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Por meio de um espetáculo que inclui treze truques de magia, um mágico tão comum
quanto surpreendente executa alguns dos truques que a maioria da gente, incluindo
psicólogos, realizam ao trata de explicar o comportamento humano. Estes truques
consistem em meras práticas verbais, as quais, infelizmente, são tão estendidas quanto
inapropriadas e prejudiciais.
Este livro, como qualquer outro, é produto de muitas pessoas, por isso usarei o
pronome nós e não o eu.
Escrevemos este livro pensando no público em geral, não apenas naqueles que
conhecem sobre psicologia, por isso tratamos de escrever o mais claro possível, utilizando
palavras simples.
Se a leitura deste livro lhe é útil para refletir sobre o tema que aqui se trata,
independentemente de que esteja ou não de acordo com ele, nós sentiremos ter conseguido
nosso objetivo.
INÍCIO
Sorrio e volto a olhar para você. Você também sorri. Para ambos é muito agradável
conhecer a um mágico que leva em consideração seu público.
- Pelo tanto, tudo o que as pessoas fazem como golpear, falar, brincar, caminhar, ler,
pensar8, bater, beijar, sentir, acreditar, imaginar, escrever, se nomeia ou descreve com
verbos. Estão de acordo? – volta a perguntar o mágico.
PRIMEIRO TRUQUE
O mágico dá uns passos até a frente do cenário, colocando ao mesmo tempo umas
luvas brancas que pega do bolso de seu casaco.
- Notem que agredir é um verbo; não um substantivo, nem um adjetivo, muito menos
um artigo. Agredir é um verbo genérico, ou seja, um verbo que nomeia uma classe de ações
ou comportamentos que, por sua vez, são nomeadas por outros verbos4 esclarece o mágico.
- Então, podemos dizer que – continua o mágico – o que faz João não só se poder
nomear com o verbo golpear, mas também com o verbo agredir. Fica claro: agredir nomeia
o comportamento de João.
"Não vim ao teatro para ter uma classe de gramática", penso. Olho para você e você
me diz:
- Simples, não é?
Afirmo sorrindo.
- Por isso – acrescenta o mágico –, antes de continuar, quero confirmar que todos
estamos de acordo em que com o verbo agredir podemos nomear5 uma grande variedade
de atos ou comportamentos, como golpear, bater, beliscar, empurrar, e não apenas um
comportamento em particular.
Nesse momento sobe ao estrado apressadamente uma bonita jovem; coloca na parte
de trás uma mesinha com uma jarra de água e um vaso. O mágico unicamente diz "obrigado".
A jovem sorri, desce e senta-se entre o público.
SEGUNDO TRUQUE
- Até aqui, com os verbos golpear ou agredir só nomeamos o que fez João1 - explica
o mágico ajeitando delicadamente a cartola. – Agora, ensinar-lhes-ei como descrever o
comportamento de João, de maneira que a descrição em si mesma seja útil para explicar seu
comportamento2 ou, ao menos, para iniciar uma explicação adequada do mesmo.
- A este truque se lhe conhece com o nome de Descrição Fictícia I4 – diz o mágico,
retrocedendo e girando sua varinha. – Por favor, prestem muita atenção e respondam esta
pergunta: O que vocês acreditam que fez João quando golpeou Pedro?... Seguramente
responderão que simplesmente lhe golpeou. Mas não, olhem bem o que farei com o verbo
agredir, mesmo verbo que utilizei para nomear o comportamento de João. Tocá-lo-ei com a
varinha, e o que fez João, ele golpeou, converter-se-á em agrediu. Portanto, João não somente
golpeou Pedro, como também o agrediu5.
- Para mim, o que fez João foi golpear Pedro, e ainda que utilizemos outras palavras
para descrever o que fez João, como agredir, estas sempre se referirão a golpear6.
- Assim é – respondo gaguejando. – Mas, temos que aceitar que o mágico teve êxito
em convencer o resto do público que a melhor maneira de descrever um comportamento é
dar-lhe um nome que ignore as comportamentos particulares. Pelo tanto, dizer que João
agrediu Pedro descrever melhor o que fez João, que dizer que João golpeou Pedro 7 -
acrescento.
- Bom – você responde –, provavelmente é assim, mas...
Nesse momento, a pessoa que está sentada ao nosso lado volta-se e pede-nos
silêncio:
- "Não viemos aqui para conversar, muito menos em voz alta, mas para desfrutar dos
truques do mágico. Ademais, não há por que duvidar de sua sabedoria". Pedimos-lhe
desculpas e continuamos esperando em silêncio.
