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A actividade das freguesias e o desenvolvimento local:

limites e potencialidades

Artur Manuel Moura Baptista Pereira 

1. Enquadramento Geral
A história da freguesia está associada, nos seus primórdios à
implantação da religião católica em Portugal, aliás a palavra freguesia deriva
de freguês, que por sua vez descende da expressão latina que significa filho
da Igreja.
A freguesia começou essencialmente por ser uma paróquia
eclesiástica, mas além de se constituir como espaço de comunhão espiritual
e religiosa assumiu desde logo importância, como lugar de trocas, partilha
de bens e de relações humanas, marcadas por um forte sentido
comunitário, solidificado pela criação de hábitos e tradições comuns que
vão configurar a existência uma cultura local. A freguesia surge deste modo,
também como um espaço potenciador da satisfação das necessidades da
população, mas só lhe é conferido o estatuto de autarquia local na
sequência da Revolução Liberal.
A separação de poderes entre a Igreja e o Estado, operada a partir da
I República, veio permitir à freguesia assumir plenamente o referido
estatuto.
O Estado Novo colocou as freguesias na dependência dos municípios
e, estes funcionavam mais como uma delegação local do Governo, do que
propriamente como uma pessoa colectiva territorial dotada de órgãos
próprios representativos da população. Ao longo deste período a freguesia
vai ser esvaziada de atribuições, as funções do órgão executivo ficaram
assim praticamente reduzidas à passagem de atestados e ao
recenseamento eleitoral.
A Constituição de 1976 definiu ”(...) as autarquias locais como
pessoas colectivas territoriais dotadas de órgãos representativos, que visam
a prossecução de interesses próprios das populações respectivas.”
(Art.º 237º)
A concepção de autarquia local, no quadro da organização
democrática do Estado, enquadra-se no principio de autonomia das
autarquias locais face ao poder central e da descentralização da
Administração Pública. A consagração constitucional destes princípios
constituiu um passo decisivo para que as autarquias assumissem um papel
de intervenção directa na criação de condições facilitadoras da melhoria da
qualidade de vida das populações.


Licenciado em Serviço Social. Aluno do Mestrado em Administração Pública da
Universidade do Minho.
Assim, a freguesia por ser a autarquia que mais próximo se encontra
da população respectiva e, como tal espaço privilegiado para a participação
desta, na vida colectiva e elemento potenciador da sua identificação e
materializador das suas aspirações, anseios e interesses poderá mais
facilmente contribuir para a resolução de alguns dos problemas, com que a
população se defronta no quotidiano. Nesta perspectiva também se situa
actualmente, Freitas do Amaral (1994:441) ao considerar que, no passado
tinha apresentado uma “(...) visão pessimista e redutora da freguesia no
nosso sistema de administração local autárquica, que estava visivelmente
influenciada pela constante diminuição de atribuições e recursos das
freguesias no Estado Novo”. Anteriormente este autor considerava que a
importância das freguesias era muito reduzida, pelo que as encarava como
”(...) unidades administrativas que arrastam penosamente uma vida difícil,
quase somente feita de boas vontades e dedicação cívica” (Amaral, 1986:
516). Perspectivava-lhes um futuro difícil, sugerindo mesmo que mais tarde
ou mais cedo teria de se colocar o problema da sua sobrevivência.
Acrescentava ainda que esta questão se tornava mais pertinente, dada a
existência uma dificuldade suplementar, que era a de encontrar uma grande
quantidade de cidadãos disponíveis e capazes de assumirem a gestão
desta categoria de autarquias locais.
A mudança de opinião que veio posteriormente a assumir deveu-se à
possibilidade que teve em conhecer, no exercício de funções político-
-partidárias, a actividade quotidiana desenvolvida pelas mesmas, em favor
das populações respectivas, quer a dos grandes centros urbanos quer as do
interior, para quem estas entidades constituem o único elo de contacto com
a Administração Pública, além de desempenharem um papel importante ao
nível da acção social local, sobretudo as primeiras (Amaral,1990).
A defesa da ideia da importância da freguesia no desenvolvimento
das comunidades locais e no potenciar da participação democrática dos
cidadãos na vida colectiva foi igualmente corroborada por Jorge Miranda
(1990:87) ao afirmar que o legislador não tem aproveitado as virtualidades
constitucionais da freguesia, antes pelo contrário, pois a realidade tem
demonstrado que “(...) especialmente nas freguesias correspondentes a
vilas, que não são sedes de concelho, e em algumas freguesias das
grandes cidades, tem-se verificado um forte dinamismo local e uma
importantíssima contribuição das freguesias para a melhoria da qualidade
de vida das pessoas desde a habitação às vias de comunicação, desde a
cultura aos lazeres".
A realidade tem vindo a demonstrar , que apesar de as freguesias
terem a mesma dignidade constitucional que o município, estas acabam por
ser tratadas como autarquias menores, ”As freguesias sempre foram e
continuam a ser o enteado da nossa Administração Pública, subordinadas a
um regime jurídico equívoco que, de iure, consagra a sua independência e
autonomia, mas que de facto, as impossibilita de desenvolverem qualquer
política local.” (Montalvo, 1992: 435).
A legislação autárquica tem vindo a tratar de igual modo as pequenas
freguesias rurais e as grandes freguesias urbanas, o que não tem permitido
o reforço da capacidade administrativa da autarquia-freguesia, dado que os
contextos sociais, culturais são bastante diferenciados, o que decorre
essencialmente do processo de urbanização, que em algumas áreas do
nosso país progrediu de uma forma bastante acelerada, sobretudo a partir
da década de sessenta.
Como poderemos verificar mais adiante, observam-se grandes
disparidades entre as freguesias, em termos de áreas e em número de
eleitores, pelo que existe um conjunto bastante significativo de freguesias
em franca expansão urbano-demográfica, sobretudo nas áreas
metropolitanas e, que têm um número mais elevado de eleitores do que
muito dos municípios e apesar disso detêm o mesmo conjunto de
competências do que as freguesias com apenas cem eleitores, pelo que
como defende Montalvo (1992:588) ”(...) o seu estatuto deveria reflectir a
diversidade existente entre elas".
Esta foi também a posição assumida de Sousa Franco ao afirmar que
”(...) falar de freguesia, fala-se de realidades sociológicas, geográficas e
demográficas muito diversificadas, cujo tratamento uniforme, se não for
impossível, carece ao menos de estudo profundo e ponderação cuidada”
(Franco,1990: 80).
A situação descrita deve-se em grande parte ao modelo de criação
das freguesias civis que no século XIX, seguiu a divisão territorial
estabelecida para as paróquias eclesiásticas, que entretanto sofreram
mudanças na sua divisão geográfica e, também ao crescimento acentuado
do número de novas freguesias, nas últimas duas décadas, sem que isso
tenha correspondido a uma reforma planeada da divisão administrativa do
país.
Alguns sinais de mudança na situação observada começaram-se a
fazer sentir, nos últimos anos, designadamente: a possibilidade de as
freguesias receberem directamente do Orçamento do Estado as verbas
referentes á sua participação nas receitas do F.E.F 1; o aumento do
financiamento; a instituição de um regime de cooperação entre as
freguesias e o Estado; a fixação de um regime de permanência ao exercício
do mandato dos membros das juntas de freguesia; o reconhecimento da
Anafre como parceiro social; a possibilidade legal das freguesias se
associarem e o alargamento, ainda que tímido, das competências próprias.

