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Cada pessoa é chamada a posicionar-se, pessoal e socialmente, face às atuais normas culturais
hegemónicas relativas ao género e à anatomia. Para algumas, isso implica um significativo
desacordo com essas normas, que as leva a processos de afirmação ou transição de género. Em
anos recentes, estes percursos de transição de género têm tido maior visibilidade no nosso país, a
par de outros temas de género, de acesso a tecnologia médica e de reconhecimento civil. Podem
apontar-se, como marcos desta maior visibilidade pública das questões trans*, o homicídio
'multifóbico' de Gisberta Salce Júnior (em 2006, no Porto), e a aprovação da lei 7/2011, relativa à
adequação do nome e anatomia civis. Por seu lado, vem emergindo um novo paradigma de
cuidados nesta área. O protocolo Standards of Care, da Associação Internacional de
Profissionais de Saúde Trans (WPATH), constitui-se neste momento como referência
internacional, e padrão segundo o qual são avaliados os cuidados disponibilizados nesta área. A
sua última versão, publicada em Setembro de 2011, afirma que as identidades e expressões fora
da norma social hegemónica do género integram a diversidade humana e não têm caráter
patológico. Tal posição é próxima à de parte do ativismo social, literatura e prática clínica
recentes, que tem produzido propostas de cuidados baseados em consentimento informado,
respeito pela autonomia, perspetivas não patológicas das experiências e identidades de género
não normativas, redução de riscos e participação de quem trabalho em Saúde no combate ao
estigma social (inclusive, o estigma encontrado nos próprios Serviços de Saúde).
Pode apontar-se, em jeito de conclusão, que as atuais dificuldades de acesso à Saúde por parte de
populações trans* poderiam ser minoradas pela integração, na formação de quem trabalha em
Saúde, de competências básicas nesta área. Por outro lado, para além do aumento da investigação
específica a esta área, é premente que os estudos de indicadores de Saúde na população geral
portuguesa discriminem dados sobre as populações trans*. O acesso a cuidados primários
adaptados às necessidades é um fator de reconhecida importância no desenvolvimento das
populações, através da redução da prevalência e morbimortalidade de várias doenças. Assim, é
de admitir que cuidados mais acessíveis, específicos e qualificados poderão diminuir as carências
e riscos atuais na Saúde das populações trans*, permitindo que estas pessoas obtenham ganhos
significativos em qualidade e esperança de vida, beneficiando assim de um maior usufruto da
cidadania.
O autor era, à data desta comunicação, médico interno do ano comum no Centro Hospitalar de
São João.
Bibliografia de referência:
FELDMAN JL, GOLDBERG J: Transgender Primary Medical Care: Suggested Guidelines for
Clinicans in British Columbia. Vancouver Coastal Health, Transcend Transgender Support &
Education Society, Canadian Rainboe Health Coalition: 2006. Disponível em linha.
RAJ Rupert. Towards a Transpositive Therapeutic Model: Developing Clinical Sensitivity and
Cultural Competence in the Effective Support of Transsexual and Transgendered Clients.
International Journal of Transgenderism 2002; 6. Disponível em linha.