. A necessidade de organizar a economia, a modernização do país,
a estratégia de acúmulo de capital para depois fazer a redistribuição de renda. Assim, tornar o
Brasil menos desigual e mais inclusivo.
Entretanto, esse discurso presente em todos os modelos de governo nunca se
concretizou. O sistema de acúmulo, beneficiou a indústria, e hoje é benéfico ao sistema
financeiro. O compromisso do Brasil é com o pensamento neoliberal, que dita as regras do jogo.
Mas, Canclini nos apresenta seguinte consideração:
europeus vivem hoje sob o regime da “colonialidade global” imposto pelos Estados Unidos,
através do FMI, do (BM) — Banco Mundial, do Pentágono e da (OTAN) — Organização do
Tratado do Atlântico Norte.
Na década 80, no cenário mundial, político e econômico era performado por duas
figuras públicas, Margaret Thatcher no Reino Unido e Ronald Reagan nos Estados Unidos,
ambos porta-vozes do neoliberalismo. Reproduzindo discursos que fazem parte da história e da
memória mundial. Os discursos liberais contra comunistas, “vermelhos versus azuis”, a defesa
conservadora da família e de uma menor regulação da esfera econômica por parte do Estado,
nesse ponto se distanciando do liberalismo que preconiza a separação econômica da esfera
política. Essas duas figuras públicas Thatcher e Reagan são responsáveis por assumir e
disseminar uma transformação da linguagem política que até aquele momento era reservada aos
“think tanks” privados e às reuniões de grupos de influência neoliberais.
Para Mouffe (2015) a principal deficiência do liberalismo no campo político é sua
negação do caráter inerradicável do antagonismo. “Apesar daquilo que muitos liberais nos
querem fazer acreditar, a especificidade da política democrática não é a superação da oposição
nós/eles, mas a forma diferente pela qual ela se estabelece.” (MOUFFE, 2015, l. 453) e assevera
que “a tendência predominante no pensamento liberal se caracteriza por uma abordagem
racionalista e individualista que impede o reconhecimento da natureza das identidades
coletivas”. (MOUFFE, 2015, l. 384).
Entretanto, é importante ressaltar que entre os anos de 1973 e 1990, o Chile esteve sob
o governo autoritário do General Augusto Pinochet, que adotara a ideologia da chamada Escola
de Chicago em um cenário de violação aos direitos civis, supressão de garantias individuais e
terrorismo de estado. O governo ditatorial de Pinochet foi o laboratório perfeito para um
conjunto de políticas macroeconômicas e processos sociais de retração da esfera pública.
Seguindo todas as dinâmicas impostas pelo neoliberalismo, desativou abruptamente a margem
decisória dos processos populares e, em consequência, impossibilitou a articulação dos
movimentos por justiça social. Enquanto no plano mundial, nos anos 80, estabeleciam-se as
bases do neoliberalismo, no Brasil (desde 1930), após cinquenta anos de investimentos na
política industrial, num processo de modernização em grande escala, esse novo modelo
industrial de desenvolvimento entra em crise e “vai perdurar até os anos 1980, quando entra em
crise, assegurando, nesses cinquenta anos, taxas contínuas de crescimento econômico capazes
de transformar um dos países mais atrasados do globo, em 1930, na oitava maior economia do
mundo, ao fim do processo, no limiar dos anos 1980.” (SOUZA, 2018, p. 189).
60
Para Fisher (2020, p.8), “os anos 1980 foram o período no qual o realismo capitalista
se estabeleceu, com muita luta, e criou raízes. Foi a época em que a doutrina de Margaret
Thatcher de que “não há alternativa” – um slogan tão sucinto para o realismo capitalista quanto
se poderia querer – se transformou em uma profecia autorrealizável brutal. Para Mouffe (2015),
“além das falhas da abordagem liberal, o principal obstáculo à implementação de uma política agonística
vem do fato de que, desde o colapso do modelo soviético, estamos assistindo à hegemonia inconteste do
neoliberalismo, com sua alegação de que não há alternativa à ordem existente” (MOUFFE, 2015, l. 742-
752).
O realismo capitalista, para Fisher (2020), pode ser visto tanto como uma crença
quanto como uma atitude. “É a crença de que o capitalismo é o único sistema econômico viável”
(FISHER, 2020, p. 88).
O realismo capitalista tem sido vendido para nós por gerentes (muitos dos
quais se veem como pessoas de esquerda) que nos dizem que os tempos agora
são outros. A era da classe trabalhadora organizada acabou; o poder sindical
está recuando; as empresas agora dão as cartas, e temos que entrar na linha. O
trabalho de autovigilância que se exige rotineiramente dos trabalhadores –
todas aquelas auto avaliações, revisões de performance, livros de registro –
seria, como nos é dito, um preço pequeno a pagar para manter nossos
empregos. (FISHER, 2020, p. 82)
Após governos democráticos e governos autoritários, nos anos 1980 o Brasil passou
por uma transição política da ditadura militar para a democracia e, nessa década, surge no
cenário político o Partido dos Trabalhadores (PT). Oficializado partido político em 10 de
fevereiro de 1980, pelo (TJSE) — Tribunal Superior de Justiça Eleitoral, o PT foi criado como
um partido promotor de mudanças na vida de trabalhadores da cidade e do campo. Defensor do
socialismo democrático, o PT foi fundamental, em 1984, na mobilização social conhecida como
“Diretas Já”, que reivindicou eleições presidenciais diretas no Brasil. Adquirida a experiência
de luta por diversas reivindicações sociais, foram o ponto de partida para muitas propostas
levadas à Constituinte de 1988, que culminou na aprovação da atual constituição brasileira.
A atuação do PT e de outros partidos de esquerda avançou em muitos pontos nos
direitos sociais e na democratização de diversas políticas públicas. Entretanto, demoraria duas
décadas para que o partido chegasse ao poder. Durante todo esse período construiu-se uma forte
oposição aos governos estabelecidos, mas sempre dentro de um regime democrático e se tornou
a principal e a mais importante organização da esquerda brasileira. Corroborando destes fatos
políticos e históricos, Saad e Morais comentam que
Um dia depois dos compromissos firmados, com mais de 40 líderes, anunciou o corte
da ordem de 240 milhões nos projetos do (MMA) Ministério do Meio Ambiente. A pasta do
MMA foi comandada por Ricardo Aquino Salles que demonstrou estar à serviço da bancada
ruralista servindo a interesses espúrios. Em uma reunião ministerial, divulgado em rede
nacional, vazou o comentário que enquanto a sociedade e a mídia estão preocupadas com a
cobertura seria a momento adequado para passar a “boiada”. A “boiada” a qual ele se referia
era a assinatura de novas legislações mudando os regramentos e simplificar normas do IPHAN,
de ministério da Agricultura, de ministério de Meio Ambiente, de ministério disso, de ministério
daquilo”. Aílton Krenak, no “Roda Viva” do dia 19/04/2021, fez a seguinte afirmação com
relação ao ministro Ricardo Salles "é uma pessoa articulada não é a mesma coisa que uma
pessoa subserviente. Esse sujeito é medíocre e subserviente, ele está ali para executar um plano
danoso para a soberania ambiental no Brasil”.
O Brasil teve as relações diplomáticas abaladas com a China, após ser acusada pelo
então ministro da Educação Abraham Weintraub, de ter se beneficiado da pandemia do vírus
da Covid-19. Além de fazer comentários xenófobos em relação à dificuldade de chineses
falarem o português. Comparando a fala a um dos personagens da turma da Mônica, um símbolo
cultural do Brasil.
63
Sem sombras de dúvidas, a Covid-19 será um dos fatos mais importantes deste século
e o governo “Bolsonaro” também entrará para história com relação ao negacionismo científico
e à má condução da crise pandêmica no país.
Para Mouffe (2015, l. 732) “uma sociedade democrática exige que se discuta a respeito
das alternativas possíveis; além disso, ela precisa oferecer formas políticas de identificação que
girem em torno de posições democráticas claramente diferenciadas”. A autora considera que:
Mouffe (2015), conclui que “teóricos liberais são incapazes de reconhecer o papel
integrativo que o conflito desempenha desempenha na democracia moderna”.
Uma das ideias que decorre da abordagem da nossa pesquisa são os sentidos do
conceito político e a noção de “liberdade”. São muitas as definições para a palavra “liberdade”.
E aqui apresentaremos algumas definições que contextualizam o nosso debate. De qualquer
maneira a palavra liberdade não escapa dos enquadramentos da linguagem e seja pela paráfrase
ou pela polissemia os sentidos serão definidos pelo embate travado na ação discursiva. Para
Orlandi,
65
São duas forças que trabalham continuamente o dizer, de tal modo que todo
discurso se faz nessa tensão: entre o mesmo e o diferente. E é nesse jogo entre
paráfrase e polissemia, entre o mesmo e o diferente, entre o já-dito e o, a se
dizer que os sujeitos e os sentidos se movimentam, fazem seus percursos, (se)
significam. A língua é sujeita ao equívoco e a ideologia é um ritual com falhas
que o sujeito, ao se significar, se significa. Por isso, dizemos que a
incompletude é a condição da linguagem: nem os sujeitos, nem os sentidos,
logo, nem o discurso, já estão prontos e acabados. Eles estão sempre se
fazendo, havendo um trabalho contínuo, um movimento constante do
simbólico e da história. É condição de existência dos sujeitos e dos sentidos:
constituírem-se na relação tensa entre a paráfrase e polissemia. (ORLANDI,
2020, p. 34)
É assim que suas palavras adquirem sentido, é assim que eles se significam
retomando palavras já existentes como se elas se originassem neles e é assim
que sentidos e sujeitos estão sempre em movimento, significando sempre de
muitas e variadas maneiras. Sempre as mesmas, mas, ao mesmo tempo,
sempre outras. (ORLANDI, 2020, p. 34)
e educação. São exemplos de conquistas articuladas por coletivos e movimentos sociais e que
não faziam parte do “welfare state” do governo neoliberal brasileiro.
Para Arendt, “liberdades no sentido dos direitos civis resultam da libertação, mas não
são de umodo algum o conteúdo real da liberdade, cuja essência é a admissão no âmbito público
e a participação nos assuntos públicos”.
E para Habermas importância que cidadãos de nações distintas conferem aos direitos
e às liberdades, à inclusão e à igualdade, ou à deliberação pública e à resolução de problemas
determina como eles veem a si próprios como membros de sua comunidade política. (2008,
p.10).
Esses grupos marginalizados pelas políticas de Estado, são indivíduos que muitas
vezes, estão apartados da cidadania e em extrema desigualdade social. Para Souza (2018, p.
44) “a descrição do excluído abaixo da condição de dignidade sobre sua própria condição é
necessariamente reativa, ou seja, tende a negar subjetivamente a condição subumana que vive
objetivamente em seu cotidiano”.
Assim, o conceito de liberdade é solapado e Arendt (2018) diz ser: “desnecessário
acrescentar que, onde os homens vivem em condições verdadeiramente miseráveis, essa paixão
pela liberdade é desconhecida”. “Satisfazer a fome, solucionar a pobreza e garantir a saúde são
respostas a necessidades sociais. Dizem respeito ao labor e mantêm nossa sobrevivência
biológica, o que é fundamental. Porém, não garantem ação e discurso, condições da experiência
propriamente política da liberdade. Um povo pode estar bem alimentado, mas apartado das
decisões de sua polis. O autoritarismo pode resolver o problema da saúde sem dar o direito de
agir às pessoas”. (ARENDT, 2018, p. 9)
Anteriormente, nas considerações iniciais apontamos a ADF, como teoria-
metodológica a ser aplicada aos três eixos de estudos que compõem os capítulos desta
dissertação: 1. Comunicação e Consumo, 2. Veganismo e Interseccionalidade; 3. Política e
Biopolítica. Pretendemos analisar as condições e produções de sentido, nos discursos políticos
do Veganismo Interseccional.
O “político”, na análise de discurso, também goza de outros sentidos. Não se trata
exatamente da política no sentido estrito de formas de governo. E sim do “político”, constituído
das relações de poder, que envolvem a enunciação dos discursos e com relação às condições de
produção. Ou seja, quem pode, quem tem o direito ou não de enunciação. Sejam eles através
dos textos, imagens ou na oralidade.
Os discursos se materializam, na linguagem, na historicidade e na ideologia. Nessa
perspectiva, procuramos apresentar as motivações da nossa pesquisa. De maneira sucinta,
68
teriam confluência com o cristianismo e, no que lhe concerne, estabeleceu o hábito pela Europa.
Ele estabeleceu uma relação com a doutrina encontrada no velho testamento, onde o Homem
foi criado à imagem e a semelhança de Deus. Sendo assim, uma representação de Deus sobre a
terra e que por determinação de Deus teria domínio sobre a natureza e todas as feras. Apesar do
livro de Gêneses descrever o paraíso e os primeiros humanos se alimentando de frutas e
vegetais, haveria ocorrido uma mudança logo após o dilúvio, quando Deus passa a permitir o
consumo da carne de alguns animais. O antigo testamento é permeado de relatos do uso de
animais como oferendas e sacrifícios para a expiação de pecados.
Na antiguidade grega, como Singer descreve em seu livro “Libertação animal” (2010),
haviam escolas filosóficas importantes que eram conflitantes. Cada uma seguia os pensamentos
estabelecidos pelo seu fundador.
Pitágoras era vegetariano declarado e estimulava os seus seguidores a respeitarem a
vida dos animais, presume-se que na época, Pitágoras acreditasse que a alma dos homens,
migrasse para os animais. Mas a Escola mais importante foi a de Platão e de seus discípulos,
notadamente Aristóteles que, como já foi dito, era a favor da escravidão e afirmava que a
natureza era para servir aos desejos e necessidades do homem. As ideias de Aristóteles foram
os que prevaleceram no pensamento Ocidental. Apesar do estudo de Singer estar delimitado ao
Ocidente, nesse mesmo período no Oriente, Singer afirma em seus estudos que Sidarta
Gautama, o Buda, doutrinava seus seguidores sobre a importância da alimentação isenta de
ingredientes de origem animal.