2. Caracterização genérica das freguesias portuguesas


A presente caracterização assenta na análise e tratamento dos
resultados do recenseamento eleitoral do ano de 1997 e da tipologia das
áreas urbanas2, aprovada pelo Conselho Superior de Estatística em 1998.
No território português existem 4241 freguesias e que de acordo com
o art.º 5º do decreto-lei n.º 169/99 de 18 de Setembro as podemos agrupar
em seis classes, a saber: 1 – mais de 30 000 eleitores; 2 – entre 20 001 e

1
Actualmente tem a designação de Fundo Financeiro das Freguesias.
2
A tipologia de áreas urbanas foi aprovada pela 158ª deliberação do Conselho Nacional
de Estatística em 3 de Julho de 1998 e publicada no Diário da República n.º 210 II Série, de
11 de Setembro de 1998.
30 000 eleitores; 3 – entre 5 001 e 20 000 eleitores; 4 – entre 1 001 e 5 000
eleitores; 5 – entre 201 e 1000 eleitores; 6 – menor ou igual a 200 eleitores.
A distribuição das freguesias pelas diferentes classes faz-se de
acordo com o quadro n.º 1. Da sua leitura podemos concluir que mais de
metade (55,5%) têm menos de mil eleitores, sendo a classe mais numerosa
a classe 5 e a menos numerosa é a classe 1.Verifica-se a existência de uma
grande disparidade nesta categoria de autarquias, em termos de número de
eleitores.

Quadro n.º 1 – Distribuição das freguesias por classes


(art.5º do decreto-lei 100/84 de 29 de Março)
N.º de
N.º de freg. classe/
Classes de freguesias freguesias
Total freg.
por classe
Mais de 30 000 eleitores 19 0.4 %
20 001 a 30 0000 eleitores 24 0.6%
5001 a 20 000 eleitores 315 7.4%
1001 a 5000 eleitores 1528 36%
201 a 1000 eleitores 2116 49.9%
200 ou menos eleitores 239 5.6 %
Total 4241 100%
Fonte: STAPE,1997

A distribuição das 4241 freguesias pelo território nacional é seguinte:


Região Norte, 2024, que corresponde a 47,72% do total; Região Centro,
1109 (26,15%); Região de Lisboa e Vale do Tejo, 526 (12,40%); Região
Alentejo. 294 (6,93%); Região Algarve, 84 (1,98); Região Autónoma dos
Açores, 150 (3,54%) e Região Autónoma da Madeira, 54 (1,27%).
O Conselho Superior de Estatística estabeleceu em 1998, a tipologia
de áreas urbanas3 , que é constituída, por três níveis a saber:
– Áreas Predominantemente Urbanas (APU).
São as seguintes as situações que integram este nível: freguesias
urbanas4; freguesias semi-urbanas5, incluídas na área urbana, segundo
orientações e critérios de funcionalidade e planeamento; freguesias semi-
-urbanas; constituindo por si só áreas predominantemente urbanas segundo
orientações e critérios de funcionalidade e planeamento; freguesias sedes
de Concelho com população residente superior a 5.000 habitantes.
– Áreas Mediamente Urbanas (AMU).
Este nível é integrado pelas seguintes situações: Freguesias semi-
-urbanas, não incluídas na área predominantemente urbana; freguesias
sedes de Concelho não incluídas na área predominantemente urbana.
– Áreas Predominantemente Rurais (APR).
Os restantes casos. (INE,1999:13)

A distribuição das freguesias do Continente pelos diferentes níveis de


tipologia de áreas urbanas faz-se de acordo, com o quadro que a seguir se
apresenta.

Quadro n.º 3 – Distribuição das freguesias pelos diferentes níveis


da tipologia de áreas urbanas
N.º Freg./N.º Área Pop. Resid./Pop.
Classificação N.º Freg. Pop. Resid.
Freg. Total (Km2) Resid. Total
APU 961 24% 16366,73 63761159 68%
AMU 1044 26% 16562.92 1542715 16%
APR 2000 50% 55867.72 1457052 16%
TOTAL 4005 100% 88797.37 9375926 100%
Fonte: INE; 1999

A leitura deste quadro permite-nos confirmar a tendência de


crescimento das áreas urbanas no país que se tem vindo a fazer sentir
3
Este documento foi elaborado em conjunto pelo Instituto Nacional de Estatística (INE) e
pela Direcção Geral do Ordenamento do Território e Desenvolvimento Urbano e, abrangeu
as freguesias existentes á data do Censo de 91 e não incluiu os dados relativos ás
freguesias das Regiões Autónomas dos Açores e da Madeira.
4
o conceito de freguesias urbanas integra as que possuam densidade populacional
superior a 500 hab./Km2 ou que integrem um lugar com população residente superior ou
igual a 5.000 habitantes (INE,1996).
5
O conceito de freguesias semi-urbanas integra as não urbanas que possuam uma
densidade populacional superior a 100hab./Km2 e inferior ou igual 500 hab/Km 2 ou que
integrem um lugar com população superior ou igual a 2000 habitantes e inferior a 5000
habitantes (INE,1996).
sobretudo a partir dos finais da década de sessenta. Nas áreas
predominantemente urbanas (APU) reside 68% do total da população do
continente que ocupa 18% da área geográfica total, enquanto nas áreas
predominantemente rurais (APR) o número de habitantes representa 16%
do total da população do continente e a área geográfica ocupada é de 63%.
Estes valores indiciam a existência de freguesias densamente povoadas,
nas áreas urbanas, sobretudo nos grandes centros urbanos e de
desertificação populacional num conjunto muito significativo de freguesias
que ocupam uma área geográfica considerável.
O quadro seguinte permite-nos complementar o anterior e refere-se à
distribuição das freguesias por classes de eleitores e tipologias de áreas
urbanas.6

Quadro n.º 4 – Freguesias por classes de inscritos


e tipologias de áreas urbanas
Áreas APU AMU APR NS/NR Total
Inscritos fi fr fi fr fi fr fi fr fi fr

0-1000 104 2,58% 520 12,88% 1632 40,43% 5 0,12% 2261 56,01%

1001-5000 531 13,15% 525 13,00% 366 9,09% 13 0,32% 1435 35,57%
5001-2000
281 6,96% 0 0,00% 1 0,00% 16 0,40% 298 7,38%
0
>20000 43 1,07% 0 0,00% 0 0,00% 0 0,00% 43 1,07%

total 959 23,76% 1045 25,89% 1999 49,52% 34 0,84% 4037 100,00%

Assim podemos verificar 56,01% das freguesias pertence à classe 1 e,


que nesta a maioria das freguesias são do tipo APR o que corresponde a
72,1% do total da classe e só 4,56% pertencem ao tipo APU.
No que se refere à classe 2, a distribuição no interior da mesma é
mais homogénea, contudo o número de freguesias não urbanas é bastante
reduzido em termos proporcionais, como podemos observar pelos seguintes
resultados, 36,9% são do tipo APU, 36,5% do tipo AMU e 26,6% do tipo
APR. Registe-se que nas classes 3 e 4 não foi detectada, a existência de
qualquer freguesia do tipo AMU, e só uma do tipo APR na classe 3, pelo
que as mesmas são quase exclusivamente constituídas pelas freguesias do
tipo APU, num total de 324 freguesias e das quais, 203 pertencem às áreas
metropolitanas de Lisboa e do Porto, ou seja 62.5% do total da freguesias
do Continente com mais de 5000 eleitores.

6
Este quadro foi construído com base no cruzamento dos resultados do recenseamento
eleitoral do ano de 1997 das freguesias do continente num total de 4037, e dos relativos á
tipologia de áreas urbanas. Criamos quatro classes de eleitores: classe 1 menos de mil
eleitores, classe 2, entre 101 e 5000, classe 3 entre 5001 e 20000 e classe 4 com mais de
vinte mil eleitores. A coluna não sabe/ não responde (NS/NR) refere-se às freguesias a que
não foi atribuída qualquer nível daquela tipologia.
Quadro n.º 5 – Número de eleitores do continente
por tipologia de áreas urbanas
Tipologias APU AMU APR NS/NR Total
fr fr fr fr fr
Inscritos fi fi fi fi fi
(%) (%) (%) (%) (%)
111928
0-1000 71292 0,88 314968 3,90 728083 9,01 4937 0,06 13,86
0
1001-500 133801 288993
16,57 964181 11,94 557447 6,97 30286 0,37 35,78
0 6 0
5000-200 262881 279548
32,55 0 0 5129 0,06 161536 2,00 34,61
00 5 0
127172 127172
>20000 15,75 0 0 0 0 0 0 15,75
7 7
530985 127914 129065 807641
total 65,75 15,84 15,98 196759 2,44 100
0 9 9 7

A análise conjunta dos dois quadros anteriores, possibilita-nos


consolidar a ideia da diversidade das características demográficas entre as
freguesias do continente. Deste modo podemos observar que: a classe de
eleitores 1, integra 2261 (56,1%) freguesias, o que representa 13,86% dos
eleitores; a classe 2 a que pertencem 1436 (35,57%) freguesias tem uma
representatividade em relação ao total de eleitores do continente de
35,78%; a classe 3 a que pertencem 298 (7,38%) freguesias representa em
termos do total de eleitores 34,61%, enquanto a classe 4, a que menor
número de freguesias integra, mas são as mais densamente povoadas, 43
(1,07%), detêm 15,75% dos eleitores.
A distribuição regional das classes de eleitores pelas freguesias do
continente, pode ser observada no quadro seguinte.

