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OS DESAFIOS DE

PESSOAS TRANS
PARA TER ACESSO
À SAÚDE NO
BRASIL

JAMES WEBB:
AS CONQUISTAS
DO TELESCÓPIO
APÓS UM ANO
A CIÊNCIA AJUDA VOCÊ A MUDAR O MUNDO ED. 369 DEZEMBRO DE 2022 NO ESPAÇO

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O GRANDE DESMONTE
COM CORTES QUE SOMAM R$ 1,1 BILHÃO SÓ EM 2022,
UNIVERSIDADES FEDERAIS NÃO CONSEGUEM PAGAR
DA CONTA DE LUZ A BOLSAS DE PESQUISA. REITORES
APONTAM CAMINHOS
COMPOSIÇÃO
DEZEMBRO DE 2022

03
CAPA
COMO BLOQUEIOS NO
ORÇAMENTO AMEAÇAM
INSTITUIÇÕES FEDERAIS

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“Damos tanta atenção à felicidade
que não lidamos com a tristeza”
19 Entrevista com Peter N. Stearns

32
SAÚDE
46
ESPAÇO

PESSOAS TRANS RELATAM AS CONQUISTAS (E PROMESSAS)


ENTRAVES AO BUSCAR DO SUPERTELESCÓPIO
ATENDIMENTO MÉDICO JAMES WEBB

59 QUER QUE EU DESENHE? LUTE COMO UMA GAROTA


SOCIEDADE
TEXTO André Bernardo EDIÇÃO Luiza Monteiro DESIGN Flavia Hashimoto

VERBA CORTADA, PESQUISAS


SUSPENSAS, OBRAS PARALISADAS...
REITORES RELATAM A GALILEU OS
APUROS ENFRENTADOS NOS QUATRO
ANOS DE GOVERNO BOLSONARO E O QUE
PRECISA SER FEITO PARA SUPERAR OS
PREJUÍZOS A UNIVERSIDADES PÚBLICAS
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O GRANDE
DESMONTE
(Fotos: Getty Images)
S
Ser reitor de universidade federal no Brasil é
viver em constante sobressalto. Em 2022, en-
tão, foi um atrás do outro. O mais recente de-
les veio no último dia 28 de novembro, durante
a partida entre Brasil e Suíça, ainda na fase de
grupos da Copa do Mundo no Catar. “Há pou-
co, enquanto acontecia o jogo do Brasil na Copa
contra a Suíça, ocorreu imensa retirada de re-
cursos das Universidades, dos Institutos Fede-
rais e no MEC”, avisou no Twitter o advogado
Ricardo Marcelo Fonseca, presidente da Asso-
ciação Nacional dos Dirigentes das Instituições
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Federais de Ensino Superior (Andifes). Segundo
a entidade, o novo corte soma R$ 1,68 bilhão,
dos quais R$ 344 milhões foram retirados di-
retamente das universidades. “Na prática, ras-
param o que ainda sobrava dos recursos da
Educação no Brasil. Terra arrasada nas nossas
instituições”, lamentou Fonseca na rede social.

Em outubro, o Ministério da Educação (MEC) já


havia anunciado um corte de R$ 328,5 milhões
nas chamadas “despesas discricionárias”. Antes
disso, em junho, os diretores tinham tomado
outros dois sustos: um no dia 10, quando o MEC
bloqueou R$ 220 milhões, e outro no dia 24,
quando mais R$ 217 milhões foram suprimidos.
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Somados, os bloqueios chegam a R$ 1,1 bilhão, o equivalente a 20%


da verba anual das instituições. Indignados, alunos e professores
de universidades federais, como as de Brasília (UnB), São Paulo
(Unifesp) e Bahia (UFBA), têm ido às ruas (e às redes) protestar.

No dia 6 de outubro, o ministro Victor Godoy Veiga, o quarto em


quatro anos, convocou uma coletiva para dizer que não houve cor-
te, bloqueio ou paralisação. Disse mais: que os protestos tinham
“motivação política”. Indagado sobre por que a Educação é sempre
a pasta mais prejudicada quando há contingenciamento, nada res-
pondeu. “Não está faltando nada agora, é mentira!”, esbravejou o
presidente Jair Bolsonaro, no dia 7. “Sabemos que nas faculdades
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a militância é enorme. Qualquer negocinho lá é um carnaval contra
a minha pessoa”. No mesmo dia, porém, o ministro do MEC recuou
da decisão e liberou os recursos bloqueados.

