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ILUSTRAÇÃO NO DESIGN EDITORIAL: estudo do processo criativo de capas de


livros na perspectiva dos profissionais

Thesis · September 2020


DOI: 10.13140/RG.2.2.16334.38729

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André Matias Carneiro


Universidade do Estado de Minas Gerais
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ANDRÉ MATIAS CARNEIRO

ILUSTRAÇÃO NO DESIGN EDITORIAL:


estudo do processo criativo de capas de livros
na perspectiva dos profissionais

Dissertação de Mestrado apresentada ao Programa


de Pós-Graduação em Design da Universidade do
Estado de Minas Gerais, na Linha de Pesquisa:
Cultura, gestão e processos em Design.

Orientadora:
Profª. Drª. Maria Regina Álvares Correia Dias
UEMG - Escola de Design

Belo Horizonte
2020

2
C257i Carneiro, André Matias.
Ilustração no design editorial : estudo do processo criativo de capas de livros na
perspectiva dos profissionais [manuscrito] / André Matias Carneiro. -- 2020.
177 f., enc.: il., color., fotos.; 31 cm.

Dissertação (mestrado) – Universidade do Estado de Minas Gerais. Programa de


Pós-graduação em Design, 2020
Orientador: Profa. Dra. Maria Regina Álvares Correia Dias.

Bibliografia: f. 162-167.

1. Ilustração de livros. 2. Capas de livros. 3. Prêmio Jabuti. I. Dias, Maria Regina


Álvares. II. Universidade do Estado de Minas Gerais. Programa de Pós-graduação em
Design. V. Título

CDU: 75.056

Bibliotecária responsável: Gilza Helena Teixeira CRB6/1725

3
4
A fogueira em que são lançados os maus livros constitui a figura invertida da
biblioteca encarregada de proteger e preservar o patrimônio textual. Dos
autos de fé da Inquisição às obras queimadas pelos nazis, a pulsão de
destruição obcecou por muito tempo os poderes opressores que, destruindo
os livros e, com frequência, seus autores, pensavam erradicar para sempre
suas ideias (CHARTIER, 1999, p. 23).

Vivemos uma época de vulgarização da palavra, acrescida da massificação


mercantilista e ideológica da imagem. Nestes tempos, mais do que nunca o
livro continua sendo um elemento de afirmação da individualidade. Ler de
forma consciente e participativa a palavra e a imagem constitui, acima de
tudo, um ato de resistência cultural e social (OLIVEIRA, 2008, p. 44-45).

5
AGRADECIMENTOS

À Rosa Alencar Santana de Almeida, minha mãe, por ser uma pesquisadora destemida e
minha maior fonte de inspiração.

À José Silvério Carneiro, meu pai, por sempre estar ao meu lado, me incentivando a
sonhar e a realizar meus sonhos.

À minha querida tia Edjan, historiadora que me inspira a sempre querer saber mais sobre
o passado, acreditando na construção de um futuro melhor.

À minha orientadora Maria Regina Álvares Correia Dias, por mais do que orientar,
investir tempo, dedicação e carinho na construção desta pesquisa.

À professora Andréa de Paula Xavier Vilela, por suas indicações, tão necessárias para um
entendimento mais embasado sobre o universo da ilustração.

Ao professor Sérgio Antônio Silva, por apostar na força da linguagem dos objetos, que
aqui me ajuda a explorar a linguagem do objeto-livro.

À professora Suzi Maria Mariño, uma das grandes responsáveis por eu me tornar um
pesquisador, por suas orientações e amizade.

Aos meus muitos amigos e colegas, que com suas singularidades tão especiais, me
inspiram a ilustrar e a falar sobre ilustração.

À Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (CAPES), pelo


financiamento desta pesquisa por meio da concessão da bolsa de mestrado.

Aos professores do Programa de Pós-Graduação em Design da Universidade do Estado


de Minas Gerais (PPGD-UEMG), por todo o apoio e incentivo.

À Rodrigo e Janaína, responsáveis por coordenar os bastidores do PPGD-UEMG de


maneira tão atenciosa.

Aos capistas e ilustradores que gentilmente me concederam ricas entrevistas: Alex


Cerveny; Daniel Bueno; Diogo Droschi; Elisa von Randow; Luciana Facchini; Marcelo
Martinez; Victor Burton; Wagner William.

6
RESUMO

Esta pesquisa apresenta a ilustração enquanto importante elemento do processo de


produção editorial, enfatizando sua presença em livros de ficção voltados ao público
adulto. Ademais, reconhece que, quando impressa na capa ou inserida no miolo do livro,
esse tipo de imagem passa a compor a obra, dialogando com as ideias do(a) autor(a) e
sua narrativa. A pesquisa explora o papel de ilustradores, capistas e designers na
concepção editorial de capas ilustradas, tendo como base o processo criativo de
profissionais laureados com o Prêmio Jabuti. Inicialmente foram discutidos aspectos da
imagem, especialmente no que tange a sintaxe visual, evidenciando fatores importantes
para o estabelecimento da sua linguagem comunicacional. Em seguida, com base em
teorias e discussões sobre o processo criativo e aspectos profissionais, se investigou a
prática da ilustração com ênfase nas funções de persuasão e narrativa, entendendo-a
como ferramenta projetual do design editorial. Um estudo aplicado foi realizado com
profissionais premiados nas edições do Prêmio Jabuti entre os anos de 2000 a 2019,
estritamente nas categorias “ilustração” e “capa”. Dessa forma, realizou-se entrevistas
qualitativas com oito profissionais, focando suas trajetórias no campo editorial,
especialmente no universo dos livros e capas premiadas. A análise do conteúdo
apreendido se deu a partir da imersão do próprio pesquisador no corpus da produção
discursiva, decorrente da organização dos dados primários obtidos nas entrevistas, e
secundários, cedidos e indicados pelos próprios profissionais. A discussão dos temas,
realizada com o propósito de identificar semelhanças e dissonâncias nas falas dos
entrevistados, produziu considerações importantes sobre o campo editorial, além de
enfatizar particularidades de cada profissional e projeto aqui analisados. Os resultados
apontam para o desvelamento de complexos processos que respaldam os projetos de
capas ilustradas de sucesso, e elucidam questões sobre: briefing; processo criativo;
atuação no design editorial; intenções projetuais; aspectos gráficos da ilustração e capa;
recepção do público leitor.

Palavras-chave: Ilustração; design editorial; capa ilustrada; processo criativo; Prêmio


Jabuti.

7
ABSTRACT

This research presents illustration as an important element of the editorial production


process, emphasizing its presence in fiction books targeted to adult audience.
Furthermore, it acknowledges that when printed on the cover or inserted in the book's
core, this type of image starts to compose the work, dialoguing with the book author
ideas. The research explores the role of illustrators, professional book cover designers,
and graphic designers in the editorial process of illustrated covers, based on the
creative process of Jabuti Award winning professionals. Initially, aspects of the image
were discussed, with regard to visual syntax, highlighting important factors for the
establishment of its communicational language. Based on theories and discussions
about the creative process and professional aspects, the practice of illustration was
investigated with an emphasis on the functions of persuasion and narrative,
understanding it as a potential tool of design, with a focus on the editorial field. A study
was applied with award-winning professionals in the Jabuti Award editions between
2000 and 2019, strictly in the “illustration” and “cover” categories. Thus, qualitative
interviews were conducted with eight professionals, focusing on their trajectories in
the editorial field, especially in the universe of books and award-winning covers. The
analysis of the apprehended content took place from the immersion of the researcher
himself in the corpus of discursive production, resulting from the organization of the
primary data obtained in the interviews, and secondary, given and indicated by the
professionals themselves. The discussion of the themes, carried out with the purpose
of identifying similarities and dissonances in the interviewees' speeches, produced
important considerations about the editorial field, in addition to emphasizing the
particularities of each professional and project analyzed here. The results point to the
unveiling of complex processes that support the successful illustrated cover projects,
and elucidate questions about: briefing; creative process; performance in editorial
design; design intentions; graphic aspects of the illustration and cover; reception of the
reading public.

Keywords: Illustration; editorial design; illustrated cover book; creative process;


Jabuti Award.

8
LISTA DE FIGURAS
Figura 1 – Estrutura simplificada da pesquisa ................................................................................ 20

Figura 2 – Pinturas rupestres nas cavernas de Lascaux, França ..................................................... 24

Figura 3 – Prensa tipográfica idealizada por Johann Gutenberg .................................................... 26


Figura 4 – Matérias da Revista Galileu ilustradas com trabalhos de Berje, Ana Matsusaki e
44
Estúdio Barca .................................................................................................................
Figura 5 – Categorização de livros baseada na incidência de ilustrações e suas relações com o
48
texto ..............................................................................................................................
Figura 6 – Capas de Wasth Rodrigues para edições do livro Urupês, publicadas em 1918 e 1919 50

Figura 7 – Detalhes do livro Pathé-Baby (1926), com ilustrações de Paim..................................... 51


Figura 8 – Capas dos livros The Spook House e The Virgin Of The Seven Daggers, com projeto
54
gráfico de Coralie Bickford-Smith, 2008 ........................................................................
Figura 9 – Ilustrações de Cezar Berje presentes no livro “Abecedário de personagens do folclore
66
brasileiro” .......................................................................................................................................
Figura 10 – Ilustração 1 de Anabella López, inserida em seu livro Um Coelho, 2017 .................... 68

Figura 11 – Ilustração 2 de Anabella López, inserida em seu livro Um Coelho, 2017 .................... 68

Figura 12 – Páginas duplas de um caderno de esboços de Margaret Huber ................................. 73

Figura 13 – Páginas duplas de um caderno de esboços de Jim Stoten .......................................... 73

Figura 14 – Etapas do processo de criação da ilustração baseado em procedimentos do design. 75

Figura 15 – Estrutura da pesquisa .................................................................................................. 86

Figura 16 – Modelos dos Selos do Prêmio Jabuti da edição de 2019 ............................................. 88

Figura 17 – Levantamento dos premiados da categoria Capa do Prêmio Jabuti de 2000 a 2019 .. 90
Figura 18 – Levantamento dos premiados da categoria Ilustração do Prêmio Jabuti de 2000 a
91
2019 ............................................................................................................................
Figura 19 – Alex Cerveny e obra premiada ..................................................................................... 102

Figura 20 – Daniel Bueno e obra premiada .................................................................................... 103

Figura 21 – Diego Droschi e obra premiada ................................................................................... 104

Figura 22 – Elisa von Randow e obra premiada ............................................................................. 105

Figura 23 – Luciana Facchini e obra premiada ............................................................................... 106

Figura 24 – Marcelo Martinez e obra premiada ............................................................................. 107

Figura 25 – Victor Burton e obra premiada .................................................................................... 108

Figura 26 – Wagner William e obra premiada ................................................................................ 109

Figura 27 – Capa do livro Moby Dick e páginas internas................................................................. 115

9
Figura 28 – Páginas internas do livro Decameron pulicado em 2014 .......................................... 117

Figura 29 – Páginas internas do livro A Janela de Esquina do Meu Primo, publicado em 2010. . 118

Figura 30 – Capas pertencentes à Coleção Guimarães Rosa, publicadas em 2002 ..................... 119

Figura 31 – Projeto de capa para Coleção Guimarães Rosa (2020), por Victor Burton ............... 120
Figura 32 – Projeto de capa do livro Ratos ilustrado por Marcelo Martinez, publicado em
121
2012..........................................................................................................................
Figura 33 – Detalhe do recorte “faca” do livro Ratos, publicado em 2012 ................................. 122
Figura 34 – Capa de Poty Lazzarotto para a 1ª edição de Grande Sertão Veredas publicado
124
pela Livraria José Olympio Editora, em 1956 ...........................................................
Figura 35 – Ilustrações de Poty Lazzarotto para obras de Guimarães Rosa ................................ 124
Figura 36 – Capas de Victor Burton para Coleção Guimarães Rosa, publicada pela Nova
125
Fronteira em 2002 ....................................................................................................
Figura 37 – Capa do livro Moby Dick (2009) e detalhe da gravura de Barry Moser .................... 126

Figura 38 – Páginas internas do livro Moby Dick, publicado em 2009 ........................................ 126

Figura 39 – Capa, marcador de páginas promocional e detalhes do projeto gráfico de Diogo


128
Droschi para o livro O Sumiço, de 2015 ...................................................................
Figura 40 – Ilustração de Daniel Bueno utilizada no projeto gráfico do livro A Janela de
130
Esquina do Meu Primo, publicado em 2010 .............................................................
Figura 41 – A batalha entre o carnaval e a quaresma, obra de Pieter Bruegel, de 1559 ............ 130
Figura 42 – Capa e verso do livro Decameron com ilustrações de Alex Cerveny, publicado em
131
2014 ..........................................................................................................................
Figura 43 – Detalhe das vinhetas das páginas internas do livro Decameron .............................. 132
Figura 44 – Imagens que compõem a “renda” ilustrada do projeto gráfico de Elisa von
134
Randow para o livro Os Embaixadores, publicado em 2011.....................................
Figura 45 – Peça gráfica promocional do livro Lobisomem sem barba, escrito e ilustrado por
135
Wagner William, publicado em 2015 .......................................................................
Figura 46 – Capa de A Janela de Esquina do Meu Primo com ilustração de Daniel Bueno, de
136
2010 ..........................................................................................................................
Figura 47 – Capas de O Pequeno Fascista e Um Garoto Chamado Roberto, ambas ilustradas
137
por Daniel Bueno ......................................................................................................
Figura 48 – Detalhes do projeto gráfico de Diogo Droschi para o livro O Sumiço........................ 138

Figura 49 – Detalhe da parte inferior da capa do livro Ratos, de Marcelo Martinez .................. 140

Figura 50 – Ilustrações de Alex Cerveny de uma das páginas internas do livro Decameron....... 141

Figura 51 – Detalhe da capa do livro Moby Dick, projeto gráfico de Luciana Facchini ............... 144
Figura 52 – Capas ilustradas de livros publicados pela Waissman, Reis & Cia Ltda (década de
152
1930).
Figura 53 – Ilustração extra 1 de Alex Cerveny para livro Decameron na versão em espanhol... 153

Figura 54 – Ilustração extra 2 de Alex Cerveny para livro Decameron na versão em espanhol... 153

Figura 55 – Capa com fundo branco do livro Decameron na versão em espanhol...................... 154

10
LISTA DE QUADROS

Quadro 1 – Caracterização da pesquisa ...................................................................................... 85

Quadro 2 – Seleção prévia das amostras dos livros premiados do Prêmio Jabuti....................... 92

Quadro 3 – Profissionais entrevistados ....................................................................................... 99

Quadro 4 – Levantamento de dados do Prêmio Jabuti na categoria Capa.................................. 169

Quadro 5 – Levantamento de dados do Prêmio Jabuti na categoria Ilustração.......................... 172

11
SUMÁRIO

Capítulo 1
INTRODUÇÃO ................................................................................................................... 14
1.1 Contextualização ........................................................................................................ 14
1.2 Problema .................................................................................................................... 17
1.3 Justificativa ................................................................................................................. 17
1.4 Hipóteses .................................................................................................................... 18
1.5 Objetivos .................................................................................................................... 19
1.5.1 Objetivo geral .................................................................................................... 19
1.5.2 Objetivos específicos.......................................................................................... 19
1.6 Organização da pesquisa............................................................................................. 20
1.7 Considerações iniciais ................................................................................................. 22
Capítulo 2
REFERENCIAL TEÓRICO .................................................................................................... 23
2.1. IMAGEM .................................................................................................................... 23
2.1.1 Alfabetismo visual .............................................................................................. 29
2.1.2 Funções e aplicações da imagem ....................................................................... 35
2.2 ILUSTRAÇÃO ............................................................................................................... 39
2.2.1 Gêneros e funções ............................................................................................. 39
2.2.2 Ilustração no campo editorial............................................................................. 42
2.2.3 Livro, capa e ilustração ...................................................................................... 44
2.2.4 A profissão do ilustrador ................................................................................... 54
2.3 CRIATIVIDADE E ILUSTRAÇÃO...................................................................................... 58
2.3.1 Questões teóricas da criatividade, intenção e recepção ................................... 58
2.3.2 Criatividade, persuasão e narrativa na ilustração .............................................. 63
2.3.3 Processo criativo ................................................................................................ 69
2.4 PERCEPÇÃO VISUAL E EMOÇÃO ................................................................................. 76
2.4.1 Percepção visual ................................................................................................ 76
2.4.2 Emoção e design emocional .............................................................................. 80
Capítulo 3
METODOLOGIA ................................................................................................................ 85
3.1 CARACTERIZAÇÃO DA PESQUISA ................................................................................ 85
3.2 ESTRUTURA DA PESQUISA .......................................................................................... 86
3.3 SELEÇÃO DAS AMOSTRAS PARA ANÁLISE ................................................................... 87
3.3.1 Processo de definição da amostragem .............................................................. 88
3.4 MÉTODO DE PESQUISA ............................................................................................... 92
3.4.1 Entrevistas ......................................................................................................... 93
3.4.2 Preparação e planejamento das entrevistas ..................................................... 94
3.4.3 Seleção dos entrevistados ................................................................................. 95
3.4.4 Técnicas de entrevistas ...................................................................................... 96
3.4.5 Análise dos dados .............................................................................................. 97
3.5 ASPECTOS ÉTICOS ....................................................................................................... 97

12
Capítulo 4
CRIAÇÃO DE CAPAS ILUSTRADAS: RELATOS DOS PROFISSIONAIS ................................. 99
Questão 1 ......................................................................................................................... 110
Questão 2 ......................................................................................................................... 114
Questão 3 ......................................................................................................................... 121
Questão 4 ......................................................................................................................... 133
Questão 5 ......................................................................................................................... 138
Questão 6 ......................................................................................................................... 142
Questão 7 ......................................................................................................................... 146
Questão 8 ......................................................................................................................... 150
Capítulo 5
CONSIDERAÇÕES FINAIS .................................................................................................. 155
5.1 SUGESTÕES PARA TRABALHOS FUTUROS ............................................................. 161
REFERÊNCIAS .................................................................................................................... 162
APÊNDICES ....................................................................................................................... 169
ANEXOS ............................................................................................................................ 177

13
Capítulo 1
INTRODUÇÃO

1.1 CONTEXTUALIZAÇÃO

A trajetória da comunicação humana é marcada pela presença da imagem,


evidente no contexto da interação social desde a época das pinturas rupestres. A
visualidade, o caráter direto e a possibilidade de expressar similaridades com o mundo
real resultam em uma capacidade de transmissão de mensagens que impulsiona cada
vez mais o seu uso. Dessa maneira, nota-se que a sociedade contemporânea está
vivenciando uma vigorosa relação com as imagens, sendo fácil notar a presença de
informações visuais nos mais diferentes contextos.
Em uma situação na qual as imagens ganham destaque, é importante conhecer
a peculiar competência informacional e de criação de relações efetivas com o usuário
(observador), percebidas na atuação desses elementos. Nesse sentido, a presente
pesquisa apresenta diferentes proposições de autores como John Berger (1974), Donis
Dondis (1997), Alberto Manguel (2001), Martine Joly (2012), Sandra Ramalho e Oliveira
(2005) e Wucius Wong (1998), os quais discutem a função comunicacional das imagens
no atual contexto socioeconômico-cultural, baseando suas explanações em aspectos
históricos e sobretudo em características da sintaxe visual.
A sintaxe visual, onde encontra-se o alfabetismo visual, corresponde, por sua
vez, a estudos sobre a leitura da imagem. Segundo essa teoria, as imagens são
compostas por elementos visuais e suas possibilidades de interação, que na concepção
de composições visuais, funcionam como pistas passíveis de serem decodificadas e
interpretadas por seus espectadores, de forma a viabilizar a leitura plena da imagem em
questão.
Nesse panorama, a ilustração é apresentada como imagem funcional composta
por elementos que a partir de organização estruturada, são capazes de comunicar
mensagens específicas e promover conexões ativas com seus observadores. Ao
entender a complexidade que permeia a esfera da linguagem visual, é importante
levantar dados a respeito dos fatores representacionais, das forças compositivas,
símbolos e demais expressões que contribuem na apreensão dos significados presentes

14
nas ilustrações (DONDIS, 1997).
A ilustração, entendida como modalidade expressiva da linguagem, utiliza-se de
técnicas relacionadas ao domínio das artes, onde talento e anseios pessoais são
aspectos primordiais. Contudo, ressalta-se que está inserida em diferentes campos,
como: Artes Visuais, Artes Gráficas e Design. Nesse sentido, a pesquisa volta-se
especificamente para as áreas do Design Gráfico e Editorial, propondo o recorte quanto
as relações dessas esferas com a ilustração.
De acordo com Cavalcante (2010), a ilustração tem sua origem atrelada às artes
plásticas, e cada vez mais se mostra uma importante parceira do design gráfico. Na
prática, a ilustração se reconhece, interage e se expressa junto ao design, ainda que os
discursos do ilustrador frequentemente se fixem no vocabulário próprio às artes visuais.
No entanto, se observa um movimento contínuo de aproximação e diálogo existente
entre design gráfico e ilustração (CAVALCANTE, 2010, p. 52).
Diante desse paradigma, a abordagem acerca da ilustração como prática pautada
em metodologias do design e em elementos constitutivos da sintaxe visual revela-se
como um importante pilar no desenvolvimento deste projeto. Segundo Cavalcante
(2010, p. 89), as “particularidades de uma ilustração precisam ser identificadas e
valorizadas, a fim de contribuírem para a construção de elementos próprios da
linguagem visual relativa à ilustração”. Silva e Nakata (2016) reforçam que certos
aspectos metodológicos vinculados ao design devem ser levados em conta na produção
de ilustrações, de forma que uma visão projetual, baseada em etapas pré-definidas,
possibilite resultados de sucesso.
No campo do design editorial, os livros se destacam como um mercado ainda
auspicioso, mesmo que nos últimos anos o seu crescimento tenha sido reduzido. Assim,
ao aliar as ilustrações ao livro, se elege as capas ilustradas como objeto de estudo,
entendendo que as ilustrações no campo editorial podem despertar aspectos da
imaginação e gerar reflexões no espectador. No que toca especificamente a ilustração
para capas, Hall (2012) aponta que a sua principal função é estimular as vendas, e na
procura por esse objetivo, ela deve ser composta por elementos que se comuniquem
com o público-alvo, indicando o livro em questão como o mais adequado para ele.
Já na visão de Powers (2008), as capas podem atingir níveis de representação
que vão além da mera função de fomentar as vendas. O autor sugere que a capa pode

15
até parecer um acessório insignificante em relação ao conteúdo da obra, ou ser um mero
fetiche de colecionador ao valorizar o objeto raro sem levar em conta o entendimento
histórico. “Contudo, pode ser uma obra admirável, com significado próprio. Isso torna
as capas algo digno de ser apreciado e analisado, tanto no passado como no futuro”
(POWERS, 2008, p. 135). Em concordância com essa ideia, Oliveira (2008) destaca que a
atenção aos aspectos plásticos de um livro não se justifica somente no auxílio à
competição e à concorrência, como se o livro fosse um produto de prateleira. E
complementa que tal esmero com as questões gráficas e sua qualidade funcionam para
inserir a eternidade do livro na contemporaneidade. A preocupação com a imagem, com
a “configuração gráfica de um livro, não deve apenas ser entendida como um recurso
estetizante apoiado em questões mercadológicas ou na utilização maneirista e
superficial da computação gráfica” (OLIVEIRA, 2008, p. 45).
Por outro lado, ao considerar o livro um objeto transmissor de conhecimento,
devemos tratá-lo como parceiro do saber, o qual tem de ser capaz de atrair a atenção
do possível leitor. Encantar este indivíduo e estimular sua sensibilidade, por meio de
projetos gráficos com ilustrações e designs bem resolvidos, são caminhos para
aproximá-lo do livro afetivamente (VILANOVA, 2010).

Quando se fala em projeto gráfico, entende-se não somente a aplicação


aleatória de elementos artísticos como a ilustração, mas sobretudo uma
tentativa sistemática de diferenciar o livro como produto industrial,
agregando-lhe um grau de programação visual capaz de enriquecê-lo como
objeto de comunicação não-verbal (CARDOSO, 2005, p. 193).

Nesse panorama, há uma abundante pesquisa no Brasil sobre a ilustração em


livros infantil-juvenis, enquanto os objetos dirigidos ao público adulto que carregam
essas imagens ainda são pouco investigados; embora, segundo Cardoso (2005), seja
bastante conhecida a produção brasileira nessa área após meados da década de 1930.
O autor explica que, principalmente a partir da obra de Tomás Santa Rosa, o qual foi
seguido por Edgar Koetz, João Fahrion, Darel Valença Lins, Poty Lazzarotto, Luís Jardim,
Eugênio Hirsch e tantos outros, o Brasil se tornou “um dos países mais ricos na expressão
cultural desse ramo do design” (CARDOSO, 2005, p. 164). Portanto, é importante e atual
a discussão sobre o papel da ilustração como participante da significação no ato da
leitura por outros públicos, como as pessoas adultas e idosos.
Seguindo em temas relacionados ao universo do livro, entende-se que em uma

16
cadeia produtiva deste objeto há a presença de diversos atores, a começar pelo autor,
o editor, o designer, capista e ilustrador, entre outros. Em relação ao papel do ilustrador,
Vilanova (2010) comenta que:

O ato de ilustrar corresponde ao momento em que o ilustrador assume a


posição de leitor e deposita no texto, como coautor, pensamentos e
sensações que a leitura lhe proporcionou. O resultado dessa mesclagem de
linguagens é uma obra (o livro) abrangendo, dentre outras coisas, texto
escrito e ilustrações, elevando estas últimas à função de conviver e contribuir
com a narrativa escrita, perdendo o papel de mero ornamento (VILANOVA,
2010, p. 24).

Nota-se, portanto, a relevância desse profissional no processo editorial, ainda


que o capista e o designer gráfico também interajam durante as diversas etapas
constituintes. Nesse sentido, há também a ideia de que o design é o grande elo de
sustentação da ilustração e, consequentemente, do livro, conforme defende Oliveira
(2008). Com vistas a atingir um melhor entendimento acerca do papel de cada
profissional envolvido na criação do livro, é que a presente pesquisa se coloca. Um
recorte ainda mais pontual restringe-se à capa ilustrada de livro de ficção para o público
adulto. Para a consecução da pesquisa, além de se debruçar na literatura relacionada ao
campo que aqui se apresenta, optou-se por um estudo aplicado junto aos profissionais
envolvidos na criação de livros. A partir da identificação das capas ilustradas premiadas
no concurso de referência na área editorial brasileira que é o Prêmio Jabuti, os
respectivos profissionais laureados foram também identificados e convidados a
participar da pesquisa por meio de entrevistas qualitativas.

1.2 PROBLEMA

O presente trabalho busca responder os seguintes questionamentos: De que


forma se dá a relação entre os ilustradores, capistas e designers no processo de
produção editorial de capas ilustradas de livros? Qual o papel de cada profissional nessa
cadeia produtiva e como se dá o processo criativo da capa e ilustrações nela inseridas?
Como os profissionais da criação conhecem a recepção dos livros pelos leitores?

1.3 JUSTIFICATIVA

Grande parte dos estudos sobre ilustração ainda a colocam como prática
exclusivamente relacionada às questões de estilo, anseios e preferências pessoais do
criador da imagem. Diante desse paradigma, propõe-se preencher lacunas quanto a

17
abordagens mais correspondentes a requisitos contemporâneos, uma vez que a
pesquisa visualiza a ilustração sob o ponto de vista do design editorial com aplicações
específicas nos livros.
A pesquisa é relevante por expandir as discussões da área e aproximá-la de
parâmetros acessíveis do design gráfico e editorial. Outra questão relevante diz respeito
à abordagem específica acerca da ilustração editorial no âmbito do livro, quase sempre
relacionada a literatura infantil-juvenil, como observou-se em materiais bibliográficos
previamente investigados. Sobre essa questão, a investigação busca incentivar e
aprofundar o debate sobre a ilustração como elemento capaz de relacionar-se também
com o público adulto.
Apresenta-se esse elemento como imagem passível de ser construída por meio
de processos metodológicos adaptáveis pelo próprio ilustrador, capazes de
correlacionar questões subjetivas e características técnicas devidamente delineadas às
intenções do projeto a partir do texto do autor da obra literária. Nesse sentido, é
importante revelar o potencial do ilustrador, seu repertório visual, suas habilidades e
sensibilidades, afinal as singularidades particulares.
Ainda que não seja o foco principal, entende-se que o trabalho evidencia o livro
enquanto fonte importante de conhecimento, além de apontar que as iterações afetivas
com os usuários podem ser potencializadas por meio de projetos que visam a
transmissão de mensagens específicas e significados subjetivos atrelados à organização
de elementos gráficos. A pesquisa realizada por esse pesquisador em seu TCC1,
intitulada “O design emocional aplicado ao desenvolvimento da ilustração criativa”
serviu de motivação para a presente pesquisa.

1.4 HIPÓTESES

Ao compreender a ilustração como imagem funcional construída por elementos


da linguagem visual, e considerando a sua inserção no campo do design editorial,
especialmente em projetos de capas de livros como fator norteador desta pesquisa, o
estudo parte das seguintes hipóteses:

1
Trabalho de conclusão do Curso de Design defendido em 2017, orientado pela Prof. Suzi Maria Mariño,
pela Universidade do Estado da Bahia, com período sanduíche em Dun Laoghaire Institute of Art, Design
& Technology, na Irlanda sob a orientação do Prof. Gerard Fox.

18
• Cada vez mais se reconhece no Design Gráfico que a ilustração também poderia
ser pensada como uma categoria a ele relacionada, que possibilitaria a
comunicação de mensagens e a tradução visual de narrativas, acontecimentos e
textos verbais.
• Ilustradores e capistas seriam atores importantes na concepção e produção de
livros, especialmente no que diz respeito a inserção das suas referências visuais,
visões de mundo e processos criativos como facilitadores da interlocução com os
leitores.
• A ilustração, quando estampada em capas de livros de ficção, seria capaz de
potencializar o teor de persuasão e narrativa destes artefatos, seduzindo o
possível leitor ao ponto de este querer saber mais sobre o conteúdo narrativo da
obra literária.
• A troca de informações realizada de maneira rica e eficaz entre ilustradores,
capistas e designers, em comunhão com outros agentes do processo editorial,
seria de grande importância na construção de projetos de capas ilustradas bem
sucedidos.

1.5 OBJETIVOS

1.5.1 Objetivo geral

Entender o papel de ilustradores, capistas e designers no processo de produção


editorial de capas ilustradas de livros de ficção destinados ao público adulto, tendo
como base o processo criativo de profissionais laureados no Prêmio Jabuti entre 2000 a
2019, objetivando apresentar a ilustração como importante ferramenta em projetos da
área.

1.5.2 Objetivos específicos

I. Investigar questões da imagem, com foco na sua função comunicacional e nos


elementos do alfabetismo e linguagem visual;
II. Apresentar conceitos do universo da ilustração, sobretudo no âmbito editorial,
abordando questões da criatividade e funções narrativa e de persuasão;
III. Explanar abordagens sobre a percepção visual e design emocional, ressaltando
suas implicações no nível da subjetividade na relação do leitor com o livro;

19
IV. Estudar as relações entre ilustradores, capistas, designers e outros agentes
inseridos no processo de produção editorial do livro, especialmente no que
tange projetos de capas ilustradas, evidenciando a importância dessas
conexões na construção de projetos exitosos;
V. Aprofundar estudos sobre os processos criativos dos capistas e ilustradores
profissionais envolvidos na produção de capas ilustradas de livros, apontando
como suas especificidades reverberam nos projetos gráficos.

1.6 ORGANIZAÇÃO DA PESQUISA

O fluxo metodológico da pesquisa, apresentado de maneira simplificada na


Figura 1, é composto por cinco capítulos (diferenciados por cor) que caracterizam as
etapas de desenvolvimento da pesquisa e as principais atividades que foram
desenvolvidas com o intuito de alcançar os objetivos geral e específicos.

Figura 1 – Estrutura simplificada da pesquisa

Fonte: elaborado pelo autor (2020)

20
O capítulo 1 diz respeito a introdução, com contextualização do problema,
perguntas centrais da pesquisa, objetivos, hipóteses e justificativa. Uma revisão
aprofundada da literatura é apresentada no capítulo 2, referente às questões teóricas
acerca dos temas fundamentais e suas conexões.
Nesse estágio, a pesquisa discute a ilustração como imagem constituída por
elementos do alfabetismo visual, capaz de transmitir informações e ser decodificada e
interpretada por seus observadores. Têm-se a ilustração como ferramenta projetual do
design editorial, que comunica mensagens específicas sobre diferentes temas, além de
ter a peculiar capacidade de criar vínculos afetivos com os seus receptores.
Assim, para melhor compreender como acontecem essas relações, foram
discutidos, com base em referencial bibliográfico obtido a partir de livros, artigos, teses
e dissertações, temas como: (i) as imagens, suas teorias e conceituações específicas
sobre o alfabetismo visual; (ii) a função comunicacional das imagens e suas aplicações;
(iii) características do universo da ilustração (apresentando-a como imagem construída
a partir de processos metodológicos bem definidos e relacionados ao campo do design);
(iv) gêneros das ilustrações e principais funções; (v) características da ilustração no
campo editorial e sua relação com o universo dos livros; (vi) questões teóricas da
criatividade, persuasão e narrativa da ilustração, bem como o processo criativo dos
ilustradores; e (vii) fatores humanos relacionados aos processos perceptivos e
emocionais na relação do usuário com produtos de design.
No capítulo 3 é abordada a metodologia para desenvolvimento da pesquisa
aplicada, incluindo as etapas para a consecução dos objetivos, com descrição e
delineamento dos processos metodológicos a serem executados, tais como os critérios
para seleção das amostras (exemplares de capas e profissionais) e método para coleta
de dados.
Dessa forma, para consecução dos objetivos da pesquisa, buscou-se
correlacionar questões discutidas nos diferentes tópicos apresentados, além de avaliar
as hipóteses a partir da aplicação de entrevistas com profissionais e material editorial
de sua produção profissional.
O capítulo 4 refere-se tanto a explanação dos resultados obtidos a partir das
análises, quanto as discussões suscitadas, e, por fim, o capítulo 5 apresenta as
considerações finais do trabalho e a indicação de pesquisas futuras.

21
1.7 CONSIDERAÇÕES INICIAIS

Deve-se aqui esclarecer que a pesquisa inicial intitulada Ilustração e emoção:


estudo de capas ilustradas de livros de ficção destinados ao público adulto, aprovada
no Exame de Qualificação na data dia 18 de novembro de 2019 sofreu alterações em
razão do estado de emergência da COVID-19. As pesquisas individuais e presenciais com
os receptores, possíveis leitores dos livros selecionados, estavam iniciando no mês de
março de 2020 e foram interrompidas.
No sentido de dar continuidade ao estudo, sem prejuízos aos atendimentos dos
prazos de defesa do mestrado, os objetivos foram ajustados. Inicialmente o “leitor” era
o foco principal e o “profissional” (ilustrador, capista ou designer) configurava como
secundário. A pesquisa tomou rumo em direção ao inverso. O elemento central da
pesquisa passou a ser o “profissional” e o “leitor” um ator, importante em seu papel,
mas não mais o protagonista da pesquisa.
Os procedimentos metodológicos, nesse caso entrevistas individuais com os
profissionais, por conta da impossibilidade de encontros presenciais foram realizadas de
maneira remota.

22
Capítulo 2
REFERENCIAL TEÓRICO
2.1. IMAGEM

Diante das múltiplas possibilidades de aplicação das imagens nos dias atuais, e
ao considerar as capas ilustradas de livros voltados ao público adulto como objeto de
estudo da presente pesquisa, é importante conhecer sobre a inserção das imagens no
âmbito da comunicação humana, compreendendo elementos que sustentam a teoria
da sintaxe visual. Segundo Joly (2012, p 136), “interessar-se pela imagem é também
interessar-se por toda a nossa história, tanto pelas nossas mitologias quanto pelos
nossos diversos tipos de representações”.
A sociedade contemporânea é marcada pela presença expressiva de informações
visuais que transmitem mensagens de diferentes naturezas, o que suscita discussões
sobre uma “civilização da imagem” (JOLY, 2012). Nesse sentido, com composições
projetadas por meio de processos detalhados, baseados em referencial específico e
focados no observador, são inúmeras as possibilidades de veiculação de imagens que
têm algo a dizer e que carregam consigo os recursos para a transmissão de mensagens.
Segundo Manguel (2001), as imagens mais antigas criadas pelo ser humano
destacavam a necessidade de expressão do “ser”. Por meio de linhas simples e borrões
coloridos, representavam-se significados de comunicação, memória e aviso, que
marcavam a presença dos indivíduos naquele tempo e espaço. O autor comenta que,
antes mesmo das figuras de animais e das reproduções de situações do cotidiano, o
humano riscou traços e estampou a palma da mão em cavernas, com o intuito de
expressar sua existência por meio do preenchimento do vazio.
De acordo com Dondis (1997), por conta das suas similaridades em diferentes
níveis com a experiência real, a imagem vem sendo usada como instrumento de
sustentação para o conhecimento há bastante tempo, tendo a qualidade objetiva das
informações como um dos fatores que apontam para a tendência à informação visual.
Considerando esse caráter direto, Marshall e Meachem (2010) apontam que o uso das
imagens é perceptível ao longo da história humana, e que, por mais que algumas
culturas tenham concebido diferentes formas de comunicação, elas sempre ocuparam
lugar de destaque.

23
Alguns dos primeiros exemplares são encontrados em cavernas, como as
dramáticas e grandes pinturas nas cavernas de Lascaux na França, que datam
de 15.000 a 10.000 a.C. Inicialmente, as imagens constituíam a base de toda
comunicação (MARSHALL; MEACHEM, 2010, p. 9).

Figura 2 – Pinturas rupestres nas cavernas de Lascaux, França

Fonte: site archeologie.culture2

Ramalho e Oliveira (2005) testemunha que, ao analisar as composições gráficas


rupestres realizadas por homens e mulheres na pré-história, pode-se depreender que a
reflexão sobre as percepções e sensações evocadas pelos elementos constitutivos das
imagens é um fenômeno que ocorre desde tempos longínquos. Ratificando este
pensamento, Joly (2012) explica que:

[...] esses desenhos destinavam-se a comunicar mensagens, e muitos deles


constituíram o que se chamou “os precursores da escrita”, utilizando
processos de descrição-representação que só conservavam um
desenvolvimento esquemático de representações de coisas reais (JOLY, 2012,
p.17).

