Você está na página 1de 40

Faculdade de Letras

Universidade de Lisboa

3. CARACTERÍSTICAS DO TECIDO COMERCIAL DA CIDADE

Sendo um dos objectivos deste estudo avaliar as potencialidades e


os constrangimentos da oferta comercial da cidade de Leiria no Introdução

contexto local e regional, uma das preocupações primeiras que


preside à sua realização prende-se com a necessidade de elaborar
uma caracterização do tecido comercial da cidade, em termos de
composição sectorial, modernização dos pontos de venda,
formatos de estabelecimentos e formas de venda. Neste capítulo
iremos, precisamente, analisar as transformações recentes do
sistema comercial da cidade de Leiria, concedendo um relevo
especial aos factores que influenciam a mudança da localização e
assim interferem directamente com a reestruturação da sua
organização espacial. Esta caracterização do aparelho comercial
da cidade debruçar-se-á não só sobre a evolução dos formatos
comerciais, mas também sobre o perfil dos comerciantes e
prestadores de serviços. Procuraremos descrever a estrutura do
tecido comercial de Leiria e levantar algumas hipóteses explicativas
que permitam interpretar o padrão de organização observado. Só
assim se poderão compreender as dinâmicas do comércio urbano
e da sua envolvente com vista à definição de um quadro
diagnóstico que, de forma mais pertinente, fundamente a
hierarquia de decisões e de prioridades que precedem a
implementação de uma intervenção pública ao nível do
planeamento municipal e do urbanismo comercial.

À pertinência desta fase diagnóstica associa-se ainda o objectivo


de realçar, de forma sistemática, os pontos fortes e fracos e, a partir
destes enveredar por uma vertente mais estratégica onde se
salientem as oportunidades e as ameaças que o comércio do
território em análise eventualmente esteja sujeito. Por conseguinte,
Estudo de Avaliação dos Impactos dos Centros Comerciais na Cidade de Leiria 83
Faculdade de Letras
Universidade de Lisboa

da necessidade de identificar e explicar as características da oferta


comercial da cidade, depreende-se a importância da avaliação
diagnóstica que, de seguida, empreenderemos, de modo a poder
fundamentar a avaliação dos impactos dos empreendimentos
comerciais de dimensão relevante – nomeadamente daqueles que
já solicitaram financiamento – sobre as condições que assegurem
um desenvolvimento sustentado do sistema comercial da cidade.

Este capítulo dedica-se à análise da organização económica e


espacial do aparelho comercial da cidade de Leiria, realçando a
forma como este tem evoluído para estádios mais complexos, no
sentido de melhor responder às alterações do mercado e à
evolução dos estilos de vida e dos valores dos consumidores. Deste
modo, o privilégio conferido ao desenvolvimento evolutivo da
função comercial e respectiva articulação com a estrutura
funcional urbana que lhe serve de suporte e intervenção, não
esquecerá na sua análise, também, um enquadramento à luz das
grandes transformações do sector, quer das que se inscrevem na
reestruturação do capitalismo internacional, quer das que se
desenvolvem tendo por base processos sociais e económicos
locais, porque idiossincrásicos da região.

Devido à inexistência de informação estatística actualizada sobre o


aparelho comercial que respondesse aos requisitos da nossa
pesquisa, tivemos necessidade de realizar um intenso trabalho de
campo, que consistiu não só no levantamento exaustivo dos
estabelecimentos da cidade mas também em inquéritos e
entrevistas com os retalhistas e os operadores de serviços, no
sentido de se obter um conhecimento mais profundo da oferta
comercial da mesma. É pois com base neste trabalho, realizado até
Maio de 2005, que podemos caracterizar o tecido comercial da
cidade na actualidade, dar conta da sua organização espacial,
reconstruir a sua evolução e ainda tecer algumas considerações
sobre o seu nível de modernização.

Além da informação desenhada, recolhida e tratada especifica-


mente para efeitos do presente estudo, este capítulo beneficia
ainda directamente de estudos realizados anteriormente sobre as
dinâmicas comerciais da cidade de Leiria, entre os quais se

Estudo de Avaliação dos Impactos dos Centros Comerciais na Cidade de Leiria 84


Faculdade de Letras
Universidade de Lisboa

destacam, nomeadamente, os trabalhos conduzidos por Barata


Salgueiro (1996)1 e Cachinho (2002)2.

3.1. O APARELHO COMERCIAL DA CIDADE DE LEIRIA: ESTRUTURA E COMPOSIÇÃO

Segundo a informação do Cadastro Comercial da Direcção-Geral


do Comércio e da Concorrência (DGCC, 2001)3, operavam no ano
de 2000, no concelho de Leiria, 1855 estabelecimentos de venda a
retalho que empregavam 5788 pessoas ao serviço. Avançando em Forte concentração intra-
sectorial num reduzido
maior detalhe, e tomando como base de referência a actividade
número de ramos de
económica principal exercida pelos pontos de venda, pode-se, actividade
com segurança, retirar algumas conclusões sobre a estrutura e a
composição do sector, entre as quais se destaca a forte
concentração intra-sectorial num reduzido número de ramos de
actividade. Especificamente, esta análise permite concluir que o
aparelho comercial é largamente dominado pelos ramos da
«alimentação e bebidas» (43,7%), dos «têxteis, vestuário e calçado»
(15,8%) e do «comércio a retalho não especificado» (15%). No total,
estas três rubricas eram responsáveis por 74,5% dos estabeleci-
mentos, evidenciando-se assim uma forte concentração do sector,
confirmando a média nacional.

No que respeita à dimensão dos pontos de venda a retalho, a Reduzida dimensão dos
estabelecimentos
observação do Quadro 3.1 permite-nos registar que a maioria
possui uma eduzida dimensão, empregando em média menos de

1T. Barata Salgueiro (1996) – Do Comércio à Distribuição. Roteiro de uma mudança.


Oeiras. Celta Editora.
2 H. Cachinho (2002) – O Comércio Retalhista Português. Pós-Modernidade,

Consumidores e Espaço. Lisboa. Gabinete de Estudos e Prospectiva Económica.


Ministério da Economia.
3 Estatísticas do Cadastro Comercial, 2001, Direcção-Geral do Comércio e da

Concorrência, Lisboa.

Estudo de Avaliação dos Impactos dos Centros Comerciais na Cidade de Leiria 85


Faculdade de Letras
Universidade de Lisboa

quatro pessoas ao serviço, deixando bem evidente o carácter


familiar da maioria das empresas. Descortina-se, assim, o domínio
do sector pelo pequeno investidor e pelo capital familiar, o que
não é favorável ao desenvolvimento de grandes projectos e Quadro 3.1

constitui uma das fragilidades estruturais do aparelho comercial da Estrutura do aparelho


comercial do concelho
cidade. de Leiria, em 2000

Estabelecimentos Pessoas ao serviço


RAMO DE ACTIVIDADE (1) (2)
(2)/(1)
N.º % N.º %
Produtos Alimentares + Bebidas 811 43.7 2139 37 2.6
Produtos Químicos + Farmácias 71 3.8 205 3.5 2.9
Têxteis + Vestuário + Calçado 294 15.8 660 11.4 2.2
Móveis + Artigos de Mobiliário 183 9.9 499 8.6 2.7
Materiais Construção + Ferragens 81 4.4 256 4.4 3.2
Auto + Acessórios, Bic. + Motos + Comb. 137 7.4 1283 22.2 9.4

Comércio a Retalho Não Especificado 278 15 746 12.9 2.7


TOTAL 1855 100.0 5788 100.0 3.7

Fonte: DGCC (2001). Estatísticas do Cadastro Comercial – 2000.

Na realidade, segundo a mesma fonte, e como se pode constatar


Pulverização e
por uma leitura do Quadro 3.2 e do gráfico da Figura 3.2, na
atomização do tecido
mesma altura, aproximadamente metade dos estabelecimentos comercial
retalhistas (49,1%) possuía apenas 1 pessoa ao serviço e se
considerarmos as unidades até 4 pessoas, aquela percentagem
sobe para 88,5 %. Este aspecto, aliado ao elevado número de
pontos de venda, traduz uma estrutura muito pulverizada do
aparelho comercial, um atributo que, mais uma vez, encontra
paralelo no conjunto do território nacional (52,3%). Apenas o ramo
afecto aos «automóveis, acessórios, bicicletas, motos e
combustíveis», com 9 pessoas, em média, por estabelecimento, se
afasta da tendência geral da miniaturização.

Além disso, se à exiguidade da dimensão das lojas associarmos a


elevada densidade de unidades por mil habitantes (40,8‰ no
concelho de Leiria contra 18‰ no país), facilmente se poderá
também concluir da pulverização e atomização do tecido
empresarial; debilidade que todavia se atenua à luz de uma

Estudo de Avaliação dos Impactos dos Centros Comerciais na Cidade de Leiria 86


Faculdade de Letras
Universidade de Lisboa

elevada densidade populacional do concelho, cuja sede constitui


por excelência o centro de comércio e serviços da região.

Leiria apresenta, à semelhança dos concelhos vizinhos


pertencentes à sub-região do Pinhal Litoral, uma situação de
grande dinamismo demográfico que se prevê seja para manter nos
próximos anos, dada a juventude da sua população. Não
surpreende, pois, que polarize uma parte significativa do comércio
e dos serviços da região, denunciando uma elevada densidade
comercial (estabelecimentos retalhistas por 1000 habitantes), até
porque o concelho é capital de distrito, facto a que não é alheia a
influência regional exercida sobre os territórios envolventes.

Quadro 3.2
Número de estabeleci-
Pessoas ao Estabelecimentos
mentos retalhistas segundo
serviço
os escalões de pessoas ao
N.º %
serviço, em 2000
1 pessoa 910 49.1
2a4 736 39.7
5 a 19 181 9.8
20 a 99 26 1.4
100 ou mais 2 0.1
TOTAL 1855 100

Fonte: DGCC (2001). Estatísticas do Cadastro Comercial – 2000.

Figura 3.1 - Número de


estabelecimentos
retalhistas segundo os
escalões de pessoas ao
serviço, em 2000
1 pessoa
2 a 4 pessoas
5 a 19 pessoas
20 a 99 pessoas
100 ou mais pessoas

Fonte: DGCC (2001). Estatísticas do Cadastro Comercial – 2000.

