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All content following this page was uploaded by André Matias Carneiro on 11 July 2021.
Orientadora:
Profª. Drª. Maria Regina Álvares Correia Dias
UEMG - Escola de Design
Belo Horizonte
2020
2
C257i Carneiro, André Matias.
Ilustração no design editorial : estudo do processo criativo de capas de livros na
perspectiva dos profissionais [manuscrito] / André Matias Carneiro. -- 2020.
177 f., enc.: il., color., fotos.; 31 cm.
Bibliografia: f. 162-167.
CDU: 75.056
3
4
A fogueira em que são lançados os maus livros constitui a figura invertida da
biblioteca encarregada de proteger e preservar o patrimônio textual. Dos
autos de fé da Inquisição às obras queimadas pelos nazis, a pulsão de
destruição obcecou por muito tempo os poderes opressores que, destruindo
os livros e, com frequência, seus autores, pensavam erradicar para sempre
suas ideias (CHARTIER, 1999, p. 23).
5
AGRADECIMENTOS
À Rosa Alencar Santana de Almeida, minha mãe, por ser uma pesquisadora destemida e
minha maior fonte de inspiração.
À José Silvério Carneiro, meu pai, por sempre estar ao meu lado, me incentivando a
sonhar e a realizar meus sonhos.
À minha querida tia Edjan, historiadora que me inspira a sempre querer saber mais sobre
o passado, acreditando na construção de um futuro melhor.
À minha orientadora Maria Regina Álvares Correia Dias, por mais do que orientar,
investir tempo, dedicação e carinho na construção desta pesquisa.
À professora Andréa de Paula Xavier Vilela, por suas indicações, tão necessárias para um
entendimento mais embasado sobre o universo da ilustração.
Ao professor Sérgio Antônio Silva, por apostar na força da linguagem dos objetos, que
aqui me ajuda a explorar a linguagem do objeto-livro.
À professora Suzi Maria Mariño, uma das grandes responsáveis por eu me tornar um
pesquisador, por suas orientações e amizade.
Aos meus muitos amigos e colegas, que com suas singularidades tão especiais, me
inspiram a ilustrar e a falar sobre ilustração.
6
RESUMO
7
ABSTRACT
8
LISTA DE FIGURAS
Figura 1 – Estrutura simplificada da pesquisa ................................................................................ 20
Figura 11 – Ilustração 2 de Anabella López, inserida em seu livro Um Coelho, 2017 .................... 68
Figura 17 – Levantamento dos premiados da categoria Capa do Prêmio Jabuti de 2000 a 2019 .. 90
Figura 18 – Levantamento dos premiados da categoria Ilustração do Prêmio Jabuti de 2000 a
91
2019 ............................................................................................................................
Figura 19 – Alex Cerveny e obra premiada ..................................................................................... 102
9
Figura 28 – Páginas internas do livro Decameron pulicado em 2014 .......................................... 117
Figura 29 – Páginas internas do livro A Janela de Esquina do Meu Primo, publicado em 2010. . 118
Figura 30 – Capas pertencentes à Coleção Guimarães Rosa, publicadas em 2002 ..................... 119
Figura 31 – Projeto de capa para Coleção Guimarães Rosa (2020), por Victor Burton ............... 120
Figura 32 – Projeto de capa do livro Ratos ilustrado por Marcelo Martinez, publicado em
121
2012..........................................................................................................................
Figura 33 – Detalhe do recorte “faca” do livro Ratos, publicado em 2012 ................................. 122
Figura 34 – Capa de Poty Lazzarotto para a 1ª edição de Grande Sertão Veredas publicado
124
pela Livraria José Olympio Editora, em 1956 ...........................................................
Figura 35 – Ilustrações de Poty Lazzarotto para obras de Guimarães Rosa ................................ 124
Figura 36 – Capas de Victor Burton para Coleção Guimarães Rosa, publicada pela Nova
125
Fronteira em 2002 ....................................................................................................
Figura 37 – Capa do livro Moby Dick (2009) e detalhe da gravura de Barry Moser .................... 126
Figura 38 – Páginas internas do livro Moby Dick, publicado em 2009 ........................................ 126
Figura 49 – Detalhe da parte inferior da capa do livro Ratos, de Marcelo Martinez .................. 140
Figura 50 – Ilustrações de Alex Cerveny de uma das páginas internas do livro Decameron....... 141
Figura 51 – Detalhe da capa do livro Moby Dick, projeto gráfico de Luciana Facchini ............... 144
Figura 52 – Capas ilustradas de livros publicados pela Waissman, Reis & Cia Ltda (década de
152
1930).
Figura 53 – Ilustração extra 1 de Alex Cerveny para livro Decameron na versão em espanhol... 153
Figura 54 – Ilustração extra 2 de Alex Cerveny para livro Decameron na versão em espanhol... 153
Figura 55 – Capa com fundo branco do livro Decameron na versão em espanhol...................... 154
10
LISTA DE QUADROS
Quadro 2 – Seleção prévia das amostras dos livros premiados do Prêmio Jabuti....................... 92
11
SUMÁRIO
Capítulo 1
INTRODUÇÃO ................................................................................................................... 14
1.1 Contextualização ........................................................................................................ 14
1.2 Problema .................................................................................................................... 17
1.3 Justificativa ................................................................................................................. 17
1.4 Hipóteses .................................................................................................................... 18
1.5 Objetivos .................................................................................................................... 19
1.5.1 Objetivo geral .................................................................................................... 19
1.5.2 Objetivos específicos.......................................................................................... 19
1.6 Organização da pesquisa............................................................................................. 20
1.7 Considerações iniciais ................................................................................................. 22
Capítulo 2
REFERENCIAL TEÓRICO .................................................................................................... 23
2.1. IMAGEM .................................................................................................................... 23
2.1.1 Alfabetismo visual .............................................................................................. 29
2.1.2 Funções e aplicações da imagem ....................................................................... 35
2.2 ILUSTRAÇÃO ............................................................................................................... 39
2.2.1 Gêneros e funções ............................................................................................. 39
2.2.2 Ilustração no campo editorial............................................................................. 42
2.2.3 Livro, capa e ilustração ...................................................................................... 44
2.2.4 A profissão do ilustrador ................................................................................... 54
2.3 CRIATIVIDADE E ILUSTRAÇÃO...................................................................................... 58
2.3.1 Questões teóricas da criatividade, intenção e recepção ................................... 58
2.3.2 Criatividade, persuasão e narrativa na ilustração .............................................. 63
2.3.3 Processo criativo ................................................................................................ 69
2.4 PERCEPÇÃO VISUAL E EMOÇÃO ................................................................................. 76
2.4.1 Percepção visual ................................................................................................ 76
2.4.2 Emoção e design emocional .............................................................................. 80
Capítulo 3
METODOLOGIA ................................................................................................................ 85
3.1 CARACTERIZAÇÃO DA PESQUISA ................................................................................ 85
3.2 ESTRUTURA DA PESQUISA .......................................................................................... 86
3.3 SELEÇÃO DAS AMOSTRAS PARA ANÁLISE ................................................................... 87
3.3.1 Processo de definição da amostragem .............................................................. 88
3.4 MÉTODO DE PESQUISA ............................................................................................... 92
3.4.1 Entrevistas ......................................................................................................... 93
3.4.2 Preparação e planejamento das entrevistas ..................................................... 94
3.4.3 Seleção dos entrevistados ................................................................................. 95
3.4.4 Técnicas de entrevistas ...................................................................................... 96
3.4.5 Análise dos dados .............................................................................................. 97
3.5 ASPECTOS ÉTICOS ....................................................................................................... 97
12
Capítulo 4
CRIAÇÃO DE CAPAS ILUSTRADAS: RELATOS DOS PROFISSIONAIS ................................. 99
Questão 1 ......................................................................................................................... 110
Questão 2 ......................................................................................................................... 114
Questão 3 ......................................................................................................................... 121
Questão 4 ......................................................................................................................... 133
Questão 5 ......................................................................................................................... 138
Questão 6 ......................................................................................................................... 142
Questão 7 ......................................................................................................................... 146
Questão 8 ......................................................................................................................... 150
Capítulo 5
CONSIDERAÇÕES FINAIS .................................................................................................. 155
5.1 SUGESTÕES PARA TRABALHOS FUTUROS ............................................................. 161
REFERÊNCIAS .................................................................................................................... 162
APÊNDICES ....................................................................................................................... 169
ANEXOS ............................................................................................................................ 177
13
Capítulo 1
INTRODUÇÃO
1.1 CONTEXTUALIZAÇÃO
14
nas ilustrações (DONDIS, 1997).
A ilustração, entendida como modalidade expressiva da linguagem, utiliza-se de
técnicas relacionadas ao domínio das artes, onde talento e anseios pessoais são
aspectos primordiais. Contudo, ressalta-se que está inserida em diferentes campos,
como: Artes Visuais, Artes Gráficas e Design. Nesse sentido, a pesquisa volta-se
especificamente para as áreas do Design Gráfico e Editorial, propondo o recorte quanto
as relações dessas esferas com a ilustração.
De acordo com Cavalcante (2010), a ilustração tem sua origem atrelada às artes
plásticas, e cada vez mais se mostra uma importante parceira do design gráfico. Na
prática, a ilustração se reconhece, interage e se expressa junto ao design, ainda que os
discursos do ilustrador frequentemente se fixem no vocabulário próprio às artes visuais.
No entanto, se observa um movimento contínuo de aproximação e diálogo existente
entre design gráfico e ilustração (CAVALCANTE, 2010, p. 52).
Diante desse paradigma, a abordagem acerca da ilustração como prática pautada
em metodologias do design e em elementos constitutivos da sintaxe visual revela-se
como um importante pilar no desenvolvimento deste projeto. Segundo Cavalcante
(2010, p. 89), as “particularidades de uma ilustração precisam ser identificadas e
valorizadas, a fim de contribuírem para a construção de elementos próprios da
linguagem visual relativa à ilustração”. Silva e Nakata (2016) reforçam que certos
aspectos metodológicos vinculados ao design devem ser levados em conta na produção
de ilustrações, de forma que uma visão projetual, baseada em etapas pré-definidas,
possibilite resultados de sucesso.
No campo do design editorial, os livros se destacam como um mercado ainda
auspicioso, mesmo que nos últimos anos o seu crescimento tenha sido reduzido. Assim,
ao aliar as ilustrações ao livro, se elege as capas ilustradas como objeto de estudo,
entendendo que as ilustrações no campo editorial podem despertar aspectos da
imaginação e gerar reflexões no espectador. No que toca especificamente a ilustração
para capas, Hall (2012) aponta que a sua principal função é estimular as vendas, e na
procura por esse objetivo, ela deve ser composta por elementos que se comuniquem
com o público-alvo, indicando o livro em questão como o mais adequado para ele.
Já na visão de Powers (2008), as capas podem atingir níveis de representação
que vão além da mera função de fomentar as vendas. O autor sugere que a capa pode
15
até parecer um acessório insignificante em relação ao conteúdo da obra, ou ser um mero
fetiche de colecionador ao valorizar o objeto raro sem levar em conta o entendimento
histórico. “Contudo, pode ser uma obra admirável, com significado próprio. Isso torna
as capas algo digno de ser apreciado e analisado, tanto no passado como no futuro”
(POWERS, 2008, p. 135). Em concordância com essa ideia, Oliveira (2008) destaca que a
atenção aos aspectos plásticos de um livro não se justifica somente no auxílio à
competição e à concorrência, como se o livro fosse um produto de prateleira. E
complementa que tal esmero com as questões gráficas e sua qualidade funcionam para
inserir a eternidade do livro na contemporaneidade. A preocupação com a imagem, com
a “configuração gráfica de um livro, não deve apenas ser entendida como um recurso
estetizante apoiado em questões mercadológicas ou na utilização maneirista e
superficial da computação gráfica” (OLIVEIRA, 2008, p. 45).
Por outro lado, ao considerar o livro um objeto transmissor de conhecimento,
devemos tratá-lo como parceiro do saber, o qual tem de ser capaz de atrair a atenção
do possível leitor. Encantar este indivíduo e estimular sua sensibilidade, por meio de
projetos gráficos com ilustrações e designs bem resolvidos, são caminhos para
aproximá-lo do livro afetivamente (VILANOVA, 2010).
16
cadeia produtiva deste objeto há a presença de diversos atores, a começar pelo autor,
o editor, o designer, capista e ilustrador, entre outros. Em relação ao papel do ilustrador,
Vilanova (2010) comenta que:
1.2 PROBLEMA
1.3 JUSTIFICATIVA
Grande parte dos estudos sobre ilustração ainda a colocam como prática
exclusivamente relacionada às questões de estilo, anseios e preferências pessoais do
criador da imagem. Diante desse paradigma, propõe-se preencher lacunas quanto a
17
abordagens mais correspondentes a requisitos contemporâneos, uma vez que a
pesquisa visualiza a ilustração sob o ponto de vista do design editorial com aplicações
específicas nos livros.
A pesquisa é relevante por expandir as discussões da área e aproximá-la de
parâmetros acessíveis do design gráfico e editorial. Outra questão relevante diz respeito
à abordagem específica acerca da ilustração editorial no âmbito do livro, quase sempre
relacionada a literatura infantil-juvenil, como observou-se em materiais bibliográficos
previamente investigados. Sobre essa questão, a investigação busca incentivar e
aprofundar o debate sobre a ilustração como elemento capaz de relacionar-se também
com o público adulto.
Apresenta-se esse elemento como imagem passível de ser construída por meio
de processos metodológicos adaptáveis pelo próprio ilustrador, capazes de
correlacionar questões subjetivas e características técnicas devidamente delineadas às
intenções do projeto a partir do texto do autor da obra literária. Nesse sentido, é
importante revelar o potencial do ilustrador, seu repertório visual, suas habilidades e
sensibilidades, afinal as singularidades particulares.
Ainda que não seja o foco principal, entende-se que o trabalho evidencia o livro
enquanto fonte importante de conhecimento, além de apontar que as iterações afetivas
com os usuários podem ser potencializadas por meio de projetos que visam a
transmissão de mensagens específicas e significados subjetivos atrelados à organização
de elementos gráficos. A pesquisa realizada por esse pesquisador em seu TCC1,
intitulada “O design emocional aplicado ao desenvolvimento da ilustração criativa”
serviu de motivação para a presente pesquisa.
1.4 HIPÓTESES
1
Trabalho de conclusão do Curso de Design defendido em 2017, orientado pela Prof. Suzi Maria Mariño,
pela Universidade do Estado da Bahia, com período sanduíche em Dun Laoghaire Institute of Art, Design
& Technology, na Irlanda sob a orientação do Prof. Gerard Fox.
18
• Cada vez mais se reconhece no Design Gráfico que a ilustração também poderia
ser pensada como uma categoria a ele relacionada, que possibilitaria a
comunicação de mensagens e a tradução visual de narrativas, acontecimentos e
textos verbais.
• Ilustradores e capistas seriam atores importantes na concepção e produção de
livros, especialmente no que diz respeito a inserção das suas referências visuais,
visões de mundo e processos criativos como facilitadores da interlocução com os
leitores.
• A ilustração, quando estampada em capas de livros de ficção, seria capaz de
potencializar o teor de persuasão e narrativa destes artefatos, seduzindo o
possível leitor ao ponto de este querer saber mais sobre o conteúdo narrativo da
obra literária.
• A troca de informações realizada de maneira rica e eficaz entre ilustradores,
capistas e designers, em comunhão com outros agentes do processo editorial,
seria de grande importância na construção de projetos de capas ilustradas bem
sucedidos.
1.5 OBJETIVOS
19
IV. Estudar as relações entre ilustradores, capistas, designers e outros agentes
inseridos no processo de produção editorial do livro, especialmente no que
tange projetos de capas ilustradas, evidenciando a importância dessas
conexões na construção de projetos exitosos;
V. Aprofundar estudos sobre os processos criativos dos capistas e ilustradores
profissionais envolvidos na produção de capas ilustradas de livros, apontando
como suas especificidades reverberam nos projetos gráficos.
20
O capítulo 1 diz respeito a introdução, com contextualização do problema,
perguntas centrais da pesquisa, objetivos, hipóteses e justificativa. Uma revisão
aprofundada da literatura é apresentada no capítulo 2, referente às questões teóricas
acerca dos temas fundamentais e suas conexões.
Nesse estágio, a pesquisa discute a ilustração como imagem constituída por
elementos do alfabetismo visual, capaz de transmitir informações e ser decodificada e
interpretada por seus observadores. Têm-se a ilustração como ferramenta projetual do
design editorial, que comunica mensagens específicas sobre diferentes temas, além de
ter a peculiar capacidade de criar vínculos afetivos com os seus receptores.
Assim, para melhor compreender como acontecem essas relações, foram
discutidos, com base em referencial bibliográfico obtido a partir de livros, artigos, teses
e dissertações, temas como: (i) as imagens, suas teorias e conceituações específicas
sobre o alfabetismo visual; (ii) a função comunicacional das imagens e suas aplicações;
(iii) características do universo da ilustração (apresentando-a como imagem construída
a partir de processos metodológicos bem definidos e relacionados ao campo do design);
(iv) gêneros das ilustrações e principais funções; (v) características da ilustração no
campo editorial e sua relação com o universo dos livros; (vi) questões teóricas da
criatividade, persuasão e narrativa da ilustração, bem como o processo criativo dos
ilustradores; e (vii) fatores humanos relacionados aos processos perceptivos e
emocionais na relação do usuário com produtos de design.
No capítulo 3 é abordada a metodologia para desenvolvimento da pesquisa
aplicada, incluindo as etapas para a consecução dos objetivos, com descrição e
delineamento dos processos metodológicos a serem executados, tais como os critérios
para seleção das amostras (exemplares de capas e profissionais) e método para coleta
de dados.
Dessa forma, para consecução dos objetivos da pesquisa, buscou-se
correlacionar questões discutidas nos diferentes tópicos apresentados, além de avaliar
as hipóteses a partir da aplicação de entrevistas com profissionais e material editorial
de sua produção profissional.
O capítulo 4 refere-se tanto a explanação dos resultados obtidos a partir das
análises, quanto as discussões suscitadas, e, por fim, o capítulo 5 apresenta as
considerações finais do trabalho e a indicação de pesquisas futuras.
21
1.7 CONSIDERAÇÕES INICIAIS
22
Capítulo 2
REFERENCIAL TEÓRICO
2.1. IMAGEM
Diante das múltiplas possibilidades de aplicação das imagens nos dias atuais, e
ao considerar as capas ilustradas de livros voltados ao público adulto como objeto de
estudo da presente pesquisa, é importante conhecer sobre a inserção das imagens no
âmbito da comunicação humana, compreendendo elementos que sustentam a teoria
da sintaxe visual. Segundo Joly (2012, p 136), “interessar-se pela imagem é também
interessar-se por toda a nossa história, tanto pelas nossas mitologias quanto pelos
nossos diversos tipos de representações”.
A sociedade contemporânea é marcada pela presença expressiva de informações
visuais que transmitem mensagens de diferentes naturezas, o que suscita discussões
sobre uma “civilização da imagem” (JOLY, 2012). Nesse sentido, com composições
projetadas por meio de processos detalhados, baseados em referencial específico e
focados no observador, são inúmeras as possibilidades de veiculação de imagens que
têm algo a dizer e que carregam consigo os recursos para a transmissão de mensagens.
Segundo Manguel (2001), as imagens mais antigas criadas pelo ser humano
destacavam a necessidade de expressão do “ser”. Por meio de linhas simples e borrões
coloridos, representavam-se significados de comunicação, memória e aviso, que
marcavam a presença dos indivíduos naquele tempo e espaço. O autor comenta que,
antes mesmo das figuras de animais e das reproduções de situações do cotidiano, o
humano riscou traços e estampou a palma da mão em cavernas, com o intuito de
expressar sua existência por meio do preenchimento do vazio.
De acordo com Dondis (1997), por conta das suas similaridades em diferentes
níveis com a experiência real, a imagem vem sendo usada como instrumento de
sustentação para o conhecimento há bastante tempo, tendo a qualidade objetiva das
informações como um dos fatores que apontam para a tendência à informação visual.
Considerando esse caráter direto, Marshall e Meachem (2010) apontam que o uso das
imagens é perceptível ao longo da história humana, e que, por mais que algumas
culturas tenham concebido diferentes formas de comunicação, elas sempre ocuparam
lugar de destaque.
23
Alguns dos primeiros exemplares são encontrados em cavernas, como as
dramáticas e grandes pinturas nas cavernas de Lascaux na França, que datam
de 15.000 a 10.000 a.C. Inicialmente, as imagens constituíam a base de toda
comunicação (MARSHALL; MEACHEM, 2010, p. 9).
2
Disponível em: http://archeologie.culture.fr/lascaux/en/mediatheque
24
para sermões. Ramalho e Oliveira (2005, p 28) acrescenta que “em períodos históricos,
nos quais a maioria da população não tinha a compreensão do texto escrito, era o código
visual que cumpria o papel de disseminador dos conteúdos bíblicos”.
Berger (1974) e Manguel (2001) corroboram que as imagens produzidas durante
a Idade Média apresentavam sequências narrativas por meio de desenhos que
reproduziam os acontecimentos em um mesmo painel, cena a cena. O caráter narrativo
das imagens sustentava o entendimento mais abrangente das mensagens, uma vez que
os mesmos personagens apareciam diversas vezes na paisagem unificada e em
diferentes momentos da conjuntura (MANGUEL, 2001).
Já no Renascimento, o enfoque narrativo desaparece e evidencia-se o
surgimento dos gêneros pictóricos, resultado do afastamento entre representação
religiosa e representação profana (BERGER, 1974; JOLY, 2012). De acordo com Ramalho
e Oliveira (2005), as discussões acerca da beleza e da arte retomam lugar de destaque
nesse período, sustentadas por correntes filosóficas e levantes artísticos preocupados
com as sensações e a sensibilidade, valores greco-romanos que substituem os
medievais.
25
Figura 3 – Prensa tipográfica idealizada por Johann Gutenberg
3
Disponível em: https://johannesgutenbergprint.weebly.com/the-movable-type-printing-press.html
26
significativo na constituição da história humana, o estudo da imagem é algo bastante
complexo.
Dentre as questões que evidenciam tal complexidade, está a presença de
diversos elementos visuais que demandam aplicação planejada, especialmente ao
considerar a heterogeneidade da atual conjuntura social, composta por muitas culturas
singulares (DONDIS, 1997).