Quadro n.º 6 – Freguesias por classes de eleitores e regiões do


continente
Áreas Norte Centro LVT Alentejo Algarve total
Inscritos fi fr fi fr fi fr fi fr fi Fr fi fr

0 -1000 1306 32,35% 667 16,52% 124 3,07% 148 3,67% 16 0,40% 2261 56,01%
1001 –
618 15,31% 398 9,86% 237 5,87% 132 3,27% 51 1,26% 1436 35,57%
5000
5001 -
89 2,20% 41 1,02% 138 3,42% 14 0,35% 15 0,37% 297 7,36%
-20000
>20000 11 0,27% 3 0,07% 27 0,67% 0 0,00% 2 0,05% 43 1,07%

Total 2024 50,14% 1109 27,47% 526 13,03% 294 7,28% 84 2,08% 4037 100,00%

3. As atribuições das freguesias e as competências das juntas de


freguesia
A primeira Lei das Autarquias Locais (lei n.º 79/77 de 25 de Outubro)
deu suporte ao funcionamento dos órgãos que já tinham sido objecto de
eleição democrática e, conferiu ás autarquias locais as seguintes
atribuições: a administração de bens próprios sob a sua jurisdição; o
fomento; o abastecimento público; a cultura e assistência; de
salubridade pública. A própria lei previa a sua revisão passado um ano, o
que só veio acontecer seis anos depois, pelo decreto-lei 100/84 de 29 de
Março,
Este diploma legal manteve a uniformidade de atribuições para as
freguesias e os municípios, e, radicavam numa cláusula geral, em que era
reconhecida às autarquias locais a plena faculdade de poderem
desempenhar funções que prossigam os interesses próprios das
populações respectivas, disposição que decorria directamente do texto
constitucional.
A lei enumerava a título indicativo, como atribuições das autarquias
locais: o desenvolvimento; a salubridade pública e o saneamento
básico; a saúde; a educação e ensino; a protecção á infância e á
terceira idade; a cultura tempos livres e desporto; a defesa e protecção
do meio ambiente e da qualidade de vida do respectivo agregado
populacional e a protecção civil.
A sua materialização deveria contudo ser feita ”(..) no respeito pelo
principio da unidade do Estado legalmente definido de delimitação e
coordenação de actuações da administração central e local em matéria de
investimento” (Art.º 2º n.º 2). Esta disposição legal acabou por diferenciar a
capacidade de intervenção das freguesias e dos municípios, ao privilegiar
fundamentalmente os últimos. Aquele regime foi consagrado pelo decreto-lei
n.º 77/84 de 8 de Março e colocou as juntas de freguesia em segundo
plano, uma vez que ficaram impedidas de realizar investimentos públicos, a
não ser por via indirecta, ou seja por delegação de competências do
município. Esta situação veio bastante mais tarde em parte a ser alterada,
pelo menos do ponto de vista formal, através do decreto-lei 215/95 de 30 de
Agosto, que tinha por objectivo permitir às freguesias realizar contratos-
-programa com a Administração Central em matéria de investimentos
públicos. Mas na prática não teve até ao momento efeitos práticos, na
medida em que não foi objecto de regulamentação, conforme era
determinando no próprio texto legal.
As freguesias passaram por via daquela legislação ordinária (decreto-
-lei 77/84 de 8 de Março), a ter um estatuto menorizado em relação aos
municípios e ao contrário do texto constitucional que as colocava em plano
de igualdade com estes, de acordo com os princípios da descentralização
administrativa e da autonomia local..
Os municípios tinham assim a possibilidade de realizar investimentos
públicos em sectores como: o saneamento básico, o equipamento urbano, a
energia, os transportes e comunicações, educação e ensino, cultura,
tempos livres e desporto e ordenamento do território.
Tal situação retirou às freguesias a capacidade de poderem executar
uma política local de acordo com as necessidades especificas da população
a quem servem. Com uma capacidade administrativa bastante reduzida,
estas autarquias salvo um conjunto limitado de excepções, limitavam-se à
emissão de atestados e à organização do recenseamento eleitoral e a
servirem de intermediários do município, o que levou alguns autores a
classificá-las como subunidades municipais. Esta situação tem vindo a
sofrer um evolução positiva, ainda que distante das aspirações dos autarcas
de freguesia7.
Apesar de como referem Canotilho et al. (1993:885), ”(...) as relações
entre as diferentes categorias de autarquias serem caracterizadas pela
independência”, isto é de em termos de direito, não existir entre elas
qualquer relação hiérarquica ou órgánico-estrutural, pelo que segundo os
mesmos autores, a actividade da freguesia não deve reduzir-se à realização
de tarefas delegadas pelo Governo ou pelos municípios, uma vez que tal
situação é contraditòria com os principios constiticionais atrás referidos. As
freguesias são autarquias locais como tal não podem ser ”(...)
transformadas em simples órgãos periféricos dos munícipios (nem
obviamente da Administração Central)” (Canotilho et al.,1993: 900).
Rebordão Montalvo, salientou aliás, que ”(...) sem competência em
matérias próprias e, em muitos casos, sem receitas que lhes permitam ir
além do pagamento dos abonos aos membros dos seus órgãos as
freguesias funcionam, como meros serviços administrativos”
(Montalvo,1992: 435).
No mesmo sentido se pronunciou Freitas do Amaral (1990) ao
manifestar a sua opinião desfavorável quanto ao facto de as freguesias não
disporem das competências nem dos recursos que as tornem em
verdadeiras autarquias, em vez de uma dependência excessiva da Câmara
Municipal, pelo que propôs a transferência de competências e de recursos
financeiros, de modo a reforçar a importância das freguesias no quadro do
poder local.
A referida lei das autarquias locais (decreto-lei 100/84 de 29 de
Março) conferia um amplo leque de atribuições às freguesias, mas
acompanhada de um conjunto de competências próprias muito restrito, que
impediam a concretização plena das finalidades supra-referidas pelos seus
órgãos. As freguesias ficaram, deste modo, esvaziadas da capacidade para
prosseguir de uma forma eficaz os interesses próprios das populações
respectivas. Estava-lhe assim vedada, o que ainda se continua a verificar,
apesar das mudanças legislativas8 operadas desde então, a possibilidade
de terem uma participação decisiva em domínios importantes como a
política de gestão e ordenamento do seu território, designadamente na
elaboração e implementação dos planos de ordenamento (planos directores
municipais, planos de urbanização e planos de pormenor) e, na definição
das prioridades de intervenção urbanística (participação na delimitação e
aprovação de áreas de desenvolvimento prioritário e áreas de construção
prioritária), entre outras matérias.
A sua capacidade de intervenção no desenvolvimento sócio-
-económico é reduzida, apesar de terem um potencial, na maioria das vezes
desperdiçado, de actuação neste domínio, uma vez que são as autarquias
que mais próximo estão das populações e, como tal podem deter um maior
conhecimento, através dos seus órgãos, das necessidades locais, bem