- Fixe-se bem, neste ato de magia não só descrevi o comportamento de João, como
também comecei a explicá-la – informa-nos o mágico tirando e pondo a cartola. – O fato é
que se descrevemos o que realmente João fez a Pedro, começaremos a explicar por que o
fez, ou seja, as razoes ou causas de seu comportamento – acrescenta.
Eu me pergunto: Como é possível que uma palavra que utilizamos para nomear o
comportamento de golpear possa-nos conduzir à explicação desse comportamento?
Todos aplaudem, inclusive você. Sinto-me confuso; não sei se é o mágico, o que ele
diz e faz, ou a multidão no teatro. Respiro profundamente duas ou três vezes e tranqüilizo-
me um pouco.
- Muito bem, esperava o seu acordo, não poderia ser de outra maneira – conclui o
mágico atirando a varinha para cima e pegando-a com a outra mão por trás das costas com
uma velocidade surpreendente.
O mágico diz: João não apenas golpeou Pedro, mas também o agrediu.
IV
TERCEIRO TRUQUE
- Agora – anuncia o mágico – dou início ao terceiro truque de magia. A Real Academia
de Mágicos conhece-o com três nomes, Substantivação1, Nominação do Verbo2 ou
Reificação3.
Ele tira a cartola e coloca dentro o verbo agredir que apareceu no ato anterior.
Pronuncia as palavras mágicas e tira da cartola o substantivo agressão.
O mágico faz uma pausa e dirige-se à pequena mesa que a jovem colocou no fundo
do cenário ao final do primeiro ato. Serve-se de água e bebe apressadamente para depois
voltar para frente.
QUATRO TRUQUE
Então, o mágico toma o substantivo agressão que apareceu no truque anterior e com
muito cuidado coloca-o justamente sobre a cabeça de João. Depois pronuncia umas palavras
mágicas que não consegui escutar. Ato seguido, a agressão desaparece.
Todos nos espantamos ao observar que João não sentiu dor, pelo menos não o
mostrou em seu rosto.
Todos nós estamos felizes por termos descoberto, graças ao mágico, a existência da
agressão. É indubitável que unicamente um mágico possa ajudar-nos a descobrir o que há
dentro de cada um de nós. Observo para os lados e vejo todos os espectadores
completamente absortos; alguns desfrutam do espetáculo com a boca aberta.
- A agressão é uma emoção; negativa, mas ao fim e ao cabo uma emoção – afirma o
mágico – e todas as emoções, todas, estão localizadas dentro de nós4. É claro que uma
emoção não pode existir fora de alguém. Ou por acaso algum de vocês viu uma emoção
voando?
Todos nós rimos. Volto a olhar para você e pergunto-me, em que lugar dentro dele
estará localizada a agressão? Deve estar aí – penso – escondida em alguma parte do seu
corpo esperando o momento preciso para converter-se em um golpe5 ou em um grito
violento ou, por que não?, em uma careta agressiva.
Durante quase um minuto, o mágico permanece em silêncio e todos nós com ele.
Sinto-me incomodado, só escuto algumas pessoas tossirem. Acomodo-me várias vezes na
poltrona e olho de novo para trás. O teatro está completamente cheio e agora em silêncio.
Pergunto-me qual será a intenção do mágico ao interromper a apresentação. Talvez deseje
que suas revelações se aprofundem, que todos nos convençamos de que o que ele mostrou
realmente existe.
Afirmo com a cabeça sentindo que aceito uma explicação que na realidade não me
convence. Analisando o que aconteceu até o momento, advirto que do comportamento de
golpear, o mágico fez aparecer o agredir; logo afirmou que uma pessoa que golpeia outra,
agride-a; e finalmente concluiu que se uma pessoa agride, deve ter algo dentro dela que se
chama agressão. Mas, apesar de que eu me dê conta de todos estes truques verbais, prefiro
acreditar que não o são, que são realidades e não meras palavras que se derivam umas de
outras. Ademais, ninguém quer ser um estúpido. Como dizia o meu avô: "Há um prazer nos
mitos que é difícil refutar, como há uma atração na multidão da qual é difícil escapar".
Sem me dar conta, repito o que pensei em voz alta: "Há um prazer nos mitos que é
difícil refutar..."
- O que disse?
- Pois pensa em volume muito alto – comenta você, rindo-se de sua piada.
