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limites e potencialidades
1. Enquadramento Geral
A história da freguesia está associada, nos seus primórdios à
implantação da religião católica em Portugal, aliás a palavra freguesia deriva
de freguês, que por sua vez descende da expressão latina que significa filho
da Igreja.
A freguesia começou essencialmente por ser uma paróquia
eclesiástica, mas além de se constituir como espaço de comunhão espiritual
e religiosa assumiu desde logo importância, como lugar de trocas, partilha
de bens e de relações humanas, marcadas por um forte sentido
comunitário, solidificado pela criação de hábitos e tradições comuns que
vão configurar a existência uma cultura local. A freguesia surge deste modo,
também como um espaço potenciador da satisfação das necessidades da
população, mas só lhe é conferido o estatuto de autarquia local na
sequência da Revolução Liberal.
A separação de poderes entre a Igreja e o Estado, operada a partir da
I República, veio permitir à freguesia assumir plenamente o referido
estatuto.
O Estado Novo colocou as freguesias na dependência dos municípios
e, estes funcionavam mais como uma delegação local do Governo, do que
propriamente como uma pessoa colectiva territorial dotada de órgãos
próprios representativos da população. Ao longo deste período a freguesia
vai ser esvaziada de atribuições, as funções do órgão executivo ficaram
assim praticamente reduzidas à passagem de atestados e ao
recenseamento eleitoral.
A Constituição de 1976 definiu ”(...) as autarquias locais como
pessoas colectivas territoriais dotadas de órgãos representativos, que visam
a prossecução de interesses próprios das populações respectivas.”
(Art.º 237º)
A concepção de autarquia local, no quadro da organização
democrática do Estado, enquadra-se no principio de autonomia das
autarquias locais face ao poder central e da descentralização da
Administração Pública. A consagração constitucional destes princípios
constituiu um passo decisivo para que as autarquias assumissem um papel
de intervenção directa na criação de condições facilitadoras da melhoria da
qualidade de vida das populações.
Licenciado em Serviço Social. Aluno do Mestrado em Administração Pública da
Universidade do Minho.
Assim, a freguesia por ser a autarquia que mais próximo se encontra
da população respectiva e, como tal espaço privilegiado para a participação
desta, na vida colectiva e elemento potenciador da sua identificação e
materializador das suas aspirações, anseios e interesses poderá mais
facilmente contribuir para a resolução de alguns dos problemas, com que a
população se defronta no quotidiano. Nesta perspectiva também se situa
actualmente, Freitas do Amaral (1994:441) ao considerar que, no passado
tinha apresentado uma “(...) visão pessimista e redutora da freguesia no
nosso sistema de administração local autárquica, que estava visivelmente
influenciada pela constante diminuição de atribuições e recursos das
freguesias no Estado Novo”. Anteriormente este autor considerava que a
importância das freguesias era muito reduzida, pelo que as encarava como
”(...) unidades administrativas que arrastam penosamente uma vida difícil,
quase somente feita de boas vontades e dedicação cívica” (Amaral, 1986:
516). Perspectivava-lhes um futuro difícil, sugerindo mesmo que mais tarde
ou mais cedo teria de se colocar o problema da sua sobrevivência.
Acrescentava ainda que esta questão se tornava mais pertinente, dada a
existência uma dificuldade suplementar, que era a de encontrar uma grande
quantidade de cidadãos disponíveis e capazes de assumirem a gestão
desta categoria de autarquias locais.
A mudança de opinião que veio posteriormente a assumir deveu-se à
possibilidade que teve em conhecer, no exercício de funções político-
-partidárias, a actividade quotidiana desenvolvida pelas mesmas, em favor
das populações respectivas, quer a dos grandes centros urbanos quer as do
interior, para quem estas entidades constituem o único elo de contacto com
a Administração Pública, além de desempenharem um papel importante ao
nível da acção social local, sobretudo as primeiras (Amaral,1990).
