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Universidade Sul de Santa Catarina

Teoria de Voo de
Alta Velocidade

UnisulVirtual
Palhoça, 2019
Copyright © UnisulVirtual 2019
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Livro Didático
Professor conteudista Projeto Gráfico e Capa
Sandro Francalacci de Castro Faria Equipe UnisulVirtual
Designer Instrucional Diagramação
Lis Airê Fogolari Fernanda Vieira Fernandes
Revisão Ortográfica
Diane Dal Mago

F23
Faria, Sandro Francalacci de Castro
Teoria de voo de alta velocidade : livro didático / Sandro Francalacci de Castro
Faria. – Palhoça : UnisulVirtual, 2019.
218 p. : il. ; 28 cm.

Inclui bibliografia.

1. Aerodinâmica supersônica. 2. Aviões - Pilotagem. 3. Aviões – Desempenho.


4. Engenharia aeroespacial. I. Título.

CDD (21. ed.) 629.132305

Ficha catalográfica elaborada por Francielli Lourenço CRB14/1435


Sandro Francalacci de Castro Faria

Teoria de Voo de
Alta Velocidade

Livro didático

UnisulVirtual
Palhoça, 2019
Sumário

Introdução  | 7

Capítulo 1
Aerodinâmica de Alta Velocidade | 9

Capítulo 2
Fatores Limitantes na Performance de
Aeronaves | 85

Considerações Finais | 213

Referências | 215

Sobre o Professor Conteudista | 217


Introdução

O presente livro considera os conceitos básicos sobre hidrodinâmica, da


compreensão das principais forças que agem sobre uma aeronave em voo, em
especial a sustentação e o arrasto gerados por aerofólios sujeitos ao escoamento
do ar. Para efeitos práticos, o estudo da aerodinâmica de baixa velocidade
considera o ar como um fluido ideal.

O American Heritage Dictionary of the English Language define a Aerodinâmica


como “a dinâmica dos gases, especialmente das interações com objetos em
movimento”. (ANDERSON JR., 2012).

Já um fluido ideal é aquele considerado incompressível e sem atrito interno, de


forma que seu escoamento é estacionário, irrotacional, e não viscoso. (ABREU;
PIRES, 2016).

Acontece que tais conceitos básicos são aplicáveis ao estudo de somente uma
parte da aerodinâmica – a reservada ao deslocamento de objetos em baixas
velocidades, inferiores à velocidade do som, num regime tecnicamente definido
como “subsônico”.

Na aerodinâmica subsônica, a teoria da sustentação baseia-se nas forças


geradas em um corpo e em um gás (o ar) em movimento, no qual o corpo
encontra-se imerso. Até uma determinada velocidade de escoamento (alguns
autores consideram este limite como sendo de aproximadamente 100m/s - 260
nós ou menos), o ar pode ser considerado praticamente incompressível, visto
que, em uma altitude fixa, sua densidade permanece quase constante enquanto
sua pressão varia. Sob essa suposição, o ar se comporta de maneira similar à
água e é classificado como um fluido.

A teoria aerodinâmica subsônica também pressupõe que os efeitos da viscosidade


do ar são insignificantes (viscosidade é a propriedade de um fluido que tende a
impedir o movimento de uma parte do fluido em relação a outra), e o classifica
como um fluido ideal, em conformidade com os princípios da aerodinâmica do
fluido ideal, segundo o Teorema de Bernoulli. (ABREU; PIRES, 2016.)

Entretanto, na realidade, o ar é um gás compressível e viscoso! Embora os efeitos


dessas propriedades sejam desprezíveis em baixas velocidades, os efeitos
de compressibilidade, em particular, tornam-se cada vez mais perceptíveis e
importantes para o estudo da aerodinâmica, à medida que a velocidade aumenta
e aproxima-se da velocidade do som.
Neste livro, abordaremos aspectos concernentes à aerodinâmica de alta
velocidade e os seus efeitos sobre as aeronaves que voam em elevadas
altitudes e velocidades – como o caso dos modernos aviões de carga e de
passageiros (com motores a jato ou turboélice), que atravessam oceanos e
interligam o nosso planeta.

Veremos, também, algumas das soluções da engenharia aeronáutica para


minimizar ou se contrapor aos efeitos indesejáveis do escoamento de alta
velocidade do ar, sobre as aeronaves, garantindo-lhes uma operação cada
vez mais segura, veloz e econômica.

Em seguida, aprofundaremos um tema relacionado aos diversos aspectos


que regem as fases de decolagem, o voo de cruzeiro e o pouso, que
caracterizam a “Performance” de uma aeronave. Poderemos, então,
compreender os principais fatores que limitam cada fase do voo, e que
interferem na capacidade de carga de um avião (na aviação, busca-se
otimizar ao máximo o peso de decolagem, para que se possa transportar a
maior quantidade possível de carga, de combustível e de passageiros).

Por fim, trataremos da temática conhecida em aviação por “Peso e


Balanceamento”, ocasião em que você será apresentado às terminologias
e conceitos que caracterizam o carregamento de uma aeronave e que
garantam o respeito aos seus limites de peso e de estabilidade, em busca
de uma operação segura e mais eficiente.

Bons estudos!

Professor Sandro Francalacci de Castro Faria


Capítulo 1

Aerodinâmica de Alta Velocidade

Seção 1
Compressibilidade e Viscosidade do Ar
Atmosférico
Os estudos sobre os efeitos da compressibilidade e da viscosidade do ar sobre
um objeto em movimento surgiram, antes da década de 1940, da necessidade
do entendimento de alguns dos fenômenos então observados nas aeronaves.
À medida em que os engenheiros aerodinâmicos projetavam aeronaves mais
rápidas e que voavam mais alto, efeitos indesejados começaram a surgir em
voo, e que afetavam o controle e a segurança das aeronaves. Àquela época,
tais efeitos eram classificados como “flutter”, apesar de alguns cientistas já os
associarem aos efeitos de compressibilidade do ar.

Flutter é uma vibração cíclica, de alta frequência, causada pela interação das forças
aerodinâmicas e das forças elásticas que agem sobre as asas, ou sobre as superfícies
de controle de uma aeronave. (SAINTIVE, 2009)

Os efeitos indesejados surgiram a partir do momento em que as aeronaves


atingiam velocidades cada vez mais próximas às do som, para a altitude em que
se encontravam voando. Algumas delas experimentavam tais reações durante um
rápido mergulho, ocasião em que aceleravam ainda mais. Porém, nos mesmos
mergulhos, quando a aeronave atingia altitudes inferiores, os fenômenos eram
reduzidos ou até mesmo desapareciam, o que era difícil de ser compreendido.
Tais efeitos, registrados àquela época, eram resumidamente os seguintes:

9
Capítulo 1

a. Vibrações na cauda da aeronave, ou nas superfícies de comando de


voo daquele setor, e que podiam espalhar-se por toda a aeronave.
b. Subitamente e sem motivo aparente, o equilíbrio da aeronave se
alterava, e a mesma apresentava uma tendência acentuada a picar
(“nariz pesado”).
c. O leme de direção e/ou o profundor perdiam efetividade, ou ficavam
muito pesados para serem acionados mecanicamente.

Conhecer os efeitos da compressibilidade do ar e, em menor grau, os efeitos


da sua viscosidade, são essenciais para o estudo da aerodinâmica de alta
velocidade, onde a compressibilidade causa uma mudança na densidade do ar ao
redor de uma aeronave.

Quando um objeto se move pela atmosfera, as moléculas de gás próximas


ao objeto são perturbadas e se movem ao redor dele, e forças aerodinâmicas
são geradas entre o gás e o objeto. A magnitude dessas forças depende da
forma do objeto, da sua velocidade, da massa do gás que passa pelo objeto
e de duas outras propriedades importantes do gás – a viscosidade e a sua
compressibilidade (ou elasticidade).

Em relação à viscosidade observa-se que, quando um objeto se move por


meio de um gás, as moléculas do gás aderem à superfície do objeto, formando
uma fina camada de ar aderente à superfície – denominada “Camada Limite”
(que pode ser laminar ou turbulenta, e normalmente não possui mais do que a
espessura de uma folha de papel) que, com efeito, altera a forma do objeto. O
fluxo de ar reage à borda da camada limite como se essa fosse a superfície
física do objeto, e a Camada Limite permite manter os filetes de ar escoando
suavemente, acompanhando o perfil aerodinâmico do objeto em movimento.

Entretanto, a camada limite pode se separar do corpo e criar uma forma diferente
da forma física original, da superfície do objeto. Ainda, as condições de fluxo dentro
e perto da camada limite são muitas vezes instáveis e se alteram com o tempo.

Podemos fazer uma analogia, para compreender como se forma a Camada Limite.
Imagine um baralho de cartas, que é atirado sobre uma mesa. As primeiras cartas, em
contato com o atrito da superfície da mesa, percorrem uma pequena distância e logo
param. Isso ocorre somente com as primeiras cartas do baralho. As demais, acima
das cartas iniciais, não “tocam” a mesa, e deslizam sobre as cartas abaixo delas,
experimentando um atrito menor. Assim, as cartas superiores tendem a se deslocar a
maiores distâncias, até finalmente pararem. (MOCHO, 1985).

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Teoria de Voo de Alta Velocidade

Em uma aeronave, a primeira camada de ar em contato com a superfície sofre


grande influência do atrito gerado pela viscosidade do ar, enquanto que as
demais camadas acima da superfície enfrentam somente o atrito da camada
de ar imediatamente abaixo. A Camada Limite é então freada pela superfície da
aeronave, e é empurrada pelo atrito causado pela camada de ar localizada logo
acima, condição essa que gera turbulência. MOCHO (1985).

A camada limite é muito importante para determinar o arrasto de um objeto,


e também possui grande influência no fluxo de ar que passa acima de si, que
gera sustentação em uma asa, por exemplo. Para determinar e prever essas
condições, os engenheiros aerodinâmicos contam com o auxílio de testes em
túnel de vento e de análises computacionais sofisticadas. Uma preocupação
constante é manter a Camada Limite o mais “colada” à superfície dos aerofólios.

Um escoamento dito “laminar” ocorre quando as partículas de um fluido se


movem ao longo de trajetórias bem definidas, apresentando lâminas ou camadas
(daí o nome laminar), cada uma delas preservando sua característica no meio.
No escoamento laminar a viscosidade age no fluido, no sentido de amortecer a
tendência de surgimento da turbulência. Esse escoamento ocorre geralmente em
baixas velocidades e também em fluídos que apresentem grande viscosidade.

Já um escoamento dito “turbulento” ocorre quando as partículas de um fluido não


se movem ao longo de trajetórias bem definidas, ou seja, as partículas descrevem
trajetórias irregulares, com movimentos aleatórios, produzindo uma transferência
de quantidade de movimento entre regiões de massa do fluido em movimento.
Esse escoamento é comum na água, cuja viscosidade é relativamente baixa, mas
também é observado no fluxo de ar ao longo de um objeto em movimento, a
depender de sua forma e velocidade.

11
Capítulo 1

Figura 1.1 – Representação de escoamentos laminares e turbulentos em um aerofólio

Fonte: Universo Exato (2017).

O parâmetro de similaridade importante para a viscosidade é o número (ou


coeficiente) de Reynolds. Esse expressa a razão entre as forças inerciais
(resistentes a mudanças ou movimento) e as forças viscosas (pesadas e colantes).

O número de Reynolds (abreviado como Re) é um número adimensional usado em


mecânica dos fluídos, para o cálculo do regime de escoamento de determinado
fluido, dentro de um tubo ou sobre uma superfície. É utilizado, por exemplo,
em projetos de tubulações industriais e de asas de aviões. O seu nome vem de
Osborne Reynolds, um físico e engenheiro irlandês que viveu no século XIX, e
possui o significado físico de um quociente entre as forças de inércia e as forças
de viscosidade de um determinado fluido.

A importância fundamental do número de Reynolds é a possibilidade de se


avaliar a estabilidade do fluxo, podendo-se obter uma indicação se o escoamento
flui de forma laminar ou turbulenta, e constitui a base do comportamento de
sistemas reais, pelo uso de modelos reduzidos. Um exemplo comum é o túnel
aerodinâmico, onde se medem forças dessa natureza em modelos de asas de
aviões. Pode-se dizer que dois sistemas são dinamicamente semelhantes se o
número de Reynolds for o mesmo para ambos.

Para aplicações em perfis aerodinâmicos, o número de Reynolds pode ser


expresso em função da corda média aerodinâmica do perfil (para compreender o
conceito de Corda Média Aerodinâmica, consulte o Capítulo 2 na Seção Peso e
Balanceamento), da seguinte forma:

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Teoria de Voo de Alta Velocidade

Onde: v representa a velocidade do escoamento, ρ é a densidade do ar, µ a


viscosidade dinâmica do ar e c a corda média aerodinâmica do perfil.

A determinação do número de Reynolds representa um fator muito importante


para a escolha e análise adequada das características aerodinâmicas de um perfil
aerodinâmico, pois a eficiência de um perfil em gerar sustentação e arrasto está
intimamente relacionada ao número de Reynolds obtido. Geralmente, no estudo
do escoamento sobre asas de aviões, o fluxo se torna turbulento para números de
Reynolds da ordem de 1x107, sendo que abaixo desse valor geralmente o fluxo é
laminar (RODRIGUES, 2014).

Se o número de Reynolds do experimento e do voo estiverem próximos, os


efeitos das forças viscosas em relação às forças inerciais serão modelados
adequadamente. Caso contrário, a física do problema real não será modelada de
maneira apropriada, e serão previstos níveis incorretos das forças aerodinâmicas.

Você já deve estar percebendo que as forças aerodinâmicas se relacionam com


algumas características do ar de uma maneira complexa, e outra característica
essencial para o entendimento da aerodinâmica é a compressibilidade do ar.

Como afirmamos, quando um objeto se move por meio de um gás, as moléculas


de gás se movem ao redor do objeto. Se um objeto se desloca em baixa
velocidade pela atmosfera, as pressões geradas sobre o corpo são baixas e a
densidade do gás permanece praticamente constante.

Entretanto, para elevadas velocidades, parte da energia do objeto é comprimida


e muda a densidade do gás (pois a mesma massa de ar agora ocupa um volume
diferente), o que altera a quantidade de força resultante sobre o objeto. Uma
vez próximo ou além da velocidade do som, são produzidas ondas de choque
(trataremos deste assunto mais adiante), que afetam a sustentação e o arrasto do
objeto. Da mesma forma, os engenheiros aerodinâmicos contam com testes de
túnel de vento e análises computacionais para prever essas condições.

13
Capítulo 1

Seção 2
Número Mach, Impulsos de Pressão
Os efeitos da compressibilidade do ar sobre um corpo dependem, basicamente,
da relação entre a velocidade do corpo em movimento na atmosfera e a
velocidade do som para uma mesma temperatura.

É sabido que a propagação sonora ocorre por meio de movimentos ondulatórios


que se deslocam em todas as direções a partir de um emissor, e que a velocidade
do seu deslocamento varia em função do meio em que propaga, sendo
diretamente proporcional à densidade desse meio.

Lembre-se de que o som viaja em diferentes velocidades e em diferentes meios


(por exemplo, no ar e na água, ou por um condutor metálico). Na atmosfera,
a variação da velocidade do som em função da densidade do ar pode ser
considerada desprezível. Entretanto, não podemos desprezar uma outra
propriedade do ar, que tem grande influência na velocidade do som.

Para que um movimento sonoro ondulatório possa viajar ao longo da atmosfera,


é preciso que cada molécula do ar transmita tais impulsos à molécula adjacente.
Uma vez que o calor de um corpo é proporcional à agitação de suas moléculas,
sabe-se que quanto mais aquecido se encontrar um corpo, mais agitadas estarão
as suas moléculas e, por conseguinte, maior facilidade este terá de transmitir os
movimentos ondulatórios.

Hoje sabemos que a temperatura do ar modifica o modo como o som se propaga,


e isso ocorre de maneira diretamente proporcional. Ou seja, quanto maior a
temperatura do meio de transmissão, maior será a velocidade de propagação do
som. Assim, teremos diferentes velocidades de propagação do som ao longo das
camadas da atmosfera, a depender da sua temperatura.

Em 1635, Pierre Gassendi mediu a velocidade do som observando o


funcionamento dos canhões. Ao comparar o tempo entre o clarão do disparo e
o barulho do canhão, ele obteve o valor de 478 m/s.. Mais tarde, uma equipe da
Academia de Ciências Parisiense chegou ao resultado mais preciso de 344 m/s a
20° C. Dessa forma, os cientistas descobriram que a velocidade do som (V), sob
condições normais de pressão, pode ser calculada pela fórmula:

V = Vo√T/T0

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Teoria de Voo de Alta Velocidade

Onde:

• Vo é a velocidade do som a 0° (331,45 m/s);


• T é a temperatura Kelvin do ambiente, ou seja, a temperatura em
Graus Celsius acrescida de 273,15; e
• T0 é o valor correspondente a 0° C em escala absoluta, ou seja,
273,15 K.

Perceba, então, que a velocidade do som na atmosfera possui relação direta


apenas com a temperatura do ar. Ou seja, se eventualmente transitássemos em
diferentes altitudes onde a temperatura do ar fosse constante (na estratosfera, por
exemplo), a velocidade do som não se alteraria.

Devemos observar que os efeitos de compressibilidade do ar sobre uma aeronave


não ocorrem somente quando o objeto se desloca na velocidade do som ou
acima dela. Considerando a aerodinâmica básica, a sustentação gerada por um
aerofólio é fruto da diferença de velocidades entre o fluxo de ar no seu extradorso
e no seu intradorso, que gera diferenciais de pressão e forças resultam dessa
diferença de pressão.

Assim, no extradorso de uma asa, por exemplo, sabemos que o ar é


propositadamente acelerado e, então, novamente desacelerado. Dependendo
da forma do objeto, do seu material, da temperatura do ar e de outros fatores,
poderá ocorrer que, em algum momento, mesmo que o avião esteja voando
abaixo da velocidade do som, regiões do extradorso da asa poderão apresentar
fluxo de ar supersônico (acima da velocidade do som), e responder às leis que
regem tais escoamentos mais velozes.

Assim, ao acelerarmos uma aeronave, poderemos alcançar um valor para


o qual, pela primeira vez, em uma determinada região da aeronave
(normalmente a asa, próximo à fuselagem – local onde a curvatura da asa é maior,
e, consequentemente, onde o ar é mais acelerado), o deslocamento do ar atinge
a velocidade do som. Essa velocidade é denominada de Número Mach
Crítico. (SAINTIVE, 2009).

O parâmetro de similaridade importante para o efeito de compressibilidade do ar


atmosférico é o Número Mach – M, que é definido pela razão entre a velocidade
aerodinâmica do objeto V e a velocidade do som a.

M=V/a

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Capítulo 1

Os atuais aviões de carreira costumam voar em cruzeiro em altitudes próximas


a 35.000 ft / 40.000 ft (alguns jatos executivos podem alcançar até 51.000 ft),
a uma velocidade de cerca de M 0.75 / M 0.85. Isso quer dizer que, para
uma determinada altitude (na verdade, uma determinada temperatura), essas
aeronaves empregam velocidades de 75% a 85% da velocidade do som, para
uma mesma temperatura do ar.

O número Mach aparece como um parâmetro de escala em muitas das equações


para fluxos compressíveis, ondas de choque e expansões. Em testes de túnel de
vento, é necessário coincidir o número Mach entre o experimento e as condições
que serão encontradas em voo. Assim, é incorreto medir um coeficiente de
arrasto a alguma velocidade baixa (digamos 200 mph) e aplicar esse coeficiente
de arrasto a um regime de voo do dobro da velocidade do som (aproximadamente
1400 mph, Mach = 2.0). A compressibilidade do ar impõe significativas alterações
no comportamento físico do ar, na comparação entre esses dois casos.

Como sabemos da física, o som viaja pelas ondas, usando um meio de propagação
(como a atmosfera). Essas ondas, denominadas ondas de pressão, desenvolvem-se
de maneira similar a quando jogamos uma pedra sobre um lago. Uma onda circular
se forma no ponto em que a pedra atinge o lago e se afasta, expandindo-se a uma
velocidade constante. A pedra provocará um movimento ondulatório, que tenderá
a se afastar do ponto onde caiu com velocidade constante, em todas as direções.
Se atirarmos várias pedras no mesmo ponto em intervalos iguais, formaremos várias
ondas (impulsos) concêntricas, partindo de um mesmo ponto, que se afastarão com
velocidades constantes e com distâncias igualmente constantes entre si.

Isso também ocorre com um emissor sonoro como o avião, que produz as
mais variadas vibrações, essas se manifestam em vários impulsos de ar (ondas
de pressão), gerados ao longo de sua estrutura física (asas, fuselagem etc.).
Entretanto, diferentemente das pedras atiradas ao lago, um objeto se deslocando
no ar está em movimento. Igualmente com o que ocorre ao comprimirmos uma
mola em intervalos regulares, essa se comprime e estica alternadamente, os
impulsos gerados a partir de um avião em movimento na atmosfera provocam a
compressão e a rarefação do ar.

Ao deslocar-se abaixo da velocidade do som (ou seja, abaixo da velocidade das


próprias ondas que ele está produzindo), a distância entre tais ondas será menor
no sentido do deslocamento do corpo, em relação aos demais sentidos (devido
ao movimento relativo do ponto emissor), como exemplificado na figura abaixo.

Tais ondas propagam-se no ar em uma determinada velocidade, a qual já vimos


que é denominada como “velocidade do som”, que ao nível do mar em condições
de atmosfera padrão (15 graus Celsius) é de 1226 km/h (340,5 m/s) e diminui com

16
Teoria de Voo de Alta Velocidade

a redução da temperatura do ar. Ficou convencionado que, quando um avião se


desloca com uma velocidade igual à do som, ele está voando a Mach 1. Esta
unidade é uma homenagem ao físico austríaco Ernst Mach.

Figura 1.2 – Esquema de Ondas de Pressão

Fonte: Hangar 33 (2014).

1. Subsônico
2. Mach 1
3. Supersônico
4. Ondas de Choque

Então, recapitulando, quando um objeto qualquer se desloca na atmosfera,


comprime o ar à sua volta, principalmente à sua frente. Dessa forma, cria ondas
de pressão (impulsos de pressão), de maneira similar às pedras atiradas no lago,
mas com a diferença de que o emissor das ondas também está em movimento,
em um determinado sentido.

Figura 1.3 – Ondas de Pressão formadas por uma aeronave voando em regime subsônico

Fonte: Homa (2010).

17
Capítulo 1

Uma aeronave deslocando-se a uma velocidade inferior à do som produzirá impulsos


de pressão que viajam mais rápido que o próprio corpo emissor, espalhando-se para
todos os lados, inclusive à frente do avião. Assim, nessa condição, o som viaja à
frente do objeto em movimento e influencia o ar à frente da aeronave, como que se
o estivesse “alertando” para o que ocorrerá logo em seguida. Esse alerta produz a
inclinação dos filetes de ar próximos ao bordo de ataque do objeto, “moldando-os” à
sua forma. Esse fenômeno é definido como “Upwash”.

Da mesma forma, no mesmo escoamento subsônico comentado anteriormente,


os filetes de ar que “abandonam” a aeronave pelo bordo de fuga devem ser
desacelerados, para que tenham ao final a mesma velocidade dos filetes à frente da
aeronave, ou seja, a velocidade da própria aeronave. Ao abandonarem o bordo de
fuga, “retornam” à inclinação anterior em um fenômeno denominado “Downwash”.

Figura 1.4 – Filetes de ar à frente da aeronave são “avisados” de sua aproximação

Fonte: Homa (2010).

Figura 1.5 – Ocorrência de Upwash e Downwash em escoamento subsônico

Fonte: Adaptado de Saintive (2009).

18
Teoria de Voo de Alta Velocidade

Entretanto, se o avião acelerar para uma velocidade igual à do som (Mach 1),
ou seja, acelerar até a velocidade de deslocamento de suas próprias ondas de
pressão, estará comprimindo o ar à sua frente e acompanhando as suas próprias
ondas de pressão com a mesma velocidade de sua propagação. Isso resultará no
acúmulo de ondas no nariz do avião. Se o avião persistir com essa velocidade por
algum tempo, à sua frente se formará uma espécie de “muralha” de ar, pois todas
as ondas formadas ainda continuariam no mesmo lugar em relação ao avião. Esse
fenômeno é conhecido como Barreira Sônica.

Então, se a velocidade do emissor for igual à velocidade de propagação das


suas ondas de pressão, a velocidade resultante do movimento relativo dos dois
será nula. Teremos então, o ponto emissor junto ao movimento ondulatório,
acompanhando o deslocamento das ondas, e isso gera um acúmulo de ondas
junto ao corpo, ou seja, uma zona de compressão denominada Onda de Choque
Normal, pois é perpendicular ao deslocamento do emissor.

Figura 1.6 – Formação de Barreira Sônica

Fonte: Homa (2010).

Consideremos que o avião continue a acelerar e ultrapasse a velocidade do


som. Nesse caso, ele deixará para trás as próprias ondas de pressão que estará
produzindo, como ilustrado na figura a seguir, e surgirá uma Onda de Choque
Oblíqua e à frente do deslocamento do avião, que se chama “Cone de Mach”.
Quanto maior a velocidade da aeronave, acima da velocidade do som, menor será
o “Ângulo de Mach”.

19
Capítulo 1

Figura 1.7 – Formação de Cone de Mach em escoamento supersônico

Fonte: Homa (2010).

Um avião só pode atingir velocidades supersônicas se, entre outras coisas, a sua
aceleração permitir uma passagem rápida pela velocidade de Mach 1, evitando a
formação da Barreira Sônica.

Seção 3
Regimes de Voo e Ondas de Choque
Já comentamos que, quando o ar em fluxo supersônico é comprimido, sua
pressão e densidade aumentam, formando uma “onda de choque”. Em voo
supersônico (com velocidades acima de Mach 1), o avião produz inúmeras ondas
de choque, sendo mais intensas as que se originam no nariz do avião, nas partes
dianteira (bordo de ataque) e posterior (bordo de fuga) das asas, e na parte
terminal da fuselagem.

Nessa condição, uma vez que o ar à frente da aeronave não foi influenciado pelos
impulsos de pressão gerados pela própria aeronave, esse terá que se adaptar
instantaneamente ao impacto com ela, experimentando variações de velocidade,
temperatura, pressão e densidade, para que possa escoar de forma tangente
ao perfil do objeto em movimento. Tais variações de densidade geram ondas de
choque à frente da aeronave, denominadas “ondas de proa”.

20
Teoria de Voo de Alta Velocidade

Figura 1.8 – Fluxo Transônico

Fonte: Saintive (2009).

As ondas de choque geradas por um avião em voo supersônico atingirão o solo


depois da passagem do avião que as está produzindo. Um observador no solo
ouvirá um forte estampido, assim que as ondas de choque o alcançarem.

Esse estampido é conhecido como “estrondo sônico”, e sua intensidade


depende de vários fatores, tais como as dimensões do avião, a forma do avião, a
velocidade do voo e a altitude. Tal fenômeno pode, em certas circunstâncias, ser
forte o suficiente para produzir efeitos no solo, como danificar vidros e provocar
rachaduras em determinados materiais. Assim, essas possibilidades limitam a
operação de voos em velocidades supersônicas sobre os continentes.

Em aerodinâmica, a “barreira do som” é a aparente barreira física que dificulta grandes


objetos de atingirem velocidades supersônicas. A expressão foi criada durante a II
Guerra Mundial, quando diversos aviões começaram a se deparar com os efeitos
da compressibilidade do ar (e outros efeitos aerodinâmicos não relacionados à
compressibilidade), e começou a sair de uso nos anos 1950, quando os aviões
passaram a “quebrar” a barreira do som rotineiramente.

Você deve se lembrar do Concorde – um avião comercial que operava em


velocidades supersônicas (Mach 2.02) sobre o mar. O avião acelerava e atingia

21
Capítulo 1

velocidades supersônicas somente após deixar o continente e alcançar altitudes


elevadas, minimizando os efeitos do estrondo sônico.

Bom, já sabemos que quando um avião se aproxima da velocidade do som, o ar


passa a fluir de uma maneira diferente ao redor de suas superfícies e se comporta
como um fluido compressível. Além de uma série de mudanças na forma como
a força de sustentação é gerada, essa mudança também produz um incremento
elevado no arrasto, conhecido como onda de arrasto.

Inicialmente, a onda de arrasto não era devidamente compreendida. Acreditava-se


que ela crescesse exponencialmente, o que efetivamente ocorre dentro de uma
pequena faixa de velocidades. Com a força limitada que os tradicionais motores à
explosão eram capazes de gerar (e ainda o são), os aviões não podiam superar este
rápido aumento no arrasto. Ou seja, grandes incrementos de potência produziam
pequenos incrementos de velocidade. Acreditava-se, então, que seria necessária
uma quantidade infinita de força para se alcançar velocidades supersônicas, sendo
este um dos prováveis motivos para o termo “barreira do som”.

Com a criação das asas com formato em “V” (também denominadas “asas
enflechadas”), que reduzem o arrasto, junto à adoção dos motores a jato capazes
de produzir a potência necessária, nos anos 1950 diversas aeronaves já eram
capazes de realizar voos supersônicos com relativa facilidade. Mais adiante,
veremos em detalhes a questão das asas com enflechamento e outras soluções
propostas pelos engenheiros aeronáuticos, para reduzir os efeitos negativos da
compressibilidade do ar e das consequentes ondas de choque provocadas a
partir dos voos transônicos.

Você sabia que Chuck Yeager (então um major da Força Aérea dos Estados Unidos), é
reconhecido como a primeira pessoa a quebrar a barreira do som? Isso ocorreu em um
voo horizontal, em 14 de outubro de 1947, pilotando um Bell X-1 experimental, ocasião em
que alcançou Mach 1 a uma altitude de 15000m (cerca de 45000 pés). (YEAGER, 2017).

Mas, afinal de contas, em relação à velocidade de deslocamento de uma aeronave,


como podem ser classificados esses voos? Em geral, os regimes de voo são
definidos em quatro categorias básicas, segundo a velocidade empregada por uma
aeronave, em comparação à velocidade do som. Esses são: os voos subsônicos,
os voos transônicos, os supersônicos e os hipersônicos. Não abordaremos
em maior profundidade os conceitos aerodinâmicos dos voos supersônicos e
hipersônicos, haja vista que tais deslocamentos usualmente restringem-se às
aeronaves militares ou aplicam-se à aerodinâmica dos voos de foguetes.

22
Teoria de Voo de Alta Velocidade

Cargueiros e aeronaves de passageiros modernas cruzam os céus em regimes de


voo subsônicos ou normalmente transônicos, motivo pelo qual daremos especial
atenção a esse último regime.

Bem, mas quais velocidades caracterizam cada um desses regimes de voo? Quais
parâmetros os definem?

Já sabemos que, mesmo voando em velocidades abaixo das do som, uma


aeronave poderá registrar fluxos de ar acima da velocidade do som, em alguma
região de sua asa. Vimos que a velocidade de deslocamento da aeronave, nessa
condição, é denominada de Mach Crítico (no momento em que é registrado
o primeiro escoamento supersônico na aeronave e, consequentemente, o
surgimento da primeira onda de choque).

Assim, até o limite de Mach Crítico (e cada aeronave possui o seu), convenciona-
se chamar o voo de “Subsônico”, pois ao longo de toda a estrutura da aeronave o
fluxo de ar desloca-se abaixo da velocidade do som. Esse regime é geralmente
caracterizado por velocidades de deslocamento inferiores a Mach 0,75.

Figura 1.9 – Distribuição / Variação de velocidades de escoamento ao longo do extradorso de um


aerofólio

Fonte: Saintive (2009).

À medida que a aeronave acelera e ultrapassa o Mach Crítico, passam a


coexistir fluxos de ar abaixo da velocidade do som e, em algumas regiões da
aeronave, fluxos acima da velocidade do som, o que caracteriza o regime de
voo “Transônico”.

Então, perceba que o Mach Crítico é considerado como a fronteira entre o voo
subsônico e o voo transônico, e os problemas advindos da compressibilidade do
ar sobre a aeronave só ocorrem acima desse limite de velocidade. Esse regime
é geralmente caracterizado por velocidades de deslocamento superiores a Mach
0,75 e inferiores a Mach 1,2.

23
Capítulo 1

No regime transônico, a passagem do fluxo subsônico para o supersônico é suave,


porém, a transição do fluxo supersônico para o subsônico é sempre acompanhada por
uma onda de choque.

Figura 1.10 – Escoamentos subsônico e transônico

Fonte: USA (2016).

Figura 1.11 – Locais de ocorrência de Ondas de Choque – Embraer 135/145

Fonte: EMBRAER (2001).

Se a aeronave continuar a acelerar, chegará um momento em que não haverá mais


nenhuma região da mesma sujeita a escoamentos de ar subsônicos, mas
somente fluxos acima da velocidade do som. Isso caracteriza o ingresso no
regime de voo denominado “Supersônico” e, em seguida, o “Hipersônico”. Tais
regimes são usualmente definidos por velocidades de deslocamento superiores a
Mach 1,2 e inferiores a Mach 5 (Supersônico), e superiores a Mach 5 (Hipersônico).

24
Teoria de Voo de Alta Velocidade

Na verdade, mesmo voando em regime supersônico/hipersônico, uma região do


fluxo de ar sobre a aeronave ainda permanece com velocidades abaixo das do som,
devido à viscosidade do ar. Essa região é a camada limite (região onde ocorre a
desaceleração dos filetes de ar na superfície de um aerofólio), conceito abordado
anteriormente de forma breve.

Os limites de velocidade descritos acima, e que caracterizam cada regime


de voo, são aproximados e dependerão das características físicas de cada
aeronave e de seus aerofólios. Assim, poderemos ter uma determinada aeronave
atingindo Mach Crítico voando a M 0,73 e, uma outra aeronave distinta, a M
0,77. Nesse caso, voando a M 0,74, a primeira aeronave já terá ingressado em
regime transônico, enquanto a segunda ainda estará se deslocando em regime
subsônico (consequentemente, sem a presença de ondas de choque e de seus
efeitos indesejáveis).

Os fabricantes das aeronaves, valendo-se de artifícios da engenharia aeronáutica,


projetam-nas de modo a retardar ao máximo o aparecimento de tais ondas de
choque, aumentando o valor do Mach Crítico.

Antes de detalhar um pouco mais os voos transônicos, vejamos alguns conceitos


sobre os limites superiores de velocidade das aeronaves modernas.

As típicas aeronaves movidas por motores a pistão usualmente lidam com dois
tipos de limites de velocidade máxima, a saber:

• VNO : é a velocidade máxima para o regime de cruzeiro, representada


no velocímetro da aeronave pelo limite superior do “arco verde”. É
possível exceder essa velocidade, em determinadas condições e
situações específicas;
• VNE : é dita a velocidade a não ser excedida, representada pelo “arco
vermelho” no velocímetro da aeronave.

Bem, de uma maneira geral, tais limites não representam uma grande
preocupação para os pilotos desses tipos de avião, em termos de regime de voo
de cruzeiro ou mesmo de descida, pois as aeronaves movidas a motores a pistão
geralmente apresentam grande arrasto, e seus limitados propulsores as impedem
de acelerar rapidamente e de alcançar regimes de velocidade muito grandes, que
se enquadrem nos conceitos dos limites definidos acima.

Entretanto, nas modernas aeronaves a jato, ou mesmo em alguns tipos de


aeronaves impulsionadas por propulsores turboélice, tais velocidades podem
facilmente ser ultrapassadas – tanto pelas características de baixo arrasto
dessas aeronaves, quanto pela capacidade de seus propulsores em acelerá-las

25
Capítulo 1

rapidamente. Somado a isso, lembre-se de que tais aviões operam em grandes


altitudes, onde a barreira da velocidade do som impõe restrições aerodinâmicas
diversas, como já comentado anteriormente em relação à compressibilidade do
ar. Para tais tipos de aeronave surgem dois conceitos distintos de velocidade
– um representado em nós, para velocidades indicadas no velocímetro, e outro
representado em Número Mach (igualmente apresentada no velocímetro).

Assim, observamos dois conceitos distintos de limite superior de velocidade de


operação, para aeronaves de alta performance:

• VMO : é a velocidade máxima de operação da aeronave, em termos


de velocidade indicada;
• MMO : é a velocidade máxima de operação da aeronave, usualmente
medida em décimos da velocidade do som (décimos de número Mach).

À medida que a aeronave ganha altitude e acelera, a velocidade indicada cai (por
conta da redução da densidade do ar), mas também observamos uma redução na
velocidade do som (devido à queda na temperatura do ar). Assim, prosseguindo
em subida na atmosfera, existe um momento em que a aeronave dificilmente
terá condições de extrapolar o seu limite de velocidade VMO, mas por conta da
redução da velocidade do som, poderá sim avançar e ultrapassar facilmente o
seu limite de velocidade MMO, e alterar significativamente a sua controlabilidade.

Como já comentado, em tais tipos de aeronave os projetistas concentram-se em


aumentar ao máximo a velocidade de Mach Crítico – para retardar o aparecimento
dos efeitos negativos das ondas de choque, que começam a surgir após esse
limite. Via de regra, essas mesmas aeronaves são projetadas para operar com
segurança em velocidades acima do Mach Crítico, o que nos permite afirmar que
a sua MMO > MCritico.

Agora que você já é capaz de distinguir os regimes de voo, em função da


velocidade que uma aeronave emprega, trataremos de forma mais detalhada as
características dos voos transônicos, em termos aerodinâmicos, haja vista que
a maioria das aeronaves comerciais e cargueiras operam nesse regime de voo.
Veremos um pouco mais sobre a formação das ondas de choque, e seus efeitos
sobre uma aeronave.

26
Teoria de Voo de Alta Velocidade

Figura 1.12 – Formação de Ondas de Choque

Fonte: Saintive (2009).

Na figura acima, uma aeronave desloca-se na velocidade de M 0.89. Os filetes de


ar que atingem o bordo de ataque da asa, e correm pelo seu extradorso acima da
camada limite, aceleram até atingir a velocidade do som. Após, observa-se uma
redução na velocidade dos filetes, à medida que o perfil da asa se torna mais fino
e menos inclinado em relação ao eixo de deslocamento da aeronave. Ao final do
escoamento, ao livrar o bordo de fuga da asa, os filetes de ar devem possuir a
mesma velocidade original, ou seja, a velocidade da aeronave.

Lembre-se de que todas as ondas de pressão geradas nesse aerofólio se


deslocam para todos os lados, com a velocidade do som. Assim, perceba que
a partir do bordo de fuga da asa, as ondas de pressão geradas naquele local
também avançam sobre o extradorso da asa, em direção ao bordo de ataque.

Entretanto, como as ondas de pressão geradas logo à frente do bordo de fuga


também viajam na velocidade do som, mas a velocidade dos filetes naquele local
é maior do que no bordo de fuga, algumas ondas de pressão se encontram e
“viajam” em direção ao bordo de ataque numa velocidade relativa de M 1.0 – M
0.90 ( e posteriormente M 1.0 – M 0.95), até que todas as ondas oriundas da
região traseira da asa (com escoamento subsônico), encontram-se na região onde
o escoamento é supersônico, e por lá permanecem estagnadas (pois naquele
local estarão viajando à velocidade do som, mas em uma região que igualmente
está na mesma velocidade – ou seja, a velocidade das ondas de pressão, que
sobem em direção ao bordo de ataque da asa, é igual à velocidade daquelas que
descem em direção ao bordo de fuga).

Uma analogia similar que podemos fazer é a de uma pessoa que tenta subir uma
escada rolante que desce. Apesar de se movimentar, a pessoa não se desloca, pois
caminha na mesma velocidade que a escada, porém, em sentido contrário.

27
Capítulo 1

Assim, todas as ondas de pressão (impulsos de pressão) geradas na região


subsônica da asa, bem como aquelas geradas na região de deslocamento
supersônico, encontram-se em um determinado ponto e se acumulam. Por conta
da compressibilidade do ar, esse fenômeno gera uma onda de choque normal
(perpendicular ao deslocamento do ar), ocasionando a elevação da densidade do
ar, de sua pressão e temperatura.

Se a aeronave continuar a acelerar e ultrapassar Mach 1, as partículas de ar


devem se ajustar instantaneamente à forma da asa e da fuselagem e, como já
comentado, produzindo uma nova onda de choque à frente do avião, denominada
“Onda de Proa”.

Mas, afinal, quais são as principais características de uma Onda de Choque Normal?

Tais ondas são observadas nos regimes de escoamento transônico (relembrando


– regime no qual coexistem filetes de ar voando abaixo e acima da velocidade do
som, no objeto em deslocamento), e se diferem daquelas geradas nos regimes
supersônicos (ou hipersônicos).

Primeiramente, é importante observar que tais ondas de choque ocorrem


somente na passagem do escoamento supersônico para o escoamento
subsônico, ou seja, no momento em que o fluxo de ar que atingiu velocidades
supersônicas inicia a sua desaceleração, para que possa ao fim do seu
percurso apresentar a mesma velocidade do objeto que está em movimento.
Normalmente, o primeiro local de um aerofólio a registrar o aparecimento de uma
Onda de Choque Normal, quando é ultrapassado o Mach Crítico (ou seja, em
um escoamento transônico) é a porção mais espessa do aerofólio, onde ocorre
a maior distância para a Corda Média Aerodinâmica (local onde o ar é mais
acelerado). Abordaremos mais adiante os diferentes tipos de perfis de aerofólios,
usualmente empregados em aeronaves que voam em regime transônico, que
tendem a “atrasar” a formação de Ondas de Choque.

Outras características de uma Onda de Choque Normal são:

• Em seu interior ocorre compressão do ar, tornando-o mais


denso, com pressão e temperatura mais elevada. Na região da
onda de choque, a velocidade do fluxo de ar, em termos reais e
comparativamente ao número Mach, é reduzida (com o aumento
da temperatura, a velocidade do som aumenta). Ainda, as pressões
elevadas que surgem no interior da onda dificultam o avanço da
Camada Limite, por sobre a superfície;
• A velocidade dos filetes de ar, logo após a onda de choque normal,
é aproximadamente o inverso da velocidade dos filetes localizados

28
Teoria de Voo de Alta Velocidade

anteriormente à onda. Assim, se na região supersônica que


antecede à onda de choque o ar se deslocava a M 1.2, esse será
desacelerado para em torno de M 0.83 após a onda de choque;
• A direção dos filetes de ar não se modifica, à medida em que passa
pela Onda de Choque Normal;
• Ocorre uma significativa perda de energia dos filetes de ar, originada
pela redução do somatório das pressões estática e dinâmica.

Como apontado acima, a Onda de Choque Normal dificulta o avanço da Camada


Limite sobre a superfície do aerofólio, e da camada de ar que deveria estar se
deslocando de forma laminar acima da Camada Limite. Dependendo da intensidade
da onda de choque, o ar que se encontra na região da Camada Limite poderá ter
a velocidade sobre o seu extradorso do aerofólio tão reduzida, que as partículas
que se deslocam atrás desse local, em direção ao bordo de fuga, serão forçadas a
se separarem da superfície, desestabilizando e causando desordem no fluxo de ar.
Lembre-se de que a Camada Limite pode apresentar um fluxo laminar ou turbulento.

As ondas de choque perturbam o fluxo laminar, tornando-o turbulento,


prejudicando em muito a geração de sustentação, o que pode levar ao “estol”
da região. Esse estol – acentuada perda de sustentação, é geralmente associado
nas aeronaves de baixa performance a circunstâncias de voos em regimes
de velocidade baixa, próximos ao mínimo da aeronave para um determinado
peso e ângulo de ataque. Diferentemente, o estol a que nos referimos agora,
fruto do turbilhonamento do ar causado por uma Onda de Choque Normal, é
denominado “estol de alta velocidade”, também conhecido como “estol de
compressibilidade”, “estol de choque ou estol de Mach”.

Surge, então, o conceito de “Separação ou Descolamento da Camada Limite”,


que produz grande aumento no arrasto e significativa redução na capacidade
de um aerofólio de gerar sustentação. Logicamente, essa é uma das grandes
preocupações dos projetistas de aeronaves.

Figura 1.13 – Ocorrência de separação da Camada Limite

Fonte: Homa (2011).

29
Capítulo 1

Na verdade, o “estol de alta velocidade” pode também estar associado a outros


fatores, como súbita aplicação de elevada Carga “G” sobre a aeronave, ou
operação (em baixa ou alta velocidade) com elevados AOA (ângulo de ataque do
aerofólio). Independente da causa, o efeito será similar, e poderá ser identificado
por um piloto pela ocorrência de “buffet”, proveniente da perda parcial de
sustentação gerada pelo aerofólio.

Buffet é o termo na língua inglesa, designado para caracterizar as vibrações causadas


por efeitos aerodinâmicos, normalmente associados com o descolamento ou turbulência
do escoamento de ar em um aerofólio. À medida em que se aproxima de uma situação
de estol, os filetes de ar sobre as asas tornam-se cada vez mais turbulentos, afetando
a sustentação e até mesmo o deslocamento de ar sobre outras estruturas da aeronave,
como o estabilizador horizontal, o que gera esse tipo de vibração.

Nesta seção, compreendemos os principais conceitos que caracterizam o


regime de voo transônico, e abordamos alguns aspectos sobre os efeitos da
compressibilidade do ar sobre um aerofólio, culminando com o aparecimento
de Ondas de Choque Normais. No início do Capítulo, comentamos sobre alguns
fenômenos que eram observados, e que afetavam as aeronaves que alcançavam
altitudes e velocidades cada vez maiores, na primeira metade do século
passado. Agora, já sabemos que as modernas aeronaves operam em regimes de
velocidade que causam as chamadas Ondas de Choque Normais, e você já pode
desconfiar que muitos dos fenômenos perigosos, enfrentados na aviação num
passado recente, estejam associados ao aparecimento de tais ondas. A seguir,
trataremos dos efeitos das Ondas de Choque Normais sobre a aerodinâmica
de uma aeronave e, em seguida, abordaremos quais as ferramentas e artifícios
utilizados pelos projetistas de aviões, para minimizar as consequências da
compressibilidade do ar sobre eles.

Seção 4
Efeitos das Ondas de Choque Normais nos voos
Transônicos
Conforme comentamos, os modernos aviões cargueiros e de transporte de
passageiros são projetados para operar em velocidades acima do Mach Crítico,
até o limite operacional denominado MMO. Entretanto, também sabemos que a
partir do Mach Crítico começam a surgir as Ondas de Choque Normais, e com
elas os efeitos de compressibilidade do ar.

30
Teoria de Voo de Alta Velocidade

À medida em que uma aeronave acelera acima do Mach Crítico, tais efeitos
de compressibilidade tornam-se cada vez mais perceptíveis e aumentam
substancialmente a produção de arrasto, e afetam a capacidade dos aerofólios
em gerar a sustentação necessária, até mesmo para manter uma aeronave em
voo nivelado. Haverá um momento, então, em que tais efeitos serão tão intensos
que tornarão o voo inviável em determinada altitude.

A seguir, abordaremos alguns dos principais fenômenos que devem ser


esperados que ocorram, sempre que uma aeronave ultrapasse o Número de
Mach Crítico.

4.1 Alteração do Centro de Pressão


Você já sabe que uma aeronave em voo nivelado se encontra em uma situação de
equilíbrio de forças. Tal equilíbrio depende do posicionamento das resultantes de
cada uma delas, como o Centro de Gravidade – CG do avião (local da resultante
das forças do seu peso) e o Centro de Pressão – CP das asas (local da resultante
das forças de sustentação). Esse último localiza-se atrás do CG, em direção ao
bordo de fuga, e é geralmente medido em função da Corda Média Aerodinâmica
(CMA) da asa.

Uma vez que o CP das asas está atrás do CG, a força resultante do estabilizador
horizontal de uma aeronave deve ser negativa (ou seja, no mesmo sentido que
a força resultante do peso total do avião), para se contrapor ao desequilíbrio do
momento gerado pelo braço (pela distância) entre o CG e o CP das asas.

À medida em que uma aeronave ultrapassa o Mach Crítico, as primeiras Ondas


de Choque Normais surgem da transição do fluxo supersônico para o fluxo
subsônico de ar, isso causa a movimentação do Centro de Pressão em direção
ao bordo de fuga do aerofólio. Ora, com a movimentação do Centro de Pressão
das asas para trás, esse se afasta ainda mais do CG, e o piloto sentirá o nariz do
avião cada vez mais pesado, com uma gradativa tendência de “picada”. Nessa
situação, para manter o equilíbrio, o estabilizador horizontal terá que gerar mais
força para baixo.

31
Capítulo 1

Figura 1.14 – Ocorrência de “Tuck Under” – Relação entre “força no manche” e Número Mach

Fonte: USA (2016).

No exemplo da figura acima, que retrata uma determinada aeronave comercial a


jato, perceba que a partir de M 0.70 a força que o piloto (ou o sistema de atuação
mecânica/hidráulica da aeronave) deve exercer no manche, para manter um voo
nivelado, aumenta substancialmente. Esse é um dos fatores limitantes para os
projetistas aumentarem o MMO (Mach Máximo Operacional) de uma aeronave.
Quanto maior a velocidade, haverá um momento em que não será possível gerar
tanta sustentação no estabilizador horizontal, mesmo para manter o voo nivelado,
ou então a força necessária para atuar o estabilizador poderá atingir valores
suficientemente elevados, que impossibilitem a sua operação.

Essa tendência de picar é conhecida no meio aeronáutico pelo termo “Tuck


Under”, e a resposta do piloto para contrapor-se a esse efeito deve ser focada
prioritariamente na redução do número Mach da velocidade da aeronave, o que
pode ser obtido pela diminuição da velocidade de deslocamento (por meio da
redução da potência, utilização de spoilers etc.) ou a operação em altitudes
mais baixas (onde encontramos, para uma mesma velocidade aerodinâmica,
velocidades do som mais altas). (USA, 2016).

Você se recorda do que dissemos no início do capítulo, com respeito aos


efeitos de picada das aeronaves da década de 1950, que eram reduzidos e
subitamente desapareciam ao longo de um mergulho? Pois então, nesses casos, o
desaparecimento dos efeitos de “Tuck Under” devia-se ao fato de que a aeronave, em
descida acentuada (mergulho), primeiramente alcançava velocidades muito elevadas
ainda em grandes altitudes, ultrapassava o Mach Crítico e experimentava a tendência
de picar. Entretanto, ainda durante o mergulho, na medida em que o avião atingia
menores altitudes, passava a voar com Número Mach cada vez menor, o que fazia com
que as Ondas de Choque perdessem progressivamente a intensidade, até que por fim
a velocidade baixava do Mach Crítico e os efeitos de compressibilidade desapareciam
por completo.

32
Teoria de Voo de Alta Velocidade

Resumindo, para contrapor-se aos efeitos de picada, será necessário reduzir a


ocorrência e a intensidade das Ondas de Choque Normais, que se manifestam
de maneira mais agressiva quando a velocidade do voo se aproxima do MMO,
deslocando o CP.