- Agora, como complemento deste truque lhes apresentarei um que chamo Sentir
Fictício I6 - diz o mágico enquanto se dirige para onde se encontram João e Pedro. De pé em
frente a Pedro, pergunta-nos com sua voz ressoante:
- Estão certos de que unicamente sentiu dor? Não acham que sentiu o golpe e
também a agressão?
- Isso! Muito bem! – exclama o mágico emocionado, estendendo sua mão para frente
e contando com seus dedos. – Sentiu o golpe, a dor e a agressão.
- Acho, quando nos golpeiam sentimos três coisas: o golpe, a dor e a agressão de
quem nos golpeou.
Sorrio e volto a sentir que, de uma maneira muito sutil, o mágico nos está
enganando. Mas na verdade não importa; de qualquer forma, estamos aprendendo a
descrever e a explicar o comportamento. Ademais, se todo o público parece de acordo, qual
é a razão para eu não estar?
Agora, para assegurar-se de que entendemos, o mágico pergunta:
- Agredido – respondemos.
Todos nós ficamos olhando fixamente o mágico. Ele sorri satisfeito e observo que
seus dentes são muito brancos e estão perfeitamente alinhados.
- Sentir dor, sentir agressão e sentir-se agredido são emoções distintas – acrescenta.
Sinto-me melhor e concluo: "Não é normal duvidar do que é tão evidente, de algo
com o que estão de acordo todos os presentes. Não tenho por que sentir que me estão
enganando".
Há um prazer nos mitos que é difícil refutar, como há uma atração na multidão da
qual é difícil escapar.
O mágico diz: Quando nos golpeiam sentimos três coisas: o golpe, a dor e a agressão
de quem nos golpeou.
VI
QUINTO TRUQUE
- Estamos já no quinto truque se chama: "Colocar um traço"1. Ainda que este truque
seja simples, peço-lhes que prestem muita atenção porque o resultado é sumamente
importante par entender o comportamento humano – assinala o mágico com certa ironia.
- Prestem muita atenção: dissemos que o que sentiu Pedro quando João o golpeou
foi agressão, não apenas o golpe e a dor2. Agora, por favor, sejam amáveis em me responder
a esta pergunta: o que acreditam que João sentiu ao golpear Pedro? Sim, olhem bem, refiro-
me ao que sentiu João, não ao que sentiu Pedro – esclarece.
- Perfeito, sua resposta está correta, ambos sentiram a emoção que chamamos
agressão3. Pedro sentiu a agressão de João e este sentiu a agressão dentro de si mesmo.
Todos aplaudimos. Olho para você e você me diz: "Todos temos emoções em nosso
interior. Nem você nem eu, nem ninguém viu jamais uma emoção fora de nosso corpo".
- É evidente – afirma o mágico – que dentro de João está a emoção chamada agressão.
- Como podem confirmá-lo, agora João não apenas tem dentro dele a emoção que
chamamos agressão, como também o traço de personalidade que chamamos agressividade
– diz e, ao terminar, inclina-se cerimoniosamente ante nós.
- "É verdade que João não somente golpeou Pedro, mas o agrediu, como também o
é, que João tem agressão dentro dele ou, melhor dizendo, tem agressividade. Isso é tão óbvio
como estamos aqui sentados neste imenso teatro".
- "Mas lembre-se de que João não só tem agressividade, também tem uma
personalidade, e é uma personalidade agressiva; isto é tão real como o que você acaba de
dizer".
O mágico diz: Pedro sentiu a "agressão" de João e este sentiu a "agressão" dentro de
si mesmo.
SEXTO TRUQUE
- Estamos de acordo com que o que faz João é agredir; mas na realidade, enquanto
João golpeia Pedro, não faz precisamente isso – diz o mágico esfregando o verbo agredir
com suas mãos.
É verdade, concluo, que uma coisa é que João golpeie a Pedro, outra que o agrida e
outra mais que o esteja agredindo nesse momento.
O mágico diz: Falando com precisão, devemos dizer que no momento em que João
golpeia Pedro não o agride, mas que o está agredindo.
VIII
SÉTIMO TRUQUE
- Observamos que João golpeou Pedro; vocês acreditam que o fez amavelmente? –
pergunta o mágico.
- Sua resposta é tão rápida quanto correta! – exclama o mágico inclinando sua
cartola para nós como mostra de aprovação.
- Agora entendemos perfeitamente que a ação de agredir, feita por uma pessoa que
tem o traço de agressividade em sua personalidade, é executada agressivamente2 -
acrescenta.
OITAVO TRUQUE
- Agora, João não apenas tem agressão, mas também é agressivo – assinala o mágico
com sua voz potente.