A defesa da ideia da importância da freguesia no desenvolvimento
das comunidades locais e no potenciar da participação democrática dos
cidadãos na vida colectiva foi igualmente corroborada por Jorge Miranda
(1990:87) ao afirmar que o legislador não tem aproveitado as virtualidades
constitucionais da freguesia, antes pelo contrário, pois a realidade tem
demonstrado que “(...) especialmente nas freguesias correspondentes a
vilas, que não são sedes de concelho, e em algumas freguesias das
grandes cidades, tem-se verificado um forte dinamismo local e uma
importantíssima contribuição das freguesias para a melhoria da qualidade
de vida das pessoas desde a habitação às vias de comunicação, desde a
cultura aos lazeres".
A realidade tem vindo a demonstrar , que apesar de as freguesias
terem a mesma dignidade constitucional que o município, estas acabam por
ser tratadas como autarquias menores, ”As freguesias sempre foram e
continuam a ser o enteado da nossa Administração Pública, subordinadas a
um regime jurídico equívoco que, de iure, consagra a sua independência e
autonomia, mas que de facto, as impossibilita de desenvolverem qualquer
política local.” (Montalvo, 1992: 435).
A legislação autárquica tem vindo a tratar de igual modo as pequenas
freguesias rurais e as grandes freguesias urbanas, o que não tem permitido
o reforço da capacidade administrativa da autarquia-freguesia, dado que os
contextos sociais, culturais são bastante diferenciados, o que decorre
essencialmente do processo de urbanização, que em algumas áreas do
nosso país progrediu de uma forma bastante acelerada, sobretudo a partir
da década de sessenta.
Como poderemos verificar mais adiante, observam-se grandes
disparidades entre as freguesias, em termos de áreas e em número de
eleitores, pelo que existe um conjunto bastante significativo de freguesias
em franca expansão urbano-demográfica, sobretudo nas áreas
metropolitanas e, que têm um número mais elevado de eleitores do que
muito dos municípios e apesar disso detêm o mesmo conjunto de
competências do que as freguesias com apenas cem eleitores, pelo que
como defende Montalvo (1992:588) ”(...) o seu estatuto deveria reflectir a
diversidade existente entre elas".
Esta foi também a posição assumida de Sousa Franco ao afirmar que
”(...) falar de freguesia, fala-se de realidades sociológicas, geográficas e
demográficas muito diversificadas, cujo tratamento uniforme, se não for
impossível, carece ao menos de estudo profundo e ponderação cuidada”
(Franco,1990: 80).
A situação descrita deve-se em grande parte ao modelo de criação
das freguesias civis que no século XIX, seguiu a divisão territorial
estabelecida para as paróquias eclesiásticas, que entretanto sofreram
mudanças na sua divisão geográfica e, também ao crescimento acentuado
do número de novas freguesias, nas últimas duas décadas, sem que isso
tenha correspondido a uma reforma planeada da divisão administrativa do
país.
Alguns sinais de mudança na situação observada começaram-se a
fazer sentir, nos últimos anos, designadamente: a possibilidade de as
freguesias receberem directamente do Orçamento do Estado as verbas
referentes á sua participação nas receitas do F.E.F 1; o aumento do
financiamento; a instituição de um regime de cooperação entre as
freguesias e o Estado; a fixação de um regime de permanência ao exercício
do mandato dos membros das juntas de freguesia; o reconhecimento da
Anafre como parceiro social; a possibilidade legal das freguesias se
associarem e o alargamento, ainda que tímido, das competências próprias.
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Actualmente tem a designação de Fundo Financeiro das Freguesias.
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A tipologia de áreas urbanas foi aprovada pela 158ª deliberação do Conselho Nacional
de Estatística em 3 de Julho de 1998 e publicada no Diário da República n.º 210 II Série, de
11 de Setembro de 1998.
30 000 eleitores; 3 – entre 5 001 e 20 000 eleitores; 4 – entre 1 001 e 5 000
eleitores; 5 – entre 201 e 1000 eleitores; 6 – menor ou igual a 200 eleitores.
A distribuição das freguesias pelas diferentes classes faz-se de
acordo com o quadro n.º 1. Da sua leitura podemos concluir que mais de
metade (55,5%) têm menos de mil eleitores, sendo a classe mais numerosa
a classe 5 e a menos numerosa é a classe 1.Verifica-se a existência de uma
grande disparidade nesta categoria de autarquias, em termos de número de
eleitores.