Para Dondis (1997), a função de apresentar interpretações do mundo real,


vinculada às imagens, mostra-se imprescindível para a experiência visual humana, que,
por sua vez, é essencial na compreensão do ambiente e no aprendizado das ações e
reações perante a ele. A autora acrescenta que, as inscrições nas cavernas caracterizam-
se como o relato histórico mais antigo da informação visual, sendo representações do
meio ambiente tal como este podia ser visto há cerca de 30 mil anos.
Ao avançar na linha do tempo, Marshall e Meachem (2010) indicam que
manuscritos produzidos durante a Idade Média continham imagens que ilustravam os
textos com o intuito de explicar o conteúdo. Os autores acrescentam que naquela época
muitas pessoas eram analfabetas e, por vezes, as imagens eram utilizadas como base

2
Disponível em: http://archeologie.culture.fr/lascaux/en/mediatheque

24
para sermões. Ramalho e Oliveira (2005, p 28) acrescenta que “em períodos históricos,
nos quais a maioria da população não tinha a compreensão do texto escrito, era o código
visual que cumpria o papel de disseminador dos conteúdos bíblicos”.
Berger (1974) e Manguel (2001) corroboram que as imagens produzidas durante
a Idade Média apresentavam sequências narrativas por meio de desenhos que
reproduziam os acontecimentos em um mesmo painel, cena a cena. O caráter narrativo
das imagens sustentava o entendimento mais abrangente das mensagens, uma vez que
os mesmos personagens apareciam diversas vezes na paisagem unificada e em
diferentes momentos da conjuntura (MANGUEL, 2001).
Já no Renascimento, o enfoque narrativo desaparece e evidencia-se o
surgimento dos gêneros pictóricos, resultado do afastamento entre representação
religiosa e representação profana (BERGER, 1974; JOLY, 2012). De acordo com Ramalho
e Oliveira (2005), as discussões acerca da beleza e da arte retomam lugar de destaque
nesse período, sustentadas por correntes filosóficas e levantes artísticos preocupados
com as sensações e a sensibilidade, valores greco-romanos que substituem os
medievais.

Com o desenvolvimento da perspectiva, na Renascença, os quadros se


congelam em um instante único: o momento da visão tal como percebida do
ponto de vista do espectador. A narrativa, então, passou a ser transmitida por
outros meios: mediante “simbolismo, poses dramáticas, alusões à literatura,
títulos” – ou seja, por meio daquilo que o espectador, por outras fontes, sabia
estar ocorrendo (MANGUEL, 2001, p. 25).

Nesse contexto, Marshall e Meachem (2010) apontam a invenção da prensa


tipográfica por Johann Gutenberg, no século XV, como responsável pela produção de
tipos e composições gráficas em massa, causando revolução no uso das imagens para
comunicação de ideias. “Antes disso, [...] nos países ocidentais, tipos e imagens eram
reproduzidos ou por manuscritos e ilustrações, ou por meio da xilogravura, que exigiam
muito tempo para sua produção” (MARSHALL; MEACHEM, 2010, p. 9).

25
Figura 3 – Prensa tipográfica idealizada por Johann Gutenberg

Fonte: site johanngutenbergprint3

É oportuno salientar a correspondência entre a invenção da prensa e a


incorporação mais significativa do objeto livro na sociedade (Figura 3). Segundo Chartier
(1999), em meados da década de 1450, a reprodução de um texto só era exequível por
meio da escrita à mão, e de repente uma nova técnica, baseada nos tipos móveis,
transformou as características da cultura escrita. Foi a partir deste momento que “o
custo do livro diminuiu, através da distribuição das despesas pela totalidade da tiragem,
muito modestas aliás, entre mil e mil e quinhentos exemplares” (CHARTIER, 1999, p. 7).

Contudo, a transformação não é tão absoluta como se diz: um livro


manuscrito (sobretudo nos seus últimos séculos, XIV e XV) e um livro pós-
Gutenberg baseiam-se nas mesmas estruturas fundamentais – as do códex
(CHARTIER, 1999, p. 7).

Burton (2009) concorda ao explicar que o modelo básico do livro persiste ao


longo da história, passando da Roma Antiga à Idade Média, e adentrando uma fase
“industrial” com Gutemberg. Segundo o autor, em todos estes momentos o design do
objeto perdurou, ou seja, a morfologia simples e harmoniosa do livro tal qual a
conhecemos, existe desde os seus primórdios, com poucas e progressivas mudanças,
tendo sido a possibilidade de multiplicação infinita do livro, a principal mudança trazida
pela prensa tipográfica.
Assim, a partir desta breve explanação dos acontecimentos que, de forma
gradual, marcaram a inserção das imagens ao longo da trajetória humana, é possível
depreender o importante papel assumido por elas, e traçar relações sobre os espaços
que ocupam na contemporaneidade. Segundo Joly (2012), por ser um elemento

3
Disponível em: https://johannesgutenbergprint.weebly.com/the-movable-type-printing-press.html

26
significativo na constituição da história humana, o estudo da imagem é algo bastante
complexo.
Dentre as questões que evidenciam tal complexidade, está a presença de
diversos elementos visuais que demandam aplicação planejada, especialmente ao
considerar a heterogeneidade da atual conjuntura social, composta por muitas culturas
singulares (DONDIS, 1997).
Nesse contexto, as imagens devem ser compostas por signos4 capazes de
estabelecer comunicações efetivas com seu público-alvo. Conhecer os receptores da
imagem e o contexto ao qual ela será vinculada é importante para que não ocorram
ruídos na comunicação. Nesse sentido, aspectos como idade, gênero, posição social e
outros elementos socioculturais devem ser considerados na concepção e divulgação das
composições (MARSHALL; MEACHEM, 2010). Marshall e Meachem (2010) ressaltam que
a comunicação visual está em constante estado de mutação, uma vez que acompanha
contínuas discussões acerca das fronteiras sociais e éticas. Dessa forma, mesmo que
existam imagens de entendimento universal, pautadas em esquemas mentais
representativos e arquétipos relacionados à experiência comum a todos os seres
humanos, deduzir que a leitura da imagem é universal mostra-se uma assimilação
errônea, como aponta Joly (2012).
A imagem, assim como ocorre na linguagem verbal, é construída pela
organização de dados que “podem ser usados para compor e compreender mensagens
em diversos níveis de utilidade, desde o puramente funcional até os mais elevados
domínios da expressão artística” (DONDIS, 1997, p. 3). Nessa lógica, Joly (2012) reforça
que a imagem:

[...] indica algo que, embora nem sempre remeta ao visível, toma alguns
traços emprestados do visual e, de qualquer modo, depende da produção de
um sujeito: imaginária ou concreta, a imagem passa por alguém que a produz
ou reconhece (JOLY, 2012, p. 13).

Portanto, no que tange a sua produção, a imagem como arranjo estético é


concebida com o objetivo de fazer-se sensível, capaz de comunicar identidade e

4
Sugere-se aqui o entendimento de signo como algo que designa, comumente, “alguma coisa que aí
está para representar outra coisa”. Quando na semiótica, denomina uma forma da expressão qualquer,
encarregada de traduzir uma “ideia” ou uma “coisa” (GREIMAS; COURTÉS, 2013).

27
significação5 por meio de elementos distribuídos de modo particular em composições
calculadas, não apenas estruturadas como adorno ou decoração (RAMALHO E OLIVEIRA,
2005). A ideia contemporânea a respeito das artes visuais segue rumo à abordagem de
aspectos relacionados à expressão subjetiva e à função objetiva, tendendo à “associação
da interpretação individual com a expressão criadora como pertencente às “belas
artes”, e à resposta à finalidade e ao uso como pertencente ao âmbito das “artes
aplicadas” (DONDIS, 1997, p. 10).
Nesse sentido, a era tecnológica provocou mudanças significativas nos meios de
produzir e comunicar composições visuais, que, segundo Dondis (1997), representam
sinal da capacidade inerente a todo indivíduo de desenvolver e transmitir mensagens.
Mídias como o cinema, a televisão, computadores, celulares e tablets simbolizam o que
chamou de “extensões modernas” dessa capacidade, cada vez mais afastadas da
experiência do fazer humanista. Coelho (2008) corrobora que é necessário entender o
funcionamento das tecnologias disponíveis na contemporaneidade, a fim de
instrumentalizar os criadores de imagens para uma organização mais eficaz dos
elementos.
Sobre essa questão, Oliveira (2008) explana que os meios contemporâneos de
produção de imagens não possuem fontes culturais definidas, por conta da massificação
mercantil dos objetos visuais, que atualmente podem ser feitos de “qualquer coisa” e
por qualquer pessoa, gerando um caos visual.

[...] programas cada vez mais potentes e sofisticados permitem criar


universos virtuais, que podem se apresentar como tais, mas também fazer
trucagens com qualquer imagem aparentemente “real”. Qualquer imagem
passou a ser manipulável e pode perturbar a distinção entre “real” e virtual
(JOLY, 2012, p. 26).

Vale ressaltar que o ponto acima explanado por Joly (2012) é também aplicável
à palavra, uma vez que arranjos textuais, assim como as imagens, possuem condições
de produção (contexto social, cultural, econômico) passíveis de conceber elementos nos
quais não é possível identificar o que é realidade, ficcionalidade e mentira, gerando
interpretações múltiplas.

5
Com base em Greimas e Courtés (2013), a significação pode designar ora o fazer (processo), ora o
estado (aquilo que é significado), e pode, também, ser parafraseada quer como “produção de sentido”,
quer como “sentido produzido”.

28
Ao discutir temas análogos no âmbito do objeto livro, Chartier (1999) aponta
que, o mundo contemporâneo divulga uma promessa de intercâmbio universal dos
saberes e informações, que se opõe a justaposição de identidades singulares,
evidenciando uma espécie de tensão fundamental, pautada na afirmação das
particularidades e no desejo universal.
Esses fatores, por sua vez, influenciam uma nova revolução do livro, que
atualmente prevê diferentes possibilidades de mutação para o texto, como: adaptações
cinematográficas, televisivas, textos eletrônicos e outros (CHARTIER, 1999). A cultura do
livro tem encontrado cada vez mais a informática, e aparelhos como o Kindle da Amazon
e o Sony E-reader surgem com a ambição de substituir o livro impresso como suporte
soberano do texto (BURTON, 2009).
No que tange as imagens, Marshall e Meachem (2010) propõem métodos
alternativos que proporcionam maior interação com a real experiência humana;
segundo os autores, pintura, colagem, fotomontagem, xilogravura, gravura em chapa
de linóleo (linoleogravura), água-forte, litografia e serigrafia são algumas opções de
técnicas que, se aplicadas de maneira eficaz e projetadas para o formato apropriado,
produzem imagens tão interessantes quanto as possibilitadas pelas novas mídias.
Assim, ao considerar o conteúdo aqui apresentado, nota-se que ao longo da
história da comunicação humana, bem como nos dias atuais, independentemente da
técnica ou mídia utilizada na produção e divulgação da imagem, essa deve ser adequada
ao seu público-alvo com a plena capacidade de transmissão de mensagens particulares
(MARSHALL; MEACHEM, 2010).

2.1.1 Alfabetismo visual

A primeira experiência por que passa uma criança em seu processo de


aprendizagem ocorre através da consciência tátil. Além desse conhecimento
“manual”, o reconhecimento inclui o olfato, a audição e o paladar, num
intenso e fecundo contato com o meio ambiente. Esses sentidos são
rapidamente intensificados e superados pelo plano icônico – a capacidade de
ver, reconhecer e compreender, em termos visuais, as forças ambientais e
emocionais (DONDIS, 1997, p. 5).

Diante das discussões anteriores e da citação que abre este tópico, é evidente a
necessidade de se conhecer os elementos constitutivos das informações visuais para a
formação do ser humano, que atua tanto como agente produtor quanto consumidor de

29
imagens. Nesse panorama, muitas comparações entre linguagem verbal e comunicação
visual são realizadas com a finalidade de apontar uma ou outra como a mais eficiente
para o aprendizado. Na visão de Berger (1974), por exemplo, nenhum texto verbal do
passado oferece um testemunho tão assertivo do mundo que cercou sociedades em
outras épocas como as imagens são capazes de indicar. Segundo o autor, nesse sentido,
a imagem é mais rica e precisa do que a literatura.
A presente pesquisa, no entanto, não objetiva colocá-las como concorrentes,
mas apresentá-las como complementares, evidenciando questões sobre o alfabetismo
visual. Ambos os métodos de comunicação foram idealizados com o objetivo de elaborar
sistemas de aprendizagem básicos que fornecessem informações para identificação,
compreensão e produção de discursos, como atesta Dondis (1997). Coelho (2008)
concorda que, assim como na escrita alfabética, a eficiência na tarefa de transmitir
mensagens na comunicação visual depende de conhecimentos e habilidades do
autor/criador. Na atualidade, diante de composições visuais em diversas plataformas,
ter noções sobre a construção das imagens é interessante para uma divulgação mais
ativa das mensagens.
Porém, ainda hoje, muitos pensamentos que distanciam experiências estéticas
de análises verbais são habitualmente disseminados, dificultando a inserção de métodos
para “leitura” de imagens em geral, como indica Joly (2012). Segundo a autora, esses
pensamentos referem-se ao campo imagético como área irredutível às metodologias,
permeado por pensamentos particulares específicos, opostos aos da ciência.
Corroborando com estas assertivas, Dondis (1997) ressalta que a comunicação
visual deveria ser vista como esfera do conhecimento dotada, assim como o alfabetismo
verbal, de estrutura constituída por planos técnicos e definições consensuais que
representam meios de aprendizagem e apreensão de informações. Essa percepção é
fundamental em um contexto no qual os meios de comunicação contemporâneos têm-
se distanciado de alguns aspectos das mídias impressas, dando espaço à divulgação de
ilustrações, formas, cores e outros elementos visuais que são acompanhados pelo texto
verbal, outrora protagonista dessas mídias (DONDIS, 1997). Nota-se, portanto, que a
proposição de aspectos metodológicos para criação e apreensão de elementos
comunicacionais presentes nas imagens é um assunto relevante e atual. Sobre essa
questão, Dondis (1997) explica que:

30
[...] a natureza dos meios de comunicação enfatiza a necessidade de
compreensão dos seus componentes visuais. A capacidade intelectual
decorrente de um treinamento para criar e compreender as mensagens
visuais está se tornando uma necessidade vital para quem pretende engajar-
se nas atividades ligadas à comunicação (DONDIS, 1997, p. 27).

Atualmente, ao considerar o grande número de pessoas inseridas no universo da


comunicação, seja recebendo, compartilhando ou criando informações visuais, ruídos
comunicacionais são ocasionados, dentre outros motivos, pela falta de conhecimento
sobre a elaboração de imagens. Assim como ocorre nos já consolidados padrões de
funcionamento da gramática verbal, o estabelecimento de características para o meio
visual seria significativo para a transmissão e entendimento das composições de
maneira mais abrangente (DONDIS, 1997). Para a proposição de orientações e diretrizes,
portanto, é importante apresentar a imagem como linguagem, na qual existem
elementos particulares, específicos e heterogêneos, que são organizados de forma
escolhida e orientada para melhor representar o seu conteúdo (JOLY, 2012). Nesse
contexto, Ramalho e Oliveira (2005) propõe que cores e formas correspondem à dois
desses elementos, e aponta que:

[...] tudo isso porque a imagem é eloquente. São cores e formas que se
articulam para veicular significados que muitas vezes, mais do que os textos
verbais, ficam impressos na consciência do seu interlocutor. Daí a importância
de estarmos bem equipados para compreender o que as imagens são e o que
elas estão comunicando (RAMALHO E OLIVEIRA, 2005, p. 76).

Falar em “linguagem visual” pressupõe a existência do alfabetismo visual,


correspondente à aprendizagem dos fundamentos constitutivos das imagens, a fim de
promover compreensões e interpretações mais completas. Dondis (1997, p. 26) explana
que não é fácil “desenvolver o alfabetismo visual, mas este é tão vital para o ensino dos
modernos meios de comunicação quanto a escrita e a leitura foram para o texto
impresso”.
Ainda segundo a autora, as análises de informações visuais estiveram por muito
tempo ligadas a questões subjetivas, de gosto ou relacionadas a avalição autoreflexiva
dos seus criadores e observadores, o que as distanciou de possíveis naturezas mais
concretas e factíveis. Contudo, Dondis (1997) ressalta que isso vem mudando, e há
indícios de que aspectos extraídos do alfabetismo verbal podem ser percebidos de
forma análoga em contextos visuais.
31
A sintaxe visual existe. Há linhas gerais para a criação de composições e
elementos básicos que podem ser aprendidos e compreendidos por todos os
estudiosos dos meios de comunicação visual, sejam eles artistas ou não, e que
podem ser usados, em conjunto com técnicas manipulativas, para a criação
de mensagens visuais claras. O conhecimento de todos esses fatores pode
levar a uma melhor compreensão das mensagens visuais (DONDIS, 1997, p.
18).

Na visão de Oliveira (2008, p. 34), “assim como existem os códigos, as


convenções de uma língua que permitem a comunicação do pensamento, a linguagem
não-verbal também possui seus códigos”. Dessa forma, o caráter ágil da imagem na
transmissão de um conteúdo volta à discussão, e aqui vale apontar a rapidez da
percepção visual como um dos seus pilares, que, evocada por elementos constitutivos,
possibilita o reconhecimento simultâneo do conteúdo e da interpretação (JOLY, 2012).
De acordo com Dondis (1997), esses elementos podem ser identificados por um sistema
visual comum a todos os indivíduos; e uma vez estruturado na aprendizagem do
alfabetismo visual, tal sistema implica na expansão da capacidade de ver, entender e,
consequentemente, criar uma mensagem visual.
Ramalho e Oliveira (2005) atesta que o conhecimento acerca da leitura de
imagens inicia-se a partir da etapa configurada pela busca por linhas que delimitam ou
determinam a estrutura principal da composição visual, também chamada de estrutura
básica. A autora acrescenta que a partir das primeiras investigações acerca dessa
macroestrutura, outras informações mais específicas são percebidas, de forma a
sustentar um entendimento da obra visual no seu todo.
Após esse estágio, parte-se para a investigação dos elementos constitutivos
propriamente ditos, como: pontos, cores, planos, formas, escala, direção, tom,
movimento, luz, dimensão, proporção, volume e textura (DONDIS, 1997; RAMALHO E
OLIVEIRA, 2005).

São esses os elementos visuais. A partir deles obtemos a matéria-prima para


todos os níveis de inteligência visual, e é a partir deles que se planejam e
expressam todas as variedades de manifestações visuais, objetos, ambientes
e experiências (DONDIS, 1997, p. 23).

À vista disso, as composições são diretamente influenciadas pelas relações de


combinação entre as partes que formam o conteúdo da mensagem; sendo tais ações
chamadas de procedimentos relacionais (DONDIS, 1997; RAMALHO E OLIVEIRA, 2005).

32
Assim, a leitura da imagem volta-se para o desvelamento das relações compositivas, que
são parte indicativa dos processos adotados pelo criador da imagem, e a partir das quais
é possível remontar as significâncias e sentidos6 incorporados à informação visual
durante a sua concepção (RAMALHO E OLIVEIRA, 2005).
Nota-se, portanto, que o sistema visual citado anteriormente é passível de
alterações provocadas a partir do que Dondis (1997) chamou de “temas estruturais
básicos”. Isso sinaliza a complexidade da sintaxe visual, que tem como um dos seus
pontos basilares as estruturas compositivas, pautadas em questões ligadas à
personalidade dos seus criadores. De acordo com Ramalho e Oliveira (2005, p. 25), em
“cada texto visual está registrado um discurso, evidenciando uma visão especifica do
seu criador, ou seja, o modo como o autor da obra vive e vê o mundo também é
mostrado na sua criação”.
Nessa perspectiva, para que não ocorram falhas na transmissão das mensagens,
as imagens devem conter signos acessíveis aos seus espectadores, e não somente a
indivíduos treinados, como: artistas, designers ou artesãos (DONDIS, 1997). Os
fenômenos imagéticos, seja pintura ou ilustração, por exemplo, são fenômenos de
comunicação, e não esfinges indecifráveis de acesso restrito a uma elite de críticos,
como aponta Oliveira (2008). Isso não significa, no entanto, que as composições não
possam apresentar âmbitos acerca das visões de mundo e características relacionadas
ao contexto que envolve o criador; mas sim, que esses aspectos sejam trabalhados com
foco na comunicação efetiva com o público-alvo (RAMALHO E OLIVEIRA, 2005).

O processo de composição é o passo mais crucial na solução dos problemas


visuais. Os resultados das decisões compositivas determinam o objetivo e o
significado da manifestação visual e têm fortes implicações em relação ao que
é percebido pelo espectador. É nesta etapa vital do processo criativo que o
comunicador visual exerce o mais forte controle sobre seu trabalho e tem a
maior oportunidade de expressar, em sua plenitude, o estado de espirito que
a obra se destina a transmitir (DONDIS, 1997, p. 29).

Portanto, apesar dos significados atrelados aos elementos compositivos, há


inúmeras maneiras de interpretar a linguagem visual, visto que, diversamente da
comunicação falada ou escrita, esta é uma linguagem sem leis evidentes (WONG, 1998).
Assim, um profissional do desenho pode até trabalhar sem o conhecimento consciente

6
O sentido como “aquilo que fundamenta a atividade humana enquanto intencionalidade” (GREIMAS;
COURTÉS, 2013, p. 456-457).

33
dos princípios ou conceitos relacionados à visualidade, mas, segundo Wong (1998),
assim como gosto pessoal e sensibilidade, uma compreensão completa destes fatores
seria crucial na ampliação da capacidade de organização visual.
O potencial sintático atrelado às imagens é consequência de um processo de
compreensão acerca da disposição e ordenação dos elementos estruturais presentes no
alfabetismo visual, levando em conta as implicações em termos de significado que tais
organizações suscitam no processo da percepção humana (DONDIS, 1997).
Atualmente, no campo da linguagem visual, a originalidade é característica
essencial para a imagem, que traz consigo conceitos estéticos que a diferencia das
tradicionais composições, evidenciando traços da liberdade organizacional em
informações visuais, como aponta Ramalho e Oliveira (2005). A autora complementa
que “quanto mais violada a norma vigente, tanto mais original, criativa e eloquente será
a imagem; pois ela se diferenciará das demais da sua classe; ela se destacará”
(RAMALHO E OLIVEIRA, 2005, p. 27).
No entanto, tendo em vista a proposição de métodos para leitura de imagens,
possibilitados por etapas de investigação sobre elementos compositivos, faz-se
importante não regras, mas o estabelecimento de algumas recomendações que
caracterizem de maneira mais geral as possibilidades de entendimento e apreensão dos
significados atrelados às imagens. No estudo da “significação na imagem, a adoção da
segmentação do texto em elementos, procedimentos, planos, se dá, de forma
metodológica, para efeitos de análise” (RAMALHO E OLIVEIRA, 2005, p. 34).

O desconstruir e o reconstruir a imagem, sempre consideradas as inter-


relações desses elementos e planos, o recriar o texto, reconstituindo-o a
partir dos dados oferecidos pelo plano da expressão e seu relacionar com o
plano do conteúdo, são estratégias às quais se recorre na busca de meios para
uma reeducação da cognição mediada pelos sentidos, através da
diversificação dos modos de ver (RAMALHO E OLIVEIRA, 2005, p. 34).

Nessa lógica, assim como acontece na comunicação verbal, é recomendável que


características ambíguas sejam evitadas na comunicação visual; pistas imagéticas que
dão margem a entendimentos imprecisos devem ser rejeitadas com vistas à uma
interação eficaz (DONDIS, 1997). As imagens devem expressar ideias da maneira mais
simples e direta possível, pois, segundo Dondis (1997), a sofisticação excessiva e
complexa representa uma dificuldade intercultural na comunicação visual.
É por meio da organização assertiva dos elementos compositivos que a
34
“inteligência visual aumenta o efeito da inteligência humana e amplia o espírito criativo.
Não se trata apenas de uma necessidade, mas, felizmente, de uma promessa de
enriquecimento humano para o futuro” (DONDIS, 1997, p. 231). Entende-se que a
leitura da imagem, baseada no alfabetismo visual, transforma o caráter passivo dos
observadores por meio do mecanismo que o orienta a transitar de diversos elementos
constitutivos para detalhes, da percepção de procedimentos e técnicas a elementos
estruturais, de aspectos compositivos a macroestrutura (e vice-versa), e deles para a
compreensão das mensagens vinculadas à imagem (DONDIS, 1997; RAMALHO E
OLIVEIRA, 2005).

2.1.2. Funções e aplicações da imagem

Ao entender o funcionamento da linguagem visual, bem como a sua relação com


o poder comunicacional das imagens, faz-se pertinente apresentar estudo sobre as
funções e aplicações das informações visuais na contemporaneidade. Vale ressaltar que
os elementos constitutivos, assim como as pistas contextuais-ambientais e os símbolos7
(inclusive a comunicação verbal), são indispensáveis na transmissão efetiva dos
significados presentes nas imagens (DONDIS, 1997).
Dessa forma, antes do aprofundamento a respeito das funções e usos da
imagem, é necessário destacar que esta pesquisa visa abordá-la em relação ao campo
da aplicação material. Tal especificação mostra-se relevante porque o termo “imagem”
está inserido em diferentes áreas, como, por exemplo, ao tratar-se da “imagem mental”,
segundo Joly (2012), correspondente:

[...] à impressão que temos quando, por exemplo, lemos ou ouvimos a


descrição de um lugar, de vê-lo quase como se estivéssemos lá. Uma
representação mental é elaborada de maneira quase alucinatória, e parece
tomar emprestadas suas características da visão (JOLY, 2012, p.19).

Outra acepção da “imagem” que não condiz exatamente com o foco da pesquisa
faz alusão a estudos baseados em associações sistemáticas que caracterizam um objeto,
indivíduo, uma profissão ou território, por meio da atribuição de características
socioculturais que os distinguem de similares (JOLY, 2012). Nesse contexto, a elaboração

7
Discute-se o uso de símbolo em um contexto apontado por Greimas e Courtés (2013, p. 464) como
não-semiótico, onde o termo admite definição como: “aquilo que representa outra coisa em virtude de
uma correspondência analógica”.

35
da “imagem” de um objeto, por exemplo, é referenciada em justificativas e elementos
gráficos reais, mas o sentido atribuído ao termo ganha dimensões intangíveis. Sobre
essa questão, Joly (2012) apresenta alguns exemplos:

[...] trabalhar a “imagem” da empresa, a “imagem” de determinado homem


político, a “imagem” de determinada profissão, a “imagem” de determinado
tipo de transporte etc. tornou-se a expressão mais comum no vocabulário do
marketing, da publicidade ou dos ofícios da comunicação sob todas as suas
formas: imprensa, televisão, comunicados de empresas ou de coletividades
locais, comunicados políticos e assim por diante (JOLY, 2012, p. 21).

Assim, muitas são as formas de classificação de gêneros da imagem. Coelho


(2008) discute as particularidades da informação visual sob a ótica da sua natureza,
indicando diferenças entre as que carregam traços realistas (miméticas ou de “efeito
fotográfico”) e as imagens de síntese. Por outro lado, Joly (2012) explana singularidades
que distinguem a imagem fixa da imagem animada, e aponta características acerca da
“imagem de mídia” e suas aplicações, desde a televisão ao desenho e gravura. Já a
abordagem sugerida por Manguel (2001), diz respeito à leitura de imagens sob a ótica
da tradução de histórias em diversas vertentes da comunicação visual, de forma a
identificar o caráter das composições como representações de: narrativa, ausência,
enigma, testemunho, compreensão, pesadelo, reflexo, violência, subversão, filosofia,
memória e teatro.
Há ainda outras maneiras de categorizar imagens, seja por meio de parâmetros
sobre os materiais e técnicas, ou identificando os meios de divulgação adotados.
Contudo, o foco da atual pesquisa volta-se para o reconhecimento das imagens por meio
das suas funções, recurso também proposto por Joly (2012) e Ramalho e Oliveira (2005),
respectivamente:

[...] a função da mensagem visual é também, efetivamente, determinante


para a compreensão de seu conteúdo (JOLY, 2012, p. 55).
[...] parece claro que as imagens se prestam para diversas finalidades, que
podem ser chamadas de funções, e que essas funções podem se alterar ao
longo do tempo (RAMALHO E OLIVEIRA, 2005, p. 9).

Ramalho e Oliveira (2005) explana que, no vasto campo das imagens, diversas
funções podem ser identificadas, dentre as quais, destacam-se a epistêmica,
informativa, persuasiva e estética. Joly (2012) aponta que especialmente a função
comunicativa deve ser utilizada como orientação no processo de classificação dos
diferentes tipos de imagens. Para a sustentação dessas funções, os profissionais

36
criadores utilizam-se de três níveis distintos de dados visuais que compartilham do
mesmo propósito de transmissão de mensagens (DONDIS, 1997).
Segundo Dondis (1997), o nível representacional (1) diz respeito as informações
detectáveis com base em pistas relacionadas ao meio ambiente e experiência, sendo
pautado no que pode ser visto e identificado. Já o abstrato (2) está vinculado a qualidade
cenestésica de fatos visuais, os quais são reduzidos aos seus elementos mais básicos,
relacionados aos fatores emocionais e primitivos da criação das mensagens. Por outro
lado, o nível simbólico (3) refere-se ao “vasto universo de sistemas de símbolos
codificados que o homem criou arbitrariamente e ao qual atribuiu significados”
(DONDIS, 1997, p. 85).
De acordo com a autora, os níveis apresentam particularidades que permitem
estudo individual sobre o potencial produtivo em relação às mensagens, além da
investigação sobre o grau de reação que suscitam no processo da percepção visual.
Nesse sentido, Dondis (1997) destaca que a variação das características é percebida nas
possibilidades de aplicação dos meios de comunicação visual, uma vez que cada um
deles demanda metodologias distintas de uso dos elementos estruturais e organização
planejada acerca dos materiais e técnicas. A autora complementa que, dentre as
possibilidades no campo das artes visuais que transmitem mensagens por meio das
relações entre os níveis, estão: artesanato, desenho industrial, televisão, fotografia,
ilustração, pintura, cinema, escultura, design gráfico e arquitetura.

Quando lemos imagens – de qualquer tipo, sejam pintadas, esculpidas,


fotografadas, edificadas ou encenadas -, atribuímos a elas o caráter temporal
da narrativa. Ampliamos o que é limitado por uma moldura para um antes e
um depois e, por meio da arte de narrar histórias (sejam de amor ou de ódio),
conferimos à imagem imutável uma vida infinita e inesgotável (MANGUEL,
2001, p. 27).

Nota-se que em todas as aplicações supramencionadas, as indicações sobre uso


do material, elementos gráficos, contexto, estilo e natureza, configuram parte
fundamental na apreensão do conteúdo da imagem criada. Assim, vale ressaltar que as
discussões sobre os parâmetros de classificação e estudo dos níveis compositivos,
testemunham a busca da imagem por uma comunicação efetiva com seu espectador.
Segundo Dondis (1997, p. 184), toda “forma visual concebível tem uma capacidade
incomparável de informar o observador sobre si mesma e seu próprio mundo, ou ainda
sobre outros tempos e lugares, distantes e desconhecidos”.
37
Portanto, ao perceber a imagem como mensagem visual capaz de revelar pontos
sobre as pessoas e o mundo que criaram e permeiam, depreende-se que roupas, objetos
decorativos, edifícios públicos, casas, anúncios publicitários e obras de arte são
elementos visuais que sustentam a compreensão contextual de culturas específicas
(DONDIS, 1997; JOLY, 2012). De acordo com Dondis (1997, p. 183), os dados visuais
“podem transmitir informação: mensagens especificas ou sentimentos expressivos,
tanto intencionalmente, com um objetivo definido, quanto obliquamente, como um
subproduto de utilidade”.
A partir da compreensão do papel da imagem na sociedade, deve-se assumir
olhar analítico quanto a função desempenhada por suas informações em cenários
particulares (JOLY, 2012). Na atual conjuntura, são inúmeras as possibilidades de
inserção das imagens no cotidiano, desde as mais evidentes, como no design (editorial,
web, informação, produto e moda), arquitetura, marketing e publicidade, até as menos
óbvias como arqueologia e educação (MARSHALL; MEACHEM, 2010).
Assim, o conteúdo explorado neste tópico permite entender a imagem como
meio de expressão e comunicação capaz de educar, instruir, emocionar, impulsionar,
persuadir e contextualizar momentos e tradições de culturas distintas (MARSHALL;
MEACHEM, 2010; JOLY, 2012). Sobre essa questão, Dondis (1997) enfatiza que, ao
entender a imagem como potencial meio transmissor de mensagens que objetivam
contar, expressar, explicar, dirigir, inspirar ou afetar, infere-se que, na pretensão de
intensificar tais intenções, a organização dos elementos visuais é realizada com vistas a
se obter o controle máximo das respostas.

38
2.2. ILUSTRAÇÃO

2.2.1 Gêneros e funções

Com base no conteúdo anteriormente apresentado, a ilustração pode ser


classificada como imagem capaz de traduzir textos, situações e informações específicas
por meio de composições visuais passíveis de interpretações e análises. De acordo com
Cavalcante (2010, p. 37): “a ilustração é entendida, em geral, como uma arte visual que
produz imagens para comunicar uma informação concreta a partir de um conteúdo
descritivo ou analítico”. Dondis (1997) corrobora que a ilustração faz parte da esfera das
artes visuais capazes de comunicar-se ativamente com seus observadores, na qual
também estão inseridos: escultura, arquitetura, pintura, design gráfico, artesanato,
desenho industrial, fotografia, cinema e televisão. Nesse contexto, Scheinberger (2019,
p. 155) enfatiza que: “ilustrar nada mais é do que se comunicar. Através de imagens,
contamos histórias, descrevemos cenas e entretemos”.

Seja para evidenciar algum ponto, esclarecer um determinado assunto ou


tornar mais eficaz e prazerosa a leitura de uma publicação, a ilustração é fator
decisivo na transmissão de mensagens (SILVA; NAKATA, 2016, p. 1492).

Infere-se que a ilustração tem como ponto de partida um texto ou conteúdo, e,


mesmo que sofra influências estéticas de movimentos da conjuntura social vigente, está
comprometida com uma informação específica, fato que evidencia o seu caráter
funcional (CAVALCANTE, 2010).
Na realização dessas funções, os ilustradores utilizam o desenho como uma
caligrafia, cada um com a sua, segundo Oliveira (2008). O autor complementa que o
desenho representa letras com as quais se compõe sentenças visuais e narrativas. A
atividade do desenho, portanto, é disciplina fundamental para a ilustração,
demandando conhecimentos e capacidades de compreensão pautados na percepção
visual e técnicas da linguagem visual (ELUF, 2017).

A ilustração é um meio significativo para narrar fatos, personalidades,


comportamentos, acontecimentos cotidianos, ou seja, pode relatar uma
época em imagens, consolidando um acervo visual da memória gráfica de um
lugar e de um momento histórico (CAVALCANTE, 2010, p. 60).

A essência de uma ilustração pode variar de acordo com o contexto ao qual está
inserida, abrangendo “desde desenhos detalhados de máquinas desenvolvidos para
explicar seu funcionamento, até desenhos expressivos feitos por artistas talentosos [...],

39
que acompanham um romance ou um poema” (DONDIS, 2003, p. 205). Com base em
estudos especialmente voltados às ilustrações vinculadas ao objeto-livro, Lacerda (2018)
defende que:

[...] é necessário lembrar que suas possíveis construções de significado estão


entrelaçadas não apenas com o texto que acompanha, mas também com a
sequência de seu conjunto e o suporte que a contém. A ilustração se distingue
como arte visual pelo seu caráter inerente de reprodução gráfica do objeto-
livro. Se retiramos a ilustração do objeto modificamos sua essência (LACERDA,
2018, p. 157).

Nesse cenário, existe uma grande variedade de gêneros que compõe o universo
da ilustração, sendo as funções das imagens, utilizadas como parâmetros de
diferenciação. De acordo com Camargo (1995 apud CAVALCANTE, 2010), ao considerar
o objetivo principal das ilustrações em detrimento dos seus fatores formais, elas podem
ser distribuídas em oito grupos a partir das suas funções, sendo elas: pontuação,
descritiva, narrativa, simbólica, expressiva/ética, estética, lúdica e metalinguística.
Segundo Cavalcante (2010, p. 39): “a ilustração descritiva [...] busca a literalidade da
informação e direciona a análise para a esfera da relação direta com o conteúdo e, por
isso, é tratada pontualmente e sem profundidade”.
Sobre a ilustração lúdica, de natureza antagônica à descritiva, Cavalcante (2010,
p. 81) destaca que: “a própria ilustração pode transformar-se em um jogo, pois o “quê”
e o “como” se representa assumem um caráter lúdico”. Scheinberger (2019) endossa
essa afirmativa, ao tratar particularmente das imagens que se assemelham ao “mundo
que contemplamos quando estamos de olhos fechados”, apontadas como
emocionalmente mais apreciáveis do que as imagens de âmago excessivamente realista,
sobre as quais destaca: “[...] imagens realistas, texturas claras e superfícies concretas
apelam para pontos de vista mais objetivistas e, portanto, emocionalmente mais
distantes” (SCHEINBERGER, 2019, p. 20).
Por outro lado, Zeegen (2009) destaca que as ilustrações podem ser usadas com
o objetivo de registrar, representar ou retratar, e acrescenta:

O desenho pode ser de observação ou de interpretação, pode refletir uma


atmosfera ou um momento, ou ser utilizado meramente para expressar
informações. O desenho é uma disciplina ampla e, em se falando de
ilustração, é levada ao limite pelas mãos de ilustradores (ZEEGEN, 2009, p.
50).

