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PARECER nº 003/2020 SAF/3ªICFEx

1. EMENTA – Danos ao erário; dano ou extravio de material; nexo causal; reposição


de material extraviado ou danificado; apuração de valores para indenização por material
extraviado ou danificado.

2. OBJETO – Padronizar entendimento sobre o tema, em virtude de inconsistências


verificadas nas Unidades Gestoras Vinculadas (UGV), quanto aos procedimentos
adotados em face da condução dos trabalhos de apuração de prejuízos ao erário por dano
ou extravio de material, especialmente no que concerne à correta quantificação do dano
e a qualificação dos responsáveis.

3. LEGISLAÇÃO PERTINENTE
Constituição Federal/1988;
Decreto nº 98.920 de 12 de janeiro de 1990 - Regulamento Administrativo do
Exercito (RAE)-(R-3);
Lei nº 9.784, de 29 de janeiro de 1999 – Regula o processo administrativo na
Administração Pública Federal;
Normas Administrativas Relativas ao Suprimento (NARSUP), de 05 de julho de
2002;
Portaria nº 1.324 - Cmt Ex, de 04 de outubro de 2017 – Regula as normas de
apuração de irregularidades administrativas com indícios de dano ao erário;
Portaria nº 107, de 13 de fevereiro de 2012 – Regula as normas para realização de
Sindicância;
Instrução Normativa - TCU nº 71, de 28 de novembro de 2012, alterada pela
Instrução Normativa - TCU nº 76, de 23 de novembro de 2016, encaminhamento
ao TCU dos processos de tomada de contas especial; e
Portaria nº 424 - Cmt Ex, de 27 de março de 2019 – Regula as normas para
realização de Tomada de Contas Especial.
4. RELATÓRIO
Em cumprimento ao Art. 15, da Portaria nº 1.324 - Cmt Ex, de 04 de outubro de
2017, esta Unidade de Auditoria Interna Governamental (UAIG) tem observado que
existe um tratamento heterogêneo com relação aos procedimentos adotados pelas UGV
ao apurar e solucionar sindicâncias que tem como objeto da apuração “dano e/ou
extravio de material”, especialmente no que concerne à correta quantificação do dano e
a qualificação dos responáveis. Após a análise de alguns processos, verificou-se algumas
falhas na condução das apurações, implicando diretamente em erro na quantificação do
dano ao erário e na caracterização da conduta dos indicados como responsáveis, em
prejuízo da boa gestão e ofensa aos princípios constitucionais da legalidade e da
eficiência. As principais falhas processuais ora observadas são:
a. Deixar de manifestar-se, conclusivamente, sobre a existência de dolo (má fé),
negligência imprudência ou imperícia;
b. Deixar de caracterizar a conduta dos responsabilizados, em prejuízo da
constituição donexo causal (causa x efeito);
c. Quantificar o dano, de forma equivocada, a partir do valor depreciado do
material extraviado ou danificado; e
d. Não ofertar, ao responsabilizado, a possibilidade de repor o material danificado
e/ou extraviado, substituindo por outro igual ou similar, que atenda as condições
de uso do bem substituído.

5. APRECIAÇÃO
5.1. Do estrito cumprimento do dever legal nos procedimentos apuratórios
Nos processos administrativos serão observados, entre outros, os critérios de
conformidade legal; interesse público; adequação entre meios e fins e indicação dos
pressupostos de fato e de direito que determinarem a decisão, devendo a administração
pública obedecer aos princípios da legalidade, finalidade, motivação, razoabilidade,
proporcionalidade, moralidade, ampla defesa, contraditório, segurança jurídica, interesse
público e eficiência (Art. 2º. da Lei nº 9.784/99).

Na ocorrência de fatos ou atos de qualquer natureza, que contenham indícios de


dano ao erário, a autoridade administrativa competente, deve, imediatamente, adotar
medidas administrativas para caracterização e/ou elisão do dano, apuração dos fatos,
identificação dos responsáveis, quantificação do dano e obtenção do ressarcimento. A
sindicância deverá ser adotada como procedimento padrão para a apuração e
ressarcimento. E situações específicas, onde houver indícios de crime, deverá ser
instaurado, também, um Inquérito Policial Militar (IPM) e, em caráter excepcional, uma
Tomada de Contas Especial (TCE). (§1º,2º e 3º do Art. 3º, da Portaria nº 1.324 - Cmt Ex,
de 04 outubro de 2017).