Relembrando um conceito visto anteriormente, observe nas figuras a seguir


que os filetes de ar, à medida que abandonam o bordo de fuga da asa, tendem
a retornar à direção do fluxo original (ou seja, são direcionados para baixo), em
um fenômeno definido como “Downwash”. Outra consequência das Ondas de
Choque nas asas é a redução no ângulo de “Downwash”. Tal redução tem impacto
negativo na recuperação do “Tuck Under”, uma vez que o fluxo de ar passa a
atingir diretamente o extradorso do estabilizador horizontal, com ângulos negativos,
reduzindo a geração de sustentação naquele aerofólio. Ainda, o ar turbilhonado do
bordo de fuga da asa (originado pelas Ondas de Choque) também tem influência
negativa naquele estabilizador, reduzindo a sua efetividade.

Essa é a razão para a existência de aeronaves, que voam em elevadas


velocidades, serem dotadas de estabilizadores horizontais localizados em
caudas denominadas em formato “T”. A ideia é afastar o aerofólio da zona de
turbilhonamento do ar causada pelas Ondas de Choque nas asas. Para tal, os
projetistas posicionam o estabilizador horizontal acima do estabilizador vertical.

Figura 1.15 – Exemplos de Aeronaves com cauda em “T”

Fonte: Cunha (2019).

33
Capítulo 1

Fonte: Cauda em T (2019).

Figura 1.16 – Influência de Downwash no profundor

Fonte: Elaboração do autor (2019).

Figura 1.17 – Fluxo Subsônico e Transônico – redução de “Downwash”

Fonte: Saintive (2009).

34
Teoria de Voo de Alta Velocidade

O fenômeno “Tuck Under” se manifesta de forma progressiva, e pode ser


facilmente identificado por uma tripulação bem treinada, uma vez que é precedido
ou acompanhado de “buffet”, também de intensidade progressiva. Entretanto, é
necessário ter em mente que as medidas corretivas devem ser adotadas o quanto
antes, sob pena de agravar a situação ao ponto em que a aeronave poderá ingressar
em um mergulho descontrolado, excedendo limites estruturais aerodinâmicos.

4.2 Aumento do arrasto


Ocorre com a elevação do Número de Mach empregado por uma aeronave. A
resultante da sustentação, na zona de aceleração do ar para o fluxo supersônico (logo
antes da formação da Onda de Choque Normal), causa turbulência, espessamento e
até o descolamento da Camada Limite presente na região posterior à Onda de Choque.
Esses efeitos produzem uma força de arrasto extra, não previamente existente no voo
subsônico, denominada Arrasto de Onda ou de Compressibilidade.

O aumento desse novo arrasto é lento, na medida em que a aeronave ultrapassa


o Mach Crítico e as Ondas de Choque se tornam mais severas. Porém, ao se
aproximar do MMO, esses efeitos podem se tornar muito significativos, devido
ao elevado percentual de descolamento dos filetes da Camada Limite. A partir
de uma determinada velocidade denominada Mach de Divergência de Arrasto
(Drag Divergence Mach Number), o coeficiente desse novo tipo de arrasto
se torna muito elevado. Voar próximo a tal velocidade implica, para manter a
velocidade anterior e contrapor-se ao arrasto total, em aplicar incrementos cada
vez maiores de potência, isso se traduz em grande aumento no consumo de
combustível (SAINTIVE, 2009).

4.3 Vibrações
Conforme já comentado anteriormente, o turbilhonamento dos filetes da Camada
Limite, e o seu posterior descolamento gerado pelas Ondas de Choque, causam
vibrações em diversas partes da aeronave, como nas asas, cone de cauda e até
na própria fuselagem.

4.4 Redução da eficiência dos comandos de voo


Esse era outro fenômeno que se manifestava nos primeiros aviões que se
aproximavam cada vez mais da velocidade do som, e suas causas não eram
compreendidas. Os comandos de voo (que permitem à aeronave mudar de
direção em todos os eixos) tornavam-se muito pesados, pouco eficientes ou até
inoperantes. Hoje, os engenheiros aeronáuticos sabem que o surgimento de tais
anomalias também está associado ao aparecimento das Ondas de Choque, em
voos realizados acima do Mach Crítico.

35
Capítulo 1

Os impulsos de pressão produzidos pelos comandos de voo se acumulam na


Onda de Choque. Ainda, o ar que acaba passando por alguns desses comandos
é justamente aquele que perdeu energia, na região de espessamento ou de
descolamento da Camada Limite. Por fim, como já vimos anteriormente, o
deslocamento do CP para trás faz com que a força necessária para movimentar
os comandos aumente. Esses três fenômenos influenciam negativamente o
rendimento dos comandos de voo.

4.5 RollOff
É quando o rolamento da aeronave ocorre para o lado oposto ao que foi
comandado pelos pedais (leme de direção). Voando próximo ao MMO, a guinada
de uma aeronave pode provocar o estol de choque na asa externa à guinada,
ocasionando um rolamento no sentido oposto.

Em velocidades mais baixas, ao comandar o leme para um dos lados, naturalmente


ocorrerá um rolamento da aeronave para o mesmo lado, pois a aplicação dos
pedais ocasiona o avanço da asa oposta, no sentido da guinada. Ao avançar,
aquela asa ganha sustentação e sobe, provocando o giro da aeronave para o lado
correto. Entretanto, em velocidades próximas ao MMO, o comandamento do leme
pode ocasionar um giro de asa para o sentido oposto. Ao ser flexionado para um
lado, o leme provoca o avanço da asa oposta (da mesma forma que descrito no
primeiro caso), mas como a aeronave já se encontra próxima ao Número Mach
limite operacional, o avanço da asa oposta também causará a sua aceleração, e
tal asa poderá ter os efeitos adversos das Ondas de Choque significativamente
aumentados, o que provocará arrasto nela e a consequente perda de sustentação.
Ou seja, ao invés de asa subir, ela descerá, provocando uma rolagem no sentido
oposto ao que foi comandado pelo leme de direção.

Assim, ao voar em grandes altitudes, com velocidades próximas ao MMO, é


recomendado que as curvas sejam feitas sempre de forma suave com o uso dos
ailerons, evitando-se a aplicação do leme direcional.

4.6 Estol de Mach


Você deve se lembrar de que o estol nada mais é do que o resultado da
incapacidade de um aerofólio em gerar a sustentação necessária, para manter um
avião em voo nivelado.

Primeiramente, recordemos de forma rápida como ocorre o estol em um aerofólio,


em voos subsônicos. Basicamente, como consequência do aumento no ângulo
de ataque (AOA) de um aerofólio, em relação à direção de seu deslocamento, a
viscosidade do ar reduz progressivamente a energia dos filetes da Camada Limite,
causando o seu descolamento antes do bordo de fuga (SAINTIVE, 2009).

36
Teoria de Voo de Alta Velocidade

O ângulo de ataque tem influência na sustentação do aerofólio. Inicialmente,


quanto maior o AOA, maior a sustentação, mas esse incremento tem um limite.
Em certo ponto, o escoamento no extradorso da asa deixa de ser laminar e torna-
se turbulento. Você já sabe que o descolamento da Camada Limite aumenta
o arrasto e reduz a capacidade de produção de sustentação do aerofólio. As
condições para a manutenção da diferença de pressão estática deixam de existir,
e a sustentação é perdida quase que instantaneamente. (ABREU; PIRES, 2016)

Assim, o estol ocorre sempre que um aerofólio alcança e supera o seu “Ângulo de
Ataque Crítico”, independente da velocidade da aeronave. Nas modernas aeronaves,
com o velocímetro existe a indicação de proximidade desse ângulo, o que permite ao
piloto evitá-lo. Também, sistemas automatizados como o “Stick Shaker” alertam o
piloto da iminência da condição do estol, “sacudindo” a coluna do manche e gerando
avisos sonoros específicos. Ainda, algumas aeronaves de asas fixas contam com um
dispositivo hidráulico ou eletromecânico denominado “Stick Pusher”, cuja função é a
de impedir que a aeronave entre em uma situação de estol.

Tais aeronaves, muitas vezes, apresentam difíceis características de


controlabilidade pós estol, o que pode tornar a ocorrência deste efeito muito
perigosa. Assim, o “Stick Pusher” empurra o sistema de controle do profundor,
sempre que o ângulo de ataque da aeronave atingir um valor predeterminado
para aquela condição de voo, e então cessa quando o ângulo de ataque cai o
suficiente. Normalmente, as aeronaves que possuem “Stick Pusher” também
contam com o “Stick Shaker” instalado.

O estol tipificado acima é observado nos regimes subsônicos (onde não há


escoamento supersônico no aerofólio), e também pode ocorrer no regime
transônico, pois é uma decorrência da elevação do ângulo de ataque (uma
aeronave voando em regime subsônico, em mergulho, mesmo que esteja
empregando uma alta velocidade, poderá presenciar o estol se o piloto puxar
repentinamente o manche, alcançando o Ângulo de Ataque Crítico).

Entretanto, no regime transônico, um outro tipo de estol também pode ocorrer,


resultando nos mesmos efeitos que o primeiro, mas originado por motivo
distinto. No regime transônico, as Ondas de Choque muito intensas produzem
o descolamento dos filetes da Camada Limite, semelhante ao estol subsônico,
sendo, dessa maneira, denominado de “Estol de compressibilidade, Estol
de choque ou Estol de Mach”, ou ainda “Estol de Alta Velocidade”. O estol
de Mach é menos crítico que o estol subsônico, uma vez que não impacta tão
intensamente no coeficiente de sustentação.

37
Capítulo 1

O AOA da asa tem o maior efeito na indução do buffet de Mach, tanto na alta
quanto nos limites de baixa velocidade do avião. As condições do aumento do
AOA e, consequentemente, da elevação da velocidade do fluxo de ar sobre a asa
e as chances de ocorrência de buffet de Mach são:

• Operação em altitudes elevadas – quanto mais alto o avião voa,


mais fino o ar e maior o AOA necessário para produzir a sustentação
necessária para manter o voo nivelado;
• Operação com a aeronave muito pesada – mantidos os demais
fatores constantes, quanto maior o peso do avião, maior
será a demanda por sustentação a ser gerada pelas asas e,
consequentemente, maior o AOA para tal;
• Carga “G” – um aumento na carga “G” resulta na mesma situação
que aumentar o peso do avião. Não faz diferença se o aumento nas
forças “G” é causado por uma curva, uso inadequado dos controles
de voo ou por turbulência. O efeito de aumentar o AOA da asa é o
mesmo. (USA, 2016).

Assim, perceba que uma aeronave capaz de voar em regime transônico pode
experimentar as típicas vibrações que indicam a proximidade do estol (buffet), tanto em
baixa quanto em altas velocidades. Segundo Saintive (2009), nas baixas velocidades,
para contrapor-se ao estol o piloto deve reduzir o ângulo de ataque e aumentar a
velocidade da aeronave. Nas altas velocidades, ao pressentir sinais de estol (caso o
ângulo de ataque não se encontre elevado), o piloto deverá reduzir a velocidade da
aeronave (e, consequentemente, reduzir os efeitos das Ondas de Choque).

Você deve se recordar das chamadas “caudas em T”, que abordamos


anteriormente. Entretanto, uma vez que estamos comentando a questão do estol
nos aviões, seja em baixa ou alta velocidade, é oportuno que você conheça “o
outro lado da moeda”, quando empregamos uma aeronave com “cauda em T”.
Nessas aeronaves, o estabilizador horizontal foi propositadamente colocado
acima do estabilizador vertical, para livrá-lo dos efeitos do turbilhonamento do ar
das asas, causado pelas ondas de choque.

Porém, em uma situação de estol, o ângulo de ataque é tão alto que o fenômeno
se inverte. Ao afundar em uma situação de estol, o ar proveniente das asas,
completamente desestruturado e turbilhonado, agora incide diretamente sobre a
“cauda em T”, tornando praticamente impossível o comandamento do profundor.
Tal fenômeno é chamado por alguns autores de “deep stall” (estol profundo), e
é extremamente perigoso para uma aeronave. Essa situação é exemplificada na
figura a seguir.

38
Teoria de Voo de Alta Velocidade

Figura 1.18 – Deep Stall em aeronaves com Cauda em “T”

Fonte: Homa (2010).

Fonte: Maaz (2016).

Bom, já sabemos que a velocidade indicada de um avião diminui em relação


à velocidade verdadeira, quando a altitude aumenta. Como a velocidade
indicada diminui com a altitude (para um mesmo peso e potência empregada),
ela ingressa progressivamente na faixa limite de buffet de baixa velocidade,
onde ocorre o buffet pré-estol para o avião em um fator de carga de 1,0 G (ou
seja, em voo nivelado). Por outro lado, na medida em que aumenta a altitude (e
consequentemente diminui a velocidade do som), maiores são as chances de
uma aeronave ultrapassar o seu MMO, experimentar buffet de alta velocidade e
também estolar.

39
Capítulo 1

Assim, tais velocidades irão se igualar em uma determinada altitude, o que se


caracteriza pela altitude absoluta ou teto aerodinâmico do avião, para um
determinado peso (USA, 2016). Nessa altitude, se o avião reduzir a velocidade
indicada irá exceder o AOA crítico e estolar. Na mesma altitude, se o avião voar
mais rápido irá ultrapassar o MMO, potencialmente levando ao buffet de alta
velocidade. Essa área crítica do envelope de voo do avião é conhecida como
Coffin Corner (Esquina do Caixão). Ao voar nessa região do envelope, a aeronave
deve evitar curvas e turbulência (ou seja, qualquer carga “G”). Ao manter o voo
nivelado, após um determinado tempo, o peso da aeronave se reduzirá (por conta
do consumo de combustível), e ela paulatinamente irá se afastar da zona de risco,
afastando-se do Coffin Corner.

Seção 5
Medidas para minimizar os efeitos de
compressibilidade do ar
Agora você já sabe que o ar é compressível, e que tal característica se manifesta
em elevadas velocidades, produzindo efeitos que prejudicam o voo das
aeronaves e podem colocá-las em situação de perigo. Sabemos também que as
antigas aeronaves eram limitadas em potência, e por isso não experimentavam
frequentemente tais efeitos negativos, pois simplesmente não conseguiam
acelerar ou subir o suficiente para que eles pudessem ocorrer.

Entretanto, nos dias de hoje testemunhamos aeronaves cada vez maiores,


cada vez mais pesadas, e que carregam cada vez mais carga, passageiros e
combustível, cruzando os oceanos e continentes a velocidades próximas a M
0.90, em altitudes acima de 45.000 Ft. Ora, de tudo o que já aprendemos até aqui,
é de se esperar que tais aeronaves estejam voando em regimes aerodinâmicos
onde os efeitos de compressibilidade e de viscosidade do ar deveriam lhes causar
severas penalidades à manutenção de um voo tranquilo e seguro. E estamos
absolutamente certos de pensar assim.

Entretanto, ao compararmos as modernas aeronaves àquelas que voavam nas


décadas de 1950, 1960 e 1970, presenciamos justamente o contrário. Os aviões
modernos voam mais rápido, carregam mais carga ou passageiros, voam mais
alto, consomem menos combustível e, ainda assim, são muito mais seguros.

Logicamente, muitos fatores contribuíram para tal, como o surgimento de


novas tecnologias, a automação e a duplicidade dos sistemas das aeronaves,
a existência de materiais mais leves e resistentes (que passaram a compor a

40
Teoria de Voo de Alta Velocidade

estrutura dos aviões), entre outros. Entre esses outros fatores, podemos citar
aspectos relacionados ao desenho dos novos aviões (muito mais “limpos”
e aerodinâmicos) e de seus aerofólios, e do emprego de algumas medidas
e dispositivos que “retardam” o aparecimento dos efeitos negativos da
compressibilidade e da viscosidade do ar. Nos aviões mais modernos, o arrasto
induzido representa entre 25% a 40% do arrasto total, e os arrastos parasita e de
compressibilidade somam o total restante (SAINTIVE, 2009).

Já aprendemos que os problemas de compressibilidade se tornam significativos


somente após o Mach Crítico, e que os arrastos de compressibilidade e parasita
também predominam em altas velocidades. Sabemos, também, que o arrasto de
compressibilidade cresce vertiginosamente quando se ultrapassa a velocidade de
Mach de Divergência de Arrasto.

Assim, uma das soluções encontradas pelos projetistas de aeronaves, para


minimizar a ocorrência de tais efeitos, foi justamente no sentido de aumentar tais
limites – Mach Crítico e Mach de Divergência de Arrasto. Veremos a seguir algumas
dessas soluções. É preciso compreender que, como em tudo na vida, a solução
para atenuar um problema pode intensificar ou dar margem ao surgimento de
outros, o que também vamos discutir superficialmente em alguns casos.

a. Desenho das asas


O primeiro trabalho sério sobre o desenvolvimento de seções de aerofólios
começou no final de 1800. Embora fosse conhecido que placas planas produziriam
sustentação quando fixadas em um ângulo de incidência, alguns suspeitavam que
as formas com curvatura, que mais se assemelhavam às asas de pássaros, iriam
produzir mais sustentação ou fazê-lo de forma mais eficiente. Relembremos na
figura abaixo os principais aspectos que caracterizam um aerofólio:

Figura 1.19 – Características e nomenclaturas de um aerofólio

Fonte: Anderson Jr (2015).

De uma maneira geral, há dois tipos gerais de perfis de aerofólio, os Simétricos e


os Assimétricos (para estes últimos perfis, existe uma infinidade de variações de
desenhos). O perfil Simétrico pode ser dividido por uma linha reta que gera duas
metades. Já o perfil Assimétrico, ao ser dividido por uma linha reta, não gera duas
partes iguais, como ilustrado abaixo.

41
Capítulo 1

Figura 1.20 – Perfis assimétricos e simétricos de aerofólios

Fonte: Anderson Jr (2015).

O perfil Simétrico é utilizado onde é necessário que o comportamento do aerofólio


seja simétrico, por exemplo, na empenagem (leme e profundor) do avião. O perfil
assimétrico ou arqueado produz uma sustentação maior, e o arrasto pode ser
diminuído. Esse perfil é muito adequado para a asa.

Quando se pretende projetar uma asa que irá operar em regimes de altas
velocidades, o primeiro requisito que deve ser satisfeito é o de economicidade
nos voos de cruzeiro. Entretanto, uma vez que um avião não opera somente nesse
regime do voo, as asas também devem ser capazes de gerar bom rendimento em
baixas velocidades, principalmente para as fases de decolagem e de aproximação.
Ainda, seu desenho deve levar em conta a possibilidade de solucionar a questão de
lidar com diferentes e, por vezes, severas cargas estruturais, e ainda deve ser capaz
de carregar grandes quantidades de combustível.

Lembre-se de que, para poder ser certificada para operações comerciais, as aeronaves
passam por rigorosos testes e devem, nas mais diversas condições, atender a
requisitos específicos de segurança e de desempenho. Trataremos de alguns desses
requisitos no próximo capítulo, quando falaremos de performance e de fatores
limitantes nas fases de decolagem, subida, cruzeiro e pouso.

Uma asa com desempenho espetacular para altas velocidades, provavelmente


não terá muito bom rendimento nos regimes mais lentos, e vice e versa. Como
afirmamos anteriormente, semelhante a outros aspectos da vida, tudo é uma
questão de compromisso.

Assim, existe um compromisso entre a capacidade de gerar sustentação e a


capacidade de gerar o menor arrasto possível, e ainda a capacidade de voar em
grandes velocidades, e cada projeto de avião deverá lidar com essas questões,
para otimizar o desenho de aerofólio que mais lhe traga resultados favoráveis.
(BRISTOW, 2002). Ao escolher um ou outro desenho, os engenheiros ainda
poderão dispor de dispositivos extras para melhorar o desempenho das asas em
determinadas circunstâncias, como o uso de dispositivos hipersustentadores.

42
Teoria de Voo de Alta Velocidade

Em linhas gerais, os requisitos para o desenho de uma asa otimizada, para


regimes de grandes velocidades, devem focar nos seguintes aspectos:
“enflechamento”, “espessura” e “arqueamento, curvatura ou camber”.

Arqueamento, curvatura ou camber, na aeronáutica, designa a linha média entre


o topo e o fundo de um aerofólio. Junto com a espessura do perfil, é responsável
pela alteração do escoamento ao redor do aerofólio e, por consequência, também
responsável pela geração de sustentação em uma asa. (ARQUEAMENTO, 2019).

Figura 1.21 – Geometria de um aerofólio – Arqueamento, Curvatura ou Câmber

Fonte: Rodrigues (2014).

De acordo com Saintive (2009), os aerofólios projetados para as grandes


velocidades têm menor curvatura e menor espessura do que os convencionais,
usados nas baixas velocidades, o que ocasiona a redução do coeficiente de
sustentação máximo e também do volume para armazenar combustível e trens de
pouso nas asas. Tais aerofólios também possuem algum grau de enflechamento.

Saintive (2009) também esclarece que os primeiros aerofólios estudados com essa
finalidade foram chamados de aerofólios laminares (NACA, série 6), e permitiam
um suave aumento de velocidade no extradorso da asa. Posteriormente, verificou-
se que esses não eram os melhores aerofólios para altas velocidades, porque o
escoamento laminar não depende apenas da forma do aerofólio, mas também de
outros fatores como o número de Reynolds (como visto anteriormente, uma relação
entre as forças de inércia e as forças de viscosidade do ar), da rugosidade da
superfície e da turbulência inicial dos filetes de ar.

43
Capítulo 1

Os aerofólios NACA são formas aerodinâmicas para asas de aeronaves, desenvolvidas


pelo National Advisory Committee for Aeronautics – NACA, nos Estados Unidos
(Comitê Nacional Consultivo para Aeronáutica). A forma dos aerofólios NACA é
descrita usando uma série de dígitos após a palavra “NACA”. Os parâmetros no
código numérico podem ser inseridos em equações, para gerar precisamente a seção
transversal do aerofólio e calcular suas propriedades. Por exemplo, o aerofólio NACA
2412 tem uma curvatura máxima de 2% localizada a 40% (0,4 da corda) do bordo de
ataque, com uma espessura máxima de 12% da corda.

Durante o final da década de 1920 e até a década de 1930, o NACA desenvolveu


uma série de aerofólios totalmente testados, e criou uma designação numérica
para cada aerofólio – um número de quatro dígitos que representava as
propriedades geométricas críticas da seção do aerofólio. Em 1929, o laboratório
de Langley (EUA) desenvolveu essa metodologia até o ponto em que o sistema
de numeração foi complementado por uma seção transversal de aerofólio, e o
catálogo completo de 78 aerofólios apareceu no relatório anual do NACA para
1933. Os engenheiros puderam ver rapidamente as peculiaridades de cada forma
de aerofólio e o designador numérico (“NACA 2415”, por exemplo) especificou
linhas de inclinação, espessura máxima e características especiais. Essas figuras
e formas forneciam informações aos engenheiros, que lhes permitiam selecionar
aerofólios específicos para características de desempenho desejadas, específicas
para cada aeronave (NACA Airfoils, 2017).

Atualmente, os perfis mais promissores são os chamados supercríticos, que


apresentam as seguintes diferenças em relação aos convencionais (SAINTIVE, 2009):

a. maior raio do bordo de ataque;


b. curvatura superior reduzida;
c. curvatura em S próximo ao bordo de fuga.

Assim, para aumentar o Mach Crítico e o Mach de Divergência de Arrasto,


os engenheiros projetam as aeronaves de alta velocidade com aerofólios
de perfis laminares ou supercríticos (preferencialmente estes últimos). Os
perfis supercríticos foram desenvolvidos em 1974 pela equipe do engenheiro
aeroespacial norte-americano Richard Whitcomb.

Nesses perfis, a curvatura do extradorso é pouco acentuada, minimizando a


aceleração do ar e o aparecimento prematuro de ondas de choque (as ondas
de choque, quando aparecem nesses tipos de aerofólios, localizam-se mais
próximas ao bordo de fuga e apresentam intensidade menor).

44
Teoria de Voo de Alta Velocidade

Figura 1.22 – Aerofólio com Perfil Convencional e Perfil Supercrítico

Fonte: Adaptado de Soroka (2014).

Vistos os aspectos de curvatura e arqueamento, abordaremos agora outra


característica presente nas asas das modernas aeronaves comerciais e de carga,
que operam no regime transônico – o enflechamento.

Você já sabe que, para aeronaves de alta velocidade, a velocidade máxima do


escoamento sobre as asas pode atingir valores iguais ou maiores do que a velocidade
do som, mesmo se o avião voar em velocidades subsônicas. Ondas de choque podem
se formar quando a velocidade local excede a velocidade local do som. A redução
desse efeito é conseguida por meio do enflechamento das asas do avião para trás.
Dessa forma, a componente de velocidade do escoamento, perpendicular ao bordo
de ataque, é menor do que a velocidade do escoamento livre e, consequentemente, o
surgimento de ondas de choque sobre a asa pode ser retardado.

Na primeira figura abaixo, perceba que a aeronave se desloca a uma velocidade


de 900 Km/h, que corresponde a um determinado Número Mach. Suponhamos
que essa velocidade seja o Número Mach crítico para a mesma asa, sem
enflechamento.

Para a asa enflechada, no entanto, o fluxo que é levado em consideração para


a ocorrência dos efeitos de compressibilidade é apenas aquele da porção
perpendicular à asa (ou seja, paralelo à Corda Média Aerodinâmica), cuja
velocidade (770 Km/h) é inferior à de deslocamento real do aerofólio.

45
Capítulo 1

Figura 1.23 – Vento relativo em uma asa enflechada

Fonte: Homa (2010).

Fonte: Udris (2014).

Figura 1.24 – Descrição do Fluxo Aerodinâmico em uma asa com enflechamento

Fonte: Aeroflap (2015).

46
Teoria de Voo de Alta Velocidade

Da imagem acima, depreende-se que a componente de velocidade que deve


ser levada em consideração, para calcularmos o “novo” Mach Crítico da asa
enflechada, poderá ser obtida de forma simplificada assim:

“Novo” Mach Crítico da asa enflechada = Velocidade do fluxo do ar ÷ Cos 30o.

A título de exemplo, se a velocidade da aeronave for de M 0.75, e considerarmos


esse como sendo o Mach Crítico da asa não enflechada, tal valor somente será
atingido de forma perpendicular à asa enflechada quando a aeronave atingir
M.075 ÷ Cos 30o, ou seja, M 0.92.

O cálculo anterior é muito simplificado, pois o escoamento ao redor da asa é


tridimensional, e o tratamos na solução matemática como sendo bidimensional. Assim,
o “novo” Mach Crítico “real” da asa enflechada estará compreendido entre M 0.75 e M
0.92 (SAINTIVE, 2009).

Figura 1.25 – Desenho da aeronave Boeing 747-400, onde se observa o enflechamento de suas asas

Fonte: Viana (201?).

O emprego de asas enflechadas é sempre um compromisso entre os benefícios gerados,


os quais já abordamos anteriormente, e seus principais efeitos negativos como: menor
capacidade de gerar sustentação, para incrementos no ângulo de ataque (comparada
ao mesmo aumento do ângulo de ataque, em uma asa sem enflechamento); tendência
de passeio dos filetes de ar; tendência de estol na ponta das asas; tendência de Dutch
Roll / aumento do “efeito diedro” das asas; tendência de picar (Tuck Under); aumento
do arrasto junto à fuselagem e outros. Veremos mais adiante alguns desses efeitos, e as
formas encontradas pelos engenheiros para minimizá-los.

47
Capítulo 1

b. Regra da Área (Area Rule)


A Regra da Área de Whitcomb, também chamada de Regra da Área transônica,
é uma técnica de projeto usada para reduzir o arrasto de uma aeronave em
velocidades transônicas e supersônicas, particularmente entre Mach 0,75 e 1,2.

De acordo com Saintive (2009), a Regra da Área constata que o menor arrasto
nos regimes transônico e supersônico é obtido quando as áreas das sessões
retas do avião, ao longo do seu eixo longitudinal, formam uma curva contínua,
sem mudanças bruscas ao longo do seu comprimento.

Tal abordagem é o resultado de uma série de experimentos liderados pelo Dr.


Richard Whitcomb, que foi (até o presente) a abordagem mais intuitiva para um
dos problemas desafiadores no campo da aerodinâmica.

Você já sabe que, em um voo transônico, quando a velocidade do ar está próxima


da faixa transônica, o fluxo de ar local em torno de algumas partes do avião,
geralmente na superfície superior das asas, tende a atingir facilmente Mach 1.
Tais fluxos supersônicos localizados produzem ondas de choque, que afetam
significativamente o desempenho da aeronave, produzindo o rápido aumento de
um determinado tipo de arrasto – como você já viu anteriormente, denominado
de Arrasto de Onda. A Regra da Área é uma regra muito importante que aborda
esse efeito, minimizando quaisquer mudanças rápidas na área da seção
transversal longitudinal de uma aeronave, fazendo ajustes apropriados no projeto
(KARTHIKEYAN KC, 2016).

Whitcomb observou as formações de ondas de choque de vários modelos em


túnel de vento, envolvendo formas que incluíam asas e apenas a fuselagem, e a
forma recuada como mostrado abaixo.

Figura 1.26 – Regra da Área de Whitcomb, redução de volume da fuselagem

Fonte: Karthikeyan Kc (2016).

48
Teoria de Voo de Alta Velocidade

Whitcomb descobriu, então, que o arrasto era proporcional à descontinuidade na


área da seção transversal, ao longo do comprimento do avião. Ele concluiu que a
presença da asa adiciona um volume extra nesse ponto e, ao identificar e reduzir
o volume da fuselagem, levou a uma distribuição de área mais suave, o que, por
sua vez, diminuiria o arrasto de onda.

A primeira aplicação da regra de área foi na modificação do Convair F-102 Delta


Dagger como F-102A. O F-102 teve um desempenho ruim, devido ao alto arrasto
de onda, e não conseguiu um voo supersônico. A aeronave foi então reprojetada
como F-102A, reduzindo (recuando) a área da fuselagem na cintura, seguindo a
Regra da Área de Whitcomb. O F-102A foi mais tarde capaz de atingir Mach 1.22,
com uma redução considerável no arrasto de ondas transônicas. Tal perfil chegou
à época a ser apelidado de “garrafa de coca cola”, pela sua semelhança com
as garrafas de refrigerante vendidas nas décadas de 1950 e 1960, cujos perfis
possuíam “cinturas afinadas”.

Figura 1.27 – Imagem de duas versões da aeronave F-102 – a segunda com o emprego da Regra da
Área

Fonte: Karthikeyan Kc (2016).

Aqui está uma plotagem de distribuição de área transversal esquemática, para


ambas as variantes da aeronave.

49
Capítulo 1

Figura 1.28 – Esquema de distribuição da área transversal nas aeronaves F-102 e F-102A

Fonte: Karthikeyan Kc (2016).

Na figura acima, note que o segundo gráfico à direita apresenta uma distribuição
mais suave, em relação ao contorno onde a fuselagem é recuada. Assim,
recuando a fuselagem (reduzindo o seu volume) na cintura, a área da seção
transversal é mantida a mais lisa possível, proporcionando uma área quase
uniforme e contínua, de interação suave com o fluxo de ar.

No entanto, a Regra da Área de Whitcomb é boa apenas para reduzir o arrasto de


onda devido às asas e, de qualquer maneira, não é capaz de livrar o avião de todo
o arrasto de onda. Outras formas de governança de área, com configurações
como os motores montados na cauda e, componentes aerodinâmicos
especificamente posicionados, ainda são implementadas hoje. Um exemplo muito
familiar dessa decisão de área pode ser visto no projeto da aeronave Boeing 747
(imagem apresentada anteriormente, quando abordamos o enflechamento das
asas). A corcunda na frente da fuselagem daquele avião também é o resultado da
aplicação da Regra da Área, para manter uma área transversal simplificada para
os voos transônicos.

50
Teoria de Voo de Alta Velocidade

Figura 1.29 – Aplicação da Regra da Área em aeronave da Airbus

Fonte: Wikipedia (2019).

Na imagem acima, repare um outro exemplo. No perfil da fuselagem da aeronave


Airbus A380, na região da raiz das asas, também foram aplicados os conceitos da
Regra da Área.

Figura 1.30 – Aplicação da Regra da Área em aeronave militar F-5

Fonte: Poder Aéreo (2019).

Na imagem acima, mais uma aplicação da regra da área. Observe o formato de


“cintura” na fuselagem de um caça F-5M da FAB, próximo à raiz de sua asa.

51
Capítulo 1

c. Emprego de Estabilizador Horizontal com incidência variável


Quando tratamos da questão do aparecimento de Ondas de Choque no regime
transônico, especificamos que tal fenômeno ocorre principalmente nos aerofólios.
Bem, é preciso recordar que um avião é composto por mais de um aerofólio. Além
das asas, você já sabe que o estabilizador horizontal e o profundor também são
aerofólios e, consequentemente, sujeitos aos efeitos de compressibilidade do ar.

Basicamente, existem duas classes de estabilizadores horizontais e profundores


– os estabilizadores fixos com profundores móveis e os estabilizadores com
incidência variável, também com profundores móveis.

O uso do estabilizador de incidência variável é geralmente adotado nas aeronaves


sujeitas a voos em uma grande faixa de velocidade, geralmente possível pelo uso
de asas enflechadas. Se um estabilizador de incidência fixa fosse usado nessas
aeronaves, provavelmente não forneceria o nível adequado de autoridade de
controle longitudinal, em toda a gama de velocidades e de configurações de Flap.
Com a formação de Ondas de Choque nas asas, você se recorda que haverá
um deslocamento do CP em direção ao bordo de fuga, alterando o momento e,
consequentemente, a força necessária a ser exercida pelo profundor.

Quanto maior o deslocamento do CP para trás, maior será a força necessária para
manter a aeronave em voo nivelado. Essa força maior é obtida por uma maior
deflexão do profundor, o que também acaba provocando maior arrasto no aerofólio.
Ao variar sua incidência como um todo, os estabilizadores horizontais com
incidência variável acabam gerando menor arrasto, tornando-se mais eficientes.

Para lidar com todas as gamas de velocidade, o fabricante da aeronave


recomenda uma margem de segurança para posicionamento do estabilizador
horizontal com incidência variável, para cada fase do voo e velocidade. Em voo
automatizado, a compensação do estabilizador é feita pelo próprio sistema, sem
a necessidade de interferência dos pilotos.

Figura 1.31 – Esquema do Estabilizador Horizontal da aeronave EMB-145, com incidência variável

Fonte: EMBRAER (2001).

52
Teoria de Voo de Alta Velocidade

d. Emprego de Geradores de Vórtices (Vortex Generators)


Você deve se lembrar da importância da Camada Limite, principalmente para
a geração de sustentação em um aerofólio. Dissemos, anteriormente, que os
engenheiros devem sempre se preocupar com essa importante fração do fluxo
de ar, para que se comporte da forma mais laminar possível, com pouca perda
de energia pela viscosidade do ar e pelos efeitos de compressibilidade, esses
últimos oriundos das Ondas de Choque.

Uma das formas encontrada pelos engenheiros aeronáuticos, para devolver


aos filetes de ar energia cinética, é obtida por meio do emprego dos Geradores
de Vórtices (Vortex Generators). Esses são dispositivos similares a uma asa
de pequeno alongamento, dispostos num local que trará benefícios com os
vórtices por eles produzidos. Os Geradores de Vórtices variam em dimensões e
combinações, e podem ser montados em várias partes do avião.

Figura 1.32 – Ação dos Geradores de Vórtice – retardam o descolamento e reduzem a espessura da
Camada Limite

Fonte: Saintive (2009).

Como subproduto da sustentação perpendicular às superfícies criadas por esses


dispositivos, os vórtices influenciam os filetes de ar de duas maneiras diferentes:

• Os vórtices captam o ar fora da Camada Limite, “injetando-o” em


forma espiral ao ar da Camada Limite, que está «cansado». Assim
a camada é energizada (e por vezes tornada mais fina) e o gerador
de vórtice pode adiar, controlar ou prevenir a estagnação ou o seu
descolamento (lembre-se, o descolamento pode ser causado por
Ondas de Choque ou por meio da elevação do AOA). Os Geradores
de Vórtices podem causar turbulência na Camada Limite, mas
reduzem as suas chances de se estagnar ou descolar (SAINTIVE,
2009 e HOMA, 2010);
• Os Geradores de Vórtice são posicionados para redirecionar os
filetes de ar, agindo como defletores (normalmente empregados em
outras regiões da aeronave, e não somente nas asas).

53
Capítulo 1

Figura 1.33 – Funcionamento dos Geradores de Vórtices posicionados no extradorso de uma asa

Fonte: Homa (2010).

Os Geradores de Vórtices são estrategicamente posicionados em uma aeronave, de


modo a obter os seus benefícios onde seja necessário (logicamente, esses dispositivos
também causam um certo arrasto ao deslocamento do avião, por isso, o seu emprego
deve ser feito onde os benefícios sejam maiores do que as penalidades).

Na figura abaixo, por exemplo, podemos observar o posicionamento desses


pequenos dispositivos nas asas de uma aeronave de combate. Reparem na
disposição dos Geradores de Vórtices, próximos à região dos ailerons das asas.
Nesse aspecto, o seu posicionamento visa a fornecer energia aos filetes de ar da
asa, que em seguida atingirão os ailerons, aumentando sua eficiência.

Figura 1.34 – Disposição de Geradores de Vórtices na asa de uma aeronave de combate, próximo à
região dos ailerons

Fonte: Wikimedia (2019).

54
Teoria de Voo de Alta Velocidade

Figura 1.35 – Esquema de Geradores de Vórtices posicionados próximos ao Flap de uma asa

Fonte: Aero space web (2019).

Além das asas, os Geradores de Vórtices também podem ser empregados na


fuselagem do avião (para reduzir o arrasto ou direcionar o fluxo de ar para algum
local específico – na função de defletores), ao redor dos motores instalados
nas asas (para aumentar a eficiência dos Slats, nas operações de pouso e
decolagem), e nos estabilizadores vertical e horizontal.

Figura 1.36 – Posicionamento de Gerador de Vórtice (denominado “Strake”) na carenagem do motor de um B737

Fonte: Wikipedia (2019).

Figura 1.37 – Gerador de Vórtice (Strake) em ação, fornecendo energia cinética ao Slat de uma aeronave comercial

Fonte: Aviation.stackexchange (2014).

55
Capítulo 1

e. Emprego de Sistemas de Compensação de Mach (Mach


Trimmer)
Você deve se recordar, quando abordamos a questão dos efeitos das Ondas
de Choque, no que tange à movimentação do Centro de Pressão (CP) das asas
em direção ao seu bordo de fuga. Lembra-se, também, que um efeito desse
deslocamento é uma tendência progressiva e, muitas vezes agressiva, da aeronave
sofrer uma grande tendência de picada – fenômeno denominado Tuck Under.

Pois bem. Quando abordamos a questão dos efeitos das Ondas de Choque nos
voos transônicos, bem como quando falamos sobre a influência do desenho
dos aerofólios, especificamente na questão do emprego das asas enflechadas,
pontuamos como um de seus problemas justamente uma maior tendência de
provocar Tuck Under.

Assim, por exemplo, para uma determinada asa enflechada, entre o Mach 0.79
e Mach 0.86 é necessário empurrar o manche para a frente, para manter o avião
nivelado (por conta do aumento na resultante de sustentação). A partir daí é
necessário puxar muito o manche para manter o avião nivelado, até próximo ao
Mach 0.95 (agora por conta do deslocamento do CP para trás, em direção ao
bordo de fuga, decorrente da formação de Ondas de Choque Normais). Para
eliminar essa instabilidade, alguns dos aviões a jato contam com um dispositivo
denominado Mach Trimmer.

O Mach Trimmer é um sistema que corrige artificialmente a tendência de Mach


Tuck da aeronave, detectando sua velocidade e sinalizando um movimento
ascendente proporcional do profundor ou estabilizador de incidência variável,
para manter a atitude do avião em toda a sua faixa de velocidade de operação,
até o máximo Mach Operacional (MMO).

Os sistemas de Mach Trimmer permitem que a faixa de velocidade de operação


normal de uma aeronave esteja acima de seu Mach Crítico. No caso de uma falha
desses sistemas, o fabricante usualmente recomenda a redução da velocidade
abaixo do Mach Crítico, de modo que uma margem seja retida abaixo da
velocidade do Mach no qual ocorrem os primeiros sinais de instabilidade.

Vimos há pouco que uma das principais formas de retardar o aparecimento das
Ondas de Choque consiste no emprego de asas enflechadas. Na atualidade,
será difícil encontrar uma aeronave de alto desempenho que não tenha essa
característica aplicada em sua estrutura aerodinâmica. Entretanto, o uso de asas
enflechadas também gera um preço a ser pago, e sobre esse assunto é que
falaremos na próxima Seção.

56
Teoria de Voo de Alta Velocidade

Seção 6
Consequências Adversas, Advindas do
Enflechamento das Asas
No item anterior, abordamos os benefícios gerados a partir da utilização de algum
grau de enflechamento das asas. Basicamente, tais ganhos focam na capacidade
dessas asas em retardar o aparecimento das Ondas de Choque, e com elas
os seus efeitos negativos ao voo. Ainda, podemos mencionar outro aspecto
positivo do uso das asas enflechadas – elas proporcionam maior estabilidade
para os voos realizados em zonas de turbulência, haja vista que tais perfis reagem
menos às mudanças de AOA. Assim, diante de rajadas ou penetração em ar
turbulento, a aeronave sofrerá menores esforços estruturais e menor também será
o desconforto percebido pelos passageiros (Saintive, 2009).

Entretanto, o emprego das asas enflechadas também impõe uma série de


penitências, as quais devem ser conhecidas. Trataremos aqui somente do tipo
de enflechamento já abordado, qual seja, aquele observado em praticamente
todas as aeronaves cargueiras e comerciais em uso, que operam em regime de
voo transônico – o enflechamento positivo, para trás da aeronave. Não serão
abordadas as asas com enflechamento negativo (ou seja, enflechadas para a
frente da aeronave).

Então, passemos a enumerar os efeitos negativos do emprego desses tipos de


aerofólios e, sempre que houver algum dispositivo ou técnica para minimizá-los,
esses também serão comentados.

a. Desfavorável distribuição de sustentação ao longo da asa,


tendência de estol na ponta da asa e tendência de movimento
do CP para a frente
A asa enflechada tende a estolar de ponta de asa, o que é indesejável para qualquer
tipo de aerofólio. Entretanto, no caso das asas enflechadas, junto com a tendência
prematura de estol de ponta de asa surge a tendência de Pitch Up (elevação do nariz
da aeronave, decorrente do deslocamento do CP para a frente). Assim, ao tentar
corrigir uma situação de estol abaixando o nariz, que é a tendência de todo avião
estável, o avião entrará mais a fundo no estol (SAINTIVE, 2009).

O deslocamento do CP para a frente é causado por um efeito denominado


“deflexionamento” da asa enflechaada, e pode assim ser resumidamente
explicado: uma asa produzindo sustentação possui diversas forças que a
empurram para cima. Como essas forças são resultado da variação de pressão
entre o intradorso e o extradorso, são denominadas força de pressão e atuam
em toda a área da asa. Muito bem. Sabemos que a raiz da asa está fixada

57
Capítulo 1

à fuselagem, e com isso não sofre deformações decorrentes dessas forças.


Entretanto, o restante da asa não está fixo, e é como se estivéssemos envergando
uma chapa que possui uma das pontas presas a uma parede.

Você já deve ter visto, em voo, que uma asa se enverga em determinadas
situações (por exemplo, quando a aeronave sai do solo, ou quando passa
por uma zona de turbulência). Pois é, e saiba que isso é normal e que ela foi
construída para reagir exatamente dessa forma. Ou seja, ela é construída de
maneira suficientemente elástica, para poder oscilar (MOCHO, 1985). Assim,
quando submetida a tais forças de pressão que a empurram para cima, a asa
enverga ou deflexiona, tomando um formato que, visto de frente, assemelha-se ao
de um ângulo de diedro de uma asa (como na figura abaixo).

Figura 1.38 – Deflexão de uma asa, em virtude das forças de sustentação

Fonte: EMBRAER (2001).

Esse efeito de deflexão em uma asa convencional não traz maiores problemas
ao voo. Entretanto, não se pode dizer o mesmo quando ocorre em uma asa
enflechada. Nesses tipos de aerofólio, a deflexão causa uma torça na asa,
resultando em uma sensível diminuição no ângulo de incidência, em direção às
pontas das asas. Em algumas circunstâncias, se pudéssemos olhar de frente para
uma asa enflechada produzindo sustentação, perceberíamos que o bordo de fuga
estaria mais alto do que o bordo de ataque.

Essa variação no ângulo de incidência, no sentido das pontas, causa uma


variação no ângulo de ataque entre as pontas e a raiz da asa, e uma consequente
redução da sustentação nas pontas. Isso não ocasionaria maiores problemas,
além da perda de sustentação nas pontas das asas, não fosse outro fator
associado – o deslocamento do CP para a frente. (MOCHO, 1985). Como
nas asas enflechadas as suas pontas estão localizadas mais para trás, a
perda de sustentação naquela região desloca o CP em direção à raiz da asa,
aproximando-o da fuselagem e deslocando-o para a frente, como exemplificado
na figura abaixo.

58
Teoria de Voo de Alta Velocidade

Figura 1.39 – Deslocamento do Centro de Pressão, causado pela perda de sustentação nas pontas de
uma asa enflechada

Fonte: MOCHO (1985).

Ora, o deslocamento do CP para a frente assemelha-se ao deslocamento do CG


para trás, ocasionando uma tendência de cabrar e uma instabilidade longitudinal,
o que definitivamente não é desejável. Em uma aeronave mal balanceada, o
deslocamento do CP muito à frente poderá causar a chamada “Instabilidade
Catastrófica” (MOCHO, 1985).

Instabilidade Catastrófica é uma condição de equilíbrio na qual o Centro de Pressão


das asas vem a coincidir com o Centro de Gravidade do avião.

Um dos aspectos mais críticos do projeto de uma asa é como a sustentação é


distribuída ao longo da envergadura. A distribuição desfavorável de sustentação
causa tensões de flexão desnecessariamente altas, aumenta o arrasto induzido e,
provavelmente, o mais grave de todos, pode transformar o estol em uma manobra
perigosa e incontrolável, nesse caso, atitudes anormais podem ser esperadas.
A sustentação em uma asa enflechada é mais concentrada nas pontas, quando
comparada com as asas convencionais, e essa é uma característica indesejável
(EMBRAER, 2001).

A figura abaixo ilustra a distribuição do Coeficiente de Sustentação, em várias


geometrias de asa.

59
Capítulo 1

Figura 1.40 – Esquema de distribuição do Coeficiente de Sustentação ao longo da asa, para diferentes
geometrias

Fonte: EMBRAER (2001).

Como regra geral, a melhor distribuição de sustentação é a que minimiza o


arrasto induzido, mas permite o controle de rolagem mesmo em velocidades
próximas ao estol. Para ter esse controle de rolagem, a propagação de estol da
raiz às pontas é desejável, isto é, maior sustentação na raiz do que na ponta.
Esse padrão mantém o fluxo de ar normal sobre os ailerons, até que toda a asa
esteja paralisada.

Para eliminar essa tendência prematura de estol das pontas das asas, são usados
os seguintes métodos clássicos: torção de asa, com menor ângulo de incidência
nas pontas; emprego de Slots próximos às pontas das asas; uso de aerofólios
com maior curvatura nas pontas das asas (para aumentar a velocidade do fluxo
de ar e retardar o estol) – esses três chamados de Washout estrutural; emprego
de geradores de vórtices ou vortilons; emprego de Wing Fences (estes últimos
denominados Washout aerodinâmico) etc.

O Washout estrutural é uma característica do formato da asa da aeronave, que


deliberadamente reduz a distribuição da sustentação ao longo da sua extensão. A asa
é projetada de modo que o ângulo de incidência seja maior nas raízes, diminuindo ao
longo de sua área, ficando mais baixo na ponta da asa. Isso geralmente é para garantir
que, na velocidade de estol, a raiz da asa entre em estol antes das pontas das asas,
proporcionando à aeronave controle continuado do aileron. O Washout também pode
ser usado para modificar a distribuição de sustentação, para reduzir o arrasto induzido.

Wing Fences, são “cercas” aerodinâmicas em forma de placas, colocadas


normalmente em aviões que possuem asas enflechadas, cuja finalidade é evitar
que o fluxo de ar se desloque rapidamente da parte interna das asas para as
pontas, gerando assim uma perda de sustentação muito rápida.

60
Teoria de Voo de Alta Velocidade

Figura 1.41 – Esquema de exemplo de utilização de Fences nas asas de um avião

Fonte: Aviation dictionary (2019).

Figura 1.42 – Exemplo da utilização de Wing Fences nas asas de uma aeronave de alta performance.

Fonte: Durand (2015).

Figura 1.43 – Esquema mostrando a redução do descolamento da Camada Limite – asa sem e com
Wing Fence

Fonte: Formação de Piloto (2014).

61
Capítulo 1

Citemos o exemplo de uma aeronave de fabricação nacional – o EMBRAER


135/145. Tal aeronave faz uso de torção e de alguns outros recursos como
vortilons, para minimizar os efeitos da inadequada distribuição de sustentação,
característica essa intrínseca à sua asa enflechada. A torção da asa deve ser
usada com cuidado, pois seu excesso significa arrasto e, consequentemente,
perda de desempenho. Segundo o fabricante, o EMB 135/145 usa torção apenas
na medida necessária (4 graus) (EMBRAER, 2001).

Já os vortilons (geradores de vórtices) são dispositivos localizados no bordo


de ataque inferior da asa da aeronave, na direção dos ailerons. Em ângulos de
cruzeiro, o arrasto associado é insignificante, mas em ângulos de ataque mais
altos os vortilons criam vórtices que fluem sobre a asa, adicionando energia à
camada limite, atrasando sua separação e, por consequência, aumentando a
eficácia do controle de ailerons mesmo quando a raiz da asa estiver “estolando”.

Testes em túnel de vento revelaram um aumento de dois graus (para o EMB 145)
no ângulo de ataque de estol da asa, melhorando a sua capacidade de gerar
sustentação e, como resultado, aumentaram a carga útil da aeronave. Ainda
segundo o fabricante, com o uso desses recursos aerodinâmicos o EMB 145/135
tem controle total de rolagem, ao longo da faixa de operação normal, até as
velocidades mais baixas onde o Stick Pusher é acionado. (EMBRAER, 2001).

b. Tendência de passeio dos filetes de ar, nas asas


Outra característica desfavorável da asa enflechada é a tendência de os filetes de
ar passearem pela asa. Esse passeio provoca redução da sustentação e aumento
do arrasto. Devido às diferenças de pressão ao longo do plano longitudinal de
uma asa enflechada, primeiramente os filetes de ar tendem a se deslocar para a
raiz da asa. Posteriormente, na seção central, tendem a seguir para o bordo de
fuga e, mais para o fim da asa, possuem a tendência a se deslocar em direção à
ponta do aerofólio.

Para reduzir tais efeitos são empregados os dispositivos vistos na letra anterior,
denominados Wing Fences, ou mesmo os próprios pilones dos motores das
aeronaves (quando localizados sob as asas).

c. Baixa produção de sustentação, em resposta a incrementos no


ângulo de ataque
Você se recorda que a asa enflechada só é sensível à componente do vento
relativo perpendicular ao bordo de ataque. Assim, ela produzirá menos
sustentação que uma asa não enflechada, para um mesmo AOA. Para compensar
tal efeito, aviões com asas enflechadas devem voar com ângulos de ataque
(AOA) maiores que os dos outros aviões. A figura abaixo compara o desempenho
dos dois tipos de asa, em uma relação AOA x Sustentação, e descreve que um

62
Teoria de Voo de Alta Velocidade

mesmo aumento de AOA representa menor resposta em termos de sustentação (a


curva que representa a asa enflechada é menos inclinada).