Na visão de Oliveira (2008), a ilustração pode se encaixar em três categorias

40
distintas de acordo com a sua função. Dessa forma, a ilustração (1) informativa, diz
respeito a imagem como representação real e científica, correspondendo a transmissão
de conteúdos informativos, já a ilustração (2) persuasiva, relaciona-se com o marketing
e a publicidade, objetivando o convencimento (persuasão) de um potencial consumidor,
e, por outro lado, a ilustração (3) narrativa é impreterivelmente vinculada a uma
narrativa, normalmente representada por um texto verbal.
Em levantamento realizado como parte de uma pesquisa sobre a incidência de
ilustrações em livros destinados ao público adulto, as autoras Saddy e Farbiarz (2014)
consideraram, com base na função de acompanhamento de um texto verbal, três
categorias de ilustrações, sendo elas: (i) imagens fotográficas, cuja técnica é a fotografia
e a fotomontagem, sejam elas analógicas ou digitais; (ii) imagens sintéticas, cuja técnica
pode variar entre desenho e pintura, sejam eles elaborados por meios tradicionais ou
digitais; e (iii) imagens de conteúdo misto, que são aquelas que misturam as categorias
anteriores (SADDY; FARBIARZ, 2014, p. 2683).
Independente do gênero, categoria, dos tipos e das formas, a ilustração tem na
representação visual a sua ferramenta de singularidade, com a qual são evidenciadas as
suas intenções e os meios que utilizou para alcançá-las, como aponta Cavalcante (2010).
Segundo a autora, “assumir a riqueza do universo da ilustração é um desafio e um
caminho para o fortalecimento da área, respeitando as diferenças existentes e abrindo
possibilidades futuras” (CAVALCANTE, 2010, p. 65).
Vale ressaltar que os meios utilizados na concepção das ilustrações, sejam elas
descritivas, lúdicas, persuasivas, informativas ou de outras naturezas, também são
inúmeros, uma vez que, qualquer técnica com que se produz uma imagem é passível de
ser utilizada para fazer uma ilustração. Assim, entende-se que no cenário
contemporâneo tudo já foi experimentado, desde técnicas tradicionais a recursos
inusitados, e, portanto, sendo a ilustração uma imagem que na maior parte das vezes
será experienciada por meio da reprodução, pode ser feita até de matérias
absolutamente efêmeras.
Dessa forma, o mais interessante nessa profusão de estilos e possibilidades
técnicas que permeiam o universo da ilustração, é estabelecer um critério dialógico
entre a forma de representação e o conteúdo, para além das discussões subjetivas
quanto a “beleza” das imagens (LACERDA, 2018). Nesse sentido, o fator determinante é

41
a escolha do ilustrador, seu olhar e o que aquele trabalho específico suscita. Oliveira
(2008) vai além, e considera que a ilustração, quando realizada em sua plenitude técnica
e artística, não é mais um objeto circunstancial, podendo tornar-se uma obra autônoma,
assumindo novas funções.
2.2.2 Ilustração no campo editorial

As possibilidades de inserção da ilustração no mercado de comunicação


contemporâneo podem demandar processos projetuais específicos, diferentes daqueles
vivenciados em momentos de livre criação. Segundo Zeegen (2009), dominar os
processos da ilustração no conforto do ateliê é muito diferente de trabalhar com
projetos contratados, com um “briefing8 de verdade”, com clientes e prazos reais.
Na visão de Hall (2012), a partir dos rigorosos processos que envolvem a
construção da carreira profissional e a consolidação de um estilo próprio, os ilustradores
são capazes de solucionar qualquer projeto que perpassa por áreas da aplicação de
imagens, seja o mercado editorial, identidade corporativa, publicidade, moda ou
entretenimento. O importante é que as composições visuais sejam capazes de competir
pela atenção dos espectadores, com potencial poder de persuasão, tendo em vista que
a sociedade está permeada por uma infinidade de imagens, em um contexto no qual a
comunicação gráfica é cada vez mais digital e veloz (ZEEGEN, 2009). A comunicação
visual “está on-line, na tela, para download e upgrade. Nunca antes fomos tão
bombardeados de todos os lados, tão saturados de imagens, tão atingidos pelo
marketing e tão manipulados pela mídia” (ZEEGEN, 2009, p. 86).
Diante de tais circunstâncias, estimulantes para a produção de novas ilustrações,
a presente pesquisa discute domínios relacionados ao campo do mercado editorial, um
dos mais importantes para a perpetuidade dessas imagens em projetos comerciais. De
acordo com Hall (2012, p. 76), “os conteúdos editoriais refletem todos os aspectos da
vida – os desejos e as preocupações das pessoas, suas aspirações e seus interesses, além
da necessidade constante de manterem-se atualizadas”.
Para Dondis (1997), os aspectos criativos como a fantasia e a imaginação,
presentes nas ilustrações, são responsáveis pela contínua procura dessas imagens para

8
O briefing é o ato de proporcionar informações e instruções concisas e objetivas sobre uma missão ou
tarefa a ser executada que geralmente precede o processo de design.

42
o mercado editorial, que nutre certa relação de dependência com profissionais da
ilustração. O resultado da relação entre palavras e imagens vem sendo apresentado em
canais difusores de informações há bastante tempo, pelo menos desde o século XVII,
com o surgimento do jornal e da revista, como sugere Hall (2012).
Para o autor, os constantes avanços tecnológicos influenciaram na inserção da
internet na esfera das mídias editoriais, apontando-a como responsável por divulgar
informações para uma parcela cada vez mais significativa de usuários a nível global.
Dessa forma, os “ilustradores também têm se favorecido nesse ambiente, usando a
internet como uma ferramenta de marketing, e aproveitando as novas oportunidades
de trabalho que ela oferece” (HALL, 2012, p. 78).
A construção das mídias editoriais segue um certo padrão, sendo o resultado da
união entre fotografias, ilustrações e textos verbais que compõem jornais, revistas,
livros e sites editoriais (HALL, 2012). Tratando-se especificamente do caso das revistas,
Zeegen (2009) aponta que, as diversas abordagens e nichos de mercado refletem no alto
número de contratações de ilustradores na área, a qual hoje está repleta de publicações
empresariais, focadas na concepção de projetos para seguradoras, bancos, escolas,
linhas aéreas, lojas e supermercados que apostam na linguagem visual como meio de
comunicação efetivo.
Assim, ao realizar projetos nesse campo editorial, os ilustradores deparam-se
com a necessidade de estudo aprofundado sobre os temas que serão representados;
tendo em conta que a matéria em questão pode abordar assuntos diversos, como:
relações humanas, neurocirurgia, política, meio ambiente, mobilidade urbana ou
gastronomia (ZEEGEN, 2009). Nesse contexto, as possibilidades “são infinitas e a
flexibilidade na visualização de uma gama de assuntos tem grandes chances de ser a
chave para trabalhar com uma variedade de publicações” (ZEEGEN, 2009, p. 90).
A sessão “Antimatéria” da Revista Galileu (Figura 4) publicada em setembro de
2016 é um exemplo de como as ilustrações são utilizadas na representação de assuntos
variados. A edição em questão contou com trabalhos de dois ilustradores e de um

43
coletivo multidisciplinar, Berje9, Ana Matsusaki10 e Estúdio Barca11, que foram
desafiados a trabalhar com temas como tecnologia, robótica, aquecimento global e
racismo na premiação do Oscar.
Figura 4 – Matérias da Revista Galileu ilustradas com trabalhos de Berje, Ana Matsusaki e Estúdio Barca

Fonte: página do ilustrador Berje na rede social Behance.12

Portanto, entende-se que a ilustração editorial se utiliza da rapidez com a qual a


imagem é capaz de comunicar mensagens, além de representar ponto importante na
organização visual das publicações, funcionando como um convite ao leitor a se engajar
na página (HALL, 2012). Segundo Hall (2012, p. 80), a ilustração evita “blocos de textos
que poderiam desestimular o leitor, e apresenta a narrativa de maneira direta e sucinta,
com melhor resultado do que uma fotografia retirada de algum banco de imagens”.

2.2.3 Livro, capa e ilustração

No que se refere ao universo dos livros, artefatos da cultura material criados


como resposta a uma necessidade de armazenar e promover conteúdo específico sobre

9
Natural de Guararema, atualmente vive e trabalha na capital de São Paulo. O foco do seu trabalho é a
direção de arte, ilustração e design gráfico. Atua como sênior visual designer e ilustrador no Nubank,
além de realizar trabalhos como freelancer.
10
Ilustradora paulistana com formação em Design Gráfico, atualmente tem estúdio próprio e realiza
projetos sobretudo no campo editorial. Alguns dos seus clientes: Editora Moderna, Editora do Brasil e
Editora Abril.
11
Estúdio multidisciplinar estabelecido em São Paulo. Trabalha com identidade visual, ilustração, design
editorial e outras esferas da comunicação visual. Já realizou projetos para empresas como: Globo TV,
SKOL, Spotify, GOL, Google e NuBank.
12
Disponível em: <https://www.behance.net/gallery/56693035/Galileu-Antimatria>.

44
culturas particulares, observa-se que se destacam pelo uso de ilustrações em suas partes
integrantes (HALL, 2012). De acordo com Hall (2012), são inúmeros os gêneros textuais
no mercado editorial que utilizam-se de ilustrações na transmissão de mensagens,
como: clássicos, culinária, policial, teatro, educação, erotismo, ficção, terror, humor,
saúde e bem-estar, família, poesia, romance, ciência, ficção científica, esportes, ficção
infantil-juvenil, medicina e saúde.
Nesse panorama, Linden (2011) explica que os profissionais envolvidos na área,
desde editores, designers gráficos, diretores de arte, capistas, ilustradores e os próprios
escritores têm papéis importantes e correlacionados no processo de criação do objeto-
livro. Portanto, o processo de construção de um livro pressupõe a organização de
conteúdo textual e imagético, indicando a coautoria dos variados agentes produtivos.
Assim, independentemente das consequências na materialidade e/ou no
funcionamento do discurso do livro, causadas por cada atuação, todos os profissionais
objetivam alcançar o leitor da melhor forma possível (LACERDA, 2018).

Ao pensarmos o processo projetual de um livro, que habitualmente se inicia


a partir de um texto consolidado (apesar de essa não ser a única
possibilidade), a diversidade de contextos de uso e possibilidades de solução
para a criação desse objeto são potencialmente infinitas. Ao agregar
materialidade a um conjunto de palavras, diferentes profissionais realizam
inúmeras escolhas que levam a diferentes objetos, diferentes livros, e, por
conseguinte, diferentes experiências de leitura (LACERDA, FARBIARZ, 2019, p.
66-70).

Nesse cenário, quanto à inserção e valorização dos profissionais da ilustração,


Ricardo Azevedo 13 destaca que o espaço para ilustradores em projetos de livros tem se
ampliado. “Hoje é comum um ilustrador ser considerado o coautor dos livros, rachando
os direitos autorais meio a meio com o autor do texto” (MORAES; HANNING;
PARAGUASSU, 2012, p. 97).
Na visão de Vilanova (2010), a ilustração inserida no universo dos livros tem
importância substancial, pois atua no enriquecimento da leitura, tendo em vista a sua
capacidade de despertar a curiosidade do leitor. Nesse cenário, a ilustração proporciona
“mensagens visuais para uma história escrita, [...] contando-a de maneira lúdica,
incitando a busca pelo conhecimento, a partir de aventuras maravilhosas” (VILANOVA,

13
Escritor, ilustrador, compositor e pesquisador paulista, nascido em 1949, autor de vários livros para
crianças e jovens. Formado em comunicação visual pela Faculdade de Artes Plásticas da Fundação
Armando Álvares Penteado (FAAP), é mestre em Letras e doutor em Teoria Literária (USP).

45
2010, p. 30).
Já na visão de Nikolajeva e Scott (2011), a autoria compartilhada de livros que
contém ilustrações pode influenciar negativamente a interpretação assertiva acerca das
relações estabelecidas entre texto e imagem. De acordo com as autoras, a apreensão
das mensagens se torna cada vez mais complexa na medida em que a quantidade de
profissionais envolvidos na criação do livro aumenta e a colaboração individual de cada
um diminui. “As múltiplas autoria e intencionalidade resultam em ambiguidade e
incerteza na legitimidade da interpretação” (NIKOLAJEVA; SCOTT, 2011, p. 49).
Ainda segundo as mesmas autoras, um texto verbal pode ser representado por
uma ou várias imagens, tornando-se uma história ilustrada; em que as imagens são
dependentes das palavras. Contudo, um único texto pode ser “ilustrado por diferentes
artistas, que transmitem diferentes interpretações [...], mas a história continuará
basicamente a mesma e pode ainda ser lida sem considerar as imagens” (NIKOLAJEVA;
SCOTT, 2011, p. 23).
Para Pascolati (2017), o ilustrador, em consonância com o texto do autor, revela
sua visão de mundo por meio das ilustrações; porém, nessa construção, sempre há lugar
“para a interação do leitor, que integra ao livro a sua própria visão de mundo. E pelo
aspecto inerentemente lúdico e polissêmico da imagem, esse processo de produção de
sentido acolherá sempre novas leituras do mundo do livro e do mundo do leitor”
(PASCOLATI, 2017, p. 8).
Em conformidade com estas explanações, Nikolajeva e Scott (2011) reforçam
que:
[...] tanto as palavras como as imagens deixam espaço para os
leitores\espectadores preencherem com seu conhecimento, experiência e
expectativa anteriores, e assim podemos descobrir infinitas possibilidades de
interação palavra-imagem (NIKOLAJEVA; SCOTT, 2011, p. 15).

Dessa forma, Lacerda (2018) destaca que ao compreender a ilustração enquanto


linguagem narrativa, capaz de singularmente amplificar a função da imagem no
contexto do livro, pode-se depreender relações distintas entre texto e imagem no que
concerne a “construção de sentidos, podendo a imagem repetir, ampliar ou mesmo
discordar do texto em livros compostos por essas duas instâncias significativas”
(LACERDA, 2018, p. 153).
Na concepção de Schwarcz (1982 apud NIKOLAJEVA; SCOTT, 2011), ao considerar

46
as funções das ilustrações, pode-se perceber maneiras distintas de cooperação entre
palavras e imagens, sendo elas: congruência, elaboração, especificação, amplificação,
extensão, complementação, alternância, desvio e contraponto. Por outro lado, Golden
(1990 apud NIKOLAJEVA; SCOTT, 2011, p. 22) discute os seguintes tipos de interação na
narrativa visual-verbal:
i. O texto e as imagens são simétricos (criando uma redundância);
ii. O texto depende das imagens para esclarecimento;
iii. A ilustração reforça, elabora o texto;
iv. O texto carrega narrativa elementar, a ilustração é seletiva;
v. A ilustração carrega narrativa elementar, o texto é seletivo.
Segundo Nikolajeva e Scott (2011), o grande número de possibilidades
relacionais dificulta o estabelecimento de uma terminologia coerente e flexível, mas ao
mesmo tempo evidência a capacidade da ilustração em potencializar a transmissão de
mensagens específicas. Ainda assim, é importante objetivar “uma metalinguagem
internacional abrangente e um sistema de categorias que descrevam a diversidade de
interações texto-imagem” (NIKOLAJEVA; SCOTT, 2011, p. 20).
Diante desse paradigma, as autoras propõem uma classificação dos livros com
base em conhecimentos apresentados por diferentes autores acerca da presença dos
elementos comunicacionais e suas relações (Figura 5). Nessa lógica, os textos narrativos
ou não, estritamente compostos por palavras, são antagônicos aos “livros-imagem”,
“livros de imagem” e aos “livros demonstrativos”, constituídos apenas por ilustrações
(imagens) (NIKOLAJEVA; SCOTT, 2011).

47
Figura 5 – Categorização de livros baseada na incidência de ilustrações e suas relações com o texto
verbal

Fonte: Elaborado pelo autor, adaptado de Nikolajeva e Scott (2011).

À vista das possibilidades de interação e dependência entre palavra e imagem, é


importante destacar a diferença sutil entre livros ilustrados e livros com ilustração.
Segundo Linden (2011, p. 24), os livros ilustrados são “obras em que a imagem é
especialmente preponderante em relação ao texto, que aliás pode estar ausente. A
narrativa se faz de maneira articulada entre texto e imagens”. Sobre os livros com
ilustração, a autora explica que “apresentam um texto acompanhado de ilustrações. O
texto é especialmente predominante e autônomo do ponto de vista do sentido. O leitor
penetra na história por meio do texto, o qual sustenta a narrativa” (LINDEN, 2011, p.
24).
Conforme indicam Nikolajeva e Scott (2011), os processos interpretativos
realizados por leitores acerca da relação palavra-imagem estão cada vez mais
desafiadores para estes usuários; visto que a dupla narrativa vem “introduzindo
ambiguidade, às vezes tão intensa que, quanto mais o texto é lido e as ilustrações são
examinadas, mais incerta parece ser a comunicação” (NIKOLAJEVA; SCOTT, 2011, p.
327). Um dos fatores apontados como motivador dessa complexidade está relacionado
aos aperfeiçoamentos estéticos percebidos nos livros contemporâneos, resultado

48
principalmente da variedade de novas possibilidades de realização e refinamento das
técnicas visuais. Com o avanço dos recursos gráficos, por exemplo, o ilustrador tem uma
grande diversidade de técnicas à disposição da sua criatividade para a construção
narrativa (LACERDA, 2018).
Segundo Linden (2011), a preocupação plástica das imagens e a hegemonia das
mesmas em livros ilustrados tem obtido destaque dentro de um cenário marcado pela
profusão de estilos e repleto de tendências. A autora acrescenta que, o cuidado com a
plasticidade das mensagens linguísticas também é percebido em composições
imagéticas contemporâneas que reproduzem os textos verbais com os mesmos
materiais e técnicas das ilustrações. “Possuindo uma clara preocupação plástica, a
ilustração se diferencia por também possuir uma preocupação narrativa e por valorizar
o caráter literário ao buscar uma poética comum ao texto e à imagem” (LACERDA, 2018,
p. 157).
A ilustradora Eva Furnari, em entrevista à Moraes, Hanning e Paraguassu (2012),
expõe sua opinião sobre como a ilustração deve ser entendida nesse contexto:

Independentemente da sua fonte de inspiração, ela deveria ser avaliada pela


sua qualidade estética, conceitual ou capacidade inovadora. Acredito que
certos ilustradores fazem um trabalho contemporâneo importante, cheio de
vitalidade que influencia estética e humanamente as novas gerações
(MORAES; HANNING; PARAGUASSU, 2012, p. 51).

Entende-se, portanto, que a organização gráfica dos elementos constitutivos de


uma ilustração ganha peculiar importância ao se discutir as capas ilustradas. O primeiro
contato estabelecido entre o leitor (usuário) e o objeto-livro dá-se a partir da sua
interação com a capa, elemento pré-textual que demanda atenção e cuidado especial
dos profissionais responsáveis. Sejam livros ilustrados, livros com ilustrações ou até
mesmo livros cujo miolo é composto exclusivamente por palavras, todos são passíveis
de terem capas ilustradas.

Podemos afirmar que o livro é um objeto com muitas camadas de linguagem.


Uma dessas camadas é o seu projeto gráfico-editorial e nele podemos
identificar, além dos elementos textuais (verbais e visuais), elementos pré-
textuais, como capa, folha de guarda, ficha catalográfica, folha de rosto, e
elementos pós-textuais, como índice e quarta capa (CORRÊA, PINHEIRO e
SOUZA, 2019, p. 74)

Segundo Cardoso (2005, p. 164), no que se refere à produção de livros com capas
ilustradas, o Brasil se destaca “tanto pelo pioneirismo quanto pela originalidade. Em

49
poucos outros lugares do mundo desenvolveu-se tão cedo, tão rapidamente e com tanta
riqueza de soluções a arte de integrar imagem e texto nas capas de livros”. Conforme o
autor, ainda que pouco investigada, a produção brasileira nessa área do design é
bastante significativa, sobretudo após meados da década de 1930.
Contudo, mesmo antes disso, o amplo uso das ilustrações em capas da editora
Monteiro Lobato & Cia (1919-1925) é entendido por aqueles que estudam a história do
livro no Brasil como uma movimentação que rompeu com o padrão então vigente de
capas estritamente tipográficas (CARDOSO, 2005).

Ainda segundo esse senso comum, o livro Urupês (1918), do próprio Monteiro
Lobato e com capa de Wasth Rodrigues, marcaria o início do design de capas
no Brasil, bem como um ponto de partida para a reconfiguração dos projetos
de livros de modo geral, incluindo maior atenção à qualidade tipográfica e à
diagramação do miolo (CARDOSO, 2005, p. 165).

Figura 6 – Capas de Wasth Rodrigues para edições do livro Urupês, publicadas em 1918 e 1919

Fonte: (CARDOSO, 2005, p. 162-163)

Nesse cenário, outro nome que merece destaque é Fernando Correia Dias (1896-
1935), um dos pioneiros na criação de capas ilustradas no Brasil. “Nascido e criado em
Portugal, Correia Dias chegou ao Brasil em 1914 e foi logo introduzido no meio artístico
carioca [...], encontrando aceitação imediata como caricaturista e ilustrador”
(CARDOSO, 2005, p. 171). Após algumas das suas produções, logo passaram a surgir
projetos de capas realizados por vários artistas que seguiram a “trilha aberta por Correia
Dias”, como indica Cardoso (2005).
Fritz (Anísio Oscar Mota) e Paim (Antônio Paim Vieira) foram caricaturistas ativos
nesse campo durante as décadas de 1920 e 1930. Segundo Piqueira (2019), Paim foi um

50
dos artistas mais atuantes e requisitados nessas décadas, e, ainda que seu traço eclético
não tenha colaborado na “obtenção de grande posteridade, [...] possibilitou que ele
executasse projetos de ilustração, letreiramento e capa nos mais variados estilos”
(PIQUEIRA, 2019, p. 43).
As ilustrações impressas na obra de estreia de Alcântara Machado, Pathé-Baby,
de 1926, são assinadas por Paim (Figura 7). Na visão de Piqueira (2019, p. 42), “é difícil
resistir a uma concepção de livro tão amarrada quanto a de Pathé-Baby”. Valêncio
Xavier, escritor, cineasta e roteirista, indica a obra como “o grande momento da
literatura visual no Brasil”, e explica que a narrativa literária deste exemplar “corre em
duas pistas: o filme escrito de Alcântara Machado e o filme desenhado por Paim”
(PIQUEIRA, 2019, p. 42).
Figura 7 – Detalhes do livro Pathé-Baby (1926), com ilustrações de Paim

Fonte: graficaparticular14

Nesse panorama, os artistas plásticos Anita Malffatti, Di Cavalcanti e Tarsila do


Amaral também assinaram capas ilustradas na época; e outros artistas gráficos como
Edgar Koetz, Geraldo Orthof, João Fahron e Santa Rosa também configuram neste
importante conjunto de profissionais (CARDOSO, 2005, p. 180-181).
Ainda segundo Cardoso (2005), naquele momento, as ilustrações eram
utilizadas, muitas vezes, como ferramentas em projetos gráficos vistosos na tentativa
de tornar atraentes as edições em brochura que contavam com péssimo acabamento e
má qualidade dos seus materiais.
Dessa forma, seguindo na linha do tempo, Menezes e Lessa (2018) explicam que,

14
Disponível em: http://graficaparticular.com.br/mesti%C3%A7os.html

51
a partir dos anos 1990, com a inserção dos computadores, softwares gráficos,
surgimento de novas editoras e os avanços nos processos de produção e impressão,
foram viabilizados projetos de “capas cada vez mais elaboradas artística e graficamente,
fazendo do objeto livro, cada vez mais, um objeto de linguagem visual marcante”
(MENEZES; LESSA, 2018, p. 2).

[...] o significado da capa como substituto simbólico do livro em si aumentou


nos últimos anos. Agora que os livros, velhos e novos, são cada vez mais
vendidos pela internet, o mais próximo que o candidato a comprador pode
chegar de um objeto tangível é a imagem eletrônica da capa. Aquele que
manuseia o exemplar em uma loja pode obter uma percepção mais completa
de um livro, tanto em termos de conteúdo como de apresentação física, mas
hoje as capas contêm bem mais informações subliminares (POWERS, 2008, p.
135).

Nesse cenário, “o conteúdo textual da capa é definido pelo editor do livro, que
envia o material juntamente com um briefing para o capista que tem o trabalho de
traduzir o conceito do livro em imagem” (LIMA, 2017, p 30). Os capistas são atores
importantes nos processos de projetos gráficos, que objetivam a produção de um layout
que precisa: “ser legível; apropriado para o público-alvo; diferenciado; ter uma paleta
de cores interessantes e uma hierarquia de informação clara” (LIMA, 2017, p. 33).
Hall (2012) corrobora que as capas são fundamentais no estímulo de vendas, e,
portanto, devem almejar sempre aumentar a capacidade de aceitação do produto, com
vistas a evocar sentimentos que confirmem o livro em questão como o mais adequado
para a aquisição.

Primeiros olhares, primeiros contatos com o livro. Lugar de todas as


preocupações de marketing, a capa constitui antes de mais nada um dos
espaços determinantes em que se estabelece o pacto da leitura. Ela transmite
informações que permitem apreender o tipo de discurso, o estilo da
ilustração, o gênero...situando assim o leitor numa certa expectativa. Tais
indicações podem tanto introduzir o leitor ao conteúdo como levá-lo para
uma pista falsa (LINDEN, 2011, p. 57).

Segundo Menezes e Lessa (2018), o caráter informativo das capas é enfatizado


ao perceber-se elementos que indicam detalhes sobre o gênero literário, estilo e
assuntos abordados no livro. Os autores complementam que, no intuito de expandir as
vendas, o design gráfico é utilizado como ferramenta importante para seduzir novos
compradores, os quais devem ser atraídos primeiramente pela capa. Na concepção de
Zeegen (2009), o sucesso ou fracasso de vendas de um livro está muito relacionado à
sua capa, portanto, segundo o autor, “não há espaço para correr riscos nessa área. O

52
feedback mostrará o quão vendável é o design do livro” (ZEEGEN, 2009, p. 93).
No que diz respeito a capa ilustrada, Nikolajeva e Scott (2011) apontam que a
composição imagética escolhida funciona como uma espécie de reflexo da ideia dos
autores, e, por vezes dos editores, sobre a passagem mais dramática ou atraente da
narrativa. Dessa forma, entende-se que a ilustração de capa assume o papel de resumir
os principais pontos da história, sem que o enredo ou o conflito principal do livro sejam
revelados (NIKOLAJEVA; SCOTT, 2011). Zeegen (2009) reforça que:

[...] entender o contexto do livro, tanto artística quanto comercialmente,


traduzir visualmente o texto e criar um design que seja atraente para o
público de maneira geral são aspectos fundamentais de uma ilustração de
livro bem-sucedida (ZEEGEN, 2009, p. 93).

Com base em ideias explanadas por John Hamilton, ex-diretor de arte da Penguin
Books (Londres), acerca da ilustração para capas de livros, Hall (2012, p. 104) elenca
algumas características importantes para este segmento de imagem:
• Precisa atrair a atenção do público-alvo, conectando-se a seus interesses,
transmitindo a sensação de que o livro foi escrito para ele – isso se refere a
alguns fatores, tais como: idade, valores e preferências;
• Embora não tenha necessariamente que explicitar o conteúdo do livro, ela
deve garantir uma compreensão dele;
• Fazer o livro se destacar de seus concorrentes nos pontos de venda;
• Deixar claro o gênero da publicação para a definição da seção onde ele será
exposto na livraria (ambiente físico ou on-line).
De forma a sintetizar o conteúdo aqui discutido, a Figura 8 apresenta parte de
um projeto gráfico realizado por Coralie Bickford-Smith, designer sênior da editora
Penguin, para o qual criou capas ilustradas que enfatizam o trabalho realizado com
palavras e imagens. As capas pertencem à coleção de clássicos do terror Gothic Horror
Series, Red Classics, reeditada pela Penguin em 2008.

53
Figura 8 – Capas dos livros The Spook House e The Virgin Of The Seven Daggers, com projeto gráfico de
Coralie Bickford-Smith, 2008

Fonte: HALL, 2012, p. 111.

Segundo a designer, além de almejar um visual atraente e moderno, capaz de


destacar os livros nas livrarias, o projeto foi concebido de forma que as ilustrações
combinassem com o gênero literário em questão, além de estabelecer um padrão que
evidencia os livros como pertencentes a uma mesma coleção (HALL, 2012).

2.2.4 A profissão do ilustrador

Ao conhecer melhor algumas características específicas do universo da ilustração


e dos procedimentos inseridos no seu processo de criação, é interessante seguir rumo
ao estudo sobre a formação e postura do profissional responsável por este tipo de
trabalho, bem como sobre questões ligadas à sua profissão na contemporaneidade.
Para Zeegen (2009), ao considerar que a ilustração é uma atuação por vezes
desamparada, existem três fatores especialmente importantes para os ilustradores que
desejam firmar-se no mercado de trabalho: o comprometimento, a personalidade e o
talento. O autor acrescenta que o desenvolvimento de uma linguagem visual peculiar, a
aprendizagem das técnicas e do uso de materiais, assim como noções acerca do
funcionamento do mercado, são apenas alguns pontos imprescindíveis na trajetória de
um ilustrador.
Nessa lógica, a construção de uma carreira no campo da ilustração é
particularmente trabalhosa se comparada com outras áreas ligadas a comunicação
visual. Ainda que muitos aspectos dessa profissão estejam relacionados aos valores,
história de vida e referências pessoais do indivíduo, isso não significa que aprendizados

54
sobre técnicas de elaboração de imagens, metodologias, história da arte e outras
disciplinas sejam dispensáveis para a formação desses profissionais. Scheinberger
(2019) aponta que, o trabalho do ilustrador não está relacionado somente à
espontaneidade, expressão criativa ou desenvolvimento de uma identidade artística,
mas também à prática, ao esforço e a um engajamento organizado e intenso.
Assim, é interessante pensar sobre a atual situação da ilustração no contexto
acadêmico brasileiro, marcada pela escassez de cursos de graduação específicos, sendo
o bacharelado oferecido pela Escola Britânica de Artes Criativas (EBAC), sediado em São
Paulo, uma exceção. A escola Usina de Imagens, com base em Recife, também se
destaca por oferecer cursos de ilustração com duração de quatro anos, além de
workshops e oficinais voltadas à área. No que tange os cursos técnicos ou de curta
duração, destacam-se o da ABRA - Escola de Arte e Design (São Paulo), o curso intensivo
de ilustração oferecido pela EFEC – Escola Franco Europeia de Comunicação e os cursos
regulares de narrativa visual, pintura e ilustração (analógica e digital) da Casa dos
Quadrinhos, sendo as últimas duas instituições situadas em Belo Horizonte. No que diz
respeito à oferta de oficinas focadas em técnicas particulares de criação de imagens, tais
como a aquarela, nanquim, carvão ou pintura digital, são disponibilizadas mais opções.
Vale também ressaltar que, há um número considerável de cursos aos quais
ilustradores em potencial podem recorrer para aprimorar suas habilidades, como: artes
gráficas, artes visuais, belas artes, design gráfico, entre outros. Além disso, trata-se de
uma profissão em que ainda há, até certa medida, um autodidatismo.
Corroborando com esta afirmação, Zeegen (2009) aponta que muitas vezes os
ilustradores precisam fazer uso de meios vinculados à outras disciplinas, permeando
universos considerados preferivelmente de profissionais como os designers gráficos, por
exemplo. Sobre essa questão, Oliveira (2008) aponta que:

Certamente as escolas de design gráfico não podem, por suas próprias


características, suprir a ausência de escolas especializadas em ilustração. Por
outro lado, uma escola de ilustração que não tiver em seu currículo
fortemente estruturado o ensino do design, do ponto de vista da formação
profissional de ilustradores, estará incompleta (OLIVEIRA, 2008, p. 64).

Hall (2012) corrobora que, ao completar o curso, mesmo graduação específica


de ilustração, o futuro de muitos profissionais dessa área é o trabalhar como freelancer,
ainda que este não seja o único caminho, uma vez que existem, por exemplo, estúdios

55
de design com ilustradores em seu quadro fixo de profissionais. Contudo, há situações
em que o ato de ilustrar é marcado por ações solitárias, com características como o
brainstorming realizado apenas pelo ilustrador, sendo as responsabilidades sobre o
resultado final todas vinculadas a ele (ZEEGEN, 2009). Assim, a linha visual adotada no
decorrer do projeto deve ser fornecida ao contratante de forma gradual, entendendo
que este deve acompanhar o andamento de maneira que forneça feedbacks periódicos.
Nessa perspectiva, ter o domínio acerca de certas práticas administrativas e
organizacionais é de suma importância para quem deseja se consolidar na área da
ilustração comercial (HALL, 2012). Estes profissionais trabalham com encomendas, e,
consequentemente, com prazos preestabelecidos por clientes atentos a questões de
organização visual e potencialidade da mensagem traduzida.
Segundo Scheinberger (2019, p. 169), “de modo geral, a escolha de um ilustrador
em detrimento de outro acontece por questão de gosto e pelo fato de o cliente confiar
em seu trabalho, e não por causa de alguns reais a mais ou a menos”. O autor, com base
em informações divulgadas em maio de 2018 pela Sociedade dos Ilustradores do Brasil,
aponta que, ilustrações para projetos de capas de livros (página simples) podem custar
entre R$800 a R$1.300 reais, e projetos de página dupla podem custar até R$1.500 reais.
Contudo, vale ressaltar que “os valores listados [...] são valores de referência e levam
em consideração ilustrações de diferentes graus de complexidade e acabamento”
(SCHEINBERGER, 2019, p. 168).
Silva e Nakata (2016) concordam que, com a crescente demanda por uso de
ilustrações no mercado da comunicação visual, e, ao considerar os valores dados a elas,
o cenário poderia ser mais estimulante para quem deseja ingressar na área; o que não
ocorre em virtude dela ainda não ser vista com seriedade pela sociedade e por
profissionais de campos correlatos.
Em relação à formação básica dos ilustradores, é importante ressaltar a presença
do teor humanista relacionado aos aspectos de personalidade e identidade do indivíduo,
essenciais na constituição dessa profissão e do seu profissional. Sobre este assunto, Rui
de Oliveira destaca:

[...] retornando à formação do ilustrador, não me refiro unicamente à vivencia


acadêmica. Muitas vezes, um autodidata tem uma base profissional e cultural
mais apurada do que muitos que se formam [...]. Enfatizo mais a formação
humanista do ilustrador (MORAES; HANNING; PARAGUASSU, 2012, p. 45).

56
Dessa forma, além de conhecimentos em disciplinas técnicas que envolvem o
universo da ilustração, o treinamento de quem deseja firmar-se na área também
demanda quesitos experimentais e culturais. Para Hall (2012), ambos devem ser
combinados de maneira competente e particular, de forma que sejam capazes de
transmitir peculiaridades, traços da autoria e fatores que confirmem as visões de mundo
e artística do ilustrador.

Uma ilustração não é determinada apenas pela técnica. Na verdade, muito


mais importante do que a escolha das ferramentas e dos materiais que serão
usados é quem está por trás desse aparato [...]. O verdadeiro fator decisivo é
quem faz a ilustração. A forma como você desenha representa sua forma de
ver o mundo. Ou seja: o que faz a diferença, é como vemos o que vemos
(SCHEINBERGER, 2019, p. 18).

A combinação entre informações técnicas e experimentais é alcançada por meio


da criatividade, da qual o profissional deve ter a noção de sua importância para a
manutenção e consolidação dos trabalhos. De acordo com Silva e Nakata (2016), ela é
imprescindível em todos os momentos da trajetória de quem deseja criar imagens
notáveis, seja no estágio da geração de ideias, na escolha da metodologia a ser seguida,
no uso de ferramentas e materiais, e até mesmo na forma como se apresenta
socialmente.
Para a obtenção de resultados satisfatórios, o ilustrador deve estar sempre em
busca de novas inspirações, recursos, materiais de referência e possibilidades de
diferenciação (ZEEGEN, 2009). Ao explorar conceitos e criações imagéticas fora da sua
zona de conforto, o ilustrador estará atualizando as possibilidades de temas e
abordagens que serão refletidos em projetos comerciais para os quais for contratado.
Linden (2011, p. 33) testemunha que, “os ilustradores foram paulatinamente
experimentando uma variedade de técnicas e apreciando a imensa liberdade que se
apresentava de trabalhar com um mínimo de limitações ligadas à reprodução”. Dessa
forma, empregar novas ideias artísticas e culturais de maneira segura, faz com que o
trabalho desses profissionais ganhe mais confiança, e, consequentemente, abram novas
possibilidades para o mercado (HALL, 2012).

57
2.3 CRIATIVIDADE E ILUSTRAÇÃO

A ilustração a priori, independente do seu gênero e função, cumpre o papel de


comunicar. Tradicionalmente, o modelo de comunicação está centrado no ilustrador
como fonte ou emissor; na ilustração como código; no suporte, meio ou mídia como o
canal, e, por fim, no leitor como destinatário-receptor da mensagem. Segundo Oliveira
(2008), um dos objetivos básicos do ilustrador é tornar incomum o comum, ou seja, de
maneira criativa, transformar o real em fantástico, sugerindo representações daquilo
que o leitor supõe ver.
Nesse item discute-se, portanto, essas relações conceituais, a partir de questões
teóricas da criatividade, intenção e recepção. Na sequência, entende-se melhor a
relação entre os aspectos da criatividade, persuasão e narrativa nos artefatos ilustrados,
e, finalmente, o processo criativo do ilustrador.