Nesse contexto, as imagens devem ser compostas por signos4 capazes de
estabelecer comunicações efetivas com seu público-alvo. Conhecer os receptores da
imagem e o contexto ao qual ela será vinculada é importante para que não ocorram
ruídos na comunicação. Nesse sentido, aspectos como idade, gênero, posição social e
outros elementos socioculturais devem ser considerados na concepção e divulgação das
composições (MARSHALL; MEACHEM, 2010). Marshall e Meachem (2010) ressaltam que
a comunicação visual está em constante estado de mutação, uma vez que acompanha
contínuas discussões acerca das fronteiras sociais e éticas. Dessa forma, mesmo que
existam imagens de entendimento universal, pautadas em esquemas mentais
representativos e arquétipos relacionados à experiência comum a todos os seres
humanos, deduzir que a leitura da imagem é universal mostra-se uma assimilação
errônea, como aponta Joly (2012).
A imagem, assim como ocorre na linguagem verbal, é construída pela
organização de dados que “podem ser usados para compor e compreender mensagens
em diversos níveis de utilidade, desde o puramente funcional até os mais elevados
domínios da expressão artística” (DONDIS, 1997, p. 3). Nessa lógica, Joly (2012) reforça
que a imagem:
[...] indica algo que, embora nem sempre remeta ao visível, toma alguns
traços emprestados do visual e, de qualquer modo, depende da produção de
um sujeito: imaginária ou concreta, a imagem passa por alguém que a produz
ou reconhece (JOLY, 2012, p. 13).
4
Sugere-se aqui o entendimento de signo como algo que designa, comumente, “alguma coisa que aí
está para representar outra coisa”. Quando na semiótica, denomina uma forma da expressão qualquer,
encarregada de traduzir uma “ideia” ou uma “coisa” (GREIMAS; COURTÉS, 2013).
27
significação5 por meio de elementos distribuídos de modo particular em composições
calculadas, não apenas estruturadas como adorno ou decoração (RAMALHO E OLIVEIRA,
2005). A ideia contemporânea a respeito das artes visuais segue rumo à abordagem de
aspectos relacionados à expressão subjetiva e à função objetiva, tendendo à “associação
da interpretação individual com a expressão criadora como pertencente às “belas
artes”, e à resposta à finalidade e ao uso como pertencente ao âmbito das “artes
aplicadas” (DONDIS, 1997, p. 10).
Nesse sentido, a era tecnológica provocou mudanças significativas nos meios de
produzir e comunicar composições visuais, que, segundo Dondis (1997), representam
sinal da capacidade inerente a todo indivíduo de desenvolver e transmitir mensagens.
Mídias como o cinema, a televisão, computadores, celulares e tablets simbolizam o que
chamou de “extensões modernas” dessa capacidade, cada vez mais afastadas da
experiência do fazer humanista. Coelho (2008) corrobora que é necessário entender o
funcionamento das tecnologias disponíveis na contemporaneidade, a fim de
instrumentalizar os criadores de imagens para uma organização mais eficaz dos
elementos.
Sobre essa questão, Oliveira (2008) explana que os meios contemporâneos de
produção de imagens não possuem fontes culturais definidas, por conta da massificação
mercantil dos objetos visuais, que atualmente podem ser feitos de “qualquer coisa” e
por qualquer pessoa, gerando um caos visual.
Vale ressaltar que o ponto acima explanado por Joly (2012) é também aplicável
à palavra, uma vez que arranjos textuais, assim como as imagens, possuem condições
de produção (contexto social, cultural, econômico) passíveis de conceber elementos nos
quais não é possível identificar o que é realidade, ficcionalidade e mentira, gerando
interpretações múltiplas.
5
Com base em Greimas e Courtés (2013), a significação pode designar ora o fazer (processo), ora o
estado (aquilo que é significado), e pode, também, ser parafraseada quer como “produção de sentido”,
quer como “sentido produzido”.
28
Ao discutir temas análogos no âmbito do objeto livro, Chartier (1999) aponta
que, o mundo contemporâneo divulga uma promessa de intercâmbio universal dos
saberes e informações, que se opõe a justaposição de identidades singulares,
evidenciando uma espécie de tensão fundamental, pautada na afirmação das
particularidades e no desejo universal.
Esses fatores, por sua vez, influenciam uma nova revolução do livro, que
atualmente prevê diferentes possibilidades de mutação para o texto, como: adaptações
cinematográficas, televisivas, textos eletrônicos e outros (CHARTIER, 1999). A cultura do
livro tem encontrado cada vez mais a informática, e aparelhos como o Kindle da Amazon
e o Sony E-reader surgem com a ambição de substituir o livro impresso como suporte
soberano do texto (BURTON, 2009).
No que tange as imagens, Marshall e Meachem (2010) propõem métodos
alternativos que proporcionam maior interação com a real experiência humana;
segundo os autores, pintura, colagem, fotomontagem, xilogravura, gravura em chapa
de linóleo (linoleogravura), água-forte, litografia e serigrafia são algumas opções de
técnicas que, se aplicadas de maneira eficaz e projetadas para o formato apropriado,
produzem imagens tão interessantes quanto as possibilitadas pelas novas mídias.
Assim, ao considerar o conteúdo aqui apresentado, nota-se que ao longo da
história da comunicação humana, bem como nos dias atuais, independentemente da
técnica ou mídia utilizada na produção e divulgação da imagem, essa deve ser adequada
ao seu público-alvo com a plena capacidade de transmissão de mensagens particulares
(MARSHALL; MEACHEM, 2010).
Diante das discussões anteriores e da citação que abre este tópico, é evidente a
necessidade de se conhecer os elementos constitutivos das informações visuais para a
formação do ser humano, que atua tanto como agente produtor quanto consumidor de
29
imagens. Nesse panorama, muitas comparações entre linguagem verbal e comunicação
visual são realizadas com a finalidade de apontar uma ou outra como a mais eficiente
para o aprendizado. Na visão de Berger (1974), por exemplo, nenhum texto verbal do
passado oferece um testemunho tão assertivo do mundo que cercou sociedades em
outras épocas como as imagens são capazes de indicar. Segundo o autor, nesse sentido,
a imagem é mais rica e precisa do que a literatura.
A presente pesquisa, no entanto, não objetiva colocá-las como concorrentes,
mas apresentá-las como complementares, evidenciando questões sobre o alfabetismo
visual. Ambos os métodos de comunicação foram idealizados com o objetivo de elaborar
sistemas de aprendizagem básicos que fornecessem informações para identificação,
compreensão e produção de discursos, como atesta Dondis (1997). Coelho (2008)
concorda que, assim como na escrita alfabética, a eficiência na tarefa de transmitir
mensagens na comunicação visual depende de conhecimentos e habilidades do
autor/criador. Na atualidade, diante de composições visuais em diversas plataformas,
ter noções sobre a construção das imagens é interessante para uma divulgação mais
ativa das mensagens.
Porém, ainda hoje, muitos pensamentos que distanciam experiências estéticas
de análises verbais são habitualmente disseminados, dificultando a inserção de métodos
para “leitura” de imagens em geral, como indica Joly (2012). Segundo a autora, esses
pensamentos referem-se ao campo imagético como área irredutível às metodologias,
permeado por pensamentos particulares específicos, opostos aos da ciência.
Corroborando com estas assertivas, Dondis (1997) ressalta que a comunicação
visual deveria ser vista como esfera do conhecimento dotada, assim como o alfabetismo
verbal, de estrutura constituída por planos técnicos e definições consensuais que
representam meios de aprendizagem e apreensão de informações. Essa percepção é
fundamental em um contexto no qual os meios de comunicação contemporâneos têm-
se distanciado de alguns aspectos das mídias impressas, dando espaço à divulgação de
ilustrações, formas, cores e outros elementos visuais que são acompanhados pelo texto
verbal, outrora protagonista dessas mídias (DONDIS, 1997). Nota-se, portanto, que a
proposição de aspectos metodológicos para criação e apreensão de elementos
comunicacionais presentes nas imagens é um assunto relevante e atual. Sobre essa
questão, Dondis (1997) explica que:
30
[...] a natureza dos meios de comunicação enfatiza a necessidade de
compreensão dos seus componentes visuais. A capacidade intelectual
decorrente de um treinamento para criar e compreender as mensagens
visuais está se tornando uma necessidade vital para quem pretende engajar-
se nas atividades ligadas à comunicação (DONDIS, 1997, p. 27).
[...] tudo isso porque a imagem é eloquente. São cores e formas que se
articulam para veicular significados que muitas vezes, mais do que os textos
verbais, ficam impressos na consciência do seu interlocutor. Daí a importância
de estarmos bem equipados para compreender o que as imagens são e o que
elas estão comunicando (RAMALHO E OLIVEIRA, 2005, p. 76).
32
Assim, a leitura da imagem volta-se para o desvelamento das relações compositivas, que
são parte indicativa dos processos adotados pelo criador da imagem, e a partir das quais
é possível remontar as significâncias e sentidos6 incorporados à informação visual
durante a sua concepção (RAMALHO E OLIVEIRA, 2005).
Nota-se, portanto, que o sistema visual citado anteriormente é passível de
alterações provocadas a partir do que Dondis (1997) chamou de “temas estruturais
básicos”. Isso sinaliza a complexidade da sintaxe visual, que tem como um dos seus
pontos basilares as estruturas compositivas, pautadas em questões ligadas à
personalidade dos seus criadores. De acordo com Ramalho e Oliveira (2005, p. 25), em
“cada texto visual está registrado um discurso, evidenciando uma visão especifica do
seu criador, ou seja, o modo como o autor da obra vive e vê o mundo também é
mostrado na sua criação”.
Nessa perspectiva, para que não ocorram falhas na transmissão das mensagens,
as imagens devem conter signos acessíveis aos seus espectadores, e não somente a
indivíduos treinados, como: artistas, designers ou artesãos (DONDIS, 1997). Os
fenômenos imagéticos, seja pintura ou ilustração, por exemplo, são fenômenos de
comunicação, e não esfinges indecifráveis de acesso restrito a uma elite de críticos,
como aponta Oliveira (2008). Isso não significa, no entanto, que as composições não
possam apresentar âmbitos acerca das visões de mundo e características relacionadas
ao contexto que envolve o criador; mas sim, que esses aspectos sejam trabalhados com
foco na comunicação efetiva com o público-alvo (RAMALHO E OLIVEIRA, 2005).
6
O sentido como “aquilo que fundamenta a atividade humana enquanto intencionalidade” (GREIMAS;
COURTÉS, 2013, p. 456-457).
33
dos princípios ou conceitos relacionados à visualidade, mas, segundo Wong (1998),
assim como gosto pessoal e sensibilidade, uma compreensão completa destes fatores
seria crucial na ampliação da capacidade de organização visual.
O potencial sintático atrelado às imagens é consequência de um processo de
compreensão acerca da disposição e ordenação dos elementos estruturais presentes no
alfabetismo visual, levando em conta as implicações em termos de significado que tais
organizações suscitam no processo da percepção humana (DONDIS, 1997).
Atualmente, no campo da linguagem visual, a originalidade é característica
essencial para a imagem, que traz consigo conceitos estéticos que a diferencia das
tradicionais composições, evidenciando traços da liberdade organizacional em
informações visuais, como aponta Ramalho e Oliveira (2005). A autora complementa
que “quanto mais violada a norma vigente, tanto mais original, criativa e eloquente será
a imagem; pois ela se diferenciará das demais da sua classe; ela se destacará”
(RAMALHO E OLIVEIRA, 2005, p. 27).
No entanto, tendo em vista a proposição de métodos para leitura de imagens,
possibilitados por etapas de investigação sobre elementos compositivos, faz-se
importante não regras, mas o estabelecimento de algumas recomendações que
caracterizem de maneira mais geral as possibilidades de entendimento e apreensão dos
significados atrelados às imagens. No estudo da “significação na imagem, a adoção da
segmentação do texto em elementos, procedimentos, planos, se dá, de forma
metodológica, para efeitos de análise” (RAMALHO E OLIVEIRA, 2005, p. 34).
Outra acepção da “imagem” que não condiz exatamente com o foco da pesquisa
faz alusão a estudos baseados em associações sistemáticas que caracterizam um objeto,
indivíduo, uma profissão ou território, por meio da atribuição de características
socioculturais que os distinguem de similares (JOLY, 2012). Nesse contexto, a elaboração
7
Discute-se o uso de símbolo em um contexto apontado por Greimas e Courtés (2013, p. 464) como
não-semiótico, onde o termo admite definição como: “aquilo que representa outra coisa em virtude de
uma correspondência analógica”.
35
da “imagem” de um objeto, por exemplo, é referenciada em justificativas e elementos
gráficos reais, mas o sentido atribuído ao termo ganha dimensões intangíveis. Sobre
essa questão, Joly (2012) apresenta alguns exemplos:
Ramalho e Oliveira (2005) explana que, no vasto campo das imagens, diversas
funções podem ser identificadas, dentre as quais, destacam-se a epistêmica,
informativa, persuasiva e estética. Joly (2012) aponta que especialmente a função
comunicativa deve ser utilizada como orientação no processo de classificação dos
diferentes tipos de imagens. Para a sustentação dessas funções, os profissionais
36
criadores utilizam-se de três níveis distintos de dados visuais que compartilham do
mesmo propósito de transmissão de mensagens (DONDIS, 1997).
Segundo Dondis (1997), o nível representacional (1) diz respeito as informações
detectáveis com base em pistas relacionadas ao meio ambiente e experiência, sendo
pautado no que pode ser visto e identificado. Já o abstrato (2) está vinculado a qualidade
cenestésica de fatos visuais, os quais são reduzidos aos seus elementos mais básicos,
relacionados aos fatores emocionais e primitivos da criação das mensagens. Por outro
lado, o nível simbólico (3) refere-se ao “vasto universo de sistemas de símbolos
codificados que o homem criou arbitrariamente e ao qual atribuiu significados”
(DONDIS, 1997, p. 85).
De acordo com a autora, os níveis apresentam particularidades que permitem
estudo individual sobre o potencial produtivo em relação às mensagens, além da
investigação sobre o grau de reação que suscitam no processo da percepção visual.
Nesse sentido, Dondis (1997) destaca que a variação das características é percebida nas
possibilidades de aplicação dos meios de comunicação visual, uma vez que cada um
deles demanda metodologias distintas de uso dos elementos estruturais e organização
planejada acerca dos materiais e técnicas. A autora complementa que, dentre as
possibilidades no campo das artes visuais que transmitem mensagens por meio das
relações entre os níveis, estão: artesanato, desenho industrial, televisão, fotografia,
ilustração, pintura, cinema, escultura, design gráfico e arquitetura.
38
2.2. ILUSTRAÇÃO
A essência de uma ilustração pode variar de acordo com o contexto ao qual está
inserida, abrangendo “desde desenhos detalhados de máquinas desenvolvidos para
explicar seu funcionamento, até desenhos expressivos feitos por artistas talentosos [...],
39
que acompanham um romance ou um poema” (DONDIS, 2003, p. 205). Com base em
estudos especialmente voltados às ilustrações vinculadas ao objeto-livro, Lacerda (2018)
defende que:
Nesse cenário, existe uma grande variedade de gêneros que compõe o universo
da ilustração, sendo as funções das imagens, utilizadas como parâmetros de
diferenciação. De acordo com Camargo (1995 apud CAVALCANTE, 2010), ao considerar
o objetivo principal das ilustrações em detrimento dos seus fatores formais, elas podem
ser distribuídas em oito grupos a partir das suas funções, sendo elas: pontuação,
descritiva, narrativa, simbólica, expressiva/ética, estética, lúdica e metalinguística.
Segundo Cavalcante (2010, p. 39): “a ilustração descritiva [...] busca a literalidade da
informação e direciona a análise para a esfera da relação direta com o conteúdo e, por
isso, é tratada pontualmente e sem profundidade”.
Sobre a ilustração lúdica, de natureza antagônica à descritiva, Cavalcante (2010,
p. 81) destaca que: “a própria ilustração pode transformar-se em um jogo, pois o “quê”
e o “como” se representa assumem um caráter lúdico”. Scheinberger (2019) endossa
essa afirmativa, ao tratar particularmente das imagens que se assemelham ao “mundo
que contemplamos quando estamos de olhos fechados”, apontadas como
emocionalmente mais apreciáveis do que as imagens de âmago excessivamente realista,
sobre as quais destaca: “[...] imagens realistas, texturas claras e superfícies concretas
apelam para pontos de vista mais objetivistas e, portanto, emocionalmente mais
distantes” (SCHEINBERGER, 2019, p. 20).
Por outro lado, Zeegen (2009) destaca que as ilustrações podem ser usadas com
o objetivo de registrar, representar ou retratar, e acrescenta:
40
distintas de acordo com a sua função. Dessa forma, a ilustração (1) informativa, diz
respeito a imagem como representação real e científica, correspondendo a transmissão
de conteúdos informativos, já a ilustração (2) persuasiva, relaciona-se com o marketing
e a publicidade, objetivando o convencimento (persuasão) de um potencial consumidor,
e, por outro lado, a ilustração (3) narrativa é impreterivelmente vinculada a uma
narrativa, normalmente representada por um texto verbal.
Em levantamento realizado como parte de uma pesquisa sobre a incidência de
ilustrações em livros destinados ao público adulto, as autoras Saddy e Farbiarz (2014)
consideraram, com base na função de acompanhamento de um texto verbal, três
categorias de ilustrações, sendo elas: (i) imagens fotográficas, cuja técnica é a fotografia
e a fotomontagem, sejam elas analógicas ou digitais; (ii) imagens sintéticas, cuja técnica
pode variar entre desenho e pintura, sejam eles elaborados por meios tradicionais ou
digitais; e (iii) imagens de conteúdo misto, que são aquelas que misturam as categorias
anteriores (SADDY; FARBIARZ, 2014, p. 2683).
Independente do gênero, categoria, dos tipos e das formas, a ilustração tem na
representação visual a sua ferramenta de singularidade, com a qual são evidenciadas as
suas intenções e os meios que utilizou para alcançá-las, como aponta Cavalcante (2010).
Segundo a autora, “assumir a riqueza do universo da ilustração é um desafio e um
caminho para o fortalecimento da área, respeitando as diferenças existentes e abrindo
possibilidades futuras” (CAVALCANTE, 2010, p. 65).
Vale ressaltar que os meios utilizados na concepção das ilustrações, sejam elas
descritivas, lúdicas, persuasivas, informativas ou de outras naturezas, também são
inúmeros, uma vez que, qualquer técnica com que se produz uma imagem é passível de
ser utilizada para fazer uma ilustração. Assim, entende-se que no cenário
contemporâneo tudo já foi experimentado, desde técnicas tradicionais a recursos
inusitados, e, portanto, sendo a ilustração uma imagem que na maior parte das vezes
será experienciada por meio da reprodução, pode ser feita até de matérias
absolutamente efêmeras.
Dessa forma, o mais interessante nessa profusão de estilos e possibilidades
técnicas que permeiam o universo da ilustração, é estabelecer um critério dialógico
entre a forma de representação e o conteúdo, para além das discussões subjetivas
quanto a “beleza” das imagens (LACERDA, 2018). Nesse sentido, o fator determinante é
41
a escolha do ilustrador, seu olhar e o que aquele trabalho específico suscita. Oliveira
(2008) vai além, e considera que a ilustração, quando realizada em sua plenitude técnica
e artística, não é mais um objeto circunstancial, podendo tornar-se uma obra autônoma,
assumindo novas funções.
2.2.2 Ilustração no campo editorial
8
O briefing é o ato de proporcionar informações e instruções concisas e objetivas sobre uma missão ou
tarefa a ser executada que geralmente precede o processo de design.
42
o mercado editorial, que nutre certa relação de dependência com profissionais da
ilustração. O resultado da relação entre palavras e imagens vem sendo apresentado em
canais difusores de informações há bastante tempo, pelo menos desde o século XVII,
com o surgimento do jornal e da revista, como sugere Hall (2012).
Para o autor, os constantes avanços tecnológicos influenciaram na inserção da
internet na esfera das mídias editoriais, apontando-a como responsável por divulgar
informações para uma parcela cada vez mais significativa de usuários a nível global.
Dessa forma, os “ilustradores também têm se favorecido nesse ambiente, usando a
internet como uma ferramenta de marketing, e aproveitando as novas oportunidades
de trabalho que ela oferece” (HALL, 2012, p. 78).
A construção das mídias editoriais segue um certo padrão, sendo o resultado da
união entre fotografias, ilustrações e textos verbais que compõem jornais, revistas,
livros e sites editoriais (HALL, 2012). Tratando-se especificamente do caso das revistas,
Zeegen (2009) aponta que, as diversas abordagens e nichos de mercado refletem no alto
número de contratações de ilustradores na área, a qual hoje está repleta de publicações
empresariais, focadas na concepção de projetos para seguradoras, bancos, escolas,
linhas aéreas, lojas e supermercados que apostam na linguagem visual como meio de
comunicação efetivo.
Assim, ao realizar projetos nesse campo editorial, os ilustradores deparam-se
com a necessidade de estudo aprofundado sobre os temas que serão representados;
tendo em conta que a matéria em questão pode abordar assuntos diversos, como:
relações humanas, neurocirurgia, política, meio ambiente, mobilidade urbana ou
gastronomia (ZEEGEN, 2009). Nesse contexto, as possibilidades “são infinitas e a
flexibilidade na visualização de uma gama de assuntos tem grandes chances de ser a
chave para trabalhar com uma variedade de publicações” (ZEEGEN, 2009, p. 90).
A sessão “Antimatéria” da Revista Galileu (Figura 4) publicada em setembro de
2016 é um exemplo de como as ilustrações são utilizadas na representação de assuntos
variados. A edição em questão contou com trabalhos de dois ilustradores e de um
43
coletivo multidisciplinar, Berje9, Ana Matsusaki10 e Estúdio Barca11, que foram
desafiados a trabalhar com temas como tecnologia, robótica, aquecimento global e
racismo na premiação do Oscar.
Figura 4 – Matérias da Revista Galileu ilustradas com trabalhos de Berje, Ana Matsusaki e Estúdio Barca
9
Natural de Guararema, atualmente vive e trabalha na capital de São Paulo. O foco do seu trabalho é a
direção de arte, ilustração e design gráfico. Atua como sênior visual designer e ilustrador no Nubank,
além de realizar trabalhos como freelancer.
10
Ilustradora paulistana com formação em Design Gráfico, atualmente tem estúdio próprio e realiza
projetos sobretudo no campo editorial. Alguns dos seus clientes: Editora Moderna, Editora do Brasil e
Editora Abril.
11
Estúdio multidisciplinar estabelecido em São Paulo. Trabalha com identidade visual, ilustração, design
editorial e outras esferas da comunicação visual. Já realizou projetos para empresas como: Globo TV,
SKOL, Spotify, GOL, Google e NuBank.
12
Disponível em: <https://www.behance.net/gallery/56693035/Galileu-Antimatria>.