Figura 1.44 – Curvas de AOA x Sustentação, para asas convencionais e enflechadas

Fonte: Adaptado de EMBRAER (2001).

Outro fator a ser observado é que o coeficiente de sustentação máximo de uma


asa enflechada não só é menor do que o de uma asa convencional, mas também
ocorre com ângulos de ataque maiores, com evidentes desvantagens para o
piloto no tocante à visibilidade externa da cabine de voo, principalmente nas
fases de pouso e decolagem (Saintive, 2009). Você já deve ter percebido que as
modernas aeronaves a jato se aproximam para pouso com AOA mais elevados do
que as convencionais (normalmente entre 4o a 6o).

As baixas respostas a mudanças de AOA também significam que, manobras


como um rápido Flare durante o pouso possuem menor chance de sucesso
(levantar o nariz rapidamente para pousar poderá causar um pouso muito brusco
ou mesmo um acidente, pois o avião simplesmente continuará a descer na razão
que vinha empregando na aproximação final). Assim, para esse tipo de asa
recomenda-se uma aproximação final bem estabilizada, com progressivo e suave
aumento de AOA na fase do Flare (EMBRAER, 2001).

Flare é o nome dado à manobra característica de pouso, quando o avião transita da


situação de aproximação final para o toque na pista, e consiste numa leve elevação
do AOA e simultânea redução da potência para a faixa de operação mínima, no intuito
de que naturalmente ocorra um afundamento suave do avião e o toque dos trens de
pouso principais no solo.

63
Capítulo 1

Novamente, cabe mencionar que o mesmo fenômeno que concorre


negativamente para o voo de aeronaves que usam asas enflechadas – a baixa
resposta aos aumentos de AOA, em termos de ganho em sustentação – é
também o responsável por um aspecto positivo. Conforme comentamos
anteriormente, o enflechamento das asas proporciona maior estabilidade em
voos turbulentos e em resposta a rajadas de vento, isso garante a ocorrência de
menores esforços estruturais no avião e maior conforto aos passageiros.

Uma vez que tais asas possuem menor Coeficiente de Sustentação Máximo
(CLMAX), é de se esperar que as aeronaves que as empregam tenham
desempenhos deteriorados em operações de decolagem e pouso – ou seja em
baixas velocidades, já que a redução do CLMAX penaliza a velocidade de estol – ou
seja, asas enflechadas apresentam velocidades de estol maiores.

Assim, para operarem de forma segura e eficiente nos momentos de decolagem


e pouso, tais aeronaves não podem prescindir do uso de dispositivos
hipersustentadores. Na figura abaixo, uma aeronave de operação em regime
transônico, pesada e com asas enflechadas, aproxima-se para pouso. Repare no
amplo uso de dispositivos que aumentam a sustentação em momentos críticos,
como os Flapes e os Slats.

Figura 1.45 – Emprego de Flapes e Slats em aeronave comercial

Fonte: Aviation stackexchange (2016).

64
Teoria de Voo de Alta Velocidade

d. Tendência a sofrer efeitos de Dutch Roll / Aumento do “efeito


Diedro” das asas
Todo piloto sabe que, quando um dos pedais é aplicado em voo, o aileron tem
que ser aplicado para o lado oposto para evitar que a aeronave gire para o
mesmo lado da guinada. Da mesma maneira, sempre que uma guinada ocorre
naturalmente (sem ser comandada), o avião tende a girar para o mesmo lado da
guinada, visto que a asa oposta ao lado da guinada avança e acaba produzindo
maior sustentação. Tal fenômeno é característico de qualquer asa convencional,
mas acaba sendo mais acentuado em uma asa enflechada.

Repare na figura abaixo. A aeronave sofre uma guinada para a direita. Em


seguida, a asa esquerda avança à frente da asa direita, produzindo maior nível de
sustentação, o que provoca uma tendência de giro para a direita. Porém, diferente
das asas convencionais, com as asas enflechadas essa tendência de giro é ainda
maior. Na figura, observe que temos uma “redução da projeção da envergadura”,
na asa da direita, e um aumento dessa “projeção” na asa esquerda (a asa que
avança). Ou seja, é como se momentaneamente tivéssemos uma “asa esquerda
muito maior” do que a asa direita. No fim das contas, o rolamento de uma asa
enflechada acaba sendo mais intenso do que o de uma asa convencional, e
provoca um equilíbrio dinâmico instável denominado Dutch Roll (Saintive, 2009).
Agindo como um pêndulo, a aeronave retorna a uma situação de equilíbrio, mas
ultrapassa tal ponto, “invertendo” a tendência, e assim inicia um movimento
pendular. Ao invés de diminuir o arco do pêndulo, este aumentará cada vez mais.

Figura 1.46 – Diferentes projeções das envergaduras das asas com enflechamento

Fonte: Saintive (2009).

Isso é causado pelo chamado Efeito Diedro. Quando as asas são projetadas
de modo que sejam “dobradas” para cima, diz-se que elas possuem um diedro

65
Capítulo 1

geométrico. Esse diedro geométrico produz o seguinte efeito aerodinâmico: se em


voo, por qualquer motivo uma das asas cair, o consequente deslocamento lateral
faz com que a aeronave volte à situação de nivelamento das asas. Em outros
termos, o diedro nas asas provoca rolamento devido à guinada lateral.

O enflechamento das asas reage à guinada lateral como um diedro geométrico,


isto é, se ocorrer uma guinada lateral, o enflechamento faz com que a asa role de
forma muito mais intensa do que em uma asa convencional.

A figura abaixo ilustra essas características.

Figura 1.47 – Efeito Diedro em asas enflechadas

Fonte: Adaptado de EMBRAER (2001).

O rolamento das asas de um avião provoca uma “glissada”. Em um avião que


possui diedro nas asas, essa glissada provoca um rolamento que tende a levantar
a asa que baixou, em busca de equilíbrio (EMBRAER, 2001). Quando um avião
com asa enflechada sofre uma guinada para a direita, a asa esquerda sofre uma
grande tendência a subir, e provocará um rolamento mais intenso do que em uma
asa não enflechada.

Já a empenagem vertical (deriva / estabilizador vertical) provoca uma guinada,


apontando o nariz para a asa que está abaixada. Quando os efeitos da
empenagem vertical são muito grandes em relação ao efeito diedro, o avião
passa para um mergulho instável em espiral. Se o efeito diedro prevalecer, o
avião rola no sentido contrário, provocando uma glissada no sentido oposto, para
recomeçar o ciclo (Saintive, 2009).

Como o enflechamento das asas aumenta muito mais a estabilidade lateral do


que a direcional, ele tem um efeito similar ao do aumento do diedro das asas,
tornando-as mais sujeitas aos efeitos do fenômeno de Dutch Roll.

Pode-se eliminar o Dutch Roll aumentando a área da deriva, aumentando a


distância da deriva ao CG ou ambas as soluções. Entretanto, a solução mais
econômica e que não requer mudanças estruturais na aeronave, nem causará

66
Teoria de Voo de Alta Velocidade

aumento de peso e de arrasto, é o emprego do dispositivo chamado Yaw


Damper (Amortecedor de Guinada). Tal dispositivo giroscópico é sensível às
mudanças de ângulo de guinada. Ao mandar um sinal ao leme de direção, faz
com que ele seja aplicado em oposição à guinada, evitando que a aeronave inicie
um ciclo que leva ao Dutch Roll.

O efeito diedro em uma aeronave de asa enflechada é normalmente mais forte


do que o de uma aeronave de asa reta. Consequentemente, os pilotos devem
estar cientes de que a rápida aplicação de grandes deslocamentos do leme,
ou a rápida aplicação de grandes mudanças assimétricas de empuxo em
tais aeronaves, podem criar dificuldades de controle. Em outras palavras: o
uso do leme e a aplicação assimétrica de potência devem ser feitas com cuidado
e suavidade, principalmente nas aeronaves dotadas de Yaw Damper e que
apresentem um mal funcionamento (pane) nesse dispositivo.

É preciso compreender que a ausência de efeito diedro não é algo desejável.


No entanto, o excesso de efeito diedro também pode causar alguns problemas,
dificultando, por exemplo, o voo descoordenado. Há situações em que o
voo descoordenado é necessário, como na fase de Flare em um pouso com
turbulência e vento cruzado, por exemplo.

O efeito diedro em excesso também costuma exacerbar o fenômeno Dutch Roll.


Um amortecedor de guinada pode ser usado para melhorar as características
de Dutch Roll, mas obviamente é preferível ter uma aeronave com boas
características de rolagem Dutch Roll naturais. Dessa forma, existe um equilíbrio
a ser obtido no projeto de uma aeronave, no sentido de que os efeitos de diedro
não sejam tão exacerbados (EMBRAER, 2001).

e. Arrasto junto à fuselagem


Como já estudamos, uma das características de uma asa enflechada é o fato de
que o fluxo aerodinâmico sobre a asa muda de direção ao longo da corda da asa
(veja a ilustração abaixo).

67
Capítulo 1

Figura 1.48 – Variação do fluxo aerodinâmico ao longo de uma asa enflechada

Fonte: EMBRAER (2001).

A curvatura é devida à desaceleração e aceleração do componente de fluxo de


ar, no plano perpendicular à linha da corda da asa. Entretanto, esse componente
de fluxo não pode acontecer próximo à fuselagem, porque os lados da fuselagem
são retos. Essa interferência entre o fluxo natural sobre a asa e a fuselagem causa
arrasto, e pode causar um fluxo de ar de velocidade mais alta em alguns pontos,
o que possivelmente causaria ondas de choque prematuras.

Assim, os engenheiros normalmente alteram o projeto da asa próximo à raiz, no


intuito de minimizar essa interferência. Uma das possibilidades seria usar seções
transversais da fuselagem variáveis, ao longo da corda da asa. Essa técnica de
seção transversal variável não tem nada a ver com a chamada “regra da garrafa
de coca-cola”, proposta na década de 1950 por Withcomb. A “regra da garrafa de
coca-cola” (regra da área) minimiza o arrasto transônico / supersônico, enquanto
estamos falando de velocidades subsônicas aqui. De qualquer forma, o uso de seção
transversal variável criaria grandes problemas de fabricação e de arranjo interior.

Outra solução bem conhecida é reduzir ou mesmo inverter a curvatura (camber)


do aerofólio perto da raiz, mas mantendo a seção transversal da fuselagem.
Quase todas as aeronaves comerciais têm essa técnica incorporada. Retornando
ao exemplo da aeronave da EMBRAER, segundo o fabricante o EMB 135/145 não
é exceção e também emprega essa solução.

68
Teoria de Voo de Alta Velocidade

Seção 7
Efeitos Aeroelásticos
Segundo Serrano, 2010, a Aeroelasticidade é o estudo do efeito das forças
aerodinâmicas em corpos elásticos. A teoria clássica da elasticidade lida com a
tensão e a deformação de um corpo elástico, no qual incidem forças externas ou
deslocamentos, e a estabilidade de uma estrutura exposta a um fluxo de ar é um
dos problemas mais interessantes de se analisar em aeroelasticidade.

As forças aerodinâmicas, para uma dada configuração de um corpo elástico,


crescem significativamente com a velocidade do fluxo do ar. Logo, pode
haver uma velocidade crítica que torna a estrutura instável, e tal instabilidade
pode causar deformações excessivas e até levar à destruição da estrutura,
comprometendo a segurança do voo (SERRANO, 2010).

A figura a seguir apresenta o esquema de um acidente envolvendo um avião


Beech 1900C em 28 de dezembro de 1991. A Agência Nacional de Segurança nos
Transportes dos Estados Unidos (NTSB) investigou o acidente e determinou como
sua possível causa a perda de consciência da altitude e desorientação espacial
do piloto instrutor, mas uma investigação independente, feita pela Associação de
Pilotos de Linhas Aéreas (ALPA), concluiu que o motor direito se separou da asa
e colidiu no estabilizador horizontal, causando a perda catastrófica do controle da
aeronave durante o voo.

Ainda de acordo com Serrano, 2010, segundo a investigação da ALPA, o


rompimento de um suporte do motor direito foi causado por um fenômeno de
whirl-flutter (instabilidade dinâmica sujeita a ocorrer sob certas condições na
nacele de um motor com hélices – envolve uma instabilidade aeroelástica que
pode ocorrer quando a força de conexão da nacele do motor, incluindo a hélice,
não é suficientemente grande).

Figura 1.49 – Sequência de eventos na ocorrência de Whirl-Flutter na descrição de um acidente


aeronáutico real

Fonte: Serrano (2010).

69
Capítulo 1

Os efeitos aeroelásticos mais importantes são o Flutter, a Divergência e a


Inversão dos ailerons.

O efeito flutter, ou também chamado de ressonância aeroelástica, é uma


das representações dos efeitos vibratórios da ressonância, fenômeno em que
os materiais vibram na frequência natural do material em questão. A frequência
natural de cada objeto é determinada por sua massa e rigidez, e quando a massa
do objeto é aumentada faz com que a frequência natural diminua. Caso a rigidez
do material seja aumentada, aumenta-se a frequência natural. Isso pode ser
observado ao aumentar-se a tração de uma corda de violão, fazendo com que
ela vibre em uma frequência maior e produza sons mais agudos (Flutter, o efeito
quebra asas 1).

O fenômeno Flutter é então uma combinação de efeitos elásticos, inerciais


e aerodinâmicos, provocado por uma oscilação instável autoexcitada de um
aerofólio e sua estrutura associada. Os componentes estruturais envolvidos
no fenômeno vibram na frequência natural quando sobre eles agem forças
aerodinâmicas.

Nas aeronaves, existe uma velocidade em que o efeito ocorre, a qual é


denominada de “velocidade crítica de flutter”. A amplitude de uma oscilação
causada por um distúrbio qualquer é mantida a valor constante, porém, ao
aumentar a velocidade, essa amplitude aumentará até que a estrutura não suporte
e ocorra uma ruptura do material.

O modo de impedir esse colapso da estrutura é obtido pelo amortecimento


dinâmico das vibrações harmônicas, isso contribui para que não se atinja a
ressonância natural da estrutura. Alguns tipos de amortecimento estão presentes
nas aeronaves, normalmente amortecimentos estruturais resultantes do uso de
materiais compostos ou amortecimentos aerodinâmicos.

Os voos de ensaio para garantia de inexistência de flutter (quando empregados)


são feitos a grande altura, por pilotos experientes e conhecedores do fenômeno,
equipados com paraquedas.

Na concepção de uma nova aeronave, a aeroelasticidade desempenha um papel


significativo. A introdução de asas mais finas, de superfícies estabilizadoras
horizontal e vertical, de configurações de cauda em “T”, entre outras, aumenta a
probabilidade do fenômeno de flutter dentro do envelope de voo desejado. Hoje,
os projetos de aeronaves envolvem análises sofisticadas para garantir que estão
livres de flutter. Esses resultados analíticos muitas vezes são verificados por

1 https://www.integrandoconhecimento.com/single-post/2016/05/06/Flutter-o-efeito-

%E2%80%9Cquebraasas%E2%80%9D, acessado em 19 nov. 2018.

70
Teoria de Voo de Alta Velocidade

testes em túnel-de-vento e testes de vibração em solo. Testes em voo do flutter


fornecem a verificação final das previsões analíticas.

Serrano, 2010, também destaca a existência de outra forma de Flutter,


o denominado flutter de estol. Igual ao flutter clássico, porém, leva em
consideração os efeitos do descolamento da camada limite, já que ocorre em
uma superfície de sustentação quando essa opera com elevados ângulos de
ataque no escoamento, durante ao menos parte de cada ciclo de oscilação.

Quanto à Divergência, segundo Serrano, 2010, autores a definem como uma


instabilidade estática da superfície de sustentação de uma aeronave em voo, ou
seja, como uma instabilidade aeroelástica de frequência nula. Ocorre quando
a superfície sustentadora da aeronave sofre deflexão devido ao carregamento
aerodinâmico, aumentando a carga sobre o perfil. Se essa carga sobrepassa a
carga limite, a estrutura da aeronave pode falhar.

O terceiro principal fenômeno da aeroelasticidade é abordado por Saintive, 2009,


da seguinte maneira. À medida que aumenta a velocidade do avião, eleva-se
também a pressão dinâmica do ar. Entretanto, como a resistência da asa não varia,
isso acarreta uma torção na asa. Assim, a rotação da asa produzida pelo torque
diminui a eficiência dos ailerons, até o momento em que ele perde totalmente o
efeito, na chamada “velocidade de inversão de ailerons”. Duas são as possíveis
soluções para esse problema: uma é dotar a asa de uma estrutura suficientemente
forte (o que pode ser caro ou inconveniente, por uma questão de peso), e outra é o
emprego de dois pares de ailerons, um externo e outro interno. Assim, os ailerons
críticos (que são os externos)são utilizados somente em baixas velocidades.

Serrano, 2010, também aborda a questão da Inversão dos ailerons. Segundo o


autor, as deformações elásticas dos componentes onde se montam as superfícies
de controle podem diminuir a eficiência dos controles, levando até à reversão
deles. Nessa reversão, a aeronave responde ao contrário do que o piloto deseja.
Um exemplo claro acontece com os ailerons, que são dispostos próximos à ponta
da asa, para que o momento de rolamento seja mais eficiente.

Nessa região da asa, a rigidez à torção é menor do que na raiz; com isso, em
altas velocidades, uma deflexão no aileron pode gerar uma força tão grande a
ponto de torcer toda a ponta da asa. Essa torção altera o ângulo de ataque no
sentido de diminuir o rolamento na asa. Dependendo da intensidade da torção, o
controle pode perder eficiência e até reverter-se.

Para melhorar a eficiência do comando lateral são empregados os Spoilers.


Tais superfícies “destroem” a sustentação, baixando a asa correspondente e
causando um rolamento. Em voo, essas superfícies também podem ser utilizadas
como freios, quando são levantados em pares, e recebem o nome de Speed

71
Capítulo 1

Brakes. Os Spoilers também são utilizados no solo, sendo elementos muito


importantes na redução da corrida de aterragem (ground spoilers).

Figura 1.50 – Esquema de superfícies aerodinâmicas na asa de uma aeronave Boeing 727, com destaque
para os Spoilers

Fonte: Boeing 727 (2006).

Figura 1.51 – Uso de Spoilers em uma aeronave comercial, durante uma curva em voo

Fonte: Bryant (2018).

De acordo com Serrano, 2010, um outro efeito aeroelástico é o Buffeting. Você


deve se recordar que, na Seção 3, quando falamos sobre o descolamento
da camada limite em aerofólios, abordamos o conceito das vibrações

72
Teoria de Voo de Alta Velocidade

denominadas Buffeting. Pois bem, Serrano 2010 explica que o Buffeting também
é caracterizado como um efeito aeroelástico, sendo uma resposta estrutural à
excitação produzida pelo choque induzido por separação do escoamento, ou
seja, a separação causada por movimentos turbulentos das camadas de ar em
torno da própria aeronave. O Buffeting pode aparecer durante manobras em
velocidade de cruzeiro e afetar diferentes partes da aeronave, sendo o mais
importante aquele que se manifesta nas asas. Dependendo do ângulo de ataque,
o fluxo pode conter separações, que constituem excitações aerodinâmicas com
potencial risco à estabilidade do voo.

Para concluir, o problema central em aeroelasticidade é o efeito da deformação


elástica na distribuição da sustentação do avião. Em baixas velocidades, o efeito
das deformações elásticas é pequeno, porém, em altas velocidades pode se
tornar muito sério, levando à instabilidade da asa e à perda da efetividade de
superfícies de controle, ou mesmo sua reversão.

Seção 8
Conceitos básicos sobre escoamento em
regime supersônico
Já comentamos que o foco deste material didático é a abordagem do voo
transônico (realizado em velocidades acima do regime subsônico, esse último
empregado por aviões de baixa performance), haja vista tratar-se do regime
utilizado pelas aeronaves comerciais.

Você sabe que o mundo da aviação experimentou imensos avanços ao longo das
últimas décadas, refletindo no aumento da eficiência e da segurança dos voos.
Mas, se perceber, em relação à velocidade com que os aviões cruzam os céus,
podemos afirmar que, desde a década de 1960, os aviões comerciais a jato não
tiveram muitos ganhos em termos de velocidade de voo. Uma aeronave Airbus
A320, um Boeing 777 ou um Embraer 190 voam atualmente com velocidades
de cruzeiro similares à empregada pelos antigos Boeing 707, por exemplo. O
que vemos, entretanto, é a engenharia aeronáutica cada vez mais capaz de
produzir aeronaves eficientes, essas capazes de retardar o surgimento das
nocivas consequências dos efeitos de compressibilidade do ar, já estudados
anteriormente aqui neste livro.

Mas, logicamente, todos gostaríamos de voar por aí em velocidades maiores, até


mesmo supersônicas como as do famoso Concorde. Entretanto, voar em regime
supersônico requer, além de características aerodinâmicas peculiares do objeto
em voo, uma grande quantidade de potência, o que o torna um regime muito

73
Capítulo 1

pouco econômico. É por isso que, atualmente, não existem mais em produção
aviões de uso comercial que operem nesse regime. Então, nos tempos atuais,
ainda não foi possível desenvolver aeronaves de linhas aéreas que, voando acima
da velocidade do som, sejam capazes de ser comercialmente vantajosas. Ou
seja, para que haja um pequeno incremento na velocidade em relação ao voo
transônico dos jatos atuais, há um custo de produção e de operação da aeronave
que não se faz compensar economicamente.

Nesta Seção abordaremos conceitos básicos sobre o escoamento supersônico,


para que você seja capaz de distingui-lo do escoamento transônico (lembre-se de
que no regime transônico coexistem em um aerofólio fluxos de ar com velocidades
subsônicas e supersônicas). Recapitulando, por convenção, o regime de voo
supersônico é aquele realizado em velocidades acima de Mach 1,2, até Mach 5.

Já estudamos anteriormente que, em baixas velocidades de voo, o ar


experimenta pequenas mudanças de pressão, as quais provocam variações
desprezíveis de densidade, simplificando consideravelmente o estudo da
aerodinâmica de baixa velocidade. O fluxo é dito incompressível, uma vez que
o ar passa por diminutas mudanças de pressão, sem alterações significativas
na sua densidade. Contudo, do estudo que fizemos sobre o escoamento em
regime transônico – esse já realizado em voos mais velozes (acima de Mach 0,75),
verificam-se variações significativas de pressão e na densidade do ar.

Assim, o estudo do fluxo de ar em grandes velocidades deve considerar


essas mudanças de densidade, o que significa enxergar o ar como sendo
compreensível, ou que existem efeitos de compressibilidade 2.

Você já sabe, de tudo o que estudamos até aqui, que a velocidade do som
(que varia com a temperatura ambiente) é muito importante no estudo do
escoamento de ar de alta velocidade. Na medida em que uma asa se desloca
pelo ar, ocorrem mudanças na velocidade local as quais criam perturbações no
fluxo de ar ao redor desse aerofólio, e essas perturbações são transmitidas por
meio do ar à velocidade do som, preparando as partículas de ar à frente, antes
de sua chegada. Se uma aeronave estiver se deslocando em baixa velocidade,
as perturbações serão transmitidas e estendidas em todas as direções. Segundo
Saintive (2009), a aceleração e a força necessárias para movimentar tais
partículas, e desviá-las de acordo com o perfil da asa, são sempre menores do
que nos casos de inexistência desse “aviso”.

Entretanto, se a asa estiver se deslocando com velocidade acima da velocidade


do som, o fluxo de ar à sua frente não sofrerá influência do campo de pressão

2 https://www.ebah.com.br/content/ABAAABg54AA/aerodinamica-aviao?part=9, acessado em 7 de março de 2019

74
Teoria de Voo de Alta Velocidade

do objeto em movimento, uma vez que as perturbações não podem se propagar


mais rápido do que a velocidade do som. Uma onda de compressão se forma no
bordo de ataque da asa, por exemplo, e todas as mudanças de velocidade e de
pressão acontecem repentinamente.

Assim, o fluxo de ar à frente de uma asa não é influenciado até que as moléculas
de ar sejam repentinamente desviadas pela asa. Dos conceitos já abordados,
repare na figura abaixo: ela aborda o resultado do deslocamento de uma aeronave
em três situações – velocidades inferiores a Mach 1, voando a Mach 1 e acima
dessa velocidade.

Figura 1.52 – Formação de Impulsos de Pressão

Fonte: Saintive (2009).

Na figura anterior, observe no formato da Onda de Proa, para o caso de uma


aeronave voando acima da velocidade do som. Ao ultrapassar a barreira do som,
as Ondas de Proa deixam de ser normais (perpendiculares) ao deslocamento e
tornam-se oblíquas, no formato de um cone – o que é denominado “Cone de
Mach”. Segundo relembra Homa, 2010, a abertura desse cone é conhecida como
“Ângulo de Mach”, e esse será tão menor quanto maior for a velocidade do avião.

Agora repare na mesma figura, porém, para o caso da aeronave que voa na
velocidade do som. Voando nessa velocidade, as ondas de pressão produzidas
pelo próprio avião não conseguem se afastar (pois viajam na mesma velocidade,
ou seja, a velocidade do som), acumulando-se no nariz. Esse acúmulo de
ondas gera o que se conhece por “Onda de Choque”, que nada mais é do
que uma onda de pressão perpendicular ao deslocamento do voo (também
denominada “Onda de Proa”, pois ocorre na proa do avião). A pressão é elevada
em toda a região atrás da onda, “empurrando” o avião para trás. Ao passar
pela Onda de Choque, a temperatura, a pressão e a densidade dos filetes de
ar são aumentados, reduzindo-se a sua velocidade (Saintive, 2009). A figura
abaixo exemplifica o surgimento da Onda de Proa bem como da Onda de
Choque oblíqua no bordo de fuga do perfil aerodinâmico, em escoamentos com
velocidades superiores às do som.

75
Capítulo 1

Figura 1.53 – Surgimento de diferentes Ondas de Choque, em variadas velocidades de escoamento de


ar sobre um aerofólio

Fonte: USA (2016).

O efeito da compressibilidade não depende da velocidade do ar, mas do


relacionamento entre a velocidade do ar e a velocidade do som. Como já
sabemos, esse relacionamento é chamado de número Mach, o qual é definido
pela razão entre a velocidade verdadeira do ar e a velocidade do som a uma
determinada altitude (recorde que a velocidade do som varia somente com a
temperatura do ar).

Os efeitos da compressibilidade do ar não estão limitados às velocidades de voo


à velocidade do som ou acima dessa. Uma vez que qualquer avião é construído
com forma aerodinâmica, o ar acelera e desacelera ao redor dessas formas e
alcança velocidades locais acima da velocidade do próprio voo. Assim, uma
aeronave pode experimentar efeitos de compressibilidade em velocidades de voo
abaixo da velocidade do som. Dessa forma, já estudamos anteriormente que é
possível coexistirem fluxos tanto subsônicos quanto supersônicos na aeronave,
simultaneamente, mesmo que essa se encontre voando com velocidade inferior à
velocidade do som.

No regime transônico, o fluxo sobre os componentes da aeronave é parcialmente


subsônico e parcialmente supersônico. Já nos regimes supersônico e hipersônico
existe fluxo supersônico sobre todas as partes da aeronave. Naturalmente,
nos voos supersônicos e hipersônicos, algumas partes da camada limite são
subsônicas, porém, o fluxo predominante ainda é supersônico.

Quando a velocidade de voo excede a velocidade do som, uma onda de proa


aparece repentinamente na frente do bordo de ataque, com a região subsônica
atrás da onda, e as Ondas de Choque normais se movem para o bordo de fuga.
Se a velocidade de voo aumentar para qualquer valor supersônico, a Onda de Proa

76
Teoria de Voo de Alta Velocidade

se moverá para mais próximo do bordo de ataque, inclinando-se para baixo; e as


Ondas de Choque normais do bordo de fuga se tornam ondas de choque oblíquas.

Vejamos de forma muito resumida algumas diferenças entre os fluxos subsônico e


supersônico de ar:

Em um fluxo subsônico, toda molécula é mais ou menos afetada pelo movimento


das outras moléculas, em todo o campo do fluxo. Em velocidades supersônicas,
uma molécula de ar pode influenciar apenas aquela parte do fluxo contido no
Cone de Mach, formado atrás daquela molécula.

Ao contrário do fluxo subsônico, um fluxo de ar supersônico acelera ao


longo de um tubo de expansão, provocando a rápida queda da densidade
do ar, para compensar os efeitos combinados do aumento de velocidade e
aumento da área secional.

Também ao contrário do fluxo subsônico, um fluxo de ar supersônico


desacelera ao longo de um tubo de contração, causando a rápida queda da
densidade do ar, para compensar os efeitos da queda de velocidade.

Saintive (2009) pontua essa característica do regime supersônico, ao falar sobre


a diferença de escoamento em um bocal convergente- divergente, quando o
fluxo passa da situação de regime subsônico (incompressível) para o regime
supersônico (compressível). No regime subsônico, um bocal convergente
reduz a pressão e aumenta a velocidade do escoamento, ocorrendo o
oposto quando o escoamento é supersônico, como pode ser observado na
figura abaixo.

Figura 1.54 – Diferença entre escoamento subsônico e supersônico, em bocais convergentes e


divergentes

Fonte: Saintive (2009).

77
Capítulo 1

Com fluxo supersônico, todas as mudanças na velocidade, pressão, temperatura,


densidade e direção do fluxo acontecem repentinamente e em curta distância. Todas
as ondas de compressão ocorrem abruptamente e são dissipadoras de energia.

Já abordamos que as ondas de compressão são familiarmente conhecidas como


Ondas de Choque. Já as Ondas de Expansão resultam da transição de fluxos
brandos e não são perdas de energia, como as Ondas de Choque. Em um fluxo
supersônico, podemos observar a existência de três tipos de ondas: Ondas
de Choque Oblíquas (compressão em ângulo inclinado); Ondas de Choque
Normais (compressão em ângulo reto); e Ondas de Expansão. A natureza
da onda depende do número de Mach, da forma do objeto causador da
mudança de fluxo e da direção do fluxo.

Vejamos um pouco mais sobre as características básicas de cada uma dessas


ondas.

Você já sabe que as Ondas de Choque Normais são visualizadas nos escoamentos
em regimes de voo transônico, mas tais efeitos também podem ser observados em
escoamentos supersônicos, a depender da forma do objeto em movimento (segundo
Saintive 2009, isso ocorre usualmente quando o objeto não é suficientemente
pontiagudo). Lembre-se de que Ondas de Choque Normais são grandes dissipadoras
de energia (causam arrasto), e por isso sua ocorrência deve ser evitada ou retardada
ao máximo. É por essa razão que aviões e outros objetos voadores que pretendem se
deslocar acima da velocidade do som, com mais eficiência, devem apresentar nariz e
bordos de ataque dos aerofólios em forma pontiaguda.

Por outro lado, as Ondas de Choque Oblíquas são formadas de forma similar
que as Normais, e costumam “acompanhar” a forma do objeto. Em voos
supersônicos, ocorrem tanto no bordo de ataque quanto no bordo de fuga do
aerofólio, e também representam fonte de dissipação de energia, porém, inferior
às ondas normais.

Já as Ondas de Expansão resultam do efeito contrário ao da Onda de Choque.


Elas surgem quando o fluxo de ar em alta velocidade é obrigado a expandir-se.
Passando por meio de uma onda de expansão, a densidade e a pressão do ar
diminuem bruscamente e a velocidade aumenta.

78
Teoria de Voo de Alta Velocidade

Figura 1.55 – Ocorrência de Ondas de Expansão em escoamento supersônico

Fonte: Ramon (2018).

As Ondas de Choque e de Expansão são aproveitadas para criar regiões de alta


e baixa pressão, as quais geram sustentação em perfis supersônicos. A Onda
de Expansão provoca uma redução de pressão no extradorso, enquanto a
Onda de Choque provoca um aumento de pressão no intradorso do perfil
supersônico.

A imagem a seguir mostra um perfil de asa empregado em fluxos supersônicos,


em forma de cunha.

Figura 1.56 – Perfil aerodinâmico em forma de “cunha”, e o surgimento de Ondas de Choque e de


Expansão

Fonte: Formação de Piloto (2014).

Como uma Onda de Pressão (oblíqua ou normal) sempre aumenta a pressão,


observa-se que a pressão na porção dianteira de um aerofólio em voo
supersônico é sempre superior à pressão atmosférica. Após passar pelo aerofólio,
em sua parte traseira o fluxo de ar é novamente forçado a mudar de direção e

79
Capítulo 1

de velocidade, por meio de Ondas de Expansão. Como comentamos, após cada


Onda de Expansão a pressão é reduzida, e a diferença entre as pressões dianteira
e traseira gera o chamado Arrasto de Onda que, diferente do caso dos fluxos
subsônico e transônico, não depende da viscosidade do ar. Segundo explica
Saintive 2009, após a passagem pelo bordo de fuga do perfil aerodinâmico, os
filetes voltam à velocidade e pressão à frente do bordo de ataque do perfil, por
meio de outra Onda de Choque.

No escoamento supersônico, a existência do Arrasto de Onda é uma função


da espessura do aerofólio, e o arrasto produzido como efeito da sustentação é
independente do alongamento da asa (para produzir uma mesma sustentação, o
arrasto supersônico é bem superior ao arrasto observado nos regimes subsônico
e transônico). Assim, os perfis aerodinâmicos para voos supersônicos devem ser
mais finos, terem pequeno alongamento e grande afilamento para redução de
peso (SAINTIVE, 2009).

Outra questão que deve ser levada em consideração em escoamentos


supersônicos é o aquecimento aerodinâmico. Quando o ar flui sobre qualquer
superfície aerodinâmica, ocorrem certas reduções de velocidade, as quais
produzem os correspondentes aumentos de temperatura.

A maior redução de velocidade e aumento de temperatura ocorrem nos diversos


pontos de repouso da camada limite na aeronave. Enquanto os voos subsônicos
não demandam preocupações nesse sentido, os supersônicos podem gerar
temperaturas suficientemente elevadas, a ponto de tornarem-se de grande
importância para a estrutura, sistema de combustível e grupo motopropulsor.
Temperaturas mais elevadas produzem reduções específicas na resistência das
ligas de alumínio, e requerem a utilização de ligas de titânio e aços inoxidáveis.

O efeito do aquecimento aerodinâmico sobre o sistema de combustível, deve


ser considerado no projeto de um avião supersônico. Se a temperatura do
combustível for elevada para a temperatura de ignição espontânea, os vapores
de combustível podem queimar na presença de ar, sem a necessidade de uma
centelha inicial ou chama.

Igualmente, o desempenho de motor turbojato é adversamente afetado pela alta


temperatura do ar na entrada do compressor. O empuxo de saída do turbojato
é uma função do fluxo de combustível, porém, o fluxo máximo permissível
de combustível depende da temperatura máxima permissível para operação
da turbina. Ou seja, se o ar que entra no motor já estiver aquecido, menos
combustível pode ser adicionado, de forma a evitar que os limites de temperatura
da turbina sejam excedidos 3.

3 https://www.ebah.com.br/content/ABAAABg54AA/aerodinamica-aviao?part=9, acessado em 29/03/2019

80
Teoria de Voo de Alta Velocidade

Enquanto as aeronaves aceleram muito lentamente por meio do regime


transônico, assim que o voo supersônico é alcançado, a aceleração aumenta.
Isso deu origem ao conceito de sobrevoo supersônico “supercruzeiro”, em um
regime de baixa onda de arrasto, tipicamente sem o uso de pós-combustores,
pois esses consomem muito combustível e normalmente não podem ser usados
de forma prolongada.

Nesses casos é interessante pontuarmos que: primeiramente, os motores a jato


precisam de uma corrente de ar subsônica na sua admissão. Para uma aeronave
que voa a Mach 2, não é fácil obter uma corrente de ar subsônica nos motores
e, portanto, quando projetados para uso supersônico não costumam ter bom
desempenho nas velocidades subsônicas e vice-versa; segundo, o escoamento
da aeronave gera muito calor, então a fuselagem precisa ser resistente ao calor; e
terceiro, sobrevoar em “supercruzeiro” geralmente significa um voo em elevadas
altitudes (pois a densidade do ar e, portanto, a resistência geral é muito reduzida),
o que gera a necessidade de um sistema eficiente de suporte à vida. Como
exemplo, o Concorde cruzava os céus à velocidade de Mach 2,2 a 52.000 pés. Já
a aeronave militar SR-71 operava em cruzeiro ainda mais alto, com velocidade de
Mach 3,2 a 80.000 pés!

Bem, como afirmamos no início desta Seção, o objetivo do estudo do escoamento


supersônico era tão somente o de lhe fornecer condições de diferenciá-lo do
escoamento transônico. Você já deve ter percebido que produzir e, principalmente,
operar uma aeronave supersônica, não é tarefa simples e econômica.

Nesse sentido, Saintive 2009 destaca que, devido a todas as diferenças


existentes entre os comportamentos dos escoamentos supersônico e transônico,
há diversos compromissos que devem ser solucionados para a operação de uma
aeronave supersônica, e isso não é tarefa fácil.

Ao realizar uma análise sobre as características do único avião supersônico já


produzido para uso comercial – o Concorde, o autor relembra que tais tipos de
aeronave possuem características que as possibilitam voar em regime supersônico,
mas que essas mesmas características as tornam muito pouco eficientes para a
operação em regimes transônicos e, principalmente, subsônicos. Ou seja, sempre
haverá um compromisso de engenharia e de eficiência a ser equacionado, uma vez
que essas aeronaves decolam e pousam em regime subsônico, e devem operar nas
mesmas pistas que as aeronaves comerciais comuns.

81
Capítulo 1

Síntese
Bem, neste momento é importante avançarmos no estudo, iniciando um novo
Capítulo.

Neste capítulo você aprendeu que o ar é viscoso e compressível, e que tais


características são muito acentuadas quando o mesmo é submetido a elevadas
velocidades. Você também aprendeu o conceito de Número Mach, que é uma
relação entre a velocidade da aeronave e a velocidade do som, e deve se recordar
que essa última é diretamente dependente da temperatura do ar. Em virtude dos
efeitos de compressibilidade do ar, também foi capaz de compreender que, a
partir de uma determinada altitude de voo, devemos considerar a velocidade de
uma aeronave sempre em termos dessa relação denominada Número Mach.

Assim, recapitulando, fizemos abordagens sobre os diferentes regimes de voo


em relação à velocidade empregada por uma aeronave, e aprofundamos alguns
importantes conceitos afetos aos chamados voos em regime Transônico – aquele
onde coexistem na aeronave os fluxos supersônicos e os subsônicos.

Em seguida, mergulhamos mais a fundo na análise das consequências de se voar


no regime Transônico, principalmente no que tange ao aparecimento de efeitos
desfavoráveis ao voo, como as chamadas Ondas de Choque. Nesse ponto,
você deve se recordar de que tais Ondas provocam o descolamento da Camada
Limite, vibrações, deslocamentos do Centro de Pressão nas asas, aumento de
arrasto, dentre outros fenômenos.

Você compreendeu que tais fenômenos negativos são intrínsecos à natureza do


ar, mas ao final do Capítulo também foi capaz de entender que podem ter seus
efeitos minimizados por meio de artifícios que vão desde o adequado desenho
da aeronave e de suas asas até o uso de dispositivos que conseguem retardar o
aparecimento das Ondas de Choque, aumentando o Mach Crítico e o Mach de
Divergência de Arrasto.

Agora, certamente você já é capaz de identificar quais os motivos que


levavam as primeiras aeronaves a jato a apresentarem inesperados e até
perigosos comportamentos (como fortes vibrações, tendência de picar etc.).
Na verdade, tais comportamentos advinham dos efeitos de compressibilidade
e de viscosidade do ar, ou mesmo devido ao desconhecimento, à época, de
alguns “efeitos colaterais” resultantes da adoção de medidas para minimizar o
aparecimento das Ondas de Choque (como o emprego do enflechamento das
asas e suas consequências).

Ao final do Capítulo, abordamos superficialmente a questão do estudo dos Efeitos


Aeroelásticos.

82
Teoria de Voo de Alta Velocidade

Por fim, antes de encerrarmos o Capítulo 1, tratamos conceitualmente e de forma


muito pouco aprofundada, sobre o regime de voo supersônico. No presente
material didático, nossa intenção era estudar mais detalhadamente o regime de
voo transônico, característico das modernas aeronaves de alto desempenho
empregadas na aviação civil. Porém, compreender como se comporta a
aerodinâmica em voos supersônicos também lhe permitiu conhecer os principais
aspectos que os caracterizam, e as dificuldades em se projetar aeronaves
comerciais capazes de operar em tal regime.

Neste momento, utilizaremos tudo o que você já aprendeu sobre aerodinâmica até
aqui, e aprofundaremos um tema que já estudou superficialmente, no tocante a um
grupo de fatores que devem ser considerados para realizar um voo seguro, e que
correspondem aos limitantes a serem seguidos nas fases de decolagem, subida,
descida, cruzeiro e pouso, que caracterizam a “Performance” de uma aeronave.

Poderemos, então, compreender os principais fatores que limitam cada fase


do voo, e que interferem na capacidade de carga de um avião. Você verá, por
exemplo, que nem sempre uma aeronave poderá decolar no seu peso máximo
estrutural – o peso máximo para o qual foi desenhada, em termos de projeto, por
conta de outras restrições impostas.

Em seguida, abordaremos outro tema de vital importância para a operação


segura de uma aeronave, que trata do seu “Peso e Balanceamento” – ou seja, a
capacidade de operar a aeronave dentro de seus limites de estabilidade, definidos
pelo fabricante, em função do Centro de Gravidade e do carregamento de
diversas massas (combustível, passageiros, bagagens etc.).

Antes de prosseguirmos, sugerimos que o aluno dedique alguns momentos


para ler o conteúdo do Capítulo 2 do material didático “Princípios, Performance
e Planejamento de Voo” da UNISUL. Você poderá relembrar ou obter alguns
conceitos essenciais para a compreensão de nosso estudo seguinte, como
altitude densidade e verdadeira, Velocidade de decisão (V1), Velocidade de
Segurança (V2), entre outros.

Da mesma maneira, para que possamos aprofundar um pouco mais sobre o


assunto, sugerimos que você também revise conceitos básicos sobre Peso e
Balanceamento de aeronaves. Para tal, acesse a Seção 2 do Capítulo 2, do
mesmo material didático da UNISUL sugerido anteriormente.

83
Capítulo 2

Fatores Limitantes na Performance de


Aeronaves

O que abordaremos neste capítulo lhe fornecerá suporte para compreender


os principais fatores que limitam o desempenho de uma aeronave, nas fases
de decolagem, subida, cruzeiro, descida e pouso, que caracterizam a sua
Performance. Segundo o Pilot`s Handbook of Aeronautical Knowledge da FAA,
Performance é o termo usado para descrever a capacidade de uma aeronave de
realizar tarefas que a habilitam para uma determinada finalidade. (USA, 2016).

Neste capítulo, daremos maior ênfase na avaliação daqueles fatores que


obrigatoriamente devem ser considerados pelos fabricantes de aeronaves, para
que elas cumpram as principais legislações de certificação aeronáutica mais
empregadas ao redor do mundo. Ao final do Capítulo, abordaremos questões
sobre o correto carregamento da aeronave e a influência do posicionamento
do Centro de Gravidade na performance, estabilidade e controlabilidade das
aeronaves, ao tratarmos sobre “Peso e Balanceamento”.

Você sabia que o Brasil é um dos poucos países no mundo habilitado a promover
a certificação aeronáutica de aeronaves? Assim, como nos EUA ou na Europa (dois
exemplos de países / continentes com autoridades certificadoras, cujas exigências são
contempladas respectivamente nas FAR (Federal Aviation Regulations) e JAR (Joint
Aviation Regulations)), o Brasil também possui a sua legislação para a certificação
aeronáutica – os chamados RBAC, que se traduzem em uma série de requisitos
a serem atendidos por diferentes tipos de aeronaves, para que possam voar em
segurança no espaço aéreo de nosso país. No Brasil, a ANAC é a autoridade que
homologa os ensaios das aeronaves aqui fabricadas ou modificadas, para que
atendam a tais requisitos de segurança e de performance.

Um dos manuais a ser confeccionado pelo fabricante de uma aeronave, e que


deve ter obrigatoriamente algumas de suas seções aprovadas pela autoridade
certificadora da mesma aeronave, é o AFM (Air Flight Mannual / Manual de Voo).

85
Capítulo 2

Assim, em que pese os fabricantes de aeronave disponibilizarem softwares


específicos, que fornecem os limitantes a que estão submetidas as aeronaves nas
diversas fases do voo (os sistemas eletrônicos de gerenciamento de voo, a bordo
das modernas aeronaves, igualmente podem ser alimentados para fornecerem
tais limitantes), elas também devem publicar o AFM impresso, para que seja
consultado a qualquer momento pelos pilotos.

O Manual de Voo de Aeronaves (AFM) é um documento contendo as informações


necessárias para operar com segurança a aeronave. As informações de um AFM
também são referidas como Dados Técnicos de Aeronavegabilidade (TAWD). Um
Manual de Voo típico conterá o seguinte: limitações operacionais, procedimentos
operacionais normais / anormais / de emergência, dados de desempenho e
informações de carregamento e balanceamento (AFM, 2018).

Os AFM trazem, entre outros conteúdos, os Limitantes Operacionais de


Desempenho da aeronave, de acordo com a legislação certificadora que a
homologou. Tais limitantes incluem, por exemplo, determinadas capacidades
mínimas da aeronave para operar em cruzeiro com um dos motores inoperantes,
ou para abortar uma decolagem em caso de algumas falhas críticas.

Adicionalmente às seções aprovadas do AFM, fabricantes de aeronaves


frequentemente incluem outras informações que não requerem aprovação,
levando-se em conta os regulamentos de certificação. Por exemplo, um fabricante
pode incluir uma descrição dos sistemas, procedimentos recomendados ou
correção de fatores para operação em pistas molhadas. A ANAC formalmente
não revê esse tipo de informação e o escritório de certificação não a aprova, e
somente agirá sobre ela se for considerada inaceitável (BRASIL, 2010).

Quando disponíveis, os softwares a que nos referimos também devem ser


homologados e certificados pela autoridade competente, responsável pela
certificação da aeronave a qual se refere, pois representam a situação real de
performance que foi ensaiada e homologada. Ou seja, esses softwares trabalham
com dados reais de performance do avião, e possuem em seus algoritmos
as curvas de potência dos motores e dados de aerodinâmica da aeronave,
fornecidos pelos seus fabricantes, isso resulta na adoção de parâmetros muito
confiáveis e que retratam quase fielmente a realidade a ser encontrada em voo.

Você já deve ter tido a oportunidade de consultar gráficos de desempenho de


aeronaves um tanto complicados e cheios de informação; por exemplo, aqueles
que informam o comprimento de pista necessário para realizar uma decolagem.
Neles, você deve ingressar com vários dados como temperatura, peso da
aeronave, altitude, gradiente da pista (slope), regime dos motores, uso de Flapes
e outras informações adicionais, a depender do caso, e realizar interpolações

86
Teoria de Voo de Alta Velocidade

após encontrar valores oriundos do encontro de retas e curvas. Ora, imagine um


comandante de uma linha aérea tendo que lidar com esses tipos de gráficos, no
despacho operacional ou abordo, antes de todas as decolagens e pousos do dia.

Na atualidade, para a maioria das aeronaves de alta performance, tais


informações são facilmente obtidas por meio de análises computacionais, que
podem ser geradas pelos despachantes de voo ou pelos próprios pilotos, ou que
já se encontram inseridas nos sistemas de gerenciamento de voo da cabine.

No caso de uma companhia de linha aérea, por exemplo, que opera somente em um
determinado número de localidades, os pilotos podem previamente dispor a bordo
das análises de decolagem e de pouso para cada uma delas, agilizando a operação
do dia a dia e fornecendo mais segurança às tomadas de decisão da tripulação.

De posse dessas análises, os pilotos podem decidir o quanto de carga /


passageiros / combustível levarão a bordo. Mais uma vez, lembramos que nem
sempre o piloto terá à sua disposição a capacidade máxima de carga ou de
combustível da aeronave, justamente devido às limitações que se apresentam ao
longo do voo, nas suas diferentes fases.

Assim, por exemplo, para garantir parâmetros de desempenho e de segurança,


uma aeronave deverá ter seu peso de decolagem ou de pouso reduzido, isso
implica em um planejamento mais apurado ou até na inviabilidade de se cumprir
determinado trecho ou rota. Carregar a aeronave com peso acima do que consta
de uma análise de decolagem a levará ao não cumprimento de algum parâmetro
de certificação, com consequentes riscos em sua operação.

Bem, em termos de certificação, é importante destacar que a atmosfera


padrão internacional – ISA é um modelo atmosférico usado pelos fabricantes
de aeronaves para gerar dados de desempenho. Mas, como as condições
atmosféricas reais podem diferir daquelas estabelecidas pela ISA, os dados de
desempenho da aeronave também devem ser disponibilizados para condições
não padronizadas.

Para cumprir esse requisito, os fabricantes publicam dados de desempenho


como função da altitude pressão, da temperatura real do ar (OAT) ou do desvio
ISA. Assim, correções de variações de densidade de ar não são necessárias, pois
são implicitamente consideradas quando são definidas a pressão e a temperatura
(lembre-se que o ar é considerado um gás perfeito, para velocidades subsônicas,
de modo que apenas duas das três variáveis pressão, temperatura e densidade
são necessárias para definir a terceira).

Para exemplificar, digamos que, em um determinado momento do dia, um aeroporto


localizado a 2000 pés acima do nível do mar (altura geométrica) apresente ajuste
QNH de 1020 hPa e temperatura real do ar (OAT) 30° C. A correção de altitude para

87
Capítulo 2

um QNH de 1020 hPa (em relação à atmosfera ISA) é de (-)200 pés (quanto maior
a pressão atmosférica, melhor o rendimento dos motores). Assim, como o desvio
de pressão em relação à ISA (1013 hPa) é para mais, a altitude pressão desse
aeroporto, neste dia em particular, será de: 2000 – 200 = 1800 ft.

• Para uma altitude de pressão de 1800 pés, a temperatura padrão


(ISA) é: +15 (temperatura padrão a 0 ft) – 1,9812 x 1,8 = + 11,4 ° C.
Então, o desvio ISA é: 30 – 11,4 = + 18,6 ° C.
Logo, para este aeroporto, nas condições acima especificadas, o desempenho da
aeronave deve ser calculado por meio de gráficos de desempenho do fabricante,
considerando a altitude pressão de 1800 pés e a temperatura de 30° C (ou desvio
ISA + 18,6 ° C).

Bem, ao longo do estudo, faremos algumas explanações sobre outros conceitos


necessários à compreensão do tema, e que porventura ainda não sejam do
seu conhecimento. Assim, não se preocupe! Para iniciarmos o estudo sobre
Performance, vamos começar “pelo começo” do voo, ou seja, pela fase de
decolagem. Lembre-se de que iremos tratar dos conceitos afetos às aeronaves de
maior porte ou de maior performance, como as utilizadas na aviação comercial no
transporte de cargas ou de passageiros.