2.3.1 Questões teóricas da criatividade, intenção e recepção

Para algumas áreas do conhecimento, tais como as artes em geral, arquitetura,


design e publicidade, a criatividade é um elemento indispensável para sua realização.
No caso específico do design, é imprescindível, visto que esta é uma atividade
interdisciplinar que, na resolução de problemas, combina sensibilidade visual com
criatividade, habilidade e conhecimento nas áreas de comunicações, tecnologia e
negócios. Ao projetar uma capa de livro, uma embalagem, uma identidade visual de uma
empresa ou qualquer outro produto ou serviço, os designers, necessariamente fazem
uso de ferramentas que estimulam o processo criativo, prática essa que lhe é ensinada
desde sua formação acadêmica e permanece em desenvolvimento durante toda sua
vida profissional (DIAS, 2007).
A projetação é um processo para o qual convergem as naturezas cognitiva e
criativa, sendo, o ato de projetar, por essência, uma criação proveniente do domínio de
um conhecimento específico, que dá forma a uma matéria específica. No design, de
modo geral, esse conhecimento é multidisciplinar e subjetivo, o que torna a relação
entre criação e cognição algo ainda mais evidenciado (DIAS, 2007).
O processo criativo tem sido estudado sob vários pontos de vista, que, de alguma
forma, contribuem para o entendimento de como se dá a criatividade na solução dos
problemas. Autores provenientes dos mais diversos campos do conhecimento, como a

58
psicologia, administração, educação e artes, se envolvem cada vez mais com o assunto.
A Teoria do Investimento em Criatividade de Sternberg e Lubart (1996) entende
que o comportamento criativo resulta da convergência de seis fatores distintos e inter-
relacionados, apontados como recursos necessários para a expressão criativa, são eles:
a inteligência, estilo intelectual, conhecimento, personalidade, motivação e contexto
ambiental. Com relação à inteligência, Sternberg e Lubart (1996) consideram que três
habilidades cognitivas são especialmente importantes: a habilidade de síntese, que
propicia a redefinição de problemas a partir de sua análise sob os mais variados ângulos;
a habilidade de análise, que permite o reconhecimento das ideias sobre as quais
valeriam maiores investidas e a habilidade prático-contextual, que diz respeito à
capacidade de persuadir outras pessoas sobre o valor das próprias ideias. Conforme
destaca Dias (2007), essas habilidades cognitivas são essenciais para a atividade do
design, pois, como já mencionado, além da competência criativa, o profissional deve
possuir uma visão sistêmica de projeto, manifestando a capacidade de conceituá-lo a
partir da combinação adequada de diversos componentes. Além disso, cabe ao
ilustrador ou designer avaliar se suas propostas são promissoras, comunicando-as
eficazmente para que possam ser entendidas e negociadas.
Com relação ao indivíduo, Mihaly Csikszentmihalyi (1996) aponta duas
características associadas à criatividade, a sua bagagem social e a cultural. Nesse
contexto, as características mais evidentes das pessoas criativas são a curiosidade,
entusiasmo, motivação intrínseca, abertura a experiências, persistência, fluência de
ideias e flexibilidade de pensamento. Assim, o domínio consiste no conjunto de regras
e procedimentos simbólicos estabelecidos culturalmente, ou seja, o conhecimento
acumulado, estruturado, transmitido e compartilhado em uma sociedade ou por várias
sociedades. Para Alencar e Fleith (2003) uma resposta criativa tem mais probabilidade
de ocorrer quando o indivíduo tem amplo acesso à informação relativa a um domínio e
quando as informações a ele pertinentes são conectadas entre si, além de serem
relevantes e aprofundadas, capazes de despertar o interesse do indivíduo e impulsionar
o seu engajamento na área.
Os estudos de Fayga Ostrower (1987) são baseados na perspectiva histórico-
social, com ênfase na materialidade do processo criativo e na capacidade de
transformação. Para Ostrower (1987) a criatividade pode ser assim expressa: “formar

59
implica em transformar” num processo dinâmico, ou seja, criar é, basicamente, poder
dar uma nova forma a algo pré-existente. Em qualquer campo de atividade trata-se,
nesse ‘novo’, de coerências que se estabelecem para a mente humana, fenômenos
antigos relacionados de modo novo e compreendidos em termos novos. O ato criador
abrange, portanto, a capacidade de compreender, e esta, por sua vez, a de relacionar,
ordenar, configurar e ressignificar.
Ao relacionar o ato de criar com o de formar, Ostrower (1987) conceitua a
materialidade, não como um fato meramente físico, mas, fundamentalmente, como
linguagem simbólica; e afirma que é no trabalho que o homem elabora seu potencial
criador, pois é ele que “traz em si necessidades que geram as possíveis soluções
criativas” (OSTROWER, 1987). Ou seja, é no pensar – específico – sobre um fazer
concreto – também específico – que esse potencial criador se manifesta, mesmo que o
sentido de materialidade necessite de um contexto histórico que o caracterize enquanto
finalidades e formas. Os conceitos da autora complementam o entendimento da
criatividade aplicada a um campo prático, como é o caso do design gráfico. A
materialização do ato criativo ocorre quando surge um novo produto, uma embalagem
inovadora ou uma infografia de uma revista, conforme Dias (2007).
Segundo Csikszentmihalyi, em seu livro A descoberta do fluxo (1999), as
pessoas que procuram desempenhar tarefas criativamente encontram mais prazer no
que fazem. O prazer, por sua vez, é altamente motivador, propondo uma espiral positiva
com três elementos: criatividade, prazer e motivação.
A primeira fase do processo criativo é a identificação do problema, sua
delimitação e o contexto em que surge. Nessa fase busca-se definir as necessidades que
o permeiam e os objetivos a que sua solução se propõe, o que no design denomina-se
briefing. A fase de preparação consiste na coleta de informações sobre o problema a ser
resolvido, num esforço consciente de busca da solução. Se após um período de
preparação não houver resultados concretos, ou seja, se não surgir a solução esperada,
o indivíduo entra na fase de incubação, em que processos mentais inconscientes são
acionados.
Para Sternberg e Lubart (1996), as soluções mais criativas resultam da
capacidade de se redefinir um dado problema, o que ocorre, muitas vezes, como
consequência do insight. Dessa forma, propõem-se três tipos básicos de insights: a

60
codificação seletiva, que ocorre quando se está tentando resolver um problema e se
reconhece a relevância de informações que podem não ser imediatamente óbvias; a
comparação seletiva, que envolve o pensamento analógico, quando informações do
passado são aproveitadas para resolver problemas do presente, percebendo-se uma
analogia entre o velho e o novo. E o terceiro tipo de insight é de combinação seletiva, o
qual ocorre quando se reúnem informações cuja conexão não é óbvia.
No que tange a esquentação, este é um estágio que permite a volta ao problema
inicial e traz a sensação de estar mais próximo da solução. Em projetos de design, essa
etapa consiste na geração de alternativas, ‘estalos’, ‘relâmpagos’, que devem, sempre,
ser registrados em esboços, desenhos ou textos. A iluminação é o momento da criação
propriamente dita; quando se encontra uma ideia nova, uma solução para aquele
problema estudado. Já a elaboração consiste em aperfeiçoar as propostas apresentadas,
de forma a torná-las comunicáveis. A solução, no entanto, deve ainda ser testada para
verificar sua validade em termos práticos, sendo este o objeto da fase de verificação.
A fixação de ideias, conhecida como “ideia fixa”, equivale ao inverso do “pensar
fora da caixa”, ocorre com muita frequência durante o processo criativo, seja qual for a
natureza: uma ilustração, música, texto, o projeto de design de uma cadeira. No design,
trata-se de um fenômeno psicológico, que leva uma pessoa a enxergar um artefato
somente da forma como é usado tradicionalmente, descrito por Karl Duncker como
fixação funcional, conforme Crilly (2019).
Dois estudos concentraram-se no fenômeno da “fixação no design” para tentar
entender como o problema ocorre, partindo de experiências relatadas por profissionais
da área (CRILLY, 2019; CRILLY; CARDOSO, 2017). São questões norteadoras desses
estudos: como os designers desenvolvem novas ideias? Como suas ideias evoluem e
como eles passam de uma proposta para a outra? Por muitos anos, essas perguntas e
outras semelhantes motivaram os pesquisadores de design a estudar a criatividade.
Recentemente, grande parte dessa atenção se concentrou em processos de inspiração
e fixação, onde soluções de projetos anteriores estimulam ou restringem à imaginação
do designer. Os autores explanam alguns casos constatados diretamente no local de
trabalho, a partir de depoimentos, identificados em materiais de projetos de design
oferecidos fora da literatura conhecida da área; relatos que às vezes são ilustrados com
representações dos primeiros esboços ou protótipos e das próprias reflexões dos

61
designers sobre o desenvolvimento de suas ideias (CRILLY; CARDOSO, 2017).
Outro componente relevante, presente na teoria de Sternberg e Lubart (1996),
diz respeito ao contexto ambiental. Sabe-se que a criatividade não ocorre no vácuo e
não pode ser vista fora de um contexto, especialmente porque tanto a pessoa como a
ideia são recebidos, avaliados e julgados como criativos ou não por pessoas da sua esfera
social. Segundo Dias (2007), essas ideias convergem para a atividade do design, na
medida em que tanto o profissional como o resultado de seu trabalho são avaliados
quanto ao nível de criatividade. Em áreas como arquitetura, design, artes e publicidade,
os profissionais, muitas vezes, são reconhecidos e seus nomes, ao serem citados, são
associados, imediatamente, a um resultado criativo.
Csikszentmihalyi (1996) defende que o foco dos estudos em criatividade deve ser
nos sistemas sociais e não apenas no indivíduo. Para ele, o fenômeno da criatividade é
construído por meio da interação entre o criador e sua audiência, e, nesse sentido, mais
importante do que definir criatividade é investigar onde ela se encontra. Desse modo,
conhecer em que medida o ambiente socio-histórico-cultural reconhece ou não uma
produção criativa.
A criatividade, portanto, não é resultante do produto individual, mas de sistemas
sociais que julgam esse produto, incluindo todos os indivíduos que atuam como “juízes”,
com a função de decidir o quão uma nova ideia é criativa, e, dessa forma, se deve ser
integrada ao domínio (CSIKSZENTMIHALYI, 1996). É o campo que seleciona e retém o
material a ser reconhecido, preservado e incorporado ao domínio. Cabe ao criador
convencer o campo quanto ao seu valor e quanto à pertinência de incluí-lo no domínio,
e, por outro lado, o campo pode estimular a produção de novas possibilidades. Em
momentos históricos específicos, algumas áreas foram mais valorizadas pelo campo e
atraíram indivíduos mais talentosos, favorecendo o surgimento de ideias originais.
Portanto, para que uma nova ideia seja aglutinada ao domínio é essencial que ela seja
socialmente aceita.
As proposições de Csikszentmihalyi (1996, 1999), assim como as de Sternberg e
Lubart (1996), se enquadram perfeitamente à atividade projetual do design, pois
consideram o aspecto social da criatividade. Os produtos resultantes do trabalho dos
designers são, geralmente, de ampla circulação e, nesse caso, pode-se dizer que todos
os usuários são, além de receptores, também os ‘juízes’ de sua criação.

62
Ao falar em comunicação, é inevitável vincular o termo à própria linguagem, por
se tratar da mais importante forma de interlocução de que o designer dispõe, para que
obtenha êxito em seus projetos. Por essa razão, as “coordenações adquirem significado
social através de narrativas e diálogos. Os artefatos são materializados através da
linguagem” (KRIPPENDORFF, 2000, p. 90). Em outras palavras, os artefatos participam
da comunicação humana e apoiam linguisticamente as práticas sociais.
Para comunicar, o ilustrador imprime uma intenção ao projeto do livro e o leitor
“responde” a esse produto, podendo corresponder, ou não, às intenções originais do
ilustrador. Esse modelo impõe que o profissional se valha de um repertório de signos
que, supostamente, são reconhecíveis pelo leitor, considerando o contexto histórico e
cultural que permeiam o cotidiano deste. A aceitação de um produto (livro) depende do
quanto ele consegue se conectar com a escala de valores do grupo de leitores a que se
destina.

2.3.2 Criatividade, persuasão e narrativa na ilustração

Ao considerar os gêneros de ilustração já mencionados, percebe-se o


delineamento de alguns com questões técnico-estruturais mais delimitadas e outros de
caráter mais livre, ligados à imaginação e pensamento lúdico. Nesse contexto, entende-
se que toda ilustração demanda processos criativos específicos, e, tendo em conta os
objetivos propostos por esta pesquisa, as funções de persuasão e narrativa são
especialmente interessantes para o estudo.
Assim, pressupõe-se que as ilustrações estampadas em capas de livros para
adultos devam carregar níveis de persuasão, atraindo a atenção do possível leitor, além
de ser importante que consiga traduzir, visualmente, passagens da narrativa contada no
livro em questão.

Criatividade é um processo mental que envolve a descoberta de novas ideias


ou conceitos, ou novas associações entre ideias e conceitos existentes. Esse
processo pode também levar a expansões e adaptações desses conceitos
existentes, de maneira original e inexplorada até então (NOBLE; BESTLEY,
2013, p. 9).

Para Silva e Nakata (2016), as demandas do mercado contemporâneo têm feito


com que ilustrações de singular teor criativo ganhem cada vez mais espaço,
evidenciando uma nova postura dos ilustradores que firmam seus trabalhos na

63
expressão dinâmica, distanciando-se de ideias puramente sistemáticas. Muitos são os
fatores que especificam as ilustrações correspondentes à essa esfera, alguns
relacionados às estratégias utilizadas na concepção das imagens, outros relativos a
fatores ligados a memória, identidade, estilo e visões de mundo dos seus criadores.
Segundo Scheinberger (2019, p. 20), “podemos criar uma proximidade
emocional com o observador se nos valermos de perspectivas não tão concretas, cuja
aparência se assemelha àquela de imagens interiorizadas”. Dessa forma, antes de iniciar
as discussões propriamente ditas, é importante destacar que a produção dessas imagens
promove diversos desafios para o ilustrador.
Segundo Hall (2012), mesmo que nesses trabalhos existam referências visuais
retiradas do mundo exterior, o ilustrador é o único responsável pela manipulação e
composição da imagem. O autor frisa que, na criação de um trabalho persuasivo, o
profissional da ilustração, além de realizar pesquisa minuciosa buscando informações
imagéticas de diferentes civilizações e épocas, também precisa exercitar a imaginação e
a sua criatividade.
Por consequência, a ilustração capaz de transmitir ideias com alto teor criativo
está inserida no âmbito das imagens atemporais, que ultrapassam as tendências,
consolidam-se no mercado e fixam-se na mente dos espectadores (ZEEGEN, 2009). Essas
imagens, segundo Zeegen (2009), têm o poder de capturar a imaginação do observador,
promovendo conexões entre acontecimentos da sua história pessoal com o momento
presente.
Zeegen (2009) reforça que, a capacidade de criação baseada em pensamentos
criativos respaldados, capaz de formular abordagens e narrativas únicas, é tão
importante quanto ter-se noções acerca de habilitações técnicas e uso de materiais.
Portanto, é interessante destacar que não existem regras estabelecidas na produção de
imagens criativas, sendo difícil apontar procedimentos certos ou errados em um
universo onde a identidade tem tanto valor, como explana Hall (2012). Assim, um dos
principais papéis do trabalho de um ilustrador é a competência de “encapsular uma ideia
e comunicá-la a determinado público, de maneira articulada e inovadora” (HALL, 2012,
p. 6).
As relações criadas na interação das crianças com os livros infantis ilustrados e o
interesse por capas de CDs e outros produtos da indústria fonográfica durante a

64
adolescência, são alguns exemplos do potencial que as ilustrações têm de marcar
períodos importantes (ZEEGEN, 2009). De acordo com Hall (2012), essas são
consequências impulsionadas pelo grau imaginativo de certas ilustrações, que mesmo
não sendo de caráter realista, se consolidaram como as mais contratadas para trabalhos
de ilustração comercial.
Este feito, por sua vez, está relacionado com a qualidade de unicidade dessas
composições, organizadas com base na capacidade dos ilustradores em apresentar
situações, lugares e personagens com ângulos nunca antes explorados. Em vista disso,
Hall (2012) corrobora com este pensamento ao explanar características sobre as
imagens que chamou de “desenhos de imaginação”:

[...] elas fazem o que a câmera fotográfica não consegue: elas ilustram ideias,
nos mostram o futuro, nos levam a lugares que jamais podemos visitar, e
visualizam nosso mundo interior. O aspecto interessante desse tipo de
trabalho é que ele é seu próprio mundo: da mesma forma que um diretor de
cinema, você está no comando de tudo aquilo que está presente em seu
mundo – você escolhe a iluminação, os lugares, os personagens e suas roupas
e mobília (HALL, 2012, p. 27).

Isto posto, o caráter narrativo da ilustração faz-se perceptível, sendo possível


inferir que as imagens concebidas por técnicas e pensamentos criativos devem
estabelecer vínculos com seus observadores, a fim de transmitir mensagens e contar
histórias. De acordo com Pascolati (2017), as ilustrações colaboram com a orientação e
forma de condução das narrativas, ao indicarem caminhos mais criativos para a
imaginação do espectador, em especial tratando-se da relação entre texto verbal e
imagem. Nesse sentido, a ilustração narrativa caracteriza-se pela narração e descrição
de histórias por meio de imagens, o que não significa a tradução visual de um texto, uma
vez que “a ilustração começa no ponto em que o alcance literário do texto termina, e
vice-versa”, como aponta Oliveira (2008, p. 44).
Assim, além de ser pertinente e compreensível, a ilustração deve apresentar
pontos de vista com teor de criticidade, despertando pensamentos questionadores e
impulsionando a narrativa representada. Novas chances de interpretação têm de ser
possibilitadas pelas composições imagéticas que também devem ser emotivas,
proporcionando certo senso de humanidade (ZEEGEN, 2009).
Segundo o ilustrador Ricardo Azevedo, atuante no mercado editorial de livros,
especialmente livros infantis ilustrados, em entrevista concedida à Moraes, Hanning e

65
Paraguassu (2012):

a ilustração tem que dialogar com o texto no sentido de ampliar seu universo
significativo. Em outras palavras, a reunião do texto e das imagens tem que
trazer ao leitor algo maior do que o texto e as imagens em si mesmos. Outro
ponto: as imagens de alguma maneira têm que exercer o pensamento crítico
o tempo todo. Ilustração não é decoração, é discurso crítico, é interpretação.
No meu trabalho, tudo isso pode até não acontecer, mas será por
incompetência minha (MORAES; HANNING; PARAGUASSU, 2012, p. 99).

Portanto, o universo da ilustração está ligado a questões subjetivas que surgem


das diferentes interpretações possibilitadas por seus elementos constitutivos. Tais
fatores, por sua vez, estão relacionados a valorização que os ilustradores dão à ação de
construir e comunicar narrativas de forma ousada, criativa, fundamentada em
referenciais imagéticos e contextuais de diferentes momentos e épocas.
As ilustrações de Cezar Berje (Figura 9) apresentadas no livro Abecedário de
personagens do folclore brasileiro (2017), de autoria de Januária Cristina Alves,
exemplificam como a junção entre o estilo característico ao ilustrador e referencial
especifico é capaz de criar novas interpretações visuais, possibilitando inusitadas
percepções e conexões para com os observadores. As imagens no livro representam
diversas figuras do folclore brasileiro e acompanham as explicações da autora; assim,
ocorre a relação entre palavra e imagem, onde segundo Cavalcante (2010, p. 57): “a
palavra provoca a ilustração, que, por sua vez, redimensiona o texto. A leitura integrada
entre texto e imagem oferece ao leitor a possibilidade de construção de sentidos
diferenciados”.
Figura 9 – Ilustrações de Cezar Berje presentes no livro “Abecedário de personagens do folclore
brasileiro”

Fonte: Site Colecionador de Sacis15.

15
Disponível em: <https://colecionadordesacis.com.br/2018/01/20/resenha-abecedario-do-folclore-
brasileiro/>.

66
Para Wojciechowska (2005), por meio da valorização das situações criadas no
papel através da luminosidade e expressões sensíveis, é possível, além de comunicar
uma mensagem, fazer com que as imagens sejam vistas e sentidas por intermédio do
que a ilustradora chama de “elevação interior”. O que se procura não é meramente a
representação fotográfica, mas sim o equilíbrio entre expressão, autenticidade e traços
referentes ao objeto ilustrado (WOJCIECHOWSKA, 2005).
Os elementos supracitados dão margem para discussões acerca das
subjetividades (liberdades interpretativas) vivenciadas no campo da ilustração. Nesse
processo, cada observador tem uma história de vida, construída por referenciais e
memórias específicas que dizem respeito somente a ele, o que viabiliza interpretações
particulares acerca de uma imagem. Cabe ao ilustrador, fazer uso de técnicas e signos
visuais que sejam capazes de transmitir as mensagens adequadamente para o seu
público-alvo de forma fluida e instigante.
Wojciechowska (2005) aponta que, cada ilustração tem o poder de contar uma
história singular, o que ratifica a importância da construção desses vínculos para que a
ilustração funcione harmoniosamente. Logo, é interessante reservar espaços nas
imagens para que o observador participe energicamente, complementando ou
imaginando parte da história. Permeadas por vários dados simultâneos, as ilustrações
funcionam como espaços visuais passíveis de interpretações e participações externas
ativas (WOJCIECHOWSKA, 2005). O ilustrador Rui de Oliveira16 concorda que o mais
“interessante na ilustração é o enigma. Não se pode trabalhar com o explícito [...]. A
ilustração é sinuosa, não é reta. O importante é justamente criar narrativas paralelas”
(MORAES; HANNING; PARAGUASSU, 2012, p. 21).
Como exemplo, tem-se as ilustrações de Anabella López17, apresentadas nas
Figuras 10 e 11, partes integrantes do livro ilustrado Um Coelho, editado em 2017 pela
Editora Aletria, cujo o texto também é de autoria da ilustradora.

16
Nasceu no Rio de Janeiro e é autor e ilustrador de literatura infantil. Formado em artes gráficas,
estudou pintura no Museu de Arte Moderna do Rio de Janeiro, ilustração no Instituto Superior Húngaro
de Artes Industriais e cinema no Pannónia Film Studio, em Budapeste.
17
Formada em Design Gráfico pela Universidade de Buenos Aires. Foi parte da agência de Design e
Tipografia “Fontana”. Foi professora na Universidade de Buenos Aires durante 2 anos. Em 2013, mudou-
se para o Brasil, onde fundou a escola de ilustração “Usina de Imagens” na cidade de Recife.

67
Figura 10 – Ilustração 1 de Anabella López, inserida em seu livro Um Coelho, 2017

Figura 11 – Ilustração 2 de Anabella López, inserida em seu livro Um Coelho, 2017

Fonte: site da ilustradora18


A obra em questão adota uma postura filosófica ao contar a história de um
coelho sonhador que vislumbra mundos distantes até o ponto de confundir imaginário
com realidade. Nas imagens é possível depreender a preocupação e cuidado na
construção de cenários compostos por elementos variados que instigam a imaginação e
curiosidade do observador, levando-o a interpretações potencializadas pelo
distanciamento das composições em relação ao mundo visível e concreto.
Para Zeegen (2009), as ilustrações devem ir além da questão estética, focando
em transmitir conhecimentos sobre o que representam e almejando mais do que apenas
“encher” páginas. O autor reforça que ilustrações notáveis funcionam como grandes
histórias e narrativas que demandam atenção e envolvimento dos espectadores para
que sejam compreendidas por completo. O conceito pode parecer oculto em um
primeiro momento, mas é transmitido quando o receptor permeia a imagem. “A grande
ilustração é um casamento com a excelência no ofício, a habilidade e o pensamento
criativo” (ZEEGEN, 2009, p. 20).

18
Disponível em: https://anabellalopez.com/pt/um-coelho/.

68
Nota-se que, por meio da interação com o seu leitor, as ilustrações bem
sucedidas são capazes de contar histórias, marcar momentos, persuadir, incentivar o
pensamento crítico, influenciar estados emocionais e, o mais importante, transmitir
mensagens e narrar fatos específicos sobre um determinado assunto ou acontecimento.

2.3.3 Processo criativo

As discussões anteriores sobre as funções das ilustrações e a ênfase em um modo


de fazer criativo, apontam para a importância de se compreender os processos que
sustentam a concepção dessas imagens. Vale destacar que a ilustração pode ser
abordada sob o ponto de vista das Artes Gráficas, das Artes Visuais e do Design, e, dessa
forma, por meio do reconhecimento de possíveis procedimentos metodológicos que a
aproximam de uma ou outra abordagem, o presente trabalho, entre as possíveis visões
acerca da ilustração, versa especificamente sobre a sua relação com o campo do design.
Assim, a partir de elucidações sobre etapas inseridas em percursos
metodológicos capazes de gerar soluções visuais criativas, o presente tópico visa
apresentar estudo relativo aos processos de criação no âmbito da ilustração. Estes, por
sua vez, variam de um ilustrador para outro e, muitas vezes, de um trabalho para outro.
Para Silva e Nakata (2016), ao tratar-se de um percurso metodológico, esse não
deve ser considerado um obstáculo em processos criativos, não havendo necessidade
de ser absoluto ou inflexível. Ao contrário, os ilustradores devem ter a liberdade de
definir suas próprias metodologias a fim de melhorarem seus procedimentos. Porém,
segundo os autores, as fases de definição de problema, geração de alternativas e
desenho final são muito úteis, adequadas e devem ser mantidas, ainda que as tomadas
de decisão fiquem a cargo do próprio ilustrador.
Nesse contexto, bem como acontece em outras áreas projetuais da esfera das
artes visuais e do design, o desenvolvimento de uma ilustração profissional também se
inicia, na maioria das vezes, a partir da proposição de um briefing pelo contratante. O
pensamento criativo do ilustrador começa a ser instigado nesse momento, e seus
caminhos até uma solução visual bem sucedida passa a ser configurado dentro de um
sistema formado por várias etapas.
A partir da apresentação do briefing a ser seguido, é de suma importância que o
ilustrador o estude para que entenda integralmente o projeto do qual está fazendo

69
parte. Alinhar os fatores relacionados ao público-alvo, assimilar o contexto no qual a
imagem será disseminada e equipar-se de informações envolvendo dados sobre o
cliente, cronograma e estilo gráfico são algumas práticas importantes que levam a
pensamentos criativos e ideias interessantes (ZEEGEN, 2009).
Ao entender os principais objetivos do projeto, segue-se para o processo de
criação propriamente dito, que começa a partir do embate pessoal do ilustrador diante
do “vazio”, representado no contexto da concepção imagética por uma tela ou folha de
papel em branco. Para Zeegen (2009), a rigidez e severidade proporcionadas por tal
situação é demasiadamente desconcertante para o ilustrador profissional que recebe
uma proposta de trabalho e tem o dever e desejo de deixar a sua marca.

Esse fenômeno, conhecido como “o medo do papel em branco”, sempre


existiu. Artistas, designers gráficos, escritores e milhões de outros
profissionais que trabalham de maneira criativa sofrem disso há gerações e
gerações. É bem provável que, 17 mil anos atrás, em Lascaux, na França, o ser
humano já tivesse vivenciado o medo da parede da caverna em branco
(SCHEINBERGER, 2019, p.10).

À vista disso, para que este primeiro estágio seja produtivamente superado e a
tela venha a ser preenchida de maneira satisfatória, é essencial que o ilustrador tenha,
além de conhecimentos e competências sobre a estruturação de suas ideias, o domínio
sobre o assunto que será representado. De acordo com Zeegen (2009), é entendível que
a compreensão relativa ao assunto que será ilustrado seja o fator mais importante das
fases iniciais que envolvem a produção de ilustrações. A reunião de referências e
informações relacionadas à temática que será abordada impulsionará o processo de
geração de ideias e fará com que o ilustrador tenha noção mais refinada em relação ao
contexto em que seu trabalho irá aparecer.
Alguns hábitos para a realização de tais pesquisas, como fazer investigações e
consultas em portais na internet, realizar visitas a livrarias, bibliotecas e espaços
culturais são recomendáveis para que os ilustradores apreendam de forma mais bem-
sucedida as características do assunto tratado. Essa coleta de informações abre
caminhos para pensamentos férteis que não seriam possíveis sem o conhecimento
precedente necessário (ZEEGEN, 2009).
Assim, é perceptível a ideia de que para o enfrentamento seguro do “vazio”, além
de seguir o briefing e entender o seu público-alvo, o ilustrador deve estar munido de
conhecimentos sobre o que irá retratar, formulando um ponto de partida produtivo
70
para a criação de imagens coerentes (ZEGEEN, 2009). Para o acesso a tais
conhecimentos, uma das ferramentas usadas por profissionais de ilustração são os
painéis semânticos, sobre os quais, Silva e Nakata (2016) destacam que:

[...] também podem ser utilizados como apoio na geração de ideias. Esses
painéis podem ser compostos por imagens, amostra de cores, formas,
texturas ou qualquer material visual que esteja relacionado com o projeto.
Uma das principais vantagens desses painéis é que eles permitem
experimentar visualmente as referências mais agradáveis, além de oferecer
boa carga de inspiração no desenvolvimento das ideias para ilustração (SILVA;
NAKATA, 2016, p. 1494).

Infere-se que, a solução de problemas por meio das imagens representa tarefa
complexa permeada por uma série de atividades consecutivas e interligadas, as quais
demandam engajamento e foco do profissional que irá realizá-las (HALL, 2012). Dessa
forma, partindo da junção entre os conhecimentos prévios alcançados em relação ao
assunto que será exposto e os aspectos relacionados à mente criativa do ilustrador,
chega-se à etapa de formulação das ideias.
Nesse estágio, para que o ato de ilustrar seja uma experiência prazerosa e não
uma tarefa arbitrária e tediosa, é fundamental que os ilustradores compreendam como
as ideias tomam forma e saibam driblar criativamente os momentos em que a fluidez
das mesmas não se apresenta de maneira tão ágil quanto a desejada (ZEEGEN, 2009).
Para tanto, Zeegen (2009) reforça que, ter a segurança de reconhecer que boas ideias
criativas demandam tempo para tomar forma é essencial, e treinar a mente para não
entrar em condição de desespero frente à falta de inspiração é um aspecto-chave do
processo criativo.
Desta maneira, para que a compreensão e o domínio sobre as ideias sejam
apreendidos efetivamente, os ilustradores dedicam-se aos métodos que estimulam
inspirações e momentos de criatividade. É nesse panorama que a construção de esboços
despretensiosos, livres de quaisquer regras ou normas é, dentre tais métodos, um dos
mais recorrentes em tratando-se de processos criativos dos profissionais de ilustração.
Corroborando com este pensamento, Zeegen (2009) ressalta que não ocorrem
julgamentos a respeito das questões estéticas relacionadas às composições criadas de
maneira intuitiva durante o registro de ideias no caderno de esboços, indicando-o como
recurso de investigação de visualidades adequado aos profissionais criativos. Ainda
segundo o mesmo autor, é importante destacar que boas ideias tomam forma em

71
qualquer lugar e que a inspiração surge em situações improváveis, demandando dos
ilustradores uma preparação quanto ao ato de anotar prontamente seus pensamentos,
utilizando linguagem escrita e/ou visual, a depender do que se adapta melhor ao
raciocínio.
Muitos artistas e ilustradores começam a fase de geração de ideias no caderno
de esboços (sketchbook), e um relacionamento ativo e afetuoso pode manifestar-se
entre o profissional de ilustração e este objeto, posto que ele representa um lugar em
que a comunicação é mais intimista, onde o único público é o próprio ilustrador, e em
que a pura experimentação com conceitos e pensamentos pode fluir livremente (HALL,
2012). Segundo Eluf (2017), esse tipo de caderno, tão associado às artes visuais,
representa a ferramenta ideal de organização do pensamento das mentes criativas. A
autora acrescenta que o uso desses artefatos propicia, além do registro de ideias e
sensações, a descoberta de novas possibilidades de manifestação atreladas aos traços
estilísticos peculiares aos indivíduos. Os cadernos estão “relacionados com a observação
e a representação e são, na verdade, um modo de documentar uma experiência, de
acompanhar e avaliar o processo” (ELUF, 2017, p. 69).
As folhas do caderno de esboços pertencente a Margaret Huber19 (Figura 12) e
Jim Stoten20 (Figura 13) são bons exemplos de páginas preenchidas com imagens criadas
de maneira intuitiva. Nota-se que não existe um padrão a ser seguido na concepção de
propostas e composições, o mais importante neste momento é conseguir exprimir o
máximo de ideias possíveis, com traços soltos e despojados que podem, por fim,
conceber esqueletos iniciais correspondentes à solução visual de um problema
específico.

19
Artista e professora estadunidense, atualmente reside em Londres onde mantém projetos como
“Visual diaries” e “Train tickets”, nos quais ilustra em superfícies inusitadas de maneira criativa.
20
Ilustrador, reside em Londres e nos últimos anos o seu estilo único e ilustrações divertidas foram
encomendados por uma vasta lista de clientes, incluindo a MTV, a Habitat, a Levi’s, a Urban Outfitters e
o The Guardian.

72
Figura 12 – Páginas duplas de um caderno de esboços de Margaret Huber

Fonte: ZEEGEN, 2009, p. 20.

Figura 13 – Páginas duplas de um caderno de esboços de Jim Stoten

Fonte: site do ilustrador Jim Stoten.21

Sobre o processo de criação das suas ilustrações, Danuta Wojciechowska22


(2005) explana que, antes de iniciar a finalização de um trabalho, faz uma avaliação das
imagens e rascunhos esboçados livremente. De acordo com a ilustradora, o ato de
conceber imagens envolve questões motivadoras e estimulantes como a sensação de
liberdade e criação (ou recriação) do mundo, além de possibilitar a invenção de

21
Disponível em: <https://jim-stoten.com/work#/kaltes-eis/>.
22
Canadense nascida em 1960, é licenciada em Design de Comunicação. Fez pós graduação em
Educação pela Arte na Inglaterra. Atualmente vive e trabalha em Lisboa, onde fundou o atelier Lupa
Design, o qual dedica-se ao design, a ilustração e a cenografia. Tem experiência como dinamizadora de
ateliers criativos, com crianças jovens e adultos.

73
discursos com linguagens bastante próprias. Nesse sentido, imersa em uma série de
possíveis representações imagéticas, manifesta-se dentre os esboços, uma ilustração
que reflete aspectos pessoais do ilustrador e carrega consigo algo de novo capaz de
emitir significados em torno de um tema ou texto (WOJCIECHOWSKA, 2005).
Esta etapa específica do processo de criação que envolve a experimentação e
seleção de ideias perante os esboços se refere, segundo Silva e Nakata (2016), à
concepção de variadas alternativas com o objetivo de definir a possível ilustração final.
Os autores indicam que a possibilidade de combinação e novos arranjos de significados
dão aos ilustradores a capacidade de formulação de diversas opções.
Zeegen (2009) testemunha que é importante adotar sensos de realismo e altos
níveis de criatividade a fim de transformar os potenciais indícios encontrados nesta
etapa em conceitos integralmente desenvolvidos. Nesse sentido, o autor aponta que o
grau almejado pelo ilustrador deve estar na medida certa entre realismo (comunicar) e
criatividade (ousar).
A partir do momento em que as imagens mais promissoras estiverem definidas,
segue-se para as fases mais definitivas. Neste ponto, é importante a aplicação de
conceitos já consolidados no campo do design, como o foco na escolha de alternativas
que expressam potencial de sucesso, diminuindo o número de opções ou mesmo
escolhendo apenas uma para ser trabalhada (SILVA; NAKATA, 2016). A opção escolhida
será então lapidada dentro dos parâmetros apresentados pelo projeto, partindo para
sua concepção como ilustração final; a qual representa proposta de solução visual ao
problema inicialmente exposto pelo contratante.
Dessa forma, diante dos mecanismos aqui discutidos, nota-se que os
procedimentos metodológicos característicos ao processo de criação da ilustração são
particularmente semelhantes aos adotados em projetos de design. Nessa perspectiva, a
estrutura apresentada na Figura 13, adaptada a partir das proposições de Silva e Nakata
(2016), funciona como a tradução das etapas processuais do desenvolvimento de uma
ilustração, baseada em princípios adotados pelo campo do design.

74
Figura 14 – Etapas do processo de criação da ilustração baseado em procedimentos do design

Fonte: elaborado pelo autor (2019), adaptado de Silva e Nakata (2016).

Os autores reforçam que, mesmo com a realização processual das etapas, é


muito provável que o trabalho necessite sofrer modificações. O ilustrador deve encarar
isso de forma positiva e realizar as mudanças necessárias, sem abandonar o que foi
estabelecido incialmente no briefing. “Alterações que desrespeitam o projeto e
distorcem aquilo que foi regido no início do desenvolvimento, são incabíveis e farão com
que a ilustração certamente não atinja seu objetivo” (SILVA; NAKATA, 2016, p. 1496).

75
2.4 PERCEPÇÃO VISUAL E EMOÇÃO

Ao considerar o leitor no processo comunicacional dos livros com capas


ilustradas, é importante trazer a discussão dos fatores humanos que possam, de alguma
forma, impactar nesse processo em termos subjetivos. O primeiro deles é a percepção
visual, um complexo mecanismo que garante ao ser humano, não somente ver o mundo
exterior, mas também fazer relações com experiências anteriores em um processo ativo
de criação de informação. O segundo é a emoção, que influencia o ilustrador em sua
criação, mas também provoca reações diversas nos observadores e leitores de sua obra.

