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RESUMO Este artigo propõe uma análise do acolhimento em Unidades Básicas de Saúde, no
município do Rio de Janeiro, que com a utilização de técnicas de observação sistemática e
entrevista semiestruturada construiu sentidos sobre esse acolhimento. No dito, os profissio-
nais o consideram como tecnologia para ampliação da escuta e diminuição da fragmentação
do cuidado. No entanto, na prática constroem peregrinação de usuários em busca do cuidado
e frágil trabalho em equipe no desenho do acolhimento proposto. Percebeu-se dificuldade de
incorporar na prática os conceitos de longitudinalidade e coordenação do cuidado, associada
à postura e ao envolvimento dos profissionais com o acolhimento.
ABSTRACT This article intends to do an analysis about the reception in Basic Health Units in the
city of Rio de Janeiro, which by the means of techniques of systematic observation and semi-s-
tructured interview, built senses about the reception. Then, professionals consider reception as a
technology for the increasing of the listening and the decreasing of the fragmentation of the cared
one. However, in practice they build pilgrimage for the users in the pursuit of care and fragile
teamwork to go along with the proposed reception. It’ was noticed difficulty in incorporating in
practice the concepts practice of longitudinality and coordination of the care, associated to the
posture and involvement of professionals with the reception.
1 Prefeiturado Rio de
Janeiro, Estratégia Saúde
da Família – Rio de Janeiro,
Brasil. Universidade
Estadual do Rio de Janeiro
(Uerj), Policlínica Piquet
Carneiro – Rio de Janeiro,
Brasil.
tarcisofeijo@yahoo.com.br
2 Universidade Federal
do Rio de Janeiro (UFRJ),
Faculdade de Medicina,
Departamento de
Medicina de Família e
Comunidade – Rio de
Janeiro, Brasil.
valromano@uol.com.br
DOI: 10.1590/0103-110420151050002005 SAÚDE DEBATE | rio de Janeiro, v. 39, n. 105, p.363-374, ABR-JUN 2015
364 SILVA, T. F.; ROMANO, V. F.
de proteção social, como amigos e famílias, Agente Comunitário de Saúde (ACS), auxi-
pelas pessoas que estão sendo acolhidas pelo liar de portaria, auxiliar de serviços gerais,
sistema de serviços de saúde. um profissional do Núcleo de Apoio a Saúde
Considerando o exposto – e fruto de da Família (Nasf ) e o gerente de ambas as
uma dissertação de Mestrado em Atenção unidades. Foram realizadas 11 entrevistas
Primária com Ênfase na Estratégia Saúde da por unidade de acordo com as categorias
Família, realizado na Fiocruz – este artigo apresentadas.
pretende analisar dinâmicas de acolhimento Os critérios de inclusão para escolha dos
observadas em duas UBS, no município do profissionais foram aplicados nas duas UBS
Rio de Janeiro. pesquisadas, a saber: tempo de atuação
na atenção primária, especificamente na
Estratégia Saúde da Família (ESF); possuir
Metodologia especialização na área da atenção primária,
quando profissional médico, enfermeiro e
Este artigo apresenta o resultado de uma dentista, e outros cursos específicos rela-
pesquisa de campo, de base qualitativa, que cionados à atenção primária ou saúde da
realizou um estudo descritivo e exploratório família, quando profissionais de nível médio.
em duas UBS no município do Rio de Janeiro: A pesquisa foi realizada de acordo com as
uma Clínica da Família (CF) e um Centro seguintes fases: estudo bibliográfico (MINAYO,
Municipal de Saúde (CMS), entre os meses 2007), observação sistemática (BECKER, 1997) e
de julho e agosto de 2013; sendo aprovado entrevista semiestruturada (MINAYO, 2007). O
pelo Comitê de Ética em Pesquisa da Ensp/ estudo bibliográfico consistiu de uma pes-
Fiocruz sob o nº 182.519 e recebido anuên- quisa na base de dados utilizando os descri-
cia institucional da Secretaria Municipal de tores: acolhimento, atenção primária e ESF,
Saúde do Rio de Janeiro. nos atualizando sobre como o acolhimento
Nesse município, segundo a Carteira de tem sido utilizado na ESF de maneira siste-
Serviços da Atenção Primária à Saúde (SMSDC, mática e nem sempre adequada a sua propos-
2011), as UBS são divididas de acordo com o ta original de produzir escuta qualificada.