Alguns grupos de aeronaves não estão sujeitos a determinados tipos de


certificação e, por isso, não têm obrigatoriedade de atender a muitos dos
requisitos que veremos por aqui. Como exemplo, aeronaves com peso inferior
a 5.670 Kg (12.500 lb) não precisam atender a uma série de requisitos de
desempenho de decolagem.

Seção 1
Performance de Decolagem de Aeronaves

1.1 Revisão Conceitual e Requisitos de Certificação nas


Decolagens
Antes de prosseguirmos com a primeira etapa do estudo de performance na
decolagem, é prudente revisarmos alguns conceitos e introduzirmos outros,
para facilitar a compreensão do que veremos à frente. Primeiramente, vamos
apresentar os conceitos das principais velocidades que são empregadas na
fase de decolagem (e que estão igualmente sujeitas a regras de certificação),
e abordaremos a questão das diferentes nomenclaturas que caracterizam os
comprimentos das pistas – as chamadas “Distâncias Declaradas”.

88
Teoria de Voo de Alta Velocidade

No tocante à decolagem, os fabricantes devem submeter o avião a uma série


de ensaios, para que possam obter a certificação necessária. Nesses ensaios,
diferentes velocidades são empregadas e verificadas segundo requisitos
específicos. Então vamos lá, revisar algumas que você já aprendeu e apresentar
outras. O quadro abaixo resume os conceitos que veremos a seguir.

Figura 2.1 – Quadro de Velocidades empregadas numa decolagem (e as suas interrelações), para fins
de certificação

Fonte: Adaptado de EMBRAER (2001).

Você já deve ter ouvido falar nas três velocidades que estão destacadas na
figura acima (V1, VR e V2). Essas são as velocidades indicadas (IAS) que o piloto
utiliza no momento de decolagem, lidas a partir de seu velocímetro. Todas as
demais velocidades descritas são utilizadas somente para efeitos de ensaio e de
certificação da aeronave, e são apresentadas para que você conheça a relação
entre elas e a V1, VR e V2.

Essas velocidades de certificação são necessárias para garantir que as


velocidades operacionais sejam seguras do ponto de vista da capacidade de
controle, de frenagem e de resistência dos pneus, por exemplo, e são restrições
de senso comum. Tome as relações entre a VLOF e a VMAX TYRE: elas existem para
garantir que, durante a rolagem da aeronave no solo, não sejam excedidos os
limites dos pneus; ou a relação entre a V1 e a VMCG: isso garante que, se um motor
falhar perto da V1, o controle direcional poderá ser mantido caso o piloto decida
continuar a decolagem, ou retornar para o centro da pista e parar a aeronave,
em caso de abortiva; ou ainda a relação entre a VMCA e a V2: isso garante que
a aeronave tenha controle direcional adequado, ao sair do solo, mesmo com a
inoperância de um dos motores (EMBRAER, 2001).

Então, qual o significado de cada uma dessas velocidades? Vejamos (SAINTIVE,


2011 e EMBRAER, 2001):

89
Capítulo 2

As abreviaturas abaixo retratam a terminologia internacional de cada uma das


velocidades.

VEF – “Engine Failure Speed”- Velocidade de Falha do Motor:

É a velocidade na qual o motor assumido como crítico torna-se inoperante. Não


pode ser inferior à VMCG.

Nota: Motor crítico é aquele que possui maior impacto na performance e controle
da aeronave. Num quadrimotor, por exemplo, os motores críticos são os externos.

VMCG – “Minimum Control Speed on the Ground”- Velocidade Mínima de Controle


no Solo:

É a velocidade atingida durante a corrida de decolagem no solo em que, quando


ocorre a falha no motor crítico, se a decolagem é continuada, é possível manter o
controle direcional do avião usando apenas controles aerodinâmicos primários –
leme de direção (roda de direção do nariz não é permitida, para efeito de ensaio),
sem se desviar da linha central da pista por mais de 30 pés. Ainda, a força exercida
no leme de direção, para manter a aeronave dentro dos limites acima especificados,
não pode exceder 68 Kgf, com os demais motores da aeronave operando em
regime de decolagem. A figura abaixo exemplifica um ensaio dessa natureza.

Figura 2.2 – Ensaio de Velocidade Mínima de Controle no Solo

Fonte: EMBRAER (2001).

V1 Min – Velocidade de Decisão Mínima:

É a velocidade na qual a aeronave se encontrará, após o piloto reconhecer a


falha do motor crítico que ocorreu na VEF, e iniciar a primeira ação para trazer a
aeronave para uma parada (abortiva de decolagem).

90
Teoria de Voo de Alta Velocidade

V1 – “Decision Speed” – Velocidade de Decisão:

É a velocidade na qual a decolagem deve ser continuada, a menos que os


procedimentos para abortiva já tenham sido iniciados. Essa é uma velocidade
crítica e muito importante de ser compreendida pelos pilotos. Mais à frente,
comentaremos sobre as possibilidades de reduzir ou aumentar uma V1
balanceada, quando tratarmos do conceito de “Pista Balanceada / Não
Balanceada”, e veremos as vantagens e desvantagens de empregar esse método.

Nota: é procedimento usual que o a V1 seja anunciada pelo PNF (Pilot Not Flying –
piloto que não está voando a aeronave) com 5 Kt IAS de antecedência. Dessa forma,
se uma falha de motor ocorrer logo após o anúncio da velocidade, garante-se que a
decisão de prosseguir na decolagem será adotada, pois provavelmente a aeronave já
deverá ter acelerado os “5 Kt” de diferença e atingido/ultrapassado a V1.

A V1 deve sempre assegurar que:

• A distância de decolagem até se atingir a altura de 35 ft e a


velocidade V2 não excederá a distância de decolagem disponível
para a pista (no caso de decisão por prosseguir na decolagem, após
a perda de um motor crítico); e
• A distância para levar a aeronave a uma parada total não excederá a
distância de aceleração e parada disponível para a pista (no caso de
decisão por abortar a decolagem, após a perda de um motor crítico).

Por fim, a V1 é dimensionada para garantir que seja:

• Maior que ou igual à V1min;


• Menor ou igual à VR; e
• Menor ou igual à VMBE.

VR – “Rotation Speed” – Velocidade de Rotação:

É a velocidade na qual o piloto inicia a ação para elevar o trem de pouso do nariz
fora do chão. Não pode ser menor do que a V1 e menor do que 1,05 VMCA.

91
Capítulo 2

VMBE – “Maximum Break Energy Speed” – Velocidade de Máxima Energia dos


Freios:

É a velocidade mais alta na qual o avião pode ser parado, sem exceder o limite
máximo de capacidade de absorção de energia dos freios (a energia cinética
do avião é transformada em calor, pelos freios, no processo de frenagem). A
V1 não pode exceder a VMBE. Ela é crítica em decolagens com pouco Flape
(pois nessa condição o avião precisa de velocidades maiores para decolar), em
elevadas altitudes, com elevados pesos de decolagem e na presença de elevadas
temperaturas do ar (SAINTIVE, 2011).

VMU – “Minimum Unstick Speed” – Velocidade Mínima com Manche Livre:

É a velocidade na qual, acima dela, a aeronave pode deixar o solo (despegar) com
segurança e continuar a decolagem sem mostrar características perigosas. A VMU
é normalmente definida quando o profundor da aeronave tem força suficiente
para levar a aeronave para uma atitude em que possa prosseguir na decolagem.
Uma aeronave é definida como de “geometria limitada” quando a sua cauda entra
em contato com o solo, antes da atitude necessária para que o profundor gere a
sustentação necessária para retirar a aeronave do solo. Nesse caso, a cauda da
aeronave irá derrapar no chão até que acelere a uma velocidade suficiente para
sair do chão (EMBRAER, 2001). A VMU é ensaiada para as situações de AEO (All
Engine Operating) e OEI (One Engine Inoperative).

VMAX TIRE – “Maximum Tire Speed” – Velocidade Máxima dos Pneus:

É a velocidade máxima no solo para a qual os pneus da aeronave foram


estruturalmente certificados. Acima dessa velocidade, os limites de resistência
dos pneus são excedidos e podem não resistir às forças centrífugas às quais
estão sujeitos, pelo giro das rodas.

VLOF – “Lift Off Speed” – Velocidade de Despegue:

Intimamente relacionada com a VR, é a velocidade na qual o avião sai


completamente do solo. A VLOF não pode ser menor do que 1.10 da VMU (AEO) ou
1.05 da VMU (OEI), exceto para aeronaves limitadas por geometria, onde a VLOF não
pode ser inferior a 1,08 da VMU (AEO) ou 1,04 da VMU (OEI). Além disso, a VLOF não
pode ser maior do que a VMAX TIRE.

92
Teoria de Voo de Alta Velocidade

VMCA – “Minimum Control Speed on the Air” – Velocidade Mínima de Controle no Ar:

É a velocidade mínima na qual, quando o motor crítico se torna subitamente


inoperante, é possível manter o controle direcional do avião com esse motor
inoperante, empregando uma inclinação máxima de 5 graus em direção à asa
do motor operante (para compensar o momento causado pela perda do motor).
O piloto deve observar que a inclinação das asas provoca aumento de carga
“G”, o que irá requerer mais potência para manter um voo nivelado, ou provocar
uma redução no gradiente de subida, caso a potência máxima do(s) motor(es)
restante(s) já esteja sendo utilizada.

V2 – “Take Off Climb Speed” – Velocidade de Decolagem e Subida:

É a velocidade alcançada na altura de 35 ft sobre a pista, assumindo um motor


inoperante e a rotação iniciada na VR.

A V2 é ensaiada para garantir que seja:

• Maior ou igual a 1,1 VMCA;


• Maior ou igual a 1,2 VS para a configuração de decolagem (ou 1,13
Vs-1g / essa velocidade de estol é a VS corrigida para a situação de
voo de 1 “G”); e
• Maior ou igual a VR.

Numa decolagem normal, ou seja, com todos os motores em funcionamento, uma


aeronave geralmente sobe com velocidade 10 a 15 Kt a mais do que a V2, nos
primeiros segmentos da decolagem (SAINTIVE, 2011).

Nota: a V2 também pode ser utilizada por aeronaves, como parâmetro de


segurança para referenciar subidas iniciais em procedimentos de atenuação
de ruídos (por exemplo, V2 + 20 Kt, V2 + 25 Kt ou outro valor definido pelo
fabricante), até o alcance de uma determinada altitude. Com tais velocidades,
inferiores à velocidade normal de subida, obtêm-se maiores gradientes de subida
e, consequentemente, atinge-se mais rapidamente uma determinada altitude,
minimizando o ruído sobre áreas densamente habitadas.

93
Capítulo 2

Para fins de certificação, é importante que você compreenda que a decolagem


de uma aeronave é dividida em cinco fases – cada qual com diferentes requisitos,
a saber: Distância de Decolagem; 1o Segmento; 2o Segmento; 3o Segmento e
4o Segmento. O maior peso disponível para a decolagem será o MENOR peso
obtido a partir das análises de cada uma das fases, ou seja, a fase mais restritiva
irá determinar o limite de peso de decolagem. A próxima figura sintetiza tais fases,
ao mostrar um Perfil de Decolagem para fins de certificação.

As velocidades que descrevemos há pouco compreendem as fases da


Decolagem propriamente dita, e dos 1o e 2o Segmentos. Para a compreensão
dos demais Segmentos, vejamos também o conceito dessas duas velocidades
abaixo:

VFR – “Flap Retraction Speed” – Velocidade Mínima de Recolhimento dos Flapes:

É a velocidade (ou a programação de velocidades) em que a retração dos Flapes


de decolagem deve ser iniciada, durante o 3o Segmento de decolagem, em caso
de falha do motor. A VFR é normalmente definida como V2 + D, onde o “D” é um
acréscimo que varia em função da configuração inicial dos Flapes de decolagem.
Para as situações em que todos os motores estejam funcionando (AEO), a VFR é
apenas uma referência da velocidade mínima na qual o recolhimento dos Flapes
deve ser iniciado.

VFS – “Takeoff Final Segment Climb Speed” – Velocidade do Segmento Final de


Subida:

É a velocidade a ser alcançada ao final do 3o Segmento de decolagem (após o


recolhimento dos Flapes), e mantida durante o segmento final de subida ao menos
até 1.500 Ft de altura, com o trem de pouso e Flapes recolhidos, na situação de
perda de um motor crítico. Deve ser maior ou igual a 1,25 VS (ou 1,18 Vs-1g).

94
Teoria de Voo de Alta Velocidade

Figura 2.3 – Perfil de decolagem e seus Segmentos, para fins de certificação

Fonte: EMBRAER (2001).

A figura anterior resume um Perfil de Decolagem completo, para efeitos de


certificação. Vamos compreender cada uma dessas fases, e dos requisitos que
devem ser satisfeitos durante os ensaios de certificação. O perfil completo de
decolagem é uma trajetória que parte da aceleração em potência de decolagem
dos motores, a partir de uma posição parada, até o ponto em que a aeronave atinge
uma altura de 1.500 pés acima da superfície da pista, ou completa a transição para
a configuração de subida em rota (em termos de altura), consoante a que for mais
alta, a uma velocidade não inferior a 1,25 VS, com um motor inoperante.

A figura a seguir resume as configurações (trem de pouso, Flapes, Potência dos


Motores e Velocidade) e os gradientes mínimos de subida (aeronaves com 2, 3 ou
4 motores) para um Perfil de Decolagem, a partir do momento em que a aeronave
decola e atinge a V2, e prossegue nos quatro segmentos seguintes (conforme
visto na figura anterior).

Figura 2.4 – Configurações e Gradiente Mínimo de Subida em Perfil de Decolagem

Fonte: EMBRAER, 2001.

95
Capítulo 2

Vamos agora tecer considerações sobre cada uma dessas fases, desde o instante
em que a aeronave inicia a rolagem, até o momento em que atinge ao menos
1.500 pés de altura.

a. Distância de Decolagem:
Os requisitos são determinados com base no princípio de que a aeronave é
acelerada para a VEF, momento em que o motor crítico se torna inoperante e
permanece inoperante pelo resto da decolagem, e de que a velocidade de
segurança de decolagem V2 é atingida antes da aeronave atingir 35 pés de altura.
Os segmentos seguintes de voo se iniciam no final da Distância de Decolagem
(TOD), na altura de 35 pés.

Bem, uma vez apresentado às diversas velocidades empregadas em aviação,


que caracterizam o perfil de uma decolagem (no sentido amplo, com seus cinco
segmentos), vamos relembrar e aprofundar outros vocábulos que também são
imprescindíveis para se planejar uma decolagem, referentes ao comprimento
de uma pista de decolagem e pouso. Veremos que uma pista pode ter um
comprimento disponível para decolagem até maior do que para o pouso.

Você já deve ter ouvido falar que uma pista de decolagem e de pouso não é
composta somente pelo seu segmento asfaltado ou de concreto. Essa afirmação
é verdadeira por algumas razões. Em tese, analisando-se somente a questão do
comprimento de uma pista (sem levarmos em conta a possibilidade de existência
de obstáculos após a decolagem, ou a altitude do campo), podemos afirmar que
uma aeronave que decola de uma pista com maior comprimento poderá levar
mais carga do que outra que decola de uma pista menor, nas mesmas condições.
O mesmo pensamento é válido para o pouso.

Você compreenderá mais adiante que essa afirmativa é parcialmente correta, sendo
válida somente quando o peso de decolagem for limitado pelo comprimento da pista.
A partir de um dado comprimento de pista, dependendo de qual fator limitante de
decolagem seja mais restritivo (por exemplo, se o peso for limitado pela capacidade
dos freios, pelo desempenho dos pneus, pelo desempenho de subida nos segmentos
de subida, ou pela existência de obstáculos), de nada adiantará estender a pista de
decolagem após um certo comprimento. Mesmo com uma pista considerada “infinita”,
o peso de decolagem continuaria sendo limitado por outros fatores.

Bem, é possível compreender que nem sempre é possível “construir” uma pista
com o tamanho necessário para a operação de todas as categorias de aeronaves,
seja por questões de custo ou mesmo por quesitos técnicos ou de espaço físico.
Assim, para “estender” o comprimento de uma pista, utilizam-se dois artifícios: a
construção das chamadas “Stopway” e “Clearway”, largamente empregadas na
maioria das pistas dos aeroportos. Vejamos do que se tratam:

96
Teoria de Voo de Alta Velocidade

STOPWAY:

A STOPWAY nada mais é do que uma área além do final da pista, com as
seguintes características:

• Deve ser tão larga quanto a pista;


• É centrada em torno da linha central estendida da pista;
• Deve ser capaz de suportar o peso do avião, sem causar danos
estruturais a ele;
• É designada pelas autoridades aeroportuárias para uso na
desaceleração do avião, apenas durante uma rejeição de decolagem
(abortiva) – RTO “Rejected Takeoff”.

Ou seja, a Stopway não precisa ser construída com o mesmo material da pista,
desde que suporte o peso da aeronave sem causar danos a ela. Importante
observar que o trecho da Stopway não pode ser utilizado pelo piloto como
parâmetro para efeitos de decolagem ou de pouso, nos seguintes sentidos – a
aeronave não pode usar a Stopway como um acréscimo no comprimento da pista
destinado a acelerar e decolar, tampouco para desacelerar após o pouso, mas
somente para desaceleração em caso de uma rejeição de decolagem.

CLEARWAY:

A CLEARWAY é uma área além dos limites da pista, com as seguintes


características:

• Possui uma largura mínima de 500 pés (152,4 m);


• Localizada em torno da linha central estendida da pista;
• Seu comprimento deve ser inferior à metade do comprimento da
pista;
• Sua área deve estar sob o controle das autoridades aeroportuárias;
• Em sua área não pode haver nenhum obstáculo sobressaindo
acima de 1,25% do plano de rampa, exceto as luzes de cabeceira
localizadas nos lados da pista (desde que não excedam 26
polegadas / 66 cm acima do final da pista e que sejam colocadas
nas suas laterais).

97
Capítulo 2

Os cálculos de peso máximo de decolagem permitem que a aeronave atinja uma


posição de altura de 35 pés sobre a área da Clearway, desde que ao menos
metade da distância entre o despegue (VLOF) e o atingimento da V2 sejam
realizados sobre a pista, conforme representado na figura a seguir.

Figura 2.5 – Requisitos para utilização de uma área como Clearway

Fonte: EMBRAER (2001).

As imagens abaixo mostram o posicionamento de Clearway e Stopway em duas


diferentes pistas. Em ambos os casos, a Stopway encontra-se inserida nos limites
da Clearway.

Figura 2.6 – Exemplo de Clearway e de Stopway

Fonte: Science Direct (2014).

98
Teoria de Voo de Alta Velocidade

Figura 2.7 – Exemplo de Clearway e de Stopway

Fonte: Science Direct (2014).

Os conceitos de Stopway e Clearway são importantes para a compreensão


de alguns termos padronizados e empregados na aviação, para caracterizar
diferentes comprimentos de pista – as chamadas “Distâncias Declaradas”. As
cartas aeronáuticas que tratam da questão do comprimento de uma pista utilizam
tais abreviaturas. A figura a seguir resume tal questão.

Figura 2.8 – Quadro de “Distâncias Declaradas”

Fonte: Hangar 33 (2019).

De forma resumida, temos que:

LDA – Landing Distance Available – é o comprimento da pista disponível para o


pouso. Repare que, na figura anterior, a LDA é menor que o comprimento da pista,
haja vista que um trecho da cabeceira 09 está deslocado (possivelmente por conta
da existência de obstáculos no eixo da aproximação final daquela cabeceira).

TORA – Take-off Run Available – comprimento declarado da pista, disponível para


corrida no solo de uma aeronave que decola. Não inclui a Stopway.

ASDA – Accelerate and Stop Distance – é o comprimento disponível para a


aceleração da aeronave e para a execução de uma abortiva, se necessário. É o
somatório da TORA com a Stopway (quando esta existir).

99
Capítulo 2

TODA – Takeoff Distance Available – é o comprimento disponível para a aceleração


da aeronave e para o prosseguimento da decolagem, em caso de uma falha
durante a rolagem. É o somatório da TORA com a Clearway (quando esta existir).

Figura 2.9 – Quadro resumo de “Distâncias Declaradas”

Fonte: Adaptado de Aviation Stack Exchange (2015.).

b. Primeiro Segmento:
É a fase temporal desde a VLOF até o ponto onde o trem de pouso é totalmente
retraído. O Gradiente bruto necessário de subida deve ser positivo em todos os
momentos, para aeronaves de dois motores, não inferior a 0,3% para aeronaves
de três motores, e não inferior a 0,5% para aeronaves de quatro motores.

c. Segundo Segmento:
Esse segmento começa quando o trem de pouso é totalmente recolhido e pode
estender-se a qualquer ponto em que a aeronave nivele para iniciar uma aceleração
(para recolhimento dos Flapes, sempre acima da altura mínima de 400 pés –
esta altura de nivelamento pode ser maior, a depender da necessidade de
livrar obstáculos no perfil da subida). O Segundo Segmento termina quando a
aeronave atinge a altura planejada para o início da aceleração para recolhimento
dos dispositivos hipersustentadores, ainda mantendo-se a potência de decolagem
nos motores remanescentes. A redução da potência ocorrerá ao longo ou ao final
do Terceiro Segmento, como será visto a seguir.

O segmento é realizado com a configuração de trem de pouso recolhido e Flapes


na posição de decolagem. Além disso, nenhuma mudança de potência pode
ser feita pelo piloto, até que a aeronave atinja ao menos 400 pés acima da
superfície da pista. Os gradientes de subida bruta exigidos devem garantir
ao menos 2,4% para aeronaves bimotoras, 2,7% para aeronaves trimotoras
e 3,0% para aeronaves quadrimotoras. Durante esse segmento, a aeronave
deve manter a velocidade o mais próximo possível da V2.

100
Teoria de Voo de Alta Velocidade

Esta é uma das fases que mais impõem limites ao peso de decolagem
de uma aeronave. A depender, principalmente, da altitude do campo, da
temperatura e da seleção de Flapes de decolagem, os critérios de subida no
Segundo Segmento podem restringir seriamente o limite de peso de decolagem
de uma aeronave.

Tomemos como exemplo a pista de decolagem do Aeroporto Internacional de


Brasília, DF. Apesar de suas pistas de decolagem possuírem grande extensão, o
fato de o aeródromo encontrar-se localizado a 3.500 pés de altitude causa impactos
na limitação do peso de decolagem das aeronaves que por lá operam, haja vista a
exigência de se manter um gradiente mínimo de subida no Segundo Segmento.

d. Terceiro Segmento:
Também conhecido como Segmento de Aceleração, é o primeiro dos segmentos
«opcionais». Pode ser usado quando os obstáculos permitem à aeronave voar
em atitude nivelada, para possibilitar a sua aceleração. Durante esse segmento, a
aeronave é acelerada até a Velocidade Mínima de Recolhimento dos Flapes (VFR)
– ou mais de uma VFR – o recolhimento pode ser sequencial, ou seja, a depender
da configuração de Flapes empregada na decolagem, cada recolhimento deverá
obedecer a um limite de velocidade específico.

Recolhidos os Flapes e quaisquer outros dispositivos hipersustentadores, a


aeronave é considerada como “limpa” e a sua subida pode ser retomada ao atingir
a Velocidade do Segmento Final de Subida (VFS). Uma vez “limpa” e atingida e
mantida a VFS, a potência dos motores remanescentes pode então ser reduzida
para o regime “Máximo Contínuo” (o qual será mantido até a altitude final de
nivelamento, a critério dos pilotos). Teoricamente, os cálculos de decolagem
incluem a manutenção dos motores remanescentes em potência de decolagem,
até que a aeronave seja “limpa” e acelerada para a VFS; entretanto, caso o limite
de tempo estipulado para os motores operarem em potência de decolagem seja
atingido antes do fim dessas duas operações, a redução para a potência de
“Máximo Contínuo” poderá ser antecipada, com a aeronave nivelada no Terceiro
Segmento. O Terceiro Segmento não pode ser iniciado a uma altura inferior a 400
pés acima da superfície de decolagem.

e. Quarto Segmento:
Também chamado de Segmento de Subida Final de Decolagem, compreende o
segmento existente a partir da altura de aceleração escolhida, até uma altitude
de ao menos 1500 pés. Os gradientes brutos de subida para este segmento não
podem ser inferiores a 1,2% para aeronaves bimotoras, 1,5% para aeronaves
trimotoras e 1,7% para aeronaves quadrimotoras, voados a uma velocidade
não inferior a 1,25 Vs.

101
Capítulo 2

No Quarto Segmento, os gradientes de subida mínimos consideram que os


motores em operação restantes não mais utilizam o regime de potência máxima
de decolagem, mas sim o de potência “Máxima Contínua”.

Existem duas formas de se calcular os limitantes de peso de uma aeronave, sejam


eles de decolagem, subida, cruzeiro, descida ou pouso. Suponhamos o caso de
uma decolagem, apenas no tocante aos aspectos de limite dos freios, dos pneus
e do comprimento da pista em si.

Se o piloto pretende decolar com um determinado peso, entrará com esse


valor nos gráficos de desempenho ou software disponibilizados pelo fabricante
(juntamente com outras variáveis como temperatura, altitude, ajuste de altímetro,
gradiente da pista, tipo de pavimento, direção e intensidade do vento etc.) e
descobrirá o comprimento de pista mínimo para que a decolagem naquelas
condições seja realizada (os gráficos disponíveis devem refletir os requisitos de
certificação). Ao obter o resultado do comprimento mínimo necessário, o piloto
deverá comparar esse valor com o comprimento de pista realmente disponível,
para saber se é ou não possível decolar com aquele peso.

Um outro método, também disponibilizado nos gráficos e, principalmente, nos


softwares, utiliza o pensamento inverso. Ou seja, inserem-se os dados da pista a
ser utilizada (os mesmos relatados anteriormente, inclusive a existência ou não de
clearway e stopway), e os gráficos ou o software informam qual o maior peso de
decolagem disponível para aquela situação.

Assim, se o peso desejado para a decolagem for inferior ao limitante encontrado,


o piloto poderá prosseguir com suas intenções para a fase de decolagem sobre a
pista (o piloto deverá gerar outras análises, para as demais fases do segmento de
decolagem, e também do voo como um todo – subida após a decolagem, subida em
rota, cruzeiro, descida, arremetida e pouso – como veremos ao longo do capítulo).

Ao todo, na fase de análise da performance de decolagem, os gráficos ou o


software irão comparar 7 (sete) fatores limitantes (Limitante pela Pista, Limitante
por Freios, Limitante por Pneus, Limitante por V1 Mínima; Limitante por
Trajetória de Decolagem (os quatro segmentos apresentados anteriormente),
Limitante por Obstáculos e Limitante por tempo de uso da Potência Máxima
de Decolagem (5 min ou 10 min no máximo). O peso máximo disponível para a
decolagem deverá ser o MENOR dos sete – ou seja, o mais restritivo (ainda sem
levar em conta as demais fases do voo, logicamente, que poderão implicar em
reduções ainda maiores no peso de decolagem).

Agora que já recordamos ou aprendemos conceitos importantes, e compreendemos


como se forma o perfil de uma decolagem em seu sentido mais amplo, vamos
abordar um pouco mais sobre os fatores limitantes de peso para uma decolagem.

102
Teoria de Voo de Alta Velocidade

1.1.1 Peso Máximo de Decolagem Limitado pela Pista, pelos Freios e


pelos Pneus
Primeiramente, abordaremos a primeira fase do perfil – a Distância de
Decolagem (ou seja, o quanto de pista é necessário para que um determinado
avião, em condições específicas, realize uma decolagem segura, cumprindo
requisitos de certificação).

A análise da primeira fase da decolagem, para fins de certificação, fornecerá o que se


chama genericamente de “limitante de peso determinado pela pista de decolagem”
– em inglês “Field Length Limited Takeoff Weight”. Para determinar esse limitante é
preciso entender que ele deve atender a duas possibilidades após a ocorrência de uma
perda de motor ou de outra emergência grave – quais sejam, a aeronave prossegue na
decolagem, após a V1, ou aborta a decolagem até a V1. Assim:

a. a aeronave acelera até a V1, tendo perdido um motor na VEF, e


posteriormente prossegue na decolagem sem um dos motores; ou
b. a aeronave aborta a decolagem nos limites da pista, ligeiramente
antes da V1, tendo perdido um dos motores imediatamente antes
da V1 (ou tendo sofrido alguma emergência grave, que recomende
não prosseguir na decolagem).

A Distância de Decolagem necessária para um determinado peso será a MAIOR


entre os dois casos. Ou, no pensamento inverso, as duas análises irão gerar
dois limites de peso de decolagem (um limitado pela decisão de decolar e outro
limitado pela decisão de abortar). O piloto deverá utilizar o MENOR deles.

Vejamos cada caso e seus requisitos:

1 – Distância Requerida ou Necessária de Decolagem (Takeoff Distance Required


– TOD ou Accelerate and Go Distance – AGD) – será a MAIOR distância entre
as duas situações abaixo:

a. rolagem da aeronave com todos os motores funcionando (All


Engine Operating – AEO) em regime de decolagem, aceleração até
a VEF, falha do motor crítico ao atingir essa velocidade, percepção
da perda do motor imediatamente antes da V1, continuar na
decolagem com um motor inoperante (One Engine Inoperative
– OEI), e atingir a V2 a 35 pés de altura, ainda sobre a pista. Os
Flapes de decolagem são definidos desde o início da rolagem, e
mantidos nessa posição;
b. 115% da distância para uma aeronave atingir 35 pés de altura,
quando não há a ocorrência de perda de um motor.

103
Capítulo 2

A figura a seguir mostra um esquema de ensaio da AGD.

Figura 2.10 – Esquema simplificado – Requisitos para definição da Accelerate and Go Distance.

Fonte: EMBRAER (2001).

2 – Distância Requerida ou Necessária para Acelerar e Parar (Acelerate and Stop


Distance Required – ASD) – será a MAIOR distância entre as duas situações abaixo:

a. rolagem da aeronave com AEO, aceleração até a VEF, falha do


motor crítico ao atingir essa velocidade, percepção da perda do
motor imediatamente antes da V1, aceleração até a V1 com OEI,
manutenção da V1 por dois segundos, início dos procedimentos
de abortiva nessa velocidade, prosseguindo até a parada completa
da aeronave nos limites da pista, utilizando freios, speed brake e
reversores (esses últimos somente considerados para os casos de
pista molhada). Os Flapes de decolagem são definidos desde o
início da rolagem, e mantidos nessa posição;
b. aceleração para a V1 com AEO, manter a aceleração por um
período de 2 segundos e, em seguida, desacelerar até uma parada
completa da aeronave nos limites da pista, utilizando freios, speed
brake e reversores (esses últimos somente considerados para os
casos de pista molhada). Os Flapes de decolagem são definidos
desde o início da rolagem, e mantidos nessa posição.

Nota: as modernas regras de certificação exigem que a aceleração da aeronave


seja considerada durante o período de dois segundos mencionado acima (ao
invés de manter-se a velocidade constante). Como exemplo, a certificação do
EMBRAER-135/140/145 utiliza as regras antigas, ou seja, a manutenção da V1
constante por dois segundos, antes de iniciar a desaceleração até a parada.

104
Teoria de Voo de Alta Velocidade

A figura a seguir mostra um esquema de ensaio da ASD (letra “b” anterior, sem
especificar a questão dos dois segundos).

Figura 2.11 – Esquema simplificado – Requisitos para definir a Accelerate and Stop Distance.

Fonte: EMBRAER (2001).

Bem, esses foram os requisitos de certificação aos quais algumas categorias


de aeronaves estão sujeitas a cumprir, diretamente relacionados à pista de
decolagem em si, que influenciam na determinação do peso máximo de
decolagem: foram eles o comprimento da pista (que pode ser “aumentado” com a
adição de Clearway e Stopway); a capacidade de a aeronave parar nos limites da
pista (com ou sem Stopway), em caso de abortiva de decolagem (o que também
depende da eficiência e do limite de seus freios em suportar elevadas velocidades
e temperaturas, e de suportar as cargas decorrentes de uma abortiva); e a
capacidade de a aeronave alcançar 35 pés de altura nos limites da pista (com ou
sem Clearway), após sofrer a pane de um motor crítico.

Entretanto, outros fatores externos e da própria aeronave também exercem


influência no cálculo do peso máximo de decolagem limitado pela pista.
Você verá que a maioria desses fatores são intuitivos de se compreender de que
maneira exercem influência no desempenho de uma aeronave. Convém, neste
momento, abordarmos os principais:

a. Altitude Pressão:
Você já sabe que, quanto maior a altitude, menor a densidade do ar. Também
tem conhecimento de que, quanto menor a densidade do ar, menor é a tração
desenvolvida pelo motor da aeronave. Assim, a altitude tem efeito negativo
no desempenho do avião, e isso também se reflete na corrida de decolagem.
Assim, uma aeronave operando em grandes altitudes levará mais tempo para
acelerar até a V1 Min, por exemplo, e consumirá mais pista para tal. Assim,
sobrará menos pista para prosseguir numa decolagem, em caso de pane de um
motor, e menos pista para abortá-la, resultando na necessária redução do peso
máximo de decolagem. A V1, a VR e a V2 aumentam com o aumento da altitude
(SAINTIVE, 2011).

105
Capítulo 2

b. Temperatura:
O aumento da temperatura possui efeito similar à altitude, reduzindo a densidade
do ar. Assim, quanto maior a temperatura, menor o peso máximo disponível
para a decolagem, e maiores serão as velocidades V1, VR e V2.

c. Vento:
A velocidade do vento relatada pela torre do aeroporto é medida a uma altura
de 10 metros. Os pesos de decolagem limitados por comprimento de pista, por
energia dos freios, por velocidade dos pneus e aqueles limitados por obstáculos
(veremos mais adiante este conceito), são afetados pelo vento durante a
decolagem. Os ventos de proa melhoram o desempenho de decolagem,
devido às menores distâncias necessárias para a aceleração da aeronave,
devido ao emprego de velocidades mais baixas em relação ao solo e devido
às subidas com maiores gradientes. Já os componentes de vento de cauda
degradam o desempenho de decolagem devido à maior distância necessária
para aceleração da aeronave, às velocidades mais elevadas em relação ao solo e
à adoção de gradientes de subida degradados.

Um vento de cauda muito forte pode, por exemplo, penalizar o peso máximo
de decolagem, por conta da VMBE e da VMAX TIRE. Nesses casos, a velocidade em
relação ao solo será maior do que a velocidade indicada – assim, a aeronave
pode alcançar os limites dos freios ou dos pneus, principalmente em caso de
necessidade de abortiva. Para evitar isso, os gráficos de análise de decolagem
reduzem o valor da V1 para impedir o alcance da VMBE, por exemplo, isso implica
em reduzir o peso máximo de decolagem (a decolagem passa a ser limitada pela
capacidade máxima de frenagem da aeronave).

Em relação à influência do vento na determinação dos limitantes de peso de


decolagem, os regulamentos de certificação de desempenho exigem que o fabricante
da aeronave considere os seguintes fatores ao desenvolver os gráficos do AFM:

• Os gráficos de AFM devem ser desenvolvidos considerando apenas


50% do vento de proa e 150% do vento de cauda reportado. O
objetivo é garantir margens de segurança adequadas, no caso de o
vento de proa real ser mais fraco do que o reportado, ou no caso de
o vento de cauda real ser mais forte do que o relatado;
• O vento relatado pela torre do aeroporto (V10 = vento medido a 10
metros de altura) deve ser corrigido para a altura real da aeronave
acima do solo, usando a seguinte fórmula:
VH = V10 x (H / 10) 1/7, onde H = altura da asa da aeronave acima do nível do solo.

106
Teoria de Voo de Alta Velocidade

Os gráficos do AFM já incorporam esses ajustes de vento, de modo que nenhuma


correção adicional é necessária (ou seja, o vento relatado pela torre deve ser
utilizado sem correções, ao calcular o desempenho de decolagem pelo AFM).

d. Posição dos Flapes:


As aeronaves costumam ter duas ou mais posições de Flapes, que podem ser
empregadas nas decolagens. A escolha dos Flapes para a decolagem depende
da circunstância, e cada posição de Flape possui suas próprias vantagens e,
por vezes, penalidades. O uso de Flapes (especialmente os do tipo “Fowler”)
acarreta aumento de sustentação, mas também produz arrasto. Esse aumento de
arrasto certamente prejudica a aceleração da aeronave, mas comparativamente
ao aumento da sustentação, possui um efeito menor. Assim, em linhas gerais,
o emprego de maiores angulações de Flapes propicia uma decolagem com
comprimentos de pista mais reduzidos.

Basicamente, um ajuste de Flape com ângulos menores permite uma melhor


subida, enquanto um ajuste com ângulos maiores resulta em decolagens
mais curtas, com menor necessidade de pista. Então, sem contar outros fatores
limitantes (Segundo Segmento, por exemplo), se a decolagem deve ser realizada
a partir de uma pista curta, a maior configuração de Flapes provavelmente será
a melhor opção; por outro lado, se a decolagem será executada a partir de uma
longa pista ou a partir de pistas localizadas em grandes altitudes, a configuração
de Flapes com maiores ângulos provavelmente será uma má escolha, haja vista o
consequente arrasto elevado e pior gradiente de subida.

A figura abaixo exemplifica o que comentamos anteriormente, quanto ao emprego de


duas configurações de Flapes de decolagem. O exemplo é da família do jato EMBRAER
145, que utiliza dois ajustes possíveis de Flapes para a decolagem: 9 e 22 graus.

Figura 2.12 – Emprego de diferentes configurações de Flapes e seus perfis de decolagem.

Fonte: EMBRAER (2001).

107
Capítulo 2

e. Gradiente da Pista (Slope / Rampa):


O Gradiente da Pista, conhecido como “rampa” ou “slope”, nada mais é do
que a razão definida pela diferença de alturas entre as cabeceiras da pista e
o comprimento da pista, representadas em uma porcentagem. A FAA limita
esse percentual em um máximo de 2%. Por exemplo, se uma pista de 2.400m
apresenta cabeceiras com diferença de altura de 20m, o gradiente da pista será
de 0,8%. Esse gradiente será positivo ou negativo, a depender da cabeceira
escolhida para realizar a decolagem.

Gradientes positivos reduzem o peso máximo de decolagem, haja vista que


parte da tração dos motores é utilizada para “subir a rampa” (Up Hill), restando
menos potência para acelerar a aeronave. Já os Gradientes negativos exercem
influência contrária, pois ao “descer a rampa” (Down Hill) a gravidade ajuda a
acelerar o avião.

No caso do gradiente negativo, você pode imaginar que ele poderia influenciar
negativamente na capacidade de frenagem da aeronave, em caso de abortiva. Esse
pensamento é correto, porém, o efeito de aceleração até a V1 é superior ao impacto
na frenagem, e o balanço acaba sendo positivo e permitindo um aumento no peso
máximo de decolagem (comparativamente a uma pista sem Gradiente).

f. Condições da Pista:
Os requisitos de performance, para fins de ensaio, consideram que a pista de
decolagem é de superfície dura e seca, sem buracos. Ou seja, nos casos de
operação em pistas não pavimentadas, ou na ocorrência de gelo, neve, slush
(mistura de neve e sujeira), pista molhada ou contaminada, o peso máximo de
decolagem encontrado nas análises deverá ser penalizado, corrigido para valores
menores (os fabricantes incluem esse percentual de “penalidade” em suas
publicações e nos softwares).

Vamos rever algumas das expressões acima, que caracterizam as condições de


uma pista, e abordar quais os seus efeitos sobre o desempenho na decolagem de
uma aeronave (EMBRAER, 2001).

• Pista Molhada:
Uma pista é considerada “molhada” quando seu pavimento está completamente
encharcado, brilhante na aparência e com profundidade menor do que 1/8 de
polegada (3 mm) de água. Uma pista molhada não é considerada uma pista
contaminada. Até 1998, a FAA (Estados Unidos) não exigia ensaios em pistas
molhadas. Porém, agora tais ensaios são necessários para aviões certificados após
a alteração 25-92 do FAR 25 (aplicável, por exemplo, na certificação das aeronaves
brasileiras ERJ-170/190). Já a JAA (Joint Aviation Authorities -Europa) exige a
realização de ensaios com pista molhada para todos os modelos de aeronaves.

108
Teoria de Voo de Alta Velocidade

• Pista Contaminada:
Uma pista é considerada contaminada quando mais de 25% da superfície a
ser utilizada é coberta por água parada com mais de 3 mm de profundidade.
As pistas cobertas de neve e lama também são consideradas contaminadas,
dependendo da profundidade do agente contaminante.

• Pista Escorregadia:
Uma pista é considerada escorregadia se apresentar um acúmulo de neve
ou de gelo compactado, que causam menor eficiência de frenagem durante
a desaceleração da aeronave. “Forças de Retardo” durante a aceleração
da aeronave (causadas por arrasto de precipitação) são insignificantes em
pistas escorregadias. A JAA exige a certificação para desempenho em pistas
escorregadias, mas a FAA não cobra tal requisito.

Em resumo, as condições da pista impactam na determinação do “limitante de


peso determinado pela pista de decolagem” – em inglês “Field Length Limited
Takeoff Weight” da seguinte forma:

• Pistas contaminadas:
• Redução na capacidade de frenagem devido à água / lama /
neve acumulada na pista, causando um aumento na distância
necessária para desacelerar e parar a aeronave a partir da V1.
• Maior arrasto de precipitação (arrasto do deslocamento do trem
de pouso e do impacto da água / lama / neve acumulada na pista),
causando um aumento na distância para acelerar para a V1,
aumento na Accelerate and Go Distance – AGD e aumento
na Distância de Decolagem AEO, mas redução na distância
necessária para desacelerar e parar a aeronave a partir da V1.

Já as pistas molhadas e escorregadias:

Não apresentam Arrasto de Precipitação, portanto, a distância necessária para


acelerar até a V1 não é afetada, o mesmo ocorrendo com a AGD e a distância de
decolagem AEO. Mas, a distância para desacelerar e parar a aeronave a partir
da V1 é muito aumentada devido à redução da capacidade de frenagem
associada a uma pista molhada / escorregadia.

Portanto, para um certo peso de decolagem fixo, as distâncias de decolagem


aumentarão, afetando também os pesos máximos de decolagem limitados por
obstáculos.

109
Capítulo 2

Devido às razões explicadas, a V1 é recalculada e, tipicamente, a redução da


V1 será maior em uma pista molhada / escorregadia do que em uma pista
contaminada. Problemas com a V1 MIN podem ocorrer devido às reduções
de V1 associadas às pistas molhadas / escorregadias / contaminadas,
consequentemente, exigindo reduções adicionais de peso de decolagem.

Para não penalizar excessivamente os operadores ao operarem em pisos molhados,


escorregadios ou contaminados, a JAA permite, por exemplo, que a aeronave atinja
uma altura de 15 pés no final da distância de decolagem e na AGD, e ultrapasse
os obstáculos por 15 pés (percurso “líquido”), em vez de 35 pés previstos para
desempenho em pistas secas.

Já comentamos que depósitos de água, lama ou neve podem fazer com que uma
pista seja considerada contaminada. Como cada um desses contaminantes tem
características diferentes, seria necessário desenvolver gráficos individuais nos
AFM, para cada tipo de contaminante. Além disso, a neve pode estar presente em
vários estágios, aumentando ainda mais o número de cartas de AFM necessárias.

A fim de reduzir no AFM o número de cartas de pista contaminada, os fabricantes


de aeronaves geralmente apresentam o desempenho da pista contaminada como
uma função do WED – Water Equivalent Depth (Profundidade Equivalente em Água).

Para cada tipo de contaminante e profundidade há um arrasto de precipitação


associado (arrasto de deslocamento do trem de pouso e arrasto por resistência ao
impacto com o contaminante), para o qual sempre existe uma certa profundidade
de água que resulta no mesmo arrasto. Essa profundidade de água equivalente
é chamada de WED, e os fabricantes de aeronave costumam disponibilizar aos
operadores um gráfico que transforma diversos tipos de contaminantes em sua
equivalência com a água. A partir daí, podem gerar gráficos de desempenho que
contabilizam somente a água como fator contaminante (EMBRAER, 2001).

g. Presença de Gelo na Aeronave:


Assim como a presença de gelo na pista impõe limitações no peso máximo
de decolagem, a presença de gelo na superfície da aeronave também reduz a
sua performance. O gelo em determinadas regiões do avião é motivo de muita
preocupação e representa elevado risco à segurança do voo, pode aumentar
consideravelmente o arrasto e reduzir a capacidade dos aerofólios de gerar
sustentação. Para minimizar a possibilidade de que o gelo se agregue à superfície,
as aeronaves contam com sistemas antigelo, os quais normalmente sangram ar
pressurizado dos motores, o que resulta em redução de seus desempenhos.

Assim, a presença de gelo, quer na pista ou nos aerofólios, implicará a


redução do peso máximo de decolagem disponível (SAINTIVE, 2011).

110
Teoria de Voo de Alta Velocidade

h. Utilização ou falha de determinados Sistemas da Aeronave:


Vimos no item anterior que, em virtude da expectativa ou do aparecimento de
gelo na superfície da aeronave, o piloto deverá efetuar uma decolagem com o
sistema antigelo acionado, acarretando sangria de potência dos motores.

Da mesma forma, outros sistemas da aeronave também podem impactar no


desempenho em decolagens. Como exemplo, temos que a utilização de ar-
condicionado (ou de pressurização) também depende da sangria de ar dos
compressores do motor, consequentemente, reduzem a sua performance. Tal
redução de performance impacta no comprimento de pista necessário para a
decolagem, bem como nos gradientes de subida da aeronave, penalizando-os.

Por fim, no caso de inoperância de alguns sistemas da aeronave, o peso máximo


de decolagem também pode sofrer restrições. Podemos citar a inoperância parcial
de um sistema de freios (por exemplo, inoperância do “anti-skid”), a inoperância
de spoilers ou mesmo a inoperância de sistemas computacionais que gerenciam a
tração dos motores. Em todas estas situações, caso não sejam declarados pelos
fabricantes como fatores impeditivos para uma decolagem, causarão impacto na
determinação do peso máximo disponível para tal fase do voo.

i. Desempenho dos Freios e dos Pneus da Aeronave:


Este é um assunto que já foi indiretamente tratado nos itens anteriores. Vamos
rever e compreender. Como vimos, para cumprir requisitos de certificação, uma
aeronave deve ser capaz de abortar uma decolagem dentro dos limites da pista,
isso logicamente requer uma atuação eficiente dos freios.

Você deve se recordar do conceito da VMBE, que é a velocidade máxima que


uma aeronave é capaz de atingir no solo, na qual terá condições de efetuar uma
parada segura, respeitando a capacidade dos freios em transformar energia
cinética em energia térmica e frear o avião. Os freios devem ser capazes de
absorver essa energia térmica. Se mais energia térmica for gerada do que os
freios são capazes de absorver, eles superaquecerão e poderão ser destruídos.
Portanto, há uma velocidade máxima para a frenagem total até uma parada
completa, e essa velocidade é a VMBE.

Assim, levando em conta outros fatores vistos anteriormente, devemos considerar que
decolagens efetuadas em situações extremas e desfavoráveis, como em pistas com
elevada altitude, com elevada temperatura, com declive (slope) negativo, com vento
de cauda ou com pouco Flape, poderão acarretar na necessidade de redução da V1
(para não ultrapassar a VMBE) e de redução da VLOF (para não alcançar a velocidade
máxima dos pneus). Ambas as reduções de velocidade (V1 e VLOF) implicam na
necessidade de redução do peso máximo de decolagem (SAINTIVE, 2011).

111
Capítulo 2

Quando a V1 Otimizada (veremos esse conceito adiante) tem que ser reduzida
para não exceder a VMBE, há degradação no peso limite da decolagem. Esse peso
degradado é então chamado de Peso Máximo de Decolagem Limitado pelos
Freios (ou Maximum Brake EnergyLimited Takeoff Weight, em inglês).

Da mesma forma, os pneus da aeronave possuem uma velocidade máxima de


rodagem, acima da qual pode haver deformações ou até mesmo estouro ou
colapso dos pneus e conjunto de rodas.

A limitação de velocidade do pneu representa a velocidade máxima no solo para a


qual os pneus foram estruturalmente certificados. Acima da VMAX TIRE, os limites de
resistência dos pneus são excedidos e podem não suportar as forças centrífugas
(causadas pela alta rotação da roda) às quais estão sujeitos.

Quando a VLOF tiver que ser reduzida para não exceder a VMAX TIRE, haverá
degradação no limitante de peso de decolagem. Esse peso degradado é então
chamado Peso de Decolagem Limitado pelos Pneus (ou Tire Speed Limited
Takeoff Weight, em inglês).

Pistas Balanceadas e Não Balanceadas


Neste ponto do estudo, convém relembramos que existem sete fases e fatores
que devem ser considerados para encontrar o limitante de peso de decolagem:
Limitante por Pista, Limitante por Freios, Limitante por Pneus, Limitante por
V1 Mínima; Limitante por Trajetória de Decolagem, Limitante por Obstáculos
e Limitante por tempo de uso da Potência Máxima de Decolagem. Até o
momento, abordamos somente os três primeiros.

Antes de prosseguirmos na análise dos demais limitantes de decolagem,


vamos aprofundar o conceito de Velocidade de Decisão (V1) que abordamos
anteriormente. Uma melhor compreensão dessa importante velocidade é
fundamental para que o piloto possa operar com pesos de decolagem otimizados.

112
Teoria de Voo de Alta Velocidade

Figura 2.13 – Representação gráfica da relação entre a V1 e o Peso de Decolagem, para um comprimento
de pista fixo.

Fonte: Adaptado de EMBRAER (2001).

Com base na figura anterior, podemos observar que, para um comprimento de


pista fixo (assim como fixos a altitude, a temperatura e a posição dos Flapes), um
incremento na V1 resultará na disponibilidade de um maior peso de decolagem
(considerando “Accelerate-Go”, ou seja, prosseguir na decolagem após a V1),
devido à redução de tempo e de distância para aceleração entre a VEF e a VR,
mas um menor peso de decolagem considerando a execução de uma rejeição
de decolagem (“Accelerate-Stop”), devido à maior quantidade de energia
cinética a ser absorvida durante a manobra de frenagem. Similarmente, uma V1
menor resulta em menor peso de decolagem (“Accelerate-Go”) e maior peso de
decolagem de rejeição (“Accelerate-Stop”).

A interseção das linhas “Continuar a decolagem” e “Abortar a decolagem”


define o peso máximo do avião (e a menor pista necessária para decolagem)
que satisfaz os critérios “Accelerate-Go” e “Accelerate-Stop”. Quando esse peso
é menor do que o Peso Limitado por Comprimento de Pista para a operação
com todos os motores (AEO), ele se torna o Peso Limitado por Comprimento de
Pista para decolagem (situação que pode ocorrer com aeronaves trimotoras ou
quadrimotoras) (SAINTIVE, 2011).

A decolagem é então descrita como em um “Peso Limitado por Comprimento de


Pista Balanceada”, pois as distâncias “GO” e “STOP” são iguais. É caracterizada
pelo fato de que o avião utilizará todo o comprimento da pista para atingir 35 pés,
no caso de prosseguir na decolagem após a V1, bem como para desacelerar e
parar a aeronave no caso de uma abortiva / rejeição (RTO) iniciada na V1. Quando
as distâncias AGD e ASD são iguais, dizemos que a Pista e a V1 correspondente
são “Balanceadas”. A figura abaixo ilustra essa situação.