2.4.1 Percepção visual

A percepção visual se dá quando imagens do mundo exterior, captadas pelos


olhos (órgãos receptores), são integradas ao cérebro a partir de impulsos nervosos, e
modificadas pela ação de aspectos subjetivos relacionados às experiências de vida e
preferências do indivíduo. De acordo com Kroemer e Grandjean (2005), essas ações
acontecem por meio de mecanismos de controle que captam a energia do mundo
exterior na forma de ondas de luz, e as convertem em uma forma de energia que tem
sentido para o organismo vivo – em impulsos nervosos. Apenas pela integração dos
impulsos da retina com o cérebro é que se tem a percepção visual (KROEMER;
GRANDJEAN, 2005, p. 215).
Assim, os raios de luz emitidos pelos objetos são percebidos pelos mecanismos,
que automaticamente direcionam o olhar do observador, de forma a filtrar e conduzir
as sensações até o córtex cerebral, onde a figura do que se vê é concebida (KROEMER;
GRANDJEAN, 2005).
Os cones, assim como os bastonetes, representam as células fotossensíveis (ou
fotorreceptoras) encontradas na retina, e apontadas por Kroemer e Grandjean (2005)
como “os verdadeiros órgãos receptores”. Os bastonetes funcionam como órgãos
sensíveis que mesmo em situação de pouca visibilidade (baixos níveis de iluminamento),
detectam luz ainda que durante à noite; não distinguem cores, mas captam tons de cinza
entre o preto e o branco (KROEMER; GRANDJEAN, 2005; IIDA; BUARQUE, 2016). Essas
células atuam sobretudo na percepção das formas e movimentos (vultos), e segundo
Iida e Buarque (2016) também continuam ativas durante a visão diurna, contribuindo
na percepção de movimentos fora da parte central do campo visual, ou seja, pelo

76
“canto” dos olhos (IIDA; BUARQUE, p. 121). A ação dos bastonetes está diretamente
ligada ao primeiro estágio da percepção visual, denominado “pré-atenção”.
Uma vez que os olhos se direcionam para objetos de forma a focalizá-los
diretamente, os cones entram em ação para uma compreensão mais efetiva (IIDA;
BUARQUE, 2016). Para que eles desempenhem suas funções satisfatoriamente, é
necessária muita iluminação; apenas sob essa circunstância faz-se possível a distinção
de cores e detecção de pequenas particularidades quanto às formas (KROEMER;
GRANDJEAN, 2005). Os cones estão relacionados a assimilação do espaço e da acuidade
visual, que por sua vez, é uma das principais características propriamente ditas da
percepção visual, assim como a acomodação, a convergência e a percepção de cores
(IIDA; BUARQUE 2016). Para Kroemer e Grandjean (2005) ela corresponde a uma das
capacidades visuais humanas, juntamente com a sensibilidade a contraste e a
velocidade de percepção.
Relacionando o sistema visual à leitura, é importante entender o funcionamento
da acuidade visual, da percepção de cores e da velocidade de percepção. A acuidade
visual é a capacidade de se detectar pequenos detalhes e discriminar pequenos objetos.
Pode-se generalizar dizendo que a acuidade visual é a capacidade de resolução dos olhos
(KROEMER; GRANDJEAN, 2005, p. 223). Para que ela seja percebida de forma plena, é
preciso considerar fatores como a intensidade luminosa e o tempo de exposição,
atentando-se ao fato de que luzes muito fortes podem ser prejudiciais ao seu
funcionamento, uma vez que provocam contração da pupila (IIDA; BUARQUE, 2016). O
bom desempenho da acuidade visual está relacionado ao nível ideal de iluminamento e
ao contraste entre o símbolo e seu fundo imediato, como apontam Kroemer e
Grandjean (2005).
A respeito da percepção da cor, esta é uma capacidade visual caracterizada como
uma “[...] resposta subjetiva a um estímulo luminoso que penetra nos olhos. Associada
com a forma dos objetos, a cor é um dos elementos mais importantes na transição visual
de informações” (IIDA; BUARQUE 2016, p. 439). A subjetividade encontrada nesse nível
da percepção está relacionada aos efeitos psicológicos, que de acordo com Kroemer e
Grandjean (2005), dizem respeito a ilusões de óptica e demais fenômenos visuais
causados por associações subconscientes baseadas em experiências prévias sustentadas
pela ação das cores, que podem “[...] proporcionar reações emocionais positivas,

77
melhorando a estética dos objetos, textos, figuras, ícones e ambientes” (IIDA; BUARQUE
2016, p. 439). Algumas cores têm efeitos psicológicos específicos, que são mais ou
menos similares para pessoas de uma mesma cultura e criação, embora com grandes
variações individuais.
Nota-se que, para o bom funcionamento do sistema visual humano, todos os
seus processos devem atuar ativamente em comunhão, considerando-se os diferentes
elementos que influenciam na captação efetiva das informações do mundo visual.
Contudo, é importante destacar a existência de fatores que agem negativamente nesses
processos perceptivos, dentre os quais estão as deficiências visuais e questões
relacionadas a idade do indivíduo.
Basicamente, existem dois tipos de deficiência visual: baixa acuidade e
daltonismo (IIDA; BUARQUE, 2016). Segundo Iida e Buarque (2016), o daltonismo ou
discromatopsia está relacionado ao funcionamento irregular dos cones, causado por
mutação genética que influencia na apreensão de cores específicas. Em relação a
acuidade visual, nota-se que elementos indispensáveis para o seu desempenho são
afetados com o avanço da idade; Iida e Buarque (2016) destacam que os níveis de luz
percebidos pelo sistema visual são cada vez menores em decorrência da redução do
tamanho da pupila ao longo dos anos.
Outro problema discutido no âmbito da visão é a fadiga visual, muito relacionada
às questões do mercado de trabalho, que incluem “a má iluminação e fatores
organizacionais, tais como rigidez das rotinas e longos períodos de trabalho sem pausas”
(IIDA; BUARQUE, 2016, p. 429). A dificuldade em focalizar objetos a distâncias variadas
(acomodação) é um efeito da perda de elasticidade do cristalino, fator diretamente
ligado ao aumento da fadiga visual, percebido também pelo avanço da idade (KROEMER;
GRANDJEAN, 2005; IIDA; BUARQUE, 2016).
As explanações acerca das condições de funcionamento do sistema visual
humano apontam que ele é formado por conexões ativas entre informações do mundo
visual, apreendidas pelos olhos, e imagens retinianas sujeitas a interpretações pessoais
na mente dos indivíduos. Dessa forma, é importante entender como questões subjetivas
atreladas a construção de sentido a partir da visualidade, tornam-se fatores
determinantes para a consolidação da percepção.
Os processos perceptivos são passíveis de decodificações distintas, vinculadas a

78
diversas situações, dentre as quais destacam-se as diferenças em experiências, atitudes
e ideias de cada ser humano (KROEMER; GRANDJEAN, 2005). Assim, os dados sensoriais
sofrem interpretações únicas, relacionadas a fatores de personalidade, com variações
quanto a origem e intensidade, por exemplo. O início do processo de assimilação de
significados dá-se, segundo Santaella (2012), ainda nos olhos, primeiros órgãos
responsáveis por codificar e decodificar pistas visuais, funcionando não apenas como
canais transmissores, mas como agentes responsáveis por apreender informações.
Hoffman (2000) explica as particularidades sobre o que chama de “inteligência
visual”, teoria que tange pontos similares aos da sintaxe visual, discutida anteriormente
nessa pesquisa. Segundo o autor, da mesma maneira que as pessoas se utilizam de
regras gramaticais no entendimento de frases e textos, também podem, utilizando
regras da visão, compreender os significados das imagens. Somos criaturas finitas sem
a memória para armazenar frases ou imagens incontáveis, logo, aprender uma língua ou
aprender a ver não pode ser apenas uma questão de armazenar frases ou imagens
(HOFFMAN, 2000).
Ainda segundo o autor, assim como a inteligência racional pode ser alimentada
por gêneros literários, e a inteligência emocional, perpetuada por histórias tocantes e
narrativas dramáticas, a inteligência visual também pode ser desafiada por escolhas
pessoais quanto às mídias visuais apreciadas.
Hoffman (2000) reforça que o “sistema visual constrói de forma inteligente
mundos visuais com base em imagens nos olhos”. Dessa maneira, o processo da visão
não representa somente um registro de pistas visuais, mas sim a assimilação de
estruturas significativas e a construção do que se vê (HOFFMAN, 2000; ARNHEIM, 2011).
Nessa lógica, as estruturas do mundo visual são decodificadas por
procedimentos que respaldam a percepção como um todo; assim, pensamento,
raciocínio, intuição e observação são ações que levam a compreensão de elementos
como: equilíbrio, configuração, desenvolvimento, espaço, luz, cor, movimento,
dinâmica e expressão (ARNHEIM, 2011). É a partir da decodificação desses elementos
que, de acordo com a abordagem artística da realidade proposta por Arnheim (2011), o
indivíduo cria suas noções sobre o mundo visual.

79
2.4.2 Emoção e design emocional

As discussões anteriormente apresentadas mostram que a subjetividade é traço


comum no estudo das imagens, das ilustrações com ênfase no pensamento criativo,
bem como das teorias da percepção visual. Assim, destaca-se a ênfase em
interpretações pessoais relacionadas às visões de mundo e experiências prévias dos
leitores em suas relações com os artefatos discutidos.
De acordo com Desmet (2002), os estudos acerca dos fenômenos afetivos, tais
como a emoção e o sentimento, ainda não são baseados em conceitos consolidados,
tendo em vista que parecem ser tão intangíveis quanto são atraentes. Contudo, na visão
de Damásio (2011), eles não são impalpáveis, pelo contrário, tratam de abordagens
concretas, e por meio das conexões que estabelecem com sistemas específicos do corpo
humano, incluindo sinapses cerebrais, estabelecem discussões notáveis passíveis de
aplicação prática.
Dessa forma, ainda que este campo de pesquisa tenha revelado estudos recentes
promissores, as teorizações quanto aos estados afetivos confundem-se a partir do
momento em que tratam-se todos os tipos de fenômenos (emoções, sentimentos,
sensações, humores, estados emocionais etc.) como pertencentes exclusivamente aos
significados do termo “emoção” (DESMET, 2002). Nesse sentido, Norman (2008) aponta
que todos são aspectos referentes ao funcionamento da mente humana, sobretudo no
domínio afetivo, mas ressalta que assumem papéis diferentes nesse processo.

A palavra "emoção" é frequentemente aplicada a uma ampla variedade de


fenômenos, como paixões, sentimentos, temperamentos e humores. Embora
essas palavras sejam regularmente usadas de forma intercambiável, elas de
fato se referem a fenômenos experienciais específicos e diferentes (DESMET,
2002, p. 3, tradução nossa).

De acordo com Damásio (2011) o significado da palavra “emoção” é literalmente


“movimento para fora”, o que fica claro ao entendê-la como a tradução de um processo
envolvendo avaliações mentais e respostas dispositivas que resultam tanto em estados
emocionais do corpo, quanto em alterações mentais adicionais.

Vejo a essência da emoção como a coleção de mudanças no estado do corpo


que são induzidas numa infinidade de órgãos por meio das terminações das
células nervosas sob o controle de um sistema cerebral dedicado, o qual
responde ao conteúdo dos pensamentos relativos a uma determinada
entidade ou acontecimento (DAMÁSIO, 2011, p. 168).

80
Essa visão acerca das emoções relaciona-se ao que Desmet (2002) aponta como
“the bodily-feedback perspective on emotions”, ou seja, tem-se a emoção como resposta
corporal a certa situação ou objeto, conforme teoria que defende o envolvimento do
corpo como fator essencial na percepção das emoções.
Desmet (2002) aponta que as emoções positivas são provocadas, por exemplo,
por situações ou artefatos avaliados como benéficos, enquanto as emoções negativas,
por estímulos percebidos como nocivos. Vale ressaltar que por tratar-se de respostas
imediatas, as emoções influenciam o comportamento humano durante período de
tempo relativamente curto, entre minutos ou horas (NORMAN, 2008).
Outra característica peculiar à emoção é o seu caráter de flexibilidade quanto as
experiências pessoais e únicas de cada indivíduo, ou seja, por mais que as conexões
estabelecidas entre acontecimentos e emoções sejam compartilhadas por diferentes
pessoas, cada uma processa os elementos de forma particular, culminando em
percepções emocionais distintas (DAMÁSIO, 2011). Destaca-se também o fato de que as
mesmas emoções podem expressar-se com intensidades diferentes, “por exemplo, são
gradações do ódio: ressentimento, contrariedade, indignação, rancor, raiva, ira e fúria”
(IIDA; MÜHLENBERG, 2009, p. 47).
Assim, ao trazer essas discussões para o campo do design, Hsuan-An (2017)
destaca que:

O design e o modo de uso de um produto provocam em diferentes usuários


diversos níveis de reação psicológica, em termos de sensação, emoção e
sentimento. Um objeto aparentemente simples é capaz de causar complexas
reações. Em diferentes momentos – de contemplação, de escolha, de
compra, de posse e de uso – diferentes graus emocionais podem se
manifestar conforme condições psicológicas do seu usuário (HSUAN-AN,
2017, p. 148).

Os artefatos de design enquanto elementos externos, são capazes de provocar


emoções e suscitar sentimentos nos usuários, depreendendo-se que são agentes
importantes na formação das modernas interações socioculturais. Ao proporcionar a
conexão com o mundo, os “objetos mostram-se companheiros emocionais e intelectuais
que sustentam memórias, relacionamentos e histórias, além de provocarem
constantemente novas ideias” (DOHMANN, 2013, p. 33).
Para Sudjic (2010), o design é a linguagem que uma sociedade usa para criar
objetos que reflitam seus objetivos e valores. Pode ser usado de formas manipuladoras

81
e mal-intencionadas, ou criativas e ponderadas. “O design é a linguagem que ajuda a
definir, ou talvez a sinalizar, valor” (SUDJIC, 2010, p. 49). Nesse sentido, Cardoso (2013)
aponta que um dos principais objetivos dos modernos projetos de design é imbuir
significados aos artefatos, codificando-os com signos e informações que poderão ser
interpretados tanto pelo uso quanto pela aparência. O autor acrescenta que
especialmente por meio da visualidade, o design é capaz de sugerir atitudes, estimular
comportamentos e equacionar problemas complexos.

As linguagens visuais usadas em produtos, com seus signos semânticos e


simbólicos carregados de elementos de estímulo sensorial, transmitem
mensagens, significados e ideias para o indivíduo receptor. Este decodifica as
mensagens de imediato, pela experiência e pelo conhecimento, e as
interpreta à sua maneira (HSUAN-AN, 2017, p. 151).

Nessa perspectiva, o campo de estudo (e prática) que está diretamente


relacionado a interação emocional das pessoas com os artefatos e também a
experiência decorrente, denomina-se design emocional. A área surgiu com o objetivo
de equacionar questões subjetivas dessa interação, “considerada hoje um dos fatores
decisivos no momento em que o usuário necessita optar por um produto” (QUEIROZ;
CARDOSO; GONTIJO, 2009, p. 2). Segundo Hsuan-An (2017), cada vez mais tem se
enfatizado o benefício emocional dos objetos, com vistas a exercer o poder de
persuasão e influenciar na decisão dos consumidores na hora da compra. Tonetto (2011)
reforça que esse tipo de atividade, de certa maneira, sempre foi praticado pelos
designers, sem a certificação de que suas intenções projetuais tinham realmente o
impacto desejado sobre os usuários.
Vale ressaltar que a valorização dos aspectos intangíveis dos artefatos é algo
ainda recente, datada das últimas décadas do século passado. Segundo Cardoso (2012),
no cenário de pós-guerra em que o design começou a se firmar, as relações tendiam a
ser mais racionais. Hoje a indústria caminha em direção à “produção flexível, com cada
vez mais setores buscando segmentar e adaptar seus produtos para atender à demanda
por diferenciação” (CARDOSO, 2012, p. 17). Iida e Mühlenberg (2009) ponderam que
pessoas não se contentam apenas com a qualidade funcional dos produtos. Buscam,
“cada vez mais, a emoção e o prazer. Aos olhos do moderno consumidor, esses aspectos
passam a ser dominantes, suplantando aqueles racionais, inclusive a funcionalidade e o
preço (IIDA; MÜHLENBERG, 2009, p. 49).

82
Tonetto (2011) explica que o designer deve considerar que as tecnologias e
métodos de produção disponíveis já são capazes de conceber produtos tecnicamente
impecáveis, ou seja, aquilo que assertivamente adiciona valor de diferenciação ao
artefato são suas propriedades referentes a capacidade de prover as experiências
desejadas pelo consumidor. O autor acrescenta que o design emocional é, portanto,
“mais propriamente uma abordagem holística das necessidades e desejos do usuário,
do que um mecanismo de manipulação de sua experiência” (TONETTO 2011, p. 133).
Grande parte dos objetos e eventos, segundo Moraes e Dias (2013) provocam
algum fenômeno afetivo, e, consequentemente, produzem uma infinidade de
associações possíveis entre produtos, situações e emoções experimentadas. Dessa
forma, os autores indicam que as emoções no campo do design “podem implicar em
importantes reações: podem alterar o humor, provocar mudança de hábitos e condutas,
melhorar a sociabilidade, autoestima e bem-estar” (MORAES; DIAS, 2013, p. 11). Sobre
essa questão, Miller (2013, p. 90) corrobora que: “esse novo mundo material que
moldamos [...] nos permite viajar, melhorar nossa dieta, nos divertir, viver mais tempo.
[...] ganhamos em complexidade, sofisticação e conhecimento”.
Observa-se que as teorias do design emocional trabalham com a ideia de que,
por meio de procedimentos especializados, os significados e ênfases em aspectos
subjetivos podem ser medidos, projetados e aplicados ao longo da produção,
distribuição e uso dos artefatos. Segundo Tonetto (2011), as teorias caracterizam-se
como a união entre a psicologia e o design, e têm contribuído no desenvolvimento de
metodologias e processos de análise voltados para as necessidades contemporâneas. O
autor enfatiza que tais processos otimizam a certificação de que os estados afetivos
desejados podem, de fato, ser projetados através de elementos do design.
Essa área se refere, portanto, à profissionalização do projetar com o intuito
explícito de despertar ou evitar determinadas emoções. Nessa perspectiva, Hsuan-An
(2017, p. 148) concorda que “é totalmente possível e viável que o designer tenha pleno
conhecimento dos princípios e regras gerais de estímulos perceptivos, sensitivos e
afetivos no processo de design e no processo de uso”.
Mesmo que os objetivos do designer estejam voltados à maneira planejada de
indução de emoções por meio dos elementos projetuais, deve-se estar atento ao fato
de que as emoções são estados afetivos particularmente individuais, que residem no

83
próprio usuário e jamais no produto em si; ou seja, as emoções suscitadas no indivíduo
não necessariamente são as mesmas pretendidas pelo designer (NORMAN; ORTONY,
2003).
Para Sudjic (2010), o design tem assumido o papel de transmitir mensagens
sofisticadas através de linguagem específica, capaz de vincular nos artefatos, sentidos
relacionados à identidade, visões de mundo e histórias peculiares. O autor complementa
que essa linguagem é utilizada para moldar os objetos, com mais ou menos habilidade,
a fim de que sejam vistos como canais de comunicação, ou seja, que falem por si
mesmos.

84
Capítulo 3
METODOLOGIA

3.1 CARACTERIZAÇÃO DA PESQUISA

Embora não haja uma definição unívoca com relação à pesquisa e investigação
científica, esta pode ser classificada sob várias perspectivas, tais como: sua natureza,
seus objetivos, a forma de abordar o problema e o ponto de vista de seus
procedimentos, conforme mostra o Quadro 1.
Esta pesquisa, por sua natureza, caracteriza-se como uma pesquisa aplicada,
que, segundo Silva (2005), objetiva gerar conhecimentos para aplicação prática dirigidos
à solução de problemas específicos, e se propõe a estudar questões projetuais
relacionadas à prática do design gráfico editorial.
Ao considerar as discussões sobre o processo de criação de ilustrações e capas
de livros, bem como aspectos subjetivos da relação desses artefatos com leitores, a
abordagem da pesquisa define-se como qualitativa, uma vez que não envolve coleta de
dados quantitativos.
Quadro 1 – Caracterização da pesquisa

Fonte: elaborado pelo autor (2020).

Os procedimentos metodológicos adotados dizem respeito ao estudo


aprofundado acerca dos temas primordiais da pesquisa, sendo que a pesquisa
bibliográfica previamente consolidada fornece aportes importantes para a seleção de
variáveis que influenciarão na pesquisa descritiva proposta.
85
3.2 ESTRUTURA DA PESQUISA

Figura 15 – Estrutura da pesquisa

Fonte: elaborado pelo autor (2020).

86
3.3 SELEÇÃO DAS AMOSTRAS PARA ANÁLISE

O material escolhido para o estudo das capas ilustradas de livros destinados ao


público adulto foi composto por exemplares laureados no Prêmio Jabuti, entre os anos
2000 a 2019, exclusivamente nas categorias Capa e Ilustração. A ordem de classificação
não foi utilizada como parâmetro de escolha, ou seja, independentemente da posição,
considerou-se em investigação prévia, todos os premiados na edição avaliada. Vale
destacar que, a partir da escolha das capas, fez-se possível estabelecer o grupo de
amostragem, formado tanto pelos próprios exemplares, quanto por capistas e
ilustradores envolvidos com os respectivos projetos de capa e ilustração premiados.
A primeira cerimônia do Prêmio Jabuti aconteceu em 1959, como resultado de
discussões entusiasmadas ocorridas entre os dirigentes da Câmara Brasileira do Livro
(CBL). Ao longo da sua trajetória, se tornou referência no universo dos prêmios literários
do país, e o de maior destaque na América Latina. Seu grande diferencial é a expressiva
abrangência, uma vez que contempla diversas áreas relacionadas à concepção do objeto
livro. Todos os anos, editoras de segmentos distintos e escritores independentes de
diferentes regiões do Brasil, inscrevem suas obras em busca do prêmio e do
reconhecimento que ele proporciona. Em 2018, o Prêmio Jabuti completou 60 anos, e,
nesta ocasião, suas categorias foram reorganizadas em quatro eixos: Literatura, Ensaios,
Livro e Inovação. A mudança serviu para racionalizar e qualificar as áreas do
conhecimento, além de fazer com que o prêmio fosse visto, ainda mais, como
potencialmente abrangente. Para dar mais prestigio aos vencedores, o Jabuti passou a
ter somente um ganhador por categoria. A premiação mudou para que a revelação dos
ganhadores de cada categoria, além do “Livro do Ano”, passasse a ocorrer apenas na
cerimônia de premiação.
Os livros premiados recebem o troféu na Cerimônia de Premiação da edição,
como também a permissão de uso do Selo do Prêmio aplicado na capa da obra, o que é
um reconhecimento ao autor, editora e profissionais envolvidos com a produção
editorial. A Figura 16 apresenta os selos distribuídos na Edição de 2019, em (a) o selo
principal da premiação, o “Livro do ano”; (b) o selo para os premiados em cada uma das
categorias, sendo um único prêmio por categoria; e (c) o selo para os livros finalistas.

87
Figura 16 – Modelos dos Selos do Prêmio Jabuti da edição de 2019

(a) (b) (c)


Fonte: CBL (2020)

Vale destacar que as categorias Capa e Ilustração, junto à Impressão, Projeto


Gráfico e Tradução se encontram no eixo Livro, ainda que esta organização seja recente,
posterior a muitas edições do prêmio aqui consideradas.
Ao propor o estudo de capas ilustradas de livros contemplados no Prêmio Jabuti,
pode-se dizer que: por terem sido escolhidas com base em pré-requisitos consolidados,
estes exemplares representam amostragem de importância significativa para a
elucidação das questões levantadas por esta pesquisa. Dessa forma, é importante
conhecer a definição e os critérios de escolha adotados pelo Prêmio, em ambas as
categorias:
Na categoria Capa - Concepção e desenvolvimento gráfico de capas e sobrecapas
(se for o caso). Os critérios avaliados pelo júri são: (i) atratividade visual e identificação
com o tema da obra; (ii) harmonia entre capa e demais elementos; e (iii) visibilidade e
legibilidade das informações (CBL, 2020).
Na categoria Ilustração - imagens, criadas a partir de desenhos ou de outras
técnicas visuais e artísticas, que apresentem uma narrativa de forma autônoma ou
associada ao texto, se houver. Os critérios avaliados pelo júri são: (i) originalidade e
inventividade; (ii) capacidade de contar uma narrativa visual, e interação entre imagem
e texto (se houver); e (iii) identidade e unidade visual (CBL, 2020).

3.4.1 Processo de definição da amostragem

Com o período de 2000 a 2019 estabelecido como critério inicial, realizou-se


investigação minuciosa no site do Prêmio Jabuti, onde estão elencados todos os

88
premiados por cerimônia. Neste processo foram identificados os livros laureados nas
vinte edições correspondentes ao período estudado, que atendessem algumas
características previamente estabelecidas: (1) apresentar ilustrações em sua capa, não
necessariamente como elemento único; (2) ser um livro do gênero ficção ou que tenha
a ficção como um dos gêneros literários da narrativa; (3) ser primordialmente destinado
ao público “adulto”. Também se priorizou que os títulos escolhidos fossem escritos
segundo diretrizes do texto em prosa, excluindo segmentos como: livros de poemas,
histórias em quadrinhos (HQ’s) e livros de imagem.
É importante ressaltar que neste trabalho adota-se para “ilustrações” conceito
similar ao estabelecido pelo regulamento do Prêmio Jabuti, ou seja, são imagens
desenvolvidas por meio de desenhos, pinturas ou outras técnicas de produção visual e
artística, que tenham sido elaboradas por procedimentos analógicos ou digitais.
Para otimizar a identificação das capas, foi importante a adoção de
especificações quanto as imagens estampadas. Dessa forma, foram encontradas, além
das capas ilustradas, outras que continham: fotografias, fotomontagens, composições
tipográficas (imagens formadas unicamente por elementos tipográficos) ou imagens
mistas (fotografia + ilustração).
Como explanado anteriormente, todos os premiados, incluindo 1º, 2º, 3º lugar,
além daqueles que receberam menção honrosa foram avaliados. Ressalta-se que a partir
de 2018 o Prêmio Jabuti passou a divulgar apenas um ganhador por categoria.
A categoria Capa foi a primeira a ser investigada. Os resultados encontrados
podem ser vistos a seguir na Figura 17, e a apresentação completa desta busca está
detalhada no APÊNDICE A.

89
Figura 17 – Levantamento dos premiados da categoria Capa do Prêmio Jabuti de 2000 a 2019

Fonte: elaborado pelo autor (2020).

A etapa da busca iniciou-se com um campo amostral de 56 exemplares de capas,


das quais 36 foram descartadas por não conter ilustrações, resultando em 20 capas
ilustradas. A etapa posterior foi identificar as capas em relação aos gêneros literários,
descartadas aquelas que não fossem de ficção. E por fim, dentre os oito exemplares de
ficção, somente sete eram dedicados ao público adulto. As amostras que atenderam
todos os critérios estabelecidos foram: Coleção Guimarães Rosa; Moby Dick; Os
Embaixadores; Ratos; Dom Quixote; O Gigante Enterrado; O sumiço. As informações
detalhadas sobre cada exemplar encontram-se no Quadro 2.
Em seguida, realizou-se a busca por amostras correspondentes na categoria
Ilustração. Os resultados encontrados podem ser vistos na Figura 18, e a explanação
completa desta investigação está detalhada no APÊNDICE A. É importante salientar que
a categoria Ilustração somente passou a ser considerada, de acordo com informações
do site do Prêmio Jabuti, a partir de 2011.
A etapa da busca iniciou-se com um campo amostral de 23 exemplares de capas,
das quais uma foi descartada por não conter ilustrações, resultando em 22 capas
ilustradas. A etapa posterior foi identificar as capas em relação aos gêneros literários,
descartadas aquelas que não fossem de ficção, como poemas, livros de imagens, de não
ficção e histórias em quadrinhos (HQ), totalizando sete de ficção. E por fim, dentre os
sete exemplares de ficção, somente cinco eram dedicados ao público adulto.

90
Figura 18 – Levantamento da categoria Ilustração do Prêmio Jabuti de 2000 a 2019

Fonte: elaborado pelo autor (2020).

Nesta categoria foram encontradas cinco amostras que atenderam todos os


critérios estabelecidos. Foram elas: A Janela de Esquina do Meu Primo; Storynhas;
Decameron; Lobisomem Sem Barba; Novelas exemplares. As informações detalhadas
sobre cada exemplar encontram-se na Quadro 2.
A partir dos resultados das duas investigações, foi estabelecido o grupo de
amostragem, formado por: doze livros, entendendo a Coleção Guimarães Rosa como
um exemplar, e doze profissionais, entre capistas e ilustradores responsáveis por cada
projeto laureado no Prêmio Jabuti. Uma particularidade deve ser apontada: o capista
Alceu Chiesorin Nunes assinou dois projetos de capas premiadas, referentes ao livro
Dom Quixote, realizado em parceria com o ilustrador Samuel Casal, e O Gigante
Enterrado. Este fato explica o quantitativo de amostragem dos livros e profissionais e a
repetição do título Dom Quixote, uma vez que se considerou tanto o capista como o
ilustrador como participantes do grupo amostral.

91
Quadro 2 – Seleção prévia das amostras dos livros premiados do Prêmio Jabuti

Fonte: elaborado pelo autor (2020).

Apoiado nestas considerações se consolidou o grupo amostral com doze livros e


doze profissionais. O passo seguinte foi estabelecer o contato com todos os profissionais
para prosseguimento da investigação, objetivando a realização de entrevistas. Entende-
se que, ao considerar as singularidades de cada narrativa, conectando-as com produções
de renomados profissionais do design gráfico editorial atuantes em um número
significativo de editoras, o conjunto escolhido representa um delineamento apropriado
ao estudo proposto neste trabalho.

3.4 MÉTODO DE PESQUISA

Na perspectiva de compreender o ponto de vista dos ilustradores e capistas no


que diz respeito ao processo do design editorial na produção do livro, e ao entender que
o conhecimento sobre suas experiências profissionais facilita a discussão sobre os temas
levantados por esta pesquisa, optou-se por realizar entrevistas qualitativas. Como
enfatizam Bauer e Gaskell (2008) tal processo viabiliza o mapeamento e a compreensão
das visões de mundo dos respondentes, e, portanto, mostra-se adequado para aplicação
92
aos profissionais envolvidos nos projetos de capas premiadas anteriormente
apresentados.

3.5.1 Entrevistas

A entrevista qualitativa fornece o aporte necessário para o desenvolvimento e a


“compreensão das relações entre os atores sociais e sua situação. O objetivo é uma
compreensão detalhada das crenças, atitudes, valores e motivações, em relação aos
comportamentos das pessoas em contextos sociais específicos” (BAUER; GASKELL, 2008,
p. 65).
Entende-se que a busca por informações diretamente com os profissionais é a
melhor maneira de apreender conhecimentos peculiares sobre os processos de design
gráfico-editorial envolvidos na produção da capa de livro. Assim, ao propor a discussão
sob o ponto de vista dos próprios ilustradores e capistas responsáveis por projetos
premiados, a entrevista qualitativa proporciona profundidade significativa, favorecendo
o fornecimento de informações contextuais que ajudam a explicar achados específicos
(BAUER; GASKELL, 2008, p. 65-66).
Contudo, além do compartilhamento de noções sobre a sua atuação profissional
específica, o respondente acaba por apresentar fatores da sua relação com outros
agentes envolvidos no design da capa de livro, revelando pontos importantes do
processo editorial como um todo. Assim, é interessante levantar questionamentos sobre
a relação de trabalho com: o editor, autor, o diretor de arte e outros profissionais.
Por outro lado, é relevante compreender os vínculos dos profissionais com os
usuários. Ou seja, é importante conhecer sobre as noções prévias do ilustrador em
relação ao público-alvo leitor, além de compreender como os profissionais recebem o
feedback da percepção do público quanto ao projeto gráfico das capas.
Deste modo, o material coletado nas entrevistas ajuda a compreender as
narrativas dos atores envolvidos diretamente com os processos investigados por esta
pesquisa, tanto em termos conceituais quanto abstratos, uma vez que possibilita o
alcance de informações mais subjetivas sobre as experiências e processos criativos dos
indivíduos (BAUER; GASKELL, 2008). Bauer e Gaskell (2008) indicam que, além de
fornecer uma “descrição detalhada” de um meio social específico, as entrevistas
qualitativas podem também gerar material de referência para estudos futuros,

93
concedendo dados para que se testem expectativas e hipóteses desenvolvidas fora de
uma perspectiva teórica.

3.5.2 Preparação e planejamento das entrevistas

O primeiro passo para a execução da entrevista qualitativa é fundamentar o seu


planejamento com base em material de apoio contundente sobre os temas que serão
discutidos. Segundo Bauer e Gaskell (2008, p. 66), assume-se “aqui que o pesquisador
já tenha desenvolvido um referencial teórico ou conceitual que guiará sua investigação
e identificado os conceitos centrais e temas que deverão ser vistos na pesquisa”.
No presente estudo, com o aporte desenvolvido ao longo do referencial teórico,
tem-se como pontos a serem discutidos: os processos de criação da capa ilustrada do
livro destinado ao público adulto; as intenções projetuais pensadas previamente tanto
para a capa quanto para a ilustração que é estampada; os aspectos de recepção dos
leitores (feedback) em relação as capas. Assim, as questões foram preparadas para
contemplar todos os objetivos da pesquisa, com base na leitura e reflexão aprofundadas
do referencial, buscando alcançar um conjunto de perguntas capaz de reconhecer o
campo das capas ilustradas de livros como um todo, além de apontar especificidades de
cada projeto explanado.
O questionário dirigido aos profissionais foi composto de oito questões,
agrupadas em três assuntos: o primeiro grupo (questão 1) intentou elucidar a atuação e
trajetória do profissional no campo editorial de livros; o segundo grupo (questões de 2
a 7) averiguar pontos relativos à capa premiada de sua autoria; e o terceiro grupo
(questão 8) uma questão relacionada ao campo editorial. O roteiro da entrevista foi o
mesmo para os profissionais – capista, ilustrador, autor-ilustrador, designer – salvo
alguns termos e abordagens específicas que foram ajustados a cada modalidade
profissional. O exemplo a seguir é um roteiro para capista.
Sua atuação
1. Fale um pouco sobre sua atuação como capista, especialmente no que tange os
livros de ficção para adultos.
Relacionado ao livro [nome do livro]
2. De que maneira o briefing desse projeto de capa lhe foi passado? Houve troca de
informações com o autor?

94
3. Como surgiu a ideia de usar uma ilustração no projeto de capa, que elementos
respaldaram o seu uso? Conte um pouco sobre o processo de criação do projeto.
4. Quais as intenções projetuais previamente idealizadas para esta capa? Que
sensações desejava-se provocar?
5. Qual a principal mensagem que a capa em questão almeja transmitir aos seus
receptores?
6. Na sua visão, qual a função da capa de livro? E como a ilustração, neste caso
específico, potencializou tal função?
7. Cite cinco termos, entre palavras, frases, adjetivos etc., que melhor representam
emocionalmente a capa em questão.
Relacionado ao campo editorial
8. Existem meios para melhor entender o feedback e recepção do projeto de capa
pelo público? Se sim, como funcionam?

3.5.3 Seleção dos entrevistados

O método da entrevista qualitativa adota o termo “seleção” em vez de


“amostragem”, por entender que conotações sobre um olhar estatístico sistemático
devem ser evitadas em pesquisas qualitativas (BAUER; GASKELL, 2008). Portanto, a
seleção dos entrevistados nesta pesquisa deu-se de acordo com o estabelecimento do
grupo formado por capas premiadas conforme detalhado no tópico anterior. A partir do
reconhecimento dos ilustradores e capistas responsáveis por cada projeto, estabeleceu-
se os participantes a serem abordados para as entrevistas.
Bauer e Gaskell (2008, p. 67) apontam que “a finalidade real da pesquisa
qualitativa não é contar opiniões ou pessoas, mas ao contrário, explorar o espectro de
opiniões, as diferentes representações sobre o assunto em questão”. Portanto, ao
entender que o meio de produção editorial investigado é composto por diferentes
atores, considerou-se importante a segmentação em dois grupos de entrevistados:
capistas e ilustradores. Dessa forma, como explicado anteriormente, foram
identificados seis profissionais de cada uma dessas áreas, constituindo um grupo final
de doze possíveis respondentes.

95
3.5.4 Técnicas de entrevistas

Ao entender que uma pesquisa com entrevistas corresponde à um processo


social, em que a interação ou empreendimento cooperativo fornece aportes para a
consecução dos objetivos, é importante escolher entre aplicá-la de forma individual ou
em grupo (BAUER; GASKELL, 2008). Para os objetivos da presente pesquisa, a
abordagem individual se mostrou mais adequada, uma vez que cada participante foi
agente indispensável dentro de um processo específico de produção de capa ou
ilustração. As entrevistas individuais, por conta da impossibilidade de encontros
presenciais em decorrência da pandemia da COVID-19, bem como de outras questões
logísticas, foram realizadas de maneira remota.
Assim, compreendendo que a entrevista qualitativa é respaldada por uma
interação, uma troca de ideias e de significados, procurou-se preencher a lacuna do
aprofundamento mais pessoal, por meio de uma apresentação esclarecedora quanto
aos objetivos da pesquisa, além de facultar ao entrevistado a opção de responder o
questionário via mensagem de texto ou por meio de conversas via aplicativos de
chamada em vídeo ou áudio.
Vale ressaltar que, com vistas a potencializar o teor pessoal, os questionários
foram idealizados e redigidos de acordo com as especificidades de cada profissional,
considerando características dos projetos pelos quais foram responsáveis no Prêmio
Jabuti. Nessa lógica, ao pesquisar previamente o perfil e portfólio dos ilustradores e
capistas, foram estabelecidas questões mais particularmente voltadas aos métodos de
trabalho, bem como referências e intenções refletidas na capa escolhida como exemplar
para análise.
A maior parte das entrevistas se deu por meio do preenchimento dos
questionários enviados por e-mail. Aqui vale destacar que a maioria dos participantes
se mostrou engajada em responder com riqueza de detalhes, dando atenção,
principalmente, aos fatores diferenciadores em relação ao projeto especificamente
tratado. A entrevista com o capista Marcelo Martinez foi realizada com o aplicativo
Zoom, a conversa com o capista Victor Burton se deu por ligação telefônica e o ilustrador
Alex Cerveny optou por responder as questões via áudio no WhatsApp.

96
3.5.5 Análise dos dados

Por fim, o último estágio constituinte do método da entrevista qualitativa


corresponde à análise dos dados apreendidos. Essa fase diz respeito a organização de
todas as informações levantadas junto aos respondentes, distribuindo-as de acordo com
as similaridades e dissonâncias, percebendo peculiaridades interessantes e outras
passagens que possam engrandecer uma discussão satisfatória sobre os temas centrais.
Primeiramente, deve-se transcrever todo o material arrecadado, de maneira
cuidadosa e sistemática. Nesta pesquisa, as transcrições foram organizadas de acordo
com as perguntas similares; ou seja, a fala de um ilustrador que se assemelhou a de
um(a) capista, ou que tocou em questões similares, ainda que em tom de discordância,
foi encaixada de acordo com a questão-guia que suscitou aquele pensamento. Dessa
forma, foi proposto o diálogo entre os diferentes profissionais, enfatizando traços do
campo editorial e apontando particularidades dos processos de cada indivíduo.
Segundo Bauer e Gaskell (2008, p. 86), “é vital garantir que toda interpretação
esteja enraizada nas próprias entrevistas, de tal modo que, quando a análise é feita, o
corpus pode ser trazido para justificar as conclusões”. Nesse sentido, as falas dos
entrevistados mantiveram-se como principal fonte da análise, com exceção de alguns
casos em que foram confrontadas com ideias e teorias de estudiosos e pesquisadores
das áreas discutidas, a fim de embasar ainda mais o conteúdo final da análise.
Além das informações apreendidas nas entrevistas, outras fontes de dados
também foram utilizadas na pesquisa. Alguns profissionais cederam material adicional,
como palestras realizadas, entrevistas publicadas em veículos de imprensa, releases de
galerias de arte, entre outros. Outras fontes secundárias foram obtidas nos websites
oficiais de museus, como o Itaú Cultural, informações de exposições individuais e
coletivas. Outra fonte que compôs o corpus de pesquisa foi o material acadêmico
publicado sobre os profissionais, seja em livros sobre a sua obra, biografia, textos
acadêmicos publicados em periódicos e anais de eventos.

3.5 ASPECTOS ÉTICOS

Os participantes foram informados da finalidade do estudo antes do início da


pesquisa, e aqueles dispostos a colaborar, de forma livre e sem constrangimentos, se
manifestaram por e.mail. No caso de entrevistas on-line, houve a plena concordância

97
dos entrevistados para ser gravada, explicado o motivo restrito à presente pesquisa.
Este projeto já́ foi submetido ao Comitê̂ de Ética em Pesquisa da Universidade
do Estado de Minas Gerais sob o número CAAE 37475720.0.0000.5525. Segue os
preceitos da Resolução CNS nº 510/17 e obedece aos princípios éticos da autonomia,
justiça, beneficência e não maleficência (ANEXO A).
Os entrevistados foram convidados pessoalmente por meio de mensagem de
e.mail, na qual se esclareceu os objetivos da pesquisa e as questões da entrevista,
conforme um exemplo no APÊNDICE B. Um documento “Termos de Consentimento livre
e esclarecido” (APÊNDICE C) foi enviado para ser preenchido e assinado pelo
participante. No caso de aceite de participação, o termo TCLE não foi enviado, porque a
própria resposta afirmativa passou a valer como aprovado.
No caso dessa pesquisa, em razão da natureza, os nomes dos profissionais serão
expostos diretamente no texto, bem como sua identificação nos depoimentos e relatos.
As imagens dos projetos foram cedidas pelos profissionais para o uso com fins
acadêmicos.

98
Capítulo 4
CRIAÇÃO DE CAPAS ILUSTRADAS: RELATOS DOS PROFISSIONAIS

Com base nos processos metodológicos propostos foram elaborados: o convite,


com uma breve apresentação da pesquisa, além de um questionário com perguntas
abertas. Ambos foram enviados por mensagens eletrônicas a treze (13) potenciais
respondentes escolhidos mediante o seu envolvimento profissional em publicações
laureadas com o Prêmio Jabuti, conforme parâmetros de inclusão estabelecidos na
pesquisa. Foram seis (6) capistas, seis ilustradores (6) e uma (1) designer gráfica,
premiados nas categorias Capa, Ilustração e Projeto Gráfico, respectivamente. A
categoria Projeto Gráfico foi considerada apenas em decorrência da premiação do livro
Decameron: Giovanni Boccaccio, também laureado em Ilustração na edição de 2014 do
prêmio.
Destes profissionais, oito (8) aceitaram o convite: cinco (5) capistas e três (3)
ilustradores, perfazendo mais de 60% dos potenciais respondentes. Ressalta-se que,
decorrido um período razoável para o recebimento das respostas, percebeu-se que os
demais não mais entrariam em contato.
Desta forma, considerou-se a amostra final de oito (8) profissionais que
atenderam a todos os critérios estabelecidos na metodologia. Este universo foi
composto por cinco capistas e três ilustradores, conforme o Quadro 3, que apresenta os
profissionais entrevistados, organizados em ordem alfabética.