0-1000 104 2,58% 520 12,88% 1632 40,43% 5 0,12% 2261 56,01%
1001-5000 531 13,15% 525 13,00% 366 9,09% 13 0,32% 1435 35,57%
5001-2000
281 6,96% 0 0,00% 1 0,00% 16 0,40% 298 7,38%
0
>20000 43 1,07% 0 0,00% 0 0,00% 0 0,00% 43 1,07%
total 959 23,76% 1045 25,89% 1999 49,52% 34 0,84% 4037 100,00%
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Este quadro foi construído com base no cruzamento dos resultados do recenseamento
eleitoral do ano de 1997 das freguesias do continente num total de 4037, e dos relativos á
tipologia de áreas urbanas. Criamos quatro classes de eleitores: classe 1 menos de mil
eleitores, classe 2, entre 101 e 5000, classe 3 entre 5001 e 20000 e classe 4 com mais de
vinte mil eleitores. A coluna não sabe/ não responde (NS/NR) refere-se às freguesias a que
não foi atribuída qualquer nível daquela tipologia.
Quadro n.º 5 – Número de eleitores do continente
por tipologia de áreas urbanas
Tipologias APU AMU APR NS/NR Total
fr fr fr fr fr
Inscritos fi fi fi fi fi
(%) (%) (%) (%) (%)
111928
0-1000 71292 0,88 314968 3,90 728083 9,01 4937 0,06 13,86
0
1001-500 133801 288993
16,57 964181 11,94 557447 6,97 30286 0,37 35,78
0 6 0
5000-200 262881 279548
32,55 0 0 5129 0,06 161536 2,00 34,61
00 5 0
127172 127172
>20000 15,75 0 0 0 0 0 0 15,75
7 7
530985 127914 129065 807641
total 65,75 15,84 15,98 196759 2,44 100
0 9 9 7
0 -1000 1306 32,35% 667 16,52% 124 3,07% 148 3,67% 16 0,40% 2261 56,01%
1001 –
618 15,31% 398 9,86% 237 5,87% 132 3,27% 51 1,26% 1436 35,57%
5000
5001 -
89 2,20% 41 1,02% 138 3,42% 14 0,35% 15 0,37% 297 7,36%
-20000
>20000 11 0,27% 3 0,07% 27 0,67% 0 0,00% 2 0,05% 43 1,07%
Total 2024 50,14% 1109 27,47% 526 13,03% 294 7,28% 84 2,08% 4037 100,00%
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Ver as moções de estratégia dos V, VI e VII Congressos da ANAFRE realizados
respectivamente nos anos de 1996, 1998 e 2000.
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Lei 23/97 de 2 de Julho, lei 159/99 de 14 de Setembro e lei 169/99 de 18 de Setembro.
como estarão em melhores condições de congregar com maior eficácia as
sinergias locais com vista à promoção do bem-estar social. Neste sentido
poder-se-ia também corpo à descentralização da actividade do Estado como
uma das tarefas fundamentais do exercício do poder local e da participação
das populações na vida das comunidades locais. Como defende Cândido de
Oliveira (1993), a freguesia encontra-se em melhores condições do que o
município, para ser a primeira escola da democracia, o que se deve à
existência de uma maior proximidade mais próximo entre os cidadãos e os
órgãos do poder público.
Os constrangimentos já referidos associados à fraca capacidade
financeira das freguesias, leva a que actividade destas seja muitas vezes
residual e, se situe excessivamente na complementaridade da acção dos
municípios. Assim, como sublinha Carvalho (1996:507) “Sendo este o
cenário de constrangimento em que as Freguesias se movimentam, poder-
-se-ia colocar a questão: qual o interesse em manter uma estrutura do poder
local – as freguesias – cujas competências são tão exíguas e sem qualquer
possibilidade de granjear os meios financeiros minimamente necessários ,
para ter uma actuação independente? Ou seja, qual o interesse em manter
as Freguesias se estas não forem dotadas de atribuições e competências
mais amplas e dos correspondentes recursos para as desenvolver?”.