113
Capítulo 2

Figura 2.14 – Representação do conceito de Pista Balanceada – ASD e AGD iguais

Fonte: EMBRAER (2001).

Você deve se recordar que, anteriormente, abordamos os conceitos de Stopway


e Clearway. Na ocasião, explicamos que tais “áreas” são empregadas para
“estender” o comprimento das pistas, e são, respectivamente, utilizadas para
desacelerar a aeronave ou permitir que prossiga na decolagem após a perda de
um motor. Então, em relação ao conceito de “Balanceamento de uma Pista”,
temos as seguintes situações:

Decolagem padrão em Pista Balanceada


Para uma decolagem com V1 e Pista balanceados, a distância horizontal que o avião
usa para subir até 35 pés é igual a distância necessária para parar o avião, após a V1.

Decolagem com Pista Desbalanceada por Clearway:


Se uma Clearway estiver disponível, o avião pode atingir 35 pés em um ponto
sobre a Clearway – ou seja, houve um alongamento da TODA (Takeoff Distance
Available), o que permite uma maior AGD (Accelerate and Go Distance). Com uma
TODA maior, é possível que o avião decole com um peso maior, devido a maior
distância disponível para atingir 35 pés. Entretanto, considerando-se somente
a existência da Clearway (ou seja, sem alteração da ASDA – Accelerate and
Stop Distance), o peso maior requer que seja selecionada uma V1 menor (em
comparação à V1 Balanceada).
Isso porque, com uma mesma ASDA, a aeronave ainda deve ser capaz de parar
na pista disponível. Lembre-se de que a Clearway não pode ser usada para parar a
aeronave, num caso de abortiva. Nessa situação, ao modificarmos a V1, dizemos
que o Comprimento da Pista e a V1 estão “Desbalanceadas” por uma Clearway.

Decolagem com Pista Desbalanceada por Stopway:


Empregando o mesmo pensamento do item anterior, em caso de existência de
uma Stopway, a distância disponível para parar o avião após a V1 é aumentada.
Isso permite um peso de decolagem maior, mas requer uma V1 igualmente maior
do que a V1 Balanceada, para garantir que o avião ainda possa alcançar a altura
de 35 pés até o final da pista (considerando que não há Clearway), no caso de
decidir-se em prosseguir na decolagem. Ao modificarmos a V1, dizemos que o
Comprimento da Pista e a V1 estão “Desbalanceadas” por uma Stopway.

114
Teoria de Voo de Alta Velocidade

A figura abaixo resume as três situações anteriores. O primeiro caso é de uma


pista Balanceada, com a AGD e ASD iguais e o peso de decolagem “W”. O
segundo caso é o de uma pista Desbalanceada por Clearway, sendo que o peso
de decolagem poderá ser maior do que “W”, porém, com a necessidade de
redução da V1 em relação à V1 Balanceada. No último caso, vemos uma Pista
Desbalanceada por Stopway, com um peso de decolagem que poderá ser maior do
que “W”, mas agora com a necessidade de uma V1 maior do que a V1 Balanceada:

Figura 2.15 – Representação de Pista e V1 Balanceadas e Desbalanceadas

Fonte: Adaptado de EMBRAER (2001).

Na imagem acima, percebe-se que há um aumento da AGD e da ASD. Tais


aumentos não são necessariamente iguais, ou seja, do mesmo comprimento, pois
dependerão do tamanho da Clearway / Stopway. A influência de cada uma no
aumento da disponibilidade de peso também irá depender de outros fatores como
a altitude, a temperatura e o coeficiente de atrito da pista. Via de regra, Clearways
costumam ser maiores do que as Stopway, em comprimento. Agora, repare na
figura abaixo:

115
Capítulo 2

Figura 2.16 – Relação entre Peso Máximo de Decolagem, V1, Stopway e Clearway

Fonte: Adaptado de EMBRAER (2001).

A V1 OPT é a V1 otimizada, calculada usando tanto a Clearway quanto a


Stopway disponível. No gráfico da figura anterior, V1 CLW, V1 SWY e V1 OPT são V1
“Desbalanceadas”. O peso máximo de decolagem limitado pela pista (limitante
de peso determinado pela pista de decolagem) é WOPT, e V1 OPT pode ser maior
ou menor que V1 BAL (V1 “Balanceada”), dependendo de qual fator afeta mais o
aumento de peso – a Clearway ou a Stopway.

Como regra geral, V1 CWY será sempre menor que V1 BAL, e V1 SWY será sempre
maior que V1 BAL (o uso da Clearway diminui a V1 e o uso da Stopway aumenta a V1).

Agora, repare na próxima figura. Nela, é possível observar que existe uma faixa
de V1 válida, que pode ser usada se o peso real de decolagem for menor do
que o Peso Máximo de Decolagem Limitado Pelo Comprimento de Pista.
O uso da menor V1 da faixa resultará na aeronave atingindo a altura de 35 pés
(prosseguir na decolagem) no final da pista, mas parando a aeronave antes do
final da pista (no caso de abortiva na V1).

Já o uso da maior V1 da faixa resultará na aeronave atingindo a altura de 35 pés


(prosseguir na decolagem) antes do final da pista, mas parando a aeronave no
final da pista após a V1 (aceleração-parada).

O uso de uma V1 entre o menor e o maior valor resultará em uma AGD e uma
ASD inferiores ao comprimento total da pista.

116
Teoria de Voo de Alta Velocidade

Figura 2.17 – Representação de Faixa de V1

Fonte: Adaptado de EMBRAER (2001).

A fim de simplificar os procedimentos dos pilotos em relação à determinação das


velocidades de decolagem, algumas empresas aéreas preferem usar o conceito
de uma V1 fixa. Digamos, por exemplo, que uma companhia aérea tenha
decidido sempre usar uma V1 igual à VR.

Nesse caso, o procedimento para o piloto determinar a V1 é simplificado (V1 será


sempre igual à VR, independentemente do peso, temperatura ou vento de decolagem).
Porém, como resultado, o peso máximo de decolagem limitado pelo comprimento da
pista poderá ser penalizado em alguma situação (conforme figura anterior, sempre que
a V1 for distinta da V1 Balanceada). Se o operador da aeronave a emprega em pistas
grandes e localizadas em baixas altitudes, provavelmente o emprego de uma V1 fixa
não causará impactos no peso de decolagem (avaliando-se somente o comprimento da
pista, sem levar com conta a existência de obstáculos após a decolagem, por exemplo).

Em cálculos de desempenho de decolagens desbalanceadas, onde um intervalo


de V1 pode ser usado, pode ocorrer que o melhor resultado encontrado para
a V1 seja menor do que a V1 MIN (recorde o conceito de V1 Mínima, visto
anteriormente). Isso ocorre com mais frequência em cálculos de decolagem para
pistas molhadas e escorregadias, em que a V1 é baixa devido ao prejudicado
desempenho de aceleração e parada da aeronave (ou seja, a V1 é reduzida para
permitir que a mesma possa desacelerar e parar nos limites da pista após a V1,
constatada uma emergência que justifique essa manobra abortiva).

Quando isso ocorre, é necessário selecionar uma relação V1 / VR mais alta,


penalizando assim o peso de decolagem. Neste caso, dizemos que o peso de
decolagem é limitado pela V1 MIN.

Em algumas situações, é possível superar a limitação da V1 MIN reduzindo


o empuxo dos motores da aeronave, ou seja, aumentar o peso de decolagem
diminuindo o empuxo de decolagem. Isso parece contraditório, mas não o é. É
possível porque uma redução da potência dos motores (uso de empuxo reduzido/
degradado) resultará em uma redução da VMCG, reduzindo assim a V1MIN.

117
Capítulo 2

As modernas aeronaves contam com computadores que controlam a potência dos


motores, com base em diversos fatores como temperatura e altitude pressão. Tais
aeronaves costumam contar com diversos regimes de potência disponíveis, que
podem ser facilmente selecionados pelos pilotos. Usualmente, tais regimes podem
ser: Potência de Decolagem, Potência de Subida, Potência de Cruzeiro e Potência
Máxima de Uso Contínuo. O regime de Potência de Decolagem pode ser dividido
em dois ou mais regimes, para permitir a degradação da potência em relação ao
regime normal de decolagem, conforme abordaremos rapidamente a seguir.

Emprego de Potência Degradada de Decolagem (Decolagem com Tração Reduzida)


Os motores de uma aeronave são desenhados para disporem de um determinado
empuxo nominal para empregar nas decolagens. Usar mais do que esse empuxo
nominal não é permitido como um procedimento usual, porque isso afeta
seriamente a vida útil do motor (que irá operar com temperaturas mais altas).
Entretanto, já o caso oposto é viável. Se o peso de decolagem da aeronave
estiver muito abaixo do limitante de decolagem, e as velocidades associadas
forem recalculadas para um novo regime, então poderá ser usado um valor
menor que o empuxo nominal de decolagem.

Então, o que acontece na prática? Um voo está programado para acontecer. A


tripulação recebe o brifim do despacho operacional e prossegue para o avião.
Após tomar ciência das condições atualizadas do aeródromo e do carregamento
da aeronave, a análise da pista deve ser verificada com o peso correto e final da
aeronave. Vamos supor que o peso real da aeronave seja de 17.000 Kg e o peso
máximo de decolagem, para as condições que se apresentam considerando a
potência máxima nominal de decolagem, seja mostrado na análise da pista como
sendo de 20.000 Kg. Isso significa que o empuxo de decolagem nominal será
maior do que o empuxo necessário para decolar.

Então, o uso de empuxo reduzido tem a grande vantagem de “economizar” os


motores, diminuindo a temperatura de operação da turbina. A longo prazo, essa
economia é muito significativa em termos de tempo entre revisões e de custos de
revisão dos motores, o que influi nos custos operacionais da empresa e aumenta
a sua eficiência (EMBRAER, 2001).

Os procedimentos de decolagem com tração reduzida devem garantir que a redução


de tração nunca seja superior a 25% da tração máxima de decolagem disponível
(lembrando que a decolagem com tração reduzida é uma operação certificada
pelos órgãos homologadores e que cumpre com todas as margens de performance
requeridas). No caso das aeronaves Boeing 737-700, por exemplo, a operação com
tração reduzida é realizada utilizando o “Método da Temperatura Assumida”, o qual
se baseia em considerar que a temperatura local é superior à real, obtendo-se uma
tração de decolagem suficiente para o peso real de decolagem.

118
Teoria de Voo de Alta Velocidade

Para um peso de decolagem e OAT fixos, a utilização de tração reduzida de


decolagem, ao invés de tração máxima de decolagem, resulta numa operação
mais próxima dos limites de performance da aeronave.

Bem, nesse ponto você pode estar se perguntando: ora, ocorrendo a perda de um
motor durante a decolagem, o fato de utilizar uma potência reduzida não comprometerá
o desempenho da aeronave para prosseguir na decolagem e, posteriormente,
comprometer também o desempenho nos segmentos de subida? A resposta é não. As
aeronaves que operam com regimes de potência de decolagem degradada, que são
definidos automaticamente por sistemas computacionais, possuem uma lógica que
comanda o emprego de potência máxima de decolagem nos motores em operação,
sempre que ocorre a perda de um dos motores nessa fase. Assim, ao perder um motor,
por exemplo, os motores restantes são acelerados automaticamente para a potência
máxima de decolagem, para garantir adequado desempenho nas fases seguintes. Na
ocorrência de falha ou inexistência de automação, ou no caso de emprego do Método de
Temperatura Assumida, os pilotos podem a qualquer momento avançar os manetes de
potência até o máximo do regime de decolagem.

Em complemento, seguem algumas considerações usuais sobre o emprego do


Método de Temperatura Assumida, para uso de tração de decolagem reduzida:

• a utilização de tração reduzida é proibida em pistas contaminadas


(água, neve, slush (mistura de neve e sujeira), gelo) ou com antiskid
da aeronave inoperante;
• não é recomendada a utilização de tração reduzida se existirem
condições meteorológicas potenciais para a formação de Windshear,
no segmento de decolagem; e
• é permitida a utilização de tração reduzida em pistas molhadas,
desde que sejam utilizadas as análises de decolagem calculadas
para a condição “Wet”.

Afinal, quais são as vantagens de uso de cada método de tração reduzida? O


método da “temperatura assumida” tem a vantagem de permitir um ajuste fino
da redução. Por outro lado, o método de “redução automatizada da tração” é
mais simples porque o piloto não precisa ajustar os manetes de potência. Eles
são simplesmente movidos para a posição de decolagem, com a correta seleção
do regime selecionado. Esse último método também tem a vantagem de produzir
dados estatísticos mais consistentes sobre a vida útil do motor, porque os dados
de voo podem ser agrupados em dois tipos de decolagem somente (“com” ou
“sem” tração reduzida). O uso do método da “temperatura assumida” resulta em
dados estatísticos onde em cada decolagem os parâmetros de potência do motor
são selecionados de forma diferente (EMBRAER, 2001).

119
Capítulo 2

Bem, até o momento abordamos quadro dos sete fatores de ensaio que podem
limitar o peso de uma decolagem. Foram eles: Limitante por Pista, Limitante por
Freios, Limitante por Pneus e Limitante por V1 Mínima. Para complementar o
nosso estudo, passaremos a tratar dos demais limitantes de decolagem, quais
sejam: Limitante por Trajetória de Decolagem, Limitante por Obstáculos e
Limitante por tempo de uso da Potência Máxima de Decolagem.

1.1.2 Peso Máximo de Decolagem Limitado por tempo de uso da


Potência Máxima de Decolagem
A maioria dos motores das modernas aeronaves é certificado para operar em
regime de Potência Máxima de Decolagem por um período máximo de 5 ou 10
minutos. Como o empuxo de decolagem é usado até o final do 3º segmento, uma
restrição de tempo de 5 / 10 minutos entre a liberação dos freios e a aceleração
até o voo nivelado para alcançar a VFS deve ser observada.

Se o tempo para atingir o final do 3º segmento exceder 5 minutos (ou 10 minutos,


dependendo da aeronave), o peso de decolagem deve ser diminuído para permitir
melhores gradientes de subida e de aceleração. Esse peso reduzido é chamado
de Peso Máximo de Decolagem Limitado por Tempo de Uso da Potência de
Decolagem (ou 5 / 10 -Minutes Thrust Limited Takeoff Weight, em inglês).

O Peso de Decolagem Limite de 5 / 10 Minutos é também conhecido como


Peso Máximo de Decolagem Level-Off, pois para cada altitude de nivelamento
escolhida (trecho necessário para recolher os Flapes e acelerar para a VFS), há um
peso máximo associado, que resultará na conclusão do período de 5 / 10 minutos
ao final do 3º segmento. Relembrando, a Altitude Máxima de Nivelamento
(“Maximum Level Off”), para um determinado peso da aeronave, é a altitude
máxima em que o 3º segmento pode ser completado, antes que o limite de tempo
de uso da potência de decolagem seja atingido.

O assunto que vamos tratar agora refere-se aos 2º, 3º e 4º Segmentos. Os


Segmentos 2 e 4 requerem a adoção de gradientes mínimos de subida, e os três
Segmentos podem ser influenciados pela presença de obstáculos.

1.1.3 Peso Máximo de Decolagem Limitado por Trajetória de Decolagem


O Peso de Decolagem Limitado por Trajetória de Decolagem (Climb Limited
Takeoff Weight, em inglês), também conhecido como Peso de Decolagem
Limitado por Altitude e Temperatura, está relacionado a gradientes mínimos
de subida ao longo da trajetória de voo de decolagem. Como apresentamos
anteriormente, a trajetória de voo de decolagem é dividida em vários segmentos,
conforme relembramos a seguir:

120
Teoria de Voo de Alta Velocidade

Figura 2.18 – Perfil de decolagem e seus Segmentos, para fins de certificação

Fonte: EMBRAER (2001).

Vamos iniciar com a análise do Segundo Segmento. Assim, primeiramente,


relembre os gradientes de certificação necessários de serem atendidos, nessa fase
da decolagem, pela revisão dos conceitos dos Segundo e Quarto Segmentos:

O Segundo Segmento começa quando o trem de pouso é totalmente recolhido e pode


estender-se a qualquer ponto em que a aeronave nivele para iniciar uma aceleração (para
recolhimento dos Flapes e captura da VFS), sempre acima da altura mínima de 400 pés.
Como estudamos anteriormente, o limite superior é ditado pela necessidade de livrar
obstáculos, ou pelo ponto em que a potência de decolagem dos motores remanescentes
deva ser reduzida para o regime “Máximo Contínuo”, no Terceiro Segmento, após o
recolhimento dos Flapes e aceleração para a Velocidade do Segmento Final de Subida (VFS).

O segmento é realizado com a configuração de trem de pouso recolhido e Flapes na posição


de decolagem. Além disso, nenhuma mudança de potência pode ser feita pelo piloto,
até que a aeronave atinja ao menos 400 pés acima da superfície da pista. Os gradientes
de subida bruta exigidos devem garantir ao menos 2,4% para aeronaves bimotoras,
2,7% para aeronaves trimotoras e 3,0% para aeronaves quadrimotoras. Durante este
segmento, a aeronave deve manter a velocidade o mais próximo possível da V2.
O Quarto Segmento – Segmento de Subida final de decolagem compreende o segmento
existente a partir da altura de aceleração escolhida, até uma altitude de ao menos 1500
pés. Os gradientes brutos de subida para este segmento não podem ser inferiores a
1,2% para aeronaves bimotoras, 1,5% para aeronaves trimotoras e 1,7% para
aeronaves quadrimotoras, voados a uma velocidade não inferior a 1,25 Vs.

No Quarto Segmento, os gradientes de subida mínimos consideram que os motores


em operação restantes não mais utilizam o regime de potência máxima de decolagem,
mas sim o de potência “Máximo Contínuo”.

121
Capítulo 2

Bem, assim, o Peso Máximo de Decolagem Limitado por Trajetória de Decolagem


(Climb Limited Takeoff Weight) é o peso máximo no qual o gradiente de subida
da aeronave, em cada segmento de decolagem, é igual ou acima dos gradientes
mínimos exigidos. Normalmente, o gradiente de subida do Segundo Segmento é
o mais limitante entre todos os requisitos de gradientes, mas isso não pode ser
considerado como uma regra. Assim, ao pretender efetuar uma decolagem com
determinado peso, o operador deverá certificar-se de que a aeronave é capaz de
cumprir os gradientes mínimos dos segmentos de decolagem. Caso não sejam
atingidos, o peso deverá ser reduzido.

Apesar do Primeiro Segmento de decolagem também requerer gradientes mínimos de


subida, esses valores são muito reduzidos e normalmente cumpridos sem dificuldade
pelas aeronaves (gradiente mínimo não exigido para aeronaves com dois motores –
exige-se apenas que seja positivo / gradiente de 0,3% para três motores / e gradiente
de 0,5% para aeronaves de quatro motores).

Como é usada a distância ao longo da trajetória (ou seja, a distância no ar), ao


invés da distância em relação ao solo, o vento não possui influência no gradiente
de subida na fase de decolagem. Para uma certa configuração da aeronave e
empuxo de decolagem, o gradiente de subida (e como consequência, o peso
limitado de subida na fase de decolagem) é uma função dos fatores externos
temperatura e altitude (e de seleções de dispositivos e sistemas da aeronave,
como os Flapes, segundo o que já estudamos anteriormente). Decolagens a partir
de aeródromos localizados em elevadas altitudes (como o aeroporto da capital
brasileira, por exemplo) normalmente possuem pesos limitados por gradientes de
subida, na fase de decolagem.

Importa observar que, uma aeronave que decola sem problemas no motor, ou
qualquer outra emergência grave que prejudique seriamente seu desempenho, fará
uma subida constante (sem necessidade de nivelamento para recolher os Flapes)
durante os segmentos de decolagem até 1500 pés, quando iniciará sua subida em
rota, sempre com gradientes muito superiores aos mínimos que vimos há pouco.

1.1.4 Peso Máximo de Decolagem Limitado por Obstáculos


Ao efetuar uma decolagem, o operador deve estar atento à existência de
elevações em rota e na aproximação para o pouso, como regiões de serra. Da
mesma forma, a análise de obstáculos no entorno do aeroporto, na trajetória de
decolagem, deve ser muito bem avaliada. Isso porque, numa fase crítica como a
decolagem, onde o avião está empregando baixas velocidades e elevado peso, o

122
Teoria de Voo de Alta Velocidade

rendimento de subida pode ser subitamente comprometido por conta de alguns


tipos de emergência, e os pilotos podem se ver impossibilitados de livrar em
altitude tais elevações. Durante a decolagem, não apenas morros e montanhas
podem representar riscos à subida, mas até mesmo edifícios, antenas de
transmissão e monumentos localizados relativamente próximos à pista.

Assim, as regras de certificação devem assegurar que, ao decolar, uma aeronave


seja capaz de ultrapassar em altitude e com segurança tais obstáculos, ao
verificar se a trajetória de voo de decolagem (conforme definido abaixo) elimina
todos os obstáculos em pelo menos 35 pés na vertical.

A “Trajetória Líquida” de voo na decolagem (Net Flight Path, em inglês) é


assim definida: é uma trajetória de voo calculada para verificar a superação
de obstáculos. Ela se inicia no ponto de altura de 35 pés e deve ser calculada
subtraindo as seguintes margens dos gradientes de subida quando OEI (One
Engine Inoperative – operação com um motor inoperante), em relação ao
gradiente bruto / real de subida (Gross Flight Path, em inglês):

• 0,8% para aeronaves bimotoras;


• 0,9% para aeronaves de três motores; e
• 1,0% para aeronaves de quatro motores.

Essas margens são um fator de segurança para garantir a superação de


obstáculos, em caso de erros introduzidos durante o planejamento da decolagem, e
para permitir desempenhos de subida piores do que o esperado. Os gradientes de
subida OEI subtraídos por essas margens são chamados de gradientes líquidos.

Embora a altura que uma aeronave deva atingir ao fim da pista, durante uma
decolagem em pistas molhadas / contaminadas / escorregadias seja de 15 pés,
a trajetória de decolagem é considerada como partindo de 35 pés (demais casos
de operação, ou seja, pistas secas). Na verdade, no caso de operação nas pistas
prejudicadas, a trajetória de decolagem pode ser considerada a partir da altura de
15 pés, mas a altura necessária para livrar os obstáculos será de 15 pés, ao invés
de 35 pés. A figura abaixo esclarece essa questão.

123
Capítulo 2

Figura 2.19 – Regras para Ultrapassagem de Obstáculos, durante a decolagem

Fonte: Adaptado de EMBRAER (2001).

Em complemento à figura anterior, repare no esquema a seguir. Os segmentos de


decolagem devem ser capazes de levar a aeronave a uma subida segura, livrando
todos os obstáculos que se apresentarem ao longo da trajetória.

Figura 2.20 – Ultrapassagem de obstáculos na decolagem – trajetórias bruta e líquida

Fonte: Saintive (2011).

Ainda analisando a figura anterior, como o gradiente de subida é menor na


trajetória líquida do que na trajetória bruta, na trajetória líquida a distância
percorrida no segmento de aceleração (nivelado) será maior do que aquele na
trajetória bruta. Consequentemente, haverá um alongamento da trajetória nivelada
(distância “D” da figura). Ao final do Terceiro Segmento, a aeronave já deverá estar
“limpa” – com trem e Flapes recolhidos, e atingido a velocidade final de subida
(VFS), que deverá ser mantida em subida com potência dos motores no regime
“máximo contínuo” ao menos até 1500 pés.

Existem algumas maneiras de se planejar uma decolagem, no sentido de garantir


que os obstáculos existentes sejam ultrapassados em altitude. Logicamente, caso
não seja possível livrar tais obstáculos em altitude e lidando com uma emergência,
os pilotos podem planejar ou solicitar a subida inicial a partir de uma rota alternativa,

124
Teoria de Voo de Alta Velocidade

livrando os obstáculos lateralmente. Entretanto, é preciso ter em mente que isso


nem sempre é possível, pois muitas vezes a aeronave deve seguir um determinado
perfil de decolagem por instrumentos. Tal questão deve ser observada antes da
decolagem e levar, por exemplo, à decisão de reduzir o peso de decolagem.

Algumas empresas possuem análises de decolagem específicas e alternativas,


realizadas junto às autoridades aeronáuticas do país, que abandonam o perfil
de subida publicado nas cartas aeronáuticas e seguem outra trajetória, diante
da incapacidade de livrar obstáculos. Tais trajetórias são utilizadas somente em
casos de emergência.

Em termos de planejamento, para que a aeronave cumpra os requisitos de


certificação para livrar obstáculos, os seguintes métodos podem ser empregados.
O primeiro passo para verificar a superação de obstáculos em uma decolagem
é por meio da escolha de uma trajetória de voo baseada no Peso Limitado pelo
Comprimento da Pista (situação “A” da figura abaixo). Nesse caso, a trajetória de
voo começa a 35 pés, exatamente no final da pista.

Se a trajetória de voo não eliminar os obstáculos em 35 pés, é necessário


reduzir o peso de decolagem, a fim de aumentar o gradiente de subida, até que
a trajetória líquida de voo permita a superação de todos os obstáculos.

Existem três maneiras de fazer essa redução de peso, descritas abaixo:

• O primeiro método (situação “B” da figura abaixo) é reduzir o peso


de decolagem não alterando a distância de decolagem. Nesse caso,
o ponto em que a trajetória de voo começa permanece o mesmo (35
pés no final da pista) e o peso de decolagem é reduzido até que o
gradiente de subida aumentado permita a superação de obstáculos;
• O segundo método (situação “C” da figura abaixo) é reduzir o peso
de decolagem, levando em conta a menor distância de decolagem,
mas mantendo o “balanceamento” da pista (reveja o conceito de
Pista Balanceada, visto anteriormente);
• O terceiro método (situação “D” da figura abaixo) é reduzir o peso
de decolagem levando em conta a menor distância de decolagem,
mas usando toda a pista disponível para acelerar e parar (ou seja,
“desbalanceando” a decolagem).

125
Capítulo 2

Figura 2.21 – Métodos para livrar / obstáculos na decolagem

Fonte: Adaptado de EMBRAER (2001).

O peso W mostrado na situação “A” é o peso limitado pelo comprimento de


pista (neste caso, perceba que a aeronave não é capaz de livrar os obstáculos
existentes na trajetória de subida). Os métodos mostrados nas situações “B”, “C”
e “D” resultarão em diferentes Pesos de Decolagem Limitados por Obstáculos
W1, W2 e W3, respectivamente, os quais promovem a superação do obstáculo
(ou obstáculos). De forma simplificada, podemos afirmar que W > W3 > W2 > W1.

Como explicado acima, o método “D” resultará no maior peso de decolagem


que permitirá superar os obstáculos, ao “desbalancear” a pista. Esse
desbalanceamento resultará em uma elevada V1, eventualmente igual à VR.

Nesse ponto, cabe uma outra consideração a ser feita, no tocante à possibilidade
de modificarmos o valor inicial da V2 para conseguirmos um rendimento
ainda melhor da aeronave no Segundo Segmento de decolagem. O efeito da
variação da V2 é similar ao observado quando da variação de Flapes para a
decolagem, tratado anteriormente. Então, surge o conceito de “Improoved Climb
Performance” – ou Performance Melhorada de Subida, que se encontra disponível
para algumas aeronaves e possibilita incremento no seu gradiente de subida, no
Segundo Segmento de decolagem.

Assim, quando o peso máximo de decolagem for limitado pelos segmentos de


decolagem (“climb limit”, e não pela pista (“field limit”), significa que teremos um
excesso de pista disponível para a operação de decolagem, e provavelmente será
possível (quando disponível nas tabelas fornecidas pelo fabricante da aeronave)
empregar o Improoved Climb Performance por meio da alteração da V1, VR e V2.
Já estudamos anteriormente a questão de alterarmos a V1 e VR para obtermos

126
Teoria de Voo de Alta Velocidade

ganho de peso. Analisando-se os gráficos de potência disponível versus arrasto,


verifica-se que existe uma V2 maior do que a V2 original, que garante um
gradiente de subida ainda maior, com um peso de decolagem maior do que
o original. Esse ponto da curva de velocidade versus razão de subida é o que
fornece a maior diferença entre a Tração e o Arrasto (SAINTIVE, 2011).

Repare na próxima figura. Intuitivamente, ao aumentarmos a V2 estaríamos


aumentando o arrasto total, correto? Bem, isso não é verdade até um certo limite,
haja vista que em velocidades baixas predomina o arrasto induzido e, na verdade,
um pequeno aumento na velocidade significa uma redução do arrasto total. Para
subirmos com maiores gradientes nos segmentos de decolagem, é preciso que a
tração disponível seja o quanto maior o possível em relação ao peso e ao arrasto
do avião. É dessa maneira, então, que se conseguem incrementos de gradiente
de subida ao “maximizarmos” a V2.

Figura 2.22 – Redução do arrasto, consequente do aumento da V2

Fonte: Saintive (2011).

Logicamente, ao aumentarmos a V2 também influenciaremos a V1 e a VR (que


também sofrerão aumento), isso implica que, para alcançar o novo valor de V2
proposto, o excedente de pista originalmente disponível deve ser suficiente para
permitir tais acréscimos. Assim, após obtermos as novas V1, VR e V2 na tabela de
“Improoved Climb Performane” da aeronave, devemos nos certificar de que nenhum
outro limitante de pista será penalizado com o aumento de tais velocidades, e com o
consequente acréscimo de peso de decolagem disponibilizado.

Agora que você já conhece os requisitos de certificação para uma decolagem,


podemos abordar rapidamente uma pergunta: o que influencia a decisão do
piloto, entre abortar uma decolagem ou prosseguir na mesma, após verificar
a ocorrência de uma emergência durante a corrida de decolagem? Ou seja,
no linguajar da aviação – “GO ou NO GO”?

127
Capítulo 2

Vários fatores influenciam na decisão de abortar ou não uma decolagem, e


poderíamos destinar um capítulo deste material didático exclusivamente para tal,
o que logicamente não é a nossa intenção. De uma maneira geral, e para facilitar
essa compreensão, as corridas de decolagem são divididas em dois momentos:
a) regime de baixa velocidade (low speed) – trecho entre a aeronave parada,
até atingir a velocidade de 80 Kt ou 100 Kt; e b) regime de alta velocidade (high
speed) – trecho entre o momento em que a aeronave cruza o regime de baixa
velocidade, até a V1.

Você já compreendeu que uma aeronave pode abortar qualquer decolagem antes
da V1, teoricamente com segurança. Entretanto, a história nos conta que muitas
abortivas de decolagem, iniciadas no limite superior do regime de alta velocidade,
resultaram em acidentes com a aeronave, ultrapassando os limites da pista,
com danos estruturais à aeronave ou aos seus passageiros, até mesmo com a
ocorrência de fogo (incêndio originado nos sistemas de freios).

Segundo Saintive (2011), das 230 milhões de decolagens ocorridas entre 1959
e 1990, 400 pessoas morreram em 74 acidentes / incidentes aeronáuticos,
originados em abortivas de decolagem. Parcela significativa dessas abortivas
foram realizadas em situações onde o limitante de decolagem não era o
comprimento da pista, ou seja, havia excesso de pista entre 10% e 300% além
do mínimo necessário. Ainda segundo o autor, no mesmo período não houve
relato de nenhum acidente aéreo por conta de uma aeronave ter prosseguido na
decolagem, após uma falha durante a corrida no solo.

Analisemos outro dado interessante: até o ano de 2000, cerca de 76% dos
motivos que levaram aeronaves da Boeing Co a efetuar uma abortiva / rejeição
de decolagem (RTO – Rejected Takeoff), em regime de alta velocidade, não
estavam relacionados com falhas de motor. Isso indica que, muito provavelmente,
a maioria dessas RTO poderia ter sido evitada. Ainda com respeito a essas
estatísticas, 58% de todas as aeronaves envolvidas em acidentes, em virtude de
uma RTO, decidiram pela abortiva acima da V1.

As causas que levaram as tripulações das aeronaves acima descritas a efetuarem


uma abortiva estão relacionadas à colisão com pássaros, a problemas nos pneus,
à falta de coordenação de cabine e ao acendimento de luzes de alarme. É preciso
compreender que falhas em sistemas de alarmes na cabine são possíveis de
acontecer, e podem levar a uma decisão prematura de RTO.

As decisões de abortar uma corrida de decolagem envolvem a análise de


diversos fatores: altitude, comprimento e condições da pista; temperatura; peso
da aeronave; gravidade da emergência; quantidade de combustível a bordo e
tempo necessário para efetuar o pouso (caso prossiga na decolagem); condições
meteorológicas e possibilidade de retorno ao aeródromo de decolagem e; a
identificação de qual fator limita o peso máximo de decolagem da localidade.

128
Teoria de Voo de Alta Velocidade

De qualquer forma, o tempo de decisão de que dispõem os pilotos, para iniciar


uma RTO ou prosseguir na decolagem, pode ser inferior a poucos segundos
ou ainda menos. Nesse sentido, reveste-se de importância a realização de um
detalhado brifim de decolagem, que contemple as variáveis listadas acima, antes
de cada decolagem.

Santive (2011) também afirma que o NTSB – agência de segurança de voo norte-
americana – concluiu que 80% dos acidentes ocorridos após uma abortiva de
decolagem poderiam ter sido evitados das seguintes maneiras: 55% continuando
a decolagem; 16% empregando técnicas corretas de desaceleração e parada; e
9% por meio de um melhor preparo do brifim de decolagem. Como orientação
geral, a decolagem de um aeródromo em que o peso seja limitado pelo
comprimento da pista é um “recado” para que o piloto seja muito criterioso, ao
decidir por uma abortiva de decolagem.

Então, de uma forma resumida, e considerando que na maioria das vezes é mais
seguro prosseguir na decolagem do que abortá-la, as seguintes considerações
podem ser feitas, oriundas de consenso de recomendações repassadas pelos
fabricantes de aeronaves em seus manuais operacionais. Tenha em mente o que
já expusemos anteriormente – a decisão de abortar uma decolagem deve ser feita
antes da V1 – qualquer tentativa de RTO acima de V1 pode causar acidentes, a
depender do comprimento e das condições da pista:

a. durante o regime de baixa velocidade (low speed), é possível


efetuar uma RTO em praticamente todas as situações, sendo
recomendada nos eventos a seguir:
· suspeita de estouro de pneus ou de falhas nos freios, ou de
vibrações e ruídos anormais na estrutura da aeronave;
· falha ou fogo nos motores ou na APU, ou fogo ou fumaça a
bordo;
· presença de materiais ou objetos que ofereçam risco à
aeronave, na pista;
· falhas em sistemas diversos, que possam prejudicar o voo ou o
pouso no destino.
b. durante o regime de alta velocidade (high speed), é recomendável
efetuar uma RTO somente nos eventos a seguir:
· falha ou fogo nos motores;
· fogo ou fumaça na cabine dos pilotos;
· qualquer outro problema de natureza grave, que implique em
riscos reais ao voo ou que impeça a aeronave de voar.

129
Capítulo 2

Perceba que os motivos que justificam uma abortiva em High Speed restringem-
se a situações realmente críticas. Muitos pilotos imaginam que seja recomendado
abortar uma decolagem nesse regime por outros motivos, por conta, por
exemplo, do estouro de um pneu. Entretanto, a tripulação precisa considerar que,
para efetuar uma RTO em segurança, a aeronave deve ter o sistema de freios,
das rodas e pneus em perfeitas condições de uso, ou poderá não ser possível
parar nos limites da pista. Nessa situação, normalmente o melhor a fazer é
prosseguir na decolagem. Um pneu estourado trará menos riscos no pouso, após
a aeronave consumir combustível e reduzir o seu peso, numa situação na qual
o piloto poderá dispor de todo o comprimento da pista para efetuar o pouso e a
desaceleração e parada.

Bem, nesse ponto chegamos ao final do estudo dos limitantes que caracterizam
uma decolagem. Você deve se recordar que abordamos de maneira rápida os
sete diferentes fatores que podem limitar uma decolagem, para os quais as
certificações de operação das aeronaves devem cumprir determinados requisitos.

Os limitantes aqui abordados foram: Limitante pela Pista (Field Limit), Limitante
por Freios (Brake Energy Limit), Limitante por Pneus (Tire Limit), Limitante
por V1 Mínima (V1 Min Limit); Limitante por Trajetória de Decolagem (Takeoff
Climb Limit), Limitante por Obstáculos (Obstacle Limit) e Limitante por tempo
de uso da Potência Máxima de Decolagem (5 / 10 Minutes Takeoff Thrust
Limit). Considerando apenas a fase de decolagem, o peso máximo disponível
para a decolagem deverá ser o MENOR dos sete – ou seja, o mais restritivo.

Para tal, todas as correções de altitude e pressão, temperatura do ar externo,


gradiente / rampa da pista, componentes de vento e superação de obstáculos
devem ser levados em conta no planejamento de uma decolagem, a fim de
confirmar a sua viabilidade. A figura abaixo resume o que estudamos sobre esse
assunto e relaciona cada um dos sete limitantes à fase correspondente durante
uma decolagem.

130
Teoria de Voo de Alta Velocidade

Figura 2.23 – Limitantes que determinam o peso máximo de uma decolagem

Fonte: Adaptado de EMBRAER (2001).

1.1.5 Limitação de Resistência de Pavimentos – Métodos PCN / ACN


Agora você já sabe que uma aeronave deve cumprir requisitos de desempenho
mínimos, na fase de decolagem, que acabam impondo restrições ao peso
máximo de decolagem. Porém, um outro fator deve ser analisado em conjunto
com os demais fatores limitantes que acabamos de estudar.

A regulamentação brasileira estabelece condições operacionais para a


infraestrutura aeronáutica disponível, entre as quais a compatibilidade entre a
resistência do pavimento e as aeronaves que o utilizam. Como um país membro
da Organização de Aviação Civil Internacional – OACI, o Brasil deve respeitar
os padrões e práticas recomendadas, constantes nos Anexos à Convenção
Internacional de Aviação Civil e documentos complementares. A OACI criou,
em 1977, e o Brasil adota a sistemática de classificar as pistas de pouso e de
decolagem segundo critérios de resistência do seu piso, o que tem por objetivo
determinar a sua capacidade em suportar uma determinada quantidade de peso.

O modo mais tradicional de demonstrar tal compatibilidade é a partir do método


ACN-PCN. O método ACN-PCN é aplicável em pavimentos destinados ao pouso
e à decolagem de aeronaves com mais de 5.700 kgf, e permite a determinação do
peso limite de uma aeronave operando a partir de um certo pavimento, por meio
da comparação entre duas figuras – o PCN (Pavement Classification Number) e o
ACN (Aircraft Classification Number). O PCN representa a resistência estrutural da
pista e o ACN é uma função do peso da aeronave (SAINTIVE, 2011).

131
Capítulo 2

Definições:

Segundo a Agência Nacional de Aviação Civil do Brasil, considera-se Número de


Classificação da Aeronave – ACN o número que expressa o efeito relativo de
uma aeronave com uma determinada carga sobre um pavimento, para uma
categoria padrão de subleito especificada. O ACN varia de acordo com o peso
e a configuração da aeronave (tipo de trem-de-pouso, pressão de pneu, entre
outros), o tipo de pavimento e a resistência do subleito (BRASIL, 2016).

Considera-se Número de Classificação do Pavimento – PCN o número que


expressa a capacidade de carga de um pavimento, sem especificar uma
aeronave em particular ou informações detalhadas do pavimento. O
método ACN-PCN tem por finalidade a aferição da resistência do pavimento,
em função das características da aeronave (expressa pelo ACN) e do pavimento
(expressa pelo PCN), sendo estruturado de maneira que um pavimento com
um determinado valor de PCN seja capaz de suportar, sem restrições, uma
aeronave que tenha um valor de ACN inferior ou igual ao valor do PCN do
pavimento, obedecidas as limitações relativas à pressão dos pneus.

Já Saintive (2011) define com outras palavras:

ACN – número que indica o efeito relativo de uma aeronave sobre um pavimento
de determinado grau de resistência, sendo esse número fornecido pelo fabricante
da aeronave à autoridade certificadora do país onde opere.

PCN – número que indica a resistência de um determinado pavimento, para


operação sem restrições. A resistência do pavimento será tanto maior quanto for
maior o PCN, para um mesmo tipo de pavimento e categoria do subleito.

Conforme BRASIL (2016), a determinação do PCN deve ser realizada a partir de


um dos seguintes métodos:

a. Método de avaliação técnica: consiste na determinação do


valor numérico do PCN a partir da obtenção da carga bruta
admissível que o pavimento suporta. São considerados fatores
como frequência de operações e níveis de tensão admissíveis,
obtendo-se a carga bruta da aeronave pelo processo inverso do
dimensionamento. Nesse método, é necessária a avaliação do
tráfego equivalente no aeródromo, considerando o efeito do tráfego
de todas as aeronaves. Uma vez obtida a carga admissível, a
determinação do valor do PCN torna-se um processo de obtenção
do ACN da aeronave que representa a carga admissível, tomando-
se esse valor como o PCN do pavimento; ou

132
Teoria de Voo de Alta Velocidade

b. Método experimental: consiste na determinação dos valores de


ACN de todas as aeronaves usualmente autorizadas a utilizar um
determinado pavimento. Considera-se como o PCN do pavimento o
maior entre esses valores.

O PCN de um pavimento é apresentado por meio de um código que utiliza, nessa


ordem, os seguintes elementos: a) valor numérico do PCN; b) tipo de pavimento;
c) resistência do subleito; d) pressão de pneus; e e) método de determinação.

O valor numérico do PCN é uma indicação da resistência de um pavimento


em termos de uma carga de roda simples padrão. O valor do PCN deve ser
determinado em números inteiros, arredondando-se as frações para o inteiro
mais próximo. Para pavimentos de resistência variável, o valor numérico de PCN
deve ser o correspondente ao segmento mais fraco do pavimento. O método de
determinação do valor numérico do PCN considera pressão de 1,25 MPa para os
pneus, a tensão de trabalho de 2,75 MPa no concreto para pavimentos rígidos
e quatro categorias de resistência de subleito. O tipo de pavimento deve ser
classificado: a) Pelo código “R”, para pavimentos rígidos (concreto); ou b) Pelo
código “F”, para pavimentos flexíveis (asfalto) ou mistos.

Exemplo: PCN 50 / F / A / X / T
   1  2  3  4

1 – Tipo de Pavimento:

R = Rígido / F = Flexível

2 – Resistência do Subleito:

A = Alta, B = Média, C = Baixa, D = Ultrabaixa

3 – Pressão máxima dos pneus autorizada para o pavimento:

W = Alta, sem limite de pressão;

X = Média (máxima de 217 psi)

Y = Baixa (máxima de 145 psi); e

Z = Muito Baixa (máxima de 73 psi).

133
Capítulo 2

4 – Método de Determinação:

T = Avaliação Técnica;

U = Avaliação experimental.

Mas, como podemos consultar, e de que maneira são definidos esses índices?
Os pilotos e operadores de aeronaves encontram as informações de PCN
de uma determinada pista nas documentações aeronáuticas emitidas pelas
autoridades aeronáuticas do país, e as informações de ACN nas publicações
operacionais do fabricante da aeronave (ou também em publicações oficiais
das autoridades aeronáuticas). No Brasil, as informações de PCN encontram-
se listadas no AIP/ROTAER, segundo a codificação padrão definida pela ICAO
exemplificada anteriormente.

A seguir, observe um exemplo de publicação emitida pela Agência Nacional de


Aviação Civil do Brasil (ANAC). Na porção da tabela apresentada na próxima figura,
constam exemplos de ACN de alguns tipos de aeronaves em operação no país.

Figura 2.24 – Exemplo de tabela para determinação de ACN

Fonte: BRASIL, (2016).

134
Teoria de Voo de Alta Velocidade

Por fim, segundo Saintive (2011), as operações das pistas de pouso e decolagem
podem considerar uma margem de segurança, para as chamadas “operações
com sobrecarga”. Assim, é estabelecido que em pavimentos rígidos o PCN
poderá ser extrapolado em 5% de seu valor e, em pavimentos flexíveis, em 10%.
Tais operações com sobrecarga não podem representar mais do que 5% do
número total de operações regulares anuais da pista. As operações de sobrecarga
com uma diferença de 50% ou mais no ACN em relação ao PCN só devem ser
realizadas em caso de emergência.

Seção 2
Performance de Subida, Cruzeiro, Descida e
Pouso de Aeronaves

2.1 Revisão Conceitual e Requisitos de Subida


Seguindo em nosso voo, após termos considerado os aspectos que influenciam
a performance de um avião na fase de decolagem, passamos agora a considerar
a fase seguinte, ou seja, a subida para o nível de cruzeiro. Lembre-se de que,
tecnicamente, a fase de subida se inicia após o fim do Quarto Segmento, em
uma altura mínima de 1500 Ft. Nesse ponto, a aeronave já terá recolhido os
trens de pouso, Flapes e outros dispositivos hipersustentadores, e estará em sua
configuração “lisa”, pronta para subir ao nível de cruzeiro (caso autorizado pelo
órgão de controle de tráfego aéreo para tal). Os aspectos que influenciam na
escolha do nível de cruzeiro serão abordados mais à frente.

A escolha do “tipo” de subida a ser empregada leva em consideração algumas


questões, das quais as principais serão abordadas neste item. Uma aeronave
pode subir com variadas velocidades, cada uma determinada para uma certa
faixa de altitude; ou com diferentes razões de subida (ft/min) ou, ainda, com
diferentes AOA (Ângulos de Ataque).

A fase de subida é sempre realizada com potência inferior àquela utilizada para a
decolagem. Durante a decolagem, procuramos ganhar velocidade o mais rápido
possível e temos que vencer a inércia e o atrito, mas o custo é uma exigência do
motor que não pode ser mantida por um longo período. Já estudamos que as
modernas aeronaves a jato possuem sistemas computacionais que controlam
a potência de seus motores para cada fase do voo, não permitindo que sejam
excedidos limites de temperatura que lhes possam causar danos irreversíveis.

135
Capítulo 2

Assim, para a decolagem utilizam-se os regimes pré-selecionados de potência de


decolagem (algumas aeronaves possuem variantes desse regime, com maior ou
menor tração disponível, como estudamos, no sentido de poupar o motor), e para
situações de emergência (como a perda de um motor na decolagem) utiliza-se o
regime de “Maximum Continuous Thrust” – regime de potência máxima contínua
(teoricamente sem limites de tempo de uso, mas que ainda faz o motor operar em
temperaturas elevadas).

Já para uma subida em rota, para a modificação de um nível de voo, para a


realização de “step climb” e para acelerar o avião quando atinge o nível de
cruzeiro, os motores são empregados no chamado regime de subida ou “Climb
Thrust”, o qual não apresenta limitação de tempo para uso.

Abreu e Pires (2016) relembram que a decolagem exige mais do motor do que
o voo nivelado, pois a força de sustentação deve ser maior do que o peso, mas
o regime utilizado deve ser adequado para a operação do motor por tempo
prolongado, sem prejuízos ao seu funcionamento ou ao seu tempo de vida.

A subida pode ser feita em diversos regimes de potência e de velocidade,


de acordo com o previsto nos manuais da aeronave. Destacamos aqui duas
velocidades que podem ser empregadas em um perfil de subida:

• Velocidade de melhor ângulo de subida (Vx) / melhor gradiente:


muitas vezes, o tempo em que se pretende atingir uma determinada
altura não é tão importante quanto a distância a ser percorrida para
tal. No caso de obstáculos na área de decolagem, é interessante
que seja usada uma velocidade na qual o ângulo de subida permita
atingir uma certa altura, com pouco deslocamento horizontal.
• Velocidade de maior razão de subida (Vy): nesta velocidade, a
aeronave atinge a maior altura em um determinado período de
tempo. Geralmente, é utilizada quando se pretende “livrar” uma altitude
crítica na qual o tráfego está muito congestionado, por exemplo.

A figura a seguir representa duas aeronaves que iniciam uma subida a partir de um
mesmo ponto. Uma delas usa a velocidade de melhor ângulo de subida; a outra,
a velocidade de maior razão de subida. É também representado na figura um
obstáculo em algum ponto adiante da rota, como uma montanha por exemplo.

136
Teoria de Voo de Alta Velocidade

Figura 2.25 – Melhor Ângulo de Subida (Vx) x Melhor Razão de Subida (Vy)

Fonte: Abreu e Pires (2016).

Observando a figura acima, vemos uma aeronave que, depois de um intervalo


de tempo, atingiu maior altitude. No entanto, se houvesse um obstáculo, teria
colidido com esse. A aeronave que está em um nível mais baixo conseguiria
livrar-se do obstáculo, porém, não atingiria a mesma altitude da outra no mesmo
intervalo de tempo.

A subida é possível quando a potência necessária para o voo nivelado, aquela


que iguala a intensidade da sustentação com o peso, é menor do que a potência
disponível. Quanto maior essa diferença, maior a razão de subida possível.

Figura 2.26 – Forças atuantes durante a subida da aeronave

Fonte: EMBRAER (2001).

A velocidade que define um maior ângulo de subida / gradiente máximo de subida


ocorre quando a aeronave tem a margem máxima entre o empuxo e o arrasto. A
velocidade que proporciona uma maior razão de subida (R/C) é sempre maior
do que a anterior, ou seja, a que garante um maior ângulo de subida.

137
Capítulo 2

Bem, sabemos que a redução da densidade do ar reduz a potência disponível dos


motores a jato. Sendo assim, à medida que a densidade do ar diminui, diminui
também a razão de subida. Como a densidade do ar diminui com a altitude,
concluímos que existe um limite de subida no qual a densidade do ar é tão
baixa que não há mais potência de reserva para subir. Neste caso, a potência
disponível é apenas suficiente para manter a aeronave em voo nivelado. Esse
limite é chamado de teto absoluto (ABREU; PIRES, 2016).

Consideramos que o desempenho da aeronave é relativo à massa de ar que


a circunda. Entretanto, na presença de ventos, essa massa de ar também se
deslocará em relação ao solo. Podemos afirmar que o vento não tem influência
na razão de subida, visto que o tempo para atingir determinada altura não é
afetado pelo movimento horizontal da massa de ar. No entanto, o vento de cauda
leva a aeronave para frente enquanto ela sobe, e isso é o mesmo que reduzir o
ângulo de subida. Da mesma forma, o vento de proa aumenta o ângulo de
subida, que também é maior com alta densidade do ar, baixo peso, alta potência
disponível e maior área da asa.

Já a razão de subida é maior com alta densidade do ar, baixo peso, alta
potência disponível e menor área da asa. Densidade, peso e potência
interferem igualmente na sustentação – em linhas simples, a área da asa tem
influência direta na sustentação, porém, prejudica a velocidade.

O objetivo básico de se efetuar uma subida é para que a aeronave atinja o


nível de cruzeiro ideal para a rota que se pretenda voar. Você já sabe que o
desempenho em termos de velocidade e de economia de um avião a jato são
muito dependentes da altitude em que se pretende voar. A baixas altitudes,
o consumo de combustível é muito elevado, e a aeronave não desenvolve
velocidades verdadeiras elevadas, o que torna o voo muito ineficiente em termos
de custo operacional e de tempo.