Quadro 3 – Profissionais entrevistados

Fonte: elaborado pelo autor (2020).

99
Vale aqui destacar que, no Prêmio Jabuti, três atores são igualmente
importantes. Na categoria livro – a obra, o autor e a editora. No caso da categoria Capa
(ilustrada) – a capa da obra, o ilustrador e a editora. Em relação às editoras premiadas
correspondentes às capas que aqui são objeto de estudo, são elas: (i) Autêntica23; (ii)
Balão Editorial24, ambas responsáveis por uma premiação cada; (iii) Cosac Naify25,
responsável por quatro capas aqui selecionadas; (iv) Intrínseca26 e (v) Nova Fronteira27,
também responsáveis por uma capa premiada por editora.
Grande parte das entrevistas se deu por meio do preenchimento dos
questionários enviados por e-mail, com exceção de uma conversa realizada com o
aplicativo Zoom, outra por ligação telefônica e uma terceira via áudio por WhatsApp.
O material recebido, tanto escrito e em áudio, foi devidamente transcrito e
organizado integralmente. O texto foi primeiramente analisado, considerando uma
apresentação dos relatos dos profissionais em relação às respostas de forma individual.

23
A Autêntica Editora foi criada em 1997, em Belo Horizonte, se consolidou no mercado editorial brasileiro
como referência na área acadêmica. Tornou-se, em 2011 o Grupo Editorial Autêntica, formada por seis
editoras: a Autêntica Editora, com foco em livros nas áreas de ciências humanas, literatura brasileira e
estrangeira e clássicos infantojuvenis; a Editora Gutenberg, com livros de para jovens e adultos; a Editora
Nemo, destinada à publicação de quadrinhos, graphic novels e livros voltados ao universo geek; a Editora
Vestígio, com livros de não ficção, romances históricos e títulos de interesse geral; e a Yellowfante, com
publicações voltadas para o público infantil. Já a Autêntica Business se dedica à área de negócios,
administração, marketing e vendas.
24
A Balão Editorial, sediada em São Paulo, estreou em 2010 com o livro Hector & Afonso – Os Passarinhos.
Nesses primeiros anos, publicaram quadrinhos, literatura, acadêmicos, a coleção ZUG, dentre outros.
25
A Cosac Naify foi uma editora brasileira fundada por Charles Cosac e Michael Naify em 1996 em São
Paulo, famosa pela qualidade impecável, publicando livros de arte, arquitetura, cinema, dança, design,
fotografia, infantojuvenil, literatura, moda, música, antropologia, sociologia e teatro. Em 30 de novembro
de 2015, Charles Cosac anuncia o encerramento das atividades da editora, motivada pela crise econômica
brasileira, a alta do dólar, o aumento da inflação e a burocrática legislação vigente no país.
26
A Intrínseca foi fundada em dezembro de 2003, no Rio de janeiro. Apesar de nova, mantem uma política
editorial que prioriza a qualidade, e não a quantidade de lançamentos. Com uma apurada seleção de
títulos, vários livros alcançam um expressivo número de leitores, figurando em listas de best-sellers por
muitos meses, obtendo assim uma incomum unanimidade de elogios por parte do público, da crítica e do
mercado. À bem cuidada curadoria editorial alia-se o apuro na produção gráfica, o que transforma as
edições em objetos de culto a serviço da boa literatura. A Intrínseca tem em seu catálogo, hoje, noventa
livros, sendo três deles entre os dez mais vendidos do país. Inclui autores como James Lovelock, Lionel
Shriver, Michael Pollan, Ben Mezrich, Chris Cleave e os ganhadores do Prêmio Pulitzer, Frank McCourt e
Anne Proulx.
27
A Nova Fronteira é uma das maiores editoras do Brasil, com sede no Rio de Janeiro, fundada por Carlos
Lacerda, em 1965. Possui um catálogo com mais de 1.500 títulos publicados, formado com base em dois
grandes pilares: literatura e obras de referência. No primeiro estão obras de autores nacionais como
Guimarães Rosa, Marques Rebelo, João Ubaldo Ribeiro e Josué Montello, além de alguns dos mais
importantes poetas brasileiros, como Cecília Meireles, Manuel Bandeira e João Cabral de Melo Neto.
Entre os escritores estrangeiros, além dos vencedores do Nobel, destaque para Virginia Woolf, Marguerite
Yourcenar, Italo Svevo, Ezra Pound, Dino Buzzati e a grande dama da literatura policial, Agatha Christie.

100
Contudo, definiu-se por apresentar cada questão, na ordem como se apresentou na
entrevista, com respostas e discussão de todos os profissionais de maneira a estabelecer
um diálogo entre eles.
Em seguida, a partir de um processo sistemático de percepção das similaridades,
dissonâncias e captura de informações relevantes para a pesquisa, realizou-se um
cruzamento de dados (análise) dos materiais levantados, conforme apresentado a
seguir. A análise é entendida como uma imersão do próprio pesquisador no corpus da
produção discursiva decorrente da organização dos dados, como indicam Bauer e
Gaskell (2008).
Vale destacar que os respondentes da pesquisa formam um grupo importante
em termos de profissionalismo e criatividade, composto por indivíduos de gerações
diferentes, com estilos de trabalho peculiares e anos de experiência no mercado
editorial, sobretudo ao se referir a projetos de capas ilustradas de livros de ficção
destinados aos adultos.
Os profissionais são apresentados a seguir, em ordem alfabética, com destaque
para a identificação do respondente (fotografia), a imagem da capa premiada escolhida
para a pesquisa, categoria do prêmio Jabuti em que foi laureado e uma breve biografia
com dados pertinentes à sua trajetória.

101
Figura 19 – Alex Cerveny e obra premiada

Alexandro Júlio de Oliveira Cerveny, mais conhecido por Alex Cerveny, nasceu
em 1963, natural de São Paulo. É artista plástico, desenhista, gravador, escultor,
ilustrador e pintor. Estudou desenho e pintura com Valdir Sarubbi e gravura em metal
com Selma Daffré. Aos 14 anos, trabalhou no estúdio-fábrica do artista Nelson Leirner,
onde teve o seu primeiro contato com a arte contemporânea. Em 1983, fez sua primeira
exposição individual na Elf Galeria de Arte em Belém do Pará. No ano de 1987, a
Galeria Unidade Dois, em São Paulo, preparou sua outra mostra individual “Desenhos”.
Convidado a participar da 21ª Bienal de São Paulo, em 1991, ganhou o Prêmio Secretaria
da Cultura, concedido pelo Estado de São Paulo. No mesmo ano, foi organizada
na Liljevalchs Kunsthall, em Estocolmo, a exposição “Viva Brasil Viva”, sua primeira
mostra internacional. Ainda na década de 1990, participou de feiras de arte
contemporânea em Chicago, Frankfurt, Madri, Paris e Miami e várias exposições
individuais, na Holanda, Estados Unidos, além da exposição “Ouvres sur papier”, no
espaço cultural da Embaixada Brasileira, em Paris. Em 2001, passou a ser representado
pela Galeria Casa Triângulo, em São Paulo.
Seu trabalho como ilustrador é extenso, tendo mantido parceria de muitos anos

102
com a jornalista Barbara Gancia, ilustrando sua coluna no jornal Folha de São Paulo. No
que se refere aos livros, Cerveny fez ilustrações para Vejam Como Sei Escrever, de José
Paulo Paes, publicado pela editora Ática em 2001 e Decameron: Giovanni Boccaccio,
publicado pela Cosac Naify em 2013, pelo qual recebeu o 56º Prêmio Jabuti (2014) na
categoria Ilustração. Também pela mesma editora, ilustrou As aventuras de Pinóquio,
de Carlo Collodi, publicado em 2012. Suas obras como ilustrador foram reunidas em
2005 na mostra Desenhos de Ilustração na Estação Pinacoteca, em São Paulo.
Figura 20 – Daniel Bueno e obra premiada

Daniel Bueno é natural de São Paulo, é ilustrador, artista gráfico e quadrinista.


Formado em Arquitetura e Urbanismo pela Universidade de São Paulo (2001). Em 2007
concluiu sua dissertação de mestrado na mesma instituição. Atualmente é professor da
EBAC - Escola Britânica de Artes Criativas, onde atua desde 2016. Bueno já contribuiu
com mais de cinquenta revistas, além de jornais como a Folha de S. Paulo. Quanto as
editoras de livros, trabalhou com a Cosac Naify e Companhia das Letras. Também já
publicou quadrinhos e desenhos na Ragu (Brasil), Front (Brasil), Stripburger (Eslovênia),
Crash! (Bolívia), Suda Mery K (Argentina/França), Ex Abrupto (Argentina), Distorted
Mirror (Sérvia), Symposion (Sérvia), Taco de Ojo (México) e outras. É membro da Society
of Illustrators (EUA), AEILIJ (Associação de Escritores e Ilustradores de Literatura Infantil

103
e Juvenil) e foi conselheiro da SIB (Sociedade dos Ilustradores do Brasil) entre 2004 e
2014. Já foi premiado no Brasil e outros países, com dois Bronzes no anuário da 3x3
(EUA) e quatro HQ Mix (Brasil). Em 2011 o livro A janela de esquina do meu primo (Cosac
Naify), ilustrado por Bueno, recebeu Menção Honrosa na Feira do Livro Infantil de
Bolonha (Itália), foi selecionado para o Ilustrarte (Portugal, 2012), além de ter sido
laureado com o 53º Prêmio Jabuti (2011) na categoria Ilustração.
Figura 21 – Diego Droschi e obra premiada

Diogo Droschi, nasceu em 1983, em Belo Horizonte, onde vive e trabalha. Se


formou em Design Gráfico pela UEMG (Universidade do Estado de Minas Gerais) e em
Artes Gráficas pela Escola de Belas Artes da UFMG. Trabalha como designer gráfico no
Grupo Autêntica há 13 anos, onde iniciou como estagiário, na época em que a editora
se dedicava basicamente a livros acadêmicos, área ainda forte no mercado. Ilustrou os
livros infantil-juvenis Histórias daqui e d’acolá, Vagalovnis e Desenrolando a língua,
entre outros. Com o livro O Sumiço, voltado ao público adulto e também publicado pelo
Grupo Autêntica, recebeu o 59º Prêmio Jabuti (2016) na categoria Capa.

104
Figura 22 – Elisa von Randow e obra premiada

Elisa von Randow, nasceu em 1974, é designer e ilustradora, vive e trabalha em


São Paulo. Atua como designer desde 1995, tendo participado, em 1997, do curso da
editora Abril de Jornalismo em Revistas, onde trabalhou até 2001. A partir deste ano,
até 2008, integrou a equipe do Máquina Estúdio, de Kiko Farkas, onde desenvolveu
trabalhos para o meio editorial e instituições culturais como Museu Lasar Segall,
Instituto Moreira Salles, FAAP, OSESP, Companhia das Letras e outros. Em 2009
inaugurou sua primeira exposição individual, “Nada está em seu lugar”, com desenhos,
fotos, colagens e gravuras. Atualmente, Elisa colabora com importantes editoras e
instituições culturais, como Companhia das Letras, Instituto Moreira Salles e Sesc-SP.
Entre os projetos de maior destaque estão: criação de capas das reedições dos livros de
Paulo Leminski, Ana Cristina Cesar, Waly Salomão e Pedro Nava (Companhia das Letras)
e direção de arte da revista ZUM de fotografia contemporânea (IMS). Suas ilustrações
foram publicadas no caderno Ilustríssima da Folha de S. Paulo e em diversas capas de
livro. Entre os prêmios recebidos estão: melhor capa da Bienal da ADG de 2005 pelo livro
Umidade (Companhia das Letras), de Reinaldo Moraes; Prêmio Aluísio Magalhães da
Biblioteca Nacional 2008, pelo design do livro Antigos e Soltos (IMS), de Ana Cristina
César; e 53º Prêmio Jabuti (2011) de melhor capa com o livro Os Embaixadores (Cosac
Naify), de Henry James.

105
Figura 23 – Luciana Facchini e obra premiada

Luciana Facchini é designer gráfica, formou-se pela Faculdade de Arquitetura e


Urbanismo da Universidade de São Paulo (FAU-USP), em 2000. Trabalhou na editora
Cosac Naify entre 2005 e 2009 onde participou dos projetos de livros como: Experiência
Neoconcreta, de Ferreira Gullar, A Fera na Selva de Henry James (2º lugar em projeto
gráfico, 50º Prêmio Jabuti 2008), Lampião e Lancelote (3º lugar em capa, 49º Prêmio
Jabuti 2007), de Fernando Vilela, e Moby Dick, de Herman Melville, pelo qual recebeu o
51º Prêmio Jabuti (2009) na categoria Capa. Dirige desde 2010 o seu próprio estúdio,
com trabalhos focados especialmente na área editorial e de exposições, com clientes
como Instituto Moreira Salles, Pinacoteca do Estado de São Paulo, Sesc, VideoBrasil,
entre outros. Teve trabalhos expostos na 7 º, 8 º e 9 º Bienais de Design Gráfico da
Associação de Designers Gráficos do Brasil. Em 2008, o livro Experiência Neoconcreta foi
selecionado pelo American Institute of Graphic Arts para a exposição 50 Books/50
Covers of 2007, em Nova York. Em 2018, o catálogo da exposição homônima Conflitos:
fotografia e violência política no Brasil, 1889-1964, do qual fez parte do processo,
ganhou o 60º Prêmio Jabuti na categoria projeto gráfico.

106
Figura 24 – Marcelo Martinez e obra premiada

Marcelo Martinez é designer gráfico por formação (1995), ilustrador, autor,


educador e capista. Criou, em 2004, o Laboratório Secreto, estúdio de criação gráfica
voltado para projetos do mercado cultural, publicitário e editorial. Ao longo dos anos de
trabalho, assinou projetos exibidos e premiados em mostras de design, ilustração e
animação em países das Américas, da Ásia, da África e na Europa. Suas obras foram
publicadas em materiais internacionais, como: o livro Latin American Graphic Design
(Taschen Books, 2008) e a revista asiática New Graphic (2010). Também em 2010,
recebeu um dos Prêmios Literários Fundação Biblioteca Nacional na categoria Projeto
Gráfico, e, em 2012, foi um dos vencedores do 54º Prêmio Jabuti na categoria Capa, com
o título Ratos, da editora Intrínseca. Desde 2004 faz parte do conselho-diretor da SIB –
Sociedade dos Ilustradores do Brasil, onde coordena os projetos de publicações e
coorganiza o festival “IlustraBrasil!”, vencedor de dois troféus HQMix e apresentado em
cidades do Brasil e exterior. Foi professor de direção de arte na Escola de Design da
UniverCidade, no Rio de Janeiro, de 1998 a 2011, e ministra workshops e palestras em
diversas cidades brasileiras. É também roteirista de TV, fazendo parte do time de
autores dos programas de humor Zorra e Tá no Ar, da Rede Globo.

107
Figura 25 – Victor Burton e obra premiada

Victor Burton, nasceu em 1956, é natural do Rio de Janeiro. Foi criado na França
e Itália, onde iniciou sua carreira na editora Franco Maria Ricci de Milão, cidade em que
residiu de 1963 a 1979, e onde criou suas primeiras capas para a editora Il Formichiere,
em 1977. No Brasil desde 1979, vem se dedicando ao design gráfico na área editorial e
de produções culturais, destacando-se a longa colaboração com diversas editoras, entre
as quais Companhia das Letras, Record, Objetiva, Ediouro e Nova Fronteira. Foi nesta
última que, com uma iniciativa editorial renovadora, entre 1980 a 1985, suas capas se
tornaram um novo padrão visual para o livro no Brasil, como aponta Leite (2005). Victor
Burton já criou mais de 3 mil capas e duzentos projetos de livros de luxo. Foi destaque
nas edições de 1998 e 2000 da Bienal de Design Gráfico e Ouro ADG em 2002 e, vencedor
do prêmio Jabuti de Capa em 1993, 1995, 1996, 1999, 2002 e 2005, e na categoria
projeto editorial em 1997, 1998, 2000 e 2006. A Coleção Guimarães Rosa foi laureada
na categoria Capa no 44º Prêmio Jabuti 2002. Recebeu o prêmio Aloísio Magalhães,
Biblioteca Nacional, na categoria Projeto Gráfico em 1995, 1997 e 2001. Foi um dos "Top
Ten" na exposição Brasil Faz Design 2002, Milão, e o primeiro colocado no Designers by
Designers da revista Design Gráfico em 2002. Em 2006, como parte da coleção Design
Gráfico, a editora Viana & Mosley publicou um livro sobre a trajetória profissional de
Victor Burton, com texto de Isabella Perrota, sua assistente nos anos 1980.
108
Figura 26 – Wagner William e obra premiada

Wagner William é artista visual desde 2006. Já trabalhou em diversos projetos


editorais para livros didáticos e, em 2014, lançou o seu primeiro livro com autoria do
texto e imagem, Lobisomem Sem Barba, pela Balão Editorial, premiado na categoria
Ilustração no 58º Prêmio Jabuti (2015). De lá para cá, já foram nove livros editados,
assinando todo o projeto. Também já colaborou como ilustrador em coletâneas, e
trabalhou como capista para diversos livros de editoras como: Todavia, Três Estrelas e
Casa da Palavra. Já realizou quatro exposições individuais: “Silvestre” (Centro Cultural
São Paulo), 2019; “Antes da Razão” (Espaço Cultural Vallourec, em Belo Horizonte),
2015; “Saravá Bangs” (Galeria Vertente, em Campina), 2011 e “Abate!” (Passagem
Subterrânea da Consolação, em São Paulo), em 2006.

A seguir as questões do roteiro são discutidas entre os diversos profissionais, na


sequência em que se deram na entrevista individual, e aqui tratadas em conjunto. Vale
lembrar que alguns textos são citações, ou parte de depoimento oral que se deram de
forma informal entre o pesquisador e profissional entrevistado. Em alguns casos,
preservou-se a ideia do entrevistado, ainda que em escrita coloquial.

109
Questão 1

Fale um pouco sobre sua atuação como ilustrador ou capista, especialmente no que
tange projetos do campo editorial de livros de ficção para adultos.

O ponto inicial da entrevista objetiva conhecer mais da atuação profissional dos capistas
e ilustradores, reverberando em questões sobre a formação acadêmica e humana dos
indivíduos, uma vez que são dois campos de atuação inseridos na comunicação visual
que não têm uma tradição de cursos profissionalizante ou de graduação específicos.
Sobre essa questão, é interessante notar que dois profissionais entrevistados, o
ilustrador Daniel Bueno e a designer gráfica e capista Luciana Facchini são formados em
Arquitetura e Urbanismo pela Universidade de São Paulo (FAU-USP). Facchini (2009)
comenta que, quando precisou decidir sobre sua profissão, optou pelo curso de
arquitetura da USP por entender que teria uma formação ampla nas áreas visuais
(paisagismo, programação visual, desenho industrial, planejamento urbano, etc.). A
designer acrescenta que no início dos anos 2000, época em que se formou, ainda não
existiam tantas opções de graduação em Design, e destaca que o curso da FAU-USP
forneceu uma boa base projetual para sua atuação.

O curso na FAU-USP foi amplo. Além de arquitetura e urbanismo


estudávamos desenho industrial e design gráfico. Desenhar era muito
importante. Além disso, alguns alunos faziam quadrinhos e revistas. Na
verdade, muitos dos formados se tornaram fotógrafos, designers, artistas,
cartunistas (BUENO, 2008, tradução nossa).

O capista Diogo Droschi, profissional atuante no Grupo Autêntica há 13 anos,


tem como base as suas formações em Design Gráfico pela Universidade do Estado de
Minas Gerais (UEMG) e em Artes Gráficas pela Escola de Belas Artes da UFMG. Sobre os
projetos de livros de ficção destinados ao público adulto, Droschi (2020) destaca que
essa é uma das categorias mais complexas discutidas entre os atores da editora.

Acredito que fazer projetos gráficos para todos os gêneros literários têm o
seu grau de dificuldade, nunca é algo simples, mas talvez a ficção adulta seja
o gênero mais desafiador. Envolve muito mais pesquisa, entendimento de
público e uma harmonia com a estratégia da equipe comercial e de marketing
(DROSCHI, 2020).

Portanto, percebe-se que o conhecimento sobre processos metodológicos e


noções acerca do público-alvo impulsionam a obtenção de resultados satisfatórios em
projetos de capas de livros. Assim, ao entender que a maioria das graduações em design

110
e arquitetura fomentam discussões nessas áreas, infere-se que esses cursos
proporcionam aportes interessantes para quem deseja trabalhar na elaboração desses
projetos. Segundo Lima (2017, p. 66), os capistas com “formação em design possuem
uma metodologia de trabalho um pouco mais definida, por mais que seja intuitiva e não
proposital”.
Sobre a questão projetual, o capista Marcelo Martinez, formado em 1995 em
Desenho Industrial – com habilitação em Programação Visual - pela Faculdade da
Cidade, no Rio de Janeiro, curso análogo ao que hoje se entende por design gráfico,
destaca que “quem manda é o projeto, o projeto pede, ele tem um tom de voz, ele tem
um discurso próprio” (MARTINEZ, 2020). Segundo o profissional, ao tratar-se da
elaboração de uma capa ilustrada, é o discurso do projeto que vai demandar o uso de
um estilo de desenho específico em detrimento de outro, cabendo aos atores do
processo, como diretor de arte ou designer gráfico responsável, “ler todos os sinais,
elaborar a sua teoria, decidir o que ele quer contar graficamente, e optar pelo melhor
caminho” (MARTINEZ, 2020).
Evidencia-se a questão metodológica que permeia o trabalho do capista, uma
vez que são diversas etapas que constituem a construção do projeto. Nesse cenário,
destaca-se que, embora todos os capistas entrevistados nesta pesquisa atuem e se
apresentem como designers, esta não é uma premissa unânime, uma vez que existem
profissionais com outras formações ou ainda que baseiam o seu trabalho de forma
experimental e empírica.
Dessa forma, ainda que este não seja o caso de Elisa von Randow, capista e
designer responsável pela capa do livro Os Embaixadores (2011), sua forma de trabalhar
e lidar com cada projeto específico tange fatores mais lúdicos, talvez por também ser
ilustradora. Randow (2020) conta que seu processo envolve a tentativa de sorver o estilo
literário do livro, conectando-se com a poética da obra, e sustentando o procedimento
em uma pesquisa visual composta por: imagens, tipografia, ilustrações e outros
materiais visuais. Elisa von Randow se auto intitula uma leitora dedicada que tem feito
capas de livros há pelo menos 15 anos, e destaca que “desenhar estes projetos é uma
maneira de traduzir visualmente a obra literária”. Assim, para a elaboração de um
trabalho notável, procura, sempre que possível, ler os livros para os quais faz as capas,
indicando ser esta a sua maior fonte de inspiração em grande parte dos projetos dos

111
quais participa (RANDOW, 2020).
Sobre a tradução imagética de uma narrativa textual, especialmente no caso da
ilustração, “a sensatez nos diz que deverá sempre existir um equilíbrio entre as
intenções literárias do escritor e a visão pessoal do ilustrador dessas intenções. A
originalidade da leitura visual do texto não é uma negação do mesmo” (OLIVEIRA, 2008,
p. 33).
Nesse cenário, Victor Burton é um dos capistas pioneiros na contemporânea
valorização do uso das imagens em capas de livros no país. De acordo com Leite (2005),
a tradição tipográfica europeia, que valoriza o fazer artesanal, acrescida de referências
brasileiras, como o barroco litorâneo e o de Minas Gerais, constituem parte do
repertório visual peculiar de Burton.
Leite (2005) aponta que, a chegada do capista ao cenário do design editorial
brasileiro repercutiu de forma variada junto a outros profissionais que ainda mantinham
comprometimento inflexível com o geometrismo suíço-alemão, o qual evitava ao
máximo o uso de imagens pictóricas ou de qualquer outro elemento gráfico. Contudo,
foi neste contexto que, trabalhando na editora Nova Fronteira, com uma iniciativa
editorial renovadora - entre 1980 a 1985 -, Victor Burton se tornou referência no que
diz respeito a intensa articulação entre imagem e texto no objeto livro (LEITE, 2005).
Entende-se, portanto, que o capista ou o “designer gráfico que projeta livros é
um arquiteto de objetos de ler palavras e imagens, levando em consideração que
palavras também são imagens, assim como as ilustrações” (CORRÊA; PINHEIRO; SOUZA,
2019, p. 73). Daniel Bueno (2008), ilustrador com formação em arquitetura comenta
que:

De alguma forma, quando estou fazendo um desenho, tenho a sensação de


que sou um arquiteto: fazendo um plano que será seguido no resto do
processo, construindo e racionalizando. Gosto também de deformar, de lidar
com misteriosos espaços planos e abstrações (BUENO, 2008, tradução nossa).

Em seu trabalho, Daniel Bueno organiza os elementos visuais de forma a fugir de


soluções óbvias, e aponta que a sua formação como arquiteto o ajudou a construir um
repertório visual peculiar, repleto de referências do cubismo, que remetem aos
desenhos geométricos que fez durante a graduação na FAU-USP (BUENO, 2008). O
ilustrador, antes de sair da faculdade, começou a trabalhar para revistas e jornais,
percebendo que no campo editorial teria liberdade para desenvolver uma obra autoral.

112
No que se refere especificamente à atuação dos ilustradores na produção
editorial do livro, é perceptível a aproximação dessa atividade com características mais
subjetivas, por vezes lúdicas. Segundo Alex Cerveny (2020), ilustrador que atua bastante
no campo editorial, o seu trabalho tem muito ligação ao prazer visual, ao carinho e a
“algo que é para ser visto com uma lente”. Conforme comenta Cerveny (2020),
encontrar ilustradores com linguagens que se adequem a um projeto editorial é sempre
um problema para os editores. Dessa forma, o ilustrador explana sobre sua atuação,
explicando que, de forma natural, e por seu trabalho ser figurativo e narrativo, amigos
que trabalhavam em jornais passaram a chamá-lo para colaborações, e, em seguida,
editoras começaram a procurá-lo, sobretudo para tratar de projetos de capas.
Por outro lado, Wagner William (2015), artista visual que já trabalhou com
projetos editoriais didáticos, quadrinhos e livros de ficção destinados ao público adulto,
destaca que existe uma sinestesia que envolve todo o seu trabalho. O ilustrador,
objetivando desenvolver uma ideia, parte inicialmente da imaginação de como ela
melhor se adequaria em termos de suporte e material, e, a partir daí, segundo William
(2015), o próprio suporte lhe “diz” o que fazer, qual caminho tomar naquela
composição. Alencar e Ferrara (2019, p. 73) corroboram que a ilustração e o “projeto
gráfico do livro devem entender seu contexto e atender às diretrizes da mensagem a ser
transmitida através de aspectos artísticos, informacionais e comerciais”.
Vilanova (2010 p. 29) concorda ao explicar que “uma ilustração, nessas
narrativas, atua para enriquecer a leitura. Ela desperta e movimenta a curiosidade do
leitor, e possibilita uma viagem por um dos paraísos perdidos nos sonhos”. Neste
sentido, a autora aponta a importância do ilustrador de livros, “que ao trazer mensagens
visuais para uma história escrita, estará contando-a de maneira lúdica, incitando a busca
pelo conhecimento, a partir de aventuras maravilhosas” (VILANOVA, 2010, p.30).

113
Questão 2

De que maneira o briefing desse projeto lhe foi passado? E como se deu a troca de
informações com outros agentes do processo editorial?

Partindo do pressuposto que a realização do projeto gráfico de um livro demanda


engajamento de diferentes atores do campo editorial, é importante para a elucidação
dos objetivos desta pesquisa, entender o papel dos capistas e ilustradores neste
processo, compreendendo melhor como se desenvolvem as relações nessa cadeia
produtiva. Segundo Lacerda e Farbiarz (2019), quanto mais o trabalho conjunto for
levado em conta no processo editorial, maior é a possibilidade de surgirem projetos que
estimulem a experiência literária, assimilando a complexidade do objeto-livro e
possibilitando conexões do leitor com o caráter humanizador da literatura.
Portanto, entende-se que o ponto de partida dessas relações é representado
pelo briefing do projeto. No caso do livro O Sumiço (2015), editado pelo Grupo
Autêntica, Droschi (2020) relata que “o briefing foi elaborado em conjunto, a partir de
conversas, tanto por e-mail quanto por telefone, com a editora responsável e o tradutor
da obra”. Segundo o capista, a editora ficou encarregada de funções relacionadas aos
requisitos técnicos, limites orçamentários e prazos de produção, enquanto o briefing
conceitual ficou por conta do tradutor da obra.
É interessante notar que neste projeto específico não houve a interferência
significativa das equipes de marketing e comercial, uma vez que se tratava de um livro
com público-alvo ‘nichado’ (nicho de mercado definido), o qual não demandou uma
ação de marketing ou plano comercial complexo (DROSCHI, 2020). Como consequência,
o capista destaca que essa situação proporcionou maior “liberdade para que a criação
de capa e projeto gráfico pudessem seguir uma linha mais conceitual, partindo para uma
capa gráfica e mais experimental” (DROSCHI, 2020).
A partir de um briefing, portanto, o desenvolvimento do projeto gráfico da capa
de livro é pensado diretamente com foco no leitor, considerando todas as suas
especificidades. Sobre essa questão, Lima (2017, p. 38) explana que, “para o capista, é
imprescindível estudar o usuário, seu comportamento e sua interação com o objeto”.
Neste sentido, um dos diferenciais percebidos em projetos de capas de livros
bem-sucedidos está justamente na troca de informações entre indivíduos responsáveis

114
pelos estágios da produção literária, sobretudo porque todos estão preocupados em
agradar o leitor, ponto final do processo.
Nessa perspectiva, dos oito livros premiados investigados por esta pesquisa,
quatro foram publicados pela editora Cosac Naify, que funcionou como uma espécie de
laboratório para o design editorial brasileiro até 2015, quando encerrou suas atividades.
A editora foi considerada uma referência por valorizar o trabalho conjunto, bem como
pelo caráter inovador de suas obras, abertas à experimentação no uso de linguagens
visuais, escolha de materiais, processos gráficos, detalhes e sutilezas que o artefato livro
muitas vezes requer. A Coleção Particular da Cosac Naify foi um exemplo icônico nesse
sentido, estudado por Marc Barreto Bogo (2016) no artigo “Inovação e sentido de
vanguarda no design gráfico editorial”; na pesquisa de mestrado da UnB, de Leonardo
Nóbrega (2016), intitulada “Projeto gráfico em livros da Editora Cosac Naify: cultura
material, artesanato e estetização”; e no estudo de Luiza Falcão e Isabella Aragão (2011),
com o artigo “Um estudo entre forma e conteúdo dos livros de literatura da Cosac
Naify”.
A “editora Cosac Naify era um caso à parte, era um laboratório gráfico e
intelectual, um projeto podia durar meses e as reuniões eram ricas e coletivas”, aponta
a capista e designer gráfica Luciana Facchini (2020). Facchini assinou o projeto gráfico
do livro Moby Dick (2009) (Figura 27), e, segundo a profissional, o mais importante para
uma capa de livro de sucesso é um bom e compreensível briefing.
Figura 27 – Capa do livro Moby Dick e páginas internas

Fonte: blog sobrecapas28

28
Disponível em https://www.lucianafacchini.com.br/moby-dick

115
A designer conta que este projeto foi discutido em reuniões de conceitualização,
pautadas em pesquisas realizadas por todos que estavam envolvidos: editor, diretor
geral, produção gráfica, produtor de imagem e equipe de design. Essas discussões eram
comuns na Cosac Naify, onde sempre se pensava o livro inteiro, levando em
consideração questões sobre o formato que melhor traduziria o conteúdo, o papel, a
fonte, a mancha de texto e o uso ou não de ilustrações (FACCHINI, 2009).
O já citado Os Embaixadores (2011), clássico romance escrito por Henry James,
é outro exemplo de publicação da Cosac Naify, dessa vez com projeto gráfico (incluindo
capa) assinado por Elisa von Randow, também premiado no Jabuti. Segundo Randow
(2020), o desafio deste trabalho foi dar um ar contemporâneo para um material literário
longo e complexo, pertencente a um dos escritores mais importantes da literatura de
língua inglesa. A designer explica que participou de muitas conversas com os editores e
realizou variados caminhos gráficos antes de chegar na síntese que perpassa todo o
livro. De acordo com Randow (2020), esse projeto demandou bastante tempo para ser
concluído, em torno de seis meses.
Portanto, percebe-se que o cuidado com a linguagem visual e a sua articulação
com o texto verbal foram pontos cruciais na consolidação da Cosac. A sua bem-sucedida
trajetória parece estar diretamente ligada à forma humanizada e ao mesmo tempo
metodológica com a qual organizava o trabalho editorial. Segundo Cerveny (2020),
ilustrador que colaborou com a Cosac Naify no livro Decameron (2013), esta foi uma
editora onde as reuniões eram realizadas em uma sala com ar familiar e em que todos
trabalhavam juntos.
Especificamente sobre o briefing do Decameron, Cerveny (2020) explica que a
demanda era criar uma edição de luxo, comemorativa aos 700 anos do Giovanni
Boccaccio, autor da obra. Tereza Bettinardi e Elaine Ramos foram as designers
responsáveis pela concepção do projeto gráfico. Assim, a própria Bettinardi (2016) conta
que “desde as primeiras conversas sobre este livro, era claro que era necessário tornar
esta edição um objeto especial”.
A designer, em reunião com o tradutor e organizador da obra, Maurício Santana
Dias, apreendeu a informação de que Boccaccio também teria sido um exímio copista.
“Dois manuscritos comprovam esta informação: o primeiro, localizado na Biblioteca
Nacional de Paris, com ilustrações a bico de pena; e o segundo, em Berlim, inteiramente

116
transcrito e ilustrado com pequenas vinhetas pelo autor” (BETTINARDI, 2016).
Bettinardi (2016) comenta que pouco tempo depois teve a oportunidade de
visitar a biblioteca em Berlim, com a missão de observar pessoalmente os manuscritos.
Contudo, o acesso ao material era somente permitido à pesquisadores, e então a
designer teve a possibilidade de estudar a edição fac-símile:

Fiquei muito encantada com os detalhes (além das capitulares ornamentadas,


Boccaccio também inseria ao pé de algumas páginas pequenas vinhetas com
desenhos dos narradores) e o tamanho do livro também me impressionou:
era grande! (BETTINARDI, 2016).

Após retornar da viagem, Tereza Bettinardi compartilhou material abundante em


imagens e pesquisas com o ilustrador Alex Cerveny, que comenta: “me alimentou de um
jeito super bonito e rico sobre a proposta do livro” (CERVENY, 2020). Dessa forma,
entende-se que um briefing inicial carregado de informações visuais e conhecimentos
pertinentes sobre a narrativa e contexto sócio-histórico da obra literária, é essencial
para a interação do ilustrador junto aos outros profissionais envolvidos na elaboração
do projeto gráfico de um livro. Sobre essa questão, Zeegen (2009, p. 89) aponta que “os
ilustradores têm abordagens diferentes sobre como começam um trabalho, mas todos
concordam que é essencial ler, digerir e compreender o briefing”.

Figura 28 – Páginas internas do livro Decameron pulicado em 2014

Fonte: blog sobrecapas.29

29
Disponível em: http://sobrecapas.blogspot.com/2016/06/decameron.html

117
Outro ilustrador que colaborou com a Cosac Naify foi Daniel Bueno, com imagens
(Figura 29) que compuseram o livro A Janela de Esquina do Meu Primo (2010), do
escritor, compositor e desenhista alemão, E.T.A. Hoffmann. Bueno (2020) conta que as
conversas iniciais sobre este projeto se deram por e-mail e presencialmente, sobretudo
com a editora Isabel Lopes Coelho.

Recebi o briefing com texto do Hoffmann e expectativas gerais. No começo


de 2010 comecei a trabalhar, fazendo inicialmente uma pesquisa que
envolvia o estudo do contexto literário, e também de referências visuais da
época: vestimentas; arquitetura; espaços urbanos; costumes. Por
recomendação da Isabel fui ao Instituto Goethe30 e retirei livros que me
ajudaram muito. Mas também houve pesquisa pela internet (BUENO, 2020).

O ilustrador conta que, durante o processo, a editora o ajudou com material


visual e informações sobre o escritor, além de conhecimentos acerca dos aspectos de
criação artística da época. “Houve ao menos uma reunião com toda equipe da Cosac,
coordenada pelo editor Augusto Massi. E durante o processo criativo passei a conversar
bastante e ser orientado pela designer Maria Carolina Sampaio” (BUENO, 2020).
Figura 29 – Páginas internas do livro A Janela de Esquina do Meu Primo, publicado em 2010

Fonte: https://buenozine.com.br/A-janela-de-esquina-do-meu-primo

Ao entender que o briefing de um projeto de capa surge a partir de demandas e


expectativas específicas, é pertinente trazer a discussão para o contexto das coleções,
formadas por diferentes volumes, como é o caso da Coleção Guimarães Rosa, publicada

30
Instituto cultural de âmbito internacional da Alemanha. Com sede em diversas capitais no Brasil, o
instituto promove o conhecimento da língua alemã e o intercâmbio cultural internacional.

118
em 2002, com projeto gráfico de Victor Burton. A coleção em questão foi publicada pela
editora Nova Fronteira, que optou por uma linguagem visual mais clássica, institucional,
que valorizasse o fato de a editora ter consigo as obras de Guimarães Rosa (BURTON,
2020).
Nesse contexto, as capas, segundo Burton (2020), seguiram a demanda da
editora, objetivando estabelecer uma relação efetiva com o receptor, e procurando
alcançar o que chamou de “o leitor certo”, o público-alvo. Quando se faz capas para
livros que farão parte de uma mesma coleção, é importante valorizar a identidade
comum (conjunta) de todos os volumes, mas, ao mesmo tempo, dar força para cada
livro, de forma a diferenciá-los (BURTON, 2020).
Em depoimento, Burton (2020) explica a razão, o porquê da aposta em uma
coleção. “Por que você faz uma coleção? Porque imagina que tem títulos menos fortes
do que outros, mas que serão carregados pelo fato de estarem ali, e, ao mesmo tempo,
você não pode perder a individualidade de cada volume, de cada livro”, conforme
exemplo da Figura 30.