A situação que temos estado a descrever, tem vindo a sofrer, nos
últimos anos alterações no sentido de reforço da capacidade administrativa
das freguesias e um dos primeiros passos foi a aprovação da lei 23 /97 de 2
de Julho, sobre atribuições e competências das freguesias. As atribuições
que as freguesias passaram a dispor segundo este novo diploma, são as
que já estavam previstas no dec. lei 100/84 de 29 de Março e em outra
legislação ordinária e nomeadamente nos seguintes domínios:
abastecimento público; salubridade; cuidados primários de saúde; infância;
acção social; cultura tempos livres e desporto; ambiente; segurança e
ordenamento urbano e rural.
As competências próprias da junta de freguesia elencadas no
naquele diploma, eram as seguintes: gestão, conservação e limpeza de
balneários, lavadouros, sanitários, parques infantis, cemitérios, chafarizes e
fontanários e abrigos de passageiros não concessionados a empresas, bem
como o material de limpeza e de expediente das escolas primárias e pré-
-primárias (Art.º n.º 4 n.º 1).
Competia ainda, aquele órgão autárquico: a participação nos
Conselhos Municipais de Segurança, no processo de elaboração dos planos
municipais de ordenamento do território, bem como colaborar no inquérito
público e facultar a consulta dos mesmos aos interessados e ainda
colaborar com os sistemas locais de protecção civil, aprovar projectos de
loteamento urbano respeitantes a terrenos integrados no seu domínio
patrimonial, pronunciar-se, sempre que tal for solicitado pelo Município,
sobre projectos de construção e ocupação da via pública, bem como o
licenciamento de canídeos, a regulação da apascentação de gados e a
passagem dos atestados previstos na lei.
A lei enumerava a titulo exemplificativo um conjunto de competências
que poderiam ser delegadas às freguesias, desde que acompanhadas dos
respectivos meios financeiros e incluídas no plano de actividades e no
orçamento do município (Art.º 6 n.º 1). Neste diploma foi também definido
que as verbas provenientes do Fundo de Equilíbrio Financeiro passavam
para o limite mínimo de 15% nos termos da Lei das Finanças Locais e da
Lei do Orçamento do Estado, bem como pela primeira vez era consagrado o
direito do acesso ao crédito por parte das freguesias (Artºs 10ª e 11º).
O direito de associação passa a ser reconhecido às freguesias, bem
como ganha forma de disposição legislativa o estabelecimento de formas de
cooperação com entidades públicas ou privadas, no âmbito das suas
atribuições, o que na prática já muitas juntas de freguesias o vinham
fazendo. A titulo de exemplo podemos referir a participação de juntas de
freguesia, desde há vários anos, sobretudo a partir do meio da década de
oitenta, como sócias fundadoras de instituições de solidariedade social, de
agências de desenvolvimento local e, como entidades promotoras ou
parceiras em projectos de desenvolvimento comunitário.
Apesar de considerar que lei 23/97 de 2 de Julho, correspondeu a
uma conquista sua, a estrutura representativa das freguesias veio defender
mais tarde, nas conclusões do seu VI Congresso realizado em 1998, a
revogação deste diploma, devido às múltiplas interrogações e dúvidas
legislativas e, funcionais levantadas com a sua execução e que levaram
muitos municípios a deixarem delegar competências nas freguesias, uma
vez que entendiam que elas passaram a constituir competências próprias
das.
Em 1999, foram aprovadas dois novos diplomas legislativos para as
autarquias locais, a lei 159/99 de 14 de Setembro que estabelece o quadro
de transferências de atribuições e competências para as autarquias locais,
que revogou o decreto-lei 77/84 de 8 de Março e a lei 169/99 de 18 de
Setembro (Lei das Autarquias Locais) que veio estabelecer o quadro de
competências, assim como o regime jurídico de funcionamento, dos órgãos
dos municípios e das freguesias e que revogou os decretos-lei n.º 100/84 de
29 de Março, a Lei n.º 23/97 de 2 de Julho, a Lei n.º 17/99 de 25 de Março e
a Lei 96/99 de 17 de Julho9.