Estudo de Avaliação dos Impactos dos Centros Comerciais na Cidade de Leiria 87


Faculdade de Letras
Universidade de Lisboa

No entanto, o aparelho comercial do concelho de Leiria não se


Estabelecimentos de
restringe apenas aos pontos de venda a retalho. Além destes, venda por grosso
fazem parte do sistema os estabelecimentos de venda por grosso,
que à mesma data se elevavam a 374 unidades (DGCC, 2001), e
ainda um elevado número de estabelecimentos afectos a serviços
diversos que vão desde as agências de viagens e os cabeleireiros
até aos bancos e as seguradoras, passando pelos cafés, os
restaurantes, as lavandarias ou os serviços de reparação. Deste
modo, enquanto os estabelecimentos grossistas, pelas suas
especificidades tanto em termos de padrões de localização como
do público que servem foram excluídos do estudo, alguns serviços,
pelos fluxos múltiplos que geram e o papel que desempenham na
produção da paisagem comercial urbana, foram integrados na
pesquisa.

De acordo com o levantamento funcional, no final do mês de Maio


de 2005, operavam na cidade 1966 estabelecimentos de venda a
retalho e de prestação de serviços de natureza comercial, cerca
de 23% dos quais implantados em galerias e centros comerciais. O
aparelho comercial da cidade de Leiria não se limita apenas às
1966 unidades funcionais. O levantamento, ainda que extravas-
ando o perímetro urbano da freguesia de Leiria, cingiu-se, na sua
globalidade, a esta, onde, efectivamente, a função comercial
adquire maior expressão. De fora ficaram, por um lado, um bom
número de unidades isoladas, disseminadas pelas áreas residenciais
integradas nas freguesias vizinhas e, por outro lado, também não
foram contabilizados em toda a cidade, as unidades afectas ao
comércio grossista e alguns serviços de apoio às empresas ou aos
consumidores. Neste sentido, a cidade oferecerá também,
naturalmente, um maior número de funções centrais do que aquele
a que se faz alusão no texto. De fora da análise ficaram também
um número significativo de unidades funcionais das freguesias da
Barosa, de Marrazes, de Parceiros, de Pousos e da Barreira,
integradas recentemente no aglomerado urbano.

A distribuição dos pontos de venda pelos diferentes ramos de Distribuição dos pontos de
venda por diferentes
actividade (Figura 3.2), permite concluir que o tecido comercial da ramos de actividade
cidade é dominado, fundamentalmente, pelas unidades funcionais
afectas a três ramos de actividade: os «artigos pessoais» (21,3%),

Estudo de Avaliação dos Impactos dos Centros Comerciais na Cidade de Leiria 88


Faculdade de Letras
Universidade de Lisboa

onde se integram, entre outros itens, o vestuário, o calçado, as


ourivesarias e relojoarias, os tecidos, as malhas e diversos tipos de
acessórios de marroquinaria; os serviços de «restauração» e de
«alojamento» (15,3%), vulgarmente designados pela expressão
Horeca; e o «equipamento para o lar» (9,8%), onde se incluem entre
outras rubricas, os móveis, os electrodomésticos, os artigos de
decoração e a iluminação. Numa situação intermédia, aparecem-
nos os «serviços financeiros» (6,9%), os «serviços pessoais» (8,2%), os
«produtos alimentares e as bebidas» (5,6%), os «transportes e
combustíveis» (4,7%), os «artigos de lazer e cultura» (4,6%) e o
«equipamento profissional» (4,3%). Por último, com um número
reduzido de pontos de venda, surgem os ramos dos «artigos de
higiene, saúde e beleza» (3,1%), os «artigos de construção e
bricolage» (2,7%), os «serviços recreativos e culturais» (2,4%), os
«serviços de saúde» (2,1%), os «serviços de reparação» e os «serviços Figura 3.2
à colectividade», ambos com 1,4%. Composição do aparelho
comercial da cidade de
Leiria, Maio de 2005

Co m. não especializado

Serv. Co lectividade

Serv. Reparação

Serv. Saúde

Serv. Rec. Culturais

Co nst. B rico lage

Saúde, Hig. B eleza

Equip. P ro fissio nal

Lazer. Cultura

Transpo rtes. Co mb.

Outro s serviço s

P ro d. A limentares

Serv. Financeiro s

Serv. P esso ais

Equip. do Lar

Ho reca

A rtigo s P esso ais

0 5 10 15 20 25
%

Fonte: Levantamento funcional, Maio de 2005

Estudo de Avaliação dos Impactos dos Centros Comerciais na Cidade de Leiria 89


Faculdade de Letras
Universidade de Lisboa

A composição do tecido comercial que acabámos de apresentar


Leiria: forte centro de
em traços gerais, avaliada através do número de pontos de venda, intermediação regional
sem entrarmos em linha de conta com o standing ou o modernismo
dos estabelecimentos, embora com algumas diferenças de
pormenor, em termos relativos não se afasta muito da observada
em outros centros urbanos, seja de dimensão demográfica próxima,
caso de Coimbra (Baltasar, 1992; Peixoto, 1994)4 e Castelo Branco
(Barata Salgueiro, 1996), seja com potenciais demográficos muito
superiores, como são os casos da Amadora (Barata Salgueiro e
Cachinho, 1994)5, Lisboa (Marrou, 1993)6 ou Porto (Fernandes,
1993)7. As diferenças mais relevantes ocorrem, por um lado, em
relação às metrópoles de maior dimensão, com as rubricas
associadas aos sectores dos serviços, da alimentação e dos artigos
pessoais, que em Leiria aparecem subrepresentados. Não se deve
menosprezar, porém, o facto de Leiria, enquanto cidade média
independente de qualquer área metropolitana, constituir, do ponto
de vista da organização espacial do comércio, uma realidade
distinta das metrópoles, até porque desempenha um verdadeiro
papel de intermediação regional, estendendo a sua área de
influência sobre uma vasta região, no que concerne aos hábitos de
abastecimento das famílias. Por outro lado, outras diferenças
significativas, entre a constituição do tecido comercial de Leiria e a
das cidades de dimensão semelhante, são dignas de registo,
designadamente, nos ramos dos transportes e do equipamento
para o lar, que adquirem em Leiria maior importância.

Deve-se sublinhar o facto de em Leiria algumas actividades se


apresentarem sub ou sobrerepresentadas. É o que acontece, por
exemplo, no primeiro caso com as do ramo alimentar, que embora

4 M. Baltasar (1992) – Coimbra: a Função Comercial do Centro. Características e

Evolução. Tese de Mestrado. Coimbra.


P. Peixoto (1994) – O Despertar do Deslumbramento. Análise das transformações
recentes na malha comercial de Coimbra. Coimbra. Faculdade de Economia da
Universidade de Coimbra. (Dissertação de licenciatura).
5 T. Barata Salgueiro; H. Cachinho (1994) – O Comércio no Centro da Amadora.

Lisboa. Cecoa.
6 L. Marrou (1993) – Le Commerce et la Ville dans le Centre de Lisbonne. Tese de

Doutoramento. Paris. Universidade de Paris IV.


7 J. Fernandes (1993) – Porto: Cidade e Comércio. Tese de Doutoramento. Porto.

Faculdade de Letras da Universidade do Porto.

Estudo de Avaliação dos Impactos dos Centros Comerciais na Cidade de Leiria 90


Faculdade de Letras
Universidade de Lisboa

forneçam bens de primeira necessidade, no conjunto das 114


funções centrais, apenas ocupam a quinta posição no aparelho
comercial da cidade; ou no segundo caso com os artigos pessoais,
que apesar de aquisição menos frequente pelo consumidor,
ocupam indiscutivelmente o primeiro lugar.

De salientar que, ao acompanhar o dinamismo do crescimento


demográfico que a cidade de Leiria tem patenteado nas últimas
décadas, a superfície ocupada tem vindo, simultaneamente, a
atingir uma dimensão considerável, o que se traduz num aumento
da distância a percorrer entre o centro e a periferia e, por
conseguinte, num aumento de tempo de deslocação. Esta
questão, em termos práticos, representa um incómodo de
deslocação cada vez maior para a população residente nos
territórios mais afastados do centro. Desta feita, as actividades
comerciais mais banais, de bens de utilização mais corrente e de
ordem inferior, migram da área central para as áreas mais
periféricas (Barata Salgueiro, 1996).

Por outro lado, o posicionamento de nível hierárquico superior que


Leiria detém na rede urbana da região faz com que as funções
mais raras alarguem a sua área de influência a espaços periféricos
mais vastos, como o concelho ou mesmo a região, e ainda ao
fenómeno de concentração levado a cabo pelas grandes
superfícies. Não se deve, assim, subestimar as anomalias ilustradas
pela subrepresentação e sobrepresentação de funções banais e
de funções raras, respectivamente.

Porém, mesmo ressalvando a distorção introduzida pelos factores


enunciados, nem todas as situações que configuram o sistema
retalhista da cidade se podem explicar com base na linearidade
dos princípios do mercado que, numa situação ideal semelhante à
concebida por Christaller, determinariam o número de lojas para
cada ramo de actividade, mediante o grau de raridade da função
prestada. Em primeiro lugar, como já tivemos oportunidade de
mostrar anteriormente, embora se encontre numa posição mais
favorável em relação a outros centros urbanos do país, o aparelho
comercial de Leiria padece em alguns ramos de uma profunda
pulverização e noutros de uma hipertrofia, associadas tanto às

Estudo de Avaliação dos Impactos dos Centros Comerciais na Cidade de Leiria 91


Faculdade de Letras
Universidade de Lisboa

exigências de investimento e ao perfil dos investidores como à


fraca modernização do sector que, embora em curso, não afecta
de igual modo todos os ramos de actividade. Vários factores
contribuíram decisivamente, ao longo do tempo, para a
composição do tecido comercial que hoje a cidade de Leiria
evidencia.

Em paralelo, estes factores são explicativos da acumulação de


fragilidades estruturais que afectam o aparelho comercial da
cidade e comprometem o seu desenvolvimento sustentado no
sentido da modernização. Sem querermos agora justificar os
pressupostos metodológicos que animam o nosso procedimento,
convém, no entanto, traçar os seus grandes contornos. Assim,
parece-nos que a problemática das principais debilidades e
estrangulamentos que afectam a oferta comercial da cidade
deverá ser alvo de desenvolvimento mais pormenorizado.