Esse é o desafio da coleção, você não pode fazer uma configuração que faça
o volume submergir e desaparecer, ele tem que ter uma certa
individualidade, mas ao mesmo tempo tem que pertencer, claramente, a uma
série, pois a série dá força para todos os volumes, essa é aposta de uma
coleção (BURTON, 2020).

Figura 30 – Capas pertencentes à Coleção Guimarães Rosa, publicadas em 2002

Fonte: compilação realizado pelo autor (2020)

É interessante destacar que em 2020, Victor Burton foi chamado novamente


(pela quarta vez) para colaborar na realização do projeto de capas para a obra completa

119
de Guimarães Rosa, dessa vez sob o olhar da editora Global. As perspectivas deste novo
trabalho são baseadas no desejo da editora em “abrir o leque do público”, atingindo
leitores mais jovens; e, para tanto, as capas são bastante expressivas (BURTON, 2020).
O projeto gráfico tem como base o trabalho do fotógrafo Araquém Alcantara31, que tem
material interessante realizado nas regiões de Guimarães Rosa (Figura 31).

O desejo deles é abrir o público e sair de uma visão literária, um tanto elitista,
de um público mais reduzido. Eles querem, sobretudo, ir em busca do tal
famoso “público jovem”, que acreditam ser possível atingir com uma visão
mais realista. Eu acho que as capas ficaram boas, elas não são vulgares, mas
buscam um público maior (BURTON, 2020).

Figura 31 – Projeto de capa para Coleção Guimarães Rosa (2020), por Victor Burton

Fonte: Imagem cedida por Victor Burton (2020)

31
Tido como um dos precursores da fotografia de natureza no Brasil e um dos mais importantes
fotógrafos em atuação no país. Desde 1970, dedica-se integralmente à documentação e proteção da
natureza brasileira.

120
Questão 3

Como surgiu a ideia de usar uma ilustração no projeto de capa, que elementos
respaldaram o seu uso? Conte um pouco sobre o processo de criação do projeto.

Muitas questões sobre processo criativo surgiram ao longo desta pesquisa, sobretudo
quando se discutiu o universo da ilustração, que carrega traços latentes das visões de
mundo, experiências e crenças pessoais dos profissionais. Portanto, para elucidar
questões anteriormente suscitadas, é interessante avançar para o entendimento das
relações entre os processos da atuação dos capistas, e o uso das ilustrações em projetos
de capas aqui analisados. Entende-se que a discussão dialógica viabiliza um olhar mais
abrangente sobre os reais fatores que sustentam o uso das ilustrações neste tipo de
projeto, bem como evidencia suas conexões com outros elementos do campo editorial.
Segundo Marcelo Martinez (2020), responsável pela capa do livro Ratos (2012),
a ilustração é uma ferramenta poderosa no âmbito editorial. No caso deste projeto
específico, a imagem de capa é uma ilustração digital, construída no Photoshop como
uma colagem, que mescla diferentes partes: pedaços de um papel de parede apático,
uma textura de madeira expressiva, um rodapé e uma mancha de sangue na parede
(MARTINEZ, 2020).
Figura 32 – Projeto de capa do livro Ratos ilustrado por Marcelo Martinez, publicado em 2012

Fonte: blog sobrecapas32

O capista conta que o nome curioso deste livro já é um fator agregador na

32
Disponível em: http://sobrecapas.blogspot.com/2012/10/finalistas-jabuti-2012-melhor-capa.html

121
formulação do visual, e destaca que teve total liberdade de criação no projeto. O ponto
de partida é a construção de uma metáfora, uma vez que, ao olhar a capa sem o
conhecimento da narrativa, pode-se imaginar que a história do livro versa sobre ratos
assassinos, o que não é o caso, como aponta Martinez (2020). Essa ideia passa a ser
descontruída com a leitura da impactante frase impressa no alto da capa, escrita pelo
autor da obra, Gordon Reece: “Quando um gato entra na toca dos ratos, ele não vai
embora deixando-os ilesos. Eu sabia como aquela história iria terminar. Ele mataria nós
duas” (MARTINEZ, 2020).
A partir da leitura do verso da capa e da orelha do livro, o receptor entende que,
na verdade, trata-se de uma história perturbadora sobre mãe e filha que são vítimas de
sucessivas agressões e violências psicológicas. Nesse sentido, a metáfora é ainda mais
explorada com a utilização da faca33, que produz o recorte da casa do rato, que neste
caso se conecta à ilustração da capa, como mostra a Figura 33.
Figura 33 – Detalhe do recorte “faca” do livro Ratos, publicado em 2012

Fonte: site da editora Intrínseca34

Ainda na Figura 33, nota-se que o título aparente na capa, na verdade, é impresso
na orelha do livro, efeito que traz ainda mais singularidade para o projeto. Martinez
(2020) explica que, além de trazer certa sofisticação ao objeto-livro, este não foi um
artifício difícil de ser reproduzido, ou que tenha elevado os custos de produção de
maneira significativa. Segundo o profissional, ao considerar as muitas preocupações
comerciais, o projeto foi pensando de forma que o recurso não implicasse no desgaste
do livro, sendo assim, este foi concebido po formas arredondadas.

33
Faca é um recurso técnico conhecido no campo editorial que produz cortes especiais no papel ou
outros suportes.
34
Disponível em: https://www.intrinseca.com.br/blog/2012/10/capa-de-ratos-recebe-jabuti/

122
É claro que o plot-twist 35 que fez o Prêmio Jabuti gostar dessa capa foi a faca,
o detalhe na capa, que de fato é muito legal. É um recurso fácil de ser
reproduzido, e dificilmente você vai estragar o livro mexendo nela, tomamos
cuidado para realizá-la da melhor forma possível (MARTINEZ, 2020).

Vale destacar que, ao apontar a ilustração como opção projetual poderosa,


Martinez (2020) ressalta que este não é o único elemento gráfico disponível a ser
aplicado na construção de uma capa de livro, e acrescenta:

Qual a história que eu preciso contar? Em determinados momentos, uma


fotografia vai fazer um papel melhor. Eu tendo a gostar da ilustração por vir
de uma escola de ilustração, por ser membro de uma associação de
ilustradores, e por ser ilustrador. Não acho que seja a única maneira e nem
que seja sempre a melhor forma, acho que cada história tem uma maneira de
ser contada. Em alguns momentos você terá terríveis, péssimas,
equivocadíssimas ilustrações em capas, amadoras, dessas de bancos de
imagens. Às vezes, com uma tipografia o resultado seria melhor. A própria
tipografia também pode ser uma ilustração a depender do que você está
fazendo, então não há uma fórmula (MARTINEZ, 2020).

No caso da Coleção Guimarães Rosa, publicada em 2002, Victor Burton optou


por utilizar ilustrações que, de alguma forma, já estavam enraizadas no imaginário do
público leitor. Trata-se dos trabalhos de Poty Lazzaroto36, gravador, desenhista,
ilustrador, muralista e professor paranaense que ilustrou diversas passagens e cenários
da obra de José Guimarães Rosa. Portanto, este teria sido um fator de extrema
importância na escolha por ilustrações nas capas dos volumes que compõem a coleção.

Na época intervi com aquilo que, imagino eu, outras pessoas já tinham
aplicado da mesma forma, que foi trabalhar com o material do Poty
Lazzarotto. Acho que, quer queira quer não, é uma referência intransponível,
podemos assim dizer, de representação do Guimarães. Foi algo que ficou
muito marcado nas edições da editora José Olympio37, e é um material
graficamente bastante interessante. Então a base foi essa, trabalhar com as
imagens do Poty, por entender que estão entranhadas na memória visual do
Guimarães Rosa. Acredito que é bastante legítimo você ressuscitar essas
ilustrações, sobretudo naquela época, em que talvez ainda não fosse tão
óbvio como pode estar sendo hoje (BURTON, 2020).

35
Plot twist é um termo que remete a mudanças radicais na direção prevista da narrativa de um romance,
filme, séries de televisão, quadrinho ou outra obra narrativa. É uma ferramenta muito utilizada para
manter o interesse do público sobre uma obra, para normalmente surpreendê-los com uma revelação
surpresa.
36
Napoleon Potyguara Lazzarotto (1924-1988), natural de Curitiba PR, foi gravador, desenhista, ilustrador,
muralista e professor. Fundou, em 1950, juntamente com Flávio Motta (1916), a Escola Livre de Artes
Plásticas, na qual lecionou desenho e gravura. Ao longo da década de 1950 organizou cursos sobre gravura
em Curitiba, Salvador e Recife. Seu trabalho é relevante sobretudo como ilustrador de obras literárias
como as de Guimarães Rosa, Jorge Amado, Graciliano Ramos, Euclides da Cunha e Dalton Trevisan.
37
Estabelecida no mercado desde 1931, a editora José Olympio é tida um dos pilares da cultura editorial
brasileira. Passou por diferentes fases, e, desde 2001, passou a integrar o Grupo Editorial Record.

123
Figura 34 – Capa de Poty Lazzarotto para a 1ª edição de Grande Sertão Veredas publicado pela Livraria
José Olympio Editora, em 1956

Fonte: site Memorial da Democracia38


Figura 35 – Ilustrações de Poty Lazzarotto para obras de Guimarães Rosa

Fonte: site da Biblioteca Pública do Paraná39


Burton (2020) relata que teve acesso a um grande volume de imagens produzidas
por Lazzarotto, e buscou trabalhar com este material da maneira mais gráfica possível.
Tipograficamente, procurou uma fonte que tivesse certa aspereza, mesclada a uma
angulosidade que julgou combinar com a linguagem de Guimarães Rosa (BURTON,
2020).

38
Disponível em: http://memorialdademocracia.com.br/card/o-retrato-e-a-alma-do-velho-brasil
39
Disponível em: http://www.bpp.pr.gov.br/Helena/Noticia/Do-traco-o-plano-e-o-espaco

124
Figura 36 – Capas de Victor Burton para Coleção Guimarães Rosa, publicada pela Nova Fronteira em
2002

Fonte: compilação realizado pelo autor (2020)

Luciana Facchini, designer responsável pelo projeto gráfico do livro Moby Dick
(2009), explica que sempre lê os livros para os quais colabora, se não todo, ao menos
uma parte, para entender o tom e o espírito da narrativa. Sobre este título específico,
Facchini (2020) conta que a ilustração estampada na capa foi retirada de um detalhe
constituinte de uma capitular assinada pelo célebre ilustrador Barry Moser40. A designer
conta que, em consonância com este fragmento de uma gravura de Moser, aplicou o
título, composto por uma fonte bastante arredondada e corpulenta (Gotham), dentro
da forma de uma dramática onda desenhada na composição (FACCHINI, 2009). A ideia
é valorizar a sensação de que o título, fazendo o papel da baleia (personagem presente

40
Barry Moser nasceu em Chattanooga, Tennessee - EUA, em 1940. Estudou impressão e tipografia na
Gehenna Press sob a tutela de Harold McGrath e Leonard Baskin. É conhecido mundialmente por suas
ilustrações infantis, gravuras em madeira, aquarelas e reinterpretações de clássicos, incluindo edições de
Alice no País das Maravilhas, Frankenstein e O Mágico de Oz. Seu trabalho já foi publicado em mais de
duzentos livros para crianças e adultos.

125
na narrativa da obra), é “engolido” pela onda, como na Figura 37, que representa uma
alusão ao desfecho da história (FACCHINI, 2009).
Figura 37 – Capa do livro Moby Dick (2009) e detalhe da gravura de Barry Moser

Fonte: blog sobrecapas

A ideia de não explorar a imagem da baleia veio nas primeiras reuniões.


Existem muitas edições de Moby Dick nas quais a imagem da baleia foi
exaustivamente explorada. Além disso, como é um volume com o texto
integral (em muitas edições o texto é cortado, contendo apenas o percurso
do baleeiro Pequod durante a vingança do Capitão Ahab), não queríamos
ilustrá-lo para não parecer juvenil. O projeto gráfico do miolo, sugere o
movimento das marés: a cada capítulo a mancha foi fixada na margem
inferior e, por isso, a margem das aberturas (sempre em dupla) de cada
capítulo variam, dando movimento ao livro (FACCHINI, 2009).

Figura 38 – Páginas internas do livro Moby Dick, publicado em 2009

Fonte: blog sobrecapas41

41
Disponível em: http://sobrecapas.blogspot.com/2009/10/moby-dick.html

126
É interessante notar que na fala da capista, surge uma questão que vem sendo
discutida ao longo desta pesquisa, o uso da ilustração em livros de ficção destinados ao
público adulto. De acordo com Saddy e Farbiarz (2019), o designer inserido na cadeia de
produção de livros, imerso em um cultura onde existe a hierarquização entre conteúdo
verbal/conteúdo visual se depara com “o paradigma da ausência de ilustrações no livro
de ficção em prosa dirigido ao público adulto em decorrência das pressões e
expectativas culturais sofridas pelos leitores” (SADDY; FARBIARZ, 2019, p. 6).
Cavalcante (2010, p. 48), ao ponderar sobre essa questão, explana que, as
“crianças crescem, e os livros abandonam o estimulo à imaginação provocado pela
ilustração. A supremacia do texto impõe-se em relação à ilustração, que é muitas vezes
vista como algo secundário ou infantilizador”.
Contudo, o projeto gráfico do livro O Sumiço (2015), do escritor Georges Perec,
parece seguir na contramão deste paradigma, propondo uma composição gráfica, que
mescla texto e desenho, na qual, às vezes, os próprios elementos verbais transformam-
se em ilustração. A narrativa do romance, destinado ao público adulto, é complexa e
bastante incomum, pois se trata de um lipograma42; com texto totalmente escrito sem
a letra "e", o romance francês tem como ponto central a vogal. Na história que se passa
em um mundo de letras, todos tentam descobrir, permeados por romances e mistérios,
o que aconteceu com a vogal desaparecida.
Segundo Droschi (2020), designer responsável pela capa e linguagem gráfica do
livro, a história “foi escrita como uma espécie de romance policial e sempre que um
personagem está próximo de evocar de alguma maneira a letra "e", na fala ou na forma,
este personagem some ou é assassinado.”
Ou seja, é um romance onde a própria linguagem e também o processo criativo
de escrita, são os grandes protagonistas. É por isso que logo nos primeiros estudos ficou
evidente que a capa deveria traduzir a ideia de um jogo de palavras, e, nesse sentido,
trabalhar com uma ilustração gráfica foi a resposta mais interessante (DROSCHI, 2020).
A Figura 39 mostra detalhes da produção do livro e suas características gráficas.

42
Composição literária que se caracteriza pela omissão deliberada de determinada(s) letra(s) do alfabeto
em seu texto.

127
Figura 39 – Capa, marcador de páginas promocional e detalhes do projeto gráfico de Diogo Droschi para
o livro O Sumiço, de 2015

Fonte: site do Grupo Autêntica43

No caso do livro A Janela de Esquina do Meu Primo (2010), o ponto determinante


para o uso das ilustrações, tanto na capa como em todo o projeto gráfico, parece ter
relação direta com o poder de síntese e tradução visual deste tipo de imagem, já

43
https://grupoautentica.com.br/fique_por_dentro/releases/autentica-lanca-a-primeira-traducao-em-
lingua-portuguesa-de-la-disparition-romance-de-georges-perec-todo-escrito-sem-a-letra-e/400

128
discutido nesta pesquisa. Segundo Bueno (2020), a concepção das ilustrações partiu do
entendimento profundo sobre a obra escrita por E.T.A. Hoffmann, que conta a história
de dois primos que, de uma varanda, observam uma praça com mercado à céu aberto –
em um momento de grandes mudanças sociais – e expõem modos diferentes de
observá-la (BUENO, 2020). Um pequeno resumo da obra pode ser esclarecedor para
entender a imagem da capa:

O protagonista da história é um escritor paralítico; o narrador, o primo


visitante. Ambos compartilham o espetáculo de uma manhã de feira
berlinense pela janela do quarto deste último. É o olhar do escritor que guia
a sua visita através dos meandros da feira, arquitetando pequenos enredos
para as personagens que perscrutam com as suas lunetas. Escrito em 1822, A
Janela da Esquina do Meu Primo introduziu o conceito de multidão na
literatura ocidental, aspecto que influenciaria nomes como Poe, Baudelaire e
Balzac (KAHN, 2010).

O ilustrador aponta que, com a intenção de focar nessas diferentes formas de


enxergar exploradas na história, onde em um primeiro momento a apreciação é do
“todo” da praça, passando à uma visão mais específica sobre os detalhes dos
acontecimentos que ocorrem naquele espaço urbano, procurou uma solução que
mostrasse nas ilustrações essas peculiaridades, dando especial importância às pesquisas
relacionadas aos costumes, conflitos e comportamentos da época, para que nada na
composição fosse colocado de forma “gratuita” ou equivocada (BUENO, 2020).

Como o tempo pra lidar com todas essas informações era reduzido, resolvi
fazer uma única ilustração de toda a praça, que poderia ser olhada como um
daqueles quadros do Pieter Bruegel 44 cheios de situações e ao mesmo tempo
aparecer fragmentada ao longo do livro – sugerindo assim esse movimento
do olhar, por vezes distanciado, por vezes atento a detalhes de
acontecimentos específicos. A proposta, portanto, era bastante adequada à
história, potencializando características importantes da obra, e me fazia
sentir um pouco mais à vontade pra tentar resolver toda a composição e
amarrar/interconectar os diversos personagens e elementos numa só vez
(BUENO, 2020).

44
Pieter Bruegel nasceu entre 1525 a 1530 aproximadamente. Foi um pintor e gravurista da região de
Brabante, atualmente o Reino Unido dos Países Baixos. Importante artista da pintura renascentista
flamenga e brabantina, ficou conhecido por suas retratações de paisagens, cenas camponesas e situações
de interação social.

129
Figura 40 – Ilustração de Daniel Bueno utilizada no projeto gráfico do livro A Janela de Esquina do Meu
Primo, publicado em 2010

Fonte: site do ilustrador Daniel Bueno

Figura 41 – A batalha entre o carnaval e a quaresma, obra de Pieter Bruegel, de 1559

Fonte: portal Artsy.com45

No que se refere ao visual das ilustrações estampadas na capa e miolo do livro


Decameron (2013), Alex Cerveny (2020) destaca que houve uma estreita direção de arte
por parte da equipe responsável pelo projeto gráfico, especialmente pelas designers
Elaine Ramos e Tereza Bettinardi. “As vinhetas entre os textos, as palavras ilustradas,
tudo isso foi estabelecido por elas, pensando justamente nos originais do Giovanni
Boccaccio, em que as ilustrações ocupavam os espaços e existia o horror ao vazio”

45 https://www.artsy.net/article/artsy-editorial-mysteries-pieter-bruegel-elders-peasant-paintings

130
(CERVERNY, 2020).
Especificamente em relação a capa, o ilustrador comenta que as escolhas são
sempre “dramáticas”, pois envolvem muitas questões comerciais. Assim, as designers o
chamaram para colaborar com este projeto pois já conheciam o seu trabalho e
apostaram na conexão do espírito ortodoxo das suas imagens com a linguagem da
narrativa escrita por Boccaccio (CERVENY, 2020).

A capa precisava ser bonita e chamativa, então o desenho foi realizado com
base na questão da caligrafia, da fonte, ideia da Tereza Bettinardi, que criou
a grade de texto e um hot stamp dourado, com a formação de um mosaico
com figuras espalhadas. A dúvida que surgiu na reunião foi entre fazer uma
capa mais clara e uma capa cinza escuro, o que foi um risco, pois as pessoas
não gostam muito de fazer livros com a capa escura (CERVENY, 2020).

Figura 42 – Capa e verso do livro Decameron com ilustrações de Alex Cerveny, publicado em 2014

Fonte: http://sobrecapas.blogspot.com/2016/06/decameron.html

A designer Tereza Bettinardi (2016) aponta que, “ao longo de doze semanas, o
livro tomava forma. O primeiro passo foi a marcação das cenas para determinar o espaço
das ilustrações”. Assim, em comunhão com o que foi dito pelo ilustrador, Bettinardi
(2016) relata que a ideia era de que todos os espaços da página fossem preenchidos,
por texto ou imagem.

Uma prova de revisão com os espaços em branco foi enviada para o artista
que preenchia as 96 páginas com pequenas vinhetas e ornamentos que foram
posteriormente digitalizadas e tratadas. Já as ilustrações foram feitas em
papel especial. Outro aspecto interessante do projeto foi o tratamento dado
aos títulos das novelas e número de página – que muitas vezes foram
invadidos pela ilustração – e cuja intenção era que fossem o mais discretos
possível (BETTINARDI, 2016).

131
Figura 43 – Detalhe das vinhetas das páginas internas do livro Decameron

Fonte: fontsinuse.com46

Os projetos aqui discutidos são exemplos do que Vilanova (2010) defende, ao


explicar que o ilustrador assume a posição de leitor e deposita no texto, como coautor
da obra, pensamentos e sensações que a leitura lhe proporcionou. Essa ação resulta em
uma mescla das linguagens (visual e verbal), entendida como o próprio livro, que
abrange, “dentre outras coisas, texto escrito e ilustrações, elevando estas últimas à
função de conviver e contribuir com a narrativa escrita, perdendo o papel de mero
ornamento” (VILANOVA, 2010, p. 24).

46
Disponível em https://fontsinuse.com/uses/14670/decameron-cosac-naify-commemorative-edition

132
Questão 4

Quais as intenções projetuais previamente idealizadas para esta capa ou ilustração


de capa? Que sensações desejava-se provocar?

A capa de livro funciona como a tradução imagética de uma história, e busca, por meio
de um primeiro contato visual, chamar a atenção do leitor e provocar sensações que o
faça sentir vontade de descobrir mais sobre o conteúdo do miolo. Dessa forma, as capas
“possuem o importante papel de despertar o interesse do leitor e estimular a leitura,
podendo antecipar ou continuar, visual e verbalmente, a narrativa contada” (CORRÊA;
PINHEIRO; SOUZA, 2019, p. 75).
Segundo Droschi (2012), na construção de um projeto de capa eficaz, existem
muitas variáveis a serem consideradas. Assim, é fundamental para o capista, entender
o desejo do autor e do editor, compreender “sob qual circunstância esse livro ficará
exposto, de que maneira ele será lido, e o mais importante, a qual público ele se destina,
afinal, é para esse leitor específico que a capa precisa comunicar algo” (DROSCHI, 2012).
A partir desse entendimento, procurou-se conhecer as intenções dos projetos de
capas aqui analisados, sobretudo para tentar desvelar as sensações específicas que
capistas e ilustradores almejaram provocar no público leitor.
Na visão de Elisa von Randow (2020), o designer – capista - deve tentar ao
máximo se conectar com o universo do autor do livro, com vistas a traduzir o seu
conteúdo para a forma visual de maneira eficaz, reverberando nas percepções dos
leitores. Segundo a capista, “quanto mais afinada com a linguagem do autor, mais
potente é a capa”.
No que tange a visualidade do livro Os Embaixadores (2011), a designer comenta
que “o projeto gráfico partiu da narrativa da obra. A ideia era traduzir visualmente a
ciranda de relações que se desenrola ao longo do livro” (RANDOW, 2020).

Uma rica viúva americana, mãe preocupada com a falta de notícias de seu
filho que passa uma temporada em Paris, incumbe seu pretendente, Strether,
a missão de trazer o jovem de volta às suas obrigações de herdeiro. De
maneira lenta e ritmada, o autor vai desmontando as intenções do
personagem que deve fazer o resgate e que vai se perdendo ao longo do livro.
À medida que Strether vai transformando o seu olhar sobre si mesmo, se
envolve cada vez mais com a cidade de Paris e seus personagens, enredando-
se numa nova trama de possibilidades e questionamentos que alteram sua
vida. O romance retrata a virada do século XIX para o XX (RANDOW, 2020).

133
Percebe-se que ao falar do romance, a capista utiliza termos que remetem à
complexidade que envolve a sua narrativa, tais como: “ritmada”, “transformando”,
“enredando-se” e “trama”. Nesse sentido, é interessante notar que as imagens
utilizadas no projeto gráfico representam justamente uma intricada relação entre
diferentes figuras, que causa a sensação de continuidade, além de indicar a ocorrência
de convívios interpessoais complexos. Sobre essas questões, Randow (2020) destaca:

As imagens da capa e das aberturas dos capítulos são rendas compostas por
silhuetas de pessoas, objetos e elementos urbanos feitos um por um, a partir
de uma extensa pesquisa de fotografias da época. As ilustrações pontuam e
dialogam com as passagens do livro (RANDOW, 2020).

Figura 44 – Imagens que compõem a “renda” ilustrada do projeto gráfico de Elisa von Randow para o
livro Os Embaixadores, publicado em 2011

Fonte: cargocollective da designer Elisa von Randow47

47
Disponível em: https://cargocollective.com/elisavonrandow/Os-Embaixadores

134
Ao falar sobre capas ilustradas de livros, Alencar e Ferrara (2019) destacam que
as dúvidas e suposições dos observadores (possíveis leitores) diante de uma capa, só
poderão ser confirmadas por meio da leitura do exemplar, quando será então permitida
a averiguação junto ao conteúdo da narrativa. Assim, Martinez (2020) corrobora que
num espaço delimitado, representado por um paralelogramo de 16x23 cm, o capista
tem a missão de criar uma peça de comunicação poderosa, capaz de fomentar no
observador a curiosidade de sanar as suas suposições.
Nesse contexto, sobre o seu livro Lobisomem sem Barba (2014), o autor e
ilustrador Wagner William (2020) conta que, em primeiro lugar, a sensação que desejava
passar com a capa era a de atração, seguida pela curiosidade e, por fim, por uma certa
repulsa.

Lobisomem Sem Barba é antes de ser um personagem, é uma realidade em


excesso. Um cenário mental onde alguém ou alguma coisa está prestes a
cometer um crime. Isso se faz através daquilo que eu gosto de chamar de
metalinguagem sobrenatural, como se a criatura que dá título à obra
estivesse sempre por ali, à espreita. Não a vemos. Mas sentimos sua presença
pelo cheiro. Digo isso porque o livro tem essa pegada mais sensorial. Em
quase todo o texto há algum elemento peludo – seja um adjetivo felpudo,
personagens, histórias cabeludas ou para citar o próprio livro quando “falhas
humanas criam pelos em sua língua” (WILLIAM, 2015).

Figura 45 – Peça gráfica promocional do livro Lobisomem sem barba, escrito e ilustrado por Wagner
William, publicado em 2015

Fonte: blog vitralizado48

48
Disponível em: https://vitralizado.com/hq/papo-com-wagner-willian-o-autor-de-lobisomem-sem
barba/

135
William (2015) relata que, para transferir essas sensações às ilustrações, precisou
recorrer ao efeito fotográfico, e, a partir de fotos realizadas das suas próprias
ilustrações, com ondulações do papel, desfoque e combinação com outros elementos,
alcançou um efeito de ressonância que julgou ser uma boa solução para o aspecto
gráfico do livro. Contudo, o ilustrador destaca que essa ferramenta surgiu inicialmente
de uma limitação técnica, pois, já que não tinha como escanear as imagens, resolveu
utilizar a máquina fotográfica (WILLIAM, 2015).
Já no caso da capa de A Janela de Esquina do Meu Primo (2010), Bueno (2020)
conta que teve pouca participação na sua elaboração, pois a imagem utilizada foi
selecionada pela designer Maria Carolina Sampaio, como recorte da grande ilustração
que já havia sido realizada para todo o projeto gráfico.
O ilustrador acrescenta que a parte escolhida traz “no alto, corpo e pernas dos
personagens num momento de conflito na feira, e mais abaixo temos uma referência
arquitetônica, um pedaço de uma construção grande que fica no meio da praça”
(BUENO, 2020). A disposição do título é interessante: foi criado um espaço retangular
no canto direito, no alto, que acaba permanecendo ao longo de todo o livro (BUENO,
2020).
Figura 46 – Capa de A Janela de Esquina do Meu Primo com ilustração de Daniel Bueno, de 2010

Fonte: e-commerce Amazon49

49
Disponível em: https://www.amazon.com.br/Janela-Esquina-Meu-Primo/dp/8575038907

136
Bueno (2020) relata que realizou outros trabalhos para a Cosac Naify, e destaca
que a editora tinha uma certa predileção por capas que sugerissem coisas e deixassem
algum mistério no ar, tentando não mostrar tudo e esgotar a percepção do que ocorre
na história. Ele cita as capas de Um garoto chamado Roberto (texto de Gabriel o
Pensador) e O Pequeno Fascista (texto de Fernando Bonassi), como exemplos que
seguem a mesma linha. “Nesses dois livros os personagens são fundamentais, mas as
capas não os trazem inteiros e centralizados como mascotes” (BUENO, 2020).

Figura 47 – Capas de O Pequeno Fascista e Um Garoto Chamado Roberto, ambas ilustradas por Daniel
Bueno

Fonte: e-commerce Amazon50

50
Disponível em: https://www.amazon.com.br/Pequeno-Fascista-Fernando-Bonassi/dp/8575033735 e
https://www.amazon.com.br/Garoto-Chamado-Roberto-Gabriel-Pensador/dp/8575033832

137
Questão 5

Qual a principal mensagem que a capa ou ilustração em questão almeja transmitir


aos seus receptores?

Discussões anteriormente apresentadas nesta pesquisa respaldam a ideia acerca da


capa de livro como um espaço de comunicação potente, capaz de transmitir mensagens
sobre as mais diversas narrativas por meio de composições imagéticas assertivas. Dessa
forma, ao procurar entender as mensagens que se desejou passar aos leitores dos livros
aqui analisados, será possível traçar uma linha de entendimento sobre os mecanismos
que envolvem essa transmissão.
Lima (2017) explica que, ao considerar a experiência do leitor com o livro uma
ação multissensorial, baseada em uma interação emocional, o trabalho do capista é usar
o espaço disponível (a capa), para comunicar uma mensagem por meio de um conceito
visual.
Nesse sentido, o capista Diogo Droschi (2020) conta que, ao realizar o projeto
gráfico do livro O Sumiço (2015), a principal mensagem que desejava passar ao leitor
estava relacionada às sensações que também queira provocar, ou seja, existia a intenção
de que os leitores percebessem claramente o teor lúdico do texto. Além do recurso da
brincadeira com a letra “e” que some, na capa a letra é substituída por um pequeno
círculo vermelho, e outros detalhes demonstram a intencionalidade do conceito
pretendido.
É importante ressaltar que, “nesse caso específico, considero que a capa não é
somente a imagem da frente (caça-palavras), mas também o seu verso (labirinto
tipográfico) e a própria faca da capa com suas diversas dobras”, como mostra a Figura
48. Tudo isso foi utilizado para reforçar o conceito (DROSCHI, 2020).
Figura 48 – Detalhes do projeto gráfico de Diogo Droschi para o livro O Sumiço

138
Fonte: site do Grupo Autêntica51

Aqui é interessante perceber como a parte visual, as escolhas de produção


gráfica, e a relação entre os recursos editoriais enfatizam a divulgação da mensagem
embutida na narrativa do livro. Segundo Amorim, Nery e Dias (2019), ainda que a opção
por usar um recurso em detrimento de outro esteja relacionada aos processos de
produção, todos os aspectos do objeto, desde a definição da tipografia, do grid, da capa,
da diagramação “até a determinação do tipo de impressão, de papel e do acabamento,
todas as decisões formais estarão voltadas para que a mensagem do livro possa ser
transmitida da melhor maneira possível para o leitor, usuário do artefato livro”
(AMORIM; NERY; DIAS, 2019, p. 2).
Portanto, de acordo com os autores, é importante entender o livro como uma
“interface”, que deve ser construída com o objetivo de proporcionar a melhor
experiência ao leitor. Ou seja, quanto mais pertinente for essa interface, melhor
(AMORIM; NERY; DIAS, 2019).
No caso dos livros com capas ilustradas, Oliveira (2008, p. 49) explana que, em
alguns momentos, “a abstração sugerida pela palavra atinge tal plenitude que se torna
difícil encontrar, em uma linguagem tão concreta que é a ilustração, algo que pelo
menos lhe seja equivalente”. Nesse cenário, o ator indica que cabe ao ilustrador
perceber qual momento deve ser visualmente narrado, evitando confusões entre o que
o leitor imagina ser e o que ele realmente está vendo (OLIVEIRA, 2008).
Sobre a ilustração estampada na capa do livro Ratos (2012), Martinez (2020)
destaca que a metáfora com a qual procurou trabalhar, por vezes, quase se impunha
por si só. O capista, partindo da ideia de evocar uma sensação de “caça” e “humilhação”,

51
https://grupoautentica.com.br/fique_por_dentro/releases/autentica-lanca-a-primeira-traducao-em-
lingua-portuguesa-de-la-disparition-romance-de-georges-perec-todo-escrito-sem-a-letra-e/400

139
envolvidas com a história das duas protagonistas do livro, procurou usar artifícios que
realçassem essas características da imagem, como a impressão do título no rodapé, de
forma a rebaixar a composição, e o uso do texto em caixa baixa, que também reforça a
questão de diminuir o ser-humano, nivelando-o junto ao chão.
Figura 49 – Detalhe da parte inferior da capa do livro Ratos, de Marcelo Martinez

Fonte: site sobrecapas52

No caso do livro Decameron (2013), Tereza Bettinardi, uma das designers


responsáveis por todo o projeto gráfico relata que:

O livro foi feito em conjunto com Elaine Ramos e já na primeira reunião após
a leitura das novelas selecionadas, tínhamos uma certeza: a extraordinária
minúcia das descrições de Boccaccio pedia um livro ilustrado por alguém
capaz de trazer a riqueza de detalhes. O artista paulistano Alex Cerveny
aceitou o desafio. A intenção não foi fazer um revival histórico, mas, ao
contrário, fazer uma homenagem contemporânea à tradição do livro
medieval (BETTINARDI, 2016).

Neste projeto, compreende-se que o uso das ilustrações, mais do que estimular
o olhar e a percepção visual, aprimorou a transmissão das mensagens e,
consequentemente, a interação do leitor com o texto escrito (VILANOVA, 2010). Na
visão do próprio Cerveney (2020), a ilustração funciona como uma espécie de “enfeite
estimulante”, e, quando se pretende fazer um livro de caráter especial, ainda mais
quando se trata de uma narrativa poética, o uso dessas imagens marca a experiência da
leitura.

52
Disponível em http://sobrecapas.blogspot.com/search?q=ratos

140
O ilustrador conta que, quando criança, ao ler os seus primeiros livros, tinha nas
ilustrações a sensação de deleite, análoga à de um coffee break, onde as imagens
funcionavam como uma válvula para novas interpretações sobre a história contada
(CERVENY, 2020). Sobre essa questão, Oliveira (2008, p. 76) corrobora que “a arte de
ilustrar está dirigida essencialmente para o despertar da imaginação, até mesmo por sua
habitual configuração fantástica e seus elos narrativos”.
Figura 50 – Ilustrações de Alex Cerveny de uma das páginas internas do livro Decameron

Fonte: blog sobrecapas53

53
Disponível em: http://sobrecapas.blogspot.com/2016/06/decameron.html

141
Questão 6

Na sua visão, qual a função da capa de livro? E como a ilustração, neste caso
específico, potencializou tal função?

Sendo as capas ilustradas de livros de ficção destinados ao público adulto o objeto de


estudo desta pesquisa, buscou-se discutir os temas basilares na concepção desses
artefatos, e, sob o olhar dos próprios agentes produtores, elucidar questões sobre as
funções que desempenham, com especial atenção à contribuição da ilustração nesse
contexto.
Entende-se que as capas possuem inúmeras funções dentro do universo do livro,
desde aquelas relacionadas aos aspectos físicos, artísticos ou informacionais, até a sua
atuação como mecanismo de persuasão do possível leitor (ALENCAR; FERRARA, 2019).
Dessa forma, para a consecução dos objetivos da presenta análise, é pertinente
conhecer mais a respeito das visões dos profissionais sobre a função da capa, tendo
como suporte os projetos premiados aqui estudados.
O capista Diogo Droschi tem uma percepção bastante concisa sobre essa
questão, e diz acreditar em funções da capa, no plural, indicando as três que mais se
destacam. Primeiramente, ter (1) apelo visual, especialmente no ponto de venda, seja
ele físico ou digital. De acordo com Droschi (2020), “a capa ajuda o livro a se destacar na
multidão e a encontrar o seu público leitor”.
Em seguida, versa a respeito da (2) função comunicativa, ou seja, além de
“comunicar título e autor, a capa precisa trazer elementos que instiguem o leitor de
alguma maneira, promovendo um universo simbólico em consonância ao universo desse
leitor, e que ajude a reforçar uma ideia ou um conceito” (DROSCHI, 2020). E, por fim,
Droschi (2020) comenta sobre a importância de a capa estar em (3) comunhão com
estratégias comerciais de marketing da editora.

É bom lembrar que, por vezes, a capa é a única divulgação que um livro terá,
mas em outros projetos ela é parte de uma estratégia bem mais ampla, que
envolve muita divulgação em mídias digitais ou físicas, e, também, o
desenvolvimento de produtos secundários como: marcadores, brindes,
pôsteres, banners, etc. (DROSCHI, 2020).

Na visão de Martinez (2020), em um modelo tradicional, a ação de optar por um


título em uma livraria é análoga à quando se escolhia filmes em locadoras, ambientes
onde potenciais consumidores eram “bombardeados” por uma infinidade de

142
exemplares diferentes, representados, no entanto, por variações de um mesmo
produto. Nestas condições, cabe aos responsáveis pelas capas o dever de “tentar
mostrar que ali tem uma pepita de ouro em meio aos cascalhos” (MARTINEZ, 2020).

Vamos considerar que o título, geralmente, está junto a outros do mesmo


gênero, então, naquela categoria, eu quero que você (leitor) veja o meu. Não
é sobre quem “grita” mais, mas sim, sobre quem pode ser mais sedutor
naquele primeiro momento. Dessa forma, uma vez que você consegue
romper a inércia e fazer com que o possível leitor pegue o exemplar, compete
ao livro provar que ele é bom (MARTINEZ, 2020).

O ilustrador Daniel Bueno traz acepções que se assemelham às colocações de


Martinez e Droschi. Segundo Bueno (2020), “uma função da capa é seduzir, chamar a
atenção, provocar o leitor. Tem que ter algum impacto gráfico, instigar o habitual olhar
de quem está numa livraria – por exemplo – observando diversos livros com as mais
variadas soluções”. Bueno (2020) acrescenta que, “a capa deve ter também algum
elemento importante que faça conexão com o título e com o conteúdo da história. Ela
introduz e sugere algo que motiva o leitor a ter interesse pelo que está no miolo”.
Em consonância com este pensamento, o também ilustrador Wagner William,
aponta que a primeira função da capa seria fazer o leitor tirar o livro da gôndola,
promovendo a curiosidade em descobrir do que se trata a história contada (WILLIAM,
2020). Em um segundo momento, William (2020) comenta sobre a questão conceitual
da capa, em que se espera que uma imagem traduza o conteúdo da narrativa.
Ainda de acordo com o ilustrador, uma capa ilustrada consegue proporcionar
níveis maiores de fruição (WILLIAM, 2020). A fruição, por sua vez, deve ser entendida
como uma construção, “um equipamento cognitivo que nos faz apreciar o belo, sem,
contudo, no caso da arte da ilustração, renunciar ao encanto e à emoção”, como aponta
Oliveira (2008, p. 75-76).
A designer Luciana Facchini (2020) reforça que a capa de livro deve, além de
seduzir o leitor, prover elementos que façam alusão ao conteúdo narrativo da obra de
forma honesta, ainda que seja por meio de uma breve referência à história. Facchini
(2020) acrescenta que no caso do livro Moby Dick (2009), considera a sua capa um
artefato híbrido, “onde a ilustração e a solução gráfica estão fundidas. O título na fonte
Gotham, sendo engolido pela onda, sugere tanto a baleia quando o baleeiro”.