Assim, uma vez escolhido o nível de cruzeiro a ser alcançado (que dependerá,
como veremos mais adiante, de alguns fatores como o peso da aeronave, os
ventos reinantes em altitude, as condições meteorológicas, a distância a ser
percorrida na rota, as elevações a serem sobrevoadas, e a disponibilidade
daquela altitude em termos de tráfego aéreo), restará ao piloto decidir de que
maneira irá realizar a subida.

Normalmente, a subida em aeronaves comerciais a jato é realizada em termos


de velocidade indicada, até uma certa altitude e, a partir dessa, em termos da
manutenção de um determinado Número Mach. Os aspectos considerados a
seguir irão determinar qual tipo de subida a aeronave realizará para atingir um
determinado nível de cruzeiro:

138
Teoria de Voo de Alta Velocidade

• Melhor razão de subida: ou seja, o menor tempo possível para se


atingir uma determinada altitude;
• Maior ângulo de subida (maior gradiente): ou seja, nos casos de
necessidade de se livrar obstáculos em rota, e ao final da subida
obter-se a menor distância para atingir uma determinada altitude.
Também empregado para os casos de necessidade de abatimento
de ruído (em alguns aeroportos e regiões habitadas, é comum a
exigência de que a aeronave cumpra uma parte de sua subida de forma
a superar determinadas altitudes o mais rápido possível);
• Menor consumo de combustível;
• Menores custos operacionais;
• Menor tempo total de voo; e
• Simplicidade na operação da aeronave.

Assim, o operador de uma aeronave comercial poderá levar em conta um ou mais


dos fatores listados acima, para definir padrões de subida em rota que atendam
aos critérios desejados. Em se tratando de aeronaves de linhas comerciais
regulares, onde há uma grande variedade de aeronaves e de tripulações
distintas, três fatores principais são levados em conta: economicidade,
segurança, conforto e simplicidade de operação.

Quanto à economicidade, o operador pode levar em conta diversos quesitos


como o tempo total de voo da etapa; o consumo de combustível em um
determinado regime de velocidade de subida; a temperatura de operação da
turbina por longos períodos e a consequente necessidade de prolongar a sua vida
e reduzir os custos de manutenção. Uma subida com velocidade muito elevada
pode acelerar o desgaste dos motores, na medida em que a aeronave levará
mais tempo para alcançar o regime de cruzeiro, empregando potência de subida.
Nesse caso, haverá um ligeiro decréscimo no tempo total do voo, mas que
poderá não ser compensado em termos econômicos a longo prazo.

No que tange à segurança, há que se observar fatores como a existência de


formações meteorológicas no segmento de subida. Uma aeronave voando
em velocidades muito elevadas poderá exceder o limite de velocidade de
penetração em ar turbulento. Já se a aeronave estiver desenvolvendo
velocidades muito baixas, poderá não ser capaz de suportar cargas
aerodinâmicas advindas da turbulência causada por tais formações, e até mesmo
entrar em uma situação perigosa de Estol.

No quesito conforto, a escolha de um regime adequado de subida garante


um segmento contínuo e mais “suave”, permitindo maior comodidade aos

139
Capítulo 2

passageiros e à tripulação. Imagine uma aeronave subindo em rota com


velocidade muito elevada. Caso ela tenha que atravessar uma zona de
turbulência, o impacto sobre a aeronave será maior (e maior será a sensação de
turbulência), o que poderá causar grande desconforto geral aos passageiros, e
até mesmo a possibilidade de ferimentos à equipe de comissários, caso não haja
tempo hábil de ordenar a todos para que se sentem e apertem os cintos.

Quanto à simplicidade de operação, as companhias aéreas tendem a padronizar


ao máximo seus procedimentos, o que também facilita a instrução e a avaliação
de desempenhos. Nas modernas aeronaves, os sistemas computacionais indicam
aos pilotos uma série de velocidades, como as de maior razão de subida (Vy),
maior gradiente/ângulo de subida (Vx) e de penetração em ar turbulento. Tais
velocidades variam com a altitude, temperatura e peso da aeronave.

Antes de exemplificarmos como geralmente ocorre uma subida na aviação


comercial, vamos relembrar alguns conceitos importantes sobre a variação da
Velocidade Indicada (e a Calibrada e a Verdadeira, também), e o Número Mach,
em termos de variação da altitude. Para o propósito dessa explicação, vamos
assumir que a Velocidade Indicada (IAS) é praticamente igual à Velocidade
Calibrada (CAS). À medida que uma aeronave sobe, duas coisas acontecem com
a atmosfera que a cerca – a densidade do ar e a temperatura diminuem.

Ao nível do mar, em condições padrão ISA, a Velocidade Indicada é igual à


Calibrada, e ambas são iguais à Velocidade Verdadeira (TAS). Com a redução
da densidade do ar, na medida em que se ganha altura, a TAS aumenta
consideravelmente em relação à IAS. Já quanto ao Número Mach, estudamos
que esse é uma relação entre a TAS e a velocidade do som, sendo que essa
última varia somente em relação à temperatura. Assim, enquanto sobe com uma
velocidade IAS constante, uma aeronave experimenta incrementos de TAS
e de Número Mach. Para qualquer situação, ao nível do mar ou em altitude,
uma aeronave experimentará o Estol de baixa velocidade com a mesma
Velocidade Indicada (IAS).

É importante compreender como a velocidade do ar varia com o número do


Mach. Como exemplo, considere como a velocidade de Estol de um avião de
transporte a jato varia com o aumento da altitude (em termos de Número Mach).
O aumento da altitude resulta em uma queda correspondente na densidade do ar
e na temperatura externa, como sabemos.

Suponha que esse mesmo jato esteja na configuração de subida – trem de pouso
e Flapes recolhidos, com um determinado peso “X”. Com essa configuração e
peso “X”, ao consultarmos o manual de operação da aeronave, constatamos
que a velocidade de Estol com asas niveladas é de 152 KIAS, ao nível do mar.
Em uma atmosfera padrão, isso corresponde a uma Velocidade Verdadeira de

140
Teoria de Voo de Alta Velocidade

152 KTAS e a um número Mach de 0,23. Agora vejamos como fica essa relação
quando a aeronave atinge 38.000 Ft (FL 380). Nessa altitude, a aeronave ainda
deverá Estolar a aproximadamente 152 KCAS, mas agora com uma Velocidade
Verdadeira de cerca de 287 KTAS e com um número Mach de 0,50!

Embora a velocidade de Estol tenha permanecido a mesma para os nossos


propósitos, tanto o número Mach quanto a TAS aumentaram. Com o aumento
da altitude, a densidade do ar diminuiu. Isso requer uma Velocidade Verdadeira
superior, para que a mesma pressão seja sentida pelo Tubo Pitot para se obter
uma mesma CAS ou IAS (para nossos propósitos, KCAS e KIAS são relativamente
próximas). Ou seja, a pressão dinâmica que a asa experimenta no FL 380 com
287 KTAS é a mesma do nível do mar com 152 KTAS. No entanto, nessa condição
a aeronave está voando em um Número Mach maior.

Assim, se uma aeronave subir com velocidade indicada constante, até


atingir grandes altitudes de voo, estará sempre aumentando a TAS e o
Número Mach. Poderá chegar um ponto em que, mesmo mantendo uma IAS
constante, a aeronave ingressará em uma zona de Número Mach próxima
ao MMO (Número Mach máximo operacional), e enfrentar problemas de
buffeting advindos da formação de Ondas de Choque.

Mas, o que acontece se o piloto mantiver um Número Mach constante


durante toda a subida? Assumindo hipoteticamente que o piloto suba a uma
velocidade de M0,82 do nível do mar até o FL 380, a Velocidade Calibrada irá cair
de KCAS 543 a 261 (a KIAS em cada altitude seguiria o mesmo comportamento
e apenas diferiria por alguns de nós). Lembre-se da discussão anterior de que a
velocidade do som está diminuindo com a queda da temperatura, à medida que
a aeronave sobe. O significado disso é que, em uma subida com Número Mach
constante, a KCAS e KIAS estão caindo. Se a aeronave subisse o suficiente
nessa constante com KIAS decrescente, ela começaria a se aproximar de
sua velocidade de Estol. Em algum momento, a aeronave poderia alcançar
a velocidade de estol, e o piloto não poderia mais reduzir a velocidade (sem
Estolar) nem acelerar (sem exceder a velocidade máxima de operação da
aeronave MMO). Esta altitude é chamada de “coffin corner” ou “canto do
caixão” (assunto já abordado no capítulo sobre Aerodinâmica de Alta Velocidade).

Assim, nas operações normais de voo a jato, a subida é comumente realizada


dentro do seguinte “modelo” (variando para cada tipo de aeronave, peso e
performance, logicamente).

• após cruzar 1500 ft (ou seja, ao final do quarto segmento de


decolagem, estando com trem de pouso e Flapes recolhidos), a
aeronave pode empregar, por exemplo, a Velocidade de Melhor
Ângulo de Subida (Vx) até ultrapassar um determinado obstáculo

141
Capítulo 2

(as cartas de subida por instrumentos muitas vezes impõem um


determinado gradiente mínimo de subida, até que seja atingida uma
altitude de segurança);
• uma vez livrado o obstáculo, a aeronave inicia uma aceleração para
uma IAS em torno de 250 KIAS, até atingir 10.000 ft. Após essa
altitude e, dependendo do peso, a aeronave volta a acelerar (como
exemplo, um DC-10 acelera para 330 KIAS) até atingir uma altitude
em torno de 26 a 28 mil pés, quando os pilotos “capturam” o
Número Mach vigente e passam a subir baseados no mesmo;
• em caso de se observar turbulência em níveis elevados, o piloto
pode a qualquer momento retirar a seleção de subida com Número
Mach e empregar, por exemplo, uma razão de subida fixa. Isso
evita variações de razão de subida em zonas de turbulência, com o
sistema automatizado da aeronave “tentando” manter uma velocidade
constante. A seleção de uma razão fixa requer monitoramento
constante dos pilotos, pois deve-se ter em mente que a IAS estará o
tempo todo diminuindo, à medida em que se sobe.

Para concluirmos esse assunto, abordemos a seguinte situação. A aeronave


decola de uma certa localidade para um voo longo. Digamos, uma decolagem
do Rio de Janeiro para a cidade de Paris, na França. Podemos admitir que a
aeronave se encontrará bastante pesada, carregada de combustível para a longa
etapa de voo que a espera. Nessa circunstância, você imagina que a aeronave
será capaz de realizar uma subida constante, até atingir o seu nível final de voo de
cruzeiro ideal? Pois bem, a resposta, na maioria dos casos, é negativa.

Sabemos que aeronaves a jato possuem desempenhos de cruzeiro melhores,


na medida em que voam alto. Porém, tal desempenho é muito dependente do
peso da aeronave. Assim, uma aeronave muito pesada não tem condições
de voar em cruzeiro em altitudes muito elevadas, haja vista a baixa densidade
do ar e a consequente elevada potência necessária para gerar a sustentação
requerida para o voo de cruzeiro.

Durante o voo, o peso da aeronave é gradativamente reduzido (devido à queima


de combustível) e, consequentemente, a altitude ótima de voo aumenta. Em
geral, quando o peso do avião diminui, a altitude ideal de cruzeiro aumenta (não
estamos, neste momento, levando em conta a influência dos ventos em altitude).

Por esse motivo, em rotas longas, as companhias aéreas usam procedimentos


de subida “escalonada” ou em “etapas”, conhecido como “Step Climb”, de
modo que a aeronave voe o maior tempo possível perto da altitude ideal.
Normalmente, o voo será agendado para que a primeira altitude de cruzeiro

142
Teoria de Voo de Alta Velocidade

seja de aproximadamente 2000 ft acima da altitude ideal. Essa altitude ideal é


calculada pelos sistemas computacionais da aeronave (FMC – Flight Management
Computer), ou pode ser determinada consultando-se os gráficos e tabelas de
performance do fabricante da aeronave.

À medida em que a aeronave queima combustível e se torna mais leve, a altitude


ideal aumenta e se aproxima da altitude de cruzeiro que vinha sendo mantida.
Com o passar do tempo, a aeronave se torna ainda mais leve, e começa a ficar
abaixo da sua altitude ideal. Programa-se então uma subida de 4000 ft, e a
aeronave volta a voar 2000 pés acima da altitude de cruzeiro ideal. Esse ciclo se
repete até que a aeronave atinja o nível de cruzeiro ideal final, o qual será mantido
pelo restante da rota até o momento de iniciar a descida.

A figura abaixo exemplifica a técnica de “Step Climb”. Repare que, eventualmente, o


ideal seria se a aeronave pudesse voar um perfil de subida constante (“Cruise Climb”
– subida em cruzeiro), ganhando altitude vagarosamente para permanecer sempre
na linha da “altitude ótima”. Apesar de mais econômico do que o “Step Climb”, isso
traria alguns inconvenientes – a aeronave estaria o tempo todo empregando um
regime de potência de subida, o que não é vantajoso economicamente a longo prazo;
e isso traria complicações ao serviço de controle de tráfego aéreo, pois as aeronaves
naquela rota estariam sempre “subindo” ou “descendo”, o que dificulta coordenar
eventuais cruzamentos em um mesmo nível. Embora não seja tão eficiente quanto
uma subida contínua em cruzeiro, as “Step Climb” são mais eficientes do que manter
uma única altitude mais baixa durante todo o voo.

Figura 2.27 – Técnica de subida – Step Climb

Fonte: Adaptado de EMBRAER (2001).

2.2 Voo em Cruzeiro


Estudamos anteriormente os fatores que influenciam a decolagem, e aprendemos
em linhas gerais os tipos de subida em rota que podem ser empregados por
aeronaves de alta performance. Uma vez que tenhamos atingido uma altitude
ideal para prosseguirmos em rota, cabe neste ponto analisarmos a fase que
normalmente demanda maior tempo de voo e de consumo de combustível – o

143
Capítulo 2

voo em Cruzeiro, ou o voo em Rota. O Cruzeiro é a fase do voo nivelado que


ocorre após a subida e antecede à descida para aproximação e pouso,
normalmente corresponde a cerca de 65% do tempo total do voo, sendo a
etapa responsável pela maior eficiência da rota como um todo.

Como regra geral, os operadores das aeronaves de transporte têm por objetivo
minimizar os custos operacionais das suas aeronaves. Nesse sentido, buscam
voar em regimes que proporcionem o menor consumo de combustível, aliado ao
menor tempo de voo possível. De certo você já percebeu que não é possível obter
a máxima velocidade da aeronave com o menor consumo de combustível, e para
tal os fabricantes desenvolvem regimes que possam maximizar tais fatores.

Assim como nos automóveis, onde temos como padrão de leitura de eficiência, o
quesito de “quilometragem percorrida por litro de combustível” para uma determinada
velocidade, no caso dos aviões, essa relação é denominada de “alcance específico”, e é
empregada como uma referência para se determinar o regime de voo mais adequado.

O “Alcance Específico” é definido como sendo a relação entre a distância


percorrida no ar (em Minhas Náuticas) e a quantidade de combustível
requerida para tal (usualmente em Libras ou Quilogramas de combustível):

Alcance Específico = Distância Percorrida no ar / massa de combustível consumida.

Assim, de forma prática, o Alcance Específico pode ser obtido dividindo-se


a TAS (Velocidade Verdadeira) pelo consumo horário de combustível (ou
seja, duas informações facilmente disponíveis na cabine de voo). Logicamente,
os sistemas computacionais de voo da atualidade fornecem essa informação de
forma instantânea e atualizada.

Os jatos da aviação de transporte geral da atualidade já atingem altitudes de cruzeiro


de até 51.000 pés. A eficiência do motor a jato em altas altitudes é a principal razão
para operar nesse ambiente, já que o consumo específico de combustível de motores
a jato diminui com a redução da temperatura do ar externo, admitindo-se uma
rotação do motor e velocidade verdadeira da aeronave constantes.

Assim, voando em grandes altitudes, o piloto é capaz de operar numa região


de voo onde a economia de combustível é maior, bem como é mais vantajosa
a velocidade de cruzeiro empreendida. Para eficiência, aviões a jato são
normalmente operados em altas altitudes, onde o regime de cruzeiro é geralmente
próximo aos limites de RPM ou EGT. Nas grandes altitudes, porém, pouco
excesso de impulso pode estar disponível para manobras. Assim, a depender
do peso, muitas vezes é impossível para o avião a jato subir e fazer curvas
simultaneamente, e todas as manobras devem ser realizadas dentro dos limites
do expuxo disponível e sem sacrificar a estabilidade e a controlabilidade da
aeronave (USA, 2016 – airplane flying handbook).

144
Teoria de Voo de Alta Velocidade

Mas, em linhas gerais, quais os fatores que influenciam diretamente no custo


operacional por hora de voo de uma aeronave comercial? Tal custo varia
muito com o modelo, mas também com o país onde opera e o tipo de rota que
desenvolve. Isso porque cada país tem suas leis trabalhistas e fiscais, um preço
diferente de combustível, de tarifas aeroportuárias e assim por diante. Como
exemplo, a hora de voo de uma aeronave Boeing 747 possui um preço médio
de cerca de US$ 25 mil, sendo que esse valor inclui todos os custos referentes
não apenas à aeronave em si, mas também ao combustível e manutenção, às
taxas de leasing, às taxas de pouso, aos salários e treinamento da tripulação, ao
seguro, à alimentação servida a bordo, à depreciação do equipamento em si etc.

De acordo com pesquisadores da Eurocontrol (Organização Europeia para a


Segurança da Navegação Aérea), cada companhia possui economistas focados
em otimizar e equilibrar todas essas contas. Os especialistas cruzam diversas
informações, incluindo demanda por voos e as rotas a serem seguidas, para
então traçar uma média de valores que serão gastos. Mesmo assim, é impossível
prever com precisão quanto dinheiro as corporações precisam investir ano a
ano, já que os preços variam com bastante frequência. É o caso do valor do
combustível, que flutua diariamente e de acordo com o local, e responde por
33,4% dos gastos das companhias aéreas (na Europa) – no Brasil, o combustível
pode custar até 35% a mais do que em países europeus ou do que nos EUA, e
assim possui um peso ainda maior no custo total de operação. Em segundo lugar,
vem a manutenção das aeronaves (9,4%), seguida por assuntos administrativos
(7,3%), equipe de pouso (6,8%) e vendas e promoções de passagens (6,5%).

Bem, você já deve estar percebendo que não é tão simples se determinar qual o
melhor regime de cruzeiro a ser empregado em rota, haja vista que muitos fatores
estão envolvidos nessa conta. Por exemplo, se voarmos da forma mais econômica
possível economizaremos combustível, mas também realizaremos um voo mais
demorado, e isso também tem impacto nos custos. Isso porque, ao analisarmos
com mais calma, veremos que muitas peças e sistemas da aeronave possuem
manutenções programadas em função do número de horas voadas, assim como as
tripulações possuem regulamentações que limitam o número máximo de horas na
jornada diária, e ainda temos a questão do leasing (aluguel) da aeronave.

Mas, então, como resolver essa questão e determinar o melhor regime de


cruzeiro? Cada companhia terá a sua política de redução e de adequação de
custos, mas todas elas acabam se baseando em regimes padrões especificados
pelos fabricantes para, a partir desses regimes, estabelecer variações que
melhor as atendam. Os fabricantes estabelecem tais regimes a partir da análise
matemática das curvas de tração, de arrasto, de sustentação em função do
ângulo de ataque, de desempenho dos motores etc. Vejamos então quais regimes
“genéricos” são estes:

145
Capítulo 2

a. Maximum Range Cruise (MRC) / Cruzeiro de Máximo Alcance:


É o regime no qual as operações de voo de cruzeiro são conduzidas de modo
a se obter o maior alcance específico – ou seja, neste regime a aeronave
voará a máxima quantidade de milhas náuticas para cada unidade de
massa de combustível. Saintive (2011) relembra que, no MRC, existe pouca
estabilidade de velocidade – uma variação de velocidade para menos (originada
por qualquer motivo, por exemplo uma rajada de vento) não será compensada
automaticamente pela aeronave (haja vista que nessa faixa de velocidade
qualquer redução implica em aumento do arrasto), a menos que haja interferência
do piloto em demandar mais potência dos motores para tal.

b. Long Range Cruise (LRC) / Cruzeiro de Longo Alcance:


Regime oriundo do MRC, introduzido na aviação na era dos motores a jato.
Como característica que o distingue, possui Alcance Específico 1% menor
e velocidade 3% a 5% maior do que o MRC. Os benefícios de uma maior
velocidade – voos mais rápidos, maior estabilidade de velocidade e consequente
menor necessidade de intervenções dos pilotos nos motores – são alcançados
ao “preço” de apenas 1% de perda de economia em relação ao regime MRC
(Cruzeiro de Máximo Alcance).

Figura 2.28 – Cruzeiro de Máximo Alcance e Cruzeiro de Longo Alcance

Fonte: Adaptado de EMBRAER (2001).

c. Maximum Cruise Speed (MSC) / Cruzeiro de Velocidade Máxima:


Esse regime é obtido quando se emprega o regime de potência de máximo
cruzeiro. Ou seja, quando a curva de potência de máximo cruzeiro cruza a curva
de arrasto, para uma certa altitude e peso. Dependendo do peso da aeronave, em
algumas situações essa não será capaz de alcançar a MSC antes de ultrapassar a
VMO ou o MMO. É um regime com elevado consumo de combustível e grande custo
para os motores, que podem ter a vida útil comprometida a longo prazo, devido
às elevadas temperaturas de operação.

146
Teoria de Voo de Alta Velocidade

d. Maximum Endurance Cruise (MEC) / Cruzeiro de Máxima


Autonomia:
É o regime que permite a máxima economia de combustível e o maior número
de horas de voo. Ou seja, a velocidade de máxima autonomia corresponde ao
menor consumo horário possível, o que ocorre numa velocidade ligeiramente
inferior à que corresponde à máxima relação CL/CD (coeficiente de sustentação
dividido pelo coeficiente de arrasto) (SAINTIVE, 2011). É um regime normalmente
empregado para esperas, quando a aeronave por algum motivo não pode pousar
logo em seguida e precisa aguardar em voo.

Figura 2.29 – Diagrama demonstrando as velocidades dos regimes de Máxima Autonomia, Máximo
Alcance e Cruzeiro de Longo Alcance

Fonte: Diário de Bordo (2015).

e. Constant Speed Cruise (CSC) / Cruzeiro com Velocidade


Constante:
Nada mais é do que a simplificação na maneira de se manter um bom Alcance
Específico. O operador identifica uma velocidade (Número Mack) adequada, que
lhe permita operar próximo ao LRC, por exemplo, sem a necessidade de variar a
velocidade à medida que a aeronave perde peso.

f. Economy Cruise Speed (ECON) / Cruzeiro Econômico:


Os custos operacionais diretos são afetados pelos custos relacionados ao tempo
de voo e custos relacionados ao combustível. O custo do combustível é o preço
do combustível usado em um determinado voo. Conforme já comentamos,
os custos relacionados com o tempo de voo podem cobrir, por exemplo, os
seguintes itens:

147
Capítulo 2

· Salários da tripulação (se forem função do tempo de voo);


· Custos de leasing de aeronaves;
· Custos de manutenção relacionados ao tempo;
· O custo da chegada tardia de um voo.

A velocidade de Cruzeiro Econômico (ECON) é definida como a velocidade em que


a soma dos “custos” do fator tempo e os custos de combustível são minimizados.
O gráfico da figura a seguir mostra o conceito de Velocidade Econômica:

Figura 2.30 – Conceito de Velocidade Econômica

Fonte: Adaptado de EMBRAER (2001).

A Economy Cruise Speed (ECON) pode ser calculada em função do “Índice


de Custo” (CI – Cost Index), que é a importância relativa do custo do tempo
comparado ao custo do combustível:

Índice de Custo = Custos relativos ao tempo de voo ($/hora de voo) / Custo do


Combustível

Muitos fabricantes de aeronaves publicam velocidades de cruzeiro ECON como


uma função do Índice de Custos. Os operadores o utilizam calculando seu Índice
de Custo específico, com base na fórmula acima e, em seguida, usam os dados
publicados pelos fabricantes para encontrar o número Mach associado ao Índice
de Custo calculado. Ao fazer isso, a companhia aérea é capaz de determinar
o número Mach em que seus custos operacionais são minimizados.

Saintive (2011) lembra que é mais importante operar num regime de baixos
custos do que num regime que simplesmente consuma menos combustível. O
custo do combustível pode ser minimizado se o regime de cruzeiro escolhido
for o MRC (Cruzeiro de Máximo Alcance), já os custos com o “tempo de voo”
decrescem na medida em que se consegue empregar uma velocidade maior.

148
Teoria de Voo de Alta Velocidade

Alguns dos custos que comentamos anteriormente não dependem do tempo


de voo (ou sua dependência é desprezível) ou do regime, velocidade ou altitude
(por exemplo, a alimentação da tripulação e dos passageiros, seguros, taxas de
aeronavegabilidade do avião, depreciação dos equipamentos de apoio de solo
etc.), por essa razão, não são levados em conta na determinação da velocidade
mais econômica.

Como já comentamos, nas modernas aeronaves comerciais da atualidade, os


regimes de custo mínimo são disponibilizados aos pilotos por meio dos sistemas
computacionais embarcados (os Flight Management Computer Systems,
por exemplo, empregados a bordo da família 737 da Boeing), os quais são
“alimentados” com os dados de custo de interesse da empresa/operador. De
acordo com o Índice de Custo (CI) vigente, o operador pode dar mais importância
à economia de combustível ou ao fator tempo, voando dessa maneira mais
próximo do MRC ou mais veloz que esse, respectivamente. Dessa forma,
percebe-se que os regimes empregados em cruzeiro pelas empresas podem
variar com o tempo, de acordo com a influência momentânea de cada item
na composição do custo total do voo.

2.2.1 Fatores que influenciam o alcance das aeronaves em rota


Ao descrevermos anteriormente os diferentes regimes de cruzeiro que podem ser
empregados pelas aeronaves comerciais a jato, comentamos sucintamente que
determinados fatores influenciam na escolha da altitude ideal do voo de cruzeiro.
Vejamos com um pouco mais de profundidade os principais, como a altitude e o
peso da aeronave.

a. Altitude Pressão:
Nos voos de cruzeiro, a tração deve ser igual ao arrasto, para que a aeronave se
mantenha nivelada em uma velocidade constante. Para os aviões que cruzam
em regime subsônico, ou seja, aeronaves de baixa performance, Santive 2011
afirma que ao fixarmos o peso e o ângulo de ataque, o arrasto será independente
da altitude de voo, haja vista que em altitudes maiores o arrasto será reduzido
pela menor densidade do ar, mas também será compensado pelo aumento da
velocidade da aeronave.

Nos aviões a jato o alcance específico cresce nas grandes altitudes. Nessas
altitudes, uma mesma tração é obtida com menor consumo de combustível,
o que lhe proporciona maiores velocidades e consequente maior alcance
específico. Entretanto, conforme já estudamos, aeronaves de alta performance e
que operam em regime transônico estão sujeitas aos efeitos de compressibilidade
do ar (quando voam acima do Mach Crítico). Uma aeronave voando com

149
Capítulo 2

Número Mach elevado fatalmente sofrerá os efeitos do crescente arrasto


causado pelas Ondas de Choque. Assim, acima de um determinado limite de
velocidade, que dependerá de cada modelo de avião, o arrasto total torna-se
maior em grandes altitudes do que em voos mais baixos.

Então, para aeronaves a jato (dotadas de motores turbofan ou turbojato) voando


em grandes altitudes, deve-se estar atento à escolha de um nível de voo
que limite a velocidade da aeronave abaixo do Número Mach Divergente
(revise este conceito no Capítulo sobre Aerodinâmica de Alta Velocidade), visto
que acima do MachDIV o arrasto de compressibilidade aumenta de maneira
considerável. Usualmente, na escolha da altitude de voo que permita a
maximização do alcance específico, observa-se a regra de manter a velocidade
de cruzeiro logo acima do Mach Crítico. A altitude ótima, que maximiza o Alcance
Específico em regime de LRC, será tanto maior quanto menor o peso da aeronave
(SAINTIVE, 2011), conforme se observa na figura abaixo.

Figura 2.31 – Definição de altitude ótima para LRC, em função do peso

Fonte: Saintive (2011).

Além dos fatores anteriormente mencionados, a escolha da altitude ótima de voo


também dependerá da distância total da etapa a ser voada. Logicamente que,
uma aeronave voando uma rota que demandará quatro horas de voo, poderá
escolher a máxima altitude de voo que forneça um grande alcance específico
(para atingir o nível ótimo de voo, talvez a aeronave tenha que recorrer à subida
Step Climb que estudamos anteriormente).

150
Teoria de Voo de Alta Velocidade

Entretanto, para o planejamento de uma etapa de voo de somente cerca de


45 minutos (por exemplo, um voo da ponte aérea Rio- São Paulo), podemos
compreender que a aeronave não poderá se “dar ao luxo” de voar próximo ao
seu teto operacional (onde provavelmente o alcance específico seria maximizado,
uma vez que estará leve por carregar pouco combustível), pois antes mesmo de
atingir o nível ótimo de voo a aeronave já estaria iniciando os procedimentos de
descida para pouso. Normalmente, os fabricantes de aeronaves fornecem dois
tipos de cartas para consulta de nível ótimo de cruzeiro, sendo uma para voos
curtos (até 300 milhas náuticas) e outra para voos acima desse limite.

A altitude ideal, definida de acordo com o peso da aeronave, também não leva
em conta o consumo total de combustível durante um voo inteiro. Para voos de
menor alcance, faz mais sentido definir a altitude ideal de cruzeiro como a altitude
em que a totalidade da queima de combustível de voo é minimizada (isto é,
minimizando o combustível Subida + Cruzeiro + Descida).

Assim, deve ser observado que em voos muito curtos o segmento de cruzeiro
nivelado pode ser pequeno ou até inexistente (descida iniciando imediatamente
após a subida). Nesse caso, a fim de permitir a ocorrência de ao menos uma
pequena etapa do voo nivelado (para o serviço de bordo, ou para que os
passageiros possam usar o toilete, por exemplo), o operador deve levar em conta
que isso implicará uma queima total de combustível maior. Como exemplo, a
EMBRAER publica no Manual de Operações (AOM) da aeronave ERJ 145 uma
tabela de altitude de cruzeiro baseada no consumo mínimo de combustível de
voo, e outra com pelo menos 40% do tempo total de voo em cruzeiro nivelado.

Outro aspecto importante na escolha da altitude ótima de voo é a existência de


ventos em altitude. É intuitivo percebermos a influência do vento no alcance da
aeronave, em termos de distância no solo a percorrer. Componentes de vento de
proa reduzem o alcance, e os de cauda o aumentam. Assim, a escolha da altitude
de voo de cruzeiro deve levar em conta esse importante fator. Dependendo
da época do ano e da região em que se voa, correntes de ventos muito fortes
(correntes de jato) podem causar grande influência no alcance da aeronave,
e podem ser utilizadas em favor do seu deslocamento, sempre que existirem
componentes de cauda.

Ventos fortes de proa podem fazer com que o piloto seja obrigado a escolher um
nível de voo teoricamente não tão econômico, em termos de alcance específico,
mas que fornecerá um alcance específico melhor do que aquele inicialmente
escolhido e que continha componentes de vento de proa muito fortes. Os
fabricantes de aeronaves costumam publicar em seus manuais as chamadas
tabelas de “Wind-Altitude Trade”, que fornecem indicações para a escolha
de altitudes de voo alternativas, para os casos de existência de ventos não
favoráveis na altitude ótima de voo para o peso da aeronave (EMBRAER 2001).

151
Capítulo 2

b. Peso da Aeronave
Sabemos que, para manter-se nivelada, uma aeronave deve ter compensadas as
forças que agem sobre si, mantendo um equilíbrio. Quanto maior o peso, maior
deve ser a sustentação gerada pelas asas, o que se consegue somente por
meio do incremento na tração, o que gera aumento de consumo de combustível.
Assim, para uma mesma altitude, uma aeronave com peso menor apresentará um
Alcance Específico maior. A figura abaixo exemplifica isso.

Figura 2.32 – Alcance Específico em função do Peso e Altitude de voo

Fonte: Saintive (2011).

Segundo Saintive (2011), e observando-se o gráfico da figura anterior, a redução


de peso tem influência maior sobre o Alcance Específico, na medida em que
se voa mais alto. No exemplo da figura, a redução de peso de 140 para 100
toneladas fornece um acréscimo de 14% no Alcance Específico, num voo a 25 mil
pés, ao passo que a mesma redução de peso na altitude ótima de cruzeiro chega
a melhorar em 38% o Alcance Específico. Percebe-se, então, a importância da
escolha de uma altitude ótima para o voo em cruzeiro. À medida que a aeronave
voa, seu peso vai sendo reduzido por conta da queima de combustível, e o voo
passa a ser cada vez mais econômico.

A figura a seguir demonstra mais uma vez a influência do peso na definição


das velocidades de cruzeiro que tratamos, e nos seus respectivos alcances
específicos.

152
Teoria de Voo de Alta Velocidade

Figura 2.33 – Gráfico que destaca a influência do peso sobre os regimes de cruzeiro

Fonte: EMBRAER (2001).

2.2.2 Vibrações em Baixa e Alta Velocidade – Capacidade de Manobra


(Margem de Buffet)
No Capítulo anterior estudamos os efeitos do descolamento da camada limite
sobre um aerofólio. Na ocasião, vimos que tal descolamento pode ocorrer
tanto em baixas quanto em altas velocidades, por motivos distintos, e provocar
vibrações (denominadas Buffet) na aeronave. Recordando, o Buffet de alta
velocidade é oriundo da formação de Ondas de Choque normais (quando da
ocorrência de fluxos de ar supersônicos, que desaceleram após a onda de
choque e provocam o descolamento de filetes).

Por outro lado, o Buffet de baixa velocidade está associado à condição de


elevado ângulo de ataque do aerofólio, proveniente de uma operação em elevada
altitude ou da redução muito grande da velocidade (a depender do peso da
aeronave ou do fator de carga “G” à qual está exposta). Ou seja, o Buffet de baixa
velocidade está associado à situação de Estol da asa e, em elevadas altitudes,
também é um aviso da proximidade desse fenômeno perigoso para o voo.

Saintive (2011) relembra que nas aeronaves movidas a motores convencionais


(que voam em baixas altitudes e velocidades) o Buffet de baixa ocorre em
velocidades indicadas constantes, ao passo que nas aeronaves a jato os sinais de
Buffet ocorrem com velocidades cada vez maiores, na medida em que ganham
altitude. Já o Buffet de alta, provocado pelas Ondas de Choque, ocorrem com
velocidades Mach constantes, porém, com velocidades indicadas cada vez
menores, na medida em que a aeronave ganha altitude (quanto maior a altitude,
menor a temperatura e menor a velocidade do som).

153
Capítulo 2

Conforme já comentamos em duas ocasiões anteriores neste livro didático, mas


agora visto sob outra ótica, em uma determinada altitude e na velocidade em
que os dois limites de Buffet (o de alta e o de baixa) coincidem, dizemos que a
aeronave se encontra no chamado “Coffin Corner” ou “Canto do Caixão”, e essa
altitude denomina-se Teto Aerodinâmico da aeronave (para um determinado
peso). Nessa condição, a aeronave encontra perigosa tendência de perda de
controle em voo, e por isso deve ser muito conhecida para poder ser evitada.

Já para uma dada velocidade, peso e empuxo, existe uma altitude máxima
na qual o voo reto e nivelado é possível, e essa “altitude máxima” também é
chamada de “teto de serviço”. A fim de fornecer alguma margem de desempenho
para as aeronaves que voam na altitude máxima, o Teto de Serviço é usualmente
definido como a altitude máxima para uma determinada velocidade, peso e
empuxo, na qual a aeronave ainda tem uma taxa residual de subida de, por
exemplo, 100 a 300 pés por minuto (ou seja, um pouco abaixo do Teto Absoluto).

O Teto de Serviço (limite de altitude de voo de cruzeiro especificado pelo


fabricante, para fins operacionais) em que um avião pode voar é limitado por dois
fatores: Empuxo do motor e capacidade da asa em gerar sustentação suficiente,
sem a ocorrência de Buffet.

O Teto de Serviço de uma aeronave é sempre menor do que o Teto


Aerodinâmico. Entretanto, fatores de carga “G” podem reduzir a altitude do
Teto Aerodinâmico até o Teto de Serviço – a depender do peso e do quanto de
carga é aplicada à aeronave (SAINTIVE, 2011). Cargas “G” podem ser oriundas de
diversos fatores, como a realização de uma curva, rajadas de vento ou turbulência.

Então, a “Margem de Buffet” pode ser compreendida como a capacidade de


manobra da aeronave, e representa a capacidade da asa de gerar sustentação
suficiente para o peso do avião, em uma determinada altitude. Os fabricantes
de aeronaves geralmente publicam gráficos que mostram em que velocidade
a aeronave começa a experimentar Buffet de alta e baixa velocidade, para um
determinado peso e altitude. Esses gráficos também mostram correções para
fatores de carga maiores do que “1”, que podem ser usados para determinar a
velocidade de Buffet em caso de voo em curva ou em turbulência. A figura abaixo
mostra um típico gráfico desse tipo.

154
Teoria de Voo de Alta Velocidade

Figura 2.34 – Gráfico de “Margem de Buffet” da aeronave EMBRAER 145

Fonte: EMBRAER (2001).

Para um determinado peso, fator de carga e altitude, o gráfico mostra as


velocidades mínimas e máximas (margem) em que a aeronave pode voar sem
experimentar Buffet. Recordando, se as velocidades mínima e máxima coincidem,
diz-se que a aeronave atingiu o “Coffin Corner”. Nesta velocidade não é possível
acelerar ou desacelerar, caso contrário ocorreria a ocorrência de Buffet, e a única
opção deixada para o piloto é descer para uma altitude menor, até que o motivo
da carga “G” tenha cessado, ou que o peso da aeronave tenha sido reduzido.

A seguir, temos um outro exemplo de gráfico de “Margem de Buffet”.

155
Capítulo 2

Figura 2.35 – Exemplo de Carta de Margem de Buffet

Fonte: USA (2016).

O aumento do peso bruto ou do fator de carga (fator “G”) aumenta o Buffet de


baixa velocidade e diminui o Buffet de Mach (de alta velocidade). Um avião a jato
típico, voando a 51.000 pés de altitude a 1,0 G pode encontrar Buffet de Mach
ligeiramente acima do MMO do avião (0,82 Mach) e Buffet de baixa velocidade
a 0,60 Mach. No entanto, um fator de carga de apenas 1,4 G (um aumento de
apenas 0,4 G) pode ocasionar o início de Buffet na velocidade ótima de cruzeiro
de 0,73 Mach, e qualquer mudança na velocidade aerodinâmica, no ângulo de
inclinação das asas, ou a ocorrência de rajadas de vento podem trazer essa
aeronave a uma situação de risco.

Consequentemente, uma altitude máxima de voo de cruzeiro deve ser


selecionada criteriosamente, a fim de permitir a existência de uma margem
suficiente de carga “G”, para que a aeronave não venha a sofrer os perigosos
efeitos de Buffet em altitude.

O piloto em transição para uma aeronave a jato deve ter em mente que a
manobrabilidade desse tipo de avião é particularmente crítica, especialmente nas
elevadas altitudes. Alguns aviões a jato têm intervalo estreito entre os Buffets de
alta e baixa velocidade. Uma velocidade que o piloto deve ter firmemente fixada é
a de penetração em ar turbulento, recomendada pelo fabricante para o modelo do
avião. (USA, 2016, pilot flying handbook).

Apenas para relembrar um conceito básico sobre aerodinâmica, que você já deve
ter estudado, e esclarecer o que falamos acima sobre carga “G”. O fator de carga
é a relação entre uma força (uma carga) gerada pela asa, para contrapor-se ao
peso da aeronave. Uma aeronave em voo reto e nivelado está sujeita a um fator de
carga “G” de valor igual a 1, pois a sustentação (a força gerada pela asa) é igual ao
peso da aeronave. Ao efetuar uma curva, por exemplo, a aeronave deve produzir
mais sustentação – caso deseje manter o voo nivelado. Como exemplo, um avião

156
Teoria de Voo de Alta Velocidade

nivelado em altitude e empregando uma inclinação de asas de 45 graus estará


sujeito a um fator de carga “G” de 1,4 (o fator de Carga “G” pode ser obtido da
seguinte maneira: G = 1/cos α, sendo α o ângulo de inclinação das asas).

2.2.3 Dispositivos de Aviso de Estol


Das situações de Buffet que comentamos anteriormente, todas elas tendem a
provocar o Estol da asa – parcial ou total, a depender da intensidade. Assim,
seja para os casos de Buffet de alta ou baixa velocidade, sempre existirá uma
velocidade associada a cada um deles, que dependerá de inúmeros fatores como
fatores de carga “G”, altitude de operação, peso e configuração da aeronave,
Número Mach mantido etc.

Logicamente, a menos que em situações de treinamento (normalmente


executadas em simuladores de voo), um piloto não deve ingressar em uma
situação de Estol com uma aeronave comercial de transporte, pois isso pode
gerar descontrole total do voo e consequências imprevisíveis. Assim, os pilotos
devem ser capazes de perceber ou serem avisados da proximidade da ocorrência
de Estol, com margens seguras para poderem interferir e reverter a situação.

Segundo Saintive (2011), o órgão regulador dos EUA (FAA) publica, em sua
documentação FAR 25.207, que o piloto deve receber da aeronave um aviso claro e
distinto da aproximação de uma situação de Estol, com uma antecedência mínima
de 7% (a legislação brasileira ainda complementa, alertando que esse sinal não
pode ser somente visual, mas também sim sonoro). Muitos aviões possuem perfis
aerodinâmicos de asas que acabam “informando” ao piloto sobre a proximidade
do Estol, antes mesmo da margem exigida de 7%. Na ocorrência dos primeiros
descolamentos de filetes de ar dessas asas, a consequência é uma leve trepidação
que pode ser sentida pelos pilotos e servir como um sinal de alerta.

Entretanto, como bem pontua Saintive (2011), as complexas asas das modernas
aeronaves comerciais são dotadas de dispositivos e perfis que tendem a retardar
o descolamento dos filetes de ar, e muitas vezes não são capazes de, por si só,
“informarem” aos pilotos sobre a proximidade do Estol – ou seja, os pilotos não
podem reconhecer a proximidade do Estol em tempo adequado para uma efetiva
reação – a menos que um sistema específico os alerte.

Nas aeronaves comerciais, esse sistema é o Stick Shaker (e o Stick Pusher) – para
rever esse assunto, sugerimos que retorne ao Capítulo 1, quando tratamos sobre
os “Efeitos das Ondas de Choque Normais nos voos Transônicos”, especificamente
no item que trata do “Estol de Mach”. Saintive (2011) também relembra que as
aeronaves dotadas de Sidestick (um manche na lateral do painel de voo de cada
piloto, como nas aeronaves da família Airbus) não operam os sistemas Stick Shaker
e Pusher. Ao invés, essas são dotadas de um sistema que limita o ângulo de ataque
(AOA) a valores em que não seja possível ocorrer o Estol.

157
Capítulo 2

Em resposta a um aviso de Estol ou de pré-estol– seja ele percebido por qualquer


meio (por um sistema específico de aviso, ou por vibrações características da
perda de sustentação), a ação apropriada do piloto deve ser a de “baixar” o nariz
até que o aviso cesse e, então, nivelar as asas e ajustar o empuxo para retornar
ao voo normal. O tempo decorrido para realizar essas ações com efetividade
geralmente é pequeno, particularmente em baixas altitudes onde existe
significativa potência disponível.

É importante entender que a redução do AOA elimina a continuação do Estol,


mas somente a aplicação de tração extra será capaz de permitir que a descida
seja interrompida, quando a asa voltar novamente à capacidade de gerar a
sustentação necessária. Em altitudes elevadas, a técnica de recuperação de Estol
é a mesma. O piloto terá que reduzir o AOA, baixando o nariz até que cesse o
aviso de Estol. No entanto, mesmo após o ângulo de ataque ter sido reduzido
para um valor em que a asa normalmente é capaz de desenvolver sustentação
adequada, o avião ainda irá precisar acelerar. Em altitudes elevadas, onde o
impulso disponível é significativamente menor do que em altitudes mais baixas, a
única maneira de conseguir tal aceleração pode ser baixando ainda mais o nariz e
utilizar a força da gravidade (USA, 2016 – airplane flying handbook).

Na situação anterior, vários milhares de pés ou mais de perda de altitude podem


ser necessários para recuperar completamente uma situação de Estol, em uma
aeronave grande e pesada. As discussões acima cobrem a maioria dos aviões; no
entanto, os procedimentos de recuperação de uma determinada marca e modelo
de avião podem diferir ligeiramente, conforme recomendado pelo fabricante, e
estão contidos no manual de voo aprovado pela autoridade certificadora do avião.

2.2.4 Voo em Ar Turbulento


Já tratamos anteriormente sobre alguns dos aspectos do voo em regiões de
turbulência, quando estudamos a questão das Margens de Buffet. Voar em zonas
de turbulência gera fatores de carga positivos ou negativos sobre a aeronave, que
podem ser perigosos para a sua estrutura, a ponto de provocar fadiga extrema e
até rupturas em componentes aerodinâmicos.

Comentamos anteriormente que alguns aviões a jato têm intervalo estreito entre
os Buffets de alta e de baixa velocidade. Por esse motivo, uma velocidade
que o piloto deve ter firmemente fixada é a de penetração em ar turbulento,
recomendada pelo fabricante para o modelo do avião. Mas, quais as
características dessa velocidade específica?

Segundo Saintive (2011), a Velocidade de Penetração em Ar Turbulento de


satisfazer dois requisitos:

158
Teoria de Voo de Alta Velocidade

a. ser suficientemente alta para que uma rajada de vento ascendente


não provoque o Estol da aeronave;
b. ser suficientemente baixa para que o fator de carga provocado por
uma rajada não ultrapasse os valores máximos recomendados pelas
autoridades certificadoras – nos EUA e na Europa + 2,5 g e (-) 1 g
para as aeronaves de transporte.

Apesar de todos os progressos da engenharia aeronáutica, ao utilizarem materiais


cada vez mais flexíveis e resistentes nos perfis aerodinâmicos das aeronaves
modernas, aliado ao enflechamento das asas (que reduz o efeito da turbulência
sobre elas), uma aeronave ainda pode ser literalmente destruída em voo por
efeitos de turbulência severa.

A velocidade de penetração em ar turbulento é normalmente a velocidade capaz


de proporcionar a maior margem entre os Buffet de alta e de baixa velocidade, e
pode ser consideravelmente maior do que a velocidade de manobra do projeto
(VA). Isso significa que, ao contrário dos aviões a pistão, há ocasiões em que um
avião a jato deve voar acima da VA durante os encontros com turbulência.

Os pilotos que operam aviões em altas velocidades devem ser adequadamente


treinados para operá-los com segurança, e esse treinamento não pode ser concluído
até que estejam completamente instruídos sobre os aspectos críticos dos fatores
aerodinâmicos pertinentes ao voo de Mach em grandes altitudes (USA, 2016).

Como exemplo, a Velocidade de penetração em ar turbulento para as aeronaves da


família Embraer 145 é de aproximadamente 250 KIAS ou Mach 0,63. Já para uma
aeronave Boeing 737-300 tal velocidade gira em torno de 280 KIAS ou Mach 0,7.

2.2.5 Afundamento – Driftdown


Para a maioria dos pesos e altitudes normais de cruzeiro, um avião não será
capaz de manter a altitude de cruzeiro após uma falha de motor, e começará a
descer (Driftdown). A fim de permanecer o mais alto possível, o piloto usará o
empuxo máximo contínuo nos demais motores e desacelerar para a velocidade
ideal Driftdown, que resulta no menor gradiente de descida possível. O avião
então descerá ao longo do que é chamado de perfil ótimo de Driftdown, que
manterá o avião o mais alto possível durante a descida.

Segundo a EMBRAER (2001), os regulamentos exigem que o desempenho real


do avião seja calculado com a sua configuração mais conservadora (pior posição
do CG e motor crítico inoperante) – o que fornece a trajetória bruta de voo
e, em seguida, degradado ainda mais com um gradiente de 1,1% para aviões
bimotores, 1,4% para aviões de três motores e 1,6% para aviões de quatro
motores. Essa trajetória com gradiente reduzido é chamada de trajetória líquida
de voo e é usada para garantir a liberação de obstáculos em rota.

159
Capítulo 2

Durante a descida, o empuxo disponível aumenta à medida que a aeronave desce.


Ao atingir uma certa altitude ele será igual ao arrasto do avião, e esse irá então
nivelar. Essa altitude é chamada de altitude bruta de nivelamento. Quando
corrigida pelas margens de gradiente de 1,1%, 1,4% ou 1,6% (para aeronaves
com dois, três ou quatro motores respectivamente), passa a ser chamada de altitude
líquida de nivelamento e dependerá da temperatura atmosférica e do peso do avião.

Os regulamentos também exigem que o avião seja capaz de livrar todas as


elevações do terreno por uma determinada margem, no evento de falha de um
motor. EMBRAER, 2001 pontua a existência de dois meios de conformidade para
a liberação de obstáculos em rota:

• A altitude líquida de nivelamento deve livrar todos os obstáculos


em rota em pelo menos 1000 pés; ou
• A trajetória líquida de voo deve livrar todos os obstáculos por ao
menos 2000 pés, entre o ponto onde presume-se a ocorrência da
falha do motor e um aeroporto onde o pouso possa ser feito.

Figura 2.36 – Esquema de Driftdown

Fonte: Adaptado de EMBRAER (2001).

Saintive (2011) igualmente aborda a questão do Driftdown. O autor relembra que


se uma aeronave experimentar a perda de um motor durante a subida ou em voo
de cruzeiro sobre uma região montanhosa, a estratégia do Driftdown deverá ser
empregada da seguinte forma:

• o piloto deve selecionar o regime de potência máxima contínua nos


motores remanescentes;
• deixar a velocidade da aeronave desacelerar até a velocidade de
Driftdown, que corresponde ao ângulo de ataque onde a relação Cl/Cd é
máxima (esta velocidade é indicada ao piloto por meio de uma marcação
verde, nas aeronaves dotadas de PFD – Primary Flight Display);
• subir ou descer até atingir a altitude (o teto) de Driftdown.

160
Teoria de Voo de Alta Velocidade

EMBRAER (2001) ainda pontua que é possível utilizar as curvas de Driftdown para
definir procedimentos operacionais. Antes da partida, uma análise detalhada deve
ser feita usando mapas do terreno, com a plotagem dos pontos mais altos dentro
da largura do corredor prescrito ao longo da rota (normalmente um corredor de 5
NM para cada lado da rota). O próximo passo é determinar se é possível manter o
voo nivelado com um motor inoperante, a pelo menos 1000 pés acima do ponto
mais alto de cruzamento ao longo de toda a rota. Se isso não for possível, ou
se as penalidades de peso associadas forem inaceitáveis, um procedimento de
Driftdown deve ser elaborado, assumindo-se a perda do motor no ponto mais
crítico da rota, de maneira a garantir que os obstáculos serão ultrapassados em
ao menos 2000 pés durante a descida.