A Sindicância poderá ser substituída pelo Termo Circunstanciado Administrativo


(TCAdm) quando, de forma cumulativa e concomitante, o valor do dano for igual ou
inferior a R$ 17.600,00, o responsável pelo dano for conhecido, houver ausência de dolo
ou de má-fé e não existir uma norma específica que determine a instauração obrigatória
da sindicância. (Portaria nº 1.703 - Cmt Ex, de 22 de Outubro de 2019). Nota-se que o
TCAdm não se aplica quando:

a. o objeto da apuração for dano ou extravio de material advindo da cadeia de


suprimentos, a ser descarregado ou desrelacionado nos termos dos inc. III, IV e
VII do Art. 77 da Portaria n° 09-D LOG, de 27 de junho de 2002 (NARSUP), ou

“Art. 77. O material de provimento armazenado nos OP, ressalvadas as peculiaridades


de cada classe de suprimento, só poderá ser descarregado ou desrelacionado pelos
seguintes motivos:
[...]
III-Perda ou extravio;
[...]
IV-furtou roubo;
[...]
VII-ações motivadas por sinistro.
§ 1º Toda proposta de descarga e/ou desrelacionamento de material de provimento, em
razão dos incisos III, IV e VII do art. 77, enviada à DS, deverá ser precedida de
sindicância ou IPM, onde fique apurada a razão determinante.” (grifo nosso)

2
b. quando se tratar de material de uso controlado, tanto os recebidos dos órgãos
provedores, quanto os adquirido com recursos da prória OM (artigos de alto
custo, altamente técnicos, que apresentam periculosidade no manuseio, escassos
no mercado interno ou externo, e os materiais estratégico (R-3)).

“Art. 88. O Agente Diretor examinará o documento a que se referem os arts. 86 e 87, e
determinará as providências constantes dos parágrafos deste artigo.
[...]
c) for controlado.
3) abertura de sindicância, sempre que houver indício de incúria ou imprevidência.
4) instauração de Inquérito Policial-Militar (IPM), sempre que houver indício de
crime.” (grifo nosso)

Esgotadas as medidas administrativas para caracterização ou elisão do dano,


observado o prazo de 180 dias, sem a devida restituição ao erário, e subsistindo os
pressupostos, a autoridade administrativa competente deverá providenciar a imediata
instauração de TCE (Art. 6º da Portaria nº 424 - Cmt Ex, de 27 de março 2019).

5.2. Da caracterização dos fatos


Durante o procedimento apuratório, o sindicante deverá buscar a comprovação
documental e física que evidencie a perda ou o extravio do material (ex: fotos,
inventários, notas fiscais, guias de recebimentos, ficha geral de estoque, recebimentos e
passagens de cargas, laudos de vistorais técnicas, perícias, oitivas1); tantas quanto se
façam necessárias para caracterizar os fatos e identificação dos responsáveis.

O Parecer deve ser circunstanciado em fatos (referenciar no relatório a folha dos


autos que contém a prova documental que evidencia determinada opinião do sindicante),
fazendo constar, obrigatoriamente na parte conclusiva, se há ou não dano do erário, bem
como sobre a existência de dolo, negligência, imprudência ou imperícia dos envolvidos
(Portaria nº 1.324 - Cmt Ex, de 04 de outubro de 2017).

“Art. 7º O sindicante deverá observar desde o início da sindicância, fazendo constar na


parte conclusiva do relatório parecer contemplando, obrigatoriamente, manifestação
específica conforme as situações a seguir:
[…]
II - nos casos de dano em instalações ou de perda ou extravio de materiais diversos, o
encarregado da sindicância deverá se manifestar sobre a existência de dolo,
negligência, imprudência ou imperícia por parte do sindicado;
[...]
V - em todos os casos:
a) se há ou não dano ao erário, com a descrição detalhada da situação que deu origem
ao dano, lastreada em documentos, narrativas e outros elementos probatórios que deem
suporte à comprovação de sua ocorrência;

5.3. Do nexo de causalidade

1
Proceder as oitivas daqueles que tenham exercido as funções relacionadas aos fatos a serem
apurados à época da ocorrência dos mesmos e, ainda, de outros agentes que tenham participado direta ou
indiretamente do fato em apuração (letra b) do Inc. V, do art. 7º da Portaria nº 1.324 - Cmt Ex, de 04 OUT
17).