44
culturas particulares, observa-se que se destacam pelo uso de ilustrações em suas partes
integrantes (HALL, 2012). De acordo com Hall (2012), são inúmeros os gêneros textuais
no mercado editorial que utilizam-se de ilustrações na transmissão de mensagens,
como: clássicos, culinária, policial, teatro, educação, erotismo, ficção, terror, humor,
saúde e bem-estar, família, poesia, romance, ciência, ficção científica, esportes, ficção
infantil-juvenil, medicina e saúde.
Nesse panorama, Linden (2011) explica que os profissionais envolvidos na área,
desde editores, designers gráficos, diretores de arte, capistas, ilustradores e os próprios
escritores têm papéis importantes e correlacionados no processo de criação do objeto-
livro. Portanto, o processo de construção de um livro pressupõe a organização de
conteúdo textual e imagético, indicando a coautoria dos variados agentes produtivos.
Assim, independentemente das consequências na materialidade e/ou no
funcionamento do discurso do livro, causadas por cada atuação, todos os profissionais
objetivam alcançar o leitor da melhor forma possível (LACERDA, 2018).
13
Escritor, ilustrador, compositor e pesquisador paulista, nascido em 1949, autor de vários livros para
crianças e jovens. Formado em comunicação visual pela Faculdade de Artes Plásticas da Fundação
Armando Álvares Penteado (FAAP), é mestre em Letras e doutor em Teoria Literária (USP).
45
2010, p. 30).
Já na visão de Nikolajeva e Scott (2011), a autoria compartilhada de livros que
contém ilustrações pode influenciar negativamente a interpretação assertiva acerca das
relações estabelecidas entre texto e imagem. De acordo com as autoras, a apreensão
das mensagens se torna cada vez mais complexa na medida em que a quantidade de
profissionais envolvidos na criação do livro aumenta e a colaboração individual de cada
um diminui. “As múltiplas autoria e intencionalidade resultam em ambiguidade e
incerteza na legitimidade da interpretação” (NIKOLAJEVA; SCOTT, 2011, p. 49).
Ainda segundo as mesmas autoras, um texto verbal pode ser representado por
uma ou várias imagens, tornando-se uma história ilustrada; em que as imagens são
dependentes das palavras. Contudo, um único texto pode ser “ilustrado por diferentes
artistas, que transmitem diferentes interpretações [...], mas a história continuará
basicamente a mesma e pode ainda ser lida sem considerar as imagens” (NIKOLAJEVA;
SCOTT, 2011, p. 23).
Para Pascolati (2017), o ilustrador, em consonância com o texto do autor, revela
sua visão de mundo por meio das ilustrações; porém, nessa construção, sempre há lugar
“para a interação do leitor, que integra ao livro a sua própria visão de mundo. E pelo
aspecto inerentemente lúdico e polissêmico da imagem, esse processo de produção de
sentido acolherá sempre novas leituras do mundo do livro e do mundo do leitor”
(PASCOLATI, 2017, p. 8).
Em conformidade com estas explanações, Nikolajeva e Scott (2011) reforçam
que:
[...] tanto as palavras como as imagens deixam espaço para os
leitores\espectadores preencherem com seu conhecimento, experiência e
expectativa anteriores, e assim podemos descobrir infinitas possibilidades de
interação palavra-imagem (NIKOLAJEVA; SCOTT, 2011, p. 15).
46
as funções das ilustrações, pode-se perceber maneiras distintas de cooperação entre
palavras e imagens, sendo elas: congruência, elaboração, especificação, amplificação,
extensão, complementação, alternância, desvio e contraponto. Por outro lado, Golden
(1990 apud NIKOLAJEVA; SCOTT, 2011, p. 22) discute os seguintes tipos de interação na
narrativa visual-verbal:
i. O texto e as imagens são simétricos (criando uma redundância);
ii. O texto depende das imagens para esclarecimento;
iii. A ilustração reforça, elabora o texto;
iv. O texto carrega narrativa elementar, a ilustração é seletiva;
v. A ilustração carrega narrativa elementar, o texto é seletivo.
Segundo Nikolajeva e Scott (2011), o grande número de possibilidades
relacionais dificulta o estabelecimento de uma terminologia coerente e flexível, mas ao
mesmo tempo evidência a capacidade da ilustração em potencializar a transmissão de
mensagens específicas. Ainda assim, é importante objetivar “uma metalinguagem
internacional abrangente e um sistema de categorias que descrevam a diversidade de
interações texto-imagem” (NIKOLAJEVA; SCOTT, 2011, p. 20).
Diante desse paradigma, as autoras propõem uma classificação dos livros com
base em conhecimentos apresentados por diferentes autores acerca da presença dos
elementos comunicacionais e suas relações (Figura 5). Nessa lógica, os textos narrativos
ou não, estritamente compostos por palavras, são antagônicos aos “livros-imagem”,
“livros de imagem” e aos “livros demonstrativos”, constituídos apenas por ilustrações
(imagens) (NIKOLAJEVA; SCOTT, 2011).
47
Figura 5 – Categorização de livros baseada na incidência de ilustrações e suas relações com o texto
verbal
48
principalmente da variedade de novas possibilidades de realização e refinamento das
técnicas visuais. Com o avanço dos recursos gráficos, por exemplo, o ilustrador tem uma
grande diversidade de técnicas à disposição da sua criatividade para a construção
narrativa (LACERDA, 2018).
Segundo Linden (2011), a preocupação plástica das imagens e a hegemonia das
mesmas em livros ilustrados tem obtido destaque dentro de um cenário marcado pela
profusão de estilos e repleto de tendências. A autora acrescenta que, o cuidado com a
plasticidade das mensagens linguísticas também é percebido em composições
imagéticas contemporâneas que reproduzem os textos verbais com os mesmos
materiais e técnicas das ilustrações. “Possuindo uma clara preocupação plástica, a
ilustração se diferencia por também possuir uma preocupação narrativa e por valorizar
o caráter literário ao buscar uma poética comum ao texto e à imagem” (LACERDA, 2018,
p. 157).
A ilustradora Eva Furnari, em entrevista à Moraes, Hanning e Paraguassu (2012),
expõe sua opinião sobre como a ilustração deve ser entendida nesse contexto:
Segundo Cardoso (2005, p. 164), no que se refere à produção de livros com capas
ilustradas, o Brasil se destaca “tanto pelo pioneirismo quanto pela originalidade. Em
49
poucos outros lugares do mundo desenvolveu-se tão cedo, tão rapidamente e com tanta
riqueza de soluções a arte de integrar imagem e texto nas capas de livros”. Conforme o
autor, ainda que pouco investigada, a produção brasileira nessa área do design é
bastante significativa, sobretudo após meados da década de 1930.
Contudo, mesmo antes disso, o amplo uso das ilustrações em capas da editora
Monteiro Lobato & Cia (1919-1925) é entendido por aqueles que estudam a história do
livro no Brasil como uma movimentação que rompeu com o padrão então vigente de
capas estritamente tipográficas (CARDOSO, 2005).
Ainda segundo esse senso comum, o livro Urupês (1918), do próprio Monteiro
Lobato e com capa de Wasth Rodrigues, marcaria o início do design de capas
no Brasil, bem como um ponto de partida para a reconfiguração dos projetos
de livros de modo geral, incluindo maior atenção à qualidade tipográfica e à
diagramação do miolo (CARDOSO, 2005, p. 165).
Figura 6 – Capas de Wasth Rodrigues para edições do livro Urupês, publicadas em 1918 e 1919
Nesse cenário, outro nome que merece destaque é Fernando Correia Dias (1896-
1935), um dos pioneiros na criação de capas ilustradas no Brasil. “Nascido e criado em
Portugal, Correia Dias chegou ao Brasil em 1914 e foi logo introduzido no meio artístico
carioca [...], encontrando aceitação imediata como caricaturista e ilustrador”
(CARDOSO, 2005, p. 171). Após algumas das suas produções, logo passaram a surgir
projetos de capas realizados por vários artistas que seguiram a “trilha aberta por Correia
Dias”, como indica Cardoso (2005).
Fritz (Anísio Oscar Mota) e Paim (Antônio Paim Vieira) foram caricaturistas ativos
nesse campo durante as décadas de 1920 e 1930. Segundo Piqueira (2019), Paim foi um
50
dos artistas mais atuantes e requisitados nessas décadas, e, ainda que seu traço eclético
não tenha colaborado na “obtenção de grande posteridade, [...] possibilitou que ele
executasse projetos de ilustração, letreiramento e capa nos mais variados estilos”
(PIQUEIRA, 2019, p. 43).
As ilustrações impressas na obra de estreia de Alcântara Machado, Pathé-Baby,
de 1926, são assinadas por Paim (Figura 7). Na visão de Piqueira (2019, p. 42), “é difícil
resistir a uma concepção de livro tão amarrada quanto a de Pathé-Baby”. Valêncio
Xavier, escritor, cineasta e roteirista, indica a obra como “o grande momento da
literatura visual no Brasil”, e explica que a narrativa literária deste exemplar “corre em
duas pistas: o filme escrito de Alcântara Machado e o filme desenhado por Paim”
(PIQUEIRA, 2019, p. 42).
Figura 7 – Detalhes do livro Pathé-Baby (1926), com ilustrações de Paim
Fonte: graficaparticular14
14
Disponível em: http://graficaparticular.com.br/mesti%C3%A7os.html
51
a partir dos anos 1990, com a inserção dos computadores, softwares gráficos,
surgimento de novas editoras e os avanços nos processos de produção e impressão,
foram viabilizados projetos de “capas cada vez mais elaboradas artística e graficamente,
fazendo do objeto livro, cada vez mais, um objeto de linguagem visual marcante”
(MENEZES; LESSA, 2018, p. 2).
Nesse cenário, “o conteúdo textual da capa é definido pelo editor do livro, que
envia o material juntamente com um briefing para o capista que tem o trabalho de
traduzir o conceito do livro em imagem” (LIMA, 2017, p 30). Os capistas são atores
importantes nos processos de projetos gráficos, que objetivam a produção de um layout
que precisa: “ser legível; apropriado para o público-alvo; diferenciado; ter uma paleta
de cores interessantes e uma hierarquia de informação clara” (LIMA, 2017, p. 33).
Hall (2012) corrobora que as capas são fundamentais no estímulo de vendas, e,
portanto, devem almejar sempre aumentar a capacidade de aceitação do produto, com
vistas a evocar sentimentos que confirmem o livro em questão como o mais adequado
para a aquisição.
52
feedback mostrará o quão vendável é o design do livro” (ZEEGEN, 2009, p. 93).
No que diz respeito a capa ilustrada, Nikolajeva e Scott (2011) apontam que a
composição imagética escolhida funciona como uma espécie de reflexo da ideia dos
autores, e, por vezes dos editores, sobre a passagem mais dramática ou atraente da
narrativa. Dessa forma, entende-se que a ilustração de capa assume o papel de resumir
os principais pontos da história, sem que o enredo ou o conflito principal do livro sejam
revelados (NIKOLAJEVA; SCOTT, 2011). Zeegen (2009) reforça que:
Com base em ideias explanadas por John Hamilton, ex-diretor de arte da Penguin
Books (Londres), acerca da ilustração para capas de livros, Hall (2012, p. 104) elenca
algumas características importantes para este segmento de imagem:
• Precisa atrair a atenção do público-alvo, conectando-se a seus interesses,
transmitindo a sensação de que o livro foi escrito para ele – isso se refere a
alguns fatores, tais como: idade, valores e preferências;
• Embora não tenha necessariamente que explicitar o conteúdo do livro, ela
deve garantir uma compreensão dele;
• Fazer o livro se destacar de seus concorrentes nos pontos de venda;
• Deixar claro o gênero da publicação para a definição da seção onde ele será
exposto na livraria (ambiente físico ou on-line).
De forma a sintetizar o conteúdo aqui discutido, a Figura 8 apresenta parte de
um projeto gráfico realizado por Coralie Bickford-Smith, designer sênior da editora
Penguin, para o qual criou capas ilustradas que enfatizam o trabalho realizado com
palavras e imagens. As capas pertencem à coleção de clássicos do terror Gothic Horror
Series, Red Classics, reeditada pela Penguin em 2008.
53
Figura 8 – Capas dos livros The Spook House e The Virgin Of The Seven Daggers, com projeto gráfico de
Coralie Bickford-Smith, 2008
54
sobre técnicas de elaboração de imagens, metodologias, história da arte e outras
disciplinas sejam dispensáveis para a formação desses profissionais. Scheinberger
(2019) aponta que, o trabalho do ilustrador não está relacionado somente à
espontaneidade, expressão criativa ou desenvolvimento de uma identidade artística,
mas também à prática, ao esforço e a um engajamento organizado e intenso.
Assim, é interessante pensar sobre a atual situação da ilustração no contexto
acadêmico brasileiro, marcada pela escassez de cursos de graduação específicos, sendo
o bacharelado oferecido pela Escola Britânica de Artes Criativas (EBAC), sediado em São
Paulo, uma exceção. A escola Usina de Imagens, com base em Recife, também se
destaca por oferecer cursos de ilustração com duração de quatro anos, além de
workshops e oficinais voltadas à área. No que tange os cursos técnicos ou de curta
duração, destacam-se o da ABRA - Escola de Arte e Design (São Paulo), o curso intensivo
de ilustração oferecido pela EFEC – Escola Franco Europeia de Comunicação e os cursos
regulares de narrativa visual, pintura e ilustração (analógica e digital) da Casa dos
Quadrinhos, sendo as últimas duas instituições situadas em Belo Horizonte. No que diz
respeito à oferta de oficinas focadas em técnicas particulares de criação de imagens, tais
como a aquarela, nanquim, carvão ou pintura digital, são disponibilizadas mais opções.
Vale também ressaltar que, há um número considerável de cursos aos quais
ilustradores em potencial podem recorrer para aprimorar suas habilidades, como: artes
gráficas, artes visuais, belas artes, design gráfico, entre outros. Além disso, trata-se de
uma profissão em que ainda há, até certa medida, um autodidatismo.
Corroborando com esta afirmação, Zeegen (2009) aponta que muitas vezes os
ilustradores precisam fazer uso de meios vinculados à outras disciplinas, permeando
universos considerados preferivelmente de profissionais como os designers gráficos, por
exemplo. Sobre essa questão, Oliveira (2008) aponta que:
55
de design com ilustradores em seu quadro fixo de profissionais. Contudo, há situações
em que o ato de ilustrar é marcado por ações solitárias, com características como o
brainstorming realizado apenas pelo ilustrador, sendo as responsabilidades sobre o
resultado final todas vinculadas a ele (ZEEGEN, 2009). Assim, a linha visual adotada no
decorrer do projeto deve ser fornecida ao contratante de forma gradual, entendendo
que este deve acompanhar o andamento de maneira que forneça feedbacks periódicos.
Nessa perspectiva, ter o domínio acerca de certas práticas administrativas e
organizacionais é de suma importância para quem deseja se consolidar na área da
ilustração comercial (HALL, 2012). Estes profissionais trabalham com encomendas, e,
consequentemente, com prazos preestabelecidos por clientes atentos a questões de
organização visual e potencialidade da mensagem traduzida.
Segundo Scheinberger (2019, p. 169), “de modo geral, a escolha de um ilustrador
em detrimento de outro acontece por questão de gosto e pelo fato de o cliente confiar
em seu trabalho, e não por causa de alguns reais a mais ou a menos”. O autor, com base
em informações divulgadas em maio de 2018 pela Sociedade dos Ilustradores do Brasil,
aponta que, ilustrações para projetos de capas de livros (página simples) podem custar
entre R$800 a R$1.300 reais, e projetos de página dupla podem custar até R$1.500 reais.
Contudo, vale ressaltar que “os valores listados [...] são valores de referência e levam
em consideração ilustrações de diferentes graus de complexidade e acabamento”
(SCHEINBERGER, 2019, p. 168).
Silva e Nakata (2016) concordam que, com a crescente demanda por uso de
ilustrações no mercado da comunicação visual, e, ao considerar os valores dados a elas,
o cenário poderia ser mais estimulante para quem deseja ingressar na área; o que não
ocorre em virtude dela ainda não ser vista com seriedade pela sociedade e por
profissionais de campos correlatos.
Em relação à formação básica dos ilustradores, é importante ressaltar a presença
do teor humanista relacionado aos aspectos de personalidade e identidade do indivíduo,
essenciais na constituição dessa profissão e do seu profissional. Sobre este assunto, Rui
de Oliveira destaca:
56
Dessa forma, além de conhecimentos em disciplinas técnicas que envolvem o
universo da ilustração, o treinamento de quem deseja firmar-se na área também
demanda quesitos experimentais e culturais. Para Hall (2012), ambos devem ser
combinados de maneira competente e particular, de forma que sejam capazes de
transmitir peculiaridades, traços da autoria e fatores que confirmem as visões de mundo
e artística do ilustrador.
57
2.3 CRIATIVIDADE E ILUSTRAÇÃO
58
psicologia, administração, educação e artes, se envolvem cada vez mais com o assunto.
A Teoria do Investimento em Criatividade de Sternberg e Lubart (1996) entende
que o comportamento criativo resulta da convergência de seis fatores distintos e inter-
relacionados, apontados como recursos necessários para a expressão criativa, são eles:
a inteligência, estilo intelectual, conhecimento, personalidade, motivação e contexto
ambiental. Com relação à inteligência, Sternberg e Lubart (1996) consideram que três
habilidades cognitivas são especialmente importantes: a habilidade de síntese, que
propicia a redefinição de problemas a partir de sua análise sob os mais variados ângulos;
a habilidade de análise, que permite o reconhecimento das ideias sobre as quais
valeriam maiores investidas e a habilidade prático-contextual, que diz respeito à
capacidade de persuadir outras pessoas sobre o valor das próprias ideias. Conforme
destaca Dias (2007), essas habilidades cognitivas são essenciais para a atividade do
design, pois, como já mencionado, além da competência criativa, o profissional deve
possuir uma visão sistêmica de projeto, manifestando a capacidade de conceituá-lo a
partir da combinação adequada de diversos componentes. Além disso, cabe ao
ilustrador ou designer avaliar se suas propostas são promissoras, comunicando-as
eficazmente para que possam ser entendidas e negociadas.
Com relação ao indivíduo, Mihaly Csikszentmihalyi (1996) aponta duas
características associadas à criatividade, a sua bagagem social e a cultural. Nesse
contexto, as características mais evidentes das pessoas criativas são a curiosidade,
entusiasmo, motivação intrínseca, abertura a experiências, persistência, fluência de
ideias e flexibilidade de pensamento. Assim, o domínio consiste no conjunto de regras
e procedimentos simbólicos estabelecidos culturalmente, ou seja, o conhecimento
acumulado, estruturado, transmitido e compartilhado em uma sociedade ou por várias
sociedades. Para Alencar e Fleith (2003) uma resposta criativa tem mais probabilidade
de ocorrer quando o indivíduo tem amplo acesso à informação relativa a um domínio e
quando as informações a ele pertinentes são conectadas entre si, além de serem
relevantes e aprofundadas, capazes de despertar o interesse do indivíduo e impulsionar
o seu engajamento na área.
Os estudos de Fayga Ostrower (1987) são baseados na perspectiva histórico-
social, com ênfase na materialidade do processo criativo e na capacidade de
transformação. Para Ostrower (1987) a criatividade pode ser assim expressa: “formar
59
implica em transformar” num processo dinâmico, ou seja, criar é, basicamente, poder
dar uma nova forma a algo pré-existente. Em qualquer campo de atividade trata-se,
nesse ‘novo’, de coerências que se estabelecem para a mente humana, fenômenos
antigos relacionados de modo novo e compreendidos em termos novos. O ato criador
abrange, portanto, a capacidade de compreender, e esta, por sua vez, a de relacionar,
ordenar, configurar e ressignificar.
Ao relacionar o ato de criar com o de formar, Ostrower (1987) conceitua a
materialidade, não como um fato meramente físico, mas, fundamentalmente, como
linguagem simbólica; e afirma que é no trabalho que o homem elabora seu potencial
criador, pois é ele que “traz em si necessidades que geram as possíveis soluções
criativas” (OSTROWER, 1987). Ou seja, é no pensar – específico – sobre um fazer
concreto – também específico – que esse potencial criador se manifesta, mesmo que o
sentido de materialidade necessite de um contexto histórico que o caracterize enquanto
finalidades e formas. Os conceitos da autora complementam o entendimento da
criatividade aplicada a um campo prático, como é o caso do design gráfico. A
materialização do ato criativo ocorre quando surge um novo produto, uma embalagem
inovadora ou uma infografia de uma revista, conforme Dias (2007).
Segundo Csikszentmihalyi, em seu livro A descoberta do fluxo (1999), as
pessoas que procuram desempenhar tarefas criativamente encontram mais prazer no
que fazem. O prazer, por sua vez, é altamente motivador, propondo uma espiral positiva
com três elementos: criatividade, prazer e motivação.
A primeira fase do processo criativo é a identificação do problema, sua
delimitação e o contexto em que surge. Nessa fase busca-se definir as necessidades que
o permeiam e os objetivos a que sua solução se propõe, o que no design denomina-se
briefing. A fase de preparação consiste na coleta de informações sobre o problema a ser
resolvido, num esforço consciente de busca da solução. Se após um período de
preparação não houver resultados concretos, ou seja, se não surgir a solução esperada,
o indivíduo entra na fase de incubação, em que processos mentais inconscientes são
acionados.
Para Sternberg e Lubart (1996), as soluções mais criativas resultam da
capacidade de se redefinir um dado problema, o que ocorre, muitas vezes, como
consequência do insight. Dessa forma, propõem-se três tipos básicos de insights: a
60
codificação seletiva, que ocorre quando se está tentando resolver um problema e se
reconhece a relevância de informações que podem não ser imediatamente óbvias; a
comparação seletiva, que envolve o pensamento analógico, quando informações do
passado são aproveitadas para resolver problemas do presente, percebendo-se uma
analogia entre o velho e o novo. E o terceiro tipo de insight é de combinação seletiva, o
qual ocorre quando se reúnem informações cuja conexão não é óbvia.
No que tange a esquentação, este é um estágio que permite a volta ao problema
inicial e traz a sensação de estar mais próximo da solução. Em projetos de design, essa
etapa consiste na geração de alternativas, ‘estalos’, ‘relâmpagos’, que devem, sempre,
ser registrados em esboços, desenhos ou textos. A iluminação é o momento da criação
propriamente dita; quando se encontra uma ideia nova, uma solução para aquele
problema estudado. Já a elaboração consiste em aperfeiçoar as propostas apresentadas,
de forma a torná-las comunicáveis. A solução, no entanto, deve ainda ser testada para
verificar sua validade em termos práticos, sendo este o objeto da fase de verificação.