O orçamento público pode ser dividido em despesas obrigatórias e


discricionárias. Obrigatórias, como o nome diz, são aquelas que o
governo não pode deixar de pagar, como os salários e as aposenta-
dorias dos professores. Já as discricionárias são as que o governo
pode decidir como e quando pagar, caso das contas de água e luz
das universidades. Quando há corte ou bloqueio de verbas para as
despesas discricionárias, os reitores são obrigados a tomar medi-
das extremas, como interromper os serviços de limpeza e seguran-
ça, suspender o pagamento de bolsas, cancelar a compra de equi-
pamentos e insumos para os laboratórios e até fechar bibliotecas e
restaurantes universitários, os populares “bandejões”.
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“Foram os quatro anos mais difíceis


da história do ensino superior e da
pesquisa científica. Nunca tivemos
cortes tão drásticos”

SANDRA REGINA GOULART ALMEIDA, reitora da UFMG, sobre o governo Bolsonaro

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Nos últimos anos, essas medidas viraram rotina. “Foram os qua-


tro anos mais difíceis da história do ensino superior e da pesquisa
científica. Nunca tivemos cortes tão drásticos”, afirma a professora
de Letras Sandra Regina Goulart Almeida, reitora da Universidade
Federal de Minas Gerais (UFMG). “Em 2009, graças ao Programa
de Apoio a Planos de Reestruturação e Expansão das Universida-
des Federais (Reuni), aumentamos em quase 50% o número de
vagas, cursos e alunos. Hoje, 13 anos depois, somos maiores, me-
lhores e mais inclusivos. Nosso orçamento, porém, é o mesmo de
2009. Não vamos nunca conseguir fechar essa conta!”.
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O tamanho do estrago pode ser traduzido em números pelo Painel


da Execução Orçamentária das Universidades Federais, elaborado
pela Andifes. Segundo a associação, o valor destinado pelo MEC
para o pagamento das despesas discricionárias caiu de R$ 12 bi-
lhões em 2015 para R$ 5,4 bilhões em 2022, em cifras atualiza-
das pela inflação. Uma redução de 55%. “Asfixiar o funcionamento
de uma universidade não significa apenas ter que cortar tinta e
papel. O custo das pesquisas que foram afetadas, das bolsas que
foram cortadas e das gerações que foram prejudicadas, sobretudo
as mais carentes, vai sair caro no futuro”, avisa Ricardo Fonseca,
presidente da Andifes, em entrevista a GALILEU.
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Na prática, pelo menos 17 instituições federais de ensino superior
correram o risco de suspender suas atividades neste ano. É o que
alertou um levantamento do jornal O GLOBO, divulgado em agosto.
Para evitar o pior, cada uma delas se virou como pôde: a Universi-
dade Federal de Lavras (UFLA), em Minas Gerais, demitiu quase 150
funcionários terceirizados, que atuavam na limpeza, manutenção e
segurança. A Universidade Federal do Sergipe (UFS) limitou o uso
de ar-condicionado em salas de aula e laboratórios de pesquisa. E a
Universidade Federal de Alfenas (UNIFAL), também em Minas, che-
gou a reduzir número de bolsas, compra de insumos e obras.

As cinco instituições que, segundo a Andifes, estão em situação


mais delicada são as universidades federais de Juiz de Fora (UFJF),
do Sul da Bahia (UFSB), de Campina Grande (UFCG), de Goiás (UFG)
e do Rio Grande (FURG). “De maneira geral, o governo Bolsonaro vê
cientistas e professores como inimigos”, constata a geóloga Márcia
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Abrahão Moura, reitora da UnB. “Na pandemia, enquanto os cientis-


tas brasileiros se dedicavam a combater a Covid-19, as autoridades
federais se desdobravam para difundir inverdades. O evidente des-
prezo do governo pela ciência resultou em milhares de mortes. Não
há nada mais grave”, lamenta.