Passaremos a apresentar de um modo sistematizado aqueles
diplomas legais, no que dizem respeito ás freguesias. No que se refere ao
primeiro (Lei n.º 159/99), além de estabelecer o quadro de transferências de
atribuições e competências para as autarquias locais, veio delimitar a
intervenção da administração central e da administração local,
concretizando os princípios da descentralização administrativa e da
autonomia do poder local (Art.º 1º). Nos princípios gerais (Art.º 2º)
consagram-se alguns dos que devem fazer parte integrante da
descentralização administrativa, como o reforço da coesão nacional, a
solidariedade inter-regional, a eficácia da gestão pública, o principio da
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Foram igualmente revogados o artº8 do decreto-lei n.º 116/84 de 6 de Abril, o art.º 27 do
decreto-lei 45 248 de 16 de Setembro de 1963, os artigos 1º a 4º da lei 11796 de 18 de Abril,
os artigos 99º, 102º e 104º do Código Administrativo e as referências feitas na lei n.º 16/96
revogadas, são consideradas como feitas para as disposições correspondentes desta lei
(art.º 100).
subsidariedade, da coordenação das intervenções entre a administração
central e a administração local (Costa, 1999). Neste mesmo artigo no seu
número dois, é referido que os poderes a conceder aos órgãos das
autarquias locais lhes permitirão actuar em diversas vertentes, e que podem
ser de natureza consultiva, de planeamento, de gestão de investimento, de
fiscalização e, de licenciamento.
A transferência de atribuições e competências efectua-se para
autarquia local, que de acordo com a sua natureza, se mostre mais
adequada ao exercício da competência em causa e deve ser acompanhada
dos meios humanos, dos recursos financeiros adequados (Artº3) Neste
artigo consagra-se o princípio da subsidariedade, que aliás corresponde ao
que está previsto na Carta Europeia da Autonomia Local (CEAL), ”o
exercício das actividades públicas deve caber de uma forma geral e de
preferência ás autoridades mais próximas dos cidadãos” (Art.º 1º n.º 2). A
ANAFRE desde o seu I Congresso que vinha solicitando a transposição
deste principio para a nossa legislação autárquica, na defesa da ideia de ”
(...) que existe um conjunto de actividades que poderiam ser realizadas de
forma mais eficiente e de modo mais rentável e económico pelas freguesias
do que pelos municípios” (ANAFRE, 1990: 97). Esta ideia fundamenta-se no
facto de as primeiras estarem mais próximos das necessidades locais, pelo
que têm uma maior facilidade em mobilizar os recursos da comunidade para
a realização de obras de interesse local. Naquele artigo da lei é também
aberta a possibilidade de serem transferidas directamente competências da
administração central para as freguesias. O que também corresponde a
uma aspiração daquela associação, segundo a qual as competências
delegadas "não deverão ficar confinadas ao Município mas também ao
Estado” (Jornal das Freguesias n.º 2,1996: 3).
A concretização das novas competências estabelecidas no Capitulo III
desta lei quadro, será concretizado de uma forma gradual para os
municípios num período de quatro anos (Art.º 4º). A lei não se refere aqui
concretamente às freguesias, apesar de no n.º 3 do mesmo artigo se referir
que o montante das transferências financeiras serão anualmente fixadas no
Orçamento de Estado.
Quanto à natureza das atribuições e competências transferidas
(Artº6º), estas "(...) são tendencialmente universais, podendo, no entanto,
assumir a natureza de não universais". Este artigo refere apenas os
municípios como objecto da transferência de atribuições e competências, no
entanto, segundo Ribeiro da Costa (1999:22) ”(...) deve considerar-se, quer
pela inserção do dispositivo, quer pelos princípios que enformadores do
diploma, que as freguesias também são destinatárias do processo de
descentralização administrativa". Este artigo, de acordo com a interpretação
atrás citada, deixa em aberto a possibilidade, para acabar gradualmente
com o estatuto de uniformidade que tem penalizado sobretudo as freguesias
rurais distantes da sede do concelho, que são as mais desprovidas de
recursos e, como tal muito solicitadas para fazer face ás necessidades
sentidas pelos cidadãos e, por outro lado não permite a potencializar a
capacidade instalada de conhecimento/experiência e, organização das
grandes freguesias urbanas.