Depois dessa fase pré-cristã e grega, Singer descreve um terceiro fato para confirmar
a sua tese. O cristianismo seria estabelecido durante o Império Romano e com tempo absorvido
das ideias judaicas e gregas. O Império Romano estava envolvido em suas conquistas em terras
distantes. Aos cidadãos comuns o entretenimento era os jogos no Coliseu, onde havia execução,
inclusive de cristãos lançados as feras. Havia um certo limite para o senso moral em Roma.
Para determinadas pessoas, suas vidas valiam menos. Criminosos, militares cativos e animais
que eram jogados na arena. A igreja cristã haveria de estabelecer a ideia da vida sagrada entre
os romanos, o que por fim, reforçaria o destino e a crueldade com relação aos animais.
Entretanto, somente a partir do século XV que a ideia de uma dieta à base de vegetais
ganharia força e expressividade. Diversos pensadores e artistas defenderiam essa alimentação
em favor das espécies animais. Entre os mais ilustres defensores do vegetarianismo seria
Leonardo da Vinci que em certo momento questionou em citação publicada na obra Quaderni
D’Anatomia, I-VI, preservada na Inglaterra pela Biblioteca Real de Windsor.
71
Além de ajudá-los, se aproxima deles para que eles possam gerar filhos que
saciem seu paladar, assim criando sepulturas para todos os animais. E devo
dizer mais, se me for permitido dizer toda a verdade: não acha que a natureza
já produz alimentos o suficiente para que se satisfaça? (DA VINCI)
Não tenho que matar o cordeiro e a cabra para saciar o meu apetite. Bolotas e
bagas são o suficiente para a minha alimentação. Minha companheira vai ser
da mesma natureza que a minha, e vai se contentar com o mesmo que eu.
Faremos a nossa cama de folhas secas; o sol vai brilhar sobre nós da mesma
forma que brilha sobre os homens, e ele vai amadurecer a nossa comida. A
imagem que apresento a vocês é humana e pacífica. (MARY SHELLEY)
Church. Enquanto isso, em 1850, Sylvester Graham, inventor da popular indústria Graham
Cracker, fundou a Sociedade Vegetariana Americana. Em 1897, a pioneira Sociedade
Vegetariana, sediada na Inglaterra, que na ocasião já contava com cinco mil membros.
Nesse trecho dos nossos apontamentos é pertinente observar que na raiz do
vegetarianismo e do veganismo estão totalmente centrados no norte global e que o movimento
no Brasil não escapa das influências coloniais, imperialista e patriarcais da região. No Brasil,
um dos primeiros defensores do vegetarianismo foi o jornalista e poeta paraibano Carlos Dias
Fernandes, escritor do livro “Proteção dos Animais”, em 1914. Fernandes se envolveu em
discussões com profissionais da saúde que defendiam o consumo da carne, entretanto, tinha o
apoio do médico Flávio Maroja. Maroja era um médico higienista e publicou um artigo que
tratava dos benefícios do vegetarianismo. O material foi publicado no jornal “A União” de 30
de agosto de 1916 intitulado “Higiene Alimentar: Regimen Vegetariano e Regimen Carneo,
confronto de opiniões, como penso a respeito”, que falava dos benefícios do vegetarianismo.
Carlos Dias Fernandes comemorou a fundação da Sociedade Vegana Brasileira que aconteceu
no dia 26 de janeiro de 1917.
Retornando ao Reino Unido, em 1931 o comitê da Sociedade Vegetariana, integrou o
indiano Mahatma Gandhi. Gandhi que proferiu um discurso argumentando que uma dieta livre
de proteína animal, não era questão de saúde e sim de caráter ético e moral. A questão tomou
uma dimensão política e começou a surgir outros questionamentos. Debates e artigos
começaram a ser publicados no boletim informativo “Vegetarian Messenger”, a cerca do
tratamento dado as galinhas e as vacas-leiteiras. As opiniões eram divididas com relação ao
tema, e para acirrar esse cenário nesse ano eclodiu uma doença semelhante à vaca louca que
atacou os rebanhos de ovelhas britânicas. Os cientistas concluíram que a doença era provocada
por uma proteína infecciosa chamada “Príon”.
Esses fatos geraram uma certa apreensão nos vegetarianos, que começaram a escrever
cartas para a Sociedade Vegetariana. Entendendo que o que estava em debate, tornaria o
vegetarianismo muito radical. Argumentavam que seria uma dieta muito difícil de seguir,
devido à dificuldade de encontrar produtos para substituir os produtos de origem animal. As
cartas relatavam outras preocupações como a dificuldade de atrair novos adeptos e por fim, o
que poderia ser servidos nos eventos sociais da comunidade diante de tamanhas restrições.
Donald Watson, que nesse momento trabalhava como marceneiro e era integrante da
sociedade vegetariana de Leicester, começou a demonstrar a vontade e o desejo de lançar o
veganismo. Watson tentou publicar algumas ideias no boletim da Sociedade Leicester, mas não
foi autorizado. Nesse contexto, escreveu o primeiro boletim, marcou reunião com seus amigos
73
Veganos liberais (estratégicos) tem como enunciação em seu discurso, que os avanços
em busca da “libertação animal” devam ser conquistados de maneira gradual. Eles avaliam que
a postura dos veganos abolicionistas interseccionais como radicalismo e acreditam que com
essa atitude torna muito difícil chegar a uma solução de curto prazo. Assim, os animais não
humanos continuariam sofrendo até que o objetivo seja concretizado. Nesse sentido, para os
veganos liberais a luta travada pelos veganos abolicionistas seria uma utopia.
testes com animais, na indústria cosmética e farmacêutica. Essa ideia fica esclarecida nas
imagens retiradas na home da Organização Animal Equality e nas palavras de Naconecy (2009)
que diz que:
Enquanto os veganos liberais concordam com medidas paliativas, não atentando para
os direitos já constituídos dos animais, de certa forma contribuem com a ideologia dominante
e com as relações de poder estabelecidas por quem tem direito de dizer e de ser ouvido. São
empresas estabelecidas, que detém apoio econômico de governos hegemônicos e lançam
produtos para uma classe média com poder de compra. Essa ideologia em favor do mercado
pensando em resultados imediatos, ainda que se preocupe com bem-estar do animal, negligencia
o político e sentido ético e moral da causa, deixando de lado direitos que já estão constituídos
no campo jurídico.
O Veganismo Liberal tem sido representado por personalidades como artistas,
esportistas, atores e atrizes. Em sua grande maioria, pessoas ricas, brancas e cisgêneras. Nessa
perspectiva, o simbólico e imaginário constituído é que o veganismo seria um consumo possível
somente para pessoas ricas e que os melhores produtos são os industrializados e caros.
Para exemplificar como são construídos esses imaginários e de que maneira se
posicionam os veganos liberais, apresentamos a campanha publicitária produzida pela SVB.
Essa campanha, cujo tema era “Se você ama um por que come o outro?”, tinha o ator e roteirista
Emiliano d’Avila como embaixador da marca e foi veiculada em 2020. Ele, branco e cisgênero,
encontra-se ao lado de animais de raça sofisticadas e caras, um cachorro da raça “Golden
Retriever” e um porco da raça “Pietrain”. Os dois animais costumam ser criados como animais
domésticos e de estimação. Os animais representam um consumo simbólico de determinadas
classes sociais. São animais dificilmente encontrados nas comunidades periféricas.
venda no site da SVB e um vídeo institucional. A SVB produziu um segundo vídeo para
registrar o impacto da campanha e a circulação do público do Metrô.
Nas imagens do vídeo acima, a circulação apresenta somente pessoas brancas e de bom
poder aquisitivo, o que corrobora com os dados apresentados no “mídia kit” do Metrô. A linha
4, amarela, é a mais moderna da América Latina e operada pela iniciativa privada. São dez
estações ativas, com circulação de 1,5 milhão de passageiros por dia. Com o seguinte perfil:
42% entre 16 e 25 anos, 50% de homens e de mulheres, 13% da Classe A e 57% da classe B.
Patricia Hill Collins destaca que a interseccionalidade existe há trinta anos, mas reforça
o consenso de que muito antes de receber o nome de interseccionalidade e ser um conceito,
muitas ideias, ações e ideias já haviam sido realizados aos seus moldes. A interseccionalidade
consiste em olhar para os diversos “marcadores sociais da diferença” , raça, gênero, classe,
sexualidade, entre outros, mobilizando algumas ou entrelaçando todas ao mesmo tempo, com
o intuito de sempre avançar na direção necessária para haver liberdade, justiça social e equidade
para todos, desde as mulheres negras, os LGBTQIA+, os pobres nas comunidades periféricas e
outros indivíduos que se encontram segregados pelas políticas hegemônicas do Estado.
A interseccionalidade tem como um de seus princípios fundamentais o sistema político
comprometido com a igualdade ou com a distribuição equitativa de poder entre todos os
cidadãos. Segundo Collins (2020), se perguntassemos o que é interseccionalidade? As pessoas
responderiam de maneira genérica,
abre espaço em suas redes sociais para outros ativistas que representam o veganismo e outras
causas que demandam ações inclusivas, o que na prática acaba proporcionando a
interseccionalidade e o cruzamentos dos diversos marcadores sociais existentes que ilustram e
corroboram com as descrições ao longo desse subcapítulo.
hoje não há escola que se preze em São Paulo que não conte um coletivo
feminista. Os movimentos LGBTQIA+, as organizações baseadas em
identidades de gênero, de etnia ou de raça tornaram-se uma espécie de
substituto da antiga vinculação sindical, que privilegiava a identidade de
classe. Não é que a classe desapareceu, mas agora ela se compõe com a
paisagem indeterminada de outras dimensões para as quais clamamos
reconhecimento (DUNKER, 2017, p. 16)
Entretanto, as condições políticas são fundamentais para haver espaço para que os
coletivos possam se organizar e manifestar suas reinvindicações. No Brasil havia um ambiente
político democrático onde era seguro e permitido protestos e manifestações sociais. A maioria
das manifestações inicia-se nas mídias sociais e muitas das ações coletivas ou sociais encontram
acolhida e ressonância no espaço midiático hegemônica. No entanto, na contramão desses
direitos outorgados pelas políticas democráticas. Nesse novo governo neoliberal, Bolsonarista,
as políticas de resistência, acabam se tornando de “risco” e de “sobrevivência”. Há muita
83
repressão, violência excessiva, por parte da segurança pública. Principalmente quando são
manifestações de sujeitos periféricos, negros, pobres, LGBTSQIA+ E excluídos, em geral.
Patricia Hill Collins em uma palestra no SESC, no lançamento de seu livro pela Boitempo diz
que em tempos de repressão é necessário fazer política de maneira a sobreviver.
O Vegano Periférico através da coletividade encontrou uma forma de protestar e
disseminar suas ideias. Atuando politicamente em favor dos animais-humanos e não humanos,
interfere, avança e ajudar o movimento vegano, democraticamente, para que novas pautas sejam
pensadas e agregadas ao movimento. Exemplos de conquistas e contribuições do coletivo que
podem ser destacadas, estão relacionadas as questões centrais da interseccionalidade que traz
para o debate as representações de raça, gênero, classe, sexualidades e pessoas em outras
situações de exclusão. Questionamentos e informação com relação à importância da
desconstrução da imagem enviesada do movimento em relação ao consumo vegano que seria
acessível somente para pessoas brancas e ricas. Problematizam a cooptação do movimento por
empresas produtoras de proteína animal, que apresentam em suas linhas de produção produtos
voltados a produção da proteína vegetal, somente para atender e ampliar sua participação no
mercado, sem trazer nenhuma contribuição ao movimento. Sem fazer mudanças estruturais em
suas linhas de produção. Por exemplo: nenhuma modificação nas estruturas para
acondicionamento dos animais, respeitando parâmetros mínimos de melhores condições de
saúde e bem-estar para os animais. Diminuição nas matrizes e fechamentos das fazendas
industriais utilizadas para a criação dos animais, caracterizando o que o mercado define como
“washing vegan”.
Outro ponto está relacionado com a produção das mercadorias nas fazendas industriais
e nos frigoríficos que demandam melhores condições de trabalhos para os funcionários e o
acolhimento das leis trabalhistas. Leis trabalhistas alteradas pelo governo interino do presidente
Michel Temer e diversos avanços que haviam sido conquistados com muito esforço e na última
reforma representaram perdas e um retrocesso para a classe trabalhadora.
Os coletivos juvenis não aderem às práticas de políticas tradicionais nem as
representações e mediações nas mídias hegemônicas, levantamos essa hipótese, talvez seja
devido a um descontentamento ideológico para com as instituições políticas e oprimidos por
uma verdadeira impossibilidade de agir. Desta forma, as redes sociais tornaram-se um caminho
de voz para que coletivo Vegano Periférico articulasse e fizesse política na política, através do
site do coletivo, na produção de conteúdos para o blog ou nas postagens no Instagram/Facebook
e documentário no canal do YouTube.