143
Figura 51 – Detalhe da capa do livro Moby Dick, projeto gráfico de Luciana Facchini

Fonte: blog lápislivroseafins54

Elisa von Randow (2020) concorda ao inferir que o momento inicial da leitura de
um livro é a interação do leitor com capa, a qual deve dialogar com a obra literária e
funcionar como um aperitivo, envolvendo e convidando o leitor a mergulhar na
narrativa.
Corroborando com esta ideia, Bueno (2020) conta que, no caso de A Janela de
Esquina de Meu Primo (2010), o recorte inusitado da ilustração estampado na capa, ao
mostrar conflitos, vestimentas de outra época e elementos arquitetônicos, acaba
contando um pouco sobre o que acontece nas páginas internas. De acordo com o
ilustrador, a capa “não serve apenas para vender o livro – ela protege e resguarda a
obra, é aquela imagem que apresenta o livro e fica em primeiro plano representando o
conjunto da obra – tem que durar (não se esgotar) com o tempo” (BUENO, 2020).
Essa última concepção é confrontada com a visão de Victor Burton sobre as
funções das capas de livros. Burton (2009) apresenta uma opinião mais objetiva sobre a
questão, indicando que a capa “é inútil em relação ao conteúdo estrito do livro, ela não
acrescenta nada ao romance, ensaio ou poema”. O designer explica que entende a
eventual utilidade da capa em relação aos problemas de comunicação e de sinalização,
mas reforça que, jamais, ela é vital para a existência ou fruição do texto (BURTON, 2009).

A função da capa de livro é vender o livro, ela não acrescenta absolutamente


nada ao livro, em termos literários, ela poderia não existir. Existem mercados
editoriais, como o mercado francês, por exemplo, onde a capa do livro não

54
Disponível em: http://livroslapiseafins.blogspot.com/2017/02/de-olho-no-livro-moby-dick.html

144
tem, rigorosamente, nenhuma importância (BURTON, 2020).

Contudo, ao propor uma abordagem baseada na lógica do livro como produto da


cultura material, Burton (2009) afirma que, neste sentido, apesar deste objeto “ter
entrado na era do consumo em massa, é visto como um produto “supérfluo”. Vendê-lo,
portanto, requer um esforço suplementar, do qual a nossa capa passa a fazer parte”.

A capa do livro, mais do que revelar seu conteúdo, deve expressar algo que
está presente no consumidor. O importante não é exatamente o que está
dizendo, mas a forma que está dizendo. Essa maneira de dizer tem que ter
algo a ver com a forma de ser (ou querer ser) do leitor/comprador, tem que
ter a ver com a imagem que o leitor tem de si (BURTON, 2009).

Burton (2020) sugere que há relações entre o usuário e o objeto-livro que são
mais relacionadas às questões de transferência de desejo. Ou seja, na visão do designer,
existem muitas pessoas que compram um livro mesmo que não tenham a real intenção
de lê-lo. Esses consumidores, por outro lado, podem “gostar de mostrar que compraram
aquele livro, pois assim acreditam pertencer a uma certa elite - são relações muito
complexas, o desejo da compra é algo muito complexo” (BURTON, 2020).
Essa visão, portanto, indica que a capa funciona como uma espécie de anúncio
publicitário. De acordo com Burton (2020), ela existe para vender o livro, mas não no
sentido banal do termo “vender”, e sim, para encontrar o seu público leitor. Por
consequência, cada livro exige um pensamento, uma atitude diferente em relação a
capa. No caso de um best-seller, por exemplo, o projeto será de uma forma, já em um
livro de carga literária forte, serão utilizados outros artifícios, pois o público será menor
e o designer terá que encontrar aquele leitor específico, acertando a comunicação de
acordo com público-alvo definido (BURTON, 2020).

145
Questão 7

Cite cinco termos, entre palavras, frases, adjetivos etc., que melhor representam
emocionalmente a capa ou ilustração de capa em questão.

A análise das respostas a este questionamento dá margem para discussões que


ultrapassam os resultados esperados, pois nem todos os termos apreendidos nas falas
dos entrevistados referem-se a emoções propriamente ditas, mas a conceitos que
podem ou não desencadear emoções.
Neste sentido, a listagem realizada com base no ponto de vista dos profissionais,
reforça o que Hsuan-An (2017) explana sobre projetos de design, que ao buscarem
estabelecer vínculos afetivos de maneira eficiente com seus usuários, usam uma
“linguagem expressiva e comunicativa no produto, manejando a sua forma e aplicando
nele elementos que possam estimular a reação emocional [...] do usuário” (HSUAN-AN,
2017, p. 151). Alguns ilustradores e capistas, nesse contexto, citaram termos vinculados
aos aspectos estético-formais que poderiam suscitar emoções, como miniatura,
colagem rica em texturas, simples, clássico e ornamental, do que aos apontamentos das
emoções em si.
Para efeito de análise dos termos expressos pelos profissionais entrevistados,
pode-se também empregar os elementos da retórica no design. Sobre essa questão,
Lupton (2013) explica que:

Durante séculos, poetas, oradores e escritores vêm utilizando padrões de


linguagem cuidadosamente arquitetados de modo a apelar para o logos,
pathos e ethos das pessoas, ou seja, para sua razão, emoção e ética,
respectivamente. A retórica, ou arte da comunicação, força conexões ativas
entre conceitos (LUPTON, 2013, p. 82).

Neste sentido, ainda segundo a autora, aqueles que produzem imagens podem
utilizar-se das figuras de retórica com o objetivo de criar níveis de atração, persuasão e
beleza por meio do design. “Os designers também brincam com modos de persuasão,
estilo e disposição. As figuras de retórica, ou aquelas formas e táticas literárias que
divergem da comunicação comum, são especialmente valiosas para os designers”
(LUPTON, 2013, p. 82).
Assim, alusão, amplificação, antítese, elipse, hipérbole, metáfora, metonímia,
personificação e repetição são apenas algumas das figuras de linguagem básicas que
podem ser aplicadas em imagens com o intuito de potencializar seus objetivos

146
comunicacionais, como propõe estudos em retórica do design gráfico (LUPTON, 2013;
ALMEIDA JUNIOR, 2009). Portanto, ainda que não seja a intenção desta pesquisa
aprofundar-se nos estudos em retórica, é interessante notar que as respostas dos
profissionais, ao tocarem em temas relacionados especificamente aos projetos
analisados, apontam para o uso dessas figuras com o intuito de provocar ou
potencializar emoções no leitor, como no caso da metáfora na ilustração de capa do
livro Ratos (2012) ou a repetição no projeto gráfico de Os Embaixadores (2011).

As figuras de retórica, embora refiram-se normalmente à linguagem verbal,


também podem ser aplicadas em imagens. Essas estruturas podem servir
como ferramentas para gerar conceitos ou sugerir organizações alternativas.
Assim como o uso de figuras de linguagem na linguagem verbal ajuda o
escritor a fugir das formas convencionais, aplicá-las em imagens, objetos e
layouts ajuda a separar uma obra de design das práticas cotidianas, tornando-
a... mais poética, por assim dizer (LUPTON, 2013, p. 82).

Almeida Junior (2009, p. 293) corrobora com as questões levantadas por Lupton
(2013), indicando que a “retórica do design gráfico permeia, sintetiza e traduz, por meio
dos arranjos gráficos, necessidades, anseios e desejos de uma sociedade”. Ainda
segundo o autor, sendo o design gráfico uma instância da linguagem visual, é certo
afirmar que toda mensagem produzida por este campo “apresenta algum nível de
retoricidade, que traduz o quão persuasiva uma determinada mensagem tenta ser”
(ALMEIDA JUNIOR, 2009, p. 292).
Isto posto, as respostas dos profissionais nas respectivas entrevistas estão aqui
apresentadas na forma mais visual possível, de modo a associar os termos expressos
com detalhes das obras avaliadas. É interessante notar o entendimento dos profissionais
quanto a tradução dos seus projetos em termos que, mais do que evidenciar emoções,
apontam para intencionalidades de produção de sentido e contextualizações dos
aspectos narrativos de cada obra literária.

Alex Cerveny – Decameron


mistério; iluminura; miniatura; grade; ouro; jóia.

147
Daniel Bueno – A Janela de Esquina do Meu Primo
dinâmica; misteriosa; colagem rica em texturas; conectada ao conteúdo da obra;
adequada.

Diogo Droschi – O Sumiço


lúdico; familiar; simples; leve; clássico.

Elisa von Randow – Os Embaixadores


romance; Paris; século XIX; renda; clássico.

Luciana Facchini - Moby Dick


dramaticidade; mar; aventura; engolir; cobrir.

Marcelo Martinez – Ratos


violência; psicológico; humilhação; rebaixar; apático.

148
Victor Burton – Coleção Guimarães Rosa
regional; cenário; Guimarães Rosa; imaginário; popular.

Wagner William – Lobisomem Sem Barba


ornamental; orgânica; fenomenológica; oriental; simbólica.

149
Questão 8

Você teve acesso ao feedback quanto a recepção do projeto pelo público? Se sim,
como foram passadas tais informações?

Ao entender o livro como objeto construído, produto da cultura material capaz de


difundir comunicação e arte, infere-se que os leitores são levados a sentir emoções
variadas com seu conteúdo ficcional, aprender com seu teor científico, e se encantar
com o conteúdo artístico (LACERDA; FARBIARZ, 2019). Foi com base neste pensamento
que a pesquisa buscou aprofundar discussões sobre a compreensão do feedback e
recepção dos leitores, sobretudo no que se refere aos aspectos gráficos dos livros
analisados, entendendo que esta é uma ferramenta importante na consolidação de
referencial para projetos de livros futuros.
Dessa forma, um dos métodos de análise do feedback do público mais citados
pelos entrevistados está ligado a vendagem do livro. Segundo Facchini (2020), mesmo
que as editoras tenham esse nível de análise com foco na venda das publicações, é raro
o repasse dessas informações aos designers gráficos responsáveis pelo visual do projeto.
Droschi (2020) corrobora que, há algum tempo, o entendimento sobre a opinião
dos leitores era baseado em uma maneira pouco objetiva de investigação, como
algumas conversas diretas entre os vendedores e livreiros, que informavam a respeito
da recepção de um projeto específico. Segundo o capista, o feedback era percebido na
resposta de venda de um título, situação onde “uma capa que não comunica, não
vende”.
O ilustrador Daniel Bueno também entende que uma das respostas sobre a
aceitação do livro está ligada ao âmbito comercial, destacando que sempre teve acesso
à vendagem, mas não a uma eventual pesquisa de opinião, por exemplo (BUENO, 2020).
Contudo, Bueno (2020) indica outras opções para o alcance dessas informações, tendo
como exemplo o livro A Janela de Esquina do Meu Primo (2010):

Por outro lado, ele acabou recebendo muitos prêmios – Menção Honrosa na
Feira de Bolonha, terceiro lugar no Jabuti na categoria Ilustração, e foi
selecionado para outros importantes anuários e eventos – ou seja, nesse
campo a receptividade foi muito boa (BUENO, 2020).

À vista disso, Victor Burton explana sobre o “feedback institucional”. Segundo o


designer, “o fato de ganhar o Jabuti, por exemplo, atraí atenção, mostra que a editora

150
se preocupou com o aspecto visual, com a qualidade gráfica do livro, proporcionando
um feedback positivo para outros eventuais autores” (BURTON, 2020). Ou seja, o
cuidado com a organização dos elementos gráficos é fator importante na consolidação
da identidade visual de uma editora, que pode vir a ser mais prestigiada a partir do
momento que publica livros com projetos gráficos instigantes.
Na visão de Coelho (2010), pesquisador do livro e da leitura, o papel, a cor, o
tamanho, a tipografia e as imagens das páginas de um livro tornam mais eloquente o
seu significado para além do objeto em sua espécie. Ou seja, a preocupação com o
arranjo gráfico, bem como uma escolha assertiva em relação aos materiais em um
projeto de design de livro, reverbera diretamente na sua interação com o leitor.
Nesse sentido, Burton (2020) corrobora que as editoras não buscam apenas o
feedback sobre um livro específico, mas sim a construção de uma identidade visual
sólida que perpetuará na sua história.

A Companhia das Letras faz isso muito bem. Constrói uma identidade visual
forte, consistente e de qualidade, atraindo autores e a simpatia (a pouca que
ainda resta) da mídia especializada. Quando você mostra que está se
dedicando à qualidade gráfica dos seus livros, evidentemente atrai uma
simpatia da imprensa e dos autores, que vão querer publicar com a sua
editora (BURTON, 2020).

A busca das editoras por uma identidade visual eficaz e bem posicionada,
contudo, não é uma novidade. Cardoso (2005) cita o exemplo da Editora Americana
(posteriormente incorporada pela Waissman, Reis & Cia Ltda.), que ao longo da década
de 1930, contou com capas ilustradas por Di Cavalcanti, Geraldo Orthof e Oswaldo
Teixeira, todas com projetos que evidenciam a preocupação da editora com questão que
vão além do que se tem propagado sobre as ilustrações de capas produzidas na primeira
metade do século XX (CARDOSO, 2005).

Apesar da alteração no próprio nome da editora, a unidade projetual estava


sendo utilizada como ferramenta para conquistar a fidelidade do público
leitor. Longe de ser meramente “decorativa”, a ilustração de capas já era
nessa época um recurso poderoso de comunicação, visando a melhor
comercialização do produto (CARDOSO, 2005, p. 192).

A Figura 52 mostra, na sequência: capa de Di Cavalcanti para Crime e Castigo


(1930), capa de Geraldo Orthof para Uma Confissão (1931) e capa de Oswaldo Teixeira
para Mãe (1931), todos publicados pela Waissman, Reis & Cia Ltda.

151
Figura 52 – Capas ilustradas de livros publicados pela Waissman, Reis & Cia Ltda (década de 1930).

Fonte: (CARDOSO, 2005, p. 191; 194; 195)

Atualmente, uma das formas mais utilizadas na disseminação eficaz de imagens


constituintes de identidades visuais, incluído o campo das editoras de livros, tem sido o
uso sistemático das redes sociais. Sobre essa questão, Coelho (2010) indica que, ao focar
no leitor, deve-se ter em mente que para vencer a competição das mídias
contemporâneas, é preciso ajustar atributos específicos do objeto-livro, incluindo
aspectos da sua visualidade, que o difere significativamente de outros exemplares, em
decorrência da sua linguagem e público-alvo.
Neste sentido, Oliveira (2008, p. 66-67) testemunha que o livro necessita
“acompanhar os novos olhares do leitor de nossos tempos. A composição da ilustração
e da página é o elo que pode permitir a ligação entre os aspectos arcaicos e
contemporâneos do livro”. Isto posto, é interessante notar um traço comum na fala dos
ilustradores entrevistados, que indicam as redes sociais como um dos principais veículos
na apreensão da receptividade do público para com o projeto gráfico dos livros com os
quais colaboraram.
Wagner William, por exemplo, comenta que mesmo entendendo a premiação
no Jabuti como um dos melhores feedbacks que já recebeu, é importante manter-se
ativo nas redes sociais, fator que foi primordial na idealização do seu livro Lobisomem
sem Barba (WILLIAM, 2020). Bueno (2020) concorda ao indicar que mesmo não se
recordando de informações concretas em relação à receptividade do grande público
sobre o livro com o qual ganhou o Jabuti, acaba por receber um feedback gradual por
meio de comentários e outras interações em postagens no facebook.

152
O capista Diogo Droschi também compartilha desse entendimento ao explicar
que, hoje em dia, “o feedback é mais imediato, já que o público fala diretamente com a
editora a partir das redes sociais. Essa troca é muito boa e já fez com que mudássemos
a maneira de pensar algumas capas” (DROSCHI, 2020).
Por outro lado, no caso do livro Decameron (2013), o ilustrador Alex Cerveny
(2020) conta que o feedback extrapolou o meio digital. A editora catalã Libros Del Zorro
Rojo, que também publica na Argentina e México, produziu uma nova versão do livro,
lançada em 2017, a qual está circulando no mercado editorial de língua espanhola. A
ideia principal do projeto gráfico foi mantida, com algumas alterações, como a versão
da capa branca e o acréscimo de outras cinco ilustrações extras (CERVENY, 2020).
Figura 53 – Ilustração extra 1 de Alex Cerveny para livro Decameron na versão em espanhol.

Fonte: website da editora Libros Del Zorro Rojo

Figura 54 – Ilustração extra 2 de Alex Cerveny para livro Decameron na versão em espanhol.

Fonte: site da editora Libros Del Zorro Rojo

153
Figura 55 – Capa com fundo branco do livro Decameron na versão em espanhol

Fonte: site da editora Libros Del Zorro Rojo55

55
Disponível em https://librosdelzorrorojo.com/

154
Capítulo 5
CONSIDERAÇÕES FINAIS

O livro é um objeto de singular complexidade, e as camadas que constituem este


artefato são inúmeras. Nessa perspectiva, a presente pesquisa buscou aprofundar
estudos e fornecer um entendimento do livro a partir de uma destas camadas: a capa.
O estudo investigou a atuação de ilustradores, capistas e designers no processo
editorial de projetos de capas ilustradas de livros de ficção destinados ao público adulto.
A opção por estudar este segmento esteve diretamente relacionada à percepção quanto
a atual conjuntura social, cada vez mais guiada por imagens, que permeiam diferentes
setores da sociedade contemporânea.
O referencial teórico levou ao aprofundamento da problemática lançada
inicialmente, por meio das hipóteses norteadoras da pesquisa e seus objetivos.
Primeiramente buscou-se trazer a ótica da linguagem visual para o estudo sobre
ilustração, acreditando na possibilidade de construção e leitura eficaz dessas imagens,
tendo como base os elementos do alfabetismo visual. Investigou-se a função
comunicacional das imagens, que há muito tempo são utilizadas como meios
disseminadores de mensagens.
As composições imagéticas, portanto, formadas a partir de procedimentos
relacionais que organizam cores, formas, tons, luzes, contrastes, direções e outros
diversos elementos visuais e gráficos, equilibram esses fatores de forma a criar
narrativas visuais com intenções específicas.
Ao entender que existem inúmeras possibilidades de inserção da ilustração no
atual mercado de comunicação, e tendo as capas ilustradas como objeto de estudo,
buscou-se aprofundar a abordagem sobre as ilustrações no campo editorial, sobretudo
no que diz respeito aos livros. Nesse contexto, a função narrativa da ilustração é um
traço latente que respalda o seu uso em diversos projetos. Essas imagens são capazes
de traduzir, de maneira visual, passagens importantes e obras literárias completas das
mais diversas naturezas, com a possibilidade de transmitir mensagens e sensações com
diferentes singularidades. As capas ilustradas contam partes importantes da narrativa
contida no miolo do livro, sem dar spoilers, e, muitas vezes, gerando certo mistério, que

155
instiga e seduz o possível leitor, fazendo com que este queira saber mais a respeito da
história ali contada.
Neste panorama, julgou-se importante conhecer um pouco mais sobre o
produtor dessas imagens, ou seja, o profissional da ilustração. Foram investigados
pontos sobre a formação acadêmica e humana do ilustrador, com vistas a entender
sobre as expertises necessárias, bem como sobre as subjetividades inseridas neste
campo de atuação. Constatou-se que os ilustradores, por não terem muitas opções de
cursos de graduação ou profissionalizantes específicos, acabam por procurar formações
em áreas análogas, como o design gráfico e a arquitetura. É importante frisar, no
entanto, que há um número considerável de cursos aos quais ilustradores em potencial
podem recorrer para aprimorar suas habilidades, entre os quais também se destacam:
as artes visuais e artes plásticas. Além disso, trata-se de uma profissão em que ainda há,
até certa medida, um autodidatismo, e, em muitos casos, pessoas com habilidades para
o desenho se especializam como ilustradoras.
Quanto à atuação profissional, o trabalho como freelancer é o caminho mais
comum, ainda que existam estúdios de design, editoras e outras empresas do ramo da
comunicação que contam com ilustradores em seu quadro fixo de profissionais. No que
tange o contexto analisado por esta pesquisa, os ilustradores foram contratados para
projetos específicos, sendo a sua forma peculiar de organização quanto a uma narrativa
visual, o ponto crucial para a escolha do seu trabalho.
As questões teóricas sobre a criatividade e o processo criativo foram importantes
para a compreensão de componentes envolvidos na criação, seja de qualquer natureza.
As questões instigantes que se colocam para entender o trabalho de ilustradores e
designers são do tipo: Como os designers desenvolvem novas ideias? Como suas ideias
evoluem e como eles passam de uma para a outra? Qual é o papel das ideias do design
anteriormente consolidadas na formação de novas, e quais outros fatores influenciam
o desenvolvimento da proposta?
Por muito tempo essas perguntas e outras semelhantes motivaram os
pesquisadores de design a estudar a criatividade, o que não é surpreendente uma vez
que este tema é o foco de grande parte da educação e da prática do design. Alguns
autores constataram que na maioria das vezes essas respostas estão relacionadas ao

156
que acontece na prática, na ação, ou seja, no trabalho desses profissionais no “mundo
real”.
Pode-se entender o artefato livro a partir de uma cadeia de atores, que estão
interligadas entre si – autor, editor, tradutor, revisor, designer, ilustrador, capista, arte
finalista, produtor, vendedor, divulgador, consumidor, leitor. É uma cadeia, aqui
genérica, onde cada ator tem seu valor e cumpre um papel, ainda que nas extremidades
se encontram o autor e o leitor. Ter o foco no público e na recepção é um dos preceitos
do design. Para tanto, os fatores humanos foram tratados em vários pontos da discussão
da literatura, seja na percepção visual e nas questões da emoção e design emocional.
Uma vez concluído o referencial teórico é possível considerar cumpridos os três
primeiros objetivos específicos da pesquisa, que foram: (i) investigar questões da
imagem, com foco na sua função comunicacional e nos elementos do alfabetismo e
linguagem visual; (ii) apresentar conceitos do universo da ilustração, sobretudo no
âmbito editorial, abordando questões da criatividade e funções narrativa e de
persuasão; e (iii) explanar abordagens sobre a percepção visual e design emocional,
ressaltando suas implicações no nível da subjetividade na relação usuário-produto.
Sendo assim, com o aporte do referencial teórico, seguiu-se para atender ao
objetivo geral dessa pesquisa, que é o de entender o papel de ilustradores, capistas e
designers no processo de produção editorial de capas ilustradas de livros de ficção
destinados ao público adulto, tendo como base o processo criativo de profissionais
laureados no Prêmio Jabuti entre 2000 a 2019, objetivando apresentar a ilustração como
importante ferramenta em projetos da área.
A medida em que foram analisadas as respostas concedidas pelos profissionais
entrevistados, alguns pontos chamaram atenção. O primeiro deles diz respeito a
atuação dessas pessoas nos processos editoriais, uma vez que a maioria relatou ser
interessante e necessário, para a concepção de um projeto gráfico plausível e exitoso, a
imersão no universo do autor da obra literária.
Esta imersão, por sua vez, é realizada de maneiras distintas entre capistas,
ilustradores e designers. No contexto aqui analisado, percebe-se que os capistas, muitos
com formação em design ou área análoga, baseiam seus trabalhos em conhecimentos
sobre processos metodológicos e noções acerca do público-alvo, que impulsionam a
obtenção de resultados satisfatórios em projetos de capas de livros. Estes mesmo

157
profissionais, atuam, por vezes, como exímios arquitetos, na construção de um objeto
que envolve a leitura de palavras e imagens.
Por outro lado, no que se refere especificamente à atuação dos ilustradores na
produção editorial do livro, ainda que exista a aproximação destes profissionais com
metodologias do design, por vezes bem visíveis, a aproximação das suas atividades com
características mais subjetivas, entendidas como lúdicas, é a que mais se sobressai.
Nessa perspectiva, além de ser um leitor assíduo, o ilustrador, capista ou
designer inserido em processos dessa natureza, deve estar munido de informações
sobre a narrativa específica, e, junto a uma bagagem cultural e repertório visual rico em
referências e vasto em elementos gráficos, ser capaz de traduzir as mais diversas e
peculiares histórias por meio das suas composições, indo desde narrativas ácidas como
a do livro Ratos àquelas de teor poético como Decameron.
Assim, ao entender que a atuação destes profissionais se inicia com a proposição
de um briefing pela editora, foi curioso notar como este material é importante e
cuidadosamente pensado por atores envolvidos em projetos premiados. Um briefing
eficaz, no contexto aqui abordado, é aquele que, de forma clara e instigante,
proporciona o aporte necessário para que capistas e ilustradores atuem de maneira
criativa e ao mesmo tempo metodológica, sempre com foco no receptor. Esse aporte
pode ser sustentado, por exemplo, por informações visuais e conhecimentos
pertinentes sobre a narrativa e contexto sócio-histórico da obra literária, essenciais para
o andamento do trabalho desses profissionais junto aos outros envolvidos na
elaboração do projeto gráfico do livro.
Em alguns casos analisados, o briefing foi construído em conjunto por esses
diferentes atores da produção editorial, o que fomentou um rico material imagético,
acrescido de textos e outros dados de apoio sobre a obra e seu autor, proporcionando
informações importantes para a criação de ilustrações e projetos gráficos alinhados com
as narrativas literárias.
Nesse contexto, outro fato interessante percebido nas explanações dos
ilustradores e capistas se refere ao lugar do designer como articulador no processo
editorial de produção de capas ilustradas. Alguns entrevistados comentaram a respeito
do papel de gestor do designer neste processo, indicando que este profissional, além de
fazer parte da criação visual, também atua como elo de ligação entre outros grupos

158
envolvidos na cadeia. Deste modo, uma vez que o material gráfico é elaborado de forma
mais abrangente, os designers entram com conhecimentos específicos, relacionados a
organização visual e ordenação sistemática desses elementos ao longo do projeto,
ajustando-os aos locais mais pertinentes do objeto-livro.
No caso dos ilustradores, infere-se que as imagens produzidas como traduções
lúdicas e carregadas de significados são realocadas de maneira cuidadosa tanto na capa
como em páginas internas, sob a supervisão de designers gráficos e direção de arte, com
vistas a enfatizar as relações entre as informações visuais e as mensagens que o livro,
entendido aqui como objeto da cultura material, objetiva transmitir aos consumidores.
Vale ressaltar que entre os motivos explanados pelos entrevistados para a
escolha do uso da ilustração em detrimento de outro elemento gráfico nos projetos
apresentados, o que mais se destaca é o seu poder de tradução, onde também se faz
perceptível o seu teor narrativo e persuasivo. Nesse sentido, as ilustrações atingem um
grau de equilíbrio entre fornecer pistas sobre a história contada no livro, sem que se
perca a curiosidade de querer lê-lo para saber mais; ou seja, elas traduzem passagens
literárias por meio de narrativas visuais, que acabam por persuadir o leitor a adquirir o
livro para sanar as suposições previamente impostas pela capa.
É notório, portanto, que a organização visual das ilustrações em capas de livros
demanda conhecimentos específicos sobre comunicação e público-alvo. Na elaboração
da maioria dos projetos aqui estudados, ocorreram produtivas trocas de informações
entre diferentes frentes e equipes de atuação inseridas na cadeia de produção editorial
da capa de livro, ao entender que cada agente colabora com conhecimentos específicos
que consolidam projetos exitosos. Essa característica mostra-se importante na
elaboração de capas marcantes, capazes de estabelecer vínculos com seus receptores a
partir da interconexão eficaz entre linguagem visual e texto verbal.
Tais pontos foram cruciais na consolidação da editora Cosac Naify, responsável
pela publicação de quatro dos oito livros aqui analisados. A sua bem sucedida trajetória
parece estar diretamente ligada à forma humanizada e ao mesmo tempo metodológica
com a qual organizava o trabalho editorial. Capistas, designers e ilustradores que
colaboraram com a editora, indicam que existia no ambiente de trabalho a valorização
das experiências individuais de cada profissional, de forma a promover a troca entre
eles, vislumbrando entendimentos mais concisos em relação ao processo editorial e aos

159
caminhos do livro. Os projetos, muitas vezes, eram discutidos em reuniões de
conceitualização, pautadas em pesquisas realizadas por todos que estavam envolvidos:
editor, diretor geral, produção gráfica, produtor de imagem, equipe de design e outros.
Contudo, não só os livros da Cosac Naify, mas todos os oito exemplares
analisados parecem ter sido produzidos a partir do entendimento da produção da capa
como um encontro. Autor, capista, ilustrador, designer, editor, diretor de arte,
marketing, comercial; todos são atores indispensáveis para o sucesso de um projeto
gráfico. Nesse panorama, a capa funciona não só como a tradução da obra literária, mas
também do complexo envolvimento entre estes profissionais.
Todos eles, no entanto, objetivam a mesma coisa: atingir o leitor, o público-alvo,
da melhor forma possível. Este fato, por sua vez, indica a importância sobre ter-se
conhecimentos das funções da capa de livro e artifícios que devem ser utilizados para
que elas desempenhem esses papeis de forma a alcançar uma relação efetiva com o seu
público receptor.
No decorrer desta pesquisa, discutiu-se diferentes funções da capa de livro,
como: ser comunicativa; ter apelo visual; traduzir a obra literária; seduzir o possível
leitor; estar em comunhão com estratégias de marketing; vender o livro; conectar-se
com o público-alvo. Para cada função citada, características técnicas, estéticas, formais
e outras mais subjetivas, relacionam-se em um processo que visa explorar as
singularidades do livro, transformando-o em um objeto de especial valor. Nesta
pesquisa, um dos pontos de destaque é, portanto, a complexidade que permeia os
projetos de capas ilustradas de sucesso.
Nesse sentido, é interessante notar que, quando se está na posição de leitor,
ainda que a capa de um livro e seu projeto gráfico consigam envolver o indivíduo numa
relação substancial, na maioria das vezes, não existe o hábito de se questionar sobre o
complexo trabalho que sustenta a visualidade ali empregada, e como essa foi uma das
responsáveis pelo envolvimento. Deve-se ter em mente que, por meio de vastas
pesquisas em referências visuais, imersão no universo do autor da obra literária, viagens
em busca de insights, hierarquização do trabalho, longas reuniões, conversas e trocas
entre diferentes participantes do processo, são apenas alguns fatores apreendidos por
este estudo como importantes na construção de capas de livros ilustradas capazes de
transmitir mensagens de maneira eficaz à um público-alvo específico.

160
Após a discussão dos resultados do estudo aplicado com os profissionais, conclui-
se, portanto, que o objetivo geral foi atendido em sua totalidade, a partir da
consecução dos demais objetivos específicos estabelecidos no início do trabalho, que
foram (iv) estudar as relações entre ilustradores, capistas, designers e outros agentes
inseridos no processo de produção editorial do livro, especialmente no que tange
projetos de capas ilustradas, evidenciando a importância dessas conexões na construção
de projetos exitoso; e por fim o último (v) aprofundar estudos sobre os processos criativos
dos capistas e ilustradores profissionais envolvidos na produção de capas ilustradas de
livros, apontando como suas especificidades reverberam nos projetos gráficos.

5.1 SUGESTÕES PARA TRABALHOS FUTUROS

Em estudos futuros será possível utilizar os resultados da análise aqui discorrida


em proposições que tragam novas abordagens do universo dos livros, aproveitando os
pontos para tratar de outras vertentes, como as publicações de poemas, livros de
imagem e títulos não ficcionais. Vale ressaltar que em levantamento prévio realizado
por este estudo, observou-se que esses são segmentos literários que fazem uso
significativo das ilustrações em seus projetos gráficos.
Também sugere-se que questionamentos inicialmente pensados para a
consecução dos objetivos estabelecidos para esta pesquisa, voltados para a perspectiva
dos leitores sobre as capas ilustradas, sejam retomados. Dessa forma, buscar
compreender a visão do sujeito receptor acerca das mensagens intencionalmente
projetadas por ilustradores, designers e capistas para projetos gráficos e capas de livros.
O uso de metodologias na apreensão dos níveis emocionais entre o leitor e objeto-livro
seria, portanto, uma opção interessante na apreensão desses valores subjetivos.
Ao entender as novas demandas do mercado editorial contemporâneo, como
terceira opção para investigações futuras, propõe-se o estudo sobre as similaridades e
dissonâncias no que diz respeito aos projetos gráficos com relação a diferentes
possibilidades de materialidade do livro, ou seja, analisar o uso de ilustrações e outros
elementos gráficos em livros digitais versus impressos. Dessa forma, entende-se que
surgirão apontamentos importantes, alinhados com discussões recentes acerca do
futuro do livro impresso e das mutações, dinâmicas e intensas, que a relação do sujeito
leitor com o objeto livro tem sofrido ao longo dos últimos anos.

161
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BUENO, Daniel. Sobre o livro A Janela de Esquina do Meu Primo. [Entrevista


concedida à] André Matias Carneiro. Belo Horizonte, 17 ago. 2020.

BURTON, Victor. Sobre a Coleção Guimarães Rosa. [Entrevista concedida à] André


Matias Carneiro. Belo Horizonte, 04 ago. 2020, com duração de 0:20”25, 2020.

CERVENY, Alex. Sobre o livro Decameron: Giovanni Boccaccio. [Entrevista concedida à]


André Matias Carneiro. Belo Horizonte, 29 jul. 2020, com duração de 0:15”21, 2020.

DROSCHI, Diogo. Sobre o livro O Sumiço. [Entrevista concedida à] André Matias


Carneiro. Belo Horizonte, 09 ago. 2020.

DROSCHI, Diogo. 2012. Sobre o livro Micrôgemas. [Entrevista concedida à] Samir


Machado de Machado. Disponível em:
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FACCHINI, Luciana. Moby Dick. [Entrevista concedida à] André Matias Carneiro. Belo
Horizonte, 03 ago. 2020.

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MARTINEZ, Marcelo. Sobre o livro Ratos. [Entrevista concedida à] André Matias


Carneiro. Belo Horizonte, 29 jul. 2020, com duração de 0:35”52, 2020.

RANDOW, Elisa von. Sobre o livro Os Embaixadores. [Entrevista concedida à] André


Matias Carneiro. Belo Horizonte, 08 ago. 2020.

WILLIAM, Wagner. Sobre o livro Lobisomen sem Barba. [Entrevista concedida à] André
Matias Carneiro. Belo Horizonte, 28 jul. 2020.

WILLIAM, Wagner. Papo com Wagner William, o autor de Lobisomen sem Barba.
[Entrevista concedida à] Ramon Vitral, 2015. Disponível em:
https://vitralizado.com/hq/papo-com-wagner-willian-o-autor-de-lobisomem-sem-
barba/. Acesso em: 03 set. 2020.

168
APÊNDICES

APÊNDICE A

Quadro 4 – Levantamento de dados do Prêmio Jabuti na categoria Capa

169
170
Fonte: elaborado pelo autor (2020)

171
Quadro 5 – Levantamento de dados do Prêmio Jabuti na categoria Ilustração

172
Fonte: elaborado pelo autor (2020)

173
APÊNDICE B

Prezado Daniel Bueno,

Meu nome é André Matias Carneiro e sou orientando da Prof. Dra. Maria Regina
Álvares Correia Dias (que nos lê em cópia) no programa de pós graduação em design
da UEMG - Universidade do Estado de Minas Gerais. Nesse momento, estou
desenvolvendo minha pesquisa de mestrado intitulada “Ilustração e emoção: estudo
de capas ilustradas de livros de ficção destinados ao público adulto”. O principal
objetivo do estudo é identificar de que maneira as ilustrações em capas de livros são
capazes de estreitar vínculos emocionais estabelecidos com os leitores, enfatizando a
função da capa para além da proteção do miolo. Objetiva-se investigar a percepção do
público a partir de conhecimentos sobre as intenções projetuais da capa.

Foram estabelecidos alguns parâmetros para a escolha de exemplares a serem


analisados por leitores, sendo este o motivo do meu contato. Definiu-se como
principal critério de escolha que os livros tenham sido contemplados com o Prêmio
Jabuti nas categorias “capa” ou “ilustração”, compreendendo publicações entre os
anos de 2000 a 2019. Foram pré-selecionados deste universo, doze livros com capas
ilustradas destinados ao público adulto.

Nessa seleção prévia, o livro A Janela de Esquina do Meu Primo, premiado na categoria
“ilustração” em 2011, foi um dos escolhidos e gostaria de convidá-lo a colaborar com o
trabalho respondendo a algumas questões. São perguntas simples e diretas, que
poderão ser respondidas da forma que melhor lhe convier, seja na forma de texto nesse
e-mail, via áudio ou mensagem de texto por whatsapp (meu contato pessoal está no fim
desta mensagem), ou ainda com uma breve conversa por meio de aplicativos de
chamada em vídeo ou telefônica (Skype, Zoom, Google Meet, Messenger etc.). Caso
queira compartilhar algum material complementar que possa ajudar no meu estudo,
seria muito bem-vindo.

Agradeço a atenção, aproveitando para parabenizá-lo pela merecida premiação e por


sua trajetória profissional. Fico à disposição para eventuais dúvidas.

Questões:

Sobre sua atuação


Fale um pouco sobre sua atuação como ilustrador, especialmente no que tange
projetos do campo editorial.
Relacionadas ao livro A Janela de Esquina do Meu Primo
De que maneira o briefing desse projeto lhe foi passado? E como se deu a troca de
informações com outros agentes do processo editorial?

O visual da ilustração foi, em algum grau, previamente estabelecido ou se deu de


forma livre? Conte um pouco sobre o processo de criação da ilustração de capa.

174
Quais as intenções idealizadas para esta ilustração de capa? Que sensações
esperava-se provocar?
Qual a principal mensagem que a ilustração carrega e almeja transmitir aos seus
receptores?
Na sua visão, qual a função da capa de livro? E como a ilustração, neste caso
específico, potencializou tal função?
Cite cinco termos, entre palavras, frases, adjetivos etc., que melhor representam
emocionalmente a ilustração de capa em questão.

Você teve acesso ao feedback quanto a recepção do projeto pelo público? Se sim,
como foram passadas tais informações?

Cordialmente,
André Matias Carneiro
Whatsapp: (00) 0000-0000

175
APÊNDICE C

176
ANEXOS

177

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