A fixação de ideias, conhecida como “ideia fixa”, equivale ao inverso do “pensar
fora da caixa”, ocorre com muita frequência durante o processo criativo, seja qual for a
natureza: uma ilustração, música, texto, o projeto de design de uma cadeira. No design,
trata-se de um fenômeno psicológico, que leva uma pessoa a enxergar um artefato
somente da forma como é usado tradicionalmente, descrito por Karl Duncker como
fixação funcional, conforme Crilly (2019).
Dois estudos concentraram-se no fenômeno da “fixação no design” para tentar
entender como o problema ocorre, partindo de experiências relatadas por profissionais
da área (CRILLY, 2019; CRILLY; CARDOSO, 2017). São questões norteadoras desses
estudos: como os designers desenvolvem novas ideias? Como suas ideias evoluem e
como eles passam de uma proposta para a outra? Por muitos anos, essas perguntas e
outras semelhantes motivaram os pesquisadores de design a estudar a criatividade.
Recentemente, grande parte dessa atenção se concentrou em processos de inspiração
e fixação, onde soluções de projetos anteriores estimulam ou restringem à imaginação
do designer. Os autores explanam alguns casos constatados diretamente no local de
trabalho, a partir de depoimentos, identificados em materiais de projetos de design
oferecidos fora da literatura conhecida da área; relatos que às vezes são ilustrados com
representações dos primeiros esboços ou protótipos e das próprias reflexões dos
61
designers sobre o desenvolvimento de suas ideias (CRILLY; CARDOSO, 2017).
Outro componente relevante, presente na teoria de Sternberg e Lubart (1996),
diz respeito ao contexto ambiental. Sabe-se que a criatividade não ocorre no vácuo e
não pode ser vista fora de um contexto, especialmente porque tanto a pessoa como a
ideia são recebidos, avaliados e julgados como criativos ou não por pessoas da sua esfera
social. Segundo Dias (2007), essas ideias convergem para a atividade do design, na
medida em que tanto o profissional como o resultado de seu trabalho são avaliados
quanto ao nível de criatividade. Em áreas como arquitetura, design, artes e publicidade,
os profissionais, muitas vezes, são reconhecidos e seus nomes, ao serem citados, são
associados, imediatamente, a um resultado criativo.
Csikszentmihalyi (1996) defende que o foco dos estudos em criatividade deve ser
nos sistemas sociais e não apenas no indivíduo. Para ele, o fenômeno da criatividade é
construído por meio da interação entre o criador e sua audiência, e, nesse sentido, mais
importante do que definir criatividade é investigar onde ela se encontra. Desse modo,
conhecer em que medida o ambiente socio-histórico-cultural reconhece ou não uma
produção criativa.
A criatividade, portanto, não é resultante do produto individual, mas de sistemas
sociais que julgam esse produto, incluindo todos os indivíduos que atuam como “juízes”,
com a função de decidir o quão uma nova ideia é criativa, e, dessa forma, se deve ser
integrada ao domínio (CSIKSZENTMIHALYI, 1996). É o campo que seleciona e retém o
material a ser reconhecido, preservado e incorporado ao domínio. Cabe ao criador
convencer o campo quanto ao seu valor e quanto à pertinência de incluí-lo no domínio,
e, por outro lado, o campo pode estimular a produção de novas possibilidades. Em
momentos históricos específicos, algumas áreas foram mais valorizadas pelo campo e
atraíram indivíduos mais talentosos, favorecendo o surgimento de ideias originais.
Portanto, para que uma nova ideia seja aglutinada ao domínio é essencial que ela seja
socialmente aceita.
As proposições de Csikszentmihalyi (1996, 1999), assim como as de Sternberg e
Lubart (1996), se enquadram perfeitamente à atividade projetual do design, pois
consideram o aspecto social da criatividade. Os produtos resultantes do trabalho dos
designers são, geralmente, de ampla circulação e, nesse caso, pode-se dizer que todos
os usuários são, além de receptores, também os ‘juízes’ de sua criação.
62
Ao falar em comunicação, é inevitável vincular o termo à própria linguagem, por
se tratar da mais importante forma de interlocução de que o designer dispõe, para que
obtenha êxito em seus projetos. Por essa razão, as “coordenações adquirem significado
social através de narrativas e diálogos. Os artefatos são materializados através da
linguagem” (KRIPPENDORFF, 2000, p. 90). Em outras palavras, os artefatos participam
da comunicação humana e apoiam linguisticamente as práticas sociais.
Para comunicar, o ilustrador imprime uma intenção ao projeto do livro e o leitor
“responde” a esse produto, podendo corresponder, ou não, às intenções originais do
ilustrador. Esse modelo impõe que o profissional se valha de um repertório de signos
que, supostamente, são reconhecíveis pelo leitor, considerando o contexto histórico e
cultural que permeiam o cotidiano deste. A aceitação de um produto (livro) depende do
quanto ele consegue se conectar com a escala de valores do grupo de leitores a que se
destina.
63
expressão dinâmica, distanciando-se de ideias puramente sistemáticas. Muitos são os
fatores que especificam as ilustrações correspondentes à essa esfera, alguns
relacionados às estratégias utilizadas na concepção das imagens, outros relativos a
fatores ligados a memória, identidade, estilo e visões de mundo dos seus criadores.
Segundo Scheinberger (2019, p. 20), “podemos criar uma proximidade
emocional com o observador se nos valermos de perspectivas não tão concretas, cuja
aparência se assemelha àquela de imagens interiorizadas”. Dessa forma, antes de iniciar
as discussões propriamente ditas, é importante destacar que a produção dessas imagens
promove diversos desafios para o ilustrador.
Segundo Hall (2012), mesmo que nesses trabalhos existam referências visuais
retiradas do mundo exterior, o ilustrador é o único responsável pela manipulação e
composição da imagem. O autor frisa que, na criação de um trabalho persuasivo, o
profissional da ilustração, além de realizar pesquisa minuciosa buscando informações
imagéticas de diferentes civilizações e épocas, também precisa exercitar a imaginação e
a sua criatividade.
Por consequência, a ilustração capaz de transmitir ideias com alto teor criativo
está inserida no âmbito das imagens atemporais, que ultrapassam as tendências,
consolidam-se no mercado e fixam-se na mente dos espectadores (ZEEGEN, 2009). Essas
imagens, segundo Zeegen (2009), têm o poder de capturar a imaginação do observador,
promovendo conexões entre acontecimentos da sua história pessoal com o momento
presente.
Zeegen (2009) reforça que, a capacidade de criação baseada em pensamentos
criativos respaldados, capaz de formular abordagens e narrativas únicas, é tão
importante quanto ter-se noções acerca de habilitações técnicas e uso de materiais.
Portanto, é interessante destacar que não existem regras estabelecidas na produção de
imagens criativas, sendo difícil apontar procedimentos certos ou errados em um
universo onde a identidade tem tanto valor, como explana Hall (2012). Assim, um dos
principais papéis do trabalho de um ilustrador é a competência de “encapsular uma ideia
e comunicá-la a determinado público, de maneira articulada e inovadora” (HALL, 2012,
p. 6).
As relações criadas na interação das crianças com os livros infantis ilustrados e o
interesse por capas de CDs e outros produtos da indústria fonográfica durante a
64
adolescência, são alguns exemplos do potencial que as ilustrações têm de marcar
períodos importantes (ZEEGEN, 2009). De acordo com Hall (2012), essas são
consequências impulsionadas pelo grau imaginativo de certas ilustrações, que mesmo
não sendo de caráter realista, se consolidaram como as mais contratadas para trabalhos
de ilustração comercial.
Este feito, por sua vez, está relacionado com a qualidade de unicidade dessas
composições, organizadas com base na capacidade dos ilustradores em apresentar
situações, lugares e personagens com ângulos nunca antes explorados. Em vista disso,
Hall (2012) corrobora com este pensamento ao explanar características sobre as
imagens que chamou de “desenhos de imaginação”:
[...] elas fazem o que a câmera fotográfica não consegue: elas ilustram ideias,
nos mostram o futuro, nos levam a lugares que jamais podemos visitar, e
visualizam nosso mundo interior. O aspecto interessante desse tipo de
trabalho é que ele é seu próprio mundo: da mesma forma que um diretor de
cinema, você está no comando de tudo aquilo que está presente em seu
mundo – você escolhe a iluminação, os lugares, os personagens e suas roupas
e mobília (HALL, 2012, p. 27).
65
Paraguassu (2012):
a ilustração tem que dialogar com o texto no sentido de ampliar seu universo
significativo. Em outras palavras, a reunião do texto e das imagens tem que
trazer ao leitor algo maior do que o texto e as imagens em si mesmos. Outro
ponto: as imagens de alguma maneira têm que exercer o pensamento crítico
o tempo todo. Ilustração não é decoração, é discurso crítico, é interpretação.
No meu trabalho, tudo isso pode até não acontecer, mas será por
incompetência minha (MORAES; HANNING; PARAGUASSU, 2012, p. 99).
15
Disponível em: <https://colecionadordesacis.com.br/2018/01/20/resenha-abecedario-do-folclore-
brasileiro/>.
66
Para Wojciechowska (2005), por meio da valorização das situações criadas no
papel através da luminosidade e expressões sensíveis, é possível, além de comunicar
uma mensagem, fazer com que as imagens sejam vistas e sentidas por intermédio do
que a ilustradora chama de “elevação interior”. O que se procura não é meramente a
representação fotográfica, mas sim o equilíbrio entre expressão, autenticidade e traços
referentes ao objeto ilustrado (WOJCIECHOWSKA, 2005).
Os elementos supracitados dão margem para discussões acerca das
subjetividades (liberdades interpretativas) vivenciadas no campo da ilustração. Nesse
processo, cada observador tem uma história de vida, construída por referenciais e
memórias específicas que dizem respeito somente a ele, o que viabiliza interpretações
particulares acerca de uma imagem. Cabe ao ilustrador, fazer uso de técnicas e signos
visuais que sejam capazes de transmitir as mensagens adequadamente para o seu
público-alvo de forma fluida e instigante.
Wojciechowska (2005) aponta que, cada ilustração tem o poder de contar uma
história singular, o que ratifica a importância da construção desses vínculos para que a
ilustração funcione harmoniosamente. Logo, é interessante reservar espaços nas
imagens para que o observador participe energicamente, complementando ou
imaginando parte da história. Permeadas por vários dados simultâneos, as ilustrações
funcionam como espaços visuais passíveis de interpretações e participações externas
ativas (WOJCIECHOWSKA, 2005). O ilustrador Rui de Oliveira16 concorda que o mais
“interessante na ilustração é o enigma. Não se pode trabalhar com o explícito [...]. A
ilustração é sinuosa, não é reta. O importante é justamente criar narrativas paralelas”
(MORAES; HANNING; PARAGUASSU, 2012, p. 21).
Como exemplo, tem-se as ilustrações de Anabella López17, apresentadas nas
Figuras 10 e 11, partes integrantes do livro ilustrado Um Coelho, editado em 2017 pela
Editora Aletria, cujo o texto também é de autoria da ilustradora.
16
Nasceu no Rio de Janeiro e é autor e ilustrador de literatura infantil. Formado em artes gráficas,
estudou pintura no Museu de Arte Moderna do Rio de Janeiro, ilustração no Instituto Superior Húngaro
de Artes Industriais e cinema no Pannónia Film Studio, em Budapeste.
17
Formada em Design Gráfico pela Universidade de Buenos Aires. Foi parte da agência de Design e
Tipografia “Fontana”. Foi professora na Universidade de Buenos Aires durante 2 anos. Em 2013, mudou-
se para o Brasil, onde fundou a escola de ilustração “Usina de Imagens” na cidade de Recife.
67
Figura 10 – Ilustração 1 de Anabella López, inserida em seu livro Um Coelho, 2017
18
Disponível em: https://anabellalopez.com/pt/um-coelho/.
68
Nota-se que, por meio da interação com o seu leitor, as ilustrações bem
sucedidas são capazes de contar histórias, marcar momentos, persuadir, incentivar o
pensamento crítico, influenciar estados emocionais e, o mais importante, transmitir
mensagens e narrar fatos específicos sobre um determinado assunto ou acontecimento.
69
parte. Alinhar os fatores relacionados ao público-alvo, assimilar o contexto no qual a
imagem será disseminada e equipar-se de informações envolvendo dados sobre o
cliente, cronograma e estilo gráfico são algumas práticas importantes que levam a
pensamentos criativos e ideias interessantes (ZEEGEN, 2009).
Ao entender os principais objetivos do projeto, segue-se para o processo de
criação propriamente dito, que começa a partir do embate pessoal do ilustrador diante
do “vazio”, representado no contexto da concepção imagética por uma tela ou folha de
papel em branco. Para Zeegen (2009), a rigidez e severidade proporcionadas por tal
situação é demasiadamente desconcertante para o ilustrador profissional que recebe
uma proposta de trabalho e tem o dever e desejo de deixar a sua marca.
À vista disso, para que este primeiro estágio seja produtivamente superado e a
tela venha a ser preenchida de maneira satisfatória, é essencial que o ilustrador tenha,
além de conhecimentos e competências sobre a estruturação de suas ideias, o domínio
sobre o assunto que será representado. De acordo com Zeegen (2009), é entendível que
a compreensão relativa ao assunto que será ilustrado seja o fator mais importante das
fases iniciais que envolvem a produção de ilustrações. A reunião de referências e
informações relacionadas à temática que será abordada impulsionará o processo de
geração de ideias e fará com que o ilustrador tenha noção mais refinada em relação ao
contexto em que seu trabalho irá aparecer.
Alguns hábitos para a realização de tais pesquisas, como fazer investigações e
consultas em portais na internet, realizar visitas a livrarias, bibliotecas e espaços
culturais são recomendáveis para que os ilustradores apreendam de forma mais bem-
sucedida as características do assunto tratado. Essa coleta de informações abre
caminhos para pensamentos férteis que não seriam possíveis sem o conhecimento
precedente necessário (ZEEGEN, 2009).
Assim, é perceptível a ideia de que para o enfrentamento seguro do “vazio”, além
de seguir o briefing e entender o seu público-alvo, o ilustrador deve estar munido de
conhecimentos sobre o que irá retratar, formulando um ponto de partida produtivo
70
para a criação de imagens coerentes (ZEGEEN, 2009). Para o acesso a tais
conhecimentos, uma das ferramentas usadas por profissionais de ilustração são os
painéis semânticos, sobre os quais, Silva e Nakata (2016) destacam que:
[...] também podem ser utilizados como apoio na geração de ideias. Esses
painéis podem ser compostos por imagens, amostra de cores, formas,
texturas ou qualquer material visual que esteja relacionado com o projeto.
Uma das principais vantagens desses painéis é que eles permitem
experimentar visualmente as referências mais agradáveis, além de oferecer
boa carga de inspiração no desenvolvimento das ideias para ilustração (SILVA;
NAKATA, 2016, p. 1494).
Infere-se que, a solução de problemas por meio das imagens representa tarefa
complexa permeada por uma série de atividades consecutivas e interligadas, as quais
demandam engajamento e foco do profissional que irá realizá-las (HALL, 2012). Dessa
forma, partindo da junção entre os conhecimentos prévios alcançados em relação ao
assunto que será exposto e os aspectos relacionados à mente criativa do ilustrador,
chega-se à etapa de formulação das ideias.
Nesse estágio, para que o ato de ilustrar seja uma experiência prazerosa e não
uma tarefa arbitrária e tediosa, é fundamental que os ilustradores compreendam como
as ideias tomam forma e saibam driblar criativamente os momentos em que a fluidez
das mesmas não se apresenta de maneira tão ágil quanto a desejada (ZEEGEN, 2009).
Para tanto, Zeegen (2009) reforça que, ter a segurança de reconhecer que boas ideias
criativas demandam tempo para tomar forma é essencial, e treinar a mente para não
entrar em condição de desespero frente à falta de inspiração é um aspecto-chave do
processo criativo.
Desta maneira, para que a compreensão e o domínio sobre as ideias sejam
apreendidos efetivamente, os ilustradores dedicam-se aos métodos que estimulam
inspirações e momentos de criatividade. É nesse panorama que a construção de esboços
despretensiosos, livres de quaisquer regras ou normas é, dentre tais métodos, um dos
mais recorrentes em tratando-se de processos criativos dos profissionais de ilustração.
Corroborando com este pensamento, Zeegen (2009) ressalta que não ocorrem
julgamentos a respeito das questões estéticas relacionadas às composições criadas de
maneira intuitiva durante o registro de ideias no caderno de esboços, indicando-o como
recurso de investigação de visualidades adequado aos profissionais criativos. Ainda
segundo o mesmo autor, é importante destacar que boas ideias tomam forma em
71
qualquer lugar e que a inspiração surge em situações improváveis, demandando dos
ilustradores uma preparação quanto ao ato de anotar prontamente seus pensamentos,
utilizando linguagem escrita e/ou visual, a depender do que se adapta melhor ao
raciocínio.
Muitos artistas e ilustradores começam a fase de geração de ideias no caderno
de esboços (sketchbook), e um relacionamento ativo e afetuoso pode manifestar-se
entre o profissional de ilustração e este objeto, posto que ele representa um lugar em
que a comunicação é mais intimista, onde o único público é o próprio ilustrador, e em
que a pura experimentação com conceitos e pensamentos pode fluir livremente (HALL,
2012). Segundo Eluf (2017), esse tipo de caderno, tão associado às artes visuais,
representa a ferramenta ideal de organização do pensamento das mentes criativas. A
autora acrescenta que o uso desses artefatos propicia, além do registro de ideias e
sensações, a descoberta de novas possibilidades de manifestação atreladas aos traços
estilísticos peculiares aos indivíduos. Os cadernos estão “relacionados com a observação
e a representação e são, na verdade, um modo de documentar uma experiência, de
acompanhar e avaliar o processo” (ELUF, 2017, p. 69).
As folhas do caderno de esboços pertencente a Margaret Huber19 (Figura 12) e
Jim Stoten20 (Figura 13) são bons exemplos de páginas preenchidas com imagens criadas
de maneira intuitiva. Nota-se que não existe um padrão a ser seguido na concepção de
propostas e composições, o mais importante neste momento é conseguir exprimir o
máximo de ideias possíveis, com traços soltos e despojados que podem, por fim,
conceber esqueletos iniciais correspondentes à solução visual de um problema
específico.
19
Artista e professora estadunidense, atualmente reside em Londres onde mantém projetos como
“Visual diaries” e “Train tickets”, nos quais ilustra em superfícies inusitadas de maneira criativa.
20
Ilustrador, reside em Londres e nos últimos anos o seu estilo único e ilustrações divertidas foram
encomendados por uma vasta lista de clientes, incluindo a MTV, a Habitat, a Levi’s, a Urban Outfitters e
o The Guardian.
72
Figura 12 – Páginas duplas de um caderno de esboços de Margaret Huber
21
Disponível em: <https://jim-stoten.com/work#/kaltes-eis/>.
22
Canadense nascida em 1960, é licenciada em Design de Comunicação. Fez pós graduação em
Educação pela Arte na Inglaterra. Atualmente vive e trabalha em Lisboa, onde fundou o atelier Lupa
Design, o qual dedica-se ao design, a ilustração e a cenografia. Tem experiência como dinamizadora de
ateliers criativos, com crianças jovens e adultos.
73
discursos com linguagens bastante próprias. Nesse sentido, imersa em uma série de
possíveis representações imagéticas, manifesta-se dentre os esboços, uma ilustração
que reflete aspectos pessoais do ilustrador e carrega consigo algo de novo capaz de
emitir significados em torno de um tema ou texto (WOJCIECHOWSKA, 2005).
Esta etapa específica do processo de criação que envolve a experimentação e
seleção de ideias perante os esboços se refere, segundo Silva e Nakata (2016), à
concepção de variadas alternativas com o objetivo de definir a possível ilustração final.
Os autores indicam que a possibilidade de combinação e novos arranjos de significados
dão aos ilustradores a capacidade de formulação de diversas opções.
Zeegen (2009) testemunha que é importante adotar sensos de realismo e altos
níveis de criatividade a fim de transformar os potenciais indícios encontrados nesta
etapa em conceitos integralmente desenvolvidos. Nesse sentido, o autor aponta que o
grau almejado pelo ilustrador deve estar na medida certa entre realismo (comunicar) e
criatividade (ousar).
A partir do momento em que as imagens mais promissoras estiverem definidas,
segue-se para as fases mais definitivas. Neste ponto, é importante a aplicação de
conceitos já consolidados no campo do design, como o foco na escolha de alternativas
que expressam potencial de sucesso, diminuindo o número de opções ou mesmo
escolhendo apenas uma para ser trabalhada (SILVA; NAKATA, 2016). A opção escolhida
será então lapidada dentro dos parâmetros apresentados pelo projeto, partindo para
sua concepção como ilustração final; a qual representa proposta de solução visual ao
problema inicialmente exposto pelo contratante.
Dessa forma, diante dos mecanismos aqui discutidos, nota-se que os
procedimentos metodológicos característicos ao processo de criação da ilustração são
particularmente semelhantes aos adotados em projetos de design. Nessa perspectiva, a
estrutura apresentada na Figura 13, adaptada a partir das proposições de Silva e Nakata
(2016), funciona como a tradução das etapas processuais do desenvolvimento de uma
ilustração, baseada em princípios adotados pelo campo do design.
74
Figura 14 – Etapas do processo de criação da ilustração baseado em procedimentos do design
75
2.4 PERCEPÇÃO VISUAL E EMOÇÃO
76
“canto” dos olhos (IIDA; BUARQUE, p. 121). A ação dos bastonetes está diretamente
ligada ao primeiro estágio da percepção visual, denominado “pré-atenção”.
Uma vez que os olhos se direcionam para objetos de forma a focalizá-los
diretamente, os cones entram em ação para uma compreensão mais efetiva (IIDA;
BUARQUE, 2016). Para que eles desempenhem suas funções satisfatoriamente, é
necessária muita iluminação; apenas sob essa circunstância faz-se possível a distinção
de cores e detecção de pequenas particularidades quanto às formas (KROEMER;
GRANDJEAN, 2005). Os cones estão relacionados a assimilação do espaço e da acuidade
visual, que por sua vez, é uma das principais características propriamente ditas da
percepção visual, assim como a acomodação, a convergência e a percepção de cores
(IIDA; BUARQUE 2016). Para Kroemer e Grandjean (2005) ela corresponde a uma das
capacidades visuais humanas, juntamente com a sensibilidade a contraste e a
velocidade de percepção.