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ganham legitimidade, quando podem ser vistos como "puros" em oposição aos gastos e
"corruptos" da cena social e política do país”. (CERBINO; RODRIGUEZ, 2005, p.114)
Com o advento da pandemia, o coletivo respeitou as regras impostas de distanciamento
social, mas criaram uma alternativa para esses encontros, realizando lives que envolviam
ativistas que aderiram ao coletivo, bem como ativistas de outros coletivos com perfil muito
parecido com o Vegano Periférico. Pessoas jovens agrupadas em função de uma causa,
mulheres negras, pessoas da região norte e nordeste do país, pessoas de regiões periféricas,
movimento pela emancipação de gênero. Enfatizando as observações feitas por Dunker a
respeito da confluência de interesses de grupos invisibilizados ele demonstra uma preocupação
com os avanços efetivos que os coletivos movimentos anseiam com o seguinte pensamento:
“quero crer que a grande novidade desse conjunto de movimentos está em pensar que em nossas
relações mais cotidianas e nossos hábitos mais simples replicam e atualizam relações de poder.”
(DUNKER, 2017, p. 16).
Esses sujeitos periféricos geralmente estão apartados do acesso a uma alimentação
saudável e de baixo custo. Isenta de produtos industrializados e processados muito comum
nessas regiões e de custo elevado para sua grande maioria. Essa constatação é o que chamamos
“deserto alimentar” que voltaremos abordar e explorar de forma aprofundada no capítulo 4
deste estudo.
apresentado, o veganismo tem as suas origens na Inglaterra, em 1944, com Donald Watson, por
isso, mantém fortes traços eurocêntricos e coloniais.
Reis Neto (2019) escreve, “Exu é o orixá da comunicação, da fala e o guardião dos
caminhos, o senhor das encruzilhadas. Para os nagôs, ele é o orixá central da trama da vida e
do sistema místico, pois é o princípio dinâmico do movimento. Exu é quem movimenta o axé
e a própria vida na terra (ayê). Sem Exu não há movimento, sem movimento não há orixá e nem
vida para os humanos” e para Nascimento (2016) afirma, “para as cosmologias iorubás, a
riqueza não pode ser pensada em termos de acúmulo de axé, uma vez que este é dinâmico e
expansivo, não podendo, sob a pena de danos à estrutura da comunidade e de tudo que dela faz
parte, ficar estagnado, o que implicaria em uma ruptura com o movimento, com o devir,
definidor do axé”.
O Vegano Periférico é um perfil vegano que surgiu da iniciativa e da necessidade
financeira de dois irmãos, os gêmeos Leonardo e Eduardo Santos. Moradores do Parque Itajaí,
periferia de Campinas, interior de São Paulo, que através da internet conquistaram milhares de
seguidores. Os irmãos propõem uma desconstrução simbólica e imaginada em torno do
veganismo, que apresenta como um movimento para pessoas ricas, e que só é possível consumir
produtos industrializados e de grandes marcas. Nas palavras de Leornado e Eduardo Luvizetto,
“o maior problema do veganismo é que as pessoas estão olhando pra sociedade de uma forma
industrializada… Na hora de desconstruir, ela não consegue olhar pro veganismo sem imaginar
o produto industrializado vegano, de modo que os produtos industrializados vegano sejam
caros, e as façam concluir que ‘veganismo é caro”. (VEGANO PERIFÉRICO)
Na descrição do perfil nas redes sociais, os irmãos afirmam: “Acreditamos em uma
causa acessível para todos. Não importa onde você mora, importa como você pensa.”
Rufino (2019) salienta que “o desafio nos demanda outros movimentos, mirando uma
virada linguística/epistemológica que seja implicada na luta por justiça cognitiva e pela
pluriversalização do mundo. Devemos credibilizar gramáticas produzidas por outras presenças
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e enunciadas por outros movimentos para, então, praticarmos o que, inspirado em Exu e nas
suas encruzilhadas, eu chamo de cruzo”.
Nesse sentido, lançamos mão da figura de Exu, das narrativas míticas – os itãs e da
sabedoria ancestral do povo de santo para a discussão das possibilidades de construção de uma
pedagogia arteira que dança, ginga, que faz criar a novidade, o riso, o colorido, a arte e que, ao
mesmo tempo, emancipa, leva os sujeitos a serem protagonistas de suas próprias histórias como
nos ensina Freire (2011).
Com o intuito de dialogar com o seu público e facilitar o acesso e o entendimento do
que é o veganismo, os irmãos produziram o documentário “Vegano Periférico”, no dia 1.º de
novembro de 2020, Dia Mundial do Veganismo. Produzido pela Habitante Filmes e dirigido
por Rauany Farias e distribuído pela plataforma Mídia Ninja. A divulgação do lançamento do
filme aconteceu nas mídias sociais Instagram/Facebook e a veiculação na plataforma YouTube.
O documentário foi todo gravado e editado com câmera subjetiva e procura relatar o
dia-a-dia dos irmãos. Com depoimentos pessoais e de seus familiares (mãe, tia e a namorada de
um dos irmãos). Mostram suas compras nos hortifrutis, como economizar escolhendo frutas e
legumes da época, como preparam receitas veganas nas associações do bairro e apresentam uma
comunidade local engajada com o projeto de hortas comunitárias e como são impactadas pela
falta de políticas públicas. Em Campinas foi promulgada uma lei que garantiria o assentamento
de 1000 famílias. Estas famílias receberiam um lote de 500 m2 e R$ 3.300,00 por família para
produção de verduras e legumes orgânicos, mas, a lei não foi cumprida, apenas 12 famílias
foram assentadas e a verba destinada ao projeto foi corrompida.
Para nossos objetivos é importante demonstrar como as pessoas se organizam, e mesmo
sem ajuda técnica e financeira dos órgãos competentes (INCRA), e na fala dos personagens
envolvidos eles destacam os ganhos por este aquilombamento. Melhorou a saúde nutricional,
psicológica e mesmo sem ajuda do poder público, foram premiados pelo excelente trabalho
desenvolvido.
Nesse sentido, Reis Neto (2019) vai citar o pensamento de Beatriz Nascimento (1985),
por meio do conceito de quilombo, compreendendo-o como múltiplas formas de resistência do
povo negro e, assim, olhamos para a proposição de uma pedagogia exúlica como um signo de
luta e resistência. Por pedagogia exúlica, então, estamos tratando e nomeando outro modo de
aprender e ensinar. Nilma Lino Gomes aponta que a produção do conhecimento do Movimento
Negro, da negra e do negro sobre si mesmos e a realidade que os cercam não têm origem nos
bancos acadêmicos nem nos meios políticos. Isso surgiu na periferia, na experiência da pobreza,
na ação cotidiana, nas vivências sociais, na elaboração e reelaboração intelectual de sujeitos,
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negros e negras, muitos dos quais nem sequer foram (e alguns ainda não são) reconhecidos
como pesquisadores, intelectuais e produtores de conhecimento. (GOMES, 2019)
Se você ligar a TV agora, você vai ver toda hora na sua cara: consuma carne,
consuma leite, consuma ovos, consuma isso, consuma aquilo. Se você desligar
a TV e pegar um jornal, vai tá no jornal: promoção de carne, filé, churrascaria;
Você desliga e pega o celular, vai tá publicidade lá: ‘melhor churrascaria de
Campinas’. Aí você vai para rua e pega o busão: atrás do busão tem o quê?
McDonald’s, Burguer King… Tá jogando na sua cara toda hora: carne, leite,
ovos, mel, consuma mais queijo, mais queijo… Em todo lugar se fala em
carne, leite e ovos. E ninguém fala nada… Aí quando o vegano questiona essa
indústria, que é massacrante e que fala 10.000 vezes mais do que um vegano
fala, que toda hora tá colocando na tua cara em todos os veículos de mídia, o
cara é tratado como chato. Por quê? Porque tá questionando o modelo social.
Quando você questiona, você se torna chato. Não por você ser chato, mas
porque as pessoas não querem pensar sobre isso, elas não querem pensar sobre
o que elas tão fazendo. Aí elas criticam e te julgam. (VEGANO
PERIFÉRICO)
Criticam a linguagem rebuscada, formal, que quase sempre não é decodificada por
pessoas mais simples, gerando uma incomunicabilidade com os indivíduos da periferia. Para os
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assevera que “as novas tecnologias, embora sejam tecnologias da escrita, atravessam a relação
do sujeito com a linguagem de maneira particular”.
Outro ponto a ressaltar é que no projeto de pesquisa, propusemos analisar os posts sob
uma perspectiva epistemológica decolonial, porque haveria elementos específicos a serem
contemplados. Assim, nos apoiamos dos estudos da (ADC) — Análise de Discurso Crítica, com
estudos desenvolvidos no livro organizado por Viviane de Melo Resende, “Decolonizar os
estudos críticos do discurso”. Nosso esforço se dirige à decolonialidade desse campo, assim se
direcionando a três caminhos convergentes:
decolonizar o saber, no sentido de lograr criticar teorias e métodos, e
compreender, como propõe o giro decolonial, que não há conhecimento
universal (isso inclui, obviamente, o conhecimento acadêmico sobre a
linguagem); decolonizar o poder da ação criativa no esforço de superação
desse conhecimento universalizante, isto é, assumir a potência de criação
teórica e metodológica local, especialmente por meio do constante questionar
da separação disciplinar e suas imposições; e decolonizar o ser, fazendo uso
estratégico desse espaço paradoxal, o que carrega a potencialidades da
comunhão de saberes, incluindo também o conhecimento comum.
(RESENDE, 2019, p. 20)
No projeto de pesquisa propusemos aplicar a análise ADF com uma mirada nos
Estudos Decoloniais, como conduta geral, aos três eixos de estudos definidos nesta pesquisa
que contemplam — A) Comunicação e Consumo, B) Veganismo e Decolonialidade e C)
Política e Biopolítica. E nesta perspectiva, identificaremos os discursos políticos no veganismo
interseccional, através das práticas comunicacionais do coletivo Vegano Periférico:
documentários e mídias sociais. E a partir de conceitos importantes da ADF: sujeito,
interdiscurso, linguagem e ideologia. Retomando a definição da Orlandi (2020), “a análise de
discurso visa compreender como os objetos simbólicos produzem sentidos, assim os próprios
gestos de interpretação que ela considera como atos no domínio simbólico, pois ele intervém
no real do sentido” (ORLANDI, 2020, p. 24).
Íniciarmos a nossa análise, compreendendo que há dois gêneros discursivos a serem
analisados – o gênero documental e o gênero ativista –, na enunciação dos irmãos Luvizetto.
O documentário, material artístico estético e cultural, assemelha-se à estética
cinematográfica. Entretanto, o documentário apresenta particularidades e têm “por função
revelar-nos (aos intervenientes e aos espectadores) o mundo em que vivemos” (PENAFRIA,
2001, p. 7) e possibilita um acontecimento discursivo. Para Penafria (2001), um documentário
pauta-se por uma estrutura dramática e narrativa, que caracteriza o cinema narrativo.
O lançamento do documentário foi feito com um “post convite” a todos que integravam
a rede social do coletivo, com data, horário e local marcado. No dia 1/11/2020, às 20h no canal
Mídia Ninja no YouTube, Para além do momento histórico, Orlandi (2017) aponta que
Extrato I
Movimentos sociais... Karl Marx. Para Marx o trabalho que enfrentamos todos os dias tem
como objetivo gerar luco ao capitalista. Toda a produção é organizada com base nesse
objetivo. Porém, os trabalhadores ficam apenas com uma parte da produção.a outra parte é
exatamente o lucro. Você já se perguntou o porquê desse tipo de produção? Quais são os
mecanismos de organização do trabalho para que a produção seja sempre maior? Como o
empregador controla o trabalho dos empregados? Já pensou na forma como os trabalhadores
produzem e no que eles produzem? Reflita sobre alguns aspectos da organização do seu
trabalho ou do trabalho de pessoas de sua família.
este sujeito citadino o é nos termos em que se constitui como forma sujeito
histórica, ou seja, capitalista. Na perspectiva discursiva, isso significa que este
sujeito resulta da interpelação do indivíduo em sujeito pela ideologia. Este
sujeito, ou forma sujeito histórica, assim constituída, enquanto sujeito
capitalista, é en-formada, se sustenta pelo jurídico. Temos aí um sujeito de
direitos e deveres, um sujeito ao mesmo tempo, livre, dono da sua vontade, e
responsável. (ORLANDI, 2017, p. 201)
Um recurso observado na narrativa do documentário foi que entre o corte de uma cena
e outra, era inserido a imagem de um avião cruzando o céu marcando a mudança de assuntos.
Nessa edição, presumimo que seja a representação de uma determinado a postura relativa às
políticas públicas. É de conhecimento público que empresas, do setor aeroviário, elaboram as
rotas aéreas com o traçado sobre as comunidades, tendo em vista que os aeroportos são
construídos em lugares distantes do centro das cidades. Especula-se que é uma crítica ao risco
de queda de aeronaves sobrevoando o tempo todas as casas e ao barulho intermitente produzido
ao logo do dia. Outro exemplo pertinente ao veganismo está relacionado ao setor de
frigoríficos, que instalam suas unidades fabris nas regiões periféricas, sem os devidos cuidados
necessários para o descarte dos dejetos produzidos pela produção das mercadorias animais. No
documentário “Carne Osso” dirigido por Caio Cavechini e Carlos Juliano Barros, durante 65
minutos apresentam e denunciam práticas presentes no cotidiano dos frigoríficos instalados na
cidade de Chapecó, na região oeste de Santa Catarina, marcado por condições precárias, riscos
e danos à saúde de seus trabalhadores.
103
Extrato II
O maior problema do veganismo é que as pessoas estão olhando pra sociedade de uma forma
industrializada… Na hora de desconstruir, ela não consegue olhar pro veganismo sem imaginar
o produto industrializado vegano, de modo que os produtos industrializados veganos sejam
caros, e as façam concluir que veganismo é caro.