No artigo 8º prevê-se a possibilidade do estabelecimento de parcerias
entre a administração central e as autarquias locais, sem prejuízo das suas
competências próprias com o objectivo da melhor prossecução do interesse
público. No n.º 2 daquele artigo faz somente ao referência ao exercício de
competências municipais, mas na opinião do autor supracitado, ”(...) deve
entender-se que as que as competências das freguesias também podem
ser exercidas em idêntico regime” (Costa, 1999: 24). Refira-se que, mesmo
antes da entrada em vigor desta lei foram celebrados vários acordos de
parceria entre as freguesias e administração central, designadamente na
área da acção social, como por exemplo o atendimento integrado á
população com serviços de segurança social, no âmbito da Acção Social ,
as parcerias estabelecidas no quadro das Comissões Locais de
Acompanhamento do Rendimento Mínimo Garantido, os acordos de
cooperação para gestão e funcionamento de equipamentos sociais
estabelecidos entre os Centros Regionais de Segurança Social e algumas
juntas de freguesias, as unidades de inserção para a vida activa (Univa) e
os clubes de emprego.
No Capitulo II são delimitadas as atribuições dos municípios e das
freguesias, os primeiros dispõem de atribuições nos seguintes domínios:
equipamento rural e urbano; energia; transportes e comunicações;
educação; património, cultura e ciência; tempos livres e desporto;
saúde; acção social; habitação; protecção civil; ambiente e
saneamento básico; defesa do consumidor; promoção do
desenvolvimento; ordenamento do território e urbanismo; polícia
municipal e cooperação externa (Art.º 13º n.º 1). O n.º 2 deste artigo é
prevista a possibilidade da delegação de competências dos municípios nas
freguesias no âmbito das referidas atribuições, mediante protocolo e o seu
exercício deve ser facultado a todas as que nisso tenham interesse. O
legislador quis aqui assegurar a igualdade de tratamento entre todas as
freguesias de um mesmo município, evitando deste modo a eventual
exclusão de alguma, motivada por exemplo por diferenças político-
-partidárias.
No artigo 14º são definidas as atribuições das freguesias nos
seguintes domínios: equipamento rural e urbano; abastecimento
público; educação; cultura desporto e tempos livres e desporto;
cuidados primários de saúde; acção social; protecção social; ambiente
e salubridade; desenvolvimento; ordenamento urbano e rural e
protecção da comunidade.
Estas atribuições e as competências dos respectivos órgãos
abrangem o planeamento, a gestão e a realização de investimentos nos
casos e nos termos previstos na lei (art. 14º n.º 2).
O legislador optou por não definir o conjunto de competências próprias
das freguesias como o fez com os municípios no capítulo III. A solução
adoptada foi a utilização de acordo com art.º 15º n.º 1 "(...) do instrumento
da delegação de competências, mediante protocolo a celebrar com o
município, a freguesia pode realizar investimentos cometidos àquele ou
gerir equipamentos ou serviços municipais".
Importa ainda referir que o próprio diploma legal no seu art.º 32º prevê
a realização de uma primeira avaliação sobre o modo como decorre a
transferência das novas atribuições e competências, até ao final do primeiro
trimestre do ano 2001, que ainda não se encontra concluído. Este processo
de avaliação é da por uma comissão de acompanhamento constituída por
um representante do ministério de tutela das autarquias locais, um
representante por cada ministério da tutela das competências a transferir e
um representante de cada uma das associações nacionais representativas
de ambas as categorias de autarquias locais. Outros momentos de
avaliação se seguirão no período de quatro anos desde a entrada em vigor
desta lei.