Para além de condicionantes externas, a montante e a jusante do Diferenciação do grau de


investimento na inovação
sector da distribuição, as alterações ocorridas na distribuição varia com o perfil do
decorrem fundamentalmente do aumento da concorrência, que é comerciante

sempre um estímulo à inovação, seja na adopção de novos


formatos, seja pelo crescimento por meio da concentração. Assim,
nos sectores em que a concorrência é mais forte, os retalhistas
sentem maior necessidade em investir nos espaços de venda para
os tornar mais atractivos e, por essa via, produzir uma mais-valia
susceptível de cativar os seus clientes. Em função das
características do sector, as estratégias de intervenção podem
tanto incidir sobre a reformulação das lojas, dotando-as de um
conjunto de amenidades que lhe forneçam identidade própria,
como sobre a qualidade da oferta, a profundidade do sortido ou a
representação exclusiva desta ou daquela marca, ou então
Predomínio do pequeno
combinando as duas componentes. Pelo contrário, nos sectores investidor com escassas
subrepresentados em unidades funcionais, os operadores sem a perspectivas de
modernização
pressão da concorrência, acabam na maioria das vezes por
desprezar a qualidade dos espaços de venda e se por alguma
razão a concorrência aumenta, a tendência é para que invistam
na descida dos preços, reduzindo as suas margens de
comercialização, impressionando assim os consumidores pela via
dos preços baixos e dos descontos. Por fim, para além da

Estudo de Avaliação dos Impactos dos Centros Comerciais na Cidade de Leiria 92


Faculdade de Letras
Universidade de Lisboa

heterogeneidade do grau de formação e da capacidade de


iniciativa dos comerciantes no conjunto dos vários ramos de
actividade, outros factores, ligados tanto à oferta como à procura,
têm condicionado a evolução dos diferentes ramos de actividade
que compõem o sistema comercial da cidade, todavia, estes não
serão alvo de análise neste ponto do relatório. Descortinando
algumas das hipóteses que interessava procurar verificar, podemos
avançar que embora a maioria dos comerciantes da cidade
considere necessário introduzir alterações nos estabelecimentos (ex:
os produtos comercializados, no serviço ao cliente, no pessoal ao
serviço, em termos de número e formação profissional, a
remodelação física da loja, a decoração das montras, etc.), a
verdade é que na prática os mesmos não parecem sentir Predomínio do pequeno
necessidade de intervir nos pontos de venda de forma a melhorar a investidor com escassas
perspectivas de
sua visibilidade e a alterar a sua imagem junto dos consumidores. modernização
Reafirmamos que este estrangulamento, reflexo do domínio do
sector pelo pequeno investidor com escassas perspectivas de
modernização, acaba por comprometer a capacidade de
modernização do sistema comercial de forma a acompanhar as
mudanças introduzidas nos últimos anos pelas novas formas de
comércio mobilizadoras de concorrência de elevado potencial
face ao comércio tradicional.

3.2. ORGANIZAÇÃO ESPACIAL DA OFERTA: A EMERGÊNCIA DE «NOVAS» CENTRALIDADES

A organização espacial do tecido comercial de Leiria apresenta


um dinamismo característico dos sistemas comerciais das cidades
médias portuguesas dotadas de maior crescimento nos últimos
anos. Um perímetro urbano relativamente pequeno que se limita
aos 6,85 km2 da freguesia de Leiria, ou de 79 km2 caso se incluam
no mesmo a área das freguesias de Barosa, Marrazes, Parceiros,
Pousos e Barreira, conjugado com um potencial de mercado
limitado a poucas dezenas de milhares de habitantes, produziram
Estudo de Avaliação dos Impactos dos Centros Comerciais na Cidade de Leiria 93
Faculdade de Letras
Universidade de Lisboa

uma estrutura relativamente simples de organização espacial da


oferta comercial.

O tecido comercial da cidade compreende sensivelmente o


mesmo tipo de elementos que outra qualquer cidade portuguesa Síntese da estrutura
de dimensão média. A estrutura é simples e abarca: o centro espacial do tecido
comercial: centro
principal com os seus eixos de expansão recente, onde se principal, centros
concentra o grosso dos estabelecimentos dedicados ao comércio secundários, núcleos
reduzidos de vizinhança,
não diário e as principais empresas de serviços e de administração centros comerciais
pública; alguns centros secundários de formação recente
(principalmente os núcleos da Avenida Marquês de Pombal, do
Vale Sepal, do Rego de Água / Gare de Leiria e da Nova Leiria /
Quinta de Santo António); alguns núcleos de vizinhança mas que se
evidenciam pela grande multiplicidade e dispersão de
estabelecimentos de comércio tradicional, no geral antiquados e
fornecendo, sobretudo, bens de primeira necessidade e de uso
corrente; inúmeras lojas isoladas de comércio alimentar no seio das
áreas residenciais; e diversos centros/galerias comerciais com
localização quer na área central da cidade, quer na sua periferia
imediata, contribuindo para a extensão do centro da cidade. A
completar o tecido comercial temos ainda um mercado municipal,
um recinto de feira, vários supermercados, lojas de hard discount,
grandes superfícies especializadas, e por último, o centro comercial
Continente que, localizado na periferia, no Alto do Vieiro, junto da
ligação à EN-1, desde o mês de Novembro de 1992 constitui o
principal espaço de abastecimento em bens alimentares e de
artigos de uso corrente no lar para as famílias que residem na
cidade e na região. Uma síntese da organização espacial do
tecido comercial da cidade encontra-se ilustrada na Figura 3.3,
onde está representada a diversidade de centros de comércio
mais significativos de Leiria, sob a forma de potenciais (densidade
comercial)8.

8 O cálculo dos potenciais é uma técnica de geoestatística à qual recorremos neste


estudo. Ao invés de considerar os valores das variáveis afectos exclusivamente às
áreas e aos pontos a que dizem respeito, a noção de potencial considera que estes
também afectam as áreas vizinhas/próximas, de acordo com uma qualquer função
de distância. Os lugares de comércio não são meros contentores fechados e
isolados uns dos outros, mas sim espaços de interacção e de partilha dos elementos

Estudo de Avaliação dos Impactos dos Centros Comerciais na Cidade de Leiria 94


Faculdade de Letras
Universidade de Lisboa

A ausência de múltiplas centralidades faz com que não existam na


cidade áreas verdadeiramente especializadas numa ou outra
função. Assim, sem necessidade de terem de competir ferozmente
por um lugar específico no centro, as unidades funcionais dos
diferentes ramos de actividade, salvo algumas excepções,
disputam os mesmos espaços, o que não deixa de ser elucidativo
da fraca diferenciação do preço do solo no interior da cidade e,
por conseguinte, da pouca importância que esta variável assume
na organização espacial do tecido comercial da cidade.

Embora não se observe uma verdadeira segregação funcional do Delimitação do principal


espaço, o centro de comércio e de serviços é de fácil delimitação, centro de comércio e de
serviços
pois refere-se ao principal eixo terciário da cidade, que tendo uma
forma linear, é extenso e dinâmico, acompanhando o
desenvolvimento da povoação. A extensão deste eixo central
ocupa uma grande área da cidade, praticamente desde o Largo
da República, onde se encontram a Câmara Municipal e o Tribunal
até ao Mercado, na Avenida Cidade de Maringá, atravessando
quase toda a cidade.

Ainda que a diferenciação funcional do espaço seja mínima, é


possível individualizar áreas com alguma especialização. Assim,
num sector mais a sudoeste define-se um pólo administrativo e
escolar em torno da Câmara Municipal, Tribunal e escolas.
Sensivelmente a meio do eixo, e numa área mais a nordeste, entre
a Caixa Geral de Depósitos e o Banco de Portugal (Rua Correia
Mateus, Praça Rodrigues Lobo, Largo 5 de Outubro), configura-se o
centro financeiro e de serviços às empresas. No que toca a um
sector já eminentemente comercial, ou seja, a área central da
cidade que se dedica ao comércio de bens mais raros, definem-se
duas áreas: a primeira, que acolheu o centro da cidade até aos

que neles existem. No sistema comercial leiriense é pouco provável que os lugares
não se afectem uns aos outros. O conceito de potencial ultrapassa o simples valor
da variável do ponto de venda, ao considerar não apenas o peso que existe nesse
lugar, mas o que existe na vizinhança e que com ele interage mais ou menos,
consoante a distância entre os lugares e também a função em causa. Este conceito
está intimamente relacionado com os modelos gravíticos e é um bom indicador da
acessibilidade relativa dos lugares.

Estudo de Avaliação dos Impactos dos Centros Comerciais na Cidade de Leiria 95


Faculdade de Letras
Universidade de Lisboa

Figura 3.3
Distribuição da densidade
comercial, 2005

Estudo de Avaliação dos Impactos dos Centros Comerciais na Cidade de Leiria 96


Faculdade de Letras
Universidade de Lisboa

anos 60 e que se localiza entre a Avenida Combatentes da Grande


Guerra e o Largo 5 de Outubro; a segunda, a nordeste, mais
recente, representada pela Avenida Heróis de Angola e áreas
adjacentes. A norte e noroeste daquela primeira área, deve
considerar-se, ainda, um terceiro sector que se estende entre a Rua
do Comércio, Rua Afonso de Albuquerque e Rua Barão de
Viamonte e que associado àquela primeira, se torna contribuinte
de uma dualidade funcional na área central, ainda que se dedique
a um comércio mais popular, não obstante as reconversões
recentes a que foi sujeito. Finalmente, como quarto sector
polarizador de estabelecimentos de comércio mais raro e que
escapa ao eixo central anteriormente definido, surge-nos o que
corresponde, grosso modo, à Avenida Marquês de Pombal.

A diferenciação espacial ainda muito elementar do tecido


comercial da cidade não invalida que os estabelecimentos dos Padrões de localização
diferentes ramos de actividade comecem a esboçar padrões por ramo de actividade

distintos de localização (Mapa 1), que o desenvolvimento futuro da


cidade poderá vir a aprofundar. Entre aqueles que assumem hoje
maior visibilidade salientam-se:

• a dispersão do «comércio alimentar» e dos «cafés e


restaurantes». No conjunto da cidade, apenas a Avenida Heróis
de Angola escapa à sua presença;

• a concentração preferencial dos «artigos pessoais» no centro


histórico e nas ruas do «novo centro», com prolongamentos
para a Nova Leiria. A Avenida Heróis de Angola e o «centro
tradicional» entre as ruas João de Deus, Praça Rodrigues Lobo e
Largo 5 de Outubro, são aquelas onde a densidade destas
unidades funcionais alcança valores mais elevados;

• a concentração dos «serviços financeiros e seguros», que


conhecem maior desenvolvimento na área central entre os
largos de Santana, 5 de Outubro e a Rua D. Pacheco,
correspondendo, em grande medida, à definição do centro
financeiro e de serviços às empresas.