7
Ver as moções de estratégia dos V, VI e VII Congressos da ANAFRE realizados
respectivamente nos anos de 1996, 1998 e 2000.
8
Lei 23/97 de 2 de Julho, lei 159/99 de 14 de Setembro e lei 169/99 de 18 de Setembro.
como estarão em melhores condições de congregar com maior eficácia as
sinergias locais com vista à promoção do bem-estar social. Neste sentido
poder-se-ia também corpo à descentralização da actividade do Estado como
uma das tarefas fundamentais do exercício do poder local e da participação
das populações na vida das comunidades locais. Como defende Cândido de
Oliveira (1993), a freguesia encontra-se em melhores condições do que o
município, para ser a primeira escola da democracia, o que se deve à
existência de uma maior proximidade mais próximo entre os cidadãos e os
órgãos do poder público.
Os constrangimentos já referidos associados à fraca capacidade
financeira das freguesias, leva a que actividade destas seja muitas vezes
residual e, se situe excessivamente na complementaridade da acção dos
municípios. Assim, como sublinha Carvalho (1996:507) “Sendo este o
cenário de constrangimento em que as Freguesias se movimentam, poder-
-se-ia colocar a questão: qual o interesse em manter uma estrutura do poder
local – as freguesias – cujas competências são tão exíguas e sem qualquer
possibilidade de granjear os meios financeiros minimamente necessários ,
para ter uma actuação independente? Ou seja, qual o interesse em manter
as Freguesias se estas não forem dotadas de atribuições e competências
mais amplas e dos correspondentes recursos para as desenvolver?”.
A situação que temos estado a descrever, tem vindo a sofrer, nos
últimos anos alterações no sentido de reforço da capacidade administrativa
das freguesias e um dos primeiros passos foi a aprovação da lei 23 /97 de 2
de Julho, sobre atribuições e competências das freguesias. As atribuições
que as freguesias passaram a dispor segundo este novo diploma, são as
que já estavam previstas no dec. lei 100/84 de 29 de Março e em outra
legislação ordinária e nomeadamente nos seguintes domínios:
abastecimento público; salubridade; cuidados primários de saúde; infância;
acção social; cultura tempos livres e desporto; ambiente; segurança e
ordenamento urbano e rural.
As competências próprias da junta de freguesia elencadas no
naquele diploma, eram as seguintes: gestão, conservação e limpeza de
balneários, lavadouros, sanitários, parques infantis, cemitérios, chafarizes e
fontanários e abrigos de passageiros não concessionados a empresas, bem
como o material de limpeza e de expediente das escolas primárias e pré-
-primárias (Art.º n.º 4 n.º 1).
Competia ainda, aquele órgão autárquico: a participação nos
Conselhos Municipais de Segurança, no processo de elaboração dos planos
municipais de ordenamento do território, bem como colaborar no inquérito
público e facultar a consulta dos mesmos aos interessados e ainda
colaborar com os sistemas locais de protecção civil, aprovar projectos de
loteamento urbano respeitantes a terrenos integrados no seu domínio
patrimonial, pronunciar-se, sempre que tal for solicitado pelo Município,
sobre projectos de construção e ocupação da via pública, bem como o
licenciamento de canídeos, a regulação da apascentação de gados e a
passagem dos atestados previstos na lei.
A lei enumerava a titulo exemplificativo um conjunto de competências
que poderiam ser delegadas às freguesias, desde que acompanhadas dos
respectivos meios financeiros e incluídas no plano de actividades e no
orçamento do município (Art.º 6 n.º 1). Neste diploma foi também definido
que as verbas provenientes do Fundo de Equilíbrio Financeiro passavam
para o limite mínimo de 15% nos termos da Lei das Finanças Locais e da
Lei do Orçamento do Estado, bem como pela primeira vez era consagrado o
direito do acesso ao crédito por parte das freguesias (Artºs 10ª e 11º).
O direito de associação passa a ser reconhecido às freguesias, bem
como ganha forma de disposição legislativa o estabelecimento de formas de
cooperação com entidades públicas ou privadas, no âmbito das suas
atribuições, o que na prática já muitas juntas de freguesias o vinham
fazendo. A titulo de exemplo podemos referir a participação de juntas de
freguesia, desde há vários anos, sobretudo a partir do meio da década de
oitenta, como sócias fundadoras de instituições de solidariedade social, de
agências de desenvolvimento local e, como entidades promotoras ou
parceiras em projectos de desenvolvimento comunitário.
Apesar de considerar que lei 23/97 de 2 de Julho, correspondeu a
uma conquista sua, a estrutura representativa das freguesias veio defender
mais tarde, nas conclusões do seu VI Congresso realizado em 1998, a
revogação deste diploma, devido às múltiplas interrogações e dúvidas
legislativas e, funcionais levantadas com a sua execução e que levaram
muitos municípios a deixarem delegar competências nas freguesias, uma
vez que entendiam que elas passaram a constituir competências próprias
das.
Em 1999, foram aprovadas dois novos diplomas legislativos para as
autarquias locais, a lei 159/99 de 14 de Setembro que estabelece o quadro
de transferências de atribuições e competências para as autarquias locais,
que revogou o decreto-lei 77/84 de 8 de Março e a lei 169/99 de 18 de
Setembro (Lei das Autarquias Locais) que veio estabelecer o quadro de
competências, assim como o regime jurídico de funcionamento, dos órgãos
dos municípios e das freguesias e que revogou os decretos-lei n.º 100/84 de
29 de Março, a Lei n.º 23/97 de 2 de Julho, a Lei n.º 17/99 de 25 de Março e
a Lei 96/99 de 17 de Julho9.
Passaremos a apresentar de um modo sistematizado aqueles
diplomas legais, no que dizem respeito ás freguesias. No que se refere ao
primeiro (Lei n.º 159/99), além de estabelecer o quadro de transferências de
atribuições e competências para as autarquias locais, veio delimitar a
intervenção da administração central e da administração local,
concretizando os princípios da descentralização administrativa e da
autonomia do poder local (Art.º 1º). Nos princípios gerais (Art.º 2º)
consagram-se alguns dos que devem fazer parte integrante da
descentralização administrativa, como o reforço da coesão nacional, a
solidariedade inter-regional, a eficácia da gestão pública, o principio da

