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Prof. Dr.

Celso Candido de Azambuja (UNISINOS)

Introdução à transdisciplinaridade
Diante de um quadro civilizacional, de tremendas
transformações tecnocientíficas e socioambientais, certamente
inquietante e dramático, altamente complexo, a perspectiva da
transdisciplinaridade se coloca no horizonte da formação
profissional e moral em geral, como forma e método próprios
para a abordagem das realidades vividas neste cenário.
A questão da transdisciplinaridade evoca um dos grandes
temas epistêmico-metodológicos de nossa atualidade, tão bem
falada como mal entendida, tanto por especialistas acadêmicos
quanto pelo público em geral.
Aprendendo o arco do conhecimento

De acordo com Basarab Nicolescu (2015), o incomensurável


crescimento do conhecimento, um verdadeiro big bang
disciplinar em uma situação de ultraespecialização instauradas
durante o século XX pressionou a elaboração inicialmente da
pluridisciplinaridade, passando pela interdisciplinaridade até
chegar a transdisciplinaridade. Única forma de superar a
incompetência generalizada instaurada pelas competências
especializadas no campo do saber. De acordo com Nicolescu
(2015),
Um dos maiores desafios de nossa época, como por
exemplo os desafios de ordem ética, exigem
competências cada vez maiores. Mas a soma dos
melhores especialistas em suas especialidades não
consegue senão gerar uma incompetência generalizada,
pois a soma das competências não é a competência: no
plano técnico, a intercessão entre os diferentes campos
do saber é um conjunto vazio. Ora, o que vem a ser um
líder, individual ou coletivo, senão aquele que é capaz
de levar em conta todos os dados do problema que
examina?”

Nicolescu propõe a elabora de uma distinção entre as


diferentes formas de superação da ultraespecialização do
conhecimento disciplinar. Para ele, a plurisdisciplinaridade,

diz respeito ao estudo de um objeto de uma mesma e


única disciplina por várias disciplinas ao mesmo tempo.
(...)Com isso, o objeto sairá assim enriquecido pelo
cruzamento de várias disciplinas. O conhecimento do
objeto em sua própria disciplina é aprofundado por
uma fecunda contribuição pluridisciplinar. A pesquisa
pluridisciplinar traz algo a mais à disciplina em questão
(a história da arte ou a filosofia, em nossos exemplos),
porém este “algo a mais” está a serviço apenas desta
mesma disciplina. Em outras palavras, a abordagem
pluridisciplinar ultrapassa as disciplinas, mas sua
finalidade continua inscrita na estrutura da pesquisa
disciplinar (Nicolescu, 2015).

Por sua vez a interdisciplinaridade diz respeito:

à transferência de métodos de uma disciplina para


outra. Podemos distinguir três graus de
interdisciplinaridade: a) um grau de aplicação. Por
exemplo, os métodos da física nuclear transferidos para
a medicina levam ao aparecimento de novos
tratamentos para o câncer; b) um grau epistemológico.
Por exemplo, a transferência de métodos da lógica
formal para o campo do direito produz análises
interessantes na epistemologia do direito; c) um grau de
geração de novas disciplinas. (...)Como a
pluridisciplinaridade, a interdisciplinaridade ultrapassa
as disciplinas, mas sua finalidade também permanece
inscrita na pesquisa disciplinar. Pelo seu terceiro grau, a
interdisciplinaridade chega a contribuir para o big-bang
disciplinar.” (Nicolescu, 2015).