Relacionando o sistema visual à leitura, é importante entender o funcionamento
da acuidade visual, da percepção de cores e da velocidade de percepção. A acuidade
visual é a capacidade de se detectar pequenos detalhes e discriminar pequenos objetos.
Pode-se generalizar dizendo que a acuidade visual é a capacidade de resolução dos olhos
(KROEMER; GRANDJEAN, 2005, p. 223). Para que ela seja percebida de forma plena, é
preciso considerar fatores como a intensidade luminosa e o tempo de exposição,
atentando-se ao fato de que luzes muito fortes podem ser prejudiciais ao seu
funcionamento, uma vez que provocam contração da pupila (IIDA; BUARQUE, 2016). O
bom desempenho da acuidade visual está relacionado ao nível ideal de iluminamento e
ao contraste entre o símbolo e seu fundo imediato, como apontam Kroemer e
Grandjean (2005).
A respeito da percepção da cor, esta é uma capacidade visual caracterizada como
uma “[...] resposta subjetiva a um estímulo luminoso que penetra nos olhos. Associada
com a forma dos objetos, a cor é um dos elementos mais importantes na transição visual
de informações” (IIDA; BUARQUE 2016, p. 439). A subjetividade encontrada nesse nível
da percepção está relacionada aos efeitos psicológicos, que de acordo com Kroemer e
Grandjean (2005), dizem respeito a ilusões de óptica e demais fenômenos visuais
causados por associações subconscientes baseadas em experiências prévias sustentadas
pela ação das cores, que podem “[...] proporcionar reações emocionais positivas,
77
melhorando a estética dos objetos, textos, figuras, ícones e ambientes” (IIDA; BUARQUE
2016, p. 439). Algumas cores têm efeitos psicológicos específicos, que são mais ou
menos similares para pessoas de uma mesma cultura e criação, embora com grandes
variações individuais.
Nota-se que, para o bom funcionamento do sistema visual humano, todos os
seus processos devem atuar ativamente em comunhão, considerando-se os diferentes
elementos que influenciam na captação efetiva das informações do mundo visual.
Contudo, é importante destacar a existência de fatores que agem negativamente nesses
processos perceptivos, dentre os quais estão as deficiências visuais e questões
relacionadas a idade do indivíduo.
Basicamente, existem dois tipos de deficiência visual: baixa acuidade e
daltonismo (IIDA; BUARQUE, 2016). Segundo Iida e Buarque (2016), o daltonismo ou
discromatopsia está relacionado ao funcionamento irregular dos cones, causado por
mutação genética que influencia na apreensão de cores específicas. Em relação a
acuidade visual, nota-se que elementos indispensáveis para o seu desempenho são
afetados com o avanço da idade; Iida e Buarque (2016) destacam que os níveis de luz
percebidos pelo sistema visual são cada vez menores em decorrência da redução do
tamanho da pupila ao longo dos anos.
Outro problema discutido no âmbito da visão é a fadiga visual, muito relacionada
às questões do mercado de trabalho, que incluem “a má iluminação e fatores
organizacionais, tais como rigidez das rotinas e longos períodos de trabalho sem pausas”
(IIDA; BUARQUE, 2016, p. 429). A dificuldade em focalizar objetos a distâncias variadas
(acomodação) é um efeito da perda de elasticidade do cristalino, fator diretamente
ligado ao aumento da fadiga visual, percebido também pelo avanço da idade (KROEMER;
GRANDJEAN, 2005; IIDA; BUARQUE, 2016).
As explanações acerca das condições de funcionamento do sistema visual
humano apontam que ele é formado por conexões ativas entre informações do mundo
visual, apreendidas pelos olhos, e imagens retinianas sujeitas a interpretações pessoais
na mente dos indivíduos. Dessa forma, é importante entender como questões subjetivas
atreladas a construção de sentido a partir da visualidade, tornam-se fatores
determinantes para a consolidação da percepção.
Os processos perceptivos são passíveis de decodificações distintas, vinculadas a
78
diversas situações, dentre as quais destacam-se as diferenças em experiências, atitudes
e ideias de cada ser humano (KROEMER; GRANDJEAN, 2005). Assim, os dados sensoriais
sofrem interpretações únicas, relacionadas a fatores de personalidade, com variações
quanto a origem e intensidade, por exemplo. O início do processo de assimilação de
significados dá-se, segundo Santaella (2012), ainda nos olhos, primeiros órgãos
responsáveis por codificar e decodificar pistas visuais, funcionando não apenas como
canais transmissores, mas como agentes responsáveis por apreender informações.
Hoffman (2000) explica as particularidades sobre o que chama de “inteligência
visual”, teoria que tange pontos similares aos da sintaxe visual, discutida anteriormente
nessa pesquisa. Segundo o autor, da mesma maneira que as pessoas se utilizam de
regras gramaticais no entendimento de frases e textos, também podem, utilizando
regras da visão, compreender os significados das imagens. Somos criaturas finitas sem
a memória para armazenar frases ou imagens incontáveis, logo, aprender uma língua ou
aprender a ver não pode ser apenas uma questão de armazenar frases ou imagens
(HOFFMAN, 2000).
Ainda segundo o autor, assim como a inteligência racional pode ser alimentada
por gêneros literários, e a inteligência emocional, perpetuada por histórias tocantes e
narrativas dramáticas, a inteligência visual também pode ser desafiada por escolhas
pessoais quanto às mídias visuais apreciadas.
Hoffman (2000) reforça que o “sistema visual constrói de forma inteligente
mundos visuais com base em imagens nos olhos”. Dessa maneira, o processo da visão
não representa somente um registro de pistas visuais, mas sim a assimilação de
estruturas significativas e a construção do que se vê (HOFFMAN, 2000; ARNHEIM, 2011).
Nessa lógica, as estruturas do mundo visual são decodificadas por
procedimentos que respaldam a percepção como um todo; assim, pensamento,
raciocínio, intuição e observação são ações que levam a compreensão de elementos
como: equilíbrio, configuração, desenvolvimento, espaço, luz, cor, movimento,
dinâmica e expressão (ARNHEIM, 2011). É a partir da decodificação desses elementos
que, de acordo com a abordagem artística da realidade proposta por Arnheim (2011), o
indivíduo cria suas noções sobre o mundo visual.
79
2.4.2 Emoção e design emocional
80
Essa visão acerca das emoções relaciona-se ao que Desmet (2002) aponta como
“the bodily-feedback perspective on emotions”, ou seja, tem-se a emoção como resposta
corporal a certa situação ou objeto, conforme teoria que defende o envolvimento do
corpo como fator essencial na percepção das emoções.
Desmet (2002) aponta que as emoções positivas são provocadas, por exemplo,
por situações ou artefatos avaliados como benéficos, enquanto as emoções negativas,
por estímulos percebidos como nocivos. Vale ressaltar que por tratar-se de respostas
imediatas, as emoções influenciam o comportamento humano durante período de
tempo relativamente curto, entre minutos ou horas (NORMAN, 2008).
Outra característica peculiar à emoção é o seu caráter de flexibilidade quanto as
experiências pessoais e únicas de cada indivíduo, ou seja, por mais que as conexões
estabelecidas entre acontecimentos e emoções sejam compartilhadas por diferentes
pessoas, cada uma processa os elementos de forma particular, culminando em
percepções emocionais distintas (DAMÁSIO, 2011). Destaca-se também o fato de que as
mesmas emoções podem expressar-se com intensidades diferentes, “por exemplo, são
gradações do ódio: ressentimento, contrariedade, indignação, rancor, raiva, ira e fúria”
(IIDA; MÜHLENBERG, 2009, p. 47).
Assim, ao trazer essas discussões para o campo do design, Hsuan-An (2017)
destaca que:
81
e mal-intencionadas, ou criativas e ponderadas. “O design é a linguagem que ajuda a
definir, ou talvez a sinalizar, valor” (SUDJIC, 2010, p. 49). Nesse sentido, Cardoso (2013)
aponta que um dos principais objetivos dos modernos projetos de design é imbuir
significados aos artefatos, codificando-os com signos e informações que poderão ser
interpretados tanto pelo uso quanto pela aparência. O autor acrescenta que
especialmente por meio da visualidade, o design é capaz de sugerir atitudes, estimular
comportamentos e equacionar problemas complexos.
82
Tonetto (2011) explica que o designer deve considerar que as tecnologias e
métodos de produção disponíveis já são capazes de conceber produtos tecnicamente
impecáveis, ou seja, aquilo que assertivamente adiciona valor de diferenciação ao
artefato são suas propriedades referentes a capacidade de prover as experiências
desejadas pelo consumidor. O autor acrescenta que o design emocional é, portanto,
“mais propriamente uma abordagem holística das necessidades e desejos do usuário,
do que um mecanismo de manipulação de sua experiência” (TONETTO 2011, p. 133).
Grande parte dos objetos e eventos, segundo Moraes e Dias (2013) provocam
algum fenômeno afetivo, e, consequentemente, produzem uma infinidade de
associações possíveis entre produtos, situações e emoções experimentadas. Dessa
forma, os autores indicam que as emoções no campo do design “podem implicar em
importantes reações: podem alterar o humor, provocar mudança de hábitos e condutas,
melhorar a sociabilidade, autoestima e bem-estar” (MORAES; DIAS, 2013, p. 11). Sobre
essa questão, Miller (2013, p. 90) corrobora que: “esse novo mundo material que
moldamos [...] nos permite viajar, melhorar nossa dieta, nos divertir, viver mais tempo.
[...] ganhamos em complexidade, sofisticação e conhecimento”.
Observa-se que as teorias do design emocional trabalham com a ideia de que,
por meio de procedimentos especializados, os significados e ênfases em aspectos
subjetivos podem ser medidos, projetados e aplicados ao longo da produção,
distribuição e uso dos artefatos. Segundo Tonetto (2011), as teorias caracterizam-se
como a união entre a psicologia e o design, e têm contribuído no desenvolvimento de
metodologias e processos de análise voltados para as necessidades contemporâneas. O
autor enfatiza que tais processos otimizam a certificação de que os estados afetivos
desejados podem, de fato, ser projetados através de elementos do design.
Essa área se refere, portanto, à profissionalização do projetar com o intuito
explícito de despertar ou evitar determinadas emoções. Nessa perspectiva, Hsuan-An
(2017, p. 148) concorda que “é totalmente possível e viável que o designer tenha pleno
conhecimento dos princípios e regras gerais de estímulos perceptivos, sensitivos e
afetivos no processo de design e no processo de uso”.
Mesmo que os objetivos do designer estejam voltados à maneira planejada de
indução de emoções por meio dos elementos projetuais, deve-se estar atento ao fato
de que as emoções são estados afetivos particularmente individuais, que residem no
83
próprio usuário e jamais no produto em si; ou seja, as emoções suscitadas no indivíduo
não necessariamente são as mesmas pretendidas pelo designer (NORMAN; ORTONY,
2003).
Para Sudjic (2010), o design tem assumido o papel de transmitir mensagens
sofisticadas através de linguagem específica, capaz de vincular nos artefatos, sentidos
relacionados à identidade, visões de mundo e histórias peculiares. O autor complementa
que essa linguagem é utilizada para moldar os objetos, com mais ou menos habilidade,
a fim de que sejam vistos como canais de comunicação, ou seja, que falem por si
mesmos.
84
Capítulo 3
METODOLOGIA
Embora não haja uma definição unívoca com relação à pesquisa e investigação
científica, esta pode ser classificada sob várias perspectivas, tais como: sua natureza,
seus objetivos, a forma de abordar o problema e o ponto de vista de seus
procedimentos, conforme mostra o Quadro 1.
Esta pesquisa, por sua natureza, caracteriza-se como uma pesquisa aplicada,
que, segundo Silva (2005), objetiva gerar conhecimentos para aplicação prática dirigidos
à solução de problemas específicos, e se propõe a estudar questões projetuais
relacionadas à prática do design gráfico editorial.
Ao considerar as discussões sobre o processo de criação de ilustrações e capas
de livros, bem como aspectos subjetivos da relação desses artefatos com leitores, a
abordagem da pesquisa define-se como qualitativa, uma vez que não envolve coleta de
dados quantitativos.
Quadro 1 – Caracterização da pesquisa
86
3.3 SELEÇÃO DAS AMOSTRAS PARA ANÁLISE
87
Figura 16 – Modelos dos Selos do Prêmio Jabuti da edição de 2019
88
premiados por cerimônia. Neste processo foram identificados os livros laureados nas
vinte edições correspondentes ao período estudado, que atendessem algumas
características previamente estabelecidas: (1) apresentar ilustrações em sua capa, não
necessariamente como elemento único; (2) ser um livro do gênero ficção ou que tenha
a ficção como um dos gêneros literários da narrativa; (3) ser primordialmente destinado
ao público “adulto”. Também se priorizou que os títulos escolhidos fossem escritos
segundo diretrizes do texto em prosa, excluindo segmentos como: livros de poemas,
histórias em quadrinhos (HQ’s) e livros de imagem.
É importante ressaltar que neste trabalho adota-se para “ilustrações” conceito
similar ao estabelecido pelo regulamento do Prêmio Jabuti, ou seja, são imagens
desenvolvidas por meio de desenhos, pinturas ou outras técnicas de produção visual e
artística, que tenham sido elaboradas por procedimentos analógicos ou digitais.
Para otimizar a identificação das capas, foi importante a adoção de
especificações quanto as imagens estampadas. Dessa forma, foram encontradas, além
das capas ilustradas, outras que continham: fotografias, fotomontagens, composições
tipográficas (imagens formadas unicamente por elementos tipográficos) ou imagens
mistas (fotografia + ilustração).
Como explanado anteriormente, todos os premiados, incluindo 1º, 2º, 3º lugar,
além daqueles que receberam menção honrosa foram avaliados. Ressalta-se que a partir
de 2018 o Prêmio Jabuti passou a divulgar apenas um ganhador por categoria.
A categoria Capa foi a primeira a ser investigada. Os resultados encontrados
podem ser vistos a seguir na Figura 17, e a apresentação completa desta busca está
detalhada no APÊNDICE A.
89
Figura 17 – Levantamento dos premiados da categoria Capa do Prêmio Jabuti de 2000 a 2019
90
Figura 18 – Levantamento da categoria Ilustração do Prêmio Jabuti de 2000 a 2019
91
Quadro 2 – Seleção prévia das amostras dos livros premiados do Prêmio Jabuti
3.5.1 Entrevistas
93
concedendo dados para que se testem expectativas e hipóteses desenvolvidas fora de
uma perspectiva teórica.
94
3. Como surgiu a ideia de usar uma ilustração no projeto de capa, que elementos
respaldaram o seu uso? Conte um pouco sobre o processo de criação do projeto.
4. Quais as intenções projetuais previamente idealizadas para esta capa? Que
sensações desejava-se provocar?
5. Qual a principal mensagem que a capa em questão almeja transmitir aos seus
receptores?
6. Na sua visão, qual a função da capa de livro? E como a ilustração, neste caso
específico, potencializou tal função?
7. Cite cinco termos, entre palavras, frases, adjetivos etc., que melhor representam
emocionalmente a capa em questão.
Relacionado ao campo editorial
8. Existem meios para melhor entender o feedback e recepção do projeto de capa
pelo público? Se sim, como funcionam?
95
3.5.4 Técnicas de entrevistas
96
3.5.5 Análise dos dados
97
dos entrevistados para ser gravada, explicado o motivo restrito à presente pesquisa.
Este projeto já́ foi submetido ao Comitê̂ de Ética em Pesquisa da Universidade
do Estado de Minas Gerais sob o número CAAE 37475720.0.0000.5525. Segue os
preceitos da Resolução CNS nº 510/17 e obedece aos princípios éticos da autonomia,
justiça, beneficência e não maleficência (ANEXO A).
Os entrevistados foram convidados pessoalmente por meio de mensagem de
e.mail, na qual se esclareceu os objetivos da pesquisa e as questões da entrevista,
conforme um exemplo no APÊNDICE B. Um documento “Termos de Consentimento livre
e esclarecido” (APÊNDICE C) foi enviado para ser preenchido e assinado pelo
participante. No caso de aceite de participação, o termo TCLE não foi enviado, porque a
própria resposta afirmativa passou a valer como aprovado.
No caso dessa pesquisa, em razão da natureza, os nomes dos profissionais serão
expostos diretamente no texto, bem como sua identificação nos depoimentos e relatos.
As imagens dos projetos foram cedidas pelos profissionais para o uso com fins
acadêmicos.
98
Capítulo 4
CRIAÇÃO DE CAPAS ILUSTRADAS: RELATOS DOS PROFISSIONAIS
99
Vale aqui destacar que, no Prêmio Jabuti, três atores são igualmente
importantes. Na categoria livro – a obra, o autor e a editora. No caso da categoria Capa
(ilustrada) – a capa da obra, o ilustrador e a editora. Em relação às editoras premiadas
correspondentes às capas que aqui são objeto de estudo, são elas: (i) Autêntica23; (ii)
Balão Editorial24, ambas responsáveis por uma premiação cada; (iii) Cosac Naify25,
responsável por quatro capas aqui selecionadas; (iv) Intrínseca26 e (v) Nova Fronteira27,
também responsáveis por uma capa premiada por editora.
Grande parte das entrevistas se deu por meio do preenchimento dos
questionários enviados por e-mail, com exceção de uma conversa realizada com o
aplicativo Zoom, outra por ligação telefônica e uma terceira via áudio por WhatsApp.
O material recebido, tanto escrito e em áudio, foi devidamente transcrito e
organizado integralmente. O texto foi primeiramente analisado, considerando uma
apresentação dos relatos dos profissionais em relação às respostas de forma individual.
23
A Autêntica Editora foi criada em 1997, em Belo Horizonte, se consolidou no mercado editorial brasileiro
como referência na área acadêmica. Tornou-se, em 2011 o Grupo Editorial Autêntica, formada por seis
editoras: a Autêntica Editora, com foco em livros nas áreas de ciências humanas, literatura brasileira e
estrangeira e clássicos infantojuvenis; a Editora Gutenberg, com livros de para jovens e adultos; a Editora
Nemo, destinada à publicação de quadrinhos, graphic novels e livros voltados ao universo geek; a Editora
Vestígio, com livros de não ficção, romances históricos e títulos de interesse geral; e a Yellowfante, com
publicações voltadas para o público infantil. Já a Autêntica Business se dedica à área de negócios,
administração, marketing e vendas.
24
A Balão Editorial, sediada em São Paulo, estreou em 2010 com o livro Hector & Afonso – Os Passarinhos.
Nesses primeiros anos, publicaram quadrinhos, literatura, acadêmicos, a coleção ZUG, dentre outros.
25
A Cosac Naify foi uma editora brasileira fundada por Charles Cosac e Michael Naify em 1996 em São
Paulo, famosa pela qualidade impecável, publicando livros de arte, arquitetura, cinema, dança, design,
fotografia, infantojuvenil, literatura, moda, música, antropologia, sociologia e teatro. Em 30 de novembro
de 2015, Charles Cosac anuncia o encerramento das atividades da editora, motivada pela crise econômica
brasileira, a alta do dólar, o aumento da inflação e a burocrática legislação vigente no país.
26
A Intrínseca foi fundada em dezembro de 2003, no Rio de janeiro. Apesar de nova, mantem uma política
editorial que prioriza a qualidade, e não a quantidade de lançamentos. Com uma apurada seleção de
títulos, vários livros alcançam um expressivo número de leitores, figurando em listas de best-sellers por
muitos meses, obtendo assim uma incomum unanimidade de elogios por parte do público, da crítica e do
mercado. À bem cuidada curadoria editorial alia-se o apuro na produção gráfica, o que transforma as
edições em objetos de culto a serviço da boa literatura. A Intrínseca tem em seu catálogo, hoje, noventa
livros, sendo três deles entre os dez mais vendidos do país. Inclui autores como James Lovelock, Lionel
Shriver, Michael Pollan, Ben Mezrich, Chris Cleave e os ganhadores do Prêmio Pulitzer, Frank McCourt e
Anne Proulx.
27
A Nova Fronteira é uma das maiores editoras do Brasil, com sede no Rio de Janeiro, fundada por Carlos
Lacerda, em 1965. Possui um catálogo com mais de 1.500 títulos publicados, formado com base em dois
grandes pilares: literatura e obras de referência. No primeiro estão obras de autores nacionais como
Guimarães Rosa, Marques Rebelo, João Ubaldo Ribeiro e Josué Montello, além de alguns dos mais
importantes poetas brasileiros, como Cecília Meireles, Manuel Bandeira e João Cabral de Melo Neto.
Entre os escritores estrangeiros, além dos vencedores do Nobel, destaque para Virginia Woolf, Marguerite
Yourcenar, Italo Svevo, Ezra Pound, Dino Buzzati e a grande dama da literatura policial, Agatha Christie.
100
Contudo, definiu-se por apresentar cada questão, na ordem como se apresentou na
entrevista, com respostas e discussão de todos os profissionais de maneira a estabelecer
um diálogo entre eles.
Em seguida, a partir de um processo sistemático de percepção das similaridades,
dissonâncias e captura de informações relevantes para a pesquisa, realizou-se um
cruzamento de dados (análise) dos materiais levantados, conforme apresentado a
seguir. A análise é entendida como uma imersão do próprio pesquisador no corpus da
produção discursiva decorrente da organização dos dados, como indicam Bauer e
Gaskell (2008).
Vale destacar que os respondentes da pesquisa formam um grupo importante
em termos de profissionalismo e criatividade, composto por indivíduos de gerações
diferentes, com estilos de trabalho peculiares e anos de experiência no mercado
editorial, sobretudo ao se referir a projetos de capas ilustradas de livros de ficção
destinados aos adultos.
Os profissionais são apresentados a seguir, em ordem alfabética, com destaque
para a identificação do respondente (fotografia), a imagem da capa premiada escolhida
para a pesquisa, categoria do prêmio Jabuti em que foi laureado e uma breve biografia
com dados pertinentes à sua trajetória.
101
Figura 19 – Alex Cerveny e obra premiada
Alexandro Júlio de Oliveira Cerveny, mais conhecido por Alex Cerveny, nasceu
em 1963, natural de São Paulo. É artista plástico, desenhista, gravador, escultor,
ilustrador e pintor. Estudou desenho e pintura com Valdir Sarubbi e gravura em metal
com Selma Daffré. Aos 14 anos, trabalhou no estúdio-fábrica do artista Nelson Leirner,
onde teve o seu primeiro contato com a arte contemporânea. Em 1983, fez sua primeira
exposição individual na Elf Galeria de Arte em Belém do Pará. No ano de 1987, a
Galeria Unidade Dois, em São Paulo, preparou sua outra mostra individual “Desenhos”.