Tão logo o disse, repito – " João não apenas tem agressão dentro dele, mas também
é agressivo".
Depois, tocando o seu ombro, eu digo-lhe: "É lógico que se uma pessoa tem agressão
dentro dela, seja agressiva2, não é?
NONO TRUQUE
- Aqui está o adjetivo agressor, o qual utilizamos para dizer o que João é. Ele é um
agressor porque tem agressão ou agressividade nele – conclui o mágico ensinando o adjetivo
ao público.
Todos assentimos. Parece-nos uma conclusão correta. Então o mágico tira uma folha
do bolso de seu casaco.
- Para que não se lhes esqueça o que aprenderam até agora, ensiná-los-ei uma
canção que compus há anos. Por favor, repitam junto comigo: "Tralalá; quando João golpeia,
João agride. Lalalá; quando João agride o faz agressivamente".
- Tralalá; se João agride, então é agressivo. Lalalá; se João é agressivo, então tem
agressão. Tralalá; se tem agressão, então tem em sua personalidade um traço de
agressividade. Lalalá..."
DÉCIMO TRUQUE
Todos rimos e imediatamente depois ele dá alguns passos para frente e detém-se
justamente na borda do cenário. Um momento depois nos pede que fiquemos em silêncio
colocando o dedo indicador sobre seus lábios e inclinando-se um pouco para frente. Todos
obedecemos impressionados de sua maestria e autoridade.
- A este truque se lhe chama Explicação Fictícia I. Peço-lhes que prestem muita
atenção, porque o que vamos fazer é aprender a explicar o comportamento. Sim, nosso
comportamento! – exclama o mágico.
Aprenderei a explicar o comportamento, por fim saberei por que sou como sou – penso.
Volto a olhar para você e você parece tão impressionado quanto eu e o resto do
público.
Ainda que, pensando-o melhor, dou-me conta de que, com este truque, o mágico nos
faz acreditar que explicamos o comportamento de João, usando somente palavras que ele
fez aparecer anteriormente baseando-se no verbo golpear. Mas a pesar de dar-me conta
disso, estou muito surpreso com os poderes explicativos do mágico ou de sua grande
criatividade verbal.
- Provavelmente nos está enganando, mas, seja o que for, não podemos negar a
grandiosidade de cada um de seus truques – respondo-lhe e confirmo que, geralmente, os
bons amigos pensam o mesmo.
O mágico introduz na cartola a pergunta: "Por que João golpeou Pedro?", e obtém a
resposta: "Porque tem uma personalidade agressiva ou algo dentro dele que se chama
agressividade". Agora coloca a pergunta: "Como sabemos que ele tem uma personalidade
agressiva ou agressividade?", e obtém a resposta: "Porque golpeou Pedro".
XII
- Estão de acordo?
- Sim, claro, também com isto estamos de acordo – respondemos e escuto que você
acrescenta: "totalmente".
Não me explico por que nossas dúvidas desaparecem gradualmente. Talvez faça
parte da magia.
Repito para mim: "João golpeia porque é agressivo e é agressivo porque golpeia. Não
há dúvida, esta é uma boa explicação de seu comportamento".
O mágico introduz na cartola a pergunta: "Por que João golpeou Pedro?, e obtém a
resposta: "Porque é agressivo". Depois coloca na cartola a pergunta: "Por que é agressivo?",
e obtém a resposta: "Porque golpeou Pedro".
XII
Considero que estes são os melhores truques de magia que já desfrutei em minha
vida. É surpreendente que a partir de um comportamento tão simples e pontual como João
golpeando Pedro, o mágico tenha feito aparecer coisas novas e interessantes.
Claro – concluo – deve existir uma ciência que se dedique a estudar cada um dos
truques e das coisas que o mágico fez aparecer. Seria uma lástima que tudo isso ficasse sem
análise, sem uma ciência que o considerasse como seu objeto de estudo1.
Nessa ocasião o mágico não confirma se estamos de acordo com sua afirmação.
Talvez para ele seja óbvio que concordamos. E é verdade. Como poderíamos negar algo que
é tão claro e evidente?
"João agrediu porque tem agressão e tem agressão porque é agressivo", repito em
voz alta tratando de aprender esta admirável e completa explicação sobre o comportamento
humano.
- Agora, com o mágico número treze chegamos ao último truque. Espero que tenham
desfrutado da apresentação e aprendido a nomear, descrever e explicar o comportamento,
seja a de vocês ou a dos outros – anuncia o mágico com um sorriso de plena satisfação.