perfil de atendimento, sendo assim classifica- A observação sistemática foi realizada
das: Módulo A: Clínica da Família, seguindo como apoio às entrevistas e permitiu iden-
o processo de trabalho da Estratégia Saúde tificar a configuração do acolhimento nas
da Família; Módulo B: Centro Municipal de unidades, apontando fragilidades no proces-
Saúde, seguindo o processo de trabalho dos so de trabalho, o que será melhor explorado
tradicionais Postos de Saúde, com presença adiante. Foram realizados dois turnos de ob-
de especialistas. servação sistemática em cada unidade, com
A pergunta que motivou o estudo foi: como um roteiro predefinido, perfazendo um total
vem sendo realizado o acolhimento nas UBS de 20 horas de observação.
no município do Rio de Janeiro, conside- A entrevista semiestruturada foi realizada
rando a Politica Nacional de Humanização, para identificar os diversos significados das
a Política Nacional de Atenção Básica e a falas dos profissionais das diferentes cate-
Carteira de Serviços do município? gorias no que tange ao acolhimento e suas
Os sujeitos da pesquisa foram, portanto, implicações para a atenção primária. Além
os próprios trabalhadores da saúde, em um disso, possibilitou identificar a compreensão
universo de 22 profissionais pesquisados, a por parte dos profissionais sobre a impor-
saber: médico, enfermeiro, dentista, técnico tância do acolhimento para a organização
de enfermagem, técnico de higiene dental, do processo de trabalho nas unidades. Um
Agente de Vigilância em Saúde (AVS), roteiro previamente elaborado, com os
micropolítica das relações, distanciando- uma saída fundamental (MACEDO ET AL., 2011).
-se da possibilidade de produzir mudanças
(ANDRADE ET AL., 2007). Atravessando o olhar
Quando o pesquisador se identificou para
os profissionais, eles se empenharam em Certamente, uma das limitações da pesquisa
ofertar possibilidade de compreensão sobre geradora deste artigo, apoia a ideia de que
o envolvimento e entendimento da impor- talvez tivéssemos que analisar as duas UBS
tância do acolhimento para a organização do em separado, considerando que possuem
processo de trabalho nas unidades, gerando trajetórias e tempos de existência diversos.
como consequência, um reconhecimento dos No entanto, como a coexistência de modelos
serviços e fluxos de acolhimento adotados. foi uma estratégia utilizada no município
Nas duas unidades, de acordo com o do Rio de Janeiro para a expansão da APS,
modelo de atenção e a estrutura física, exis- achamos fundamental observar e registrar
tiam fluxos que direcionavam o acesso aos tal realidade, mesmo que parecesse aparen-
serviços. Foi possível identificar similarida- temente ambígua.
des relacionadas à postura e ao comporta- Assim, foi possível observar um processo
mento dos profissionais e usuários de acordo relacional denso e ruídos na comunicação
com a demanda de atendimento. entre os profissionais do CMS, uma vez que
havia dificuldade de integração entre eles,
Descrevendo o acolhimento gerando uma gestão pouco compartilhada.
Tais fatores, aparentemente, produziam
O acolhimento era realizado na entrada das certa insatisfação entre os profissionais es-
unidades, nos corredores e em salas espe- tatutários que não possuíam entendimento
cíficas, onde um profissional avaliava a ne- claro sobre o processo de trabalho relacio-
cessidade imediata ou não de atendimento. nado à atuação dos profissionais celetistas
Havia escala de revezamento para determi- na ESF.
nado grupo de profissionais que assumiam a Em contrapartida, os profissionais cele-
responsabilidade por receber e direcionar os tistas pareciam sentir-se sobrecarregados
usuários dentro das unidades, sendo possível e desmotivados e cobravam maior envol-
observar quem trabalhava e como trabalha- vimento dos profissionais estatutários da
vam os profissionais nessas unidades, bem unidade no processo de trabalho.
como que condições de trabalho tinham. Na CF, a postura do AVS – estatutário
O acolhimento nas duas unidades obser- que atuava junto à ESF com atribuição de
vadas estava organizado para possibilitar identificar e desenvolver ações específicas
a escuta dos motivos que levavam o indiví- para a diminuição de focos que poderiam
duo a procurar o serviço de saúde naquele contribuir para aparecimento de doenças
momento. No entanto, os usuários chegavam endêmicas – era de pouco envolvimento
solicitando que seus problemas de saúde com outras questões que não estivessem
fossem resolvidos sempre de imediato, evi- relacionadas à sua função específica, suge-
denciando rotas de fuga ao instituído, em rindo manutenção da fragmentação do pro-
que os usuários demonstravam que a di- cesso de trabalho.
nâmica do serviço não fazia parte dos seus Nas duas unidades, os profissionais auxi-
saberes, ou necessidades. Gerar movimentos liares de portaria e auxiliar de serviços gerais
que tornem os profissionais conhecedores contribuíam para a regulação do acesso
dessa visão e reconstruir, de forma dialógica, direcionado os usuários, uma vez que era
a concepção com os usuários fazendo parte fácil encontrá-los na entrada e corredores.