Convidado a participar da 21ª Bienal de São Paulo, em 1991, ganhou o Prêmio Secretaria
da Cultura, concedido pelo Estado de São Paulo. No mesmo ano, foi organizada
na Liljevalchs Kunsthall, em Estocolmo, a exposição “Viva Brasil Viva”, sua primeira
mostra internacional. Ainda na década de 1990, participou de feiras de arte
contemporânea em Chicago, Frankfurt, Madri, Paris e Miami e várias exposições
individuais, na Holanda, Estados Unidos, além da exposição “Ouvres sur papier”, no
espaço cultural da Embaixada Brasileira, em Paris. Em 2001, passou a ser representado
pela Galeria Casa Triângulo, em São Paulo.
Seu trabalho como ilustrador é extenso, tendo mantido parceria de muitos anos
102
com a jornalista Barbara Gancia, ilustrando sua coluna no jornal Folha de São Paulo. No
que se refere aos livros, Cerveny fez ilustrações para Vejam Como Sei Escrever, de José
Paulo Paes, publicado pela editora Ática em 2001 e Decameron: Giovanni Boccaccio,
publicado pela Cosac Naify em 2013, pelo qual recebeu o 56º Prêmio Jabuti (2014) na
categoria Ilustração. Também pela mesma editora, ilustrou As aventuras de Pinóquio,
de Carlo Collodi, publicado em 2012. Suas obras como ilustrador foram reunidas em
2005 na mostra Desenhos de Ilustração na Estação Pinacoteca, em São Paulo.
Figura 20 – Daniel Bueno e obra premiada
103
e Juvenil) e foi conselheiro da SIB (Sociedade dos Ilustradores do Brasil) entre 2004 e
2014. Já foi premiado no Brasil e outros países, com dois Bronzes no anuário da 3x3
(EUA) e quatro HQ Mix (Brasil). Em 2011 o livro A janela de esquina do meu primo (Cosac
Naify), ilustrado por Bueno, recebeu Menção Honrosa na Feira do Livro Infantil de
Bolonha (Itália), foi selecionado para o Ilustrarte (Portugal, 2012), além de ter sido
laureado com o 53º Prêmio Jabuti (2011) na categoria Ilustração.
Figura 21 – Diego Droschi e obra premiada
104
Figura 22 – Elisa von Randow e obra premiada
105
Figura 23 – Luciana Facchini e obra premiada
106
Figura 24 – Marcelo Martinez e obra premiada
107
Figura 25 – Victor Burton e obra premiada
Victor Burton, nasceu em 1956, é natural do Rio de Janeiro. Foi criado na França
e Itália, onde iniciou sua carreira na editora Franco Maria Ricci de Milão, cidade em que
residiu de 1963 a 1979, e onde criou suas primeiras capas para a editora Il Formichiere,
em 1977. No Brasil desde 1979, vem se dedicando ao design gráfico na área editorial e
de produções culturais, destacando-se a longa colaboração com diversas editoras, entre
as quais Companhia das Letras, Record, Objetiva, Ediouro e Nova Fronteira. Foi nesta
última que, com uma iniciativa editorial renovadora, entre 1980 a 1985, suas capas se
tornaram um novo padrão visual para o livro no Brasil, como aponta Leite (2005). Victor
Burton já criou mais de 3 mil capas e duzentos projetos de livros de luxo. Foi destaque
nas edições de 1998 e 2000 da Bienal de Design Gráfico e Ouro ADG em 2002 e, vencedor
do prêmio Jabuti de Capa em 1993, 1995, 1996, 1999, 2002 e 2005, e na categoria
projeto editorial em 1997, 1998, 2000 e 2006. A Coleção Guimarães Rosa foi laureada
na categoria Capa no 44º Prêmio Jabuti 2002. Recebeu o prêmio Aloísio Magalhães,
Biblioteca Nacional, na categoria Projeto Gráfico em 1995, 1997 e 2001. Foi um dos "Top
Ten" na exposição Brasil Faz Design 2002, Milão, e o primeiro colocado no Designers by
Designers da revista Design Gráfico em 2002. Em 2006, como parte da coleção Design
Gráfico, a editora Viana & Mosley publicou um livro sobre a trajetória profissional de
Victor Burton, com texto de Isabella Perrota, sua assistente nos anos 1980.
108
Figura 26 – Wagner William e obra premiada
109
Questão 1
Fale um pouco sobre sua atuação como ilustrador ou capista, especialmente no que
tange projetos do campo editorial de livros de ficção para adultos.
O ponto inicial da entrevista objetiva conhecer mais da atuação profissional dos capistas
e ilustradores, reverberando em questões sobre a formação acadêmica e humana dos
indivíduos, uma vez que são dois campos de atuação inseridos na comunicação visual
que não têm uma tradição de cursos profissionalizante ou de graduação específicos.
Sobre essa questão, é interessante notar que dois profissionais entrevistados, o
ilustrador Daniel Bueno e a designer gráfica e capista Luciana Facchini são formados em
Arquitetura e Urbanismo pela Universidade de São Paulo (FAU-USP). Facchini (2009)
comenta que, quando precisou decidir sobre sua profissão, optou pelo curso de
arquitetura da USP por entender que teria uma formação ampla nas áreas visuais
(paisagismo, programação visual, desenho industrial, planejamento urbano, etc.). A
designer acrescenta que no início dos anos 2000, época em que se formou, ainda não
existiam tantas opções de graduação em Design, e destaca que o curso da FAU-USP
forneceu uma boa base projetual para sua atuação.
Acredito que fazer projetos gráficos para todos os gêneros literários têm o
seu grau de dificuldade, nunca é algo simples, mas talvez a ficção adulta seja
o gênero mais desafiador. Envolve muito mais pesquisa, entendimento de
público e uma harmonia com a estratégia da equipe comercial e de marketing
(DROSCHI, 2020).
110
e arquitetura fomentam discussões nessas áreas, infere-se que esses cursos
proporcionam aportes interessantes para quem deseja trabalhar na elaboração desses
projetos. Segundo Lima (2017, p. 66), os capistas com “formação em design possuem
uma metodologia de trabalho um pouco mais definida, por mais que seja intuitiva e não
proposital”.
Sobre a questão projetual, o capista Marcelo Martinez, formado em 1995 em
Desenho Industrial – com habilitação em Programação Visual - pela Faculdade da
Cidade, no Rio de Janeiro, curso análogo ao que hoje se entende por design gráfico,
destaca que “quem manda é o projeto, o projeto pede, ele tem um tom de voz, ele tem
um discurso próprio” (MARTINEZ, 2020). Segundo o profissional, ao tratar-se da
elaboração de uma capa ilustrada, é o discurso do projeto que vai demandar o uso de
um estilo de desenho específico em detrimento de outro, cabendo aos atores do
processo, como diretor de arte ou designer gráfico responsável, “ler todos os sinais,
elaborar a sua teoria, decidir o que ele quer contar graficamente, e optar pelo melhor
caminho” (MARTINEZ, 2020).
Evidencia-se a questão metodológica que permeia o trabalho do capista, uma
vez que são diversas etapas que constituem a construção do projeto. Nesse cenário,
destaca-se que, embora todos os capistas entrevistados nesta pesquisa atuem e se
apresentem como designers, esta não é uma premissa unânime, uma vez que existem
profissionais com outras formações ou ainda que baseiam o seu trabalho de forma
experimental e empírica.
Dessa forma, ainda que este não seja o caso de Elisa von Randow, capista e
designer responsável pela capa do livro Os Embaixadores (2011), sua forma de trabalhar
e lidar com cada projeto específico tange fatores mais lúdicos, talvez por também ser
ilustradora. Randow (2020) conta que seu processo envolve a tentativa de sorver o estilo
literário do livro, conectando-se com a poética da obra, e sustentando o procedimento
em uma pesquisa visual composta por: imagens, tipografia, ilustrações e outros
materiais visuais. Elisa von Randow se auto intitula uma leitora dedicada que tem feito
capas de livros há pelo menos 15 anos, e destaca que “desenhar estes projetos é uma
maneira de traduzir visualmente a obra literária”. Assim, para a elaboração de um
trabalho notável, procura, sempre que possível, ler os livros para os quais faz as capas,
indicando ser esta a sua maior fonte de inspiração em grande parte dos projetos dos
111
quais participa (RANDOW, 2020).
Sobre a tradução imagética de uma narrativa textual, especialmente no caso da
ilustração, “a sensatez nos diz que deverá sempre existir um equilíbrio entre as
intenções literárias do escritor e a visão pessoal do ilustrador dessas intenções. A
originalidade da leitura visual do texto não é uma negação do mesmo” (OLIVEIRA, 2008,
p. 33).
Nesse cenário, Victor Burton é um dos capistas pioneiros na contemporânea
valorização do uso das imagens em capas de livros no país. De acordo com Leite (2005),
a tradição tipográfica europeia, que valoriza o fazer artesanal, acrescida de referências
brasileiras, como o barroco litorâneo e o de Minas Gerais, constituem parte do
repertório visual peculiar de Burton.
Leite (2005) aponta que, a chegada do capista ao cenário do design editorial
brasileiro repercutiu de forma variada junto a outros profissionais que ainda mantinham
comprometimento inflexível com o geometrismo suíço-alemão, o qual evitava ao
máximo o uso de imagens pictóricas ou de qualquer outro elemento gráfico. Contudo,
foi neste contexto que, trabalhando na editora Nova Fronteira, com uma iniciativa
editorial renovadora - entre 1980 a 1985 -, Victor Burton se tornou referência no que
diz respeito a intensa articulação entre imagem e texto no objeto livro (LEITE, 2005).
Entende-se, portanto, que o capista ou o “designer gráfico que projeta livros é
um arquiteto de objetos de ler palavras e imagens, levando em consideração que
palavras também são imagens, assim como as ilustrações” (CORRÊA; PINHEIRO; SOUZA,
2019, p. 73). Daniel Bueno (2008), ilustrador com formação em arquitetura comenta
que:
112
No que se refere especificamente à atuação dos ilustradores na produção
editorial do livro, é perceptível a aproximação dessa atividade com características mais
subjetivas, por vezes lúdicas. Segundo Alex Cerveny (2020), ilustrador que atua bastante
no campo editorial, o seu trabalho tem muito ligação ao prazer visual, ao carinho e a
“algo que é para ser visto com uma lente”. Conforme comenta Cerveny (2020),
encontrar ilustradores com linguagens que se adequem a um projeto editorial é sempre
um problema para os editores. Dessa forma, o ilustrador explana sobre sua atuação,
explicando que, de forma natural, e por seu trabalho ser figurativo e narrativo, amigos
que trabalhavam em jornais passaram a chamá-lo para colaborações, e, em seguida,
editoras começaram a procurá-lo, sobretudo para tratar de projetos de capas.
Por outro lado, Wagner William (2015), artista visual que já trabalhou com
projetos editoriais didáticos, quadrinhos e livros de ficção destinados ao público adulto,
destaca que existe uma sinestesia que envolve todo o seu trabalho. O ilustrador,
objetivando desenvolver uma ideia, parte inicialmente da imaginação de como ela
melhor se adequaria em termos de suporte e material, e, a partir daí, segundo William
(2015), o próprio suporte lhe “diz” o que fazer, qual caminho tomar naquela
composição. Alencar e Ferrara (2019, p. 73) corroboram que a ilustração e o “projeto
gráfico do livro devem entender seu contexto e atender às diretrizes da mensagem a ser
transmitida através de aspectos artísticos, informacionais e comerciais”.
Vilanova (2010 p. 29) concorda ao explicar que “uma ilustração, nessas
narrativas, atua para enriquecer a leitura. Ela desperta e movimenta a curiosidade do
leitor, e possibilita uma viagem por um dos paraísos perdidos nos sonhos”. Neste
sentido, a autora aponta a importância do ilustrador de livros, “que ao trazer mensagens
visuais para uma história escrita, estará contando-a de maneira lúdica, incitando a busca
pelo conhecimento, a partir de aventuras maravilhosas” (VILANOVA, 2010, p.30).
113
Questão 2
De que maneira o briefing desse projeto lhe foi passado? E como se deu a troca de
informações com outros agentes do processo editorial?
114
pelos estágios da produção literária, sobretudo porque todos estão preocupados em
agradar o leitor, ponto final do processo.
Nessa perspectiva, dos oito livros premiados investigados por esta pesquisa,
quatro foram publicados pela editora Cosac Naify, que funcionou como uma espécie de
laboratório para o design editorial brasileiro até 2015, quando encerrou suas atividades.
A editora foi considerada uma referência por valorizar o trabalho conjunto, bem como
pelo caráter inovador de suas obras, abertas à experimentação no uso de linguagens
visuais, escolha de materiais, processos gráficos, detalhes e sutilezas que o artefato livro
muitas vezes requer. A Coleção Particular da Cosac Naify foi um exemplo icônico nesse
sentido, estudado por Marc Barreto Bogo (2016) no artigo “Inovação e sentido de
vanguarda no design gráfico editorial”; na pesquisa de mestrado da UnB, de Leonardo
Nóbrega (2016), intitulada “Projeto gráfico em livros da Editora Cosac Naify: cultura
material, artesanato e estetização”; e no estudo de Luiza Falcão e Isabella Aragão (2011),
com o artigo “Um estudo entre forma e conteúdo dos livros de literatura da Cosac
Naify”.
A “editora Cosac Naify era um caso à parte, era um laboratório gráfico e
intelectual, um projeto podia durar meses e as reuniões eram ricas e coletivas”, aponta
a capista e designer gráfica Luciana Facchini (2020). Facchini assinou o projeto gráfico
do livro Moby Dick (2009) (Figura 27), e, segundo a profissional, o mais importante para
uma capa de livro de sucesso é um bom e compreensível briefing.
Figura 27 – Capa do livro Moby Dick e páginas internas
28
Disponível em https://www.lucianafacchini.com.br/moby-dick
115
A designer conta que este projeto foi discutido em reuniões de conceitualização,
pautadas em pesquisas realizadas por todos que estavam envolvidos: editor, diretor
geral, produção gráfica, produtor de imagem e equipe de design. Essas discussões eram
comuns na Cosac Naify, onde sempre se pensava o livro inteiro, levando em
consideração questões sobre o formato que melhor traduziria o conteúdo, o papel, a
fonte, a mancha de texto e o uso ou não de ilustrações (FACCHINI, 2009).
O já citado Os Embaixadores (2011), clássico romance escrito por Henry James,
é outro exemplo de publicação da Cosac Naify, dessa vez com projeto gráfico (incluindo
capa) assinado por Elisa von Randow, também premiado no Jabuti. Segundo Randow
(2020), o desafio deste trabalho foi dar um ar contemporâneo para um material literário
longo e complexo, pertencente a um dos escritores mais importantes da literatura de
língua inglesa. A designer explica que participou de muitas conversas com os editores e
realizou variados caminhos gráficos antes de chegar na síntese que perpassa todo o
livro. De acordo com Randow (2020), esse projeto demandou bastante tempo para ser
concluído, em torno de seis meses.
Portanto, percebe-se que o cuidado com a linguagem visual e a sua articulação
com o texto verbal foram pontos cruciais na consolidação da Cosac. A sua bem-sucedida
trajetória parece estar diretamente ligada à forma humanizada e ao mesmo tempo
metodológica com a qual organizava o trabalho editorial. Segundo Cerveny (2020),
ilustrador que colaborou com a Cosac Naify no livro Decameron (2013), esta foi uma
editora onde as reuniões eram realizadas em uma sala com ar familiar e em que todos
trabalhavam juntos.
Especificamente sobre o briefing do Decameron, Cerveny (2020) explica que a
demanda era criar uma edição de luxo, comemorativa aos 700 anos do Giovanni
Boccaccio, autor da obra. Tereza Bettinardi e Elaine Ramos foram as designers
responsáveis pela concepção do projeto gráfico. Assim, a própria Bettinardi (2016) conta
que “desde as primeiras conversas sobre este livro, era claro que era necessário tornar
esta edição um objeto especial”.
A designer, em reunião com o tradutor e organizador da obra, Maurício Santana
Dias, apreendeu a informação de que Boccaccio também teria sido um exímio copista.
“Dois manuscritos comprovam esta informação: o primeiro, localizado na Biblioteca
Nacional de Paris, com ilustrações a bico de pena; e o segundo, em Berlim, inteiramente
116
transcrito e ilustrado com pequenas vinhetas pelo autor” (BETTINARDI, 2016).
Bettinardi (2016) comenta que pouco tempo depois teve a oportunidade de
visitar a biblioteca em Berlim, com a missão de observar pessoalmente os manuscritos.
Contudo, o acesso ao material era somente permitido à pesquisadores, e então a
designer teve a possibilidade de estudar a edição fac-símile:
29
Disponível em: http://sobrecapas.blogspot.com/2016/06/decameron.html
117
Outro ilustrador que colaborou com a Cosac Naify foi Daniel Bueno, com imagens
(Figura 29) que compuseram o livro A Janela de Esquina do Meu Primo (2010), do
escritor, compositor e desenhista alemão, E.T.A. Hoffmann. Bueno (2020) conta que as
conversas iniciais sobre este projeto se deram por e-mail e presencialmente, sobretudo
com a editora Isabel Lopes Coelho.
Fonte: https://buenozine.com.br/A-janela-de-esquina-do-meu-primo
30
Instituto cultural de âmbito internacional da Alemanha. Com sede em diversas capitais no Brasil, o
instituto promove o conhecimento da língua alemã e o intercâmbio cultural internacional.
118
em 2002, com projeto gráfico de Victor Burton. A coleção em questão foi publicada pela
editora Nova Fronteira, que optou por uma linguagem visual mais clássica, institucional,
que valorizasse o fato de a editora ter consigo as obras de Guimarães Rosa (BURTON,
2020).
Nesse contexto, as capas, segundo Burton (2020), seguiram a demanda da
editora, objetivando estabelecer uma relação efetiva com o receptor, e procurando
alcançar o que chamou de “o leitor certo”, o público-alvo. Quando se faz capas para
livros que farão parte de uma mesma coleção, é importante valorizar a identidade
comum (conjunta) de todos os volumes, mas, ao mesmo tempo, dar força para cada
livro, de forma a diferenciá-los (BURTON, 2020).
Em depoimento, Burton (2020) explica a razão, o porquê da aposta em uma
coleção. “Por que você faz uma coleção? Porque imagina que tem títulos menos fortes
do que outros, mas que serão carregados pelo fato de estarem ali, e, ao mesmo tempo,
você não pode perder a individualidade de cada volume, de cada livro”, conforme
exemplo da Figura 30.
Esse é o desafio da coleção, você não pode fazer uma configuração que faça
o volume submergir e desaparecer, ele tem que ter uma certa
individualidade, mas ao mesmo tempo tem que pertencer, claramente, a uma
série, pois a série dá força para todos os volumes, essa é aposta de uma
coleção (BURTON, 2020).
119
de Guimarães Rosa, dessa vez sob o olhar da editora Global. As perspectivas deste novo
trabalho são baseadas no desejo da editora em “abrir o leque do público”, atingindo
leitores mais jovens; e, para tanto, as capas são bastante expressivas (BURTON, 2020).
O projeto gráfico tem como base o trabalho do fotógrafo Araquém Alcantara31, que tem
material interessante realizado nas regiões de Guimarães Rosa (Figura 31).
O desejo deles é abrir o público e sair de uma visão literária, um tanto elitista,
de um público mais reduzido. Eles querem, sobretudo, ir em busca do tal
famoso “público jovem”, que acreditam ser possível atingir com uma visão
mais realista. Eu acho que as capas ficaram boas, elas não são vulgares, mas
buscam um público maior (BURTON, 2020).
Figura 31 – Projeto de capa para Coleção Guimarães Rosa (2020), por Victor Burton
31
Tido como um dos precursores da fotografia de natureza no Brasil e um dos mais importantes
fotógrafos em atuação no país. Desde 1970, dedica-se integralmente à documentação e proteção da
natureza brasileira.
120
Questão 3
Como surgiu a ideia de usar uma ilustração no projeto de capa, que elementos
respaldaram o seu uso? Conte um pouco sobre o processo de criação do projeto.
Muitas questões sobre processo criativo surgiram ao longo desta pesquisa, sobretudo
quando se discutiu o universo da ilustração, que carrega traços latentes das visões de
mundo, experiências e crenças pessoais dos profissionais. Portanto, para elucidar
questões anteriormente suscitadas, é interessante avançar para o entendimento das
relações entre os processos da atuação dos capistas, e o uso das ilustrações em projetos
de capas aqui analisados. Entende-se que a discussão dialógica viabiliza um olhar mais
abrangente sobre os reais fatores que sustentam o uso das ilustrações neste tipo de
projeto, bem como evidencia suas conexões com outros elementos do campo editorial.
Segundo Marcelo Martinez (2020), responsável pela capa do livro Ratos (2012),
a ilustração é uma ferramenta poderosa no âmbito editorial. No caso deste projeto
específico, a imagem de capa é uma ilustração digital, construída no Photoshop como
uma colagem, que mescla diferentes partes: pedaços de um papel de parede apático,
uma textura de madeira expressiva, um rodapé e uma mancha de sangue na parede
(MARTINEZ, 2020).
Figura 32 – Projeto de capa do livro Ratos ilustrado por Marcelo Martinez, publicado em 2012
32
Disponível em: http://sobrecapas.blogspot.com/2012/10/finalistas-jabuti-2012-melhor-capa.html
121
formulação do visual, e destaca que teve total liberdade de criação no projeto. O ponto
de partida é a construção de uma metáfora, uma vez que, ao olhar a capa sem o
conhecimento da narrativa, pode-se imaginar que a história do livro versa sobre ratos
assassinos, o que não é o caso, como aponta Martinez (2020). Essa ideia passa a ser
descontruída com a leitura da impactante frase impressa no alto da capa, escrita pelo
autor da obra, Gordon Reece: “Quando um gato entra na toca dos ratos, ele não vai
embora deixando-os ilesos. Eu sabia como aquela história iria terminar. Ele mataria nós
duas” (MARTINEZ, 2020).
A partir da leitura do verso da capa e da orelha do livro, o receptor entende que,
na verdade, trata-se de uma história perturbadora sobre mãe e filha que são vítimas de
sucessivas agressões e violências psicológicas. Nesse sentido, a metáfora é ainda mais
explorada com a utilização da faca33, que produz o recorte da casa do rato, que neste
caso se conecta à ilustração da capa, como mostra a Figura 33.
Figura 33 – Detalhe do recorte “faca” do livro Ratos, publicado em 2012
Ainda na Figura 33, nota-se que o título aparente na capa, na verdade, é impresso
na orelha do livro, efeito que traz ainda mais singularidade para o projeto. Martinez
(2020) explica que, além de trazer certa sofisticação ao objeto-livro, este não foi um
artifício difícil de ser reproduzido, ou que tenha elevado os custos de produção de
maneira significativa. Segundo o profissional, ao considerar as muitas preocupações
comerciais, o projeto foi pensando de forma que o recurso não implicasse no desgaste
do livro, sendo assim, este foi concebido po formas arredondadas.