Eu penso que sim, então me volto para você e com curiosidade lhe pergunto:
- Amável público – diz –, tudo o que fiz aparecer tem que ocorrer e existir em alguma
parte1. Em algum lugar tem que estar a agressão, a agressividade, o agressivo, em algum
lugar do qual surja. Como poderia ser de outra maneira? – pergunta-nos.
Então, avança dois passos lentamente até a frente e a luz o segue. A cena se torna
estranha, um tanto mística.
Pela primeira vez se escuta música de fundo, não identifico a melodia, mas é clássica.
Pode ser Beethoven ou Mozart. Então o mágico caminha até a frente pronunciando as
palavras mágicas e aparece: A Mente.
- Esta é A Mente! – exclama o mágico levantando os braços até o céu. – Ela explica
toda o comportamento e contém todas as causas de nosso comportamento. Sem ela
seríamos animais irracionais.
Muitos dos presentes se inclinam e sinto calafrios. Sem dúvida este foi o truque mais
impressionante que jamais presenciei em toda minha vida. Depois todos aplaudimos tão
efusivamente que chegamos a nos aturdir. Alguns de nós ficamos em pé e gritamos
emocionados: "Viva, viva o mágico! Viva, viva A Mente!".
- Na mente está a agressão que é a causa de que João agrida – acrescenta o mágico
em voz alta, aparentando não se importar com os aplausos. – Foi A Mente o que
primeiramente converteu João em agressivo e depois o fez com que golpeasse Pedro. É na
Mente que reside a agressão de João. Ela é a com que faz que alguém seja um agressor e que
atue agressivamente. Nela está tudo e a explicação de tudo, assim, milagrosamente simples.
Nossa personalidade, o que somos na realidade, está na Mente.
Então, o mágico dá uns passos para trás e a luz continua sobre ele.
- João golpeou Pedro porque quis. Ele o fez porque sentiu vontade de fazê-lo, porque
era sua intenção ou propósito. Essa é a explicação verdadeira2!
- Escute bem; não quero que nem você nem todos os demais que estão aqui
abandonem o teatro sem entender que, ao referir-nos a um sentimento como a causa de um
comportamento, sem explicar de onde se origina esse sentimento, é um velho truque de
magia. Um truque passado de moda, verdadeiramente ridículo. Sim, ridículo – repete o
mágico em voz alta3.
- É por isso que não incluo este ato em meu repertório – acrescenta o mágico
impaciente dando alguns passos para trás. – Não há dúvida, os sentimentos e intenções não
se auto-originam, mas que se originam na Mente4. Lembrem-se: a Mente sempre é primeira,
a Mente é primeira! – repete o mágico apontando para a cabeça.
A pessoa que interrompeu pede desculpas de seu lugar, mas o faz de uma maneira
tão infantil que todos nos rimos.
- Talvez – grita outro espectador – João golpeou Pedro porque tem pensamentos ou
crenças irracionais, porque pensa e acredita em algo que não é certo.
Nesse momento um jovem que está em frente a nós se põe em pé e grita com
frustração:
O mágico se volta para ele e sinto que me olha a mim. Sorrio nervosamente.
- Sim, este pode ser outro truque, mas infelizmente, devido ao pouco tempo hoje não
o apresentarei. Conhece-se-lhe com o nome de Teleologia6 e consiste em lograr que algo
que ocorrerá no futuro, seja a causa de algo que ocorre no presente. Se houver tempo,
prometo-lhes executar esse truque na seguinte apresentação; confesso-lhes que é bastante
interessante.
- Todos os seus truques são excelentes, mas opino que João golpeou Pedro porque
tem um gene agressivo ou alguma desordem orgânica7.
Outro espectador, um ancião de barba branca que está sentado na parte mais escura
do teatro grita com dificuldade:
- Todos vocês estão equivocados, todos, inclusive o mágico! João golpeou Pedro
porque tem uma desordem mental e nada mais8!
- Com todo o respeito que o senhor e todos merecem, digo-lhes que inventar uma
desordem mental ou psicológica é mais fácil ainda que inventar uma orgânica. É assim,
porque não existe nenhuma possibilidade de determinar se uma desordem mental existe ou
não. Certamente que existe a Mente, mas nunca poderemos vê-la... Senhor, devo dizer que
esse é um truque de principiantes, ainda que eu admita que é muito atrativo.