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Foram igualmente revogados o artº8 do decreto-lei n.º 116/84 de 6 de Abril, o art.º 27 do
decreto-lei 45 248 de 16 de Setembro de 1963, os artigos 1º a 4º da lei 11796 de 18 de Abril,
os artigos 99º, 102º e 104º do Código Administrativo e as referências feitas na lei n.º 16/96
revogadas, são consideradas como feitas para as disposições correspondentes desta lei
(art.º 100).
subsidariedade, da coordenação das intervenções entre a administração
central e a administração local (Costa, 1999). Neste mesmo artigo no seu
número dois, é referido que os poderes a conceder aos órgãos das
autarquias locais lhes permitirão actuar em diversas vertentes, e que podem
ser de natureza consultiva, de planeamento, de gestão de investimento, de
fiscalização e, de licenciamento.
A transferência de atribuições e competências efectua-se para
autarquia local, que de acordo com a sua natureza, se mostre mais
adequada ao exercício da competência em causa e deve ser acompanhada
dos meios humanos, dos recursos financeiros adequados (Artº3) Neste
artigo consagra-se o princípio da subsidariedade, que aliás corresponde ao
que está previsto na Carta Europeia da Autonomia Local (CEAL), ”o
exercício das actividades públicas deve caber de uma forma geral e de
preferência ás autoridades mais próximas dos cidadãos” (Art.º 1º n.º 2). A
ANAFRE desde o seu I Congresso que vinha solicitando a transposição
deste principio para a nossa legislação autárquica, na defesa da ideia de ”
(...) que existe um conjunto de actividades que poderiam ser realizadas de
forma mais eficiente e de modo mais rentável e económico pelas freguesias
do que pelos municípios” (ANAFRE, 1990: 97). Esta ideia fundamenta-se no
facto de as primeiras estarem mais próximos das necessidades locais, pelo
que têm uma maior facilidade em mobilizar os recursos da comunidade para
a realização de obras de interesse local. Naquele artigo da lei é também
aberta a possibilidade de serem transferidas directamente competências da
administração central para as freguesias. O que também corresponde a
uma aspiração daquela associação, segundo a qual as competências
delegadas "não deverão ficar confinadas ao Município mas também ao
Estado” (Jornal das Freguesias n.º 2,1996: 3).
A concretização das novas competências estabelecidas no Capitulo III
desta lei quadro, será concretizado de uma forma gradual para os
municípios num período de quatro anos (Art.º 4º). A lei não se refere aqui
concretamente às freguesias, apesar de no n.º 3 do mesmo artigo se referir
que o montante das transferências financeiras serão anualmente fixadas no
Orçamento de Estado.
Quanto à natureza das atribuições e competências transferidas
(Artº6º), estas "(...) são tendencialmente universais, podendo, no entanto,
assumir a natureza de não universais". Este artigo refere apenas os
municípios como objecto da transferência de atribuições e competências, no
entanto, segundo Ribeiro da Costa (1999:22) ”(...) deve considerar-se, quer
pela inserção do dispositivo, quer pelos princípios que enformadores do
diploma, que as freguesias também são destinatárias do processo de
descentralização administrativa". Este artigo, de acordo com a interpretação
atrás citada, deixa em aberto a possibilidade, para acabar gradualmente
com o estatuto de uniformidade que tem penalizado sobretudo as freguesias
rurais distantes da sede do concelho, que são as mais desprovidas de
recursos e, como tal muito solicitadas para fazer face ás necessidades
sentidas pelos cidadãos e, por outro lado não permite a potencializar a
capacidade instalada de conhecimento/experiência e, organização das
grandes freguesias urbanas.
No artigo 8º prevê-se a possibilidade do estabelecimento de parcerias
entre a administração central e as autarquias locais, sem prejuízo das suas
competências próprias com o objectivo da melhor prossecução do interesse
público. No n.º 2 daquele artigo faz somente ao referência ao exercício de
competências municipais, mas na opinião do autor supracitado, ”(...) deve
entender-se que as que as competências das freguesias também podem
ser exercidas em idêntico regime” (Costa, 1999: 24). Refira-se que, mesmo
antes da entrada em vigor desta lei foram celebrados vários acordos de
parceria entre as freguesias e administração central, designadamente na
área da acção social, como por exemplo o atendimento integrado á
população com serviços de segurança social, no âmbito da Acção Social ,
as parcerias estabelecidas no quadro das Comissões Locais de
Acompanhamento do Rendimento Mínimo Garantido, os acordos de
cooperação para gestão e funcionamento de equipamentos sociais
estabelecidos entre os Centros Regionais de Segurança Social e algumas
juntas de freguesias, as unidades de inserção para a vida activa (Univa) e
os clubes de emprego.
No Capitulo II são delimitadas as atribuições dos municípios e das
freguesias, os primeiros dispõem de atribuições nos seguintes domínios:
equipamento rural e urbano; energia; transportes e comunicações;
educação; património, cultura e ciência; tempos livres e desporto;
saúde; acção social; habitação; protecção civil; ambiente e
saneamento básico; defesa do consumidor; promoção do
desenvolvimento; ordenamento do território e urbanismo; polícia
municipal e cooperação externa (Art.º 13º n.º 1). O n.º 2 deste artigo é
prevista a possibilidade da delegação de competências dos municípios nas
freguesias no âmbito das referidas atribuições, mediante protocolo e o seu
exercício deve ser facultado a todas as que nisso tenham interesse. O
legislador quis aqui assegurar a igualdade de tratamento entre todas as
freguesias de um mesmo município, evitando deste modo a eventual
exclusão de alguma, motivada por exemplo por diferenças político-
-partidárias.
No artigo 14º são definidas as atribuições das freguesias nos
seguintes domínios: equipamento rural e urbano; abastecimento
público; educação; cultura desporto e tempos livres e desporto;
cuidados primários de saúde; acção social; protecção social; ambiente
e salubridade; desenvolvimento; ordenamento urbano e rural e
protecção da comunidade.
Estas atribuições e as competências dos respectivos órgãos
abrangem o planeamento, a gestão e a realização de investimentos nos
casos e nos termos previstos na lei (art. 14º n.º 2).
O legislador optou por não definir o conjunto de competências próprias
das freguesias como o fez com os municípios no capítulo III. A solução
adoptada foi a utilização de acordo com art.º 15º n.º 1 "(...) do instrumento
da delegação de competências, mediante protocolo a celebrar com o
município, a freguesia pode realizar investimentos cometidos àquele ou
gerir equipamentos ou serviços municipais".
Importa ainda referir que o próprio diploma legal no seu art.º 32º prevê
a realização de uma primeira avaliação sobre o modo como decorre a
transferência das novas atribuições e competências, até ao final do primeiro
trimestre do ano 2001, que ainda não se encontra concluído. Este processo
de avaliação é da por uma comissão de acompanhamento constituída por
um representante do ministério de tutela das autarquias locais, um
representante por cada ministério da tutela das competências a transferir e
um representante de cada uma das associações nacionais representativas
de ambas as categorias de autarquias locais. Outros momentos de
avaliação se seguirão no período de quatro anos desde a entrada em vigor
desta lei.
Como aspectos inovadores desta lei podemos referir a possibilidade
dela poder vir a conferir mais autonomia à actividade das freguesias, desde
que sejam concretizado o principio da subsidariedade e de formalizadas
situações, que na prática já se vêm a suceder com a parceria entre estas e
os organismos e serviços dependentes da administração central. De
qualquer modo, o município continua deter o poder de decidir, de facto,
quais as competências a transferir, mantendo as freguesias como uma
espécie de uma delegação semi-autónoma. Perdeu-se, com a elaboração
desta nova lei, uma oportunidade para atribuir um conjunto de competências
próprias ás freguesias em domínios em que a sua actuação poderia ser
mais eficaz que os municípios, de forma a concretizar uma relação de
complementaridade entre estas duas categorias de autarquias, em
detrimento da continuada dependência da freguesia em relação ao
município. Nesse sentido se pronunciou o VII Congresso da ANAFRE, uma
vez que a moção de estratégia aí aprovada defende a alteração desta lei,
para que esta passe a conferir competências às juntas de freguesia nos
domínios" (...) da educação pré-escolar e primeiro ciclo do ensino básico,
dos tempos livres e desporto, acção social e promoção e desenvolvimento
(ANAFRE,2000).
Passamos de seguida à apresentação da lei 169/99 de 18 de
Setembro, no que se refere às competências que consideramos mais
relevantes dos órgãos da freguesia
No que diz respeito às competências da Junta de Freguesia elas
podem ser próprias ou delegadas (art.º 33º). O legislador arrumou as
competências próprias daquele órgão de em diversas áreas de actuação
(artº34), que passamos a apresentar:
a) área da organização e funcionamento dos serviços e da gestão
corrente – compete-lhe dar execução e fazer cumprir as deliberações
do órgão deliberativo; gerir os serviços e os recursos humanos neles
integrados, instaurar pleitos; administrar e conservar o património da
freguesia; elaborar e manter actualizado o cadastro dos bens e imóveis;
proceder á aquisição e alienação de bens móveis, adquirir, alienar ou
onerar bens imóveis de valor até 200 vezes índice 100 da escala salarial
das carreiras do regime geral do sistema remuneratório da função
pública; alienar bens em hasta pública nos termos previstos na lei;
designar os representantes da freguesia nos órgãos municipais;
proceder á marcação de faltas dos seus membros e á respectiva
justificação.
b) área do planeamento e da gestão financeira – elaborar e submeter á
aprovação do órgão deliberativo as opções do plano, a proposta de
orçamento e as suas revisões e proceder á sua execução, bem como
apresentar á assembleia de freguesia para sua apreciação o relatório de
actividades e a conta de gerência e, remeter ao Tribunal de Contas, nos
termos da lei, as contas da freguesia.
c) área do ordenamento do território e urbanismo – participar no
processo de elaboração dos planos municipais de ordenamento do
território e colaborar no inquérito público do mesmo, nos termos a
acordar com a câmara municipal e facultar a sua consulta pública;
aprovar operações de loteamento de terrenos integrados no domínio
privado do património da freguesia, nos termos da lei; pronunciar-se
sobre projectos de construção e de ocupação da via pública por
solicitação da câmara municipal; executar as obras previstas nas opções
do plano, por empreitada ou administração directa.
d) área dos equipamentos integrados no património da freguesia –
gestão, conservação e limpeza de balneários, lavadouros, sanitários,
parques infantis, cemitérios, chafarizes e fontanários e abrigos de
passageiros não concessionados a empresas gestão, conservação e
limpeza de balneários, lavadouros, sanitários, parques infantis,
cemitérios, chafarizes e fontanários e abrigos de passageiros não
concessionados a empresas.
e) área das relações com outros órgãos autárquicos – formulação de
propostas ao órgão deliberativo, submeter à aprovação daquele
regulamentos e posturas no âmbito das atribuições cometidas à junta,
bem como propor ao mesmo a ratificação da aceitação de delegação de
competências do município.