Extrato III
Veganismo, veganismo MESMO, é um ato político anti-exploração; um ato político anti-
especismo… Antes de qualquer coisa, ele é um posicionamento político, mesmo. Não tem a ver
só com alimentação, dieta, etc. Veganismo tem a ver com exploração animal. Quando você olha
pra exploração animal, você vê que é o capitalismo que trata os animais como objetos. Ensinam
a população que é assim que funciona e sempre foi assim, e nós nos opomos a isso. Vai muito
do jogo político não olhar pra produção orgânica, pra agricultura familiar… Porque não dá tanto
lucro. Tal como não dá tanto lucro se preocupar com o planeta, com a floresta, com o que você
tá plantando…
Extrato IV
Eu comia, só que eu tinha essa consciência, só que eu não conseguia me deslocar do prato
de animal morto pro de vegetais, então eu ficava na minha cabeça de eu não vou conseguir.
Só que um dia eu falei: “eu vou estudar, vou me aprofundar, vou pesquisar, vou ver como
funciona a indústria, vou ler artigos, vou começar a ver vídeos, vou me encher de informação
sobre isso” porque eu não acho certo matar um animal pra gente comer. Ponto.
Extrato V
“O bacana é isso: Antes eu não sabia o que tava na época, agora eu sei… A bergamota pocã
tá na época”.
105
Extrato VI
“Se você ligar a TV agora, você vai ver toda hora na sua cara: consuma carne, consuma leite,
consuma ovos, consuma isso, consuma aquilo. Se você desligar a TV e pegar um jornal, vai
tá no jornal: promoção de carne, filé, churrascaria; você desliga e pega o celular, vai tá
publicidade lá: ‘melhor churrascaria de Campinas’. Aí você vai pra rua e pega o busão: atrás
do busão tem o quê? McDonald’s, Burguer King… Tá jogando na sua cara toda hora: carne,
leite, ovos, mel, consuma mais queijo, mais queijo… Em todo lugar se fala em carne, leite e
ovos. E ninguém fala nada… Aí quando o vegano questiona essa indústria, que é massacrante
e que fala 10.000 vezes mais do que um vegano fala, que toda hora tá colocando na tua cara
em todos os veículos de mídia, o cara é tratado como chato. Por quê? Porque tá questionando
o modelo social. Quando você questiona, você se torna chato. Não por você ser chato, mas
porque as pessoas não querem pensar sobre isso, elas não querem pensar sobre o que elas
tão fazendo. Aí elas criticam e te julgam.”
Extrato VII
“Porque a publicidade não abre um matadouro e fala: ‘população, vocês querem consumir
isso? É isso que vocês gostam? Então vejam o que vocês tão consumindo.’ Esse é o ponto
mais crítico, né, de as pessoas não entenderem o que elas tão consumindo. Elas não têm essa
noção, entendeu? E a publicidade, criminosa, vem pra maquiar tudo isso e fazer da população
uma população ignorante sobre o sofrimento animal, matando milhões de animais, tudo pra
gerar renda, pra gerar grana, pra exportar animais e milhares de coisas, entendeu?”
Nos extratos VI e VII, percebe-se que há mais uma crítica pontual às empresas que
produzem proteína animal e uma crítica contundente ao discurso publicitário, bem como aos
discursos dos veganos liberais, que são os principais consumidores dos produtos processados e
industrializados, permitindo que as empresas produtoras de proteína animal adotem uma
postura “vegan washing”, introduzindo em suas linhas esses produtos, e não aderindo de forma
efetiva à causa. Quando eles dizem as "pessoas", não está explicitado quem seriam essas
pessoas. Novamente metaforizando os Veganos Liberais, que estão procurando outros
alimentos saudáveis, tensionando a sociedade, e as estruturas estabelecidas pelo movimento
vegano. Carrascoza, em um trabalho sobre retórica, paráfrase e memória, elabora reflexões
sobre o discurso publicitário e assevera que
Extrato VIII
Mano, a gente não abordou uma coisa que eu acho essencial abordar: machismo. Como o
bagulho tá ligado com a questão do consumo de carne. Como os moleques são... “Se eu não
como carne, eu sou gay”. Aí entra duas coisas, tanto a homofobia, porque vê o gay como um
problema, quanto machista. Porra, velho, os caras têm que desapegar desse bagulho. Mano,
não é o que você põe no seu prato que define o que você é. Isso é um ponto que a gente tem
que bater. Eu vejo que bloqueia muito. Uma vez um moleque falou: “nem vou trocar ideia
com você, porque você é vegano. Vai comer uma picanha e epois a gente troca uma ideia.”
Eu falei: “irmão, você tá viajando. O que tem a ver comer carne com ser homem? Então, se
ele respondesse de forma pensada, você perceberia que é uma coisa consciente, mas quando
você aborda, dá onde vem isso você vê que é inconsciente. E como é importante bater nessa
tecla. – O cara se acha menos homem ou mais homem por consumir arroz integral. Olha o
grau da ignorância que a gente vive.
Extrato IX
Eu acho o seguinte mano, os moleques olham pra quem tem qualquer coisa fora desse padrão,
que é um condicionamento do cara, ele tem que ser barbudo, tem que comer carne, tem que
ser machão, tem que dominar a mulher. Aí eles olham um vegano ou vegetariano. “Ah! O
cara não come carne, o cara é o quê? Viadinho? Mulherzinha?”. Isso não existe. Tá tudo na
cabeça do maluco. A gente não tá falando de feminismo, porque a gente não é mulher pra
falar de feminismo, a gente tá falando de machismo, que é o que nós somos, que nós
praticamos. Como homem, nós olhamos o mundo dessa forma, então a gente pode falar. Não
tô falando “o fulano olha desse jeito”. Não. Eu enxerguei desse jeito! Eu treino minha
111
visão pra não cair nessa armadilha. Eu treino minha visão, eu Eduardo, o Léo treina a visão
dele, pra quando tiver no meio dessa rapaziada não sabotar, falar “é verdade, mano, esse
bagulho é de mulherzinha mesmo. “Dá uma picanha, entendeu.” Então, assim, a gente treina
a nossa visão e a nossa mente como sendo, estruturalmente machista, tentando desconstruir
isso dentro da gente mesmo. Não tem a ver com esquerda, direita ou feminismo. Tem a ver
com uma parada séria que é o machismo.
Nos extratos VIII e IX, explicita-se o debate sobre as questões de gênero que circula entre
os veganos interseccionais. Entendemos que essas formações discursivas estão inter-relacionadas à
formações ideológicas e são acionadas por redes discursivas subjetivadas pela história e pelos
processos de subjetivação. Identificamos discursos feminismo negro, e a presença do conceito da
interseccionalidade que apresenta a combinação de marcadores sociais. A sexualidade, o corpo,
estão subjetivados a padrões sociais e a outras construções discursivas. Ao discurso machista,
feminista, religiosos, patriarcais, colonialistas, científicos da saúde e psicanálise, acionando uma
enorme rede de sentidos e significados. Chamou muito nossa atenção, problematizarem a questão
e não se preocuparem explicitamente contra as formas pejorativas, especistas e preconceituosas de
como as palavras são usadas. Os Luvizettos criticam a postura dos amigos, entretanto, afirmam que
falam de coisas de homem, afirmam e se reconhecem machistas, machistas em desconstrução.
Entretanto, neste extrato, evidenciam-se construções imagéticas e simbólicas consumidas,
numa breve descrição, seriam imagens do homem, macho, héterocisnomativo, o “macho alpha”.
Explorando o conceito dicursivo de intericonicidade, conceito desenvolvido por Jean-
Jacques Courtine, que aborda interdiscurso (memória das imagens) reproduzindo pelas imagens em
que numa rede discursiva, imagens falam outras imagens produzindo novos sentidos. Courtine
propõe um deslizamento da memória discursiva verbal, para evidenciar o caráter não verbal que
os enunciados, como dispositivo podem ser aplicados para analisar a produção de imagens
coisa de uma imagem: toda imagem se inscreve em uma cultura visual, e essa cultura visual
supõe a existência, para o indivíduo, de uma memória visual, de uma memória das imagens,
toda imagem tem um eco. (COURTINE, 2005). MILANEZ (2015), estudioso do trabalho de
Courtine, diz que este tipo de movimento pode ser observado a partir da noção de
intericonicidade que pressupõe haver sempre um já dito no campo das imagens, de modo que
toda imagem tem intericonicidade com outras imagens que a antecedem. Assim, há traços de
repetição das imagens, seus domínios de antecipação/atualidade, para a repetição e atualização
dos discursos. (MILANEZ, 2015).
Assim, percebemos como as imagem dos irmãos Luvizetto, acionam essa memória
discursiva, as fotos comparativas em questão, referem-se aos termos “macho”, “macho alpha”,
“macho escroto”, palavras utilizadas para a busca das imagens, antigas e recentes. Dessa forma,
queremos demonstrar que o interdiscurso, se reproduz nos textos enunciados pelos irmãos, mas,
também em suas imagens e posturas visuais.
Outra questão que podemos aventar são as questões a relação ao conceito de lugar de fala,
visualmente nas imagens do documentário eles se colocaram na posição de entrevistados, e o
cenário revela eles num cenário cinza sendo colocados “contra a parede”. E começam a abordar as
questões sobre o machismo. Discursivamente se enunciam como machos e não poderiam falar de
coisas do feminismo por que não são mulheres. Nessa construção percebe-se que ideologicamente,
113
apesar de questionarem as questões inerentes a masculinidade, eles afirmam que não poderiam falar
no lugar das mulheres, porque não são mulheres e vice-versa, e esclarecem, não ser o lugar de fala
deles. Produzindo o sentido de que o lugar de fala não seria transitório ou não possa ser apropriado
por outro sujeito que não seja representante de uma classe, gênero, sexualidade, outros. Observamos
que o conceito de lugar de fala, de certa forma, como aponta Djamila Ribeiro, teve seus sentidos
modificados, mal interpretados e mal utilizados.
Segundo Ribeiro, um dos motivos seria a urgência exigida pelos meios digitais e ao uso
indiscriminado que sujeitos tinham em se utilizar do conceito. Ribeiro em seu livro “Lugar de fala”,
traça um esforço para que se entenda a importância e a trajetória do conceito. Não é nossa intenção
fazer esse mesmo percurso, mas trazemos aqui a partir de um ponto sugerido por Ribeiro (2019),
que seria a partir do uso feito pelo feminismo negro. Ribeiro (2019, p. 40) diz que Patricia Hill
Collins é um nome importante para nos aprofundarmos na questão aqui proposta. Em 1990, na obra
“Pensamento do feminismo negro”, ela argumenta sobre o “feminist standpoint”. Segundo o
“Dossiê Mulheres negras: retrato das condições de vida das mulheres negras no Brasil”, publicado
pelo Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (IPEA) em 2013,
O foco do feminismo negro é salientar a diversidade de experiências tanto de
mulheres quanto de homens e os diferentes pontos de vista possíveis de análise de
um fenômeno, bem como marcar o lugar de fala de quem a propõe. Patricia Hill
Collins é uma das principais autoras do que é denominado feminist standpoint.
Em sua análise, Collins (1990) lança mão do conceito de matriz de dominação
para pensar a intersecção das desigualdades, na qual a mesma pessoa pode se
encontrar em diferentes posições, a depender de suas características. Assim, o
elemento representativo das experiências das diferentes formas de ser mulher
estaria assentado no entrecruzamento entre gênero, raça, classe, geração, sem
predominância de algum elemento sobre outro. (apud SOTERO, 2013, p. 36)
Nessa perspectiva Ribeiro (2020, p.41) avança e apresenta a hipótese de que, a partir da
teoria do ponto de vista feminista, é possível falar de lugar de fala. Ao reivindicar os diferentes
pontos de análises e a afirmação de que um dos objetivos do feminismo negro é marcar o lugar de
fala de quem o propõe, percebemos que essa marcação se torna necessária para entendermos
realidades consideradas implícitas dentro da normatização hegemônica. Continuamos com Ribeiro
(2020, pp. 42-42) que apresenta as argumentações de Collins (1997),
Em primeiro lugar, o standpoint theory refere-se a experiências historicamente
compartilhadas e baseadas em grupos. Grupos têm um grau de continuidade ao
longo do tempo de tal modo que as realidades de grupo transcendem as
experiências individuais. Por exemplo, afro-americanos, como um grupo racial
estigmatizado existiu muito antes de eu nascer e irá, provavelmente, continuar
depois de minha morte. Embora minha experiência individual com o racismo
institucional seja única, os tipos de oportunidades e constrangimentos que me
atravessam diariamente serão semelhantes com os que afro-americanos
confrontam-se como um grupo. Argumentar que os negros, como grupo, irão se
114
Assim, acreditamos que homens podem ocupar o lugar de fala de mulheres, mulheres
podem ocupar lugar de fala de homens, brancos o lugar de fala de negros, elaborando uma
“discursividade negociada”.
Na concepção de Collins. consideremos mais as condições do grupo vegano interseccional
do que as individualidades, nesse caso, consideremos que os veganos interseccionais, que se
utilizam das teorias/metodologias intersecionais, devemos manter em perspectiva a combinação dos
marcadores sociais também no conceito discursivo de “lugar de falar”. Portanto, apresentamos
outro fundamento da ADF proposto por Orlandi (2020, p. 32) “a análise de discurso se propõe
construir escutas que permitam levar em conta esses efeitos e explicitar a relação com esse
“saber” que não se aprende, não se ensina, mas que produz seus efeitos.