Apesar de não existir uma diferenciação significativa do espaço em


termos funcionais, o mesmo não acontece relativamente à
distribuição dos estabelecimentos em função da sua qualidade,
Estudo de Avaliação dos Impactos dos Centros Comerciais na Cidade de Leiria 97
Faculdade de Letras
Universidade de Lisboa

avaliada em termos de «standing» dos pontos de venda.


Distribuição dos
Independentemente dos ramos de actividade, as unidades estabelecimentos em
funcionais com níveis mais elevados, privilegiam espaços bem função do «standing»

precisos, definindo nitidamente as áreas e os eixos que são dotados


de maior notoriedade e prestígio. Os pontos de venda com nível de
«standing» mais elevado concentram-se sobretudo em três sectores
da cidade:

• A Avenida Heróis de Angola, espinha dorsal do «novo centro» e


a área pedonal que se desenvolve nas suas imediações. De
construção mais recente e, por conseguinte, dotada de melhor
acessibilidade, facilidade de estacionamento e espaços com
Avenida Heróis de Angola
dimensões mais adequadas ao exercício da função comercial,
esta avenida constitui hoje a artéria mais prestigiada da cidade
e também aquela onde a disputa pelo espaço mais se faz
sentir. Para algumas cadeias de franchising, mais do que uma
alternativa, a implantação neste eixo tornou-se uma condição
dos contratos firmados com os novos aderentes às redes de
distribuição. A novidade justifica uma localização central;

• O «centro histórico», com destaque para a Praça Rodrigues


Lobo, os espaços pedonais desenvolvidos na sua proximidade e
as ruas João de Deus e D. Pacheco. A espessura cultural e
identitária representada pela Praça Rodrigues Lobo, conjugada
com a centralidade secular que o comércio e os serviços Centro histórico
financeiros foram reforçando ao longo dos anos, fazem com
que este sector da cidade continue a reunir o interesse dos mais
prestigiados operadores locais e das cadeias que através do
sucursalismo ou do franchising escolhem Leiria para ampliar as
suas redes;

• A “Nova Leiria”, ancorada no centro comercial Jardins do Liz, “Nova Leiria” / Jardins do
que recentemente se veio juntar às duas áreas anteriores e, Lis

pela posição que ocupa na cidade, pode ser entendida como


um prolongamento daquele que designámos do novo centro
da cidade, articulado em torno da Avenida Heróis de Angola.

Além destas três áreas, susceptíveis de alargarem a área de


influência do centro urbano a toda a região, torna-se ainda
necessário acrescentar outros espaços. Neste contexto, merecem
Estudo de Avaliação dos Impactos dos Centros Comerciais na Cidade de Leiria 98
Faculdade de Letras
Universidade de Lisboa

destaque as avenidas Marquês do Pombal e 25 de Abril e o pólo


formado pelo centro comercial Continente.

Apesar de não gozar do prestígio comercial das áreas anteriores, a Afirmação recente da
Avenida Marquês de
Avenida Marquês do Pombal tem-se afirmado nos anos mais Pombal
recentes como uma alternativa para os retalhistas e prestadores de
serviços menos exigentes em relação à centralidade. Embora
relativamente periférico ao centro, este eixo constitui uma nova via
de penetração na cidade, pois conta a seu favor com a forte
acessibilidade e facilidade de estacionamento, a proximidade ao
Largo da República, onde estão sediadas a Câmara Municipal e o
Tribunal, a modernidade dos espaços e a integração num sector da
cidade em forte expansão e sem os constrangimentos gerados
pelo congestionamento do centro.

Sem grandes possibilidades de expansão devido à falta de espaço,


Avenida 25 de Abril
a Avenida 25 de Abril comportava à data do levantamento
funcional mais de cinquenta pontos de venda de diferentes ramos
de actividade, com especial destaque para o equipamento
profissional. Além de registar a presença de duas cadeias de
prestação de serviços que operam em regime de franchising, este
foi também o espaço escolhido pela cadeia de lojas de desconto
Lidl para implantar um dos seus estabelecimentos.

Quanto ao pólo formado pelo centro comercial Continente, além


Centro comercial
de ser o único hipermercado da região, a sua galeria reúne um Continente
conjunto de pontos de venda explorados por cadeias de
franchising sem representação no restante tecido comercial da
cidade. Captando a clientela na vasta região que o rodeia, este
pólo comercial, imbuído de uma nova lógica de comercializar
produtos de uso corrente, altera de forma significativa a hierarquia
dos centros de comércio da cidade. Bens que até então eram
adquiridos nas lojas de vizinhança, passam de agora em diante a
envolver o percurso de maiores distâncias, outros ritmos, fazendo
uso do automóvel e geralmente com a participação de toda a
família, que cada vez mais associa, pelo menos nos fins-de-semana,
o abastecimento ao lazer e à diversão.

Estudo de Avaliação dos Impactos dos Centros Comerciais na Cidade de Leiria 99


Faculdade de Letras
Universidade de Lisboa

3.3. A REESTRUTURAÇÃO DO TECIDO COMERCIAL DA CIDADE

Tal como nas restantes cidades portuguesas, a actividade


comercial de Leiria experimentou ao longo das últimas décadas um
processo de modernização e reestruturação espacial, nomeada-
mente de descentralização das funções e de reorganização dos
lugares de compras, o que não deixa de se reflectir nas alterações
visivelmente registadas nos padrões da geografia comercial da
cidade.

A composição do aparelho comercial da cidade, a sua estrutura


Reestruturação
económica e organização espacial sofreram, nas últimas décadas, económica do sector
grandes transformações que são consequência de um processo de
modelação produzido à escala global e local. A reestruturação do
sector parece articular-se em torno de três manifestações
transformadoras principais. Entre as mais significativas encontram-
se: o dinamismo diferenciado dos vários ramos de actividade, o
desenvolvimento de novos conceitos de venda a retalho, e, por
fim, as novas estratégias de gestão das empresas. Para darmos
conta do dinamismo ocorrido no sistema comercial da cidade,
procederemos à análise de dados recolhidos no levantamento
funcional, incidindo, essencialmente, nos ramos de actividade em
declínio ou em expansão, de forma a reconstruir a evolução do
sistema ao longo do tempo, tanto do ponto de vista do dinamismo
por ramo de actividade, como da própria evolução da
organização espacial dos pontos de venda, ou ainda dos
processos responsáveis pela sua reconfiguração.

Estudo de Avaliação dos Impactos dos Centros Comerciais na Cidade de Leiria 100
Faculdade de Letras
Universidade de Lisboa

3.3.1. O dinamismo evolutivo do aparelho comercial

Em matéria de evolução, o tecido comercial de Leiria revela antes


de mais um fraco peso das estruturas herdadas do passado,
confirmando uma forte juventude. A data de abertura dos Um tecido comercial
estabelecimentos permite concluir que apenas um número residual jovem: o fraco peso das
estruturas herdadas do
de lojas, actualmente em funcionamento, abriram as suas portas há passado
mais de vinte cinco anos. Em contrapartida, aproximadamente 70%
dos pontos de venda podem ser consideradas verdadeiramente
jovens, uma vez que operam na cidade há menos de quinze anos.
A juventude da estrutura comercial torna-se ainda mais evidente se
tivermos em consideração que não só mais de 35% das unidades
funcionais existentes iniciou a sua actividade nos últimos quatro
anos, como também, a partir de meados dos anos oitenta, uma
parte substancial da abertura de novos estabelecimentos se
transferiu para as várias galerias e centros comerciais, e que para
este efeito não foram contabilizados pelo facto de se encontrarem
integrados em empreendimentos genericamente diferentes e com
uma lógica de funcionamento distinta da desenvolvida pelas lojas
de rua. Por último, convém salientar como a multiplicação de
pontos de venda nos sectores de expansão urbana recente (ex:
urbanização Nova Leiria) tende a reforçar a tendência já de si
dominante de juventude do tecido comercial da cidade.

Se bem que se trate de um tecido comercial jovem, a verdade é


Elevada rotatividade dos
que apenas uma reduzida parcela das unidades funcionais se estabelecimentos
explica por uma real modernização do aparelho comercial. A
maioria deve-se, essencialmente, a uma elevada taxa de
rotatividade, em quase todos os ramos de actividade. Uma análise
mais profunda da informação, da qual a Figura 3.4 constitui uma
síntese, permite constatar que nem todas as funções centrais têm
conhecido o mesmo grau de desenvolvimento ou renovação dos
pontos de venda.

Estudo de Avaliação dos Impactos dos Centros Comerciais na Cidade de Leiria 101
Faculdade de Letras
Universidade de Lisboa

250

200

2001-2005
nº de estabelecimentos

150 1991-2000
até 1990

100

50

0
a

o
l
ar

es

de
e
b.

ra

ais
na

de
s

o
ai s
a
ais

le z

zad
la g
iro
rec

çã
oL

iç o
om

ultu
tar

ida

o

ltur
s so
so

Be
ce

ara
i

ali
i ss
Ho

erv
n

C
.d

tiv
r. C

ric
es

me

Cu
an
Pe

eci
s.

rv .
p
.
rof
u ip

ss

lec
Hig
t. B
P

Re
Fi n
rte

ze
A li

c.

sp

Se
.P
rv .
os

Eq

Co
tro

Re
ns
po

La

e,

rv .

oe
d.

rv .
ti g

Se

u ip

Ou

úd
Co
ns

rv .
Pr o

Se
rv .