A lei enumera ainda um conjunto extenso de outras competências,


das quais destacamos as que nos parecem mais relevantes e/ ou
inovadoras do ponto de vista formal:
– deliberar sobre as formas de apoio a entidades e organismos com
existência legal com o objectivo da realização de obras e acções de
interesse para a freguesia, bem como à informação e defesa dos cidadãos;
apoiar e comparticipar nas actividades interesse para a autarquia
designadamente as de caracter social, cultural, educativa, desportiva,
recreativa; promover a participação da freguesia em empresas de capitais
públicos de âmbito municipal e dar cumprimento, no que lhe diz respeito ao
Estatuto da Oposição.
As competências próprias previstas neste diploma resultam no
essencial na integração das que já estavam consignadas no artigo 27º do
decreto-lei 100/84 de 29 de Março, na lei 23/97 de 2 de Julho e na lei 24/98
de 26 de Maio (Estatuto do Direito da Oposição) e da adequação ao texto
do artigo 237ª, n.º 2 da Constituição.
Foram também produzidas algumas alterações, que visam permitir o
apoio financeiro às actividades de interesse local promovidas, normalmente
promovidas pelas associações locais. A anterior Lei das Autarquias Locais
era omissa quanto a este aspecto, o que levantou algumas questões sobre
a legalidade de uma prática antiga das juntas que era o da atribuição de
subsídios pecuniários aquelas entidades, como um meio de promover o
desenvolvimento comunitário. Inovador é também o facto de passar ser
competência da junta de freguesia a defesa dos direitos do cidadão,
questão de âmbito muito geral e inclui os direitos fundamentais consagrados
na Constituição, no Código do Procedimento Administrativo e um conjunto
diversificado de legislação específica em várias matérias como defesa do
consumidor, serviços essenciais, direito de petição e reclamação, direito à
qualidade de serviços públicos (Inverno:1999).
O legislador aproveitou também para afinar a linguagem em relação á
lei 23/97 de 2 de Julho, ao precisar no artigo 34º n.º 4 que a junta tem
competências num conjunto de equipamentos aí discriminados, desde que
eles estejam integrados no respectivo património.
No que refere ao elenco das competências delegáveis nas freguesia
por parte do município (art.º 66º), o legislador fez a transposição dos artigos
6º e 7º da lei 23/97 de 2 de Julho, a que já nos referimos anteriormente,
para além de materializar o previsto no artigo 15º da lei 159/99 de 14 de
Setembro (Lei-Quadro de transferência de atribuições e competências paras
as autarquias locais) e, que também já fizemos referência.
Para a ANAFRE (2000:22) a nova lei "(...) constituiu uma revisão
muito superficial da Lei 23/97, diploma considerado inaplicável, controversa
e confusa, com melhorias insignificantes".