3
A conduta dos responsáveis não pode ser baseada em uma possibilidade ou
suposição, tendo em vista que é competência do sindicante buscar a verdade
material e a comprovação documental dos fatos apresentados. Neste sentido, deve-se
utilizar verbos no infinitivo, mencionar os documentos que comprovem a conduta adotada
e indicar a conduta correta que deveria ter sido tomada. O nexo de causalidade deve
evidenciar a relação de causa e efeito entre a conduta do responsável e o resultado ilícito e
deve estar explícito no relatório e na matriz de responsabilização.( letra c) do Inc. V, do
art. 7º da Portaria nº 1.324 - Cmt Ex, de 04 OUT 17)
“c) evidenciação, por intermédio da Matriz de Responsabilização (Anexo A), exceto nos
casos de prejuízo imputado à União, da relação entre a situação que deu origem ao
dano e a conduta ilegal, ilegítima ou antieconômica da pessoa física ou jurídica a quem
se imputa a obrigação de ressarcir os cofres públicos;

Quanto a responsabilização, por danos ou extravio de material, aos


detentores de carga, há que se ter extrema dedicação à constituição do nexo causal,
devendo ser atribuído ao dententor apenas quando, comprovadamente, não for possível
identificar quem, de fato, perdeu ou extraviou o material, observando sempre a relação
de causa e efeito, ou seja, se a conduta do detentor da carga deu causa ao dano ou
contribuiu para que ele acontecesse.

Diz o artigo 13, do nosso Código Penal, que o resultado é imputável a quem lhe
deu causa. Não basta a prática da conduta ilícita, é necessário que ela seja a causa
do dano. Cuida-se de saber se um determinado resultado é imputável ao agente. A
correta determinação do nexo de causalidade serve para identificar quem causou o dano
e tem também o propósito de identificar o próprio conteúdo da responsabilidade,
portanto delimita até onde o autor pode responder.2

Neste sentido, cabe observar alguns julgados do TCU:


“APURAÇÃO DE RESPONSABILIDADE PELO EXTRAVIO DE BENS DO
PATRIMÔNIO DO TCU. 1. A responsabilidade disciplinar de servidor detentor da carga
de bem extraviado depende da comprovação de sua concorrência culposa ou dolosa para
esse extravio. 2. Na apuração da culpa ou do dolo do servidor para fins de
responsabilização disciplinar devem ser consideradas eventuais circunstâncias
agravantes e atenuantes. 3. A existência dos elementos previstos no art. 128 da Lei nº
8.112, de 1990, deve ser apurada com base nas circunstâncias fáticas descritas e
comprovadas nos autos do processo. 4. A falta de comprovação de que uma conduta
culposa ou dolosa do servidor contribuiu para o extravio ou a avaria de um bem o
isenta de ressarcir o valor desse objeto.” (Acórdão 781/2009 – Plenário) (grifo nosso).
“Tomada de Contas Especial. DNPM. Desaparecimento de bens. Processo
Administrativo não comprovou a culpabilidade do agente responsável. Inquérito Policial
não apurou a autoria do desaparecimento. Baixa contábil do objeto. Exclusão de
responsabilidade. Arquivamento. Voto:[…] Destarte, não há como responsabilizar o
detentor da guarda do equipamento, ante a impossibilidade de imputar-lhe um débito
proveniente de ocorrência alheia à sua vontade e aos atos inerentes às funções de que
está investido.” (Decisão 161/1993 - Primeira Câmara) (grifo nosso).

5.4. Da Quantificação do dano

2
Kretzmann, Renata Pozzi - Nexo de causalidade na responsabilidade civil: conceito e teorias
explicativas (pag.1), <https://s3.meusitejuridico.com.br/2018/08/900ca64d-nexo-de-causalidade-na-rc-renata-
k.pdf>

4
5.4.1. Da reposição do material extraviado e/ou danificado
O ressarcimento pode ocorrer pela entrega de um bem de características
iguais ou superiores ao danificado ou extraviado, mediante comprovação expressa do
responsável pelo material, acerca da adequação dessa forma de ressarcimento para a
Administração, conforme prevê a própria Notificação do Débito (Anexo D) da Portaria nº
1.324 - Cmt Ex, de 04 OUT 17.

Ofertar esta possibilidade ao sindicado pode abreviar a solução, visto que, por
vezes, pode ser vantajoso para o responsabilizado ao mesmo tempo que atende ao
interesse público, promovendo a pronta reposição do bem público e está legalmente
previsto no parágrafo único do Art. 148 do RAE:
“Parágrafo único. Poderá ser exigido do responsável a reposição do material
danificado ou extraviado.”
Não havendo a reposição do bem danificado ou extraviado, o sindicado deverá
indenizar o material, de forma que o valor da indenização seja suficiente para que a
administração faça a reposição por outro idêntico ou semelhante, nos termos do Art.
148 do RAE:
Art. 148. O valor do material, para efeito de indenização, será aquele que permita sua
reposição por outro idêntico ou semelhante, observados os critérios estabelecidos pelos
Órgãos Gestores ou, quando adquirido pela UA, o fixado pela administração.