Se
Ar

Eq

Sa
Tra

Se
Se

m.
Co

Figura 3.4
Fonte: Levantamento funcional, 2005 Dinamismo do aparelho
comercial da cidade de
Leiria
Embora os últimos vinte anos tenham sido favoráveis à expansão da
generalidade dos ramos de actividade, datando deste período a
abertura da maioria dos estabelecimentos, alguns manifestam uma
clara estagnação ou até mesmo um declínio. Por um lado, em
clara fase de expansão ou de renovação, destacam-se, as rubricas
dos «Artigos pessoais», dos «Serviços pessoais» e do «Equipamento
profissional». Por outro lado, em fase de declínio, realçam-se os
«Produtos alimentares», o «Equipamento para o lar» e o «Horeca».
Em estagnação, encontram-se, sobretudo, os ramos dos «Serviços
de reparação», os «Serviços de saúde», os «Serviços recreativos e
culturais», os «Serviços financeiros e de consultadoria», e os «Serviços
à colectividade». A abertura dos estabelecimentos mais recentes
tem sido acompanhada, sobretudo, pelo encerramento das
unidades mais antigas que, por factores diversos, perderam
Estudo de Avaliação dos Impactos dos Centros Comerciais na Cidade de Leiria 102
Faculdade de Letras
Universidade de Lisboa

competitividade no mercado. Neste sentido, uma boa parte das


dinâmicas observadas poderá ser interpretada como uma resposta
das empresas às novas exigências do mercado e à evolução dos
interesses, motivações e estilos de vida dos consumidores.

Estas dinâmicas anteriormente descritas devem ser relativizadas. No


caso do ramo «Horeca», é bem provável que o seu declínio se deva
mais ao elevado número de unidades para as quais não foi possível
apurar data de abertura, do que à elevada taxa de
encerramentos, dado que este é ainda o segundo ramo mais
significativo do mix comercial da cidade. Para a explicação deste
facto apraz ainda fazer a ressalva que mais de 40 estabelecimentos
para os quais foi possível apurar a sua data de abertura, se
encontram implantados nas galerias e centros comerciais, não
sendo considerados, para o efeito, na análise da rotatividade.

A explicação do significado da reestruturação descrita exige que Alguns factores


explicativos da elevada
se conheça a natureza dos estabelecimentos mais sensíveis às rotatividade dos
mudanças e se indague se a reorganização observada tem sido estabelecimentos
acompanhada por uma modernização dos pontos de venda
envolvendo, entre outros fenómenos, a concentração empresarial.
A este respeito, será importante levantar a hipótese de que é no
imobilismo dos comerciantes e na falta de planeamento
estratégico a este associada, que residem, porventura, os factores
explicativos da elevada rotatividade dos estabelecimentos que se
observa na cidade. As dinâmicas registadas pelo tecido comercial
ao longo das últimas décadas mostram que apenas as unidades
mais inovadoras, capazes de conceder aos consumidores uma
mais-valia real, estão a conseguir responder aos novos desafios,
mantendo-se no mercado de forma relativamente estável. Estas
unidades pertencem, grosso modo, a dois ramos que apresentam a
taxa de rotatividade mais reduzida, a saber: o dos «Serviços
pessoais» (25,5%) e o do «Equipamento profissional» (30,4%). Pelo
contrário, os estabelecimentos pertencentes aos ramos do
«Horeca» (57,7%), dos «Produtos alimentares» (59,3%), da
«Construção e bricolage» (58,3%) e dos «Transportes e combustíveis»
(56,9%) experimentam uma rotatividade muito superior, em que a
ocorrência de encerramentos é superior a metade do número total
de aberturas. A desespecialização funcional de uns e a fraca

Estudo de Avaliação dos Impactos dos Centros Comerciais na Cidade de Leiria 103
Faculdade de Letras
Universidade de Lisboa

qualidade do serviço de outros, conjugadas com uma deficiente


relação qualidade/preço, um ambiente de compra pouco
atractivo, os horários de funcionamento desajustados dos ritmos da
vida moderna e as deficiências de formação profissional dos
vendedores, parecem ser as principais causas do declínio que
muitos estabelecimentos tradicionais enfrentam de alguns anos a
esta parte, sobejamente reconhecidos por todos.

Deste modo, o encerramento dos estabelecimentos é relativa- Encerramento é selectivo


mente selectivo, sendo as maiores perdas registadas sobretudo
pelos pontos de venda mais pequenos do ramo alimentar e pelos
independentes que praticam métodos mais tradicionais (trabalho
familiar sem assalariados, persistência do balcão tradicional, sem
modernização).

Espacialmente o encerramento dos estabelecimentos não


aparenta nenhum padrão de distribuição. E fenómeno parece
generalizar-se a todos os sectores da cidade independentemente
da data de abertura das unidades (Figura 3.5).

3.3.2. Novas estratégias de gestão e novos conceitos de venda a retalho

A reorganização da actividade comercial, englobando a recessão


de algumas rubricas e a expansão de outras, constitui apenas um
vector das mudanças do sistema de distribuição. O desenvolvi-
mento da revolução comercial, os novos conceitos de venda a
retalho e as novas estratégias de gestão das empresas, embora
adquiram maior visibilidade nos espaços metropolitanos, não estão
ausentes nas cidades médias. Pela acção dos agentes locais e dos
operadores nacionais e estrangeiros, as diferentes componentes da
mudança foram sendo reproduzidas e/ou adaptadas a contextos
sócio-espaciais com potenciais de consumo menores e Leiria não
constitui excepção à regra.

Estudo de Avaliação dos Impactos dos Centros Comerciais na Cidade de Leiria 104
Faculdade de Letras
Universidade de Lisboa

Figura 3.5
Evolução do centro de
gravidade e da dispersão
dos encerramentos das
lojas (1980 a 2005)

Estudo de Avaliação dos Impactos dos Centros Comerciais na Cidade de Leiria 105
Faculdade de Letras
Universidade de Lisboa

Uma das manifestações mais importantes da mudança pela qual


tem passado o aparelho comercial retalhista de Leiria prende-se
com a diversificação dos formatos dos estabelecimentos e a
renovação das estratégias de gestão das empresas, desenvolvidas
sempre com o sentido de conquistar e defender o máximo de
vantagens sobre a concorrência.

No que toca à diversificação dos formatos dos estabelecimentos, é


de registar que o tecido comercial de Leiria, que até há pouco
tempo apresentava características muito homogéneas ao nível da
Diversificação dos
dimensão dos espaços, dos preços, da qualidade da oferta, da formatos dos
profundidade do sortido, da localização, dos horários e da estabelecimentos

imagem, tem evoluído progressivamente para formas bem mais


complexas. Uma das alterações mais significativas é introduzida
pelas grandes superfícies orientadas para a venda de produtos de
grande consumo (os supermercados e os hipermercados) e pelos
centros comerciais. Em linhas muito gerais, o seu aparecimento e
difusão seguem de perto as características que configuram o
fenómeno a nível nacional. No entanto, este fenómeno não deixa
também de ser marcado por algumas especificidades relaciona-
das, fundamentalmente, com a dinâmica de desenvolvimento
local e com a forma como os diferentes actores nacionais e
estrangeiros têm adaptado as suas estratégias a este contexto
sócio-espacial.

A modernização da oferta de produtos de grande consumo pela


via das grandes superfícies e das novas técnicas de venda, como o
livre-serviço, inicia-se na cidade em 1969, ano em que foi Grandes superfícies
inaugurada a primeira loja da cadeia regional de supermercados
Ulmar. Todavia, as inovações mais profundas e de maior impacte
no tecido comercial da região foram introduzidas, posteriormente,
pelas cadeias Pingo Doce e Intermarché, o hipermercado
Continente e as discount stores Dia e Lidl.

Com vantagens claras em relação à comodidade do acto do


abastecimento (mesmo que ainda para isso os consumidores sejam Vantagens das grandes
superfícies em relação
obrigados a percorrer distâncias maiores), aos preços dos produtos aos estabelecimentos
e à possibilidade de escolha, as grandes superfícies acabam por tradicionais
restringir consideravelmente o papel dos estabelecimentos tradicio-

Estudo de Avaliação dos Impactos dos Centros Comerciais na Cidade de Leiria 106
Faculdade de Letras
Universidade de Lisboa

nais nas práticas de abastecimento das famílias. As mercearias, os


talhos, as peixarias, os lugares de frutas, as drogarias e outros pontos
de venda, onde os consumidores se dirigiam assiduamente para
suprir as suas necessidades de consumo corrente, transformaram-se,
para a maioria, em espaços complementares do abastecimento.
Sem capacidade para poderem competir com as grandes
superfícies, as lojas tradicionais acabam mesmo por adquirir novas
funções e novos ritmos de frequência. Estas são hoje cada vez mais
utilizadas pelos consumidores entre a ida semanal ou quinzenal ao
supermercado e ao hipermercado para resolver problemas do
momento, que surgem em qualquer hora, em que o valor da
proximidade se torna bem mais precioso que o preço, a
diversidade da oferta ou a profundidade do sortido proporcionada
pelos grandes espaços.

As novas formas de comércio a retalho rompem também com os


tradicionais padrões de localização e organização espacial do
comércio em Leiria. Os princípios de centralidade e de proximidade Novas formas de
comércio e ruptura dos
que durante largas décadas organizavam, em função dos limiares padrões tradicionais de
de eficiência das distintas actividades e pontos de venda, a localização e
organização espacial
actividade comercial segundo uma rede hierárquica de centros,
tendem agora a ceder terreno ao princípio de acessibilidade, à
facilidade de circular e de estacionar. Os novos conceitos do
comércio a retalho que estão geográfica e psicologicamente
cada vez mais próximos dos consumidores, constituem uma
verdadeira ameaça aos estabelecimentos tradicionais. Embora
não os substituam, as grandes superfícies de dominante alimentar e
as lojas de desconto acabam, no entanto, por lhe reduzir a sua
centralidade no abastecimento e por obrigar os pequenos
retalhistas a adaptar a oferta e o serviço para poderem responder
com mais eficácia à nova realidade. Para se adaptarem às
alterações do mercado e à evolução dos estilos de vida, muitos
pequenos estabelecimentos têm adoptado diferentes estratégias,
investindo na melhoria da imagem, na modernização das técnicas
de venda, na orientação da oferta para segmentos específicos de
consumidores e na adesão a redes de franchising.