4 – A actividade das freguesias – apresentação sumária dos


resultados de um estudo

Apesar de todos os constrangimentos que se têm colocado actividade


da freguesias, estes não impedem a realização, através dos seus órgãos e
com a participação das populações, de um conjunto de actividades
geradoras de desenvolvimento local, conforme procuramos conhecer e
demonstrar, através de um estudo que realizamos em 50 freguesias do
Continente, entre Abril de 1999 e Março de 2000 e, que foram
seleccionadas, com base numa amostra por quotas, onde se reproduziu a
distribuição de certas variáveis importantes tal como existem no universo
em estudo (eleitores; tipologia de áreas urbanas, partido político e região).
Como técnica de recolha de dados utilizamos a entrevista semi-directiva.
Procuramos, designadamente conhecer o modo como as freguesias
intervêm no desempenho efectivo de acções a diferentes níveis:
planeamento e construção de equipamentos; abastecimento público;
saneamento básico; transportes e comunicações; educação e ensino; acção
social; cultura; desporto e tempos livres; saúde; salubridade; e defesa e
protecção do meio ambiente.
Este estudo permitiu-nos enunciar algumas conclusões, ainda que
estas tenham de ser relativizadas, contudo podemos afirmar com alguma
segurança, que as mesmas podem constituir um primeiro retracto
aproximado das funções exercidas por este nível da administração
autárquica.
Passamos à sua apresentação de acordo com os diferentes sectores
de actividade, e que correspondem de um modo geral às atribuições das
autarquias locais:
a) Educação – nesta área existe uma única competência própria
cometida às juntas de freguesia, a do fornecimento do material de
expediente e limpeza às escolas do 1º ciclo do ensino básico e aos
jardins de infância públicos. A mesma era exercida por 74% do total das
freguesias, com predominância em termos relativos para as freguesias
do tipo APU e APR e para classes de eleitores superiores a mil.
Constatamos que a actividade das juntas tem um caracter mais amplo,
sendo significativa a sua intervenção: na realização de pequenas obras
de reparação e manutenção dos estabelecimento de ensino acima
citados, 74% das mesmas o fazem, sobretudo as que integram os tipos
APU e AMU (área mediamente urbana) e em termos de classes a
frequência relativa é maior nas classes com mais de 1000 eleitores; no
apoio financeiro e logístico à realização de actividades escolares nos
mesmos, que é realizado por 84% do total das juntas, que
maioritariamente têm as mesmas características do que as referenciadas
anteriormente; no apoio pontual às actividades desenvolvidas pelos
estabelecimentos do 2º e 3º ciclos e ensino secundário, que é prestado
por 64% das juntas. Com menos significado em termos quantitativos são
de assinalar pelo impacto que as mesmas têm sobre alguns grupos das
respectivas populações; a administração de jardins de infância; a
prestação de serviços de apoio à família no âmbito do pré-escolar; o
apoio ao funcionamento dos cursos de educação de adultos e as
iniciativas promovidas pelas próprias juntas dirigidas aos professores e
alunos sobretudo do pré-escolar e do 1º ciclo. Este tipo de iniciativas são
sobretudo promovidas por juntas dos tipos AMU e APU e com
predominância para as que têm um número de eleitores superior a 5000.
b) Acção Social – Apesar de estar cometida às juntas de freguesia
uma única competência própria de caracter muito genérico, o de apoiar
actividades natureza social, podemos concluir que neste sector a
actividade das mesmas ultrapassa de um modo muito significativo o que
está definido legalmente. Encontramos um conjunto de actividades que é
prosseguido maioritariamente, pelas juntas de freguesia da amostra, que
passamos a enumerar: apoio financeiro e logístico às IPSS e outras
entidades equiparadas, o primeiro é prosseguido por 72% destas
entidades e o segundo por 66%, com idêntica predominância em termos
de características para todos os níveis de tipologias urbanas e, no que
refere à distribuição por classes de eleitores è de destacar que todas as
freguesias da classe 14 prestam este tipo de apoios. A participação nas
Comissões Locais do Rendimento Mínimo Garantido é assumida por
82% das juntas de freguesia, com maior predominância relativa para as
que integram o tipo APU e as classes de eleitores 13 (entre 5000 e
20000 eleitores) e 14; a participação nos núcleos executivos daquelas
comissões é também significativa em termos relativos, uma vez que 30
% das juntas fazem parte (sobretudo as do tipo APU e das classes 13 e
14) daquele órgão responsável pela implementação desta medida de
política social ao nível local; a articulação com os serviços de segurança
social no encaminhamento de situações-problema é realizada por 62%
das juntas. Existe ainda um outro conjunto de actividades que apesar de
ser prosseguidas por grupo minoritário de freguesias, pertencentes na
sua maioria ao tipo APU e com um número de eleitores superior a 5000,
não deixam de ser importantes quer pelo seu caracter inovador, quer
pelo impacto qualitativo que têm sobre grupos específicos da população,
com dificuldades de inserção social sobretudo nos centros de urbanos.
Destacamos, assim as iniciativas de apoio à infância e idosos, a
prestação de apoio técnico especializado às instituições particulares de
solidariedade social (IPSS), a administração de equipamentos sociais, a
participação activa na fundação de IPSS e agências de desenvolvimento
local, a promoção e/ou a participação em programas de intervenção
social comunitária.
c) Cultura – A actividade das juntas de freguesia não se limita ao apoio
ou comparticipação a actividades de interesse nesta área (competência
própria), mas é alargada a outros campos como a promoção de
iniciativas próprias e a administração e gestão de equipamentos
culturais. No que se refere ao apoio ao associativismo local, este inclui
diversas vertentes das quais destacamos a financeira e logística,
relativamente à primeira, 76% das juntas prestam apoio financeiro às
actividades e ao funcionamento das associações, com maior
predominância relativa nas freguesias APU e nas que pertencem às
classes de eleitores 12 (entre 1000 a 5000 eleitores), 13 e 14. No que se
refere à segunda e que consiste nomeadamente na cedência de
materiais e equipamentos, espaços, as juntas que o fazem representam
66% do total da amostra. A promoção de iniciativas culturais é assumida
por 58% das juntas, maioritariamente, em termos relativos, do tipo APU e
com mais de mil eleitores. A administração de equipamentos culturais é
outra das funções que é realizada por 20% das juntas, e que pertencem
predominantemente ao tipo APU e o número de eleitores é na
generalidade superior a 5000.
d) Desporto – Neste sector o tipo de actividades desenvolvidas pelas
juntas da amostra é muito idêntica á prosseguida na cultura. Assim são
82% das mesmas financiam as actividades e o funcionamento das
associações e, 80% prestam-lhes apoio logístico, com maior frequência
relativa para as pertencem tipos AMU e APU e têm mais de mil eleitores.
A promoção de iniciativas próprias é assumida por 38% das juntas com
grande predominância para as do tipo APU e das classes 13 e 14. A
administração de equipamentos desportivos é realizada por estas
entidades 32% das freguesias, com características idênticas às da
função anterior.
e) Habitação – Apesar de não deterem nenhuma competência nesta
área, as juntas por serem as entidades que mais próximo se encontram
da população, têm uma intervenção importante, como interlocutoras junto
das entidades competentes, da administração central e local, sobretudo
as que estão localizadas nos grandes centros urbanos. Assim,
verificamos que 70% das mesmas, com maior predominância para as
dos tipos AMU e APU, procedem ao atendimento/encaminhamento dos
cidadãos com problemas habitacionais para a câmara municipal. Ao
prestarem este serviço as juntas passam a assumir um estatuto de
provedor do cidadão junto dos serviços municipais. Registe-se que 42%
das juntas, maioritariamente dos tipos AMU e APU e cujas freguesias
têm um número de eleitores a 1000, realizam o levantamento dos
problemas habitacionais e que serve muitas vezes como instrumento de
reivindicação junto de outras entidades para a resolução dos problemas
que neste sector afectam as respectivas autarquias. A realização de
pequenas obras de reparação e beneficiação de casas degradadas, a
participação nos processos de realojamento e na gestão de bairros de
habitação social, são outras das actividades prosseguidas normalmente
em parceria ou por delegação de competências da câmara municipal,
ainda que por um menor número de juntas, sobretudo em freguesias do
tipo APU e das classes 13 e 14.
f) Saúde – A actividade das juntas nesta área é pouco significativa,
que aliás não detêm qualquer tipo de competência própria, situando-se a
mesma ao nível da prestação directa de serviços de saúde (8% do total),
com predominância, da colaboração com os centros de saúde e outros
serviços de saúde (42% do total) e da cedência de espaços para o
funcionamento de serviços de saúde (12% do total).
g) Comunicações e Transportes – Este sector é vital para a qualidade
de vida das populações, e apesar deterem uma única competência
própria, a da colocação de abrigos de passageiros não concessionados,
desenvolvem uma actividade importante na reparação de caminhos,
arruamentos e passeios, onde têm muitas vezes uma capacidade de
intervenção mais rápida que serviços municipais, quando se trata de
pequenas obras e reparações. Assim, 76% das juntas realizam obras de
construção, reparação e beneficiação de passeios, quer de modo próprio,
quer através de delegação de competências, a distribuição pelos
diferentes níveis de tipologia de áreas urbanas revela uma frequência
relativa elevada em todos eles, mas com maior relevância para os tipos
AMU e APU, no que se refere à distribuição pelas diferentes classes de
eleitores as frequências mais elevadas verificam-se nas classes 11 e 14.
No que se refere a obras em caminhos e arruamentos, as juntas que o
fazem representam 68% do total da amostra e, a distribuição pelos
diferentes níveis de tipologia de áreas urbanas é significativa em todos
eles, mas sobretudo nos tipos APR e APU, as classes de eleitores com
maior frequência relativa são as 11 e 12. A participação na denominação
das ruas é uma função assumida por 76% das juntas, a distribuição por
tipos de áreas urbanas é muito elevada, sobretudo nas do tipo APR
(100% do total da categoria), no que se refere à repartição por classes de
eleitores, as frequências relativas mais elevadas registam-se nas classes
12 e 14. A colocação e manutenção da sinalização toponímica e de
sinalização vertical e horizontal, a participação na regulamentação do
trânsito e a colocação de abrigos nas paragens de autocarros são outras
das funções realizadas pelas juntas de freguesia da amostra, ainda que