Já a transdisciplinaridade seria uma etapa ainda superior à


da interdisciplinaridade, pois, diz Nicolescu (2015), conforme “o
prefixo ‘trans’ indica, diz respeito àquilo que está ao mesmo
tempo entre as disciplinas, através das diferentes disciplinas e
além de qualquer disciplina. Seu objetivo é a compreensão do
mundo presente, para o qual um dos imperativos é a unidade
do conhecimento.”
É preciso reconhecer que a transdisciplinaridade não tem
especificamente um objeto de estudo, o que, para “o
pensamento clássico (...) é um absurdo”. Porém, de acordo com
Nicolescu (2015) “para a transdisciplinaridade, por sua vez, o
pensamento clássico não é absurdo, mas seu campo de visão é
considerado restrito”.
Na verdade, disciplinaridade, pluridisciplinaridade,
interdisciplinaridade e transdisciplinaridade não se encontram
em oposição, mas “são as quatro flechas de um único e mesmo
arco: o do conhecimento.” De acordo com Nicolescu (2015):
Como no caso da disciplinaridade, a pesquisa
transdisciplinar não é antagonista mais complementar à
pesquisa pluri e interdisciplinar. A transdisciplinaridade
é, no entanto, radicalmente distinta da pluri e da
interdisciplinaridade, por sua finalidade: a compreensão
do mundo presente, impossível de ser inscrita na
pesquisa disciplinar. A finalidade da pluri e da
interdisciplinaridade sempre é a pesquisa disciplinar. Se
a transdisciplinaridade é tão frequentemente
confundida com a inter e a pluridisciplinaridade (como,
aliás, a interdisciplinaridade é tão frequentemente
confundida com a pluridisciplinaridade), isto se explica
em grande parte pelo fato de que todas as três
ultrapassam as disciplinas. Esta confusão é muito
prejudicial, na medida em que esconde as diferentes
finalidades destas três novas abordagens.

Indispensável, pois, na formação dos profissionais


contemporâneos, a compreensão destes quatro níveis do
conhecimento, se realmente a pedagogia contemporânea
pretende enfrentar os problemas do mundo humano em nossa
realidade presente.
A dialética entre disciplinaridade e transdisciplinaridade

Nesta mesma direção, de acordo com Edgar Morin, as


disciplinas não se opõem a transdisciplinaridade
necessariamente. Ao contrário, elas estão mesmo justificadas
na medida em que reconhecem a necessidade de articulação
com outras disciplinas e se se empenham na busca pela
compreensão das realidades globais complexas.

As disciplinas são plenamente justificadas


intelectualmente desde que mantenham um campo de
visão que reconheça e conceba a existência de ligações
e solidariedades. Além disso, são totalmente
justificadas somente se não escondem as realidades
globais. Por exemplo, a noção de homem se encontra
fragmentada entre diferentes disciplinas biológicas e
todas as disciplinas das ciências humanas: a psique é
estudada por um lado, o cérebro, do outro lado, o corpo
de um terceiro, os genes , cultura, etc., são realmente
múltiplos aspectos de uma realidade complexa, mas só
fazem sentido se estiverem ligados a esta realidade, em
vez de ignorá-lo. Nós certamente podemos criar uma
ciência unificada do homem, que se dissolveria a
multiplicidade complexa do que é humano. O
importante é não esquecer que o homem existe e não é
uma ilusão "ingênua" de humanistas pré-científicos.
Não se chegaria senão a um absurdo (na verdade, já se
chegou em algumas áreas das ciências humanas onde a
inexistência do homem foi condenada desde que esse
bípede não se enquadrem nas categorias disciplinares).
Uma outra consciência, aquela que Piaget chamava o
círculo das ciências, que estabelece a interdependência
de facto entre as várias ciências, também é necessária.
As humanidades lidam com o homem, mas este não é
só um ser psicológico e cultural, mas também um ser
biológico e as ciências humanas são de alguma forma
enraizadas nas ciências biológicas as quais estão
enraizadas nas ciências físicas, não sendo nenhuma
destas ciências, obviamente, redutível uma a outra. No
entanto, as ciências físicas não são o fundamento
último e original sobre o qual são construídas todas as
outras; essas ciências físicas, por fundamentais que elas
sejam, também são ciências humanas no sentido de
que eles aparecem na história humana e na sociedade
humana. O desenvolvimento do conceito de energia é
inseparável da tecnicização e industrialização das
sociedades ocidentais no século 19. Assim, em um
sentido, tudo é físico, mas, ao mesmo tempo, tudo é
humano. O grande problema é, pois, encontrar a
maneira difícil de articulação entre as ciências que
possuem, cada uma, não só sua linguagem própria, mas
conceitos fundamentais que não podem passar de uma
linguagem para outra. [Trad. Do Autor]

Assim, apenas nos espaços destas aberturas que permitem


o contato de umas disciplinas com outras podemos pensar a
verdadeira aprendizagem em nossa época.
Finalmente, o desenvolvimento de uma formação
transdisciplinar transformou-se em um imperativo
epistemológico e moral, um fator verdadeiramente decisivo no
contexto da educação contemporânea, na medida em que,
indiscutivelmente, somente através de uma perspectiva que
articule as diferentes disciplinas que, isoladamente, não
conseguem mais responder aos problemas de nosso tempo, em
um patamar sistêmico, poderemos fazer face aos complexos
problemas do presente.

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