5.4.2. Da metodologia do cálculo para indenização


5.4.2.1. Dano ou extravio de materiais adquiridos pelas OM
A quantificação do valor a ser cobrado à título de indenização por dano ou
extravio de materiais adquiridos diretamente pelas OM deve seguir a seguinte
metodologia:
a. Realizar pesquisa de mercado, para qual recomenda-se utilizar os parâmetros
previstos no Art. 5º da IN nº 73, de 05 de agosto de 20203. O preço pesquisado
será considerado o valor original do débito, que deverá ser atualizado até a data
da notificação, pelos índices ofíciais4; ou

b. Na imposibilidade de realizar uma pesquisa atualizada de preço, por se tratar de


um produto fora de mercado e não existindo um produto similar que possa
substituir àquele danificado ou extraviado, o sindicante deverá identificar o valor
de aquisição do item na Nota fiscal de entrada e atualizar, da data da aquisição
até a data da ciência do fato, aplicando o Índice Nacional de Preços ao
Consumidor Amplo (IPCA). O resultado será considerado o valor original do
débito, que deverá ser atualizado até a data da notificação, pelos índices ofíciais.5
3
Dispõe sobre o procedimento administrativo para a realização de pesquisa de preços para a
aquisição de bens e contratação de serviços em geral, no âmbito da administração pública federal direta,
autárquica e fundacional.
4
IPCA ou SELIC conforme os critérios de comprovação de má-fé ou presunção de boa-fé previstos
no CAPÍTULO IX da Portaria nº 1.324-Cmt Ex, de 04 de outubro de 2017.
5
IPCA ou SELIC conforme os critérios de comprovação de má-fé ou presunção de boa-fé previstos
no CAPÍTULO IX da Portaria nº 1.324-Cmt Ex, de 04 de outubro de 2017.

5
5.4.2.2. Dano ou extravio de materiais recebidos pela cadeia de suprimentos

A quantificação do valor a ser cobrado à título de indenização por dano ou


extravio de materiais recebidos pela cadeia de suprimentos deve seguir o previsto nas
Normas Administrativas Relativas ao Suprimento (NARSUP):
“Art. 96. Para fins de indenização, o valor do material será aquele que permita sua
reposição por outro idêntico ou semelhante, devendo ser observado:
I - o preço corrente de material similar no comércio, na data da publicação da ordem
de indenização;
II – o preço registrado na última guia de fornecimento, atualizado por meio dos índices
oficiais, até a data de publicação da ordem de indenização em BI;
III - o preço avaliado por uma comissão de três oficiais nomeada para esse fim, caso
não seja possível a adoção de nenhuma das alternativas anteriores; ou
IV - o preço constante do banco de dados da DS.”

Para fins de intrepretação passificada desta norma, entende-se por “data da


ordem de indenização” a data da publicação do despacho decisório (solução) que
ordenou o ressarcimento.

6. CONCLUSÃO
Em vista do exposto, é imperioso afirmar que a correta caracterização dos fatos,
quantificação do dano e qualificação dos responsáveis devem se firmar nas provas
documentais existentes e/ou produzidas na fase de instrução, estas irão evidenciar o
parecer do sindicante, que deverá envidar todos os esforços a fim de chegar à verdade
material com total imparcialidade e promover o ressarcimento ao erário pelo bem
danificado ou extraviado, seja através da substituição do material danificado ou
extraviado, seja através da indenização.

A constituição do nexo causal é primordial para imputar o dano à alguém ou


isentar sua responsabilidade de restituir ao erário, observando que o dano só deve ser
atribuído à quem lhe deu causa ou contribuiu para sua ocorrência, seja por ação ou
omissão.

A quantificação do prejuízo causado ao erário deve ser realizada pela


metodologia adequada para cada caso, seguindo as orientações previstas no RAE e nas
normas vigentes dos órgãos provedores dos materiais.

Por fim, é mister destacar que a autoridade competente, além de apurar os fatos,
definir responsabilidades, e reparar eventuais efeitos do ato ilícito, através da
sindicância, deve também adotar medidas preventivas para evitar a sua reiteração.

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