A altitude mínima de cruzeiro e o Ponto de Não Retorno (PNR) são


determinados pela interseção das duas curvas de Driftdown, como ilustrado
mais abaixo. Se ocorrer uma falha no motor após o PNR, o avião poderá prosseguir
na rota original. Caso a falha ocorra antes do PNR, o avião terá que retornar sobre a
rota já voada, ou por uma rota alternativa. Em qualquer direção de voo, a trajetória
líquida de Driftdown deve livrar os obstáculos por ao menos 2000 pés.

Suponha que você esteja iniciando a operação ao longo de uma rota que sobrevoa
o perfil de terreno a seguir:

O primeiro passo é calcular o caminho da trajetória líquida de Driftdown. Haverá


dois caminhos: um considerando a componente de vento para uma descida ao
longo da direção inicial de voo, e outro considerando a componente de vento na
direção oposta do voo, em retorno.

161
Capítulo 2

A ideia é combinar a curva de Driftdown com o perfil do terreno.

O ponto em que a linha tracejada toca o terreno é o primeiro ponto (A) mais distante
ao longo do trajeto, onde o piloto pode decidir por permanecer na rota.
Continuando a partir de qualquer lugar antes desse ponto, resultaria na passagem
da aeronave muito perto do terreno ou até mesmo colidindo com ele.

Agora, o procedimento é repetido, mas dessa vez usando as curvas de Driftdown


na direção oposta, e começando com as curvas à esquerda do perfil do terreno.
Movem-se as curvas para a direita, até o tracejado da curva tocar o perfil do
terreno. Issso representa o último ponto (B) ao longo do percurso, onde o piloto
pode escolher fazer um giro de 180 graus e retornar:

162
Teoria de Voo de Alta Velocidade

A altitude na qual as linhas sólidas se cruzam é a altitude mínima de voo, e o


encontro delas define o Ponto de Não Retorno (PNR). Se ocorrer uma falha no
motor antes do PNR, o piloto deve executar um retorno de 180 graus e cumprir o
Driftdown em uma direção oposta ao voo original. Se o motor falhar após o PNR, o
Driftdown deve ser feito ao longo da direção de voo original.

Figura 2.37 – Cruzamento das Curvas de Driftdown – Ponto de Não Retorno e Altitude Mínima de Voo

Fonte: Adaptado de EMBRAER (2001).

Voos em altitudes inferiores à Altitude Mínima de Voo não são permitidos, uma
vez que não garantem que a aeronave seja capaz de livrar as elevações do
terreno com segurança. A figura abaixo descreve a manobra de Driftdown, tanto
para subir quanto para descer com um ou dois motores inoperantes, seguindo os
critérios de trajetória bruta e líquida comentados anteriormente.

Figura 2.38 – Trajetórias Líquida e Bruta de Driftdown

Fonte: Saintive (2011).

163
Capítulo 2

Saintive (2011) também sugere uma metodologia normalmente empregada


nos manuais de operação das aeronaves comerciais, para procedimentos de
Driftdown. Vimos anteriormente que a aeronave deve livrar em sua trajetória
líquida os obstáculos que existam ao longo da rota. Porém, muitas vezes isso não
é possível, e ela deverá selecionar uma rota alternativa ou retornar sobre a rota já
voada (imagine o cruzamento de uma cordilheira, por exemplo).

Mais uma vez surge o conceito de “PNR – Point of No Return” – um ponto da


rota a partir do qual a aeronave não tem condições de retornar pela rota original
e cumprir com o requisito de livrar os obstáculos já ultrapassados, na trajetória
líquida, com ao menos 2000 pés.

Figura 2.39 – Pontos de “Continuar” e de “Não Retornar”- Driftdown

Fonte: Saintive (2011).

Por fim, Saintive (2011) ainda observa outra situação. Podem existir
circunstâncias em que as curvas de Driftdown não se encontrem. Então, teremos
uma nova figura – o “Ponto de Continuar” – ponto da rota no qual é possível
continuar o voo em descida, até atingir a altitude líquida e prosseguir mantendo
separação vertical de ao menos 2000 pés sobre os obstáculos.

Então, ao analisarmos a figura anterior, podemos afirmar que: ao constar a


perda de um motor antes do ponto “A”, o piloto deve retornar sobre a rota já
voada. Já se a perda do motor ocorrer após o ponto “B”, deverá prosseguir na
rota original. Porém, se a falha ocorrer entre os pontos “A” e “B”, o piloto deve
estabelecer um procedimento de escape, planejando uma rota alternativa. Não
sendo possível estabelecer essa rota, o piloto deve considerar a redução do peso
de decolagem ou alijar combustível. Em última instância, caso a redução de peso
ou a quantidade de combustível a ser alijada comprometam o voo como um todo,
deve-se considerar a realização de uma outra rota a partir da decolagem.

164
Teoria de Voo de Alta Velocidade

Bem, uma vez que a intenção de voo de todas as aeronaves comerciais é a


de normalmente decolar de um local e pousar em outro, em algum momento
da fase de cruzeiro os pilotos devem se preparar para efetuar a transição da
altitude de cruzeiro para a altitude de início do procedimento de pouso. Assim,
vamos analisar adiante alguns simples aspectos que caracterizam a descida das
aeronaves, em seguida, trataremos de requisitos para duas outras importantes
fases do voo, a aproximação e o pouso.

2.3 Performance em Descida e Pouso

2.3.1 Descida
Os regimes de descida (potência, velocidade e gradiente de descida) empregados
pelas companhias de transporte comercial levam em conta aspectos técnicos e
operacionais (limitantes da aeronave, por exemplo), e aspectos essencialmente
econômicos. A descida é uma fase que dura entre 15 a 25 minutos, e pode não
representar uma grande influência de custos para uma etapa total de dez horas de
voo, mas certamente contribuirá para a economicidade de voos de menor duração.

Assim, Saintive (2011) destaca alguns dos aspectos que determinam o tipo de
regime a ser empregado durante a fase de descida:

a. o peso da aeronave;
b. o vento ao longo da descida;
c. o conforto dos passageiros;
d. a pressurização da aeronave;
e. a existência de zonas de turbulência.

Podemos ainda enumerar outros aspectos de influência, como a autonomia, o


mau funcionamento de algum sistema da aeronave, as condições meteorológicas
no destino, eventuais limitantes de velocidade ou de razão de descida da própria
aeronave (restrições operacionais de projeto), restrições de tráfego aéreo e o perfil
do procedimento de aproximação padrão do aeródromo (muitas STAR – Standard
Terminal Arrival – direcionam as aeronaves já a partir de grandes distâncias
do aeródromo de pouso. Por vezes, impõem restrições de altitude e/ou de
velocidade em determinados trechos da descida, que impedem o piloto de utilizar
um certo regime (o mais econômico, por exemplo).

Para aeronaves a jato, geralmente as companhias aéreas tendem a definir


regimes de descida que empreguem a mínima potência dos motores – “Idle”,
lembrando que motores a jato ainda fornecem tração mesmo em marcha lenta,

165
Capítulo 2

diferentemente dos motores convencionais. Pelos motivos já expostos acima, nas


aproximações cujo destino sejam aeroportos de grande movimento, dificilmente
a aeronave conseguirá realizar uma descida contínua e com o regime de marcha
lenta dos motores.

Assim, você pode perceber que existe uma grande e variada gama de aspectos
que influenciam no tipo de descida que uma aeronave irá utilizar. Ainda, devemos
considerar se a aeronave se encontra em uma situação de emergência ou não
(o que a pode obrigar a ter que livrar rapidamente uma altitude, para níveis mais
baixos de voo, ou ainda emergências estruturais que restringem a velocidade
e a razão de descida a ser empregada – por exemplo e respectivamente, uma
despressurização de emergência ou uma colisão em voo com algum objeto).

Dos aspectos que elencamos como influenciadores do tipo de descida, façamos


uma breve análise sobre o peso da aeronave. Quanto mais pesada a aeronave,
geralmente mais cedo ela deverá iniciar a descida. Quanto maior o peso, maior
será a razão de descida, isso porque a aeronave irá voar com uma velocidade
maior do que outra mais leve, dado um determinado ângulo de ataque.
Quanto mais pesada uma aeronave, também maior é o seu momento (massa x
velocidade). Assim, para uma velocidade indicada ou Mach constante, a aeronave
pesada deverá realizar uma descida com gradiente menor, mas manterá uma
velocidade maior em relação ao solo. Como a descida é uma função da razão de
descida, a aeronave irá percorrer uma distância no solo maior para cada 100 ft/
min de descida (BRISTOW, 2002).

Mais uma vez, e assim como ocorre na questão dos regimes de cruzeiro, o
fator econômico é levado em consideração. Assim, as aeronaves comerciais
costumam descer em regimes de máxima economia. Saintive (2011) relembra
que, para fins de planejamento, as descidas são planejadas (mas não executadas)
com velocidades cerca de 20 a 30 Kt maiores do que as de custo mínimo, e isso
fornece uma margem de segurança para eventuais necessidades de espera, por
exemplo. Em termos de economia e conforto, o regime mais adequado para a
descida é aquele que fornece uma rampa única, sem variantes, em regime de
marcha lenta, do ponto inicial de descida até o ponto em que a aeronave inicia
o procedimento para pouso – esse regime é conhecido como CDA – Continuous
Descent Approach ou OPD – Optimized Profile Descent.

166
Teoria de Voo de Alta Velocidade

Figura 2.40 – Descida otimizada, contínua (CDA), em comparação a uma descida convencional

Fonte: Pamplona; Fortex e Alves (2015).

Na figura abaixo, os perfis de descida A, B e C são todos realizados com potência


de marcha lenta nos motores (Idle), com velocidades distintas. No regime A é
empregada a velocidade de arrasto mínimo, e no regime C é empregada a VMO.
Assim, do regime A ao C resulta em um voo mais rápido. Saintive (2011) afirma
que a velocidade econômica é cerca de 20 a 40 Kt acima da velocidade de
arrasto mínimo, ao passo que a velocidade de consumo mínimo é cerca de 10 Kt
acima da velocidade de arrasto mínimo.

Figura 2.41 – Descidas com diferentes gradientes e velocidades

Fonte: Saintive (2011).

Acima, repare que para cada perfil de descida, de acordo com a velocidade
haverá um gradiente de descida distinto. Segundo o peso da aeronave e os
ventos em altitude previstos para a descida, o piloto poderá adiantar ou atrasar o
início da descida, corrigindo o perfil ao longo da rampa por meio da velocidade,
evitando o emprego de potência nos motores.

167
Capítulo 2

2.3.2 Aproximação e Pouso

2.3.2.1 Limitante de Peso para Aproximação e Arremetida


Sempre que uma aeronave realiza uma aproximação para pouso, ela deve
considerar o pior cenário. Um desses cenários críticos corresponde à
necessidade de realizar um procedimento de aproximação perdida (arremetida no
ar). Essa arremetida pode vir a ser realizada em duas configurações da aeronave
– a configuração de aproximação com um motor inoperante, ou a configuração
de pouso. Para cada uma delas existem regulamentos que determinam que a
aeronave seja capaz de atingir um determinado gradiente mínimo de subida.

É possível compreender que, se existem gradientes de desempenho de subida


a serem cumpridos, haverá situações em que uma determinada aeronave não
será capaz de alcançá-los, a depender do seu peso, temperatura do ar externo
e altitude pressão. Assim, os pesos máximos da aeronave que atendem a esses
requisitos de gradiente são chamados de Approach Climb Limited Weight e
Landing Climb Limited Weight – ou seja, Peso de Aproximação limitado pelo
gradiente de subida e Peso de Pouso limitado pelo gradiente de subida.

Mas, o que significa “configuração de aproximação e de pouso”? Para fins


de cálculo de limite de peso para aproximação e pouso, em caso de
necessidade de arremetida no ar, tais configurações são assim definidas:

a. Configuração de Aproximação:
· um motor inoperante;
· regime de potência de arremetida nos motores disponíveis;
· aeronave configurada com Flapes para aproximação;
· Trem de Pouso recolhido;
· velocidade igual à velocidade de aproximação perdida (VAPPCLB
ou VGA – Approach Climb Speed ou Go-Around Speed) –
ao menos 1,5 VS (sendo VS a velocidade de Estol para a
configuração de aproximação).
b. Configuração de Pouso:
· todos os motores em operação;
· regime de potência de arremetida em todos os motores;
· aeronave configurada com Flapes para pouso;
· Trem de Pouso baixado; e
· Velocidade igual à velocidade de subida de pouso (VLDGCLB,
geralmente igual a VREF) – ao menos 1,3VSO (sendo VSO a
velocidade de Estol para a configuração de pouso).

168
Teoria de Voo de Alta Velocidade

Para ambos os casos descritos anteriormente, o dito “regime de potência


de arremetida” é aquele obtido após transcorridos oito segundos, a partir da
aceleração dos manetes de potência da posição “Idle” – marcha lenta – para a
posição de potência máxima de decolagem “Take off” (SAINTIVE, 2011).

A figura abaixo resume ambos os casos, e apresenta os gradientes mínimos a


serem alcançados para cada situação:

Figura 2.42 – Esquema representativo – Approach Climb e Landing Climb, com as respectivas
configurações e gradientes mínimos exigidos

Fonte: Adaptado de EMBRAER (2001).

As análises computacionais de performance da aeronave calculam tais limitantes


de peso, ou fornecem o gradiente que ela é capaz de manter, para cada peso,
temperatura e altitude. Os pilotos devem ser capazes de interpretar tais análises, ou
de consultar os gráficos correspondentes no Manual de Operações do fabricante.
Se a aeronave não for capaz de cumprir os gradientes determinados, os pilotos
devem considerar operar em outro aeródromo com altitude mais baixa, ou no mesmo
aeródromo, mas com temperaturas mais baixas ou, ainda, reduzir o peso da aeronave.

2.3.2.2 Limitante de Peso para Pouso


Ultrapassados os limitantes especificados anteriormente, no tocante à
necessidade de uma arremetida na fase de aproximação, resta à aeronave
prosseguir para o pouso. Mas, uma vez ultrapassados todos os limitantes já
estudados até aqui (de decolagem, de subida, de cruzeiro e de aproximação),
o pouso da aeronave estará garantido, correto? Infelizmente, a resposta é

169
Capítulo 2

negativa. Para a última fase do voo, o pouso, também há que se analisar todas
as condições da pista de pouso e da meteorologia, para verificar se haverá pista
suficiente para promover o pouso seguro e a completa parada da aeronave.

A distância disponível para o pouso e parada da aeronave, aliada a fatores como


temperatura, altitude pressão, vento, condições de frenagem e gradiente da pista,
irão determinar um limitante de peso de pouso para a aeronave, que pode ser
chamado de “Limitante de Peso para Pouso definido pelo Comprimento da
Pista”, ou “Landing Field Length Limited Weight”.

Para fins de certificação, considera-se que a aeronave cruza a cabeceira da pista


de pouso em uma altura de 50 pés, mantendo a Velocidade de Referência (VREF).
Relembrando, VREF é a velocidade mínima de cruzamento da cabeceira (mínimo de
1,3 VSO, sendo VSO a velocidade de estol na configuração de pouso).

Durante a Aproximação Final, os fabricantes da aeronave recomendam a manutenção de


uma velocidade conhecida por VAPP. Denominada de Velocidade de Aproximação, é
empregada no segmento de aproximação final, estando a aeronave já configurada para
pouso. Normalmente, tal velocidade para vento calmo será: VAPP = VREF+5Kt. Se ocorrerem
ventos de proa e rajadas, recomenda-se empregar VAPP = VREF + ½ do componente de
Vento de Proa + o valor das Rajadas (correções limitadas ao valor máximo de 20 Kt).
Por fim, em caso de inoperância de alguns determinados sistemas, o fabricante ainda pode
recomendar a adição de algum fator de velocidade, como segurança.

Muitos fabricantes e operadores de linhas aéreas possuem políticas para


adicionar valores compensatórios à Velocidade de Referência VREF, no tocante a
ventos e rajadas de vento na aproximação final. Tais aditivos são aplicados na
intenção de compensar mudanças inesperadas de ventos durante a aproximação
final e o pouso. A EMBRAER, por exemplo, recomenda o uso de acréscimos,
conforme descrevemos anteriormente. Entretanto, é preciso que o operador tenha
em mente que os gráficos de performance de pouso constantes do AFM não
levam em conta a adição desses valores de compensação de vento, mas sim que
a aeronave irá cruzar a cabeceira exatamente na Velocidade de Referência VREF.

Compreendida essa questão da correção de velocidade, vamos prosseguir


com os quesitos relacionados ao comprimento da pista de pouso em si. Assim,
para efeito de certificação para pouso, considera-se “Distância de Aterragem” a
distância horizontal total, do limiar da pista até ao ponto onde a aeronave para
completamente, assumindo que ela cruza a cabeceira da pista a uma altura
de 50 pés e à Velocidade de Referência VREF. Os ensaios para certificação
para o cálculo da distância de pouso consideram a máxima capacidade de
frenagem e o uso de Spoilers (dispositivos aerodinâmicos de frenagem), mas
não levam em conta o uso de reversores dos motores.

170
Teoria de Voo de Alta Velocidade

Os regulamentos RBAC, FAR e JAR, que tratam da questão do pouso, exigem


que a distância de pouso numa pista seca, com base no peso de aterragem, não
deva exceder em 60% a distância de aterragem disponível (isso para jatos –
para aeronaves turboélice, o valor a não exceder é de 70%). Assim, uma outra
maneira de interpretar esse requisito significa que: dada uma certa distância de
pouso em uma pista seca (distância real de pouso), o comprimento mínimo da
pista destinado ao pouso (LDA – Landing Distance Available) deve ser pelo menos
1,67 vezes a distância real de pouso (1/60% = 1,67).

Então, quais os conceitos mais empregados para definir os comprimentos das


pistas, no tocante às operações de pouso? Vimos no Capítulo anterior os diversos
conceitos afetos às operações de decolagem, como TORA, TODA, ASDA,
Clearway e Stopway. Para pouso, dois conceitos se destacam: a LDA (Landing
Distance Available) e a LDR (Landing Distance Required).

A LDA é o comprimento da pista descrito nas cartas aeronáuticas, que é


declarado disponível pela Autoridade competente, sendo adequado para a corrida
de aterragem de um avião.

Já a LDR é o comprimento de pista necessário para o pouso da aeronave,


sendo composto pela multiplicação da distância real de parada da aeronave pelo
acréscimo de segurança (1,67 para pistas secas ou, como veremos adiante, 1,92
para pistas molhadas).

Conforme já adiantamos anteriormente, a LDR dependerá sempre de uma série


de fatores, entre os quais destacamos os principais (Skybrary, 2017):

• o peso da aeronave (quanto maior o peso, maior será a VREF e mais


energia deverá ser dissipada pelos sistemas de frenagem para parar
a aeronave, ocasionando pousos mais longos);
• o vento de superfície (ventos de proa reduzem, e ventos de cauda
aumentam a distância de pouso – para serem conservativos, os
cálculos de certificação levam em conta somente 50% do vento de
proa, e 150% do vento de cauda);
• a temperatura local;
• a altitude da pista (uma regra básica é considerar que para 1000
ft de elevação, a distância de pouso é aumentada em 2%) e o
gradiente da mesma (positivo ou negativo);
• o tipo de pavimento da pista;
• a configuração dos Flapes da aeronave;
• as condições da pista (seca, molhada, contaminada);
• a efetividade do funcionamento dos sistemas de frenagem da aeronave.

171
Capítulo 2

Além dos fatores elencados anteriormente, o comprimento de pista necessário


para a parada da aeronave dependerá, também, da capacidade do piloto
em manter determinados parâmetros de voo e de efetuar os procedimentos
necessários, numa sequência adequada. As tabelas de distâncias declaradas de
pouso, constantes dos manuais dos fabricantes, são desenvolvidas a partir da
coleta de dados com voos realizados por pilotos de provas (pilotos preparados
para realizar testes de ensaios em voo). No dia a dia de operação de uma
aeronave comercial, diferentes pilotos as conduzem. Assim, os pilotos devem
ter em mente que as distâncias declaradas de pouso também foram obtidas
assumindo-se que:

Ao cruzar a cabeceira da pista para pouso:

• a aeronave encontra-se a 50 ft acima do solo;


• a aeronave encontra-se completamente configurada para o pouso
(trem de pouso, Flapes e Slats etc.);
• a velocidade de aproximação / de referência é mantida de forma
estável;
• a aeronave aproxima com uma razão de descida adequada e
constante;
• os motores estão selecionados para uma faixa de potência
adequada;
• a aeronave encontra-se com as asas niveladas.

Ao tocar na pista:

• a potência dos motores é reduzida e os freios são aplicados o


quanto antes (de acordo com as recomendações de operação de
cada modelo de avião);
• os dispositivos adicionais de frenagem são utilizados (reversores
de empuxo – esses não são levados em conta na determinação da
LDR; Spoilers de solo etc.);
• o controle direcional da aeronave é mantido.

Agora, veja a figura a seguir, que traz um resumo sobre os principais conceitos de
Distâncias Declaradas de pista, tanto para decolagem quanto para aterragem.
Repare que as distâncias declaradas de Clearway e Stopway não são utilizadas,
para fins de certificação, na composição do comprimento de pista LDA.

172
Teoria de Voo de Alta Velocidade

Figura 2.43 – Quadro resumo de Distâncias Declaradas de decolagem e pouso, para pistas.

Fonte: PUC Goiás.

Repare na Figura anterior, mais especificamente nas pistas “D” e “E”. Você pode
observar que, diferentemente das demais pistas, essas possuem cabeceiras ditas
como “deslocadas”, com um trecho inicial indisponível para operações de pouso. Isso
pode ocorrer por alguns motivos (obra, defeito no pavimento etc.), mas normalmente
são fruto da existência de obstáculos em uma determinada distância e gradiente
em relação àquela cabeceira. Sempre que um obstáculo “interferir” na rampa de
aproximação de uma pista, a autoridade aeroportuária poderá empregar essa medida
restritiva, limitando a LDA.

Assim, com respeito ao que já abordamos sobre “Limitante de Peso para Pouso
definido pelo Comprimento da Pista” ou “Landing Field Length Limited Weight”,
esse limitante é o peso máximo com que uma aeronave é capaz de aterrissar,
utilizando no máximo 60% do comprimento de pista disponível.

Os mesmos regulamentos RBAC, FAR e JAR que tratam de requisitos para


operação em pistas secas, ditam que em caso de pista molhada o comprimento
mínimo requerido deve ser o comprimento necessário na condição de pista seca,
acrescido em 15%. Como a pista requerida (LDR) para operação em pista seca
é igual à distância real de pouso em pista seca, multiplicada por 1,67, a pista
requerida (LDR) para operação em pistas molhadas será a distância de pouso real
seca, multiplicada por 1,92 (1,67 x 115% = 1,92).

As figuras a seguir exemplificam o que tratamos anteriormente.

173
Capítulo 2

Figura 2.44 – Diagrama de Pista Requerida para Pouso – pista seca

Fonte: EMBRAER (2001).

Figura 2.45 – Diagrama de Pista Requerida para Pouso – pista molhada

Fonte: EMBRAER (2001).

Outros fatores podem obrigar o fabricante da aeronave a considerar acréscimos


à LDR, por medidas de segurança. Imaginem uma aeronave prosseguindo para
pouso, com determinado peso, sendo que ela apresenta inoperância em um dos
sistemas de frenagem (ou de Spoilers), por exemplo. Logicamente, a aeronave
nessas condições não será capaz de pousar e parar no mesmo comprimento
de pista que usaria, com todos os sistemas operando normalmente. Assim, os
fabricantes incluem em seus manuais outras limitações, geralmente impondo um
fator a ser multiplicado pela LDR, que garanta uma margem extra de segurança
para essas operações em condições anormais.

Para finalizarmos o assunto sobre limitantes de aproximação e pouso, podemos


afirmar que o peso máximo com que uma aeronave será capaz de pousar, será
aquele que cumpra com todos os requisitos aqui elencados. Ou seja, a aeronave
deve ser capaz de:

174
Teoria de Voo de Alta Velocidade

• cumprir os requisitos de arremetida na aproximação final – Approach


Climb, na condição de um motor inoperante;
• cumprir os requisitos de arremetida na configuração de pouso –
Landing Climb, na condição de todos os motores em operação;
• pousar nos limites da pista, conforme os requisitos da certificação;
• respeitar os limites de capacidade de frenagem da aeronave e dos
seus pneus;
• respeitar as limitações de peso para o tipo de pavimento da pista;
• respeitar as limitações operacionais de peso máximo de pouso, da
própria aeronave, definidos pelo fabricante.

Cada um dos fatores elencados anteriormente irá determinar um limite de


peso para pouso, sendo que o Peso Máximo de pouso da aeronave, para uma
determinada situação, será o mais restritivo (o menor) de todos.

Seção 3
Peso e Balanceamento

3.1 Introdução
A segurança de voo e o desempenho são os fatores mais importantes que devem
ser levados em consideração no projeto e na operação de uma aeronave. Até o
momento, estudamos as características aerodinâmicas dos voos transônicos,
bem como nos debruçamos sobre diversos aspectos que caracterizam a
performance de um avião.

Os conhecimentos adquiridos neste livro didático estão diretamente relacionados à


preservação tanto da vida humana quanto da aeronave, fornecendo parâmetros para
um voo econômico e eficiente. A compreensão do que estudamos até aqui visa a
fornecer ferramentas para o planejamento de um voo seguro, e é nesse sentido que
iniciamos um novo tópico, que trata da pesagem, carregamento e balanceamento
das aeronaves, para que sejam evitados problemas afetos à (SEST/SENAT, 2016):

• Manobrabilidade – relacionada ao consumo excessivo de combustível,


redução do teto de serviço, da razão de subida e da velocidade;
• Estrutura – danos irreversíveis na estrutura, em razão do sobrepeso,
causando uma alteração permanente no comportamento do voo.

175
Capítulo 2

Nesta Seção será possível compreender questões referentes aos fundamentos


teóricos do peso e do balanceamento de uma aeronave. Tais conceitos se
relacionam a grandezas físicas, uma vez que esta terminologia aeronáutica é
resultante de medições e de cálculos matemáticos.

O domínio da teoria conduz a técnicas e a procedimentos que qualificam a


manutenção e a operação da aeronave a níveis elevados de segurança, e de
garantia e de precisão exigidos para a preservação do ser humano e da máquina.
A finalidade principal do controle do peso e do balanceamento das aeronaves é
a sua segurança. Entretanto, uma segunda finalidade, não menos importante, é
o aumento da eficiência em voo, em termos de velocidade, autonomia, teto de
serviço e capacidade de manobra (ABREU; PIRES, 2016). Em última instância, a
operação de uma aeronave fora de seu envelope de peso e balanceamento pode
ter consequências desastrosas.

Segundo Saintive (2011), a expressão “Peso e Balanceamento” refere-se às


operações necessárias à determinação do peso máximo com que uma aeronave
poderá decolar e voar, da carga paga máxima que poderá transportar, bem como
da sua distribuição ao longo do avião e de seus compartimentos de carga, de
maneira a respeitar e manter o peso e o Centro de Gravidade do avião dentro dos
limites estabelecidos pelo fabricante.

Apenas para fins didáticos, facilitando o entendimento do tema, dividiremos


o Peso e Balanceamento em dois assuntos – o “Peso” e o “Balanceamento”.
Apesar de intimamente ligados e relacionados, faremos essa separação apenas
para auxiliar o estudo.

3.2 Pesos

3.2.1 Revisão Conceitual


Para uma correta compreensão do tema, cabe neste momento apontar os
principais conceitos e terminologias em relação ao Peso, no estudo do “Peso e
Balanceamento” das aeronaves.

Abreu e Pires (2016), Saintive (2011) e EMBRAER (2001) assim o definem, dividido
em duas categorias – Pesos Estruturais e Pesos Operacionais:

a. Pesos Estruturais (limitados pelo projeto da aeronave):


Peso Máximo Estrutural de Taxi (PMT) – Maximum Taxi Weight (MTW). Refere-
se ao limite de peso capaz de ser suportado pelo trem de pouso e pela estrutura
da aeronave, para operações de taxi. Também é conhecido por Peso Máximo de
Rampa (Maximum Design Ramp Weight – MRW).

176
Teoria de Voo de Alta Velocidade

Peso Máximo Estrutural de Decolagem (PMED) – Maximum Takeoff Gross


Weight (MTOGW).

Peso Máximo Estrutural de Pouso (PMEP) – Maximum Landing Gross Weight


(MLGW).

Peso Máximo Zero Combustível (PMZC) – Maximum Zero Fuel Weight (MZFW).

A carga, os tripulantes, os equipamentos, os passageiros e equipamentos são


colocados na fuselagem e a sustentação ocorre nas asas. Isso provoca um
momento fletor que tende a “dobrar as asas para cima”, caso haja demasiado
peso na fuselagem. Os tanques de combustível ficam nas asas, então, seu peso
não colabora para esse momento fletor; pelo contrário, o combustível equilibra-o.
O PMZC é então o peso máximo de carregamento da aeronave, sem combustível
– ou seja, um limitante para que não haja excesso de peso concentrado no eixo
da fuselagem.

Alguns aviões possuem tanques de combustível na fuselagem (o Concorde os


possuía, e outras aeronaves comerciais em suas versões militares, igualmente) ou
nos estabilizadores horizontais (MD-11). Para tais casos, esse combustível deve
ser computado como “carga”, e levado em conta para fins de cálculo do PMZC,
pelo fato de não se encontrar localizado nas asas.

Saintive (2011) pontua que as estruturas das aeronaves são dimensionadas


para suportarem com razoável margem de segurança os pesos e fatores de
carga projetados. Entretanto, quando excedidos, os excessos podem levar a
deformações permanentes na aeronave, trincas, fissuras e até a rupturas de
estruturas. Ao se exceder o PMZC, ao menos a vida útil da estrutura da aeronave
poderá ser comprometida, principalmente a raiz das asas.

Na figura a seguir, repare na primeira aeronave que, para efeitos de instrução, não
está abastecida. As forças de sustentação geram um momento fletor elevado,
forçando a raiz da asa. Já na segunda aeronave, o efeito fletor é minimizado
quando as asas se encontram abastecidas.

177
Capítulo 2

Figura 2.46 – Peso Máximo Zero Combustível, momentos fletores com e sem abastecimento nas asas

Fonte: Saintive (2011).

Lembre-se de que já estudamos a questão dos limitantes de performance, que


impactam no peso e na carga das aeronaves. Entretanto, deve-se ter em mente que
os Pesos Estruturais são limitantes primários – ou seja, mesmo que a performance
da aeronave assim o permita, nenhum avião pode operar acima de seus limitantes
estruturais de peso ou de balanceamento.

b. Pesos Operacionais:
Peso Vazio Equipado / Peso de Fábrica Vazio – Equipped Empty Weight ou
Manufacturer Empty Weight (EEW ou MEW) é o peso da estrutura do avião, motores,
instrumentos, poltronas na versão considerada, equipamentos portáteis (como os
de emergência) e equipamentos fixos considerados parte integral da aeronave. É
essencialmente um peso “seco”, incluindo apenas os fluidos contidos em sistemas
fechados como os de oxigênio, de extinção de incêndio e dos amortecedores
dos trens de pouso etc. Tal peso é fornecido pelo fabricante e consta na ficha de
pesagem da aeronave. Deve ser periodicamente atualizado por razão de repinturas,
instalação de novos equipamentos, modificações estruturais etc.

Peso Básico (PB) – Basic Weight, Empty Weight ou Basic Empty Weight (BW,
EW ou BEW) é o Peso Vazio Equipado (EEW / MEW), acrescido de fluido
hidráulico, óleo dos motores e APU, e de combustível não drenável.

Peso Básico Operacional (PBO) – Operational Empty Weight, Basic Operational Weight
ou Dry Operating Weight (OEW, BOW ou DOW) é o Peso Básico (PB) acrescido do
peso de itens operacionais que incluem: a tripulação com bagagem, serviço de copa,

178
Teoria de Voo de Alta Velocidade

kit de navegação da cabine (mapas, cartas etc.), jornais e revistas, água e produtos
químicos dos lavatórios. Duas aeronaves que saem da fábrica com o mesmo PB podem
ter PBO bem distintos, em virtude de seus operadores as equiparem diferentemente.

Carga Paga – Payload é a soma do peso dos passageiros e respectivas


bagagens de mão, das bagagens despachadas no porão (compartimento
de carga) e demais cargas (por exemplo, correios). Cada empresa possui um
cálculo para considerar o peso médio de cada passageiro, mas em geral um
número de consenso é o peso de 75 Kgf por pessoa, incluída a bagagem de mão.

Carga Paga Estrutural – É o máximo que a aeronave pode carregar, em termos de


carga, em função do Peso Máximo Zero Combustível. Assim, pode ser calculada
como sendo PMZC menos o PBO. A depender de limitantes de performance, a
Carga Paga Estrutural será superior ao disponível. Em outras palavras, a estrutura
do avião suporta uma carga paga que pode não estar totalmente disponível em
algumas situações, a depender de fatores limitantes da performance do avião.

Carga Útil – é a soma da Carga Paga e do combustível de decolagem.

Peso Zero Combustível (PAZC) – Actual Zero Fuel Weight (AZFW) é o peso da
aeronave carregada e sem combustível. Pode-se dizer que o PZC = PBO + carga paga.

Peso Operacional (PO) – Operational Weight (OW) é o PBO + combustível de decolagem.

Peso de Decolagem (PAD) – Actual Takeoff Weight (ATOW) é o peso da


aeronave carregada e abastecida para decolagem. PAD = PAZC + combustível de
decolagem, ou ainda PAD = Peso Operacional (PO) + carga paga.

Peso Máximo de Decolagem de Performance – Maximum Performance


Takeoff Weight (MPTOW) é o peso máximo de decolagem limitado pelos fatores
estudados neste Capítulo. Relembrando, os sete limitantes podem ser: a pista
(field limit), os freios (brake energy limit), a velocidade máxima dos pneus (tire
limit), a V1 mínima (V1 min limit), o tempo máximo de operação dos motores em
regime de decolagem (Takeoff Thrust Limit ), os gradientes de subida (takeoff
climb limit), e obstáculos nos segmentos de decolagem (obstacle limit). Também
é conhecido por RTOW – Regulated Takeoff Weight (ou seja, é o peso limite de
decolagem calculado para uma determinada pista, sob condições específicas).

Peso de Pouso (PAP) – Landing Weight (LW) é o peso que a aeronave terá no
pouso. Desconsiderados casos especiais, como o lançamento de paraquedistas,
alijamento de carga ou de combustível, ou abastecimento em voo, temos PAP =
PAD – consumo de combustível da etapa (trip fuel).

Os pesos de Zero Combustível, de Decolagem e de Pouso possuem limitações.


Cada aeronave, de acordo com as condições de tamanho de pista, temperatura,
altitude e outras, terá os seguintes limitantes de performance:

179
Capítulo 2

Peso Máximo de Decolagem (PMD) – Maximum Takeoff Weight (MTOW) – O


peso máximo de decolagem não é só uma limitação de estrutura, mas também
de performance. A aeronave, além de poder sustentar seu peso sem esforços
danosos sobre os trens de pouso, deverá decolar no comprimento de pista
disponível, considerando a temperatura, altitude, umidade do ar e outros fatores.
Também é considerado que a aeronave deverá permanecer controlável em caso
de pane de um motor durante ou após a decolagem. Este é o peso máximo
em que uma aeronave pode decolar, em qualquer circunstância, e é definido
pelo fabricante (ou seja, não está relacionado a nenhuma pista ou condição
específica). Repare que MPTOW/RTOW será sempre menor ou igual ao MTOW.

Peso Máximo de Pouso (PMP) – Maximum Landing Weight (MLW) – O Peso Máximo
de Pouso é calculado pelas limitações estruturais da aeronave, especialmente do
trem de pouso, mas também considera as limitações de performance, tais como
comprimento da pista, temperatura, altitude, umidade do ar e outros.

Consideramos aqui o Peso Máximo de Decolagem, que será o menor entre


os seguintes limites: Peso Máximo Estrutural de Decolagem, Peso Máximo de
Performance de Decolagem, Peso Máximo de Decolagem em função do Peso Máximo
Zero Combustível e Peso Máximo de Decolagem em função do Peso Máximo de
Pouso. Da mesma forma, o Peso Máximo de Pouso será o menor entre os limites: Peso
Máximo Estrutural de Pouso e o Peso Máximo de Pouso (limitado pela performance).

Saintive (2011) também define os diferentes conceitos relacionados ao


combustível da aeronave, quais sejam:

• Abastecimento de Combustível – block fuel ou total fuel é o peso


total do combustível, nos diferentes tanques do avião, antes da
partida dos motores.
• Combustível para o Táxi – taxi fuel é o quantitativo de combustível
planejado para ser utilizado na operação de taxiamento da aeronave,
até o ponto em que inicia a decolagem.
• Combustível de Decolagem – take off fuel é o peso remanescente
nos tanques da aeronave, quando inicia a decolagem.
• Combustível para a Etapa – trip fuel é o peso de combustível
previsto para ser consumido na etapa a ser voada, da decolagem ao
pouso, sem margens de segurança.
• Combustível Reserva / Combustível sobre o Destino – reserve fuel
/ fuel over destination é o combustível existente nos tanques para
fins de reserva. Caso não ocorram imprevistos no voo, deverá ser o
combustível remanescente nos tanques do avião, após o pouso.

180
Teoria de Voo de Alta Velocidade

Neste momento, faremos um pequeno exercício para o cálculo do Peso Máximo de


Decolagem (PMD). Este exemplo de cálculo é extraído de Abreu e Pires (2016, p. 81).

A figura abaixo exemplifica a sequência para o cálculo do PMD.

Figura 2.47 – Sequência para o cálculo do Peso Máximo de Decolagem

Fonte: Abreu e Pires (2016).

Imagine uma aeronave com as seguintes características de performance de peso:

• MTOGW....................191.000 libras (estrutural de decolagem)


• MPTOW....................180.000 libras (performance)
• MLW.........................160.000 libras
• MZFW.......................141.000 libras
• PBO / OEW / BOW.............90.000 libras
• Take off fuel............45.000 libras
• Trip fuel....................25.000 libras

Determine o PMD e o peso disponível para carga e combustível.

181
Capítulo 2

A primeira coluna representa o cálculo do PMD em função do PMP (Peso Máximo


de Pouso / MLW). Ao Peso Máximo de Pouso, soma-se o combustível previsto para
ser consumido na etapa. A segunda coluna refere-se ao cálculo do PMD em função
do PMZC. Ao Peso Máximo Zero Combustível (MZFW) soma-se o combustível total
programado para a decolagem. A terceira e a quarta coluna expressam diretamente
o Peso Máximo Estrutural de Decolagem e o Peso Máximo de Decolagem limitado
pelos vários fatores de performance. Dos quatro pesos, o menor é o limitado
pela performance. Logo, esse deve ser respeitado – ou seja, o PMD = 180.000 lb.

Para calcularmos o peso disponível, subtraímos do PMD o Peso Básico


Operacional e o abastecimento necessário na decolagem.

Peso disponível = PMD – PBO – Abastecimento (take off fuel) = 180.000 – 90.000
– 45.000 = 45.000 lb.

Agora que já sabemos que é possível “carregar” a aeronave com 45.000 lb, resta-
nos saber se todo esse peso pode ser levado como carga, ou se haverá restrições
para tal. Para fazer essa avaliação, temos que considerar o PMZC.

Se carregarmos a aeronave (sem acrescentar combustível extra) com 45.000 lb,


teremos que o PAZC será igual ao PBO + 45.000 = 90.000 + 45.000 = 135.000
lb, ou seja, inferior ao limitante de 141.000 lb (PMZC). Tal resultado, abaixo do
Peso Máximo Zero Combustível, permite-nos afirmar que é possível carregar
a aeronave com todo o peso disponível de 45.000 lb, caso necessário. Nessas
condições, também é possível distribuir parte das 45.000 lb em carga e em
combustível extra, a critério e segundo a necessidade do voo.

Observe que, caso o Peso Disponível resultasse na ultrapassagem do PMZC


(MZFW), o excedente de peso (acima do PMZC) não poderia ser empregado
para carregar a aeronave, mas somente utilizado para fins de complemento
do abastecimento nas asas. Lembre-se de que o PMZC não limita o
abastecimento de combustível da aeronave nas asas!

3.2.2 Consequências da operação de aeronaves em condições de


sobrepeso
Bem, no tocante ao peso da aeronave, observe que qualquer item desnecessário
a bordo, que aumente o peso total, sempre será algo indesejável para o
desempenho. Os fabricantes têm como uma das metas tornar uma aeronave o
mais leve possível, sem sacrificar a resistência estrutural ou a segurança.

O piloto ou operador da aeronave deve estar sempre ciente das consequências


de uma sobrecarga de peso. Uma aeronave sobrecarregada pode até não ser
capaz de deixar o solo, ou apresentar em voo características inesperadas e de
baixa performance. Se não for carregada corretamente, a indicação inicial de baixo
desempenho normalmente já poderá ser notada durante a decolagem. Veremos

182
Teoria de Voo de Alta Velocidade

mais adiante que, para a segurança e melhor performance da aeronave, não basta
apenas seguir os seus limitantes de peso, mas também determinar como será sua
distribuição ao longo da aeronave, de acordo com os limites do Centro de Gravidade.

Vejamos mais detalhadamente como a sobrecarga de peso pode afetar o voo de


uma aeronave.

a. Consequências do sobrepeso em relação à performance


O excesso de peso reduz o desempenho do voo em quase todos os aspectos.
Segundo USA (2016, pilot`s handbook), as deficiências mais significativas
apresentadas por uma aeronave sobrecarregada são:

• Maior velocidade de decolagem;


• Corrida de decolagem mais longa;
• Redução da razão e do ângulo de subida;
• Redução do Teto de Serviço;
• Redução do Alcance e da Velocidade de Cruzeiro;
• Piora da Manobrabilidade;
• Maior velocidade de aproximação e de pouso, com consequente
necessidade de maior comprimento de pista para a desaceleração e parada;
• Maiores velocidades de aproximação e de pouso; e
• Excesso de peso na roda do nariz ou na roda da cauda (para
aeronaves menores).

O piloto deve ter conhecimento do efeito do peso no desempenho da sua


aeronave. O planejamento de pré-voo deve incluir uma verificação dos gráficos de
desempenho, para determinar se o peso da aeronave pode acarretar condições
de voo perigosas. O peso excessivo por si só reduz as margens de segurança
disponíveis para o piloto, e se torna ainda mais perigoso quando outros fatores de
redução de desempenho são combinados.

De tudo o que já estudamos até aqui, observe que o piloto também deve considerar as
consequências de uma aeronave com excesso de peso, para os casos de operação
em condições climáticas adversas que degradam a performance (turbulência ou
rajadas de vento, por exemplo, ocasiões em que a aeronave é submetida a esforços
por cargas aerodinâmicas (cargas ‘G”). Ainda, é necessário sempre imaginar a
possibilidade de se deparar com diversas condições de emergência ou de inoperância
de algum sistema da aeronave. Se um motor falhar na decolagem ou em caso de
formação de gelo na fuselagem ou nas asas a baixa altitude, geralmente será muito
tarde para tentar reduzir o peso de uma aeronave para mantê-la no ar.

183
Capítulo 2

Ao estudarmos anteriormente a performance das aeronaves, você deve se lembrar de


que o desempenho de decolagem / subida e pouso de uma aeronave é determinado
com base em seus pesos máximos permitidos de decolagem e de pouso. Maiores
pesos resultam em uma corrida de decolagem mais longa e num desempenho de
subida degradado, assim como em uma velocidade de aterrissagem maior e uma
rolagem de pouso também mais longa. Mesmo uma pequena sobrecarga pode
inviabilizar que uma aeronave ultrapasse um obstáculo, que normalmente não seria
um problema durante a decolagem em condições mais favoráveis.

Os efeitos prejudiciais da sobrecarga no desempenho não estão limitados


aos riscos imediatos envolvidos com decolagens e aterrissagens. Conforme
mencionamos há pouco, a sobrecarga tem um efeito adverso em toda a subida e
desempenho de cruzeiro, o que leva ao superaquecimento dos motores durante
as subidas e ao maior desgaste nas suas peças, além de maior consumo de
combustível e velocidades de cruzeiro mais lentas e alcance reduzido.

Os fabricantes de aeronaves modernas fornecem dados minuciosos e precisos de


peso e balanceamento para cada aeronave produzida. Geralmente, essas informações
podem ser encontradas no AFM (Aircraft Flight Manual) / POH (Pilot Operating
Handbook), aprovado pela autoridade certificadora da aeronave, com acesso a
gráficos para determinar os dados de peso e balanceamento (gráficos e planilhas
impressas ou, como já discutimos, softwares que fornecem essas análises). Em
qualquer situação, o aumento do desempenho e a capacidade de transporte de carga
dessas aeronaves exigem estrita aderência às limitações operacionais prescritas pelo
fabricante. Desvios das recomendações podem resultar em danos estruturais ou
falha total da estrutura da aeronave. Mesmo que uma aeronave esteja bem carregada
dentro das limitações de peso máximo, é imperativo que a distribuição de peso esteja
dentro dos limites de passeio do CG (abordaremos este assunto adiante).

b. Consequências do sobrepeso em relação à estrutura


O efeito do peso adicional na estrutura da asa de uma aeronave pode não
ser percebido de imediato. De acordo com USA (2016, pilot`s handbook), os
requisitos de aeronavegabilidade determinam que a estrutura de uma aeronave
certificada na categoria normal (na qual as acrobacias são proibidas) deve ser
forte o suficiente para suportar um fator de carga de 3,8 G, para lidar com forças
aerodinâmicas advindas de manobras e rajadas de vento. Isso significa que a
estrutura primária da aeronave pode suportar uma carga de 3,8 vezes o seu peso
bruto aprovado, sem que ocorram falhas estruturais.

Se isso for aceito como indicativo dos fatores de carga que podem ser impostos
durante as operações para as quais a aeronave se destina, uma sobrecarga de 100
libras impõe uma potencial sobrecarga estrutural de 380 libras. A mesma consideração
é ainda mais impressionante no caso das aeronaves utilitárias e da categoria
acrobática, que possuem requisitos de fatores de carga de 4,4 e 6,0, respectivamente.

184
Teoria de Voo de Alta Velocidade

De acordo com USA (2016, pilot`s handbook), as falhas estruturais que resultam
de uma sobrecarga podem afetar progressivamente os componentes de uma
aeronave, de uma maneira difícil de ser detectada e muito cara de ser reparada. A
sobrecarga habitual tende a causar estresse cumulativo e danos que podem não
ser identificados durante as inspeções prévias, e culminam mais tarde em falhas
estruturais “aparentemente” sem causas, durante operações completamente
normais. Ou seja, a tensão adicional aplicada nas peças estruturais por
sobrecarga acelera a ocorrência de falhas por fadiga.

Um conhecimento dos fatores de carga impostos pelas manobras de voo e


rajadas de vento enfatiza as consequências de um aumento no peso bruto de uma
aeronave. A estrutura de uma aeronave prestes a sofrer um fator de carga de 3 G,
como na recuperação de um mergulho íngreme, deve ser preparada para suportar
uma carga adicional de 300 libras para cada aumento de 100 libras em peso.

Repare que as aeronaves civis certificadas foram analisadas estruturalmente,


e testadas quanto ao voo com o peso bruto máximo autorizado, nos limites
de velocidades indicadas para o tipo de voo a ser realizado. Os voos com
pesos superiores geralmente são possíveis e se encaixam nas capacidades de
desempenho de uma aeronave. Entretanto, esse fato não deve induzir em erro ao
piloto, pois ele pode não perceber que cargas para as quais a aeronave não foi
projetada estão sendo impostas, a toda ou parte da estrutura.

Também é necessário se observar que, ao carregar uma aeronave com


passageiros ou carga, a estrutura deve ser considerada. Assentos,
compartimentos de bagagem e pisos de cabine são projetados para somente
uma certa quantidade ou concentração de carga. Por exemplo, um determinado
compartimento de bagagem pode ser limitado por sua resistência de estrutura de
suporte, mesmo que a aeronave não esteja sobrecarregada ou fora dos limites do
CG com mais peso naquele local.

c. Consequências do sobrepeso em relação à manobrabilidade e


controlabilidade
A sobrecarga também afeta a estabilidade de voo. Uma aeronave que é estável
e controlável quando corretamente carregada, pode apresentar características
de voo muito diferentes quando sobrecarregada. Embora a distribuição de
peso tenha um efeito mais direto sobre isso (trataremos mais adiante, quando
abordarmos a questão do balanceamento), um aumento no peso bruto da
aeronave pode ter um efeito adverso na estabilidade, independentemente da
localização do CG. A estabilidade de muitas aeronaves certificadas pode ser
completamente insatisfatória se os limitantes de peso estruturais ou operacionais
forem excedidos.

185
Capítulo 2

3.3 Balanceamento
Agora já sabemos que é necessário respeitar os limites de peso de uma aeronave,
determinados pelos seus fabricantes, dessa forma, é preciso reconhecermos como
distribuir o peso pelos diversos compartimentos da aeronave (sejam eles advindos
de combustível, carga, passageiros, material de apoio de bordo etc.), a fim de que
ela apresente condições de voo estáveis, dentro de sua capacidade de equilíbrio.

Em algumas aeronaves, não é possível preencher todos os assentos,


compartimentos de bagagem e tanques de combustível, e ainda permanecer
dentro dos limites de peso ou balanceamento aprovados. Por exemplo, em
várias aeronaves pequenas de quatro lugares, os tanques de combustível
podem não ser abastecidos quando os quatro ocupantes e suas bagagens
tiverem de ser transportados. Já em uma determinada aeronave de dois
lugares, nenhuma bagagem pode ser transportada no compartimento de trás
dos assentos, quando manobras de treinamento de parafuso são praticadas.
Grandes aeronaves também estão sujeitas a limitações de carregamento, em
função do posicionamento de seu Centro de Gravidade. É importante que o piloto
esteja ciente das limitações de peso e de equilíbrio da aeronave que está sendo
pilotada, bem como das razões para a existência dessas limitações.

Uma aeronave apresenta basicamente três tipos de equilíbrio rotacional – o


equilíbrio vertical (relativo ao movimento de arfagem), o equilíbrio lateral
(relativo à rolagem) e o equilíbrio direcional (relativo à guinada). Desses três, o
equilíbrio direcional não é diretamente afetado pela distribuição de peso, mas
os demais sim. O equilíbrio lateral é fundamentalmente afetado pela distribuição
e consumo de combustível nas asas – assim, uma vez que sejam respeitados
os limites de desbalanceamento de combustível nas asas (ou seja, uma asa
contendo mais combustível do que outra), a aeronave não terá o seu equilíbrio
lateral afetado a ponto de comprometer a segurança, mas somente o seu
desempenho – por conta do acréscimo de arrasto ao voar “descoordenada”).

Entretanto, para efeitos de nosso estudo neste momento, vamos nos ater
em mais detalhes à questão do equilíbrio vertical (longitudinal) da aeronave.
Para garantir que o carregamento de tripulantes, passageiros e cargas (e
eventualmente de combustível na fuselagem – que tem comprimento bem maior
do que a largura e a altura), a preocupação diz respeito à posição longitudinal
dessas massas, ou seja, se estão muito à frente ou muito atrás de uma posição
definida como Centro de Gravidade (CG).