A par das grandes superfícies de dominante alimentar, os centros


comerciais encontram-se entre os empreendimentos que mais

Estudo de Avaliação dos Impactos dos Centros Comerciais na Cidade de Leiria 107
Faculdade de Letras
Universidade de Lisboa

marcas têm imprimido na paisagem da cidade. No ano corrente


de 2005 operam em Leiria catorze unidades, com características de
Centros comerciais:
dimensão, arquitectura, design e padrões de localização muito
distintos. Promovidos por pequenos investidores locais sem
experiência no ramo e empenhados no retorno rápido do capital
investido, as unidades inauguradas na primeira metade dos anos
oitenta não possuem qualquer interesse urbanístico e do ponto de Primeira metade dos anos
80
vista da oferta pouco trazem de novo à cidade. Na realidade, estes
centros comerciais caracterizam-se pela mera concentração de
pequenos estabelecimentos de venda a retalho e de serviços
dispostos aleatoriamente sem obedecerem a um planeamento
prévio do mix comercial. Localizados no centro da cidade e no seu
eixo de expansão para nordeste, mais do que pólos alternativos à
área central, estes reforçam a estrutura comercial existente. No
conjunto das unidades merecem referência o centro D. Dinis,
inaugurado no dia 9 de Dezembro de 1985, com cerca de 2000 m2
de ABL e 83 lojas, e o centro Maringá, inaugurado em 1986, com
148 estabelecimentos.

Numa segunda fase, os projectos começaram também a


diversificar as suas formas, a aumentar de dimensão e, sobretudo, a
prestar mais cuidado ao layout e ao design interior. No entanto, a Anos 90

estratégia seguida pelos seus promotores, nomeadamente, em


optarem pela venda das lojas e não por um plano concertado de
concessão de exploração que viabilizasse a gestão unificada do
espaço e definisse os direitos e deveres dos comerciantes,
associada à ausência de planeamento do mix comercial e à
pobreza dos espaços de lazer, anulam as inovações introduzidas e
acabam por não conseguir passar para os consumidores uma
imagem favorável. Alguns projectos que aparecem nesta altura,
como o Centro Comercial 2000, as Galerias São José e do Hotel D.
João III, embora bem mais recentes, registam hoje problemas
semelhantes aos que abriram as suas portas no período anterior e
nunca chegaram a assumir a dimensão de verdadeiras
centralidades que pudessem pôr em causa a vida comercial das
avenidas e ruas da cidade. Mais do que uma alternativa ao centro,
estes sempre mostraram ser espaços subalternos ou quando muito
complementares, principalmente nos dias em que as ruas e

Estudo de Avaliação dos Impactos dos Centros Comerciais na Cidade de Leiria 108
Faculdade de Letras
Universidade de Lisboa

avenidas se fecham ao consumo devido a condições climatéricas


desfavoráveis, pouco propícias às compras ao ar livre.

Em Novembro de 1997, abriu na cidade aquele que alguns anos


antes chegou a ser anunciado como o maior centro comercial da
região: o Shopping Center Sol de Leiria. No entanto, este nunca O caso do centro
conseguiu ganhar a centralidade para a qual as expectativas comercial “Sol de Leiria”

iniciais apontavam. A inexistência de uma estratégia concertada


de gestão, marketing e comunicação acabou por condicionar a
procura deste centro pelos consumidores da cidade, conduzindo
rapidamente ao encerramento do empreendimento.

Por último, na primavera de 2004 foi inaugurado na urbanização da


Lis Shopping
Nova Leiria o centro comercial Jardins do Lis. Trata-se de uma
unidade dotada de um padrão de qualidade arquitectónica,
layout e mix comercial claramente superior aos projectos anteriores,
atributos que poderão ditar um destino diferente. No entanto, do
ponto de vista da promoção e gestão do empreendimento,
poucas diferenças regista em relação aos anteriores, o que com o
aparecimento de empreendimentos dotados e unidade de gestão,
mix comercial planeado e espaços de lazer mais próximos dos
desejos dos consumidores poderá vir a revelar-se um forte handicap
à sua sustentabilidade a longo prazo.

Um dos aspectos mais salientes da reestruturação dos pequenos


Reestruturação das
estabelecimentos, associados tanto a retalhistas independentes
pequenas unidades:
como a cadeias de distribuição, prende-se com a diversificação do especialização e
desespecialização
formato das unidades e com a especialização e desespecialização
da sua oferta. Enquanto alguns se orientam para os preços
reduzidos, procurando cativar os consumidores de menores
recursos, entre os quais constituem alguns exemplos, no ramo
alimentar, as lojas de desconto Dia e Lidl, e no sector da
decoração e utilidades domésticas, as cadeias Casa, Galinha
Gorda, Loja dos 300; outros apostam na especialização profunda
numa gama específica de produtos: pantufas (de fonseca), doces
(Amor aos pedaços), artigos Walt Disney (Toon Store), mobiliário
infantil (Os Ursitos), pizzas (Pizza Hut), hamburgers (Mc Donald’s e
Funny Burger), brindes e prendas (Espaço Natureza, Camel Trophy);
outros ainda para a representação de uma marca facilmente

Estudo de Avaliação dos Impactos dos Centros Comerciais na Cidade de Leiria 109
Faculdade de Letras
Universidade de Lisboa

identificável pelo seu design, originalidade e exclusividade


(Benetton, Levi’s, Guess, Tintoretto, Trussardi Junior, Kid Cool, Petit
Patapon, Body Shop, Nectar…) ou então combinando no seu mix
várias marcas de reconhecido prestígio internacional.

Além das componentes referidas, a (r)evolução dos pequenos


estabelecimentos tem sido também marcada por uma adesão
cada vez maior dos comerciantes ao sistema de franchising. Em
tempos de crise e de escassez de recursos, muitas cadeias têm
adoptado esta estratégia para expandirem os seus negócios a
territórios mais vastos, onde o potencial de consumo justifica a sua
presença. Depois de se terem implantado nas grandes áreas
metropolitanas, as cidades médias tornaram-se também atractivas
e Leiria tem merecido a atenção dos operadores nacionais e
estrangeiros. Um número significativo de pequenos retalhistas tem
visto neste sistema um meio para modernizar os seus
estabelecimentos e outros, até então meros assalariados, uma
forma para se estabelecerem por conta própria minimizando os
riscos do investimento. Em 1998, e segundo Cachinho (2002),
operavam na cidade 57 estabelecimentos sob este regime, a
maioria dos quais representando prestigiadas cadeias
internacionais. Em termos de repartição sectorial, a sua estrutura
reproduz grosso modo as tendências nacionais. A maioria das
insígnias distribui-se pelos artigos pessoais (60%) e pelo mobiliário e
artigos de decoração (12.7%). No entanto, nos últimos anos, os
serviços começaram também a atrair a atenção dos comerciantes,
seja ao nível das lavandarias (5 à Sec), das encomendas postais
(MRW), do ensino de informática (FutureKids) e da restauração (Mc
Donald’s, Pizza Hut, Amor aos Pedaços, Baskin & Robbins).

A especificidade do sistema de franchising na cidade de Leiria


prende-se, fundamentalmente, com o padrão de localização dos Padrão de localização
pontos de venda. Embora a nível nacional os centros comerciais dos pontos de venda
franchisados
sejam lugares de eleição das cadeias, chegando por vezes a
ultrapassar em termos de preferência o centro da cidade, em Leiria
a situação alcança contornos bem diferentes. A qualidade dos
empreendimentos de forma alguma responde aos interesses das
cadeias que têm uma imagem de prestígio no mercado e cuja
preservação depende, em larga medida, dos espaços que

Estudo de Avaliação dos Impactos dos Centros Comerciais na Cidade de Leiria 110
Faculdade de Letras
Universidade de Lisboa

ocupam na cidade. Deste modo, a Praça Rodrigues Lobo no


centro histórico e a Avenida Heróis de Angola no «novo centro»,
constituem, por excelência, os protagonistas do sistema.
Reportando-nos aos dados recolhidos em 1997, dos 57 estabeleci-
mentos franchisados que operavam na cidade, apenas quinze
(26.3%) se localizavam em centros comerciais, sendo o Shopping Sol
Leiria, entretanto encerrado, responsável por metade das unidades.

3.3.3. Reorganização espacial da oferta comercial da cidade

Uma das informações mais interessantes que se pode retirar do


cruzamento do levantamento funcional com a data de abertura
dos estabelecimentos, prende-se com o facto deste instrumento
nos permitir conhecer de algum modo as dinâmicas do tecido
comercial e reconstruir com alguma fidelidade a evolução da sua
organização espacial. Assim, analisada a composição do sistema
Síntese da reestruturação
comercial e as principais mudanças experimentadas pelo sector ao espacial do tecido
nível dos estabelecimentos e das estratégias empresariais, importa comercial

agora identificar os processos conducentes à configuração


espacial que hoje se presenciam na cidade. Foi elaborado um
esquema de síntese das manifestações espaciais inerentes à
reestruturação do sector, com vista a permitir uma fácil visualização
dos processos e das tendências com maior significado na evolução
dos espaços de comércio da cidade (Figura 3.6).

Da observação das plantas funcionais, pode concluir-se que a


reestruturação económica por que passou o sector foi
acompanhada por uma reorganização dos lugares de compra e
O centro histórico: da
de abastecimento das famílias e pela redefinição da hierarquia dos
hegemonia…
centros de comércio da cidade. O declínio do centro histórico,
sobretudo do seu sector mais antigo da cidade, o desenvolvimento
de um «novo centro» a nordeste, povoado de centros comerciais, e
a emergência de novas polaridades na periferia por intermédio das
grandes superfícies, encontram-se entre os aspectos mais

Estudo de Avaliação dos Impactos dos Centros Comerciais na Cidade de Leiria 111
Faculdade de Letras
Universidade de Lisboa

marcantes da mudança da geografia comercial da cidade que


passamos a caracterizar em linhas gerais.

Herdeiro de uma velha centralidade definida pela concentração


de serviços administrativos, financeiros, religiosos e comerciais, que
apenas em parte conseguiu perpetuar no tempo, o centro histórico
permanece até ao início dos anos setenta a única área por
excelência de comércio e serviços da cidade. A pequena
dimensão da cidade e o fraco dinamismo demográfico que
registou durante várias décadas, associados ao papel importante
que as feiras e mercados desempenharam no abastecimento das
famílias, residentes na cidade ou nas aldeias vizinhas, não tornava
plausível outro tipo de organização espacial da actividade.

O protagonismo da área central terá alcançado o seu apogeu nos


anos trinta do século passado, altura em que abriu nas suas
imediações o mercado fechado de Santana. A partir de então a
oferta de bens de procura diária ou ocasional, concentrada nos
mercados e feiras ou nas lojas que proliferavam nas ruas da cidade,
transfere-se para este local, alimentando não só a oferta do centro,
mas também a animação das ruas que a ele conduzem, gerada
pela circulação de pessoas movidas pelas compras e o
abastecimento.