33
Faca é um recurso técnico conhecido no campo editorial que produz cortes especiais no papel ou
outros suportes.
34
Disponível em: https://www.intrinseca.com.br/blog/2012/10/capa-de-ratos-recebe-jabuti/
122
É claro que o plot-twist 35 que fez o Prêmio Jabuti gostar dessa capa foi a faca,
o detalhe na capa, que de fato é muito legal. É um recurso fácil de ser
reproduzido, e dificilmente você vai estragar o livro mexendo nela, tomamos
cuidado para realizá-la da melhor forma possível (MARTINEZ, 2020).
Na época intervi com aquilo que, imagino eu, outras pessoas já tinham
aplicado da mesma forma, que foi trabalhar com o material do Poty
Lazzarotto. Acho que, quer queira quer não, é uma referência intransponível,
podemos assim dizer, de representação do Guimarães. Foi algo que ficou
muito marcado nas edições da editora José Olympio37, e é um material
graficamente bastante interessante. Então a base foi essa, trabalhar com as
imagens do Poty, por entender que estão entranhadas na memória visual do
Guimarães Rosa. Acredito que é bastante legítimo você ressuscitar essas
ilustrações, sobretudo naquela época, em que talvez ainda não fosse tão
óbvio como pode estar sendo hoje (BURTON, 2020).
35
Plot twist é um termo que remete a mudanças radicais na direção prevista da narrativa de um romance,
filme, séries de televisão, quadrinho ou outra obra narrativa. É uma ferramenta muito utilizada para
manter o interesse do público sobre uma obra, para normalmente surpreendê-los com uma revelação
surpresa.
36
Napoleon Potyguara Lazzarotto (1924-1988), natural de Curitiba PR, foi gravador, desenhista, ilustrador,
muralista e professor. Fundou, em 1950, juntamente com Flávio Motta (1916), a Escola Livre de Artes
Plásticas, na qual lecionou desenho e gravura. Ao longo da década de 1950 organizou cursos sobre gravura
em Curitiba, Salvador e Recife. Seu trabalho é relevante sobretudo como ilustrador de obras literárias
como as de Guimarães Rosa, Jorge Amado, Graciliano Ramos, Euclides da Cunha e Dalton Trevisan.
37
Estabelecida no mercado desde 1931, a editora José Olympio é tida um dos pilares da cultura editorial
brasileira. Passou por diferentes fases, e, desde 2001, passou a integrar o Grupo Editorial Record.
123
Figura 34 – Capa de Poty Lazzarotto para a 1ª edição de Grande Sertão Veredas publicado pela Livraria
José Olympio Editora, em 1956
38
Disponível em: http://memorialdademocracia.com.br/card/o-retrato-e-a-alma-do-velho-brasil
39
Disponível em: http://www.bpp.pr.gov.br/Helena/Noticia/Do-traco-o-plano-e-o-espaco
124
Figura 36 – Capas de Victor Burton para Coleção Guimarães Rosa, publicada pela Nova Fronteira em
2002
Luciana Facchini, designer responsável pelo projeto gráfico do livro Moby Dick
(2009), explica que sempre lê os livros para os quais colabora, se não todo, ao menos
uma parte, para entender o tom e o espírito da narrativa. Sobre este título específico,
Facchini (2020) conta que a ilustração estampada na capa foi retirada de um detalhe
constituinte de uma capitular assinada pelo célebre ilustrador Barry Moser40. A designer
conta que, em consonância com este fragmento de uma gravura de Moser, aplicou o
título, composto por uma fonte bastante arredondada e corpulenta (Gotham), dentro
da forma de uma dramática onda desenhada na composição (FACCHINI, 2009). A ideia
é valorizar a sensação de que o título, fazendo o papel da baleia (personagem presente
40
Barry Moser nasceu em Chattanooga, Tennessee - EUA, em 1940. Estudou impressão e tipografia na
Gehenna Press sob a tutela de Harold McGrath e Leonard Baskin. É conhecido mundialmente por suas
ilustrações infantis, gravuras em madeira, aquarelas e reinterpretações de clássicos, incluindo edições de
Alice no País das Maravilhas, Frankenstein e O Mágico de Oz. Seu trabalho já foi publicado em mais de
duzentos livros para crianças e adultos.
125
na narrativa da obra), é “engolido” pela onda, como na Figura 37, que representa uma
alusão ao desfecho da história (FACCHINI, 2009).
Figura 37 – Capa do livro Moby Dick (2009) e detalhe da gravura de Barry Moser
41
Disponível em: http://sobrecapas.blogspot.com/2009/10/moby-dick.html
126
É interessante notar que na fala da capista, surge uma questão que vem sendo
discutida ao longo desta pesquisa, o uso da ilustração em livros de ficção destinados ao
público adulto. De acordo com Saddy e Farbiarz (2019), o designer inserido na cadeia de
produção de livros, imerso em um cultura onde existe a hierarquização entre conteúdo
verbal/conteúdo visual se depara com “o paradigma da ausência de ilustrações no livro
de ficção em prosa dirigido ao público adulto em decorrência das pressões e
expectativas culturais sofridas pelos leitores” (SADDY; FARBIARZ, 2019, p. 6).
Cavalcante (2010, p. 48), ao ponderar sobre essa questão, explana que, as
“crianças crescem, e os livros abandonam o estimulo à imaginação provocado pela
ilustração. A supremacia do texto impõe-se em relação à ilustração, que é muitas vezes
vista como algo secundário ou infantilizador”.
Contudo, o projeto gráfico do livro O Sumiço (2015), do escritor Georges Perec,
parece seguir na contramão deste paradigma, propondo uma composição gráfica, que
mescla texto e desenho, na qual, às vezes, os próprios elementos verbais transformam-
se em ilustração. A narrativa do romance, destinado ao público adulto, é complexa e
bastante incomum, pois se trata de um lipograma42; com texto totalmente escrito sem
a letra "e", o romance francês tem como ponto central a vogal. Na história que se passa
em um mundo de letras, todos tentam descobrir, permeados por romances e mistérios,
o que aconteceu com a vogal desaparecida.
Segundo Droschi (2020), designer responsável pela capa e linguagem gráfica do
livro, a história “foi escrita como uma espécie de romance policial e sempre que um
personagem está próximo de evocar de alguma maneira a letra "e", na fala ou na forma,
este personagem some ou é assassinado.”
Ou seja, é um romance onde a própria linguagem e também o processo criativo
de escrita, são os grandes protagonistas. É por isso que logo nos primeiros estudos ficou
evidente que a capa deveria traduzir a ideia de um jogo de palavras, e, nesse sentido,
trabalhar com uma ilustração gráfica foi a resposta mais interessante (DROSCHI, 2020).
A Figura 39 mostra detalhes da produção do livro e suas características gráficas.
42
Composição literária que se caracteriza pela omissão deliberada de determinada(s) letra(s) do alfabeto
em seu texto.
127
Figura 39 – Capa, marcador de páginas promocional e detalhes do projeto gráfico de Diogo Droschi para
o livro O Sumiço, de 2015
43
https://grupoautentica.com.br/fique_por_dentro/releases/autentica-lanca-a-primeira-traducao-em-
lingua-portuguesa-de-la-disparition-romance-de-georges-perec-todo-escrito-sem-a-letra-e/400
128
discutido nesta pesquisa. Segundo Bueno (2020), a concepção das ilustrações partiu do
entendimento profundo sobre a obra escrita por E.T.A. Hoffmann, que conta a história
de dois primos que, de uma varanda, observam uma praça com mercado à céu aberto –
em um momento de grandes mudanças sociais – e expõem modos diferentes de
observá-la (BUENO, 2020). Um pequeno resumo da obra pode ser esclarecedor para
entender a imagem da capa:
Como o tempo pra lidar com todas essas informações era reduzido, resolvi
fazer uma única ilustração de toda a praça, que poderia ser olhada como um
daqueles quadros do Pieter Bruegel 44 cheios de situações e ao mesmo tempo
aparecer fragmentada ao longo do livro – sugerindo assim esse movimento
do olhar, por vezes distanciado, por vezes atento a detalhes de
acontecimentos específicos. A proposta, portanto, era bastante adequada à
história, potencializando características importantes da obra, e me fazia
sentir um pouco mais à vontade pra tentar resolver toda a composição e
amarrar/interconectar os diversos personagens e elementos numa só vez
(BUENO, 2020).
44
Pieter Bruegel nasceu entre 1525 a 1530 aproximadamente. Foi um pintor e gravurista da região de
Brabante, atualmente o Reino Unido dos Países Baixos. Importante artista da pintura renascentista
flamenga e brabantina, ficou conhecido por suas retratações de paisagens, cenas camponesas e situações
de interação social.
129
Figura 40 – Ilustração de Daniel Bueno utilizada no projeto gráfico do livro A Janela de Esquina do Meu
Primo, publicado em 2010
45 https://www.artsy.net/article/artsy-editorial-mysteries-pieter-bruegel-elders-peasant-paintings
130
(CERVERNY, 2020).
Especificamente em relação a capa, o ilustrador comenta que as escolhas são
sempre “dramáticas”, pois envolvem muitas questões comerciais. Assim, as designers o
chamaram para colaborar com este projeto pois já conheciam o seu trabalho e
apostaram na conexão do espírito ortodoxo das suas imagens com a linguagem da
narrativa escrita por Boccaccio (CERVENY, 2020).
A capa precisava ser bonita e chamativa, então o desenho foi realizado com
base na questão da caligrafia, da fonte, ideia da Tereza Bettinardi, que criou
a grade de texto e um hot stamp dourado, com a formação de um mosaico
com figuras espalhadas. A dúvida que surgiu na reunião foi entre fazer uma
capa mais clara e uma capa cinza escuro, o que foi um risco, pois as pessoas
não gostam muito de fazer livros com a capa escura (CERVENY, 2020).
Figura 42 – Capa e verso do livro Decameron com ilustrações de Alex Cerveny, publicado em 2014
Fonte: http://sobrecapas.blogspot.com/2016/06/decameron.html
A designer Tereza Bettinardi (2016) aponta que, “ao longo de doze semanas, o
livro tomava forma. O primeiro passo foi a marcação das cenas para determinar o espaço
das ilustrações”. Assim, em comunhão com o que foi dito pelo ilustrador, Bettinardi
(2016) relata que a ideia era de que todos os espaços da página fossem preenchidos,
por texto ou imagem.
Uma prova de revisão com os espaços em branco foi enviada para o artista
que preenchia as 96 páginas com pequenas vinhetas e ornamentos que foram
posteriormente digitalizadas e tratadas. Já as ilustrações foram feitas em
papel especial. Outro aspecto interessante do projeto foi o tratamento dado
aos títulos das novelas e número de página – que muitas vezes foram
invadidos pela ilustração – e cuja intenção era que fossem o mais discretos
possível (BETTINARDI, 2016).
131
Figura 43 – Detalhe das vinhetas das páginas internas do livro Decameron
Fonte: fontsinuse.com46
46
Disponível em https://fontsinuse.com/uses/14670/decameron-cosac-naify-commemorative-edition
132
Questão 4
A capa de livro funciona como a tradução imagética de uma história, e busca, por meio
de um primeiro contato visual, chamar a atenção do leitor e provocar sensações que o
faça sentir vontade de descobrir mais sobre o conteúdo do miolo. Dessa forma, as capas
“possuem o importante papel de despertar o interesse do leitor e estimular a leitura,
podendo antecipar ou continuar, visual e verbalmente, a narrativa contada” (CORRÊA;
PINHEIRO; SOUZA, 2019, p. 75).
Segundo Droschi (2012), na construção de um projeto de capa eficaz, existem
muitas variáveis a serem consideradas. Assim, é fundamental para o capista, entender
o desejo do autor e do editor, compreender “sob qual circunstância esse livro ficará
exposto, de que maneira ele será lido, e o mais importante, a qual público ele se destina,
afinal, é para esse leitor específico que a capa precisa comunicar algo” (DROSCHI, 2012).
A partir desse entendimento, procurou-se conhecer as intenções dos projetos de
capas aqui analisados, sobretudo para tentar desvelar as sensações específicas que
capistas e ilustradores almejaram provocar no público leitor.
Na visão de Elisa von Randow (2020), o designer – capista - deve tentar ao
máximo se conectar com o universo do autor do livro, com vistas a traduzir o seu
conteúdo para a forma visual de maneira eficaz, reverberando nas percepções dos
leitores. Segundo a capista, “quanto mais afinada com a linguagem do autor, mais
potente é a capa”.
No que tange a visualidade do livro Os Embaixadores (2011), a designer comenta
que “o projeto gráfico partiu da narrativa da obra. A ideia era traduzir visualmente a
ciranda de relações que se desenrola ao longo do livro” (RANDOW, 2020).
Uma rica viúva americana, mãe preocupada com a falta de notícias de seu
filho que passa uma temporada em Paris, incumbe seu pretendente, Strether,
a missão de trazer o jovem de volta às suas obrigações de herdeiro. De
maneira lenta e ritmada, o autor vai desmontando as intenções do
personagem que deve fazer o resgate e que vai se perdendo ao longo do livro.
À medida que Strether vai transformando o seu olhar sobre si mesmo, se
envolve cada vez mais com a cidade de Paris e seus personagens, enredando-
se numa nova trama de possibilidades e questionamentos que alteram sua
vida. O romance retrata a virada do século XIX para o XX (RANDOW, 2020).
133
Percebe-se que ao falar do romance, a capista utiliza termos que remetem à
complexidade que envolve a sua narrativa, tais como: “ritmada”, “transformando”,
“enredando-se” e “trama”. Nesse sentido, é interessante notar que as imagens
utilizadas no projeto gráfico representam justamente uma intricada relação entre
diferentes figuras, que causa a sensação de continuidade, além de indicar a ocorrência
de convívios interpessoais complexos. Sobre essas questões, Randow (2020) destaca:
As imagens da capa e das aberturas dos capítulos são rendas compostas por
silhuetas de pessoas, objetos e elementos urbanos feitos um por um, a partir
de uma extensa pesquisa de fotografias da época. As ilustrações pontuam e
dialogam com as passagens do livro (RANDOW, 2020).
Figura 44 – Imagens que compõem a “renda” ilustrada do projeto gráfico de Elisa von Randow para o
livro Os Embaixadores, publicado em 2011
47
Disponível em: https://cargocollective.com/elisavonrandow/Os-Embaixadores
134
Ao falar sobre capas ilustradas de livros, Alencar e Ferrara (2019) destacam que
as dúvidas e suposições dos observadores (possíveis leitores) diante de uma capa, só
poderão ser confirmadas por meio da leitura do exemplar, quando será então permitida
a averiguação junto ao conteúdo da narrativa. Assim, Martinez (2020) corrobora que
num espaço delimitado, representado por um paralelogramo de 16x23 cm, o capista
tem a missão de criar uma peça de comunicação poderosa, capaz de fomentar no
observador a curiosidade de sanar as suas suposições.
Nesse contexto, sobre o seu livro Lobisomem sem Barba (2014), o autor e
ilustrador Wagner William (2020) conta que, em primeiro lugar, a sensação que desejava
passar com a capa era a de atração, seguida pela curiosidade e, por fim, por uma certa
repulsa.
Figura 45 – Peça gráfica promocional do livro Lobisomem sem barba, escrito e ilustrado por Wagner
William, publicado em 2015
48
Disponível em: https://vitralizado.com/hq/papo-com-wagner-willian-o-autor-de-lobisomem-sem
barba/
135
William (2015) relata que, para transferir essas sensações às ilustrações, precisou
recorrer ao efeito fotográfico, e, a partir de fotos realizadas das suas próprias
ilustrações, com ondulações do papel, desfoque e combinação com outros elementos,
alcançou um efeito de ressonância que julgou ser uma boa solução para o aspecto
gráfico do livro. Contudo, o ilustrador destaca que essa ferramenta surgiu inicialmente
de uma limitação técnica, pois, já que não tinha como escanear as imagens, resolveu
utilizar a máquina fotográfica (WILLIAM, 2015).
Já no caso da capa de A Janela de Esquina do Meu Primo (2010), Bueno (2020)
conta que teve pouca participação na sua elaboração, pois a imagem utilizada foi
selecionada pela designer Maria Carolina Sampaio, como recorte da grande ilustração
que já havia sido realizada para todo o projeto gráfico.
O ilustrador acrescenta que a parte escolhida traz “no alto, corpo e pernas dos
personagens num momento de conflito na feira, e mais abaixo temos uma referência
arquitetônica, um pedaço de uma construção grande que fica no meio da praça”
(BUENO, 2020). A disposição do título é interessante: foi criado um espaço retangular
no canto direito, no alto, que acaba permanecendo ao longo de todo o livro (BUENO,
2020).
Figura 46 – Capa de A Janela de Esquina do Meu Primo com ilustração de Daniel Bueno, de 2010
49
Disponível em: https://www.amazon.com.br/Janela-Esquina-Meu-Primo/dp/8575038907
136
Bueno (2020) relata que realizou outros trabalhos para a Cosac Naify, e destaca
que a editora tinha uma certa predileção por capas que sugerissem coisas e deixassem
algum mistério no ar, tentando não mostrar tudo e esgotar a percepção do que ocorre
na história. Ele cita as capas de Um garoto chamado Roberto (texto de Gabriel o
Pensador) e O Pequeno Fascista (texto de Fernando Bonassi), como exemplos que
seguem a mesma linha. “Nesses dois livros os personagens são fundamentais, mas as
capas não os trazem inteiros e centralizados como mascotes” (BUENO, 2020).
Figura 47 – Capas de O Pequeno Fascista e Um Garoto Chamado Roberto, ambas ilustradas por Daniel
Bueno
50
Disponível em: https://www.amazon.com.br/Pequeno-Fascista-Fernando-Bonassi/dp/8575033735 e
https://www.amazon.com.br/Garoto-Chamado-Roberto-Gabriel-Pensador/dp/8575033832
137
Questão 5
138
Fonte: site do Grupo Autêntica51
51
https://grupoautentica.com.br/fique_por_dentro/releases/autentica-lanca-a-primeira-traducao-em-
lingua-portuguesa-de-la-disparition-romance-de-georges-perec-todo-escrito-sem-a-letra-e/400
139
envolvidas com a história das duas protagonistas do livro, procurou usar artifícios que
realçassem essas características da imagem, como a impressão do título no rodapé, de
forma a rebaixar a composição, e o uso do texto em caixa baixa, que também reforça a
questão de diminuir o ser-humano, nivelando-o junto ao chão.
Figura 49 – Detalhe da parte inferior da capa do livro Ratos, de Marcelo Martinez
O livro foi feito em conjunto com Elaine Ramos e já na primeira reunião após
a leitura das novelas selecionadas, tínhamos uma certeza: a extraordinária
minúcia das descrições de Boccaccio pedia um livro ilustrado por alguém
capaz de trazer a riqueza de detalhes. O artista paulistano Alex Cerveny
aceitou o desafio. A intenção não foi fazer um revival histórico, mas, ao
contrário, fazer uma homenagem contemporânea à tradição do livro
medieval (BETTINARDI, 2016).
Neste projeto, compreende-se que o uso das ilustrações, mais do que estimular
o olhar e a percepção visual, aprimorou a transmissão das mensagens e,
consequentemente, a interação do leitor com o texto escrito (VILANOVA, 2010). Na
visão do próprio Cerveney (2020), a ilustração funciona como uma espécie de “enfeite
estimulante”, e, quando se pretende fazer um livro de caráter especial, ainda mais
quando se trata de uma narrativa poética, o uso dessas imagens marca a experiência da
leitura.
52
Disponível em http://sobrecapas.blogspot.com/search?q=ratos
140
O ilustrador conta que, quando criança, ao ler os seus primeiros livros, tinha nas
ilustrações a sensação de deleite, análoga à de um coffee break, onde as imagens
funcionavam como uma válvula para novas interpretações sobre a história contada
(CERVENY, 2020). Sobre essa questão, Oliveira (2008, p. 76) corrobora que “a arte de
ilustrar está dirigida essencialmente para o despertar da imaginação, até mesmo por sua
habitual configuração fantástica e seus elos narrativos”.
Figura 50 – Ilustrações de Alex Cerveny de uma das páginas internas do livro Decameron
53
Disponível em: http://sobrecapas.blogspot.com/2016/06/decameron.html
141
Questão 6
Na sua visão, qual a função da capa de livro? E como a ilustração, neste caso
específico, potencializou tal função?
É bom lembrar que, por vezes, a capa é a única divulgação que um livro terá,
mas em outros projetos ela é parte de uma estratégia bem mais ampla, que
envolve muita divulgação em mídias digitais ou físicas, e, também, o
desenvolvimento de produtos secundários como: marcadores, brindes,
pôsteres, banners, etc. (DROSCHI, 2020).
142
exemplares diferentes, representados, no entanto, por variações de um mesmo
produto. Nestas condições, cabe aos responsáveis pelas capas o dever de “tentar
mostrar que ali tem uma pepita de ouro em meio aos cascalhos” (MARTINEZ, 2020).
143
Figura 51 – Detalhe da capa do livro Moby Dick, projeto gráfico de Luciana Facchini
Elisa von Randow (2020) concorda ao inferir que o momento inicial da leitura de
um livro é a interação do leitor com capa, a qual deve dialogar com a obra literária e
funcionar como um aperitivo, envolvendo e convidando o leitor a mergulhar na
narrativa.
Corroborando com esta ideia, Bueno (2020) conta que, no caso de A Janela de
Esquina de Meu Primo (2010), o recorte inusitado da ilustração estampado na capa, ao
mostrar conflitos, vestimentas de outra época e elementos arquitetônicos, acaba
contando um pouco sobre o que acontece nas páginas internas. De acordo com o
ilustrador, a capa “não serve apenas para vender o livro – ela protege e resguarda a
obra, é aquela imagem que apresenta o livro e fica em primeiro plano representando o
conjunto da obra – tem que durar (não se esgotar) com o tempo” (BUENO, 2020).
Essa última concepção é confrontada com a visão de Victor Burton sobre as
funções das capas de livros. Burton (2009) apresenta uma opinião mais objetiva sobre a
questão, indicando que a capa “é inútil em relação ao conteúdo estrito do livro, ela não
acrescenta nada ao romance, ensaio ou poema”. O designer explica que entende a
eventual utilidade da capa em relação aos problemas de comunicação e de sinalização,
mas reforça que, jamais, ela é vital para a existência ou fruição do texto (BURTON, 2009).