Extrato X
“Tem restaurantes que colocam segunda ou terça a 10 conto, isso viabiliza”. “Quando uma
pessoa abre um estabelecimento, a mentalidade dela, ao abrir esse estabelecimento, é o que vai
direcionar preços, é o que vai direcionar a linguagem… Se uma pessoa abre uma parada só pra
viver a vida dela e lucrar com isso, ela não vai estar preocupada com popularização de causa,
com recorte social… A preocupação dela vai ser só abrir o estabelecimento, abraçar o público
vegano e fazer a vidinha dela.”
incapaz de compreender o que está escrito nas camisetas. Não entendemos o que a classe média
“traz estampada na peita!” (Vegano Periférico). Para Orlandi (2017, p.153), “há um princípio
que diz que não há discurso sem sujeito e não há sujeito sem ideologia. O discurso é o lugar
em que podemos observar a articulação entre língua e ideologia.” E na disputa por sentidos,
Gregolin (2017) apresenta a seguinte reflexão
Palavras falam com palavras. E aí esta uma afirmação que se sustenta em uma
concepção (material) discursiva da palavra, na sua opacidade, em suas
relações umas com as outras e nossa com elas. Sempre plural. Sempre capaz
de ser outro o sentido. (ORLANDI, 2017, p. 134)
Extrato XI
Só isso que a gente tenta fazer até hoje: mostrar que é possível você ser trabalhador, você pegar
busão, você viver na periferia ou em outro lugar, mesmo sendo muito pobre, ser um funcionário
e ser vegano. É possível. A gente só quer mostrar que é possível. Só isso.
Nesse último extrato, aborda-se como é difícil escapar às lógicas capitalistas, o dito é que
não há esforço possível para encontrar uma solução para os problemas enfrentados. Existe sim,
formas de resistir e de ideologia que possam ser contemplada. O poder de resistir seria através do
116
“ato politico” de comer, comer bem e de maneira saudável. Firme no propósito que o veganismo
além de ser libertador, é uma luta de classes. De alguma forma, temos o sujeito histórico capitalista
bem representado. Subjetividades produzidas pelo capitalismo e pelo sistema neoliberal,
transparecem na construção discursiva desse fragmento. “Mesmo sendo muito pobre”, produz o
sentido da impossibilidade de sair dessa condição social imposta pelas regras de segregações
impostas pelo capitalismo e pelas políticas do Estado. “Ser um funcionário” enuncia a condição de
trabalho, do produzir e ser mercadoria no sistema imposto pelos produtores, donos o capital (os
burgueses), reafirmando o pensamento de Marx que aponta que o proletário, quantos mais
produzem, mais aumenta sua desvalorização perante a vida e as mercadorias, e se tornam também
mercadoria no sistema. A rede de significados acionada resgata sentidos para palavras como: pobre,
funcionário, trabalhador mas com memórias , historicidade e ideologias distintas. Podemos aventar
os diversos ignificados para os periféricos, para a elite e classe média e para o Estado. Ser
trabalhador, para o pobre está relacionado a ideia de ser honesto e ter uma ocupação, não ser um
inútil e sem utilidade para o sistema. Para a elite e para a classe média, é um sujeito fundamental à
produção, mas, lembrado a custos e a encargos para o sistema produtivo, e para o Estado é um
sujeito jurídico que produz encargos, representa custos para o Estado e futuramente fará parte do
passivo nas contas públicas. Esse sujeito, para o Estado, será impactado pelos discursos neoliberais
e pela ideia de se auto gerir e de ser responsável pelos seus resultados.
as cidades. A falta de opções de lazer, escola, infra-estrutura precária, o caminhar pelas ruas e pela
comunidade se torna uma aventura de alto risco. Analisamos também os discursos de outros autores
— observando ações em comunidade que se tornam lugares de encontro, união e aquilombamento,
onde se discute e mobiliza-se para ações que a causa avance. Agricultores, nutricionista/ex-
pesquisador do EMBRAPA convidados a dar os depoimentos reais, problematizando questões
políticas, que tensionam as narrativas “da política” e “do político”, distinção essa que nos utilizamos
ao longo do trabalho nas concepções propostas pela Mouffe (2015) e a proposta do “político” no
discurso aplicada por Orlandi. A partir da insurgência desses sujeitos do Vegano Periférico,
percebemos a busca pela exposição das potências silenciadas na Periferia. Por meio dos discursos
produzem sentidos que buscam mudar imaginário simbólico, tanto de sujeitos periféricos, mas
principalmente com relação ao simbólico e imaginado construído do veganismo, e aqui trabalhamos
com a hipótese aventada de que a entende-se que o veganismo é uma dieta cara, para pessoas ricas
e famosas. Recordando os estudos desenvolvidos e apresentados por Jessé Souza, ele elabora que
os responsáveis pelos sentidos construídos com relação aos sujeitos periféricos precarizados,
inclusive como ele conceitua que vivem sobre a imagem de um “habitus precário” seriam os sujeitos
da elite e da classe média do país responsáveis por essa construção. Os discursos do vegano
periférico, numa perspectiva moderna e atualizada de posicionamento político, busca mitigar as
ausências produzidas pelos governos neoliberais. Os irmãos buscam se auto narrar e demonstrar a
possibilidade de um veganismo barato, possível nas periferias. Demonstrando engajamento
político, luta pela igualdade, diversidade e inclusão social. Palavras que na visão da Orlandi
torna-se ou perdem o sentido. Inclusive ela comenta a perda do sentido dessas palavras atingem
os dois lados, para os periféricos por que ficam de fora das políticas e do outro lado, pela falta
de políticas estabelecidas pelos governos, numa rede de palavras sem sentido. Analisamos a
exploração do corpo, o corpo periférico, o corpo negro ou não negro atravessados por
marcadores sociais, sempre focados na raça, gênero e classe, mas com vistas também à
sexualidade que abordam questões da masculinidade, o machismo e o feminismo. Abordamos
os sentidos do periférico em suas subjetivações e na construção da sua identidade que aparecem
ao longo do documentário: a roupa, o caminhar, a linguagem do gueto as gírias e os dialetos
como um marcador identitário que por horas é resistência, mas também é a forma de se
comunicar como os iguais: o eles, com eles e para eles.
A enunciação do documentário como objeto simbólico, enquanto discurso, produz um
acontecimento que é o que ele significa. Estabelece relações entre memória e o esquecimento,
mas produz a discursividade na historicidade, em outras palavras, no momento da apresentação
do documentário, estabeleceu-se um sentido subjetivado pelo momento histórico. O planeta
118
assolado pela Covid-19, o Brasil incluso no problema, entretanto acionando uma rede discursiva
e de memórias que estavam silenciadas inerentes a problemas específicos e particulares ao país.
No Brasil é importante ressaltar tinha em sua memória discursiva a historicidade da luta
pela erradicação da fome.O problema que havia sido dizimado, mas devido às políticas
implementadas durante a pandemia, o país voltou a figurar o mapa da fome, segundo estudos
produzidos pela FAO, ONU e OMS4. Problemas de insegurança alimentar (fome), dificuldade
das comunidades periféricas a ter acesso a produtos in natura. Ainda, por conta desses fatos
ocorridos, a mídia apresentando a mais dura realidade. Pessoas recolhendo ossos, carcaças de
animais para poder ter acesso ao consumo de carne e desfrutar dos sabores ao qual estão
condicionadas, cenas de um mundo distópico.
Nessa perspectiva, houve especulações porque não adotar uma dieta vegetariana ou
vegana, e nesse ponto, há uma resistência do movimento vegano que entende que a adoção da
dieta, nessas condições soluciona parte do problema, apesar de não ser a maneira correta e
inteligente para aderir ao movimento. Entendem que a adoção precisa vir acompanhada de
esclarecimento, entendimento da importância ética e moral da causa, e os benefícios concretos
para a saúde e para o meio ambiente. Assim, a partir das nossas reflexões conforme Orlandi
(2017) esclarece,
4
GUIMARÃES, José. Com Bolsonaro, o Brasil voltou ao mapa da fome. Carta Capital
<https://www.cartacapital.com.br/opiniao/frente-ampla/com-bolsonaro-o-brasil-voltou-ao-mapa-da-fome/>
Acesso:10/01/2022
119
4.1 - De janeiro a janeiro: análises dos discursos políticos nas postagens do Instagram do
coletivo Vegano Periférico
Para Recuero (2011), a ideia de artefato cultural compreende que existem diferentes
significados culturais em diferentes contextos de uso. O objeto internet não é único, mas sim
multifacetado e passível de apropriações. (RECUERO e etal, 2011, p. 14)
121
urgência, e, no modo como seu corpo é afetado pela tecnologia da escrita”. Desta forma, os
processos comunicativos não escapam das nossas análises e Sodré (2002) nos apresenta uma
contribuição para pensarmos a comunicação no gênero-discursivo eletrônicos.
O Instagram é uma rede social com forte apelo visual, os usuários podem postar fotos
e vídeos de curta duração, aplicar efeitos a eles e também interagir com publicações de outras
pessoas, por comentários e curtidas. A comunicação se dá basicamente por meio da publicação
de imagens, textos, vídeos, emojis, pelas curtidas e compartilhamentos da postagens e
recentemente pelas lives. Além disso, um usuário pode seguir o outro para acompanhar suas
postagens e suas atividades na rede. Nele também encontramos o recurso de uso das hashtags,
que servem como um mecanismo de busca das publicações, e ajuda na hora de segmentar
o público. A plataforma foi lançada em 2010 pelo norte-americano Kevin Systrom e pelo
brasileiro Mike Krieger, ambos engenheiros de software.
No mesmo dia do lançamento, o aplicativo tornou-se o mais baixado na Apple Store e,
já em dezembro do mesmo ano, contava com a marca de 1 milhão de usuários. Em 2011, a
empresa, que inicialmente tinha apenas 6 funcionários, já possuía 10 milhões de usuários na
rede, conforme pesquisa realizada recentemente pela companhia Statista, dados apuradsos no
site www abcreporter.com.br, dia 15 de dezembro de 2021.
Os principais recursos do Instagram que contribuem para a comunicação e interações
entre os usuários no aplicativo foram implementados ao longo de sua existência. Edição de
imagem, botão de curtidas, comentários, seguido e seguindo, explorar, marcação em fotos, troca
de mensagens diretas, marcador de localização, os canais de vídeo e recentemente as live.
123
em que a estabilidade dos textos se torna incerta e com ela própria a possibilidade de construir
uma memória”. (MAINGUENEAU, 2015, p. 78).
Fonte: elaborado pelo autor com base em Acosta (2019), Fairclough (2001) e Foucault (2010).
“O veganismo sem recorte de classe, sem cultura popular, sem referências e sem um trampo de
base, nunca vai atingir a maior parte da população de forma concreta, sempre vai chegar pra
maioria de nós, como um movimento elitizado, classista e excludente. Por isso, é de suma
importância a propagação de um movimento político e popular”.
“A maioria vai por um caminho que até soa “revolucionário”, que é consumir produtos vegetais
de grandes redes de fast-food, comprar carnes vegetais de frigoríficos, financiando essas
grandes empresas exploradoras”.
“Esse veganismo "estratégico" que abraça as grandes empresas e acredita que o sistema
capitalista vai resolver os problemas que ele mesmo criou é atrasado, elitista, excludente e
totalmente fora da realidade. Estratégia não é se aliar ao inimigo, estratégia é se aliar ao povo.
Se opor a essas empresas é o mínimo que devemos fazer, jamais iremos apoiar ou incentivar
essas corporações só por causa de produtinho com selo "vegano". Nós temos vergonha de
consumir produtos dessas corporações. Ainda mais pra gente, que cresceu na periferia
consumindo ultraprocessados, industrializados, açúcar em excesso, produtos de origem animal
sem ter a noção do quanto tudo isso é prejudicial em todos os sentidos e o quanto a indústria
alimentícia condicionou o nosso consumo. Não se fala sobre o nutricídio que ocorre nas
periferias, poucos falam sobre isso no veganismo. A rapaziada tá preocupada com uma
maionese que contém 18 ingredientes, com hambúrgueres de empresas que exploram animais,
com redes de fast food exploradoras”.
“Pois a gente sabe muito bem qual é que é a intenção dessas empresas em se apropriar de uma
causa tão importante e nóis tá ligado que não é o fim da exploração animal e sim o lucro, a fatia
de mercado, a grana. Quando empresas como a JBS, a Seara, a BRF, a Marfrig, a Sadia, o KFC,
o Burger King, O Subway, o McDonald's, entre outras, lançam um produto vegetal no mercado,
elas não estão preocupadas de fato com a morte de bilhões de animais. Milhares de notícias em
grandes mídias confirmam o quanto elas estão preocupadas apenas com a “tal mania vegana”,
com o nicho de Mercado e com a moda dos hambúrgueres "à base de planta".
sentido para os discursos dos veganos liberais. Quando excluem os veganos liberais “do
político” do movimento, e associam essaa vertente do movimento ao governo Bolsonaro, como
apoiadores de políticas neoliberais, em outras palavras, em nossa análise, os veganos liberais
apoiam o governo, logo seriam contra o meio-ambiente, contra políticas inclusivas, concordam
a liberação de agrotóxicos e apoiam agropecuária.
Empresas que produzem proteína animal buscam oportunidades pelo aumento da
produção e do lucro, seguindo os preceitos do mundo capitalista. A discursividade questiona s
a posição dos veganos liberais cooptados pelas lógicas do mercado.
“Qual o real sentido de aplaudir e se aliar a essas grandes marcas, como Unilever, Coca-Cola e
Nestlé? Essas megaempresas só querem lucro, lucro e mais lucro... acima de qualquer coisa,
seja explorando seres humanos, destruindo o planeta ou explorando animais inocentes. É muita
ingenuidade acreditar que estão preocupadas com veganismo ou qualquer outra causa”.
DISCURSOS
SÍNTESE
“Não é atoa que existem miséria, ignorância e alienação total na maior parte da população. Há
grandes corporações, banqueiros e magnatas se beneficiando com pessoas em situação de
vulnerabilidade extrema e não se sentem nenhum um pouco incomodados com isso. Quando
falamos de animais não humanos a compaixão chega a ser inimaginável. Abaixo dos poderes
estamos todos fudidos, mas agora alguns tem clareza. Nóis memo aqui da página tivemos que
trampar no Méquidonaldis por não ter onde morar, pra não ir pela décima vez morar de favor
na casa dos parentes. Tivemos e ainda temos uma vida com muitas dificuldades, porém temos
clareza da nossa situação e conseguimos enxergar todo esse sistema e sua podridão. Tem espaço
pra todo mundo, tem tecnologia, tem dinheiro e comida pra alimentar o mundo inteiro, só que
solidariedade não gera riqueza e sem competição não tem como gerar lucros”.