186
Teoria de Voo de Alta Velocidade

A principal preocupação em equilibrar uma aeronave é a localização anterior e


posterior do CG, ao longo do eixo longitudinal. O CG não é necessariamente um
ponto fixo, pois depende da distribuição de peso na aeronave. Como os itens
de carga variável são deslocados ou gastos, há uma resultante mudança na
localização do CG. A distância entre os limites de avanço e de recuo do CG é
certificada para uma aeronave pelo seu fabricante, e o piloto deve perceber que
se o CG for deslocado muito para a frente no eixo longitudinal, uma condição de
nariz pesado resultará. Inversamente, se o CG é deslocado muito para trás no eixo
longitudinal, resultará em uma condição pesada da cauda. É possível que o piloto
não consiga controlar a aeronave se a localização do CG produzir uma condição
instável – ou seja, fora do envelope certificado ou determinado pelo fabricante.

Neste momento, sugerimos que o aluno leia o conteúdo do Item 2.2 do livro didático
de Abreu e Pires (2016), o qual será parcialmente apresentado a seguir, para que sejam
compreendidos alguns conceitos básicos sobre o balanceamento das aeronaves.

3.3.1 Revisão Conceitual


Sendo a aeronave um corpo extenso, suas dimensões são relevantes em
termos de equilíbrio. No entanto, quando a consideramos como um objeto
pontual, é como se toda a sua massa estivesse concentrada em um ponto
denominado Centro de Gravidade (CG). Você sabe que um avião é formado
por diversos componentes (fuselagem, trem de pouso, compartimentos de
carga, empenagens, asas, motores, pilones etc.), sendo cada um dotado de uma
determinada massa e localizado em um local distinto do conjunto da aeronave.
Se pudermos somar o peso (massa x força da gravidade) total do avião, a força
resultante agirá no CG.

Como veremos adiante, a posição do CG é essencial para a estabilidade


longitudinal da aeronave, e muitas vezes um fator crítico em termos de
carregamento, principalmente nos aviões de pequeno porte e nos cargueiros, e
possui grande influência em seu desempenho e segurança (SAINTIVE, 2011). Os
limites anterior e posterior do Centro de Gravidade são usualmente definidos em
termos de percentual da Corda Média Aerodinâmica das asas.

A Corda Média Aerodinâmica (CAM) ou Mean Aerodynamic Chord (MAC),


anteriormente referida, é uma linha de um aerofólio retangular imaginário, tendo
esse a mesma área da asa a ser estudada, e capaz de produzir uma idêntica
resultante de sustentação vetorial (EMBRAER, 2001). De forma simplificada, é a
linha paralela ao fluxo de ar, que une o bordo de ataque ao bordo de fuga da asa.

187
Capítulo 2

Figura 2.48 – Corda Média Aerodinâmica, obtida a partir de um aerofólio retangular imaginário,
equivalente ao original

Fonte: EMBRAER (2001).

Revendo o que já estudamos sobre perfis de aerofólios no Capítulo anterior, a


figura a seguir identifica as principais nomenclaturas básicas de um aerofólio,
onde pode ser observada a linha da Corda Média Aerodinâmica.

Figura 2.49 – Elementos Geométricos de um aerofólio – Corda Média Aerodinâmica

Fonte: Canal Piloto (2013).

Lembre-se de que a sustentação gerada por uma asa é obtida a partir da integração
de todas as pressões exercidas sobre ela, e tal resultante ocorre em um determinado
ponto denominado Centro de Pressão (CP). Assim como o CG, a localização do CP
também é expressa em termos de percentual da Corda Média Aerodinâmica, medida
a partir do bordo de ataque do perfil. A próxima figura exemplifica a questão tratada
anteriormente, com respeito às asas que não possuem perfil retangular. No Capítulo 1
já estudamos as asas enflechadas, e você deve se lembrar de como elas são.

188
Teoria de Voo de Alta Velocidade

De acordo com Saintive (2011), as asas enflechadas possuem seções que diferem
em comprimento, mas existirá um segmento em cada metade de asa cujas
características aerodinâmicas refletem a média da metade da asa, possibilitando
assim a localização do Centro de Pressão.

Figura 2.50 – Localização do Centro de Pressão em asas enflechadas

Fonte: Saintive (2011).

Para possibilitar uma medição correta do posicionamento de cada massa da


aeronave, é preciso que se defina uma referência. Em aviação, essa referência
é denominada de Plano de Referência (Datum), ou seja, um plano vertical
perpendicular ao eixo longitudinal da aeronave, posicionado adequadamente para
que se façam as medidas necessárias aos cálculos de balanceamento. O plano
pode ser estabelecido em qualquer posição, mas, uma vez determinada, essa
deve ser mantida para todos os cálculos. Pode-se provar, matematicamente, que
os cálculos feitos com o plano em uma posição produzem os mesmos resultados
caso fossem feitos com o plano em qualquer outra posição.

Por conveniência, costuma-se usar o plano à frente do nariz da aeronave, para


que se obtenham números positivos e menores possíveis, facilitando os cálculos.
As duas figuras abaixo apresentam o posicionamento do Plano de Referência
(Datum), respectivamente, para uma aeronave de pequeno porte e outra de médio
porte. Já a terceira figura representa exemplos de diferentes posicionamentos do
Plano de Referência.

189
Capítulo 2

Figura 2.51 – Diagrama de nivelamento da aeronave Embraer 711 Corisco

Fonte: Manual de Operações EMB-711 ST – CORISCO II. EMBRAER (1980. p. 6.3).

Figura 2.52 – Posicionamento do Plano de Referência na aeronave Embraer 145

Fonte: Manual de Manutenção de Aeronaves (2014).

190
Teoria de Voo de Alta Velocidade

Figura 2.53 – Diferentes posicionamentos do Plano de Referência

Fonte: Manual de Manutenção de Aeronaves (2014).

Vejamos outros termos empregados no estudo do Peso e Balanceamento de


aeronaves. Você encontrará nas literaturas aeronáuticas o termo Estação. Nada
mais é do que um local designado ao longo da fuselagem do avião, dado em
função da distância do plano de referência, utilizado para facilitar a localização de
uma determinada massa.

Também presente nas literaturas e advindo da física, o conceito de Braço


identifica a distância horizontal entre o plano de referência (Datum) e uma
determinada Estação de interesse (por definição, o Braço apresentará valor
positivo se for localizado à direita do Datum, e negativo quando se encontrar à
esquerda). Igualmente oriundo da física, o Momento de um corpo qualquer é o
produto de seu peso pelo braço, e corresponde ao torque em torno de um ponto
situado no plano de referência.

191
Capítulo 2

Por fim, para facilitar os cálculos dos momentos, alguns fabricantes recomendam
a adoção de índices que, aplicados para todos os cálculos, possibilitam que se
trate com números resultantes menores (ao multiplicarmos determinados pesos
pelos braços correspondentes, muitas vezes encontramos valores com grandezas
de alguns dígitos). São os chamados Index System (sistemas de indexação), uma
convenção para apresentar os valores dos momentos. Os valores são convertidos
para um sistema de medida diferente, apenas para facilitar os cálculos e propiciar
o trabalho com grandezas mais reduzidas (alguns fabricantes simplesmente
recomendam dividir os momentos por 100, 1.000 ou 10.000, por exemplo).

Abreu e Pires (2016) relembram que o balanceamento de aeronaves se baseia


no equilíbrio rotacional de um corpo extenso, cuja condição essencial é a de
que a soma dos Momentos deve ser zero (por este motivo, a teoria do Peso
e Balanceamento de aeronaves é dita como baseada na “teoria da alavanca”).
Na verdade, como a aeronave tem superfícies de comando que podem ser
atuadas para gerar forças extras de equilíbrio (profundor – no caso do equilíbrio
longitudinal), existe uma margem de segurança quanto à posição do CG.

A localização do CG com referência ao eixo lateral também é importante. Para


cada item de peso existente à esquerda da linha central da fuselagem, existe
um peso igual em um local correspondente à direita. Isso pode ser alterado pelo
carregamento lateral desequilibrado. A posição do CG lateral não é computada
em todas as aeronaves, mas o piloto deve estar ciente de que efeitos adversos
surgem como resultado de uma condição de desequilíbrio lateral.

Em um avião, o desequilíbrio lateral geralmente ocorre se a carga de combustível


for mal administrada. Isso pode acontecer no próprio abastecimento (carregando
uma asa mais do que a outra), ou mesmo em voo (permitindo que os motores
consumam combustível das asas de maneira desigual, resultando em situações
de desbalanceamento). Até atingir o limite de desbalanceamento definido pelo
fabricante, o piloto pode compensar uma condição de asa pesada, ajustando
os compensadores (Trim) ou mantendo uma pressão constante na superfície de
controle (ailerons). Entretanto, essa ação coloca tais superfícies de controle da
aeronave em uma condição de desalinhamento, o que gera aumento de arrasto e
menor eficiência operacional (USA, 2016, pilot handbook).

Pilotar uma aeronave que está desequilibrada pode produzir um aumento de


fadiga do piloto, com efeitos óbvios na segurança e na eficiência do voo. A
correção natural do piloto para sobrepujar um desequilíbrio longitudinal é um
ajuste de compensação, no intuito de reduzir a pressão excessiva sobre o
profundor. A compensação excessiva, no entanto, tem o efeito de penalizar a
eficiência aerodinâmica da superfície de controle.

192
Teoria de Voo de Alta Velocidade

Importa também lembrar que uma aeronave deve ser capaz de voar em
condições distintas, com velocidades baixas nas fases de decolagem e de pouso,
e com velocidades superiores em regimes de subida, descida e cruzeiro. Ainda, à
medida que consome combustível, as condições de equilíbrio se alteram.

Para todas essas situações, a posição do CG deve permitir que o profundor seja
capaz de gerar sustentação (negativa ou mesmo positiva) para compensar o
desequilíbrio longitudinal gerado pela diferença de posicionamento entre o CG
e o CP. Nesse sentido, é que os fabricantes delimitam uma gama de localização
do CG – denominada “passeio do CG”, para cada peso e fase do voo. Caso
não sejam respeitados esses limites, poderá ocorrer uma condição em que o
profundor não seja capaz de gerar força suficiente para estabilizar o voo (ou para
desestabilizá-lo, nos casos de necessidade de aumento ou diminuição do AOA,
na decolagem e pouso por exemplo) e contrapor-se ao momento gerado pela
sustentação das asas. Para pequenas correções, os profundores são dotados de
superfícies de compensação (Trim), que aliviam a força necessária a ser feita pelo
piloto ou pelo sistema de automação de controle de voo.

Você também deve se recordar do que já estudamos no Capítulo anterior, com


respeito aos Estabilizadores Horizontais de Incidência Variável. Eles são usualmente
empregados nas aeronaves que operam em regime transônico e, no tocante ao
balanceamento da aeronave, contribuem para uma maior eficiência na geração de
forças na cauda e, consequentemente, para o controle longitudinal da aeronave, em
situações em que seja necessária a alteração do AOA da aeronave. Ao variar sua
incidência como um todo, os Estabilizadores Horizontais com Incidência Variável geram
menor arrasto, tornando-se mais eficientes e possibilitando à aeronave operar em
uma gama maior de velocidades. Nas operações de decolagem, o posicionamento do
Estabilizador Horizontal de Incidência Variável é realizado em função da localização do
CG da aeronave.

Por encontrar-se à direita do CG (ou seja, para trás da aeronave, em direção à


cauda), o Centro de Pressão (CP) – no qual atua a resultante da sustentação das
asas, funciona como o ponto de apoio de uma gangorra, conforme descrevem as
figuras abaixo.

193
Capítulo 2

Figura 2.54 – Distribuição de forças no equilíbrio longitudinal da aeronave

Fonte: Aeromagazine (2014).

À superfície de controle de um estabilizador horizontal, o profundor, pode ser


direcionado tanto para cima quanto para baixo, dependendo das condições de
voo. Observe a figura anterior. A força gerada pelo profundor controla o avião em
torno do eixo longitudinal, bem como compensa a aeronave para as variações de
CG e de velocidade. Além disso, o profundor é usado para compensar as forças
de empuxo dos motores, que não atuam pelo CG.

Agora repare nas figuras a seguir. Na primeira, duas massas iguais equilibram-
se sobre um apoio, equidistantes dele. Ou seja, ambas as massas apresentam
momentos iguais (2.000 m x Kgf) em relação ao ponto de apoio. Nessa condição,
observa-se um equilíbrio e a gangorra não se move.

Figura 2.55 – Equilíbrio de momentos – analogia da gangorra

Fonte: Saintive (2011).

Já na figura abaixo, em que pese o fato de que as massas s tenham se mantido


com o mesmo valor, o Braço da massa à direita foi estendido em relação ao
Braço da massa da esquerda, provocando um desequilíbrio de momentos (1.400
m x Kgf contra 2.400 m x Kgf) e a gangorra irá efetuar um rolamento para a direita
(para o lado de maior momento).

194
Teoria de Voo de Alta Velocidade

Figura 2.56 – Desequilíbrio de momentos – analogia da gangorra

Fonte: Saintive (2011).

O voo reto e nivelado só é possível se as forças verticais estiverem balanceadas,


isto é, se a soma delas for igual a zero. Além disso, os momentos gerados por
cada força sobre qualquer eixo de rotação (atuando aqui no CP) também devem
ser balanceados. Na figura a seguir, as forças estão localizadas de tal forma que
proporcionam uma situação de equilíbrio.

Figura 2.57 – Equilíbrio de Forças e de Momentos em voo nivelado

Fonte: EMBRAER (2001).

Para uma melhor compreensão sobre os conceitos de torque, equilíbrios estático,


dinâmico, translacional e rotacional, sugerimos a leitura da Seção 3 (Noções de
estática do corpo extenso) do Capítulo 1 de Abreu e Pires (2016). Vale a pena,
também, o aluno aprofundar um pouco mais o estudo e revisar quais são as
forças atuantes em uma aeronave em voo, o que também pode ser obtido na
mesma Seção do livro referenciado.

3.3.2 Carregamento e Cálculo do CG


USA (2016) (pilot handbook) define que existem inúmeros métodos para calcular
corretamente o carregamento de uma aeronave, sendo três os mais conhecidos:
o método computacional (quando se realizam cálculos matemáticos básicos)
e os métodos de consulta de gráficos e de consulta de tabelas fornecidas pelo
fabricante. Para as modernas aeronaves comerciais, seus fabricantes disponibilizam

195
Capítulo 2

ferramentas computacionais práticas, que podem ser utilizadas por pessoal de terra ou
mesmo pelos pilotos (tais aplicativos funcionam em tablets ou notebooks), e que realizam
os cálculos de balanceamento da aeronave de maneira rápida, intuitiva e segura. As
figuras a seguir apresentam imagens de exemplo desses aplicativos.

Figura 2.58 – Exemplo de aplicativo para cálculo de carregamento e de CG de uma aeronave executiva –
EMBRAER Phenom

Fonte: Embraer Jet Operators Association (2019).

Figura 2.59 – Exemplo de aplicativo para cálculo de carregamento e de CG de uma aeronave da Airbus

Fonte: Airbus DS Weight and Balance.

Vejamos agora um exercício de carregamento e de cálculo de CG de uma aeronave,


proposto por Abreu e Pires (2016), no qual é empregado o método computacional.

196
Teoria de Voo de Alta Velocidade

Nossa missão será distribuir os pesos na aeronave, para que o CG seja


posicionado dentro dos limites estabelecidos pelo fabricante. Isso não é tão
difícil, se considerarmos que os elementos que acrescentarão peso à aeronave
(cabine dos pilotos, compartimentos de bagagens etc.) estão localizados em
posições definidas. Essas posições possuem seus braços descritos nos manuais
de carga da aeronave, fornecidos pelo fabricante.

A determinação da posição do CG é obtida considerando-se a propriedade de


que “a soma de todos os momentos é igual ao momento total”, sendo o momento
total igual ao peso total multiplicado pelo braço do CG.

Vejamos a seguinte equação:

No primeiro termo da equação, o símbolo Σ (sigma) representa a soma de todos


os produtos mi .bi, sendo que mi é a massa de um setor i e bi é o braço desse
setor. M é a massa total e bCG é o braço do CG. Para simplificar os cálculos
utilizamos a massa e não o peso (peso = massa x aceleração da gravidade), mas
isso não afeta os cálculos finais.

Suponha que tenhamos medido três setores de uma aeronave. Nesse caso, n=3 e
vamos somar m1.b1 + m2.b2 +m3.b3 para obter a soma dos momentos.

O CG com peso vazio, ou CGPV, já definido pelo fabricante, foi obtido dessa
forma e pode ser usado para calcular a mudança de posição do CG ao se
acrescentar mais carga.

Vejamos o seguinte exemplo:

Figura 2.60 – Exemplo de Estações para medição de balanceamento de uma aeronave

Fonte: Abreu e Pires (2016).

197
Capítulo 2

Seja a aeronave representada com as respectivas estações indicadas na figura


anterior. O seu CGPV é fornecido pelo fabricante, mas para efeitos de exercício,
será calculado aqui, considerando que uma pesagem efetuada com balanças sob
as rodas do trem de pouso (os pontos de apoio para pesagem de uma aeronave
são denominados “pontos de pesagem”) forneceu as seguintes medições:

• Peso sobre a bequilha: 600 kg


• Peso sobre cada trem principal: 2.500 kg

Observando o gráfico, vemos que o braço da bequilha é de 4,5 m e, o de cada


trem principal, 7,5 m.

Podemos, então, calcular a soma dos momentos:

Então, 40.200 Kg.m é a soma dos momentos que deve ser igual ao momento total
M.bCG.

Sendo M a massa total (600+2.500 +2.500=5.600), então:

bCG = Momento total/M = 40.200/5.600 = 7,18 m

A posição do CG está indicada na figura anterior por um círculo preto e branco.

Consideremos agora que seja necessário realizar o carregamento e


abastecimento dessa aeronave, de acordo com os seguintes fatores:

• Piloto e copiloto: 80 kg cada, com bagagem


• Abastecimento: 1000 kg
• Carregamento (Estação 10): 1000 kg

Esses dados representam acréscimos, tanto nos momentos quanto no peso total.
Assim:

Momentos Piloto e Copiloto: 80x4 + 80x4 = 640 kg.m

Peso Pilotos: 160 kg

198
Teoria de Voo de Alta Velocidade

Momento Combustível: 1000 x 6,5 = 6500 kg.m

Peso Comb.: 1000 kg

Momento Carga: 1000.10 = 10.000 kg.m

Peso Carga: 1000 kg

Momento vazio = 40.200 kg.m

Peso Vazio: 5.600 kg

Momento Total = 640 + 6500 + 10000 + 40200 = 57.340 kg.m

Peso Total: 160 + 1000 + 1000 + 5600 = 7.760 kg

Braço do CG carregado = Momento Total / Peso Total = 57.340 Kg.m/7.760 Kg =


7,39 m

Com esse exercício, concluímos que ao serem adicionados os pesos da


tripulação, do combustível e da bagagem, o CG deslocou-se um pouco para trás
em relação ao CG da aeronave vazia. Deve-se verificar, nas especificações da
aeronave, se tal deslocamento se encontra dentro da margem de passeio do CG.
Caso o deslocamento do CG leve a uma posição inadequada, o planejamento
de carga e/ou abastecimento deve ser refeito, para que os requisitos sejam
atendidos.

Ao longo do voo, logicamente ocorrerá uma redução na quantidade de


combustível a bordo da aeronave. É de se esperar, então, que o CG deve
permanecer dentro dos limites definidos pelo fabricante, mesmo após consumido
o combustível. Assim, qual será a posição do CG da aeronave do exemplo
anterior, depois de consumido todo o combustível?

Para responder a esta pergunta, devemos retirar do momento total o momento do


combustível e, do peso total, o peso do combustível, recalculando o braço do CG:

199
Capítulo 2

Momento da aeronave carregada sem combustível = (57340 – 6500)

Peso da aeronave carregada sem combustível = (7760 – 1000)

Braço do CG carregado sem combustível: (57.340 – 6.500) / (7.760 – 1000) = 8,48!

Observe que o CG foi deslocado para uma posição muito traseira, o que pode
causar problemas. Algumas vezes, para resolver problemas de carregamento
usam-se lastros, que são pesos inertes colocados para equilibrar a aeronave.

Em nosso exemplo, encontramos a posição do CG expressa em distância do


plano de referência, mas isso exige que conheçamos a posição do plano. Como
comentado, o cálculo pode ser feito usando um plano em qualquer posição, mas
se o resultado for expresso em distância do plano, há que se saber onde ele se
encontra. Uma solução para esse problema é o uso da porcentagem da Corda
Média Aerodinâmica (CMA).

Figura 2.61 – Corda Média Aerodinâmica

Fonte: Abreu e Pires (2016).

Na figura anterior, há a representação da CMA com o posicionamento do CGPV.


Ele se encontra a 7,18 do plano de referência, sobre a CMA, que vai de 6,5 a 8,5.

Então, podemos afirmar que o CGPV se localiza a 0,68 (7,18 – 6,5) de um


comprimento total de 2 (8,5 – 6,5), o que nos aponta para 34% da CMA.

A limitação de posição do CG poderá ser dada, então, em porcentagem da


CMA, como por exemplo de 30% a 40% da CMA. Conforme já comentamos
anteriormente, tal variação é chamada de Passeio do CG.

As duas figuras a seguir representam envelopes de CG de duas aeronaves


comerciais, respectivamente, do trijato McDonnell Douglas MD-11 e do Airbus
A330. Repare que o fabricante define envelopes (passeios) do CG mais restritivos
para as operações de decolagem e pouso, haja vista a necessidade de controle
da aeronave mais apurado nessas fases de voo, e pela incapacidade do conjunto
estabilizador horizontal / profundor de gerar as forças de equilíbrio em grandes
quantidades, em função do baixo regime de velocidade empregado.

200
Teoria de Voo de Alta Velocidade

Figura 2.62 – Envelope de Passeio do CG – Aeronave McDonnell Douglas MD-11

Fonte: Saintive (2011).

Figura 2.63 – Envelope de Passeio do CG – Aeronave Airbus A330

Fonte: PPRUNE, Flight Deck Forums (2010).

201
Capítulo 2

De acordo com USA, 2016 (pilot handbook), os projetistas de aeronaves localizam


a posição anterior e posterior do CG o mais próximo possível do ponto de
20% da Corda Média Aerodinâmica (MAC). Se a linha de empuxo for projetada
para passar horizontalmente por meio do CG, ela não fará com que a aeronave
suba ou desça o nariz quando a potência é alterada, e não haverá diferença no
Momento devido ao empuxo, para uma condição de motores em funcionamento
ou não, em voo.

Embora os projetistas tenham algum controle sobre a localização das forças


de arrasto, eles nem sempre são capazes de fazer com que as suas resultantes
passem pelo CG da aeronave. No entanto, o único item sobre o qual eles têm
maior controle é o tamanho e o posicionamento da cauda do avião. O objetivo
é tornar os momentos (devido ao empuxo, arrasto e sustentação) tão pequenos
quanto possível e, pela localização adequada da cauda, fornecer os meios de
equilibrar uma aeronave longitudinalmente para qualquer condição de voo.

De maneira similar, o piloto não tem controle direto sobre a localização das
forças longitudinais que atuam na aeronave em voo, exceto ao controlar a
sustentação por meio da alteração do AOA. Tal mudança, entretanto, envolve
imediatamente mudanças em outras forças. Portanto, o piloto não pode alterar
independentemente a localização de uma força sem alterar o efeito de outras.
Por exemplo, uma mudança na velocidade aerodinâmica envolve alterar a
sustentação, assim como o arrasto e a força para cima ou para baixo na cauda.
Igualmente, forças oriundas de turbulência e rajadas atuam para deslocar a
aeronave, e o piloto deve reagir fornecendo adequado controle opositor de forças,
para neutralizar tais desequilíbrios.

Algumas aeronaves estão sujeitas a alterações na localização do CG com variações


de carga, mesmo em voo. Dispositivos de compensação, como compensadores
(Trim) e Estabilizadores Horizontais com Incidência Variável são usados para
neutralizar os Momentos estabelecidos pela queima de combustível e pelo
carregamento, descarregamento ou mesmo deslocamento de passageiros ou carga.

Bem, agora que você já sabe que existem limites dianteiro e traseiro para o
posicionamento do Centro de Gravidade, vejamos quais as principais influências
de cada um deles no comportamento da aeronave, e as consequências de se
operar fora desses limites de Passeio do CG.

202
Teoria de Voo de Alta Velocidade

3.3.3 Operação nos limites dianteiro e traseiro do Passeio do CG

3.3.3.1 CG próximo ao limite dianteiro


A força vertical (para cima ou para baixo) gerada pelo conjunto estabilizador
horizontal / profundor é limitada pelo seu projeto. Uma vez que se trata de um
aerofólio, nas situações de baixas velocidades – comuns durante a decolagem
e aterrissagem, a força capaz de ser gerada é logicamente menor. No entanto, é
nessa configuração que a aeronave exige elevados ângulos de ataque (AOA), que
só podem ser estabelecidos por um determinado Momento de controle.

Vejamos um exemplo. Supondo na próxima figura que a força máxima de


controle do conjunto estabilizador / profundor de uma aeronave fictícia seja de
20 toneladas. Nessa condição, o Centro de Gravidade para o peso de 100 Ton
da aeronave está localizado muito à frente. Veremos que, para que a aeronave
permaneça controlável, o CG deve ser localizado a menos de 4 m à frente do CP.

Figura 2.64 – Representação de forças rotacionais no sentido longitudinal, em uma aeronave.

Fonte: Adaptação de EMBRAER (2001).

Assim, a posição máxima permitida para frente do CG é ditada pela


controlabilidade longitudinal da aeronave (SAINTIVE, 2011). De acordo com
este exemplo, nosso estabilizador produz uma força máxima de sustentação
(negativa) de 20 toneladas e cria um Momento (com referência ao ponto CP) de M
estab (1) = 20 ton x 20 m = 400 ton.m.

Para uma posição de CG de 5 m à frente do Centro de Pressão (CP), o peso da


aeronave de 100 ton cria um Momento (oposto ao momento de controle) de M
peso (1) = 100 ton x 5 m = 500 ton.m

Como podemos ver, o Momento provocado pela sustentação do conjunto


estabilizador / profundor não será capaz de compensar o Momento do
peso da aeronave, cujo CG se encontra para a frente em 5m. Para manter a
controlabilidade da aeronave, o CG deverá ser limitado para a frente em menos
de 4m em relação ao CP, a fim de possibilitar a obtenção do seguinte Momento:

M estab (2) = 20 ton x 20 m = 400 ton.n ≥ M peso (2) = 100 ton x 4 m = 400 ton.m.

Ou seja, o Momento M peso (2) deve ser menor ou igual a M estab (2) para
garantir a controlabilidade do avião.

203
Capítulo 2

No limite dianteiro do CG, a deflexão da superfície de comando longitudinal


(profundor) deverá ser sempre suficiente – em todo o espectro de velocidades
de operação da aeronave – para produzir a força necessária para a aterragem
ou para a rotação, na decolagem. Caso este limite dianteiro seja excedido, o
piloto poderá encontrar dificuldades em posicionar o AOA (pitch) da aeronave
na angulação correta, para as manobras necessárias de pouso e decolagem.
Quando as limitações estruturais não limitam a posição do CG para a frente, ele
está localizado na posição em que a deflexão total do estabilizador / profundor é
suficiente para obter um AOA elevado para tais situações.

Para a análise da estabilidade estática do avião, devemos primeiro achar um ponto


de aplicação da sustentação resultante entre a asa e o estabilizador horizontal,
denominada “Ponto Neutro”. Define-se como “Ponto Neutro” de uma aeronave a
localização mais posterior do CG, com a qual a superfície horizontal da empenagem
ainda consegue exercer controle sobre a aeronave e garantir a sua estabilidade
longitudinal estática, ou seja, representa a condição para a qual a aeronave possui
estabilidade longitudinal estática neutra. O “Ponto Neutro” define a condição mais
crítica para a garantia da estabilidade longitudinal estática de uma aeronave.

Se o CG do avião estiver à frente do Ponto Neutro, um momento gerado após


uma rajada ascendente tenderá a fazer com que o avião desça o nariz e retorne ao
equilíbrio. Caso o contrário aconteça, o avião tenderá a subir cada vez mais.

Figura 2.65 – Estabilidade e Instabilidade estática de uma aeronave.

Fonte: Canalpiloto (2013).

204
Teoria de Voo de Alta Velocidade

Saintive (2011) pontua que, à medida que o CG se desloca para a frente, ocorre
um aumento na estabilidade longitudinal da aeronave, mas um decréscimo na
sua controlabilidade, por conta do aumento progressivo da força necessária para
que o piloto se contraponha à tendência de “nariz pesado”. Após um determinado
limite do CG à frente, o piloto não terá mais como comandar o profundor para
posicionar a aeronave nas atitudes de decolagem e de pouso.

Esse fato pode ser agravado em decolagens em pistas curtas, quando se


faz necessária a utilização de Flapes em maiores angulações. Podemos citar
como exemplo a operação das aeronaves EMBRAER 145 a partir das pistas
do aeroporto Santos Dumont, na cidade do Rio de Janeiro: nessa condição
de operação em pista curta, faz-se necessário o bloqueio dos assentos mais
dianteiros da cabine de passageiros, ou então o emprego de lastros no porão
traseiro de bagagens da aeronave, a fim de garantir que o limite dianteiro do CG
não seja excedido.

3.3.3.2 CG próximo ao limite traseiro


Analogamente ao limite do CG para a frente, existe um limite posterior do CG
que, na maioria dos casos, depende da máxima força de sustentação que o
estabilizador horizontal pode gerar direcionada para cima. Além desse aspecto
estático, existe também um critério dinâmico. Uma aeronave deve voar de forma
estabilizada, ou seja, após uma perturbação externa, deve ser capaz de retornar
à condição de voo anterior sem qualquer intervenção do piloto. Se, por exemplo,
a aeronave é atingida por uma rajada de vento ascendente, o ângulo de ataque é
aumentado por um curto período de tempo. As forças de sustentação nas asas e
no estabilizador mudam linearmente com o ângulo de ataque, mas em diferentes
extensões (EMBRAER, 2001).

Saintive (2011) complementa e esclarece. Observe a próxima figura. Imaginando


um voo nivelado, a aeronave é atingida por uma rajada de vento ascendente, isso
provoca aumento do AOA do estabilizador, mantendo tal atitude por inércia.

Figura 2.66 – Efeito da posição do CG na restauração do equilíbrio do voo nivelado

Fonte: Saintive (2011).

205
Capítulo 2

Fruto do aumento do AOA do estabilizador, esse irá gerar uma força extra ΔF para
cima, tendendo a baixar o nariz do avião por meio do Momento ΔF x d. Devido
aos pequenos braços da asa e da fuselagem em relação ao CG, seus Momentos
tornam-se desprezíveis e a estabilidade da aeronave torna-se dependente da
ação do estabilizador horizontal.

Repare então que, ao deslocar o CG da aeronave para a frente, maior será o


Momento restaurador produzido pelo estabilizador, consequentemente, maior
a estabilidade longitudinal, tendendo naturalmente a retornar o avião à atitude
original. Por outro lado, quanto mais para trás o posicionamento do CG,
menor será essa estabilidade, até atingir uma situação de “estabilidade zero”
– ou seja, uma situação em que o valor do Momento restaurador não será mais
suficiente para retornar a aeronave à sua atitude original (seja para uma rajada
ascendente ou descendente).

Saintive (2011) relembra que em tal situação a aeronave estabelece uma condição de
equilíbrio neutro ou indiferente, com o CG dito em posição “neutra”. Ou seja, em
caso de perturbações que gerem desequilíbrio (turbulência, por exemplo), a aeronave
não mais retornará por conta própria à atitude anterior. Quanto mais o CG seja
localizado para trás do ponto neutro, a aeronave se tornará cada vez mais instável.

Para um voo manual, as aeronaves comerciais de transporte aéreo devem apresentar


características de estabilidade positiva para manter uma adequada margem de
estabilidade. Tal margem é uma função de um número de variáveis e geralmente
difere de um avião para outro. O limite máximo traseiro do CG é então definido pela
controlabilidade ou pela inerente estabilidade estática da aeronave. Naturalmente,
mudanças na posição e intensidade das forças aerodinâmicas durante variações no
AOA devem ser levadas em consideração, para o cálculo dos limites do CG.

Logicamente, os limites de CG apresentados pelo fabricante nos gráficos e


tabelas de balanceamento são calculados com certas margens de segurança e de
limite operacional, para cobrir imprecisões e deslocamentos de CG resultantes da
movimentação de passageiros, por exemplo.

O limite de CG para trás de uma aeronave é determinado em grande parte por


considerações de estabilidade. Os requisitos originais de aeronavegabilidade
para um certificado de tipo especificam que uma aeronave em voo, a uma certa
velocidade, amortece o deslocamento vertical do nariz dentro de um certo número
de oscilações. Entretanto, uma aeronave carregada muito para trás (com CG
traseiro, então) não consegue fazer isso. Nessa situação de CG muito traseiro,
quando o nariz é momentaneamente levantado, ele pode subir e mergulhar
alternadamente, tornando-se mais íngreme a cada oscilação. Essa instabilidade
não é apenas desconfortável para os ocupantes, mas pode até ser perigosa ao
estabelecer uma condição extrema em que a aeronave se torna incontrolável.

206
Teoria de Voo de Alta Velocidade

Segundo USA, 2016 (pilot handbook), outro fator importante a ser considerado
diz respeito à capacidade de uma aeronave em se recuperar de uma situação de
Estol. À medida que o CG se desloca para trás, a recuperação de um Estol tende
a ser progressivamente mais difícil. Isso é particularmente importante na
recuperação de parafusos (manobrados intencionalmente ou não), já que há um
ponto em que o recuo do CG é tal que provoca a progressão do parafuso comum
para um parafuso dito como “chato” (flat spin). Um parafuso chato ocorre quando
a força centrífuga, atuando por meio de um CG localizado muito para trás, puxa a
cauda da aeronave para longe do eixo do giro, impossibilitando a queda do nariz
e a consequente recuperação do giro.

Uma aeronave carregada no limite traseiro do passeio do CG pode apresentar


diferentes (mais instáveis) características em situações de curvas e de Estol, bem
como no pouso, comparativamente a outra aeronave com posicionamento do CG
mais à frente. A estabilidade pode se tornar crítica, especialmente em voos
em turbulência ou com um motor inoperante (SAINTIVE, 2011).

Ainda, uma aeronave carregada demasiadamente no setor traseiro tende


a produzir forças de controle de forma muito leve para o piloto, outra
característica indesejável, pois torna mais fácil que sejam inadvertidamente
ultrapassados os limites de carga G ou de AOA. Controles muito leves também
podem levar à situação de “tail strike”, ou seja, colisão da cauda da aeronave com
o solo, em operações de pouso e decolagem.

3.3.3.3 Outras considerações e influências sobre a localização do Centro de Gravidade


a. Arrasto e Velocidade de Estol
O efeito da posição do CG sobre a carga imposta na asa de um avião em
voo também é significativo para o desempenho de subida e de cruzeiro. Uma
aeronave carregada com “nariz pesado” – ou seja, com CG à frente, é mais lenta
que uma mesma aeronave na condição de CG localizado mais para trás da CMA.

Isso ocorre porque, com o carregamento para a frente, é necessário que ocorra
uma compensação contínua do estabilizador horizontal / profundor, no sentido
de elevar o “nariz”, para manter o voo nivelado de cruzeiro. Tal compensação
envolve a movimentação das superfícies da cauda para produzir uma maior carga
para baixo, na parte traseira da fuselagem, o que aumenta a carga da asa e a sua
sustentação total necessária, caso a altitude deva ser mantida. Isso requer um
AOA mais elevado, o que resulta em mais arrasto e, por sua vez, aumenta a
velocidade de Estol da aeronave.

Saintive (2011) resume este fenômeno, ao considerarmos duas aeronaves


idênticas, voando em cruzeiro na mesma altitude e com o mesmo peso e
velocidade. O que difere as aeronaves é a localização de seu CG. A primeira,
com CG mais à frente, e a segunda com o CG localizado mais atrás. Na primeira

207
Capítulo 2

aeronave, a sua asa deverá produzir mais sustentação para manter o voo
nivelado, o que só é possível de se conseguir com um aumento do AOA. Com
o incremento do AOA haverá mais sustentação, mas também mais arrasto e
consequentemente maior consumo de combustível.

O autor vai além, e aborda a questão da velocidade de Estol. Considerando as


mesmas duas aeronaves do ex emplo anterior, imaginemos que ambas iniciam uma
redução de velocidade, até atingirem a situação de Estol. A aeronave com CG
dianteiro atingirá a velocidade de Estol primeiramente, pois ela já se encontrava
com maior AOA, em relação à outra aeronave com CG traseiro. Na figura a seguir,
o autor apresenta um extrato da tabela de velocidades de Estol da aeronave
McDonnell Douglas MD-11. Repare que na situação de CG dianteiro, a aeronave
apresenta velocidades de Estol maiores do que na situação de CG traseiro.

Figura 2.66 – Tabela de velocidades de Estol – Aeronave McDonnell Douglas MD-11

Fonte: Saintive, (2011).

Com o carregamento traseiro e a consequente necessidade de compensação


(trim) do nariz para baixo, as superfícies da cauda exercem menos carga para
baixo, aliviando a asa do carregamento e sustentação necessários para manter a
altitude. O AOA exigido para a asa é menor, então o arrasto é menor, permitindo
uma velocidade de cruzeiro mais rápida.

Nos voos de cruzeiro, uma força neutra nas superfícies da cauda teoricamente
produziria o desempenho geral mais eficiente, e a velocidade de cruzeiro mais
rápida, mas também resultaria em instabilidade. Aeronaves modernas são
projetadas para exigir uma força para baixo na cauda, para fins de estabilidade
e de controlabilidade. Uma indicação “zero” no controle de compensador do
estabilizador horizontal não é necessariamente o mesmo que uma “compensação
neutra”, devido à força exercida pelo downwash das asas e da fuselagem nas
superfícies da cauda (USA, 2016).

b. Estabilidade, Controle e Performance


Já sabemos que os limites para a localização do CG são estabelecidos pelo
fabricante da aeronave. Esses são os limites para a frente e para trás, para
além dos quais o CG não deve estar posicionado para o voo. Tais limites são
publicados para cada aeronave na Folha de Dados de Certificado de Tipo (Type

208
Teoria de Voo de Alta Velocidade

Certificate Data Sheet – TCDS), no AFM ou no Manual Operacional do Piloto


(Pilot’s Operating Handbook – POH). Após o carregamento da aeronave, caso seja
observado que o CG não se encontra localizado dentro dos limites permitidos,
será necessário realocar a carga antes que o voo seja tentado. A história relata
diversos incidentes e acidentes aeronáuticos, nos quais houve perda parcial
ou total de controle e de estabilidade da aeronave, advinda do carregamento
inadequado e consequente desrespeito aos limites de Passeio do CG.

USA, 2016 (pilot handbook) aponta que o limite frontal do CG é geralmente


estabelecido em um local determinado pelas características de pouso de uma
aeronave. Durante a aterrissagem, uma das fases mais críticas do voo, exceder o
limite do CG para a frente pode resultar em cargas excessivas na roda do nariz,
desempenho reduzido, maiores velocidades de Estol e necessidade de maiores
forças de controle.

Outro fator que afeta a controlabilidade, que se tornou mais importante nos
projetos atuais de aeronaves de grande porte, é o efeito de braços de longa
distância nas posições de equipamentos pesados e de cargas. Uma mesma
aeronave pode ser carregada até o peso bruto máximo, dentro de seus limites
de passeio do CG, concentrando combustível, passageiros e carga perto do CG
projetado, ou por exemplo dispersando combustível em tanques de ponta de asa
e cargas em compartimentos à frente ou atrás da cabine de passageiros.

Saintive (2011) relembra que, ao respeitarmos os limites de Passeio do CG, uma


aeronave poderá ser dita como balanceada. Entretanto, em termos de economia
de combustível, será sempre interessante considerar que o CG possa ser
trazido para próximo de seu limite traseiro, uma vez que tal condição resulta
em menores forças estabilizadoras da cauda para baixo e, portanto, inferiores
forças de sustentação das asas. A redução da sustentação resulta em menos
arrasto, tornando o consumo de combustível mais eficiente.

Alguns aviões possuem um sistema automático para manter o CG numa condição


traseira, a fim de otimizar o consumo de combustível. Como exemplo, o autor cita
o caso da aeronave McDonnell Douglas MD-11, que possui um avançado sistema
que busca manter um CG traseiro, ao transferir parte do combustível das asas
para tanques localizados no estabilizador horizontal.

Para algumas aeronaves, os limites de CG para a frente e para trás podem ser
especificados para variar com mudanças bruscas de peso. Eles também podem
ser alterados para determinadas operações como acrobacia aérea, retração do
trem de pouso ou instalação de cargas e dispositivos especiais que alteram as
características do voo.

209
Capítulo 2

Relembramos que a localização real do CG pode ser alterada por muitos fatores
variáveis, e é em parte controlada pelo piloto. A alocação de itens de bagagem
e de carga tem papel determinante na localização do CG, e a atribuição de
lugares aos passageiros também pode ser utilizada como meio de se obter um
equilíbrio favorável. Nas aeronaves menores, na presença de uma condição
de cauda pesada, é esperado que se posicionem passageiros pesados em
assentos dianteiros. A queima de combustível também pode afetar o CG, com
base na localização dos tanques de combustível. Assim, a maioria das pequenas
aeronaves transporta combustível nas asas muito perto do CG, e a queima de
combustível tem pouco efeito no CG carregado.

Já estudamos que o limite dianteiro do CG é determinado por várias


considerações. Segundo USA, 2016 (pilot handbook), como medida de
segurança, é necessário que o sistema de compensação da aeronave (do próprio
profundor ou do estabilizador variável), seja capaz de manter a aeronave em um
planeio normal com os motores desligados. Também, uma aeronave convencional
deve ser capaz de experimentar uma situação de Estol completo num pouso sem
motores em funcionamento, com o objetivo de garantir velocidades mínimas de
pouso em emergências.

Com respeito à distribuição de peso, uma aeronave do tipo bequilha traseira,


carregada excessivamente com o nariz pesado, apresenta dificuldade de taxiar,
particularmente na presença de ventos fortes. Na mesma situação de nariz
pesado, esses tipos de aeronaves apresentam propensão a “quicar” durante
o pouso, uma vez que o nariz tende a se inclinar sobre as rodas, durante a
desaceleração próxima à pista e durante o “flare”. Dificuldades de direção no solo
também podem ocorrer em aeronaves convencionais (triciclos), particularmente
durante a rolagem e a decolagem.

3.3.3.4 Resumo dos principais efeitos do posicionamento do Centro de Gravidade


Do ponto de vista dos operadores e das companhias aéreas, a situação ideal é a
de possuir uma aeronave cujo envelope do CG seja o mais amplo possível. Mas,
do ponto de vista do fabricante da aeronave, qualquer expansão no envelope
do CG pode estar associada à necessidade de implementação de reforços
estruturais e à degradação no desempenho e estabilidade. Condições adversas
de equilíbrio afetam as características de voo da mesma maneira que as já
mencionadas para uma condição de excesso de peso. Operar acima da limitação
máxima de peso compromete a integridade estrutural da aeronave e pode
afetar adversamente o desempenho. Já a estabilidade e o controle também são
afetados por um equilíbrio inadequado.

Os principais efeitos do posicionamento do CG de uma aeronave podem então


ser resumidos da seguinte forma:

210
Teoria de Voo de Alta Velocidade

• A posição do CG influencia a sustentação e o AOA das asas, a


quantidade e a direção da força na cauda, e o grau de deflexão
do estabilizador necessário para fornecer a força adequada para a
manutenção do equilíbrio. Esse último é muito importante devido à
sua relação com a capacidade do estabilizador / profundor de gerar
forças de controle;
• Com uma localização mais à frente do CG, maiores forças de controle
são necessárias para equilibrar a aeronave, com consequentes
maiores necessidades de deflexão do estabilizador / profundor.
Um CG à frente do limite dianteiro gera deterioração da
controlabilidade da aeronave e aumento na sua estabilidade
longitudinal. Em situações extremas de posicionamento do CG
à frente, o piloto pode não ser capaz de posicionar a aeronave
nas atitudes de decolagem ou de pouso, por falta de comando
do profundor. Para uma aeronave corretamente balanceada, o
estabilizador / profundor deve ser capaz de gerar as forças necessárias
para controlar as tendências de “pitch” positivos ou negativos do nariz,
em toda a faixa de velocidade de voo, até a situação de Estol;
• Com uma localização mais à frente do CG, a aeronave “Estola”
a uma velocidade mais alta. Isso ocorre porque o AOA no qual
a aeronave ingressa na situação de Estol é atingido em uma
velocidade mais elevada, devido ao aumento de carga nas asas;
• Com uma localização do CG mais para trás, a aeronave navega em
cruzeiro com velocidades mais rápidas, devido à redução do arrasto.
O arrasto é reduzido porque são exigidos um menor AOA e uma menor
deflexão do estabilizador / profundor, para suportar a aeronave e
superar a tendência de inclinação do nariz para baixo. Com a redução
do arrasto, o posicionamento do CG para trás proporciona regimes de
voo mais econômicos, em termos de consumo de combustível;
• A aeronave se torna menos estável quando o CG é movido
para trás, haja vista a redução do AOA, mas tem a sua
controlabilidade aumentada. Portanto, a contribuição da asa
para a estabilidade da aeronave é agora diminuída, enquanto a
contribuição da cauda ainda está se estabilizando. Quando o
deslocamento do CG alcança um ponto em que as contribuições
das forças da asa e da cauda se equilibram, então existe
estabilidade neutra. Qualquer movimento do CG mais para trás
desse ponto resulta em uma condição de instabilidade da aeronave;

211
Capítulo 2

• Geralmente, uma aeronave torna-se menos controlável, especialmente


em baixas velocidades de voo, à medida que o CG é movido mais
para trás. Uma aeronave que se recupera de uma rotação prolongada
em um parafuso, com uma determinada posição do CG, pode falhar
completamente em responder a tentativas normais de recuperação
quando o CG é movido para trás em uma ou duas polegadas. Em
casos extremos de posicionamento do CG para trás, a aeronave pode
não ser capaz de se recuperar de uma situação de Estol. Também, os
comandos de voo podem ficar muito leves, e a aeronave pode sofrer
impacto da cauda (tailstrike) durante a decolagem e a aterragem,
por excesso de comandos de arfagem aplicados pelos pilotos. A
estabilidade pode se tornar crítica, também, em situações de voos em
áreas de turbulência ou com um motor inoperante.

Síntese
Neste Capítulo, coroamos o nosso estudo a respeito dos Fatores Limitantes da
Performance de Aeronaves por meio do aprendizado de importantes fatores que
influenciam e podem limitar a performance das aeronaves.

Na primeira Seção, definimos destacados conceitos relacionados a uma fase


crítica e limitante do voo, que é a decolagem. Pudemos verificar que a decolagem
em si, para efeitos de certificação das modernas aeronaves, é constituída de
fases específicas, para as quais existem fatores de desempenho mínimos a
serem alcançados, que garantem uma operação segura em situações normais
ou adversas, como no caso da perda de um motor. Estudamos sete principais
fatores, e observamos que o alcance de tais desempenhos mínimos pode limitar a
performance de uma aeronave, restringindo a sua capacidade de carga.

Na segunda Seção demos sequência à análise de um voo, quando pudemos


igualmente verificar a existência de outros aspectos limitantes da performance
das aeronaves, no tocante às fases de subida, cruzeiro, descida e pouso. Em
resumo, verificamos que existem regimes específicos de voo que atendem a
diversos quesitos como economia, conforto, tempo, condições meteorológicas,
autonomia e simplicidade de operação, e que os quesitos preponderantes em
uma determinada situação é que irão determinar qual o melhor regime de voo a
ser empregado.

Complementando o tema, passamos a analisar na terceira Seção a importante


questão do carregamento e do balanceamento das aeronaves. Observamos
que um avião nem sempre poderá operar com seu peso máximo estrutural,
não apenas por questões de performance, mas também por conta da eventual
impossibilidade de se carregar e distribuir adequadamente os pesos, de uma
maneira que garanta a correta estabilidade e a controlabilidade da aeronave.

212
Considerações Finais

Ao final da Unidade de Aprendizagem Teoria de Voo de Alta Velocidade, avançamos


um importante passo no estudo do comportamento e do desempenho das
modernas aeronaves comerciais, foco principal deste livro didático. No primeiro
Capítulo, compreendemos como se dá o escoamento do ar quando submetido
ao regime de voo Transônico, conhecemos as forças aerodinâmicas resultantes
sobre uma aeronave nesse regime e nos debruçamos sobre a questão da formação
das Ondas de Choque. Pudemos, em seguida, estudar as principais maneiras
encontradas pela engenharia aeronáutica, no sentido de retardar o aparecimento de
tais Ondas ou de minimizar os seus efeitos adversos.

No segundo Capítulo, analisamos em detalhe os fatores que limitam a


performance das aeronaves, sejam eles naturais, estruturais ou impostos pelas
legislações aeronáuticas. Estudamos os requisitos que devem ser alcançados
pelas aeronaves de médio e grande porte, nas fases de decolagem, subida,
cruzeiro, descida, aproximação e pouso, para que sejam garantidas condições de
segurança adequadas à sua operação.

Ao final, tecemos importantes considerações sobre a influência do acréscimo de


pesos na aeronave, e da necessidade de sua correta distribuição. Concluímos,
então, que o respeito aos pesos e ao correto balanceamento da aeronave,
de acordo com os limites determinados pelo fabricante, constituem fatores
preponderantes não somente para um bom desempenho da aeronave, mas,
principalmente, para a sua operação segura.

Assim, concluímos este livro didático, na certeza de que o correto entendimento


de seu conteúdo possui intrínseca ligação com as Ciências Aeronáuticas, na
compreensão dos diversos fatores que envolvem a gestão da atividade aérea,
assim como para o correto planejamento de um voo e para a operação segura e
eficiente de uma aeronave.

213
Referências

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216
Sobre o Professor Conteudista

Sandro Francalacci de Castro Faria

Bacharel em Ciências Aeronáuticas pela Academia da Força Aérea, é Oficial


Aviador da Aeronáutica e acumula cerca de 5.700 horas de voo em aeronaves
da Força Aérea Brasileira (FAB) e da aviação civil. Qualificado Instrutor de Voo
em determinadas Aviações da FAB, possui a licença de Piloto de Linha Aérea da
ANAC. Na aviação civil, realizou treinamento de voo junto à Rio Sul Linhas Aéreas.

Além dos cursos de pós-formação da carreira militar, cursou especialização em


Gestão Estratégica de Empresas, pela Universidade Federal de Santa Catarina, e
MBA em Desenvolvimento Gerencial Avançado – Área de Gestão de Processos,
pela Universidade Federal Fluminense.

Ao longo da carreira militar, atuou nas áreas Administrativa, de Operações,


de Comando e Controle, de Inteligência e de Guerra Eletrônica, nas quais
realizou diversos outros cursos nas áreas militar e civil. Desempenhou funções
de Comando de Organizações Militares do Comando da Aeronáutica, e atuou
em missão diplomática junto à Embaixada do Brasil nos Estados Unidos da
América. Atualmente, é professor conteudista e convidado do Curso de Ciências
Aeronáuticas da UNISUL.

217
w w w. u n i s u l . b r

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