Os prenúncios do declínio da área central surgem, pela primeira


vez, nos finais dos anos sessenta e irão tornar-se uma realidade nas
décadas seguintes (Figura 3.5 e 3.6). Primeiro foi a expansão da
cidade para Nordeste com a abertura da Avenida Heróis de …aos sinais do declínio
Angola e o ordenamento dos espaços envolventes. A
modernidade das construções e a largueza das ruas, mais
adequadas à circulação, ao estacionamento e às necessidades
dos consumidores motorizados, arrastam consigo inúmeros
estabelecimentos, pois também eles encontram neste sector os
espaços de que necessitam para o exercício da actividade de
acordo com a organização da sociedade moderna. Depois, numa
segunda fase, foi a vez da expansão para Sul com a intensificação
das construções na Avenida Marquês do Pombal. Por último, numa
fase mais recente, a concorrência difunde-se por todos os sectores
da cidade. Chega da periferia, com a abertura do centro

Estudo de Avaliação dos Impactos dos Centros Comerciais na Cidade de Leiria 112
Faculdade de Letras
Universidade de Lisboa

comercial Continente e de vários supermercados e lojas de


desconto, das áreas pericentrais, com a inauguração do centro
comercial Sol de Leiria e da Quinta de Santo António, ou ainda do
«novo centro» representado pela Heróis de Angola, onde se
implantam, preferencialmente, as cadeias e a maioria dos
retalhistas ultraespecializados, com maior prestígio na cidade.

Figura 3.6
Esquema de organização
espacial do comércio na
cidade de Leiria

Fonte: adaptado de
Cachinho (2002: 358).

Centro histórico C. Comerciais Grandes superfícies


Especializadas

«Novo centro» Hipermercado


Feira
Centros secundários
Lojas de desconto Processos de
Centros locais (antigos descentralização
núcleos rurais) Supermercado 0 500
Fases de expansão
Processos de
Mercado municipal
desconcentração

Estudo de Avaliação dos Impactos dos Centros Comerciais na Cidade de Leiria 113
Faculdade de Letras
Universidade de Lisboa

Na realidade, os anos setenta constituem um marco na mudança Desdobramento do centro


da configuração espacial do tecido comercial da cidade. Até para Nordeste
então confinada ao centro histórico, a actividade comercial
estende a sua presença a Nordeste, fazendo da Avenida Heróis de
Angola a espinha dorsal de um «novo centro», que hoje mais do
que uma alternativa se transformou no principal centro de negócios
de Leiria, com especial destaque para as transacções comerciais
da venda a retalho. Este desdobramento do centro para nordeste
pode confirma-se quer com o deslocamento do centro de
gravidade9 do comércio, que registou sempre um deslocamento
em direcção ao quadrante norte, à excepção dos anos 90, onde
experimentou um repuxar para sudoeste; quer com o aumento da
área da elipse de dispersão10, pois ambos corroboram a orientação
do processo de desconcentração comercial (Figuras 3.7). A área
da elipse de dispersão registou entre a década de 70 e 80 um
aumento de 61,12 para 71,11 hectares, o que atesta o despontar
de uma tendência de dispersão por parte do aparelho comercial.

Dotado de um vasto conjunto de amenidades, entre as quais se Factores de concorrência


sobrelevam a modernidade das construções, os amplos espaços de do “novo centro” ao
centro tradicional
circulação e estacionamento, a disponibilidade de solo susceptível
de ser urbanizado e a proximidade do parque municipal; a
principal área verde ribeirinha da cidade, este sector acaba por se
impor facilmente enquanto espaço de comércio e lazer. Nesta
área, os comerciantes e operadores de serviços, em função dos
seus recursos económicos, podem optar por abrir os seus
estabelecimentos nas novas artérias urbanas ou por se implantar
num dos vários centros ou galerias que, ao longo das últimas duas
décadas, aqui foram sendo edificados. A distribuição espacial dos
estabelecimentos cuja abertura data dos anos setenta e oitenta,

9 O centro de gravidade ou centro médio de uma distribuição de localizações de

pontos no espaço é um conceito similar ao da média aritmética, adaptado ao caso


particular das distribuições espaciais.
10 A elipse de dispersão consiste numa forma elíptica definida em torno do centro
de gravidade, a partir da distância-padrão (importante medida de dispersão da
distribuição espacial de uma variável que consiste no desvio padrão das distâncias
entre o centro de gravidade e todos os pontos ou lugares da distribuição em
análise). Para definir uma elipse são necessários ainda outros parâmetros, a saber: o
centro de gravidade, os valores do eixo maior e do eixo menor e a orientação
(inclinação dos eixos, ou de apenas um deles).

Estudo de Avaliação dos Impactos dos Centros Comerciais na Cidade de Leiria 114
Faculdade de Letras
Universidade de Lisboa

não deixa a este respeito quaisquer dúvidas. Apesar de novas Figura 3.7
Evolução do centro de
unidades funcionais continuarem a abrir no centro histórico, os
gravidade e da dispersão
maiores ganhos registam-se no entanto a Nordeste. das aberturas de estabe-
lecimentos comerciais
(1980 a 2005)

Estudo de Avaliação dos Impactos dos Centros Comerciais na Cidade de Leiria 115
Faculdade de Letras
Universidade de Lisboa

Mais do que propriamente pela densidade de estabelecimentos,


ainda que elevada, o «novo centro» entra em concorrência com o
centro tradicional pela versatilidade das suas funções. A reunião no
seu interior de uma grande diversidade de estabelecimentos de
venda a retalho e de serviços com diferentes níveis de standing, do
mercado municipal, da feira, de vários centros comerciais e da
área pedonal, permite-lhe servir, simultaneamente, a compra diária
e ocasional e ainda oferecer aos consumidores diferentes espaços
de lazer. Depois, enquanto espaço de comércio, o «novo centro»
contém ainda a maior concentração de cadeias internacionais e
de prestigiados operadores locais e, neste sentido, poderá também
dizer-se que se transformou na principal referência da cidade para
todos aqueles que procuram no consumo das grandes marcas e na
frequência dos estabelecimentos de padrão internacional a sua
identidade.

Como referido anteriormente, a Avenida Heróis de Angola constitui,


por excelência, um dos protagonistas do sistema de franchising na
cidade de Leiria. As cadeias de franchising que se implantam nesta
nova centralidade, mais do que mercadorias, transaccionam
imagens, símbolos de pertença, status, indo ao encontro dos
desejos e necessidades de filiação tribal característicos do perfil do
cidadão-consumidor de Leiria. Ao ser depositário desta riqueza
simbólica, o «novo centro» da cidade desperta os indivíduos para o
deslumbramento do consumo lúdico e hedonista, reforçando o seu
peso enquanto nova centralidade concorrente do centro
tradicional.

Emergência da(s)
Por último, os anos noventa introduzem na organização espacial do
periferia(s)
sistema retalhista novas alterações que rompem com o modelo
alicerçado nos princípios da centralidade e da proximidade.
Enquanto as áreas do centro seguem o seu processo natural de
«affinage», proveniente do encerramento de algumas unidades de
standing inferior, da abertura e da modernização de outras e da
recepção pelos sectores mais nobres de novas cadeias de
franchising, outros sectores da cidade vêem surgir novos pólos com
um mix comercial diversificado, e a periferia recebe as primeiras
grandes superfícies: o centro comercial Continente junto à E.N. 1, o
supermercado Intermarché na rua das Olhalvas, as lojas de

Estudo de Avaliação dos Impactos dos Centros Comerciais na Cidade de Leiria 116
Faculdade de Letras
Universidade de Lisboa

desconto Lidl, na Guimarota e na avenida 25 de Abril, e Dia na


saída para a Marinha Grande. Se atentarmos na evolução da área
da elipse de dispersão no que respeita às aberturas de pontos de
venda nos anos 90, confirmamos que a descentralização do
comércio leiriense arranca, indubitavelmente, com a emergência
de centros periféricos de comércio nessa década. A sua área
expande-se de 71,11 hectares, em 1990, para 121,89 hectares, no
ano 2000, o que representa um acréscimo acima dos 71%.

Este processo de periferização do comércio na cidade completa-se


com a introdução pelas principais gasolineiras das lojas de
conveniência, pela instalação do McDonald’s na saída para as
Cortes, pela implantação na E.N.1 de múltiplas grandes superfícies
de artigos diversos, com uma forte atracção regional, beneficiando
directamente daquele importante eixo rodoviário. Fazem parte
deste leque de estabelecimentos diversos stands de automóveis,
unidades de equipamentos sanitários, madeiras, materiais de
construção, artesanato e quinquilharias, que se prolongam até à
Batalha e Porto de Mós. Descentralização
comercial e estrutura
urbana policêntrica
Com o aparecimento das novas polaridades na periferia da
cidade, inicia-se um novo ciclo na organização espacial dos
lugares de abastecimento e da compra, no sentido de uma
estrutura mais complexa comparativamente há vinte anos atrás. A
organização monocêntrica que vigorou até meados dos anos
setenta foi progressivamente cedendo terreno a uma outra
definida por múltiplas centralidades, passando o antigo centro,
enquanto espaço de compras, lazer e convívio, a constituir apenas
mais um pólo entre outros.

Contribuinte de uma estrutura urbana mais policêntrica, que diz


respeito ao declínio da organização hierárquica hegemonizada
pelo centro, em favor da emergência de uma multiplicidade de
novos centros (Barata Salgueiro, 1999)11, a actividade comercial
enceta pela primeira vez um verdadeiro processo de
descentralização deixando de circunscrever a sua presença à área
central para conquistar territórios inexplorados nas suas periferias,

Barata Salgueiro, T. (1999) – “A Cidade e o Comércio nos finais do século”; Fórum


11

Comércio, Cidade e Qualidade de Vida. Lisboa. DGCC/DGOTDU. pp. 22-27.

Estudo de Avaliação dos Impactos dos Centros Comerciais na Cidade de Leiria 117
Faculdade de Letras
Universidade de Lisboa

em pousio social ou que até à data apenas tinham merecido o


interesse dos promotores imobiliários e dos industriais da região.
Orientados, no essencial, para a oferta de produtos de grande
consumo, mas apostando na competitividade dos preços e na
diversidade da escolha, os novos pólos comerciais confrontam
agora a população com a hipótese de continuar a concentrar as
suas práticas de consumo no centro ou segmentar o processo,
separando no espaço e no tempo o abastecimento quotidiano da
compra ocasional. Pesados os prós e os contras, os consumidores
acabarão por conceder o seu aval às grandes superfícies e à
periferia e, por essa via, contribuir para acelerar a morte de
inúmeros estabelecimentos no centro da cidade cuja oferta é
coberta pelos novos empreendimentos a preços bastante inferiores.