Para fazer face a isso, temos de aprender novas formas de sociabilidade, novos
modos de pensar coletivamente, não reagindo pelo medo, reivindicando
condições de sociabilidade praticáveis, mobilizando instituições, mídia,
configurando programas que atendam as necessidades sociais. É preciso temos
presente e não desistirmos de nossa condição de seres simbólicos, que
significamos na sociedade e na história. (ORLANDI, 2017, p. 212)
“Sei que a causa vegana é uma causa política, muito importante ser abordada e difundida em
qualquer lugar, porém, depende muito de como isso é feito. Alguns nunca passaram fome,
nunca foram em uma periferia, nunca foram em um bairro muito carente e nem tem amigos
nessas condições, nunca vivenciaram situações de extrema falta de recursos. Não sabem como
é a cultura, o ambiente, a linguagem, as conversas, as motivações, etc... Com isso, quero colocar
a importância de tomarmos muito cuidado ao falar que todo mundo pode ser vegano, criticar
todo mundo e apontar o dedo, principalmente pra classe mais sabotada da sociedade, dizendo
que "esses são pior ainda". Temos que tomar cuidado ao usar palavras que o povo não entende.
Falar em uma linguagem complexa, mais acadêmica, pode nos trazer mais credibilidade e
confiança, mas não exatamente a fácil compreensão da nossa informação e isso vai dificultando
cada vez mais a mensagem que queremos passar”.
uma sociedade que vai além da exclusão, ela funciona pela segregação (coloca
para fora da sociedade, e, quem está fora, não existe, não é levado em conta).
Estes seus valores, por sua vez, são praticados pela sociedade que, enquanto
sociedade de um sistema capitalista, é estruturalmente dividida, e
administrada pelo Estado, que como dissemos sustenta-se no aparato e
ideologia jurídicos. Assim, tanto as posições sujeito como os sentidos que eles
produzem são funções dessa divisão. (ORLANDI, 2017, p. 203
encontrados na periferia, a alimentação vegana é mais barata que uma alimentação baseada em
proteína animal. É interessante perceber que ao longo das nossas análises, eles têm um discurso
coerente, articulado e politizado.
“Apesar de o arroz e o feijão estarem muito caros (mas já estamos tirando a Dilma e tudo vai
melhorar), sai muito mais barato comer produtos de origem vegetal. De fato, economizamos
muito mais hoje. Porque acreditamos que o único caminho é o veganismo simples, acessível e
popular, viável para a realidade da maioria das brasileiras e brasileiros”.
“Cê tem que falar a língua do ignorante, porque ele foi ignorantizado. Quando eu tô diante de
um cara desdentado, analfabeto, eu não tô diante de um inferior, eu tô diante de uma vítima de
crime social, a sociedade é criminosa, então se eu tive meus direitos respeitados, eu tenho uma
dívida com essa galera, eu não tenho superioridade.”
Imagem 22: nuvem de palavras com as palavras mais usadas nos posts do VeganoPeriférico
Fonte: autor
135
O coletivo Vegano Periférico, não usa hashtags em suas postagem o que apresentou
uma certa dificuldade para selecionarmos e analisarmos o uso das palavras e os rastros
discursivos e de consumo presente nas redes sociais. A seguir apresentamos algumas imagens
das postagens e os principais discursos políticos e de consumo consciente encontrados no
Instagram utilizando se dos eixos das ordens de discursos e significados discursivos.
DISCURSOS
SÍNTESE
na libertação dos animais não humanos, tratados como mercadorias, sem respeito, ética ou
moral.
Discursivamente percebemos que por meio do veganismo, esses sujeitos buscam
resgatar suas origens ancestrais, relacionada a uma alimentação saudável, mas não,
simplesmente, buscam ter contato com a cultura e os hábitos silenciados acessando lugares de
memória e, na prática da oralidade, através das lives ou extrapolando o espaço digital, nas rodas
de conversa que organizam para debater assuntos pertinentes a causa animal, questões de raça,
classe, gênero, sexualidade, cultura e educação.
“Não é atoa que existem miséria, ignorância e alienação total na maior parte da população. Há
grandes corporações, banqueiros e magnatas se beneficiando com pessoas em situação de
vulnerabilidade extrema e não se sentem nenhum um pouco incomodados com isso”.
“Ensino veganismo popular, antirracista e acho que até anti-LGBTfóbico já que faço questão
de mostrar quem sou, o SAPAvegana não é a toa e, acreditem, muitos veganos/vegetarianos
deixam de me acompanhar”.
“A partir dessas pesquisas tmb descobri que o modo como a maioria da população negra desse
país se alimenta hoje, em nada se assemelha a diversas tradições ancestrais de diferentes povos
africanos, Mas sim a uma herança da colonização alimentar que favorece um projeto nutricida
do nosso povo”.
esse sistema capitalista que fomenta toda o genocídio ao nosso povo, inclusive principalmente
através do nosso prato e de todas as nossas práticas de consumo”.
É possível afirmar que todos tiveram dificuldades com a alimentação por seguir um
padrão normativo, imposto pelo Estado. A dificuldade de acesso à informação e ao consumo de
produtos in natura, sendo refém de produtos caros e industrializados. Entretanto, a partir da
causa vegana e o aquilombamento nesses espaços de diálogo se redescobrem se reinventam e
conseguem enxergar a possibilidade de uma alimentação saudável, inclusiva e a possibilidade
de fazer política pelo político que a alimentação representa. Por meio do veganismo
interseccional estes sujeitos ganham voz e discursivamente elaboram novos sentidos para o que
é ser periférico. Por isso, para Santos (2019, p. 122) resistir (e reexistir) por meio dos textos
pode ser entendido como um processo pontencial inerente a todo e qualquer indivíduo
socialmente oprimido diante de um processo contínuo de iniquidades. O sentido construído
pelos discursos do Estado, da elite e classe média são pessoas à margem do consumo, isoladas
pelos muros dos condomínios das cidades, sujeitos ao abandono e a violência perpetuado pelo
poder do Estado. Porém, nessa alternativa discursiva, reelaboram as dificuldades encontradas
transformando a periferia em um lugar de potencialidades, sublimando as ausências.
DISCURSOS
DISCURSOS DISCURSOS DISCURSOS DE
POLÍTICOS DISCIPLINARES (RE)
EIXOS EXISTÊNCIA
DECOLONIAL
“Há grandes “Falando em amor não “Eu queria que as
corporações, tem como não notar o pessoas enxergassem
banqueiros e magnatas desAMOR que rola em que é sim possível ser
EIXO DO SER se beneficiando com todas essas estruturas vegano, gastando
pessoas em situação de que mantém esse pouco, comendo bem,
(CONSCIÊNCIA)
vulnerabilidade sistema capitalista que respeitando todos os
extrema e não se fomenta toda o seres, e mantendo a
Significado
sentem nenhum um genocídio ao nosso tradição alimentar
identificacional
pouco incomodados povo, inclusive regional.”
com isso.” principalmente através
do nosso prato e de
todas as nossas práticas
de consumo.”
“Sou Modelo, “O academês foi “Cresci sendo
influencer digital, formulado pra servir de ensinada a comer
Voguer, capoeirista e cerca de arame farpado animais e foi preciso
EIXO DO PODER ativista pro conhecimento não encontrar minhas
ANTILGBTQIA+ alcançar a maioria, pra maneiras de evitar
(CRIATIVIDADE)
fobia, na luta não dar acesso, é recaídas”.
ANTIracista e preciso pegar essa cerca
Significado
ANTIespecismo.” e derrubar, é preciso
140
SÍNTESE
“É nítido que a maioria das pessoas enxerga o veganismo como se fosse algo extremista e fora
da realidade. E infelizmente isso tem um motivo “a forma elitista que muita gente propaga a
causa”. Mas na real, sem essa gourmetização patrocinada pelo capitalismo a parada é mais
simples do que a gente pensa”.
141
“Os resultados estão bem de boa, principalmente a B12 que é a preocupação de todos
(suplemento desde o começo). A suplementação é bem em conta, e é a única vitamina que
precisamos suplementar. (Pesquise sobre a B12).”
“Ela olhou o hemograma (nutricionista), e surpresa com o resultado disse: "Aqui você não era
vegano né?! (kk) Nossa, a sua B12 estava excelente, nível de ferro e vitamina D também,
excelentes". Ela pediu Ferro, Cálcio, B12, VIT D, Potássio, Sódio, exames pro fígado e pros
rins”.
Durante a consulta ele ressalta a lista de exames que apresentou, nas conformidades
estabelecidas pela medicina. Inclusive ressaltando haver uma preocupação generalizada com a
vitamina B12. Luvizetto produziu o seguinte enunciado:
“É possível ser pobre e vegano sem prejudicar a saúde”, mas propomos a construção
discursiva que seria “É impossível ser pobre e vegano sem prejudicar a saúde”.
DISCURSOS
“Nós viramos veganos “Não tem anemia, não Depois que decidimos
pelos animais e por tem nenhuma infecção não mais contribuir
uma questão política, e ou alergia. Sua B12 tá com a indústria da
pra gente, se alimentar normalíssima, nível de exploração animal a
EIXO DO SER de forma adequada é ferro excelente, cálcio nossa saúde (mesmo
(CONSCIÊNCIA) mais do que um ato está ótimo quase não sendo esse o
político, é uma ultrapassando os objetivo) melhorou
Significado necessidade. valores normais, sódio muito...”.
identificacional e potássio ótimo... seus
exames estão
excelentes e você não
tem nenhuma
deficiência nutricional.
“Nossa alimentação é “Os resultados estão “Podemos afirmar,
básica, simples e bem de boa, que tendo consciência,
acessível. Não é caro e principalmente a B12 informação e
EIXO DO PODER muito menos difícil que é a preocupação de disposição é super
(CRIATIVIDADE) deixar de colaborar todos (suplemento possível e acessível se
com a indústria da desde o começo alimentar sem bicho
Significado morte”. (Pesquise sobre a morto, sem restos de
acional B12).” animais, sem leite de
vaca/derivados e sem
ovos”.
SÍNTESE
trazer prejuízos para a libertação dos animais que por motivos óbvios são incapazes de se
defender ou produzir algum discurso ou sentidos por falta da linguagem.
Avançando sobre os discursos que encontramos, podemos afirmar que em o nosso
corpus apresenta imagens, textos, palavras, ou seja, linguagem que apresenta atitude decolonial,
de sujeito periféricos. Os discursos produzem novas epistemologias e demonstra a
discursividade incorporada no tecido social. Com formações discursivas dos sujeitos que
sustentam os três eixos propostos discursivos decolonial, o do ser, do poder e do saber.
Retornando aos conceitos da autorrepresentação e de periférico proposto por Bungué,
identificamos que os discursos localizados na rede social do Vegano Periférico, estão de acordo
com a ideia de uma nova construção de sentidos simbólicos e imaginados dos sujeitos
periféricos. Bungué acredita que o sujeito periférico tem a capacidade de transitar por diversos
espaços e perceber diferentes perspectivas em um mesmo contexto e define como proposta a
(des)construção de histórias, (pré)conceitos e estéticas, buscando promover múltiplas
possibilidades de (re)interpretações artísticas, políticas, conceituais e culturais. Nas palavras de
Bunguê, “periférico” “significa que se está num lugar onde é possível observar, onde é possível
compreender e, a partir daí, agir subjetivamente.” (BUNGUÉ, 2020, p. 300). Bungué entende
que ao longo desses anos no Brasil, é que o “periférico é aquele que circula, que vai para todo
lugar”.
Se o periférico não chega na zona Sul [zona nobre do Rio de Janeiro] não é
porque ele não pode, é porque o impedem de entrar. Diferente do “impostor”,
aquele que vive nesse “corpo-centro impostor”, o lugar condicionado como
centro econômico, de privilégio, ideológico, comportamental, que seria, na
falta de um melhor termo, esta zona dos excessos – não quero levantar aqui
uma discussão classicizante. O que eu quero é ajudar a compreender por que
o termo “periférico” merece uma desconstrução, no sentido de empoderar os
corpos periferizados, uma noção diferente de se ser periférico. Você é
“periférico” quando se assume como tal. Você é “periferizado” quando há uma
força impostora que está, de alguma maneira, escorraçando você para esta
condição. É nesse sentido que eu vejo o “ser periférico” como alguém que
transita, e quando ele transita, significa que ele sabe de onde é, mas também
sabe para onde pode ir. Aquele que não tiver essa noção de “ser periférico”
poderá estar em um lugar, e é justamente esse lugar que ele vai imacular e
impedir que todos os outros tomem parte, tornando todos os outros corpos
como “periferizados”, impondo que esses tenham que ficar fora do lugar de
privilégio, lugar de ostracização do outro. (BUNGUÉ, 2020, p. 301)
Para complementar nossas análises, onde a palavra periférico apareceu por esse trabalho
integralmente, os sentidos produzidos numa rede discursos impactados pelo intradiscurso e pelo
interdiscurso apresentamos uma última reflexão de Bungué, referente ao vocábulo “periférico”.