Tão logo desaparece sentimos um enorme apreço por ele. É claro que foi ele quem
nos brindou com a oportunidade de descobrir o que já existia, ainda que não nos déssemos
conta e, sobretudo, quem nos revelou o lugar onde ocorre e origina-se toda o
comportamento ou comportamento, onde sucede o que nos faz ser humanos.
Todas as pessoas se levantam; em contraste, nós ficamos sentados para esperar que
se descongestione a saída. Passam-se uns minutos e de novo se abre o telão. O mágico está
aí, outra vez, informando que apresentará outra apresentação. Algumas pessoas, incluindo
nós, permanecemos sentados para ver de novo sua demonstração. Minutos depois
descobrimos que são os mesmos truques e, ainda que sejam interessantes, não são o
suficiente para vê-los uma segunda vez. Finalmente decidimos nos ir. Caminhamos até o que
parece ser a saída principal do teatro e por sorte encontramos um lanterninha.
- Com gosto, ainda que vocês possam permanecer na sala o tempo que quiserem,
lembrem-se de que não se cobra nada por esta apresentação.
- Obrigado, você é muito amável, mas precisamos ir, temos coisas para fazer – você
o responde apressadamente.
- Não há de que, mas insisto que seria melhor que permanecessem na sala – insiste
o lanterninha. – Se ficarem, asseguro-lhes que cada vez entenderão melhor os truques e,
com sorte, terminarão fazendo-os vocês mesmos em suas casas frente a familiares ou
amigos, será muito divertido.
- Obrigado, mas por favor, mostre-nos a saída – você insiste, quase rogando.
- Se é isso o que querem, assim o farei; mas não entendo a sua pressa – responde
secamente o lanterninha.
Passamos entre centenas de pessoas que entram e saem do teatro, todos se vêem
emocionados. Finalmente chegamos a uma sala que está quase vazia e caminhamos
justamente pelo centro. O piso é de mármore, sente-se muito frio o ambiente e, ainda que a
sala tenha grandes janelas, está muito escura.
Ante o silêncio aproveito para pedir ao lanterninha que nos explique o que na
verdade está acontecendo no teatro.
- Você diz que o mágico nos enganou e que ser enganado é um privilégio? – você
pergunta imediatamente, mostrando claramente o seu desacordo, para não dizer a sua
raiva.
- Em muitas coisas que se resumem no seguinte: fazê-los acreditar que toda palavra
necessariamente tem um referente, algo que existe e que nomeia – prossegue o lanterninha
sem nos olhar nos olhos. – Palavras que se referem unicamente a outras palavras ou a nada,
esse foi o engano.
- Olhem, vocês devem entender que os mágicos vivem de seus truques e fazem todo
o possível para manter o público enganado, ou dito elegantemente, entretido. Claro que
nenhum mágico deseja que o público descubra seus segredos. De que viveriam os mágicos
se não enganassem as pessoas?
Sinto-me enjoado. É difícil respirar. Olho para trás e a sala, que há poucos segundos
estava quase vazia, agora está completamente cheia. Você pede ao lanterninha que, por
favor, apresse-se e mostre-nos a saída. Pressuponho que você se sente como eu.
- Ali está a saída – diz-nos, assinalando-nos uma estreita porta ao final do corredor.
– Podem ir vocês sozinhos, eu fico aqui. Não encontraria trabalho fora do teatro – acrescenta
com voz entrecortada.
Passamos através da porta com muita dificuldade, como se uma lufada de vento nos
empurrasse para dentro.
Uma vez fora, busco por você, mas não lhe encontro em lugar algum, seguramente
você caminhou mais rápido do que eu ou talvez não conseguiu resistir ao vento.
Agora posso respirar sem dificuldade e sinto-me melhor. Antes de ir para casa olho
rapidamente para trás para procurar por você pela última vez, mas não você está. Sinto
tristeza, e entristeço ainda mais quando me dou conta de que poderias ficar vendo a
apresentação mil e uma vezes. Dou uns passos para frente, não sei se volto ou vou para casa.
Nesse momento descubro um enorme cartaz colocado em frente ao teatro, com letras
grandes e luminosas diz: "Psicologia". Sob elas, com letras menores, mas chamativas, diz:
"Bem-vindos ao teatro mais antigo do mundo", mais abaixo anuncia o nome do mágico:
"O Grande Psicólogo" e o nome da apresentação: "Treze truques de magia". Na parte
direita do cartaz diz com letras diferentes e cores muito brilhantes: "Apresentações
diárias e contínuas. Admissão grátis para crianças e adultos". Ao ler isso,
indubitavelmente decido ir para casa.