por um conjunto mais restrito das mesmas.
h) Abastecimento Público – A conservação e limpeza de chafarizes e
fontanários constituem competência próprias desta categoria de
autarquias, desde que estejam integrados no seu património, é realizada
por 25% das juntas, com predominância nas freguesias do tipo AMU e
APR e na classe 11. A outra actividade desenvolvida é a da gestão,
conservação e limpeza de mercados retalhistas e de levante e é
assumida por 22% das juntas, com maior predominância, em termos
relativos, para as freguesias dos tipos AMU e APU e para a classe de
eleitores 14.
i) Saneamento e Salubridade – As juntas de freguesia detêm
competências próprias na gestão conservação e limpeza de cemitérios,
balneários e lavadouros integrados no respectivo património. As
actividades prosseguidas com maior frequência pelas juntas neste sector
são: levantamento dos problemas relacionados com a rede de esgotos e
diligências para a sua resolução (76% do total) e cujas freguesias
integram sobretudo os tipos AMU e APR e as classes até 20000
eleitores); a gestão, conservação e limpeza de cemitérios (66% do total),
com maior predominância nas freguesias do tipo AMU e APR e nas
pertencentes às classes 11,12 e 14 e, a gestão, conservação e limpeza
de lavadouros (50% do total e maioritariamente pertencentes aos tipos
AMU e APR e às classes 11 e 12. Neste sector são ainda realizadas
outras acções ainda que por um número menor de juntas, como a
gestão, conservação e limpeza de balneários (34% do total) e a
construção da rede de esgotos e saneamento básico (6%).
j) Ambiente – Não está cometida nesta área qualquer competência
própria, contudo as juntas realizam sobretudo por delegação de
competências da câmara, actividades de limpeza pública e de criação
e/ou manutenção de jardins e outros espaços ajardinados. A primeira é
assumida por 68% das juntas, com maior predominância relativa nas
freguesias do tipo APR e AMU e nas classes 11,12 e 13. A segunda é
prosseguida por 58% das juntas, cujas freguesias pertencem
maioritariamente em termos relativos aos tipos APR e APU e nas classes
de eleitores 11,12 e 13.
k) Administração do território – As competências próprias cometidas
neste domínio às juntas de freguesia são: a aprovação de projectos de
loteamento de terrenos integrados no património; a participação
(auscultação) na elaboração do Plano Director Municipal e pronunciar-se
sobre os projectos de ocupação da via pública. No que se refere à
primeira só 4% das juntas o fazem. A segunda é prosseguida por 66%
das mesmas, com uma predominância bastante elevada em termos de
quaisquer dos tipos de áreas urbanas, no que se refere à repartição por
classes de eleitores que apresentam as frequências relativas mais
expressivas são as classes 11 e 12. Refira-se, no entanto, que para a
maioria dos respectivos presidentes a auscultação das juntas de
freguesia resumiu-se a uma mera audição. No que se refere à terceira, a
56% das juntas foi solicitado o seu parecer, situação que ocorreu
maioritariamente nas freguesias do tipo APU e pertencentes às classes
de eleitores 13 e 14.
l) Serviços gerais de administração pública – No que diz respeito
ao horário de funcionamento das juntas da amostra, 68% das mesmas
funcionam pelo menos sete horas diárias, 90% das quais pertencem ao
tipo APU e às classes 13 e 14. O atendimento dos autarcas aos cidadãos
é realizado em todas elas, com modalidades diferentes como a
existência ou não de dias previamente marcados para o efeito. Os
problemas colocados pelos cidadãos às juntas variam conforme os níveis
de tipologia urbana a que pertencem a diferentes freguesias da amostra.
Nas freguesias do tipo AMU e APR são apresentados com maior
frequência os relacionados com as acessibilidades em termos de vias de
comunicação, bem como a conservação e beneficiação das mesmas.
Nas do tipo APU os que se referem às vias de comunicação, à habitação
e os de caracter social (precariedade económica, emprego, respostas
sociais etc.).
m) Recursos humanos – A maioria das juntas de freguesia da amostra
dispõe de quadro de pessoal aprovado (66% do total), com grande
predominância para as freguesias do tipo APU e nas que têm mais de
5000 eleitores. Refira-se ainda que 78% das juntas têm pessoal em
regime de contrato a termo certo e/ou em regime de prestação de
serviços, o que denota ao nível da precarização da relação de emprego e
que está directamente relacionada com o reduzido núcleo de
competências próprias e com existência de algum grau de incerteza na
continuidade das competências delegadas. Sintoma do mesmo problema
é o recurso a trabalhadores ao abrigo dos programas ocupacionais
promovidos pelo Instituto de Emprego e Formação Profissional, 56% do
total das juntas da amostra o fazem.
n) Delegação de competências das câmaras municipais nas juntas
de freguesia – A maioria das juntas de freguesia da amostra (78% do
total) exercem competências delegadas pelas respectivas câmaras
municipais, com predominância para as dos tipos AMU e APU e com um
número de eleitores superior a 1000.Verificamos também que o seu
número aumenta à medida que é maior número de eleitores nas
mesmas. No que se refere ao tipo de competências delegadas, nas
freguesias AMU são maioritárias as relativas à realização de obras de
conservação e/ou reparação de passeios, caminhos e arruamentos. Nas
do tipo APR acresce-se a realização de pequenas obras de conservação
nas escolas do 1º ciclo e jardins de infância da rede pública. Nas do tipo
APU, para além das já referidas, a limpeza pública e a criação e/ou
manutenção de jardins e outros espaços ajardinados. Constatamos que
só em 3 juntas é que a delegação de competências foi acompanhada da
do destacamento de pessoal da câmara municipal, o que constituí um
limite para uma utilização mais eficaz deste instrumento de
descentralização e para que as áreas de competência delgadas, se
concentrem em sectores com maior incidência directa na qualidade de
vida dos cidadãos como o urbanismo (licenciamento de obras de
pequena e média dimensão), outros licenciamentos municipais,
equipamentos e infra-estruturas e acção social.
As conclusões que acabamos de enunciar sobre actividade das
freguesias da amostra, vêm demonstrar que estas autarquias através dos
seus órgãos desenvolvem um conjunto de actividades que ultrapassa o
reduzido núcleo de competências próprias e até em alguns casos as
delegadas, sobretudo as que se situam em áreas predominantemente
urbanas e as mediamente urbanas, bem como as rurais com mais de 1000
eleitores. Sublinhamos de um modo particular a importância do trabalho das
freguesias mais populosas dos centros urbanos, pelo seu caracter inovador
e de impacto junto da população e também os das freguesias não urbanas
distantes das sedes dos concelhos.
Confirma-se, deste modo, também a ideia de que o actual estatuto de
uniformidade é pouco eficaz ao tratar de igual modo freguesias com
características e tipo e intensidade de actividades muito diferenciadas. O
que igualmente é confirmado pela análise dos discursos dos presidentes de
junta da amostra, que na sua maioria, o classificam de não adequado, uma
vez que não tem em conta algumas especificidades locais, sobretudo no
que se refere às freguesias urbanas de média e grande dimensão ao nível
demográfico e, às rurais. Um conjunto significativo destas últimas
apresentam valores de grandeza consideráveis, no que concerne às áreas
geográficas e compostas por diversos lugares. Este tema merece contudo
um estudo mais exaustivo, contudo e, com alguma prudência propomos que
se possa ter como ponto de partida para diferenciação do estatuto funcional
das freguesias o cruzamento entre a tipologia das áreas urbanas e as
diferentes classes de eleitores.
Verificamos também a existência de uma relação de dependência, das
juntas em relação às câmaras municipais, com base na maioria das
representações dos presidentes de junta da amostra sobre este tema, e que
se fundamentam na escassez das transferências financeiras do Orçamento
de Estado e de competências próprias. Assim as juntas têm de recorrer ao
apoio financeiro das câmaras, que actualmente tem por base o
estabelecimento de acordos de transferência de competências, pelo que a
actividade das primeiras depende da vontade política e disponibilidade das
segundas. Sublinhe-se ainda o facto de a maioria das juntas que
constituíram a amostra exercerem competências delegadas. O que, se por
um lado é sintoma de descentralização administrativa, constitui igualmente
um sinal de dependência da câmara, dado que esta pode unilateralmente
retirar um determinado conjunto de poderes delegados na junta, com base
em critérios políticos (Amaral,1990). Pensamos, contudo que este tema
deve também ser objecto de uma investigação mais aprofundada, que deve
incluir o estudo de aspectos financeiros como a relação existente entre as
receitas originárias do Orçamento de Estado, as transferidas da Câmara por
via da delegação de competências e as actividades desenvolvidas pelas
juntas.
No que se refere à importância atribuída pelas freguesias no contexto
da Administração Pública, em sentido lato, pudemos verificar que apesar de
a maioria dos presidentes de junta alvo do nosso trabalho consideraram que
a mesma é reduzida (58%). Este facto deve-se, segundo aqueles autarcas,
ao desconhecimento que o poder político e a administração central têm do
trabalho, que os órgãos desta categoria de autarquias desenvolvem na
prossecução dos interesses da população.
Contudo, os sinais de mudança que anteriormente referenciamos
revelam um maior reconhecimento do estatuto das freguesias pelo poder
político central e pela administração pública, o que é confirmado por um
conjunto relativamente significativo de presidentes da junta (36%), para
quem as freguesias ao longo do actual regime democrático, ganharam uma
maior relevância, deixando cada vez mais de ser entidades que dedicam a
maior parte do seu tempo, a tratar da emissão de atestados e de outras
tarefas de caracter eminentemente burocráticos.
As freguesias, encerram em si virtualidades para o desenvolvimento
local e consequentemente para o reforço da coesão social, quer pelo seu
substracto sociológico quer pelo papel que poderão desempenhar na
territorialização das políticas públicas. Para além de serem portadoras de
um importante património histórico e socio-político que não deve ser
desprezado no quadro da descentralização administrativa do Estado.

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Legislação
 Constituição da República Portuguesa de 1976
 Lei n.º 79/77, de 25 de Outubro
 Decreto-Lei n.º100/84, de 29 de Março
 Decreto-Lei n.º 77/84, de 8 de Junho
 Decreto-Lei n.º 215, de 30 de Agosto
 Lei 23/97, de 2 de Julho
 Lei n.º 159/99, de 14 de Setembro
 Lei n.º 169/99, de 18 de Setembro
 Lei n.º 175/99 de 21 de Setembro

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