Como aspectos inovadores desta lei podemos referir a possibilidade
dela poder vir a conferir mais autonomia à actividade das freguesias, desde
que sejam concretizado o principio da subsidariedade e de formalizadas
situações, que na prática já se vêm a suceder com a parceria entre estas e
os organismos e serviços dependentes da administração central. De
qualquer modo, o município continua deter o poder de decidir, de facto,
quais as competências a transferir, mantendo as freguesias como uma
espécie de uma delegação semi-autónoma. Perdeu-se, com a elaboração
desta nova lei, uma oportunidade para atribuir um conjunto de competências
próprias ás freguesias em domínios em que a sua actuação poderia ser
mais eficaz que os municípios, de forma a concretizar uma relação de
complementaridade entre estas duas categorias de autarquias, em
detrimento da continuada dependência da freguesia em relação ao
município. Nesse sentido se pronunciou o VII Congresso da ANAFRE, uma
vez que a moção de estratégia aí aprovada defende a alteração desta lei,
para que esta passe a conferir competências às juntas de freguesia nos
domínios" (...) da educação pré-escolar e primeiro ciclo do ensino básico,
dos tempos livres e desporto, acção social e promoção e desenvolvimento
(ANAFRE,2000).
Passamos de seguida à apresentação da lei 169/99 de 18 de
Setembro, no que se refere às competências que consideramos mais
relevantes dos órgãos da freguesia
No que diz respeito às competências da Junta de Freguesia elas
podem ser próprias ou delegadas (art.º 33º). O legislador arrumou as
competências próprias daquele órgão de em diversas áreas de actuação
(artº34), que passamos a apresentar:
a) área da organização e funcionamento dos serviços e da gestão
corrente – compete-lhe dar execução e fazer cumprir as deliberações
do órgão deliberativo; gerir os serviços e os recursos humanos neles
integrados, instaurar pleitos; administrar e conservar o património da
freguesia; elaborar e manter actualizado o cadastro dos bens e imóveis;
proceder á aquisição e alienação de bens móveis, adquirir, alienar ou
onerar bens imóveis de valor até 200 vezes índice 100 da escala salarial
das carreiras do regime geral do sistema remuneratório da função
pública; alienar bens em hasta pública nos termos previstos na lei;
designar os representantes da freguesia nos órgãos municipais;
proceder á marcação de faltas dos seus membros e á respectiva
justificação.
b) área do planeamento e da gestão financeira – elaborar e submeter á
aprovação do órgão deliberativo as opções do plano, a proposta de
orçamento e as suas revisões e proceder á sua execução, bem como
apresentar á assembleia de freguesia para sua apreciação o relatório de
actividades e a conta de gerência e, remeter ao Tribunal de Contas, nos
termos da lei, as contas da freguesia.
c) área do ordenamento do território e urbanismo – participar no
processo de elaboração dos planos municipais de ordenamento do
território e colaborar no inquérito público do mesmo, nos termos a
acordar com a câmara municipal e facultar a sua consulta pública;
aprovar operações de loteamento de terrenos integrados no domínio
privado do património da freguesia, nos termos da lei; pronunciar-se
sobre projectos de construção e de ocupação da via pública por
solicitação da câmara municipal; executar as obras previstas nas opções
do plano, por empreitada ou administração directa.
d) área dos equipamentos integrados no património da freguesia –
gestão, conservação e limpeza de balneários, lavadouros, sanitários,
parques infantis, cemitérios, chafarizes e fontanários e abrigos de
passageiros não concessionados a empresas gestão, conservação e
limpeza de balneários, lavadouros, sanitários, parques infantis,
cemitérios, chafarizes e fontanários e abrigos de passageiros não
concessionados a empresas.
e) área das relações com outros órgãos autárquicos – formulação de
propostas ao órgão deliberativo, submeter à aprovação daquele
regulamentos e posturas no âmbito das atribuições cometidas à junta,
bem como propor ao mesmo a ratificação da aceitação de delegação de
competências do município.
Referências Bibliográficas
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Legislação
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Lei n.º 79/77, de 25 de Outubro
Decreto-Lei n.º100/84, de 29 de Março
Decreto-Lei n.º 77/84, de 8 de Junho
Decreto-Lei n.º 215, de 30 de Agosto
Lei 23/97, de 2 de Julho
Lei n.º 159/99, de 14 de Setembro
Lei n.º 169/99, de 18 de Setembro
Lei n.º 175/99 de 21 de Setembro