54
Disponível em: http://livroslapiseafins.blogspot.com/2017/02/de-olho-no-livro-moby-dick.html
144
tem, rigorosamente, nenhuma importância (BURTON, 2020).
A capa do livro, mais do que revelar seu conteúdo, deve expressar algo que
está presente no consumidor. O importante não é exatamente o que está
dizendo, mas a forma que está dizendo. Essa maneira de dizer tem que ter
algo a ver com a forma de ser (ou querer ser) do leitor/comprador, tem que
ter a ver com a imagem que o leitor tem de si (BURTON, 2009).
Burton (2020) sugere que há relações entre o usuário e o objeto-livro que são
mais relacionadas às questões de transferência de desejo. Ou seja, na visão do designer,
existem muitas pessoas que compram um livro mesmo que não tenham a real intenção
de lê-lo. Esses consumidores, por outro lado, podem “gostar de mostrar que compraram
aquele livro, pois assim acreditam pertencer a uma certa elite - são relações muito
complexas, o desejo da compra é algo muito complexo” (BURTON, 2020).
Essa visão, portanto, indica que a capa funciona como uma espécie de anúncio
publicitário. De acordo com Burton (2020), ela existe para vender o livro, mas não no
sentido banal do termo “vender”, e sim, para encontrar o seu público leitor. Por
consequência, cada livro exige um pensamento, uma atitude diferente em relação a
capa. No caso de um best-seller, por exemplo, o projeto será de uma forma, já em um
livro de carga literária forte, serão utilizados outros artifícios, pois o público será menor
e o designer terá que encontrar aquele leitor específico, acertando a comunicação de
acordo com público-alvo definido (BURTON, 2020).
145
Questão 7
Cite cinco termos, entre palavras, frases, adjetivos etc., que melhor representam
emocionalmente a capa ou ilustração de capa em questão.
Neste sentido, ainda segundo a autora, aqueles que produzem imagens podem
utilizar-se das figuras de retórica com o objetivo de criar níveis de atração, persuasão e
beleza por meio do design. “Os designers também brincam com modos de persuasão,
estilo e disposição. As figuras de retórica, ou aquelas formas e táticas literárias que
divergem da comunicação comum, são especialmente valiosas para os designers”
(LUPTON, 2013, p. 82).
Assim, alusão, amplificação, antítese, elipse, hipérbole, metáfora, metonímia,
personificação e repetição são apenas algumas das figuras de linguagem básicas que
podem ser aplicadas em imagens com o intuito de potencializar seus objetivos
146
comunicacionais, como propõe estudos em retórica do design gráfico (LUPTON, 2013;
ALMEIDA JUNIOR, 2009). Portanto, ainda que não seja a intenção desta pesquisa
aprofundar-se nos estudos em retórica, é interessante notar que as respostas dos
profissionais, ao tocarem em temas relacionados especificamente aos projetos
analisados, apontam para o uso dessas figuras com o intuito de provocar ou
potencializar emoções no leitor, como no caso da metáfora na ilustração de capa do
livro Ratos (2012) ou a repetição no projeto gráfico de Os Embaixadores (2011).
Almeida Junior (2009, p. 293) corrobora com as questões levantadas por Lupton
(2013), indicando que a “retórica do design gráfico permeia, sintetiza e traduz, por meio
dos arranjos gráficos, necessidades, anseios e desejos de uma sociedade”. Ainda
segundo o autor, sendo o design gráfico uma instância da linguagem visual, é certo
afirmar que toda mensagem produzida por este campo “apresenta algum nível de
retoricidade, que traduz o quão persuasiva uma determinada mensagem tenta ser”
(ALMEIDA JUNIOR, 2009, p. 292).
Isto posto, as respostas dos profissionais nas respectivas entrevistas estão aqui
apresentadas na forma mais visual possível, de modo a associar os termos expressos
com detalhes das obras avaliadas. É interessante notar o entendimento dos profissionais
quanto a tradução dos seus projetos em termos que, mais do que evidenciar emoções,
apontam para intencionalidades de produção de sentido e contextualizações dos
aspectos narrativos de cada obra literária.
147
Daniel Bueno – A Janela de Esquina do Meu Primo
dinâmica; misteriosa; colagem rica em texturas; conectada ao conteúdo da obra;
adequada.
148
Victor Burton – Coleção Guimarães Rosa
regional; cenário; Guimarães Rosa; imaginário; popular.
149
Questão 8
Você teve acesso ao feedback quanto a recepção do projeto pelo público? Se sim,
como foram passadas tais informações?
Por outro lado, ele acabou recebendo muitos prêmios – Menção Honrosa na
Feira de Bolonha, terceiro lugar no Jabuti na categoria Ilustração, e foi
selecionado para outros importantes anuários e eventos – ou seja, nesse
campo a receptividade foi muito boa (BUENO, 2020).
150
se preocupou com o aspecto visual, com a qualidade gráfica do livro, proporcionando
um feedback positivo para outros eventuais autores” (BURTON, 2020). Ou seja, o
cuidado com a organização dos elementos gráficos é fator importante na consolidação
da identidade visual de uma editora, que pode vir a ser mais prestigiada a partir do
momento que publica livros com projetos gráficos instigantes.
Na visão de Coelho (2010), pesquisador do livro e da leitura, o papel, a cor, o
tamanho, a tipografia e as imagens das páginas de um livro tornam mais eloquente o
seu significado para além do objeto em sua espécie. Ou seja, a preocupação com o
arranjo gráfico, bem como uma escolha assertiva em relação aos materiais em um
projeto de design de livro, reverbera diretamente na sua interação com o leitor.
Nesse sentido, Burton (2020) corrobora que as editoras não buscam apenas o
feedback sobre um livro específico, mas sim a construção de uma identidade visual
sólida que perpetuará na sua história.
A Companhia das Letras faz isso muito bem. Constrói uma identidade visual
forte, consistente e de qualidade, atraindo autores e a simpatia (a pouca que
ainda resta) da mídia especializada. Quando você mostra que está se
dedicando à qualidade gráfica dos seus livros, evidentemente atrai uma
simpatia da imprensa e dos autores, que vão querer publicar com a sua
editora (BURTON, 2020).
A busca das editoras por uma identidade visual eficaz e bem posicionada,
contudo, não é uma novidade. Cardoso (2005) cita o exemplo da Editora Americana
(posteriormente incorporada pela Waissman, Reis & Cia Ltda.), que ao longo da década
de 1930, contou com capas ilustradas por Di Cavalcanti, Geraldo Orthof e Oswaldo
Teixeira, todas com projetos que evidenciam a preocupação da editora com questão que
vão além do que se tem propagado sobre as ilustrações de capas produzidas na primeira
metade do século XX (CARDOSO, 2005).
151
Figura 52 – Capas ilustradas de livros publicados pela Waissman, Reis & Cia Ltda (década de 1930).
152
O capista Diogo Droschi também compartilha desse entendimento ao explicar
que, hoje em dia, “o feedback é mais imediato, já que o público fala diretamente com a
editora a partir das redes sociais. Essa troca é muito boa e já fez com que mudássemos
a maneira de pensar algumas capas” (DROSCHI, 2020).
Por outro lado, no caso do livro Decameron (2013), o ilustrador Alex Cerveny
(2020) conta que o feedback extrapolou o meio digital. A editora catalã Libros Del Zorro
Rojo, que também publica na Argentina e México, produziu uma nova versão do livro,
lançada em 2017, a qual está circulando no mercado editorial de língua espanhola. A
ideia principal do projeto gráfico foi mantida, com algumas alterações, como a versão
da capa branca e o acréscimo de outras cinco ilustrações extras (CERVENY, 2020).
Figura 53 – Ilustração extra 1 de Alex Cerveny para livro Decameron na versão em espanhol.
Figura 54 – Ilustração extra 2 de Alex Cerveny para livro Decameron na versão em espanhol.
153
Figura 55 – Capa com fundo branco do livro Decameron na versão em espanhol
55
Disponível em https://librosdelzorrorojo.com/
154
Capítulo 5
CONSIDERAÇÕES FINAIS
155
instiga e seduz o possível leitor, fazendo com que este queira saber mais a respeito da
história ali contada.
Neste panorama, julgou-se importante conhecer um pouco mais sobre o
produtor dessas imagens, ou seja, o profissional da ilustração. Foram investigados
pontos sobre a formação acadêmica e humana do ilustrador, com vistas a entender
sobre as expertises necessárias, bem como sobre as subjetividades inseridas neste
campo de atuação. Constatou-se que os ilustradores, por não terem muitas opções de
cursos de graduação ou profissionalizantes específicos, acabam por procurar formações
em áreas análogas, como o design gráfico e a arquitetura. É importante frisar, no
entanto, que há um número considerável de cursos aos quais ilustradores em potencial
podem recorrer para aprimorar suas habilidades, entre os quais também se destacam:
as artes visuais e artes plásticas. Além disso, trata-se de uma profissão em que ainda há,
até certa medida, um autodidatismo, e, em muitos casos, pessoas com habilidades para
o desenho se especializam como ilustradoras.
Quanto à atuação profissional, o trabalho como freelancer é o caminho mais
comum, ainda que existam estúdios de design, editoras e outras empresas do ramo da
comunicação que contam com ilustradores em seu quadro fixo de profissionais. No que
tange o contexto analisado por esta pesquisa, os ilustradores foram contratados para
projetos específicos, sendo a sua forma peculiar de organização quanto a uma narrativa
visual, o ponto crucial para a escolha do seu trabalho.
As questões teóricas sobre a criatividade e o processo criativo foram importantes
para a compreensão de componentes envolvidos na criação, seja de qualquer natureza.
As questões instigantes que se colocam para entender o trabalho de ilustradores e
designers são do tipo: Como os designers desenvolvem novas ideias? Como suas ideias
evoluem e como eles passam de uma para a outra? Qual é o papel das ideias do design
anteriormente consolidadas na formação de novas, e quais outros fatores influenciam
o desenvolvimento da proposta?
Por muito tempo essas perguntas e outras semelhantes motivaram os
pesquisadores de design a estudar a criatividade, o que não é surpreendente uma vez
que este tema é o foco de grande parte da educação e da prática do design. Alguns
autores constataram que na maioria das vezes essas respostas estão relacionadas ao
156
que acontece na prática, na ação, ou seja, no trabalho desses profissionais no “mundo
real”.
Pode-se entender o artefato livro a partir de uma cadeia de atores, que estão
interligadas entre si – autor, editor, tradutor, revisor, designer, ilustrador, capista, arte
finalista, produtor, vendedor, divulgador, consumidor, leitor. É uma cadeia, aqui
genérica, onde cada ator tem seu valor e cumpre um papel, ainda que nas extremidades
se encontram o autor e o leitor. Ter o foco no público e na recepção é um dos preceitos
do design. Para tanto, os fatores humanos foram tratados em vários pontos da discussão
da literatura, seja na percepção visual e nas questões da emoção e design emocional.
Uma vez concluído o referencial teórico é possível considerar cumpridos os três
primeiros objetivos específicos da pesquisa, que foram: (i) investigar questões da
imagem, com foco na sua função comunicacional e nos elementos do alfabetismo e
linguagem visual; (ii) apresentar conceitos do universo da ilustração, sobretudo no
âmbito editorial, abordando questões da criatividade e funções narrativa e de
persuasão; e (iii) explanar abordagens sobre a percepção visual e design emocional,
ressaltando suas implicações no nível da subjetividade na relação usuário-produto.
Sendo assim, com o aporte do referencial teórico, seguiu-se para atender ao
objetivo geral dessa pesquisa, que é o de entender o papel de ilustradores, capistas e
designers no processo de produção editorial de capas ilustradas de livros de ficção
destinados ao público adulto, tendo como base o processo criativo de profissionais
laureados no Prêmio Jabuti entre 2000 a 2019, objetivando apresentar a ilustração como
importante ferramenta em projetos da área.
A medida em que foram analisadas as respostas concedidas pelos profissionais
entrevistados, alguns pontos chamaram atenção. O primeiro deles diz respeito a
atuação dessas pessoas nos processos editoriais, uma vez que a maioria relatou ser
interessante e necessário, para a concepção de um projeto gráfico plausível e exitoso, a
imersão no universo do autor da obra literária.
Esta imersão, por sua vez, é realizada de maneiras distintas entre capistas,
ilustradores e designers. No contexto aqui analisado, percebe-se que os capistas, muitos
com formação em design ou área análoga, baseiam seus trabalhos em conhecimentos
sobre processos metodológicos e noções acerca do público-alvo, que impulsionam a
obtenção de resultados satisfatórios em projetos de capas de livros. Estes mesmo
157
profissionais, atuam, por vezes, como exímios arquitetos, na construção de um objeto
que envolve a leitura de palavras e imagens.
Por outro lado, no que se refere especificamente à atuação dos ilustradores na
produção editorial do livro, ainda que exista a aproximação destes profissionais com
metodologias do design, por vezes bem visíveis, a aproximação das suas atividades com
características mais subjetivas, entendidas como lúdicas, é a que mais se sobressai.
Nessa perspectiva, além de ser um leitor assíduo, o ilustrador, capista ou
designer inserido em processos dessa natureza, deve estar munido de informações
sobre a narrativa específica, e, junto a uma bagagem cultural e repertório visual rico em
referências e vasto em elementos gráficos, ser capaz de traduzir as mais diversas e
peculiares histórias por meio das suas composições, indo desde narrativas ácidas como
a do livro Ratos àquelas de teor poético como Decameron.
Assim, ao entender que a atuação destes profissionais se inicia com a proposição
de um briefing pela editora, foi curioso notar como este material é importante e
cuidadosamente pensado por atores envolvidos em projetos premiados. Um briefing
eficaz, no contexto aqui abordado, é aquele que, de forma clara e instigante,
proporciona o aporte necessário para que capistas e ilustradores atuem de maneira
criativa e ao mesmo tempo metodológica, sempre com foco no receptor. Esse aporte
pode ser sustentado, por exemplo, por informações visuais e conhecimentos
pertinentes sobre a narrativa e contexto sócio-histórico da obra literária, essenciais para
o andamento do trabalho desses profissionais junto aos outros envolvidos na
elaboração do projeto gráfico do livro.
Em alguns casos analisados, o briefing foi construído em conjunto por esses
diferentes atores da produção editorial, o que fomentou um rico material imagético,
acrescido de textos e outros dados de apoio sobre a obra e seu autor, proporcionando
informações importantes para a criação de ilustrações e projetos gráficos alinhados com
as narrativas literárias.
Nesse contexto, outro fato interessante percebido nas explanações dos
ilustradores e capistas se refere ao lugar do designer como articulador no processo
editorial de produção de capas ilustradas. Alguns entrevistados comentaram a respeito
do papel de gestor do designer neste processo, indicando que este profissional, além de
fazer parte da criação visual, também atua como elo de ligação entre outros grupos
158
envolvidos na cadeia. Deste modo, uma vez que o material gráfico é elaborado de forma
mais abrangente, os designers entram com conhecimentos específicos, relacionados a
organização visual e ordenação sistemática desses elementos ao longo do projeto,
ajustando-os aos locais mais pertinentes do objeto-livro.
No caso dos ilustradores, infere-se que as imagens produzidas como traduções
lúdicas e carregadas de significados são realocadas de maneira cuidadosa tanto na capa
como em páginas internas, sob a supervisão de designers gráficos e direção de arte, com
vistas a enfatizar as relações entre as informações visuais e as mensagens que o livro,
entendido aqui como objeto da cultura material, objetiva transmitir aos consumidores.
Vale ressaltar que entre os motivos explanados pelos entrevistados para a
escolha do uso da ilustração em detrimento de outro elemento gráfico nos projetos
apresentados, o que mais se destaca é o seu poder de tradução, onde também se faz
perceptível o seu teor narrativo e persuasivo. Nesse sentido, as ilustrações atingem um
grau de equilíbrio entre fornecer pistas sobre a história contada no livro, sem que se
perca a curiosidade de querer lê-lo para saber mais; ou seja, elas traduzem passagens
literárias por meio de narrativas visuais, que acabam por persuadir o leitor a adquirir o
livro para sanar as suposições previamente impostas pela capa.
É notório, portanto, que a organização visual das ilustrações em capas de livros
demanda conhecimentos específicos sobre comunicação e público-alvo. Na elaboração
da maioria dos projetos aqui estudados, ocorreram produtivas trocas de informações
entre diferentes frentes e equipes de atuação inseridas na cadeia de produção editorial
da capa de livro, ao entender que cada agente colabora com conhecimentos específicos
que consolidam projetos exitosos. Essa característica mostra-se importante na
elaboração de capas marcantes, capazes de estabelecer vínculos com seus receptores a
partir da interconexão eficaz entre linguagem visual e texto verbal.
Tais pontos foram cruciais na consolidação da editora Cosac Naify, responsável
pela publicação de quatro dos oito livros aqui analisados. A sua bem sucedida trajetória
parece estar diretamente ligada à forma humanizada e ao mesmo tempo metodológica
com a qual organizava o trabalho editorial. Capistas, designers e ilustradores que
colaboraram com a editora, indicam que existia no ambiente de trabalho a valorização
das experiências individuais de cada profissional, de forma a promover a troca entre
eles, vislumbrando entendimentos mais concisos em relação ao processo editorial e aos
159
caminhos do livro. Os projetos, muitas vezes, eram discutidos em reuniões de
conceitualização, pautadas em pesquisas realizadas por todos que estavam envolvidos:
editor, diretor geral, produção gráfica, produtor de imagem, equipe de design e outros.
Contudo, não só os livros da Cosac Naify, mas todos os oito exemplares
analisados parecem ter sido produzidos a partir do entendimento da produção da capa
como um encontro. Autor, capista, ilustrador, designer, editor, diretor de arte,
marketing, comercial; todos são atores indispensáveis para o sucesso de um projeto
gráfico. Nesse panorama, a capa funciona não só como a tradução da obra literária, mas
também do complexo envolvimento entre estes profissionais.
Todos eles, no entanto, objetivam a mesma coisa: atingir o leitor, o público-alvo,
da melhor forma possível. Este fato, por sua vez, indica a importância sobre ter-se
conhecimentos das funções da capa de livro e artifícios que devem ser utilizados para
que elas desempenhem esses papeis de forma a alcançar uma relação efetiva com o seu
público receptor.
No decorrer desta pesquisa, discutiu-se diferentes funções da capa de livro,
como: ser comunicativa; ter apelo visual; traduzir a obra literária; seduzir o possível
leitor; estar em comunhão com estratégias de marketing; vender o livro; conectar-se
com o público-alvo. Para cada função citada, características técnicas, estéticas, formais
e outras mais subjetivas, relacionam-se em um processo que visa explorar as
singularidades do livro, transformando-o em um objeto de especial valor. Nesta
pesquisa, um dos pontos de destaque é, portanto, a complexidade que permeia os
projetos de capas ilustradas de sucesso.
Nesse sentido, é interessante notar que, quando se está na posição de leitor,
ainda que a capa de um livro e seu projeto gráfico consigam envolver o indivíduo numa
relação substancial, na maioria das vezes, não existe o hábito de se questionar sobre o
complexo trabalho que sustenta a visualidade ali empregada, e como essa foi uma das
responsáveis pelo envolvimento. Deve-se ter em mente que, por meio de vastas
pesquisas em referências visuais, imersão no universo do autor da obra literária, viagens
em busca de insights, hierarquização do trabalho, longas reuniões, conversas e trocas
entre diferentes participantes do processo, são apenas alguns fatores apreendidos por
este estudo como importantes na construção de capas de livros ilustradas capazes de
transmitir mensagens de maneira eficaz à um público-alvo específico.
160
Após a discussão dos resultados do estudo aplicado com os profissionais, conclui-
se, portanto, que o objetivo geral foi atendido em sua totalidade, a partir da
consecução dos demais objetivos específicos estabelecidos no início do trabalho, que
foram (iv) estudar as relações entre ilustradores, capistas, designers e outros agentes
inseridos no processo de produção editorial do livro, especialmente no que tange
projetos de capas ilustradas, evidenciando a importância dessas conexões na construção
de projetos exitoso; e por fim o último (v) aprofundar estudos sobre os processos criativos
dos capistas e ilustradores profissionais envolvidos na produção de capas ilustradas de
livros, apontando como suas especificidades reverberam nos projetos gráficos.
161
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barba/. Acesso em: 03 set. 2020.
168
APÊNDICES
APÊNDICE A
169
170
Fonte: elaborado pelo autor (2020)
171
Quadro 5 – Levantamento de dados do Prêmio Jabuti na categoria Ilustração
172
Fonte: elaborado pelo autor (2020)
173
APÊNDICE B
Meu nome é André Matias Carneiro e sou orientando da Prof. Dra. Maria Regina
Álvares Correia Dias (que nos lê em cópia) no programa de pós graduação em design
da UEMG - Universidade do Estado de Minas Gerais. Nesse momento, estou
desenvolvendo minha pesquisa de mestrado intitulada “Ilustração e emoção: estudo
de capas ilustradas de livros de ficção destinados ao público adulto”. O principal
objetivo do estudo é identificar de que maneira as ilustrações em capas de livros são
capazes de estreitar vínculos emocionais estabelecidos com os leitores, enfatizando a
função da capa para além da proteção do miolo. Objetiva-se investigar a percepção do
público a partir de conhecimentos sobre as intenções projetuais da capa.
Nessa seleção prévia, o livro A Janela de Esquina do Meu Primo, premiado na categoria
“ilustração” em 2011, foi um dos escolhidos e gostaria de convidá-lo a colaborar com o
trabalho respondendo a algumas questões. São perguntas simples e diretas, que
poderão ser respondidas da forma que melhor lhe convier, seja na forma de texto nesse
e-mail, via áudio ou mensagem de texto por whatsapp (meu contato pessoal está no fim
desta mensagem), ou ainda com uma breve conversa por meio de aplicativos de
chamada em vídeo ou telefônica (Skype, Zoom, Google Meet, Messenger etc.). Caso
queira compartilhar algum material complementar que possa ajudar no meu estudo,
seria muito bem-vindo.
Questões:
174
Quais as intenções idealizadas para esta ilustração de capa? Que sensações
esperava-se provocar?
Qual a principal mensagem que a ilustração carrega e almeja transmitir aos seus
receptores?
Na sua visão, qual a função da capa de livro? E como a ilustração, neste caso
específico, potencializou tal função?
Cite cinco termos, entre palavras, frases, adjetivos etc., que melhor representam
emocionalmente a ilustração de capa em questão.
Você teve acesso ao feedback quanto a recepção do projeto pelo público? Se sim,
como foram passadas tais informações?
Cordialmente,
André Matias Carneiro
Whatsapp: (00) 0000-0000
175
APÊNDICE C
176
ANEXOS
177