146
5
MANSO, P. BRUNO. El País. A ligação do clã Bolsonaro com paramilitares e milicianos se estreitou com a
eleição de Flávio https://brasil.elpais.com/brasil/2021-04-24/a-ligacao-do-cla-bolsonaro-com-paramilitares-e-
milicianos-se-estreitou-com-a-eleicao-de-flavio.html Acesso: 10/01/2021
6
MAGENTA, Matheus. BBC News – Brasil. Coronavírus: como desigualdade entre ricos e pobres ajuda a explicar
alta de casos de covid-19 em Manaus < https://www.bbc.com/portuguese/brasil-54472139> Acesso: 11/01/2022
150
aos cidadãos vulneráveis, bem como a necessidade dos estados em situação de emergência
como o ocorrido em Manaus com a insuficiência de oxigênio para o tratamento dos infectados.
Liberação tardia do Auxílio Emergencial, com posição contrária do ministro Paulo Guedes que
privilegiava o controle do teto de gastos, enquanto o Brasil caminhava para mais profunda
miséria sendo constatado que o país retornou para o mapa da fome.
Mouffe (2015) ressalta em suas reflexões que o conceito de “adversário” adotado por
ela precisa ser claramente diferenciado da interpretação que o discurso liberal dá ao termo,
dizendo:
7
G1. Manifestantes fazem ato contra Bolsonaro, e PM atira balas de borracha e gás lacrimogêneo nos
participantes; veja vídeo https://g1.globo.com/pe/pernambuco/noticia/2021/05/29/manifestantes-fazem-ato-
contra-bolsonaro-e-a-favor-da-vacina-no-recife.ghtml> Acesso:ECA/USP)/01/2021
153
como sujeitos periféricos vivem a cidadania, apartados das políticas de Estado. As peças
publicitárias trazem em síntese os seguintes dados alarmantes, resultado de ausência de medidas
efetivas e políticas públicas negacionistas em relação aos efeitos graves da pandemia.
O material foi lançado em 2011, dirigido por Caio Cavechini e Carlos Juliano Barros
sendo produzido a partir da inquietação de alguns procuradores e fiscais do trabalho, de algumas
regiões no Brasil. Um procurador do trabalho, procurou os diretores, com diversos de processos
relacionados aos frigoríficos. Partindo da denúncia de fiscais do trabalho, Caio comenta que
culturais conforme asseveram Canesqui e Garcia (2005, p. 11) “cabe à cultura definir o que é
ou não comida, prescrever as permissões e interdições alimentares, o que é adequado ou não,
moldar o gosto, os modos de consumir e a própria comensalidade”.
A decolonialidade refere-se à luta contra a lógica da colonialidade e seus efeitos
materiais, epistêmicos e simbólicos. A teoria decolonial, abordada por Maldonado-Torres,
criticamente reflete sobre nosso senso comum e sobre pressuposições científicas referentes a
tempo, espaço, conhecimento e subjetividade, entre outras áreas-chave da experiência humana,
permitindo-nos identificar e explicar os modos pelos quais sujeitos colonizados experienciam
a colonização, ao mesmo tempo, em que fornece ferramentas conceituais para avançar a
descolonização.
Para Gomes (2019), não bastam apenas o reconhecimento e a vontade política para
descolonizar a mente, a política, a cultura, os currículos e o conhecimento. Essa descolonização
tem de ser acompanhada por uma ruptura epistemológica, política e social que se realiza
também pela presença negra nos espaços de poder e decisão; nas estruturas acadêmicas; na
cultura; na gestão da educação, da saúde e da justiça: ou seja, a descolonização, para ser
concretizada, precisa alcançar não somente o campo da produção do conhecimento, como
também as estruturas sociais e de poder.
Posteriormente, esses hábitos culturais foram incoporados em sua dieta, o pão, o queijo,
o arroz, as carnes, os doces e as bebidas alcoólicas (vinhos) que foram trazidos pelos
colonizadores portugueses , assim como a outras comidas que eram consumidas pelos povos
indígenas. Esse breve relato descreve como se formou a base da gastronômia brasileira. O
processo de escravidão não se deu simplesmente pelo uso da violência e da força, mas
caracterizou-se principalmente pela exaustão psicológica e o silenciamento dos saberes e
conhecimentos ancestrais de um povo – epistemicídio.
A colonialidade é resultado de uma imposição do poder e da dominação colonial que
consegue atingir as estruturas subjetivas de um povo, penetrando na sua concepção de sujeito e
se estendendo para a sociedade de tal maneira que, mesmo após o término do domínio colonial,
as suas amarras persistem. (GOMES, 2019, pp. 255–256).
Diante destes dados elementares, apresentados acima surge a importância de se pensar
novas epistemologias. Olhar para outros saberes, que possam confrontar com os modos
hegemônicos de se alimentar e cuidar da saúde. Nilma ressalta que essas noções consolidadas
pelo currículo escolar são reforçadas pelas relações de poder, pela pobreza, pela exploração
capitalista, pelo racismo e pelo sistema patriarcal e forjam subjetividades. Elas têm o potencial
de forjar subjetividades e práticas sociais e cotidianas que expressam valores coloniais e
colonizadores. Por isso, é preciso descolonizar o currículo escolar.
O Dr. Lailla O. Afrika, uma das maiores autoridades mundiais em saúde e nutrição, com
doutorado em Naturopatia pelo Anglo Saxon Institute da Inglaterra, é um Addictionalogist
certificado com um diploma do The American College of Addictionology And Compulsive
Disorders, enfermeiro certificado pelo Georgia Baptist Medical Center e também é
acupunturista. Metafísico, foi assistente social e psicoterapeuta do Exército dos EUA. Dedicou-
se ainda a estudar para se tornar um massagista, fitoterapeuta, historiador, escritor,
conferencista, professor, astrólogo e médico. O Dr. Afrika tem mais de 45 anos de experiência
e treinamento em etnomedicina, que consiste no uso de remédios para doenças e diagnósticos
baseados na bioquímica de uma raça. Por todas essas credenciais, ele é um dos palestrantes
mais requisitados do país. Estudioso da saúde holística africana, como citado anteriormente,
cunhou o conceito de nutricídio — (genocídio nutricional). Ele discute a degradação da saúde
de pessoas negras da mudança alimentar de suas culturas pela inserção de uma alimentação
colonialista, ditada por brancos e multinacionais. O nutricídio surge a partir do contexto
capitalista hegemônico de produção e distribuição dos alimentos, baseado no uso de agrotóxicos
(118 agrotóxicos foram aprovados no Brasil durante a pandemia), transgênicos, ultra
processados.
160
produtores de conhecimentos válidos que não somente podem tensionar o cânone, mas também
o indagam e trazem outras perspectivas e interpretações.
negra no Brasil, aferiu os seguintes resultados sobre as comparações entre as populações negra
e branca, com "cenário desfavorável" para os negros:
Alimento consumido Consumo por brancos (%) Consumo por negros (%)
Frutas e hortaliças 39,1 29,5
Bebidas alcoólicas 16,6 19,2
Avaliação negativa da saúde 4,0 5,2
Fonte: Ministério da Saúde
8
VALENTE, Rubens. Uol Notícias. Ministério da Saúde retira do ar estudo sobre saúde da população negra
<https://noticias.uol.com.br/colunas/rubens-valente/2020/06/10/censura-saude-populacao
negra.htm?cmpid=copiaecolahttps://noticias.uol.com.br/colunas/rubens-valente/2020/06/10/censura-saude-
populacao-negra.htm> Acesso: 10/01/2022
163
Essa situação torna-se flagrante quando o ministro Paulo Guedes reconhece que a elite
se alimenta de maneira abundante, porém, desperdiçam muitos alimentos e que estes
desperdícios “sobras”, “restos”, deveriam ser doados para as pessoas em situação de
insegurança alimentar. Na mesma direção o presidente Bolsonaro, sugere que produtos com
prazo de validade vencida, dos supermercados também deveriam ser doados para essa mesma
população. Num caso anterior, mas não menos relevante, o então prefeito de são João Dória
165
propôs como solução alimentar a implantação de um produto conhecido como ração humana
que deveria ser servida nas escolas municipais de São Paulo. Ou seja, um discurso materializado
e demonstra como os políticos de direita pensam e agem com relação à nutrição e alimentação
das populações carentes e periféricas.
Avançando com essas asserções, podemos explorar pelas lentes da biopolítica e do
biopoder, o caráter discursivo da governamentalidade. A partir de Miller e Rose (2012) que,
citando (Foucault, 1979, 20), definem governamentalidade como o “conjunto formado pelas
instituições, procedimentos, análises e reflexões, os cálculos e as táticas que permitem o
exercício desta bastante específica, se bem que complexa forma de poder” (MILLER; ROSE,
2012, p. 40)
Estabelecidos como autoridades, seus discursos, por meio da linguagem, estão
voltados para o controle dos processos inerentes à população, “as leis que modulam a riqueza,
saúde, longevidade, sua capacidade de declarar guerra e a capacidade de se ocupar-se de um
trabalho, etc. (MILLER; ROSE, 2012, p. 40), acrescentamos aqui, o controle do que comemos
e o modo como nos alimentamos e como cuidamos de nossa saúde.
A visão proposta por Miller e Rose (2012) destaca que o discurso pode ser analisado
como uma “tecnologia” do pensamento, e propõe como melhor conceituação a expressão
“tecnologia intelectual”, que exige atenção a específicos instrumentos técnicos para nós, nesse
trabalho, o elemento que nos interessa é a linguagem, principalmente a política e seus efeitos
sobre os sujeitos periféricos.
O termo “tecnologia”, nessa leitura entende-se por “mecanismos através dos quais
autoridades de vários matizes têm buscado modelar, normalizar e instrumentalizar a conduta, o
pensamento, as decisões e as aspirações dos outros, a fim de alcançar os objetivos que eles
consideram desejáveis, uma abordagem particular da análise da atividade de governar”.
(MILLER; ROSE, 2012, p. 46).
6 – CONSIDERAÇÕES FINAIS
6.1 - A gente não quer só comida, a gente quer comida de verdade, cidadania, inclusão
social e diversidade.
não foi a antropologia como filiação para reconstruir essa trajetória. Seguimos o recorte,
proposto pelos estudos de Peter Singer em sua obra “Libertação Animal”, que insinuua que a
cultura de exploração da vida animal, está ligado ao judaísmo, ao cristianismo, aos gregos e
romanos. A dieta vegetariana e a defesa da vida dos animais são temas que já foram defendidos
por escritores, filósofos, espiritualistas, políticos, médicos, etc.
O movimento vegano eclodiu na modernidade, seu fundador Donald Watson, que
já era vegetariano, e estava preocupado com o consumo e com a produção excessiva de
laticínios no Reino Unido. Nessa época já se tinha informações de doenças atingindo o rebanho
de animais, um dessas doenças identificadas na época ficou conhecida pelo nome de “Príon”.
O veganismo em sua concepção tem a utopia de eliminar definitivamente todo e
qualquer produção ou consumo de animais não-humanos. Seja para fins de alimentação,
vestuário, entretenimento ou pesquisas de laboratório. E um dos pontos fundamentais do debate,
está associado as questões do imaginário estabelecido pleo o colonialismo, patriarcado,
capitalismo e da revolução industrial que enxergam os animais humanos, não-humanos e a
natureza como bens disponíveis para produção e consumo, bem como ao acúmulo. Animais e
objetos subjugados por sistema exploratórios e escravagistas.
A seguir, procuramos demonstrar como o movimento está constituído e
apresentamos duas vertentes que na atualidade integram o movimento. Os veganos liberais
(estratégicos) e os veganos interseccionais, o objeto da nossa pesquisa. Ambos com o mesmo
objetivo principal, a “libertação animal”, porém, com discursos completamente divergentes, em
dissenso. E que apesar de o debate ser democrático, está longe em haver um consenso nas ações
e na discursividade. Veganos liberais, estão representados por pessoas brancas, cisgêneras, com
poder de consumo e são à favor do bem-estarismo dos animais, e defendem que pequenas
conquistas são um caminho para que a vida animal tenha menos sofrimento, até chegar ao
objetivo principal que é a libertação animal. Assim, acreditam que uma das formas é participar
das lógicas do mercado capitalista e consumir produtos veganos processados e industrializados,
produzido por empresas veganas e não-veganas. Nessa condição começa aparecer as
divergências, tendo em vista que grandes empresas do setor alimentício, especializada em
produzir proteína animal, não estão preocupadas com a causa e atendem essa demanda do
consumo, por entender haver uma demanda crescente pelo consumo de produtos veganos,
visando o lucro e o acúmulo de capital. Por outro lado, veganos interseccionais compreendem
que essa forma de ativismo é despolitizado, alienado e ingênuo. Pois, grandes corporações não
contribuem em nada com a causa. Assim, acusam os veganos liberais de reproduzir um
movimento vegano classista, elitista e excludente. Produzindo o imaginário que para ser vegano
170
a alimentação precisa ser cara e industrializada. Veganos interseccionais entendem que não
existe veganismo, sem recorte de classe e que o veganismo é uma ação afirmativa, inclusiva, e
contribui com a proteção do planeta. A dieta é uma alternativa viável para os pobres e comer
tem que ser um ato político. Esclarecemos que os veganos interseccionais filiam-se ao conceito
da interseccionalidade, aporte teórico/metodológico ligado feminismo negro. Apresentamos os
fundamentos da interseccionalidade como ferramenta auxiliar à construção política/social
através de marcadores sociais, raça, gênero, classe, sexualidade, etc. Por fim, apresentamos os
coletivos juvenis como uma forma de organização política. Na contramão do neoliberalismo
que preconizam a individualidade, se organizam de forma coletiva para poder agir
politicamente e produzem o ativismo a partir dos meios digitais, utilizando as redes sociais
como a principal ferramenta de comunicação. Estes coletivos colaboram e se associam a outros
movimentos com o intuito de interferir nas políticas da esfera pública e privada.
