Você está na página 1de 2

Canto I, estâncias 105-106

            A reflexão do poeta nestas duas estâncias é motivada por um acontecimento respeitante ao plano da Viagem:
a chegada da armada portuguesa a Mombaça, após várias vicissitudes ocorridas em Moçambique e Quiloa, urdidas
por Baco.
            Com efeito, após a realização do consílio dos deuses no Olimpo, onde se formam duas correntes – uma de
apoio à empresa do Gama – liderada por Vénus – e outra de oposição – chefiada por Baco - e onde Júpiter toma a
decisão de auxiliar os portugueses chegarem à Índia, Baco prepara-lhes várias ciladas em Quiloa – Moçambique – e
Mombaça, cujo rei tinha sido convencido por ele a aniquilar a frota lusitana.
            Nos quatro versos iniciais da estância 105, o poeta faz alusão à traição que se prepara em Mombaça aos
portugueses. De facto, o «recado» (a mensagem) que os enviados trazem é, na aparência e dissimuladamente, de
amizade, mas na realidade é de grande perigo (metáfora “debaxo o veneno vem coberto” – v. 2) e de inimizade (v. 3).
No entanto, a traição acaba por não se consumar, dado que foi descoberta (“Segundo foi o engano descoberto.” – v.
4).
            Os versos 5 e 6 (observar a metáfora do verso 6) introduzem o tema da reflexão: a insegurança da vida
humana, insegurança essa que decorre dos grandes perigos (“Oh! Grandes e gravíssimos perigos! – notar a
interjeição e os adjetivos “grandes” e “gravíssimos”, este no grau superlativo absoluto sintético, que conferem um tom
hiperbólico aos perigos e à sua gravidade), e da incerteza (“… caminho da vida nunca certo…” – v. 6) que a
caracterizam. A exclamação do verso 8 – aliada às dos versos 5 e 6 e à metáfora do verso 6 – reforça a ideia da
extrema insegurança que o homem enfrenta.
            Por sua vez, os quatro versos iniciais da estância 106 enunciam os perigos que o ser humano enfrenta, como
se pode observar no quadro seguinte:

            Estilisticamente, assume preponderância o recurso ao paralelismo de construção, à anáfora, à hipérbole e à


antítese, recursos presentes nesses quatro versos, que evidenciam os perigos a que o ser humano está sujeito tanto
no mar como na terra, intensificados pelo recurso à repetição – “tantas”, “tanta”, “tanto”.
            Os últimos quatro versos são apresentados sob a forma de uma interrogação (Poderá o Homem, “bicho da
terra tão pequeno”, ultrapassar a sua pequenez face ao universo, muito mais poderoso do que ele?), através da qual
(e da anáfora dos vv. 5 e 6) Camões salienta a condição de grande fragilidade do ser humano, que dificilmente
conseguirá encontrar um lugar onde possa estar seguro, dada a enorme desproporção entre si e o “Céu sereno”. O
poeta conclui, pois, que o Homem dificilmente poderá encontrar segurança e tranquilidade (“Onde pode acolher-se
um fraco humano” – v.5) num universo hostil que contra ele se arma, dada a sua pequenez e fragilidade (“Onde terá
segura a curta vida” – v. 6 – tema da brevidade da vida humana). A metáfora e hipérbole do verso 8, aliadas à
interrogação, enfatizam a referida fragilidade humana e a pouca probabilidade de fazer frente ao universo.
            Tendo em conta o conteúdo da Proposição (I, 1-3) relativamente ao herói de Os Lusíadas, parece ser
intenção do poeta, com esta reflexão, exaltar a valentia dos portugueses, que, mesmo sendo pequenos (“bicho da
terra tão pequeno” – v. 8), venceram os maiores desafios. Observe-se, ainda, que os dois versos finais constituem
uma espécie de ponto de partida para a mitificação dos portugueses enquanto heróis. De facto, não obstante a sua
fragilidade enquanto seres humanos, ousam navegar por mares desconhecidos e desafiar a natureza e os diversos
perigos, ultrapassando os limites da sua condição humana.
            O tema das duas estâncias é, pois, a fragilidade e a efemeridade da vida humana face aos grandes perigos
enfrentados no mar e na terra e às circunstâncias da vida. E o poeta lamenta esses perigos, essa incerteza e
insegurança a que o ser humano está exposto, em toda a parte, sem qualquer abrigo ou porto seguro.
            Relativamente à estrutura interna, a reflexão pode dividir-se em três momentos:
. introdução (vv. 1-4, 105): a traição preparada aos portugueses;
. desenvolvimento (v. 5, 105 – v. 4, 106): os perigos que espreitam o ser humano em terra e no mar;
. conclusão (vv. 6-8, 106): a fragilidade do ser humano.

https://portugues-fcr.blogspot.com/2013/01/os-lusiadas-i-105-106.html

Você também pode gostar