3.4. CONCLUSÕES

Neste capítulo caracterizámos o tecido comercial da cidade, em


termos de composição sectorial, modernização dos pontos de
venda, formatos de estabelecimentos e formas de venda. Foram
analisadas as transformações recentes do sistema comercial da
cidade, concedendo um relevo especial aos factores que
influenciam a mudança da localização e assim interferem
directamente com a reestruturação da sua organização espacial.

Da descrição realizada em torno da organização da oferta comer-


cial da cidade convém reter algumas notas finais que decidimos
traduzir por um conjunto de tópicos de fácil leitura. O quadro
diagnóstico explorado aponta para as seguintes ideias-chave:
Forte concentração intra-
‹ A estrutura e a composição do sector caracterizam-se por uma
sectorial
forte concentração intra-sectorial num reduzido número de
ramos de actividade: os «artigos pessoais» (21,3%), os serviços de
«restauração» e de «alojamento» (15,3%) e o «equipamento
para o lar» (9,8%).

Estudo de Avaliação dos Impactos dos Centros Comerciais na Cidade de Leiria 118
Faculdade de Letras
Universidade de Lisboa

‹ A maioria dos pontos de venda é de reduzida dimensão,


empregando em média quatro pessoas ao serviço, confirman- Pontos de venda de
do o carácter familiar da maioria das empresas. reduzida dimensão

‹ O sector é dominado pelo pequeno investidor e pelo capital


Domínio do pequeno
familiar, o que não é favorável ao desenvolvimento de grandes investidor e do capital
projectos e constitui uma das fragilidades estruturais mais evi- familiar
dentes do aparelho comercial da cidade. O pequeno investidor
com escassas perspectivas de modernização acaba por
comprometer a capacidade de modernização do sistema
comercial de modo a acompanhar as mudanças introduzidas
nos últimos anos pelas novas formas de comércio, mobilizadoras
de concorrência de elevado potencial face ao comércio
tradicional.

‹ O aumento da concorrência é um factor estimulante à A concorrência como


inovação, seja na adopção de novos formatos, seja pelo factor de inovação

crescimento por meio da concentração. A diferenciação dos


níveis de investimento na inovação varia fortemente com o
perfil do comerciante.

‹ A organização espacial do comércio em Leiria é simples e


Modelo simples de
abarca:
organização espacial do
• o centro principal com os seus eixos de expansão recente aparelho comercial

(Rua Mouzinho Albuquerque e Avenida Heróis de Angola)


onde se concentra o grosso dos estabelecimentos
dedicados ao comércio não diário e as principais empresas
de serviços e de administração pública;

• alguns centros secundários de formação recente


(principalmente os núcleos da Avenida Marquês de Pombal,
do Vale Sepal, do Rego de Água / Gare de Leiria e da Nova
Leiria / Quinta de Santo António);

• alguns núcleos de vizinhança mas que se evidenciam pela


grande multiplicidade e dispersão de estabelecimentos de
comércio, no geral antiquados e fornecendo sobretudo
bens de primeira necessidade e de uso corrente;

• inúmeras lojas isoladas de comércio alimentar no seio das


áreas residenciais;

Estudo de Avaliação dos Impactos dos Centros Comerciais na Cidade de Leiria 119
Faculdade de Letras
Universidade de Lisboa

• um mercado municipal, um recinto de feira, vários super-


mercados, lojas de hard discount, grandes superfícies
especializadas;

• diversos centros/galerias comerciais com localização quer


na área central da cidade, quer na sua periferia imediata,
contribuindo para a extensão do centro da cidade.

‹ O aparelho comercial de Leiria revela um forte dinamismo, Aparelho comercial com


caracterizado, antes de mais, por um fraco peso das estruturas forte dinamismo
herdadas do passado e a juventude de um grande número de
pontos de venda. Porém, a juventude das unidades funcionais
só em parte é sinónimo de modernização. A verdade é que
esta se deve sobretudo a uma elevada taxa de rotatividade
dos estabelecimentos, comum à maioria dos ramos de
actividade. A este respeito, levantamos a hipótese de que é no
imobilismo dos comerciantes e na falta de planeamento
estratégico a este associada, que residem, porventura, os
factores explicativos da elevada rotatividade dos estabeleci-
mentos que se observa na cidade.

‹ Nem todas as funções centrais têm conhecido o mesmo grau Dinâmicas diferenciadas
de desenvolvimento ou renovação dos pontos de venda. Em das funções e pontos de
venda
fase de expansão ou de renovação destacam-se os ramos dos
«Artigos pessoais», dos «Serviços pessoais» e do «Equipamento
profissional». Em fase de declínio, surgem os dos «Produtos
alimentares» e do «Equipamento para o lar». A abertura dos
estabelecimentos mais recentes tem sido acompanhada,
sobretudo, pelo encerramento das unidades mais antigas que,
por factores diversos, perderam competitividade no mercado.
Neste sentido, uma boa parte das dinâmicas observadas
poderá ser interpretada como uma resposta das empresas às
novas exigências do mercado e à evolução dos interesses,
motivações e estilos de vida dos consumidores.

‹ O encerramento é relativamente selectivo, sendo maiores as


perdas dos estabelecimentos mais pequenos, afectos ao ramo
alimentar, geridos por independentes, que praticam métodos
de venda mais tradicionais (trabalho familiar sem assalariados,
persistência do balcão tradicional, sem modernização). Ao nível
da sua distribuição espacial, o encerramento dos estabeleci-

Estudo de Avaliação dos Impactos dos Centros Comerciais na Cidade de Leiria 120
Faculdade de Letras
Universidade de Lisboa

mentos não aparenta nenhum padrão. A distribuição deste


fenómeno parece generalizar-se a todos os sectores da cidade
independentemente da data de abertura das unidades.

O aparelho comercial da cidade de Leiria, à semelhança do que


aconteceu nas restantes cidades médias e/ou de grande
dimensão, experimentou, nas últimas décadas, uma profunda
reestruturação económica e espacial. Em linhas gerais, reconhece-
se que o modelo de organização secular, dominado hegemónica-
mente pelos retalhistas e prestadores de serviços independentes e
pelos pequenos estabelecimentos, implantados nas ruas e praças
de maior movimento do centro histórico, está a ser substituído por
um outro bem mais complexo, arquitectado no jogo das formas de
distribuição, na diversidade de formatos, em diferentes tipos de
comerciantes e na multiplicidade de lugares de compra e de
abastecimento com localizações distintas na cidade. Embora com
menor visibilidade, a perda de importância da centralidade e da
localização em detrimento da acessibilidade e da facilidade de
circular e de estacionar, tendem também a ser cada vez mais um
atributo das cidades médias, caso que Leiria tão bem testemunha.
Porém, nesta cidade, mais do que o declínio da centralidade, o
que se encontra verdadeiramente em causa é a perda de
importância concedida à proximidade geográfica nas práticas de
consumo e do abastecimento das famílias. O declínio do peso da
proximidade acaba, na prática, por produzir os mesmos efeitos do
declínio da centralidade, isto é, a desconcentração e a
descentralização da actividade comercial, com claros prejuízos
para o centro tradicional e vantagens para a periferia e os espaços
pericentrais.

Sem qualquer tipo de especialização funcional tanto do ponto de


vista dos ramos de actividade como da qualidade da oferta ou do
«standing» dos estabelecimentos, o centro da cidade enfrenta
actualmente o dilema em continuar a lutar pela concentração de
todo o tipo de actividades, apostando na diversificação e na
desespecialização funcional ou, pelo contrário, conceder
definitivamente à periferia o protagonismo no domínio do
abastecimento de produtos de uso corrente e apostar no
desenvolvimento do comércio de especialidade oferecido por

Estudo de Avaliação dos Impactos dos Centros Comerciais na Cidade de Leiria 121
Faculdade de Letras
Universidade de Lisboa

estabelecimentos de «standing» de nível superior, para o qual a


centralidade continua a ser um factor de primordial importância.

O declínio comercial do centro histórico da cidade é tanto maior


quanto menor é a capacidade de modernização dos comerciantes
nele implantados e mais atractivas as cidades se mostram para as
novas formas de comércio, como é o caso de Leiria. Marcados
pelo peso da inércia, pela velhice, pela falta de formação e,
sobretudo, pela incapacidade de reagir às mudanças do
mercado, um grande número de pequenos retalhistas e
operadores de serviços tem vindo a perder terreno para as novas
formas de comércio e as cadeias de distribuição, que acabam
quase sempre por ser responsabilizadas pelo declínio dos primeiros,
assumindo, muito frequente e precipitadamente, a totalidade do
peso explicativo dos riscos de insustentabilidade do aparelho
comercial da cidade. No entanto, este estudo permite concluir que
o problema do declínio do comércio tradicional é bem mais
complexo. Como os comerciantes tradicionais do centro
geralmente não investem na modernização, nem libertam os
espaços para que novos comerciantes, mais dinâmicos, com outras
posturas perante as ameaças e oportunidade do sector, o possam
fazer, a renovação comercial em Leiria está fazer-se, principal-
mente, nas áreas pericentrais e na periferia. É nestas áreas e não no
centro histórico que os grandes empreendimentos comerciais
colocam à disposição dos novos investidores independentes e das
grandes cadeias de distribuição os espaços que necessitam para
se estabelecer.

A descentralização da actividade comercial, o aparecimento de


novos centros de comércio e serviços na(s) periferia(s) e o declínio
do centro da cidade, constituem, em grande medida, uma
consequência disso mesmo, que dificilmente poderá ser combatida
ou resfriada, até porque, não raras vezes, esta descentralização se
faz através da implantação de grandes centros comerciais e
hipermercados que fornecem aos consumidores não só os produtos
e serviços que se podem encontrar no centro tradicional, mas
também ambientes e experiências de consumo mais consistentes
com os seus estilos de vida, as suas necessidades e os seus desejos.

Estudo de Avaliação dos Impactos dos Centros Comerciais na Cidade de Leiria 122

Você também pode gostar