Nos capítulos três e quatro procuramos desenvolver as análise e identificar os
discursos. Tendo como objeto o coletivo Vegano Periférico, um representante da vertente
interseccional do veganismo, decidimos pela formação de dois corpora. O primeiro, o
documentário “Vegano Periférico” e o segundo, postagens do perfil do Instagram do coletivo,
materiais que proporcionaram materialidades distintas. O documentário apresenta
características cultural e linguagem artística, por sua vez, continuando com nossas análises, no
capítulo quatro , o Instagram, mídia social com características e particularidades inerentes ao
meio digital, como manifestação de ideias em mensagens curtas, geralmente críticas e de
opinião. Assim entendido, consideramos ter dois corpora que apresentam elementos
discursivos, materialidades e desafios diferentes de análises.
As análises, por sua vez, são complementares e, ao desenvolvê-las, foi possível
fazer um cruzamento dos resulatdos alcançados. Quanto ao referencial teórico-metodológico,
temos os estudos da ADF como conduta geral da nossa pesquisa , sendo a Orlandi (2017 e 2020)
nosso principal referencial bibliográfico, além de nos apoiarmos também nos estudos de
Gregolin (2017), Fiorin (2017) e Maingueneau (2015). Entretanto, no percurso analítico,
percebemos que, devido às particularidades da proposta de trabalho e as singularidades do
objeto de pesquisa e do corpus selecionado, precisávamos ainda lançar mão da ADC por meio
dos estudos realizados por Viviane Resende, que propõe a decolonização dos estudos críticos
do discurso. Concordamos com Santos (2019) que é um processo em potencial inerente a todo
e qualquer sujeito socialmente oprimido, que, por meio da linguagem, uma oportunidade de
existência e reexistência. Um dos eixos da nossa pesquisa envolvia a decolonialidade,
trabalhamos com sujeitos periféricos, racializados e de gêneros diversos, que por diversas
171
industrializados com destaque para os produtos “inimigo branco” apontados por Afrika (2004),
o açúcar, o sal e a farinha.
A maior parte da comunidade periférica é composta de pessoas negras, assim,
encontramos muitos coletivos de afrodescendentes veganos que defendem a causa, com as
mesmas ideologias. Em nossos estudos, propomos por meio da interseccionalidade observar os
marcadores sociais, raça, gênero, classe, considerando aspectos de biopolítica, de tal modo que
nosso trabalho não desenvolveu uma análise exaustiva de cada um dos marcadores sociais
mencionados e não pretendeu esgotar todas as possibilidades de assuntos e perspectivas
analíticas que o objeto vegano interseccional permite. Entretanto, essa pesquisa abre espaço
para um campo fértil de pesquisas e de análises de discurso, entre eles, para exemplificar, o
veganismo, veganismo liberal, alimentação hegemônica, alimentação de grupos étnicos,
ameríndios, afro veganos, feminismo negro vegano. São muitas as possibilidades de temas que
se apresentam relativos ao veganismo e ao veganismo periférico. Pesquisas sobre o fenômeno
comunicacional que são os coletivos, que se estruturam a partir das redes sociais e a forma
política como sujeitos que não tinham voz nos meios de comunicação hegemônicos, tomam seu
“lugar de fala” se autorrepresentndo e estabelecendo novos significados simbólico sobre suas
pessoas.
Avançando um pouco mais sobre os exemplos, um objeto instigante é o (MAV) —
Movimento Afro Vegano. O MAV defende a causa animal, mas nesse objeto aparece imbricado
com o debate religioso e as tradições da comunidade africana, os ritos do candomblé e da
umbanda que devem ser respeitados. O MAV não se omite e defende que a temática imposta
pela sociedade e por membros da outra vertente vegana, inclusive, — com críticas
preconceituosa e racistas — , as questões não são irrelevantes e devem ser debatidas, porém,
ressalta a complexidade do tema. A forma de haver mudanças é ouvindo o outro lado do
movimento, junto à comunidade negra trabalhar na conscientização da causa animal,
preservando o respeito, as tradições e a ancestralidade. Conforme podemos empreender na fala
da ativista Thalita Flor, fundadora do MAV:
pessoas praticantes de religiões de matriz africana podem através de material
sobre direitos animais questionar seus hábitos alimentares e culturais, e essas
pessoas que vão propor a diferença dentro dos espaços que elas convivem. Se
nós, que somos a voz dos animais, o único movimento social onde a vítima
não pode falar por si mesma (o que torna tudo mais difícil), agirmos
estrategicamente e tentarmos um diálogo, a mudança será mais eficaz.
Infelizmente veganismo é o único movimento social onde as coisas não vão
se resolver numa revolução (tiro, porrada e bomba). Não é um grupo social
sobre o outro, é a porra do mundo inteiro especista contra nós. O mundo inteiro
concorda em explorar animais pra fins que consideram justificáveis. Mas nós
vamos apontar racismo sim, se o for, e isso não vai nos impedir de fazer
173
ativismo, isso não vai nos impedir de conversar de pessoa pra pessoa. (FLOR,
2018)
climáticas e uso de recursos hídricos, temas contemporâneos que atingem a comunidade global.
Valendo-nos de apontamentos feitos por Portilho (2016, p. 426), concluímos que “faz-se
necessário, ainda, realizar estudos que analisem o que acontece com o consumo político
alimentar (étnicos ou não — grifo nosso) em momentos de predomínio de políticas de
austeridade, de decrescimento econômico e de governos ditatoriais”.
176
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
ACOSTA, Alberto. O Bem Viver: uma oportunidade para imaginar outros mundos. São Paulo: Editora
Elefante, 2011. Edição do Kindle
ACOSTA, M .P. T. Crítica insurgente e o discurso do lado de cá: por uma ADC desde e para a
América Latina. In: REZENDE, V. de M. (org). Decolonizar os estudos críticos do discurso. Campinas,
SP: Pontes Editores, 2019
ALMEIDA, S. L. de. Racismo estrutural. São Paulo: Sueli Carneiro: Pólen, 2019. Edição do Kindle
AFRIKA, L. O. African Holistic Health, The neglected revolution. Editora A&B Book Distributors
Inc, 2004. Tradução acessada no site https://estahorareall.wordpress.com/
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SODRÉ, M. Antropológica do espelho : uma teoria da comunicação linear e em rede. Petrópolis, RJ : Vozes,
2002
APÊNDICE
A. POSTS COMPLETOS UTILIZADOS NAS ANÁLISES DISCURSIVAS*
* posts utilizados do corpus selecionado para a pesquisa em 17/12/2021.
não entendem quando nos posicionamos, surgem comentários do tipo: "nossa, pensei que
era uma página de veganismo, pra falar de receita". Precisa ficar claro que o movimento
vegano é um movimento anti-opressão e amplo, a alimentação é uma parte da causa, e sim,
é uma das mais importantes, tendo em vista que nos alimentamos muitas vezes ao dia, e é a
parte mais difícil de mudar. Porém, não podemos nos limitar. Se faz necessário um
movimento politizado, com pessoas que compreendem que enquanto o sistema estiver
estruturado da forma que está, poucas coisas mudarão. Precisamos fazer a nossa parte, com
trampo de base, propagando informação na horizontal e de forma acessível, e sim, mudanças
pessoais são importantes e necessárias, mas não podemos ignorar que o sistema em que
vivemos é extremamente cruel e a política institucional tem interferência na nossa luta. Pra
gente é um tanto incoerente comer um prato colorido, sem nada de origem animal, e
concordar com políticas de extermínio, com um político genocida, machista, autoritário, que
apoia rodeio, caça, exportação de animais vivos, apoia o genocídio da população indígena e
da população negra, promove grilagem e desmatamento, que está sendo extremamente
negligente em relação ao coronavírus, que está matando milhares de brasileiros. Não faz o
menor sentido, é uma contradição sem tamanho. Só pra ter uma ideia, o Brasil é o maior
exportador de carne do mundo, é muita ingenuidade ficar aqui no Instagram apontando o
dedo na cara das pessoas sem falar da principal causa da exploração animal. O veganismo
despolitizado é tudo que o capitalismo quer, pois é frágil, maleável e vive de aparência.
causa. Esse veganismo "estratégico" que abraça as grandes empresas e acredita que o sistema
capitalista vai resolver os problemas que ele mesmo criou é atrasado, elitista, excludente e
totalmente fora da realidade. Estratégia não é se aliar ao inimigo, estratégia é se aliar ao
povo. Se opor a essas empresas é o mínimo que devemos fazer, jamais iremos apoiar ou
incentivar essas corporações só por causa de produtinho com selo "vegano". Nós temos
vergonha de consumir produtos dessas corporações. Ainda mais pra gente, que cresceu na
periferia consumindo ultraprocessados, industrializados, açúcar em excesso, produtos de
origem animal sem ter a noção do quanto tudo isso é prejudicial em todos os sentidos e o
quanto a indústria alimentícia condicionou o nosso consumo. Não se fala sobre o nutricídio
que ocorre nas periferias, poucos falam sobre isso no veganismo. A rapaziada tá preocupada
com uma maionese que contém 18 ingredientes, com hambúrgueres de empresas que
exploram animais, com redes de fast food exploradoras. Precisamos falar de veganismo com
comida de verdade, incentivando o pequeno produtor, precisamos entender que alimentação
não tem nada a ver com natureba ou dieta, se alimentar bem é um ato político e é de fato um
ato de resistência.
2. CRÍTICA SOCIAL
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Apesar de o arroz e o feijão estarem muito caros (mas já estamos tirando a Dilma e tudo vai
melhorar), sai muito mais barato comer produtos de origem vegetal. De fato, economizamos
muito mais hoje. Porque acreditamos que o único caminho é o veganismo simples, acessível
e popular, viável para a realidade da maioria das brasileiras e brasileiros. O resto é estética
moderninha. Outra coisa, não temos acesso fácil a cogumelos, tofus, grãos estranhos e caros,
por isso raramente consumimos e estamos firmão demais. E mesmo comprando esses
bagulhos é mais barato do que consumir produtos de origem animal. E sim, é possível
consumir uma variedade enorme de alimentos sem nada de origem animal e não gastar muita
grana.Não estamos falando isso porque assistimos um vídeo, vimos em um documentário ou
em algum livro por aí, nós vivemos isso. Podíamos fazer igual uma pá de gente, se acomodar
e falar que nada vai mudar, mas a nossa vida perderia totalmente o sentido.
contra todo tipo de opressão. E que isso seja uma decisão pra vida inteira, não há soluções
exatas, há caminhos a serem seguidos e formas conscientes de tomar atitudes. As suas
escolhas diárias podem favorecer as opressões ou ir contra elas.
3. INTERSECCIONALIDADE
Luciene / 25 anos / São Paulo – SP / @sapavegana
11.000 likes / 189 mensagens / 77 semanas
Meu nome é Luciene, tenho 25 anos, nasci em Salvador, mas moro em São Paulo.
Durante a maior parte da minha infância morei na Zona Leste de São Paulo, na Cidade
Tiradentes. E cresci passando aquelas dificuldades que quem é pobre sabe bem. Então,
imaginem a quantidade de críticas que surgiram na minha mente quando ouvi falar de
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E AI MEUS AMORES ✨❤. Hoje venho ocupar o maior e melhor perfil do mundo. Direto
da periferia do Rio, para o mundo. Para quem não me conhece sou Silvio Louzada, criador
do @periferia.preta.vegana . Tenho 17 anos. Sou vegano faz 2 dois anos e 5 meses. Minha
proposta com o perfil é trazer um veganismo popular através da minha realidade periférica,
preta e LGBTQI+. O perfil surgiu com um "puts, como esse brankkkelo quer que eu seja
vegano se é coisa de rico e gente brankkka?" - acho que todo preto se viu nessa. Então foi
quando tive a ideia de criar o perfil. Assim poderia fazer com que os meus entendesse a
importância que é a resistência de não consumir alimentos e derivados de animais. Me tornei
vegano após entender como nosso Estado genocida segue nos matando mais pela boca do
que a sua melícia de polícias, o famoso nutricídio da população negra. Aonde temos pessoas
pretas morrendo por diabetes, câncer, hipertensão... Todas devido ao consumo animal. No
veganismo aprendi ter uma relação melhor não só com os animais, mas também com a minha
ancestralidade africana, aonde veio aprendendo cada vez mais descolonizar e resgatar pratos
típicos do meu continente de direito. Por um veganismo anticapitalista e popular, por que só
assim vamos conseguir mudar o mundo. VIDAS NEGRAS IMPORTAM. VIDAS NEGRAS
TRANS IMPORTAM! ✊ 🌈✨
SAÚDE
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É possível ser pobre e vegano sem prejudicar a saúde? Acreditamos que os dois maiores
receios da rapaziada em relação ao veganismo seja a saúde e a grana. E não é pra menos,
há muita desinformação e muitos mitos sobre o assunto, e isso acaba gerando muita confusão
e dúvidas. Em casa por exemplo, quando começamos no veganismo nossa família ficou um
pouco preocupada, achando que ficaríamos doentes e tals... Achando que iríamos ter que
gastar horrores comprando suplementos e alimentos caríssimos. É nítido que a maioria das
pessoas enxerga o veganismo como se fosse algo extremista e fora da realidade. E
infelizmente isso tem um motivo “a forma elitista que muita gente propaga a causa”. Mas na
real, sem essa gourmetização patrocinada pelo capitalismo a parada é mais simples do que a
gente pensa. E hoje, a nossa família e amigos sabem o quanto a gente economiza e o quanto
a nossa saúde está excelente. Meu irmão fez exames alguns meses atrás e eu fui fazer os
meus semana passada. Colei numa clínica popular e o preço foi suave. Os resultados estão
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B. ACESSO AO CORPUS
https://drive.google.com/drive/folders/1C2FWiIIH2wdPBhiGTShIaK_104mRe2lH
b.1 ) 1 documentário