do processo de acolhimento nos parece ser Muitas vezes, observamos a atuação desses
Eles passam pelas baias na recepção para o agen- As fragilidades apontadas pela ACS – “só
te de saúde de referência da equipe. A princípio acho que somos os menos preparados para
nós temos também um agente de saúde escalado isso”, “tivemos um introdutório mais não
diariamente no posso ajudar que a princípio faz a foi suficiente”, “ficamos muito tempo aqui
escuta ativa, identifica qual a necessidade desse dentro”, “às vezes eu falo uma coisa, quando
indivíduo. (GERENTE). chega dentro da sala vem o enfermeiro e o
técnico de enfermagem e fala outra” e “acho
As falas referidas pelos profissionais que falta autonomia para gente” – preci-
corroboram a identificação de um acolhi- sam ser sinalizadas, visto que expressam o
mento centrado no ACS e com pouco envol- reconhecimento por parte da profissional
vimento por parte dos outros profissionais. da necessidade de valorização e respeito
pelas atividades que desenvolvem. O que foi Sendo assim, possibilidades outras, com
apontado pela ACS precisa ainda ser anali- potencial motivador, será que poderíamos
sado, visando identificar que recursos esse supor uma reconstrução teórico-metodoló-
profissional possui para atendimento das gica sobre a produção do cuidado, utilizando
demandas pelas quais se torna responsável, o acolhimento como referência?
considerando sua atuação e as responsabili- Ainda como possibilidade assinalada,
dades que tem exercido na APS no municí- trouxemos o modo como cada profissional
pio do Rio de Janeiro. estava envolvido no processo de acolher
e como vinha conduzindo a produção do
cuidado, a partir do primeiro contato esta-
Conclusão belecido com o usuário, o que nos permitiu
inferir que o acolhimento poderia ser um dos
Este artigo aponta para algumas questões principais meios para avaliação da satisfação
importantes que nos remetem a repensar o dos usuários. Principalmente porque ao ser
acolhimento e seu compromisso com o envol- visto como uma importante ferramenta ge-
vimento e a coordenação do cuidado. Assim, rencial capaz de regular fluxos e contribuir
ao propor uma análise sobre o acolhimento para organização do processo de traba-
no contexto de duas UBS, no município do lho, possui um potencial transformador de
Rio de Janeiro, que estudadas com a utiliza- práticas.
ção de técnicas de observação sistemática e Considerando a dimensão relacional
entrevista semiestruturada, construiu senti- ocupada pelo acolhimento, vimos que o
dos sobre o acolhimento, advindos dos pro- encontro entre o profissional e o usuário
fissionais das unidades pesquisadas. Mais do fundamenta a postura dos profissionais,
que tudo, esta análise propôs também certa trazendo como exemplo o profissional de
incorporação do que denominamos de ‘pos- nível superior, que pouco se envolveu com
sibilidades’, ou seja, sem ser prescritivo ou o acolhimento em si, fazendo-nos supor que
propositivo, intencionamos, mais provocar quanto maior a grau de formação dos pro-
e deixar perguntas do que ofertar respostas. fissionais maior o seu distanciamento com o
Retomando o argumento das possibilida- acolhimento.
des, uma delas foi a de compreender que, no Os ACS e os outros profissionais de nível
dito, os profissionais consideraram o aco- médio entenderam sua responsabilidade em
lhimento como tecnologia para ampliação acolher e direcionar os usuários a partir do
da escuta e diminuição da fragmentação primeiro contato, o que ficou evidenciado
do cuidado. No entanto, no realizado, na através de suas falas e da observação realiza-
prática, no cotidiano do trabalho, ainda ofer- da. Esses profissionais, quando não tinham
taram peregrinação de usuários em busca do capacidade técnica para responder as neces-
cuidado, excesso de atribuições para os ACS sidades dos usuários, demonstravam interes-
e frágil trabalho em equipe para respaldar o se e empatia em buscar uma resposta.
acolhimento proposto. Por sua vez, os profissionais de nível supe-
Revelaram-se, portanto, fragilidades re- rior pouco estavam implicados com o acolhi-
lacionadas à conformação, postura, envolvi- mento e assumiam a função de responder de
mento e comprometimento dos profissionais, forma pontual às demandas, salvo algumas
que ao demonstrarem certa dificuldade em exceções, quando consideramos o trabalho
incorporar os conceitos de longitudinalida- do enfermeiro na regulação do acolhimento.
de e coordenação do cuidado, geraram, pa- A atuação do ACS no acolhimento foi
radoxalmente, aumento da demanda e pouca outra possibilidade que mereceu desta-
resolubilidade. que. Esse profissional, nas duas unidades
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