Com tantos cortes, os reitores não conseguiram manter seus profis-


sionais mais talentosos. Muitos arrumaram suas malas, tomaram o
caminho do aeroporto e seguiram para outros países. “No exterior,
você compra um reagente hoje e, em um ou dois dias, ele chega.
No Brasil, leva dois, três e, às vezes, até seis meses para chegar. A
simples importação de um insumo para a realização de uma pesqui-
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sa científica demora meses. Isso torna o Brasil menos competitivo.
Para trazer esses ‘cérebros’ de volta, precisamos desburocratizar a
pesquisa”, avalia a médica Denise Pires Carvalho, reitora da Univer-
sidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), a maior do país.

Uma estimativa do Centro de Gestão de Estudos Estratégicos (CGEE)


aponta que há entre 2 mil e 3 mil pesquisadores brasileiros no ex-
terior. Em um ranking de competitividade para atrair, reter e de-
senvolver talentos, o Brasil ocupa o 73º lugar. O relatório do Índice
Global de Competitividade de Talentos engloba 133 países e é en-
cabeçado por Suíça, Cingapura e Dinamarca. Na América Latina, o
Chile é o mais bem colocado, em 34º lugar. Analisando apenas as
nações que mais retêm talentos, o Brasil caiu 24 posições — e desde
que Bolsonaro assumiu, passou do 45º lugar para o 69º.
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PERSEGUIÇÃO IDEOLÓGICA
A escassez de recursos não foi a única pedra no caminho (ou no
sapato) dos reitores. Ainda em 2018, muito antes de subir a rampa
do Planalto e vestir a faixa presidencial, Bolsonaro prometeu que,
se eleito, ia “entrar com um lança-chamas no MEC” e “tirar o Paulo
Freire lá de dentro”, referindo-se ao Patrono da Educação Brasileira.
O economista Abraham Weintraub, o segundo de quatro ministros
da Educação de Bolsonaro, fez incontáveis acusações, todas sem
prova ou fundamento: numa ocasião, avisou que ia reduzir as ver-
bas das universidades federais que fizessem “balbúrdia”; noutra,
classificou as instituições como locais de “arruaça” e, não satisfeito,
ainda acusou Acesse
muitas dessas universidades de terem “cracolândia”.
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Revoltados, alunos criaram perfis nas redes sociais para divulgar a


produção científica de suas instituições. “Em princípio, pode parecer
surreal ou até mesmo uma piada de mau gosto, mas, quando você
vê uma fala dessas vinda do próprio ministro de Educação, e não de
um grupo de WhatsApp que acredita em qualquer coisa, é sinal de
que algo muito grave está acontecendo no país”, observa Fonseca,
que também é reitor da Universidade Federal do Paraná (UFPR).

Em quatro anos de governo, o MEC teve quatro ministros: Ricardo


Vélez Rodríguez, Abraham Weintraub, Milton Ribeiro e Victor Godoy
Veiga. Anunciado em 25 de junho de 2020, Carlos Alberto Decotelli
da Silva, de 70 anos, nem chegou a tomar posse. Depois de receber
uma série de denúncias sobre informações falsas em seu currículo,
entregou sua carta de demissão apenas cinco dias depois.
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O Brasil caiu 24 posições no


ranking de países que mais retêm
talentos — nos últimos quatro
anos, passou do 45º
lugar para o 69º

Relatório do Índice Global de Competitividade de Talentos


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O primeiro a assumir a pasta, indicado pelo autoproclamado filósofo


Olavo de Carvalho, morto em janeiro de 2022, foi o professor colom-
biano Ricardo Vélez Rodríguez. Ao ser convidado para o cargo, em
2018, ouviu do presidente eleito: “Você tem faca nos dentes para en-
frentar o marxismo no MEC?”. Em pouco mais de três meses, atacou
o sistema de cotas, defendeu a cobrança de mensalidade, criticou
as eleições diretas para reitor... “Ideia de universidade para todos
não existe”, declarou ao Valor Econômico, em 28 de janeiro de 2019.
“As universidades devem ficar reservadas a uma elite intelectual”.
Bolsonaro anunciou seu desligamento em abril daquele mesmo ano.
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Quando assumiu a pasta no lugar de Rodríguez, Weintraub prome-
teu “acalmar os ânimos” e “pacificar o MEC”. Não foi o que aconte-
ceu. Em sua gestão, colecionou polêmicas: afirmou que há “planta-
ções de maconha” nas universidades públicas, acusou laboratórios
de química de produzir drogas sintéticas, defendeu a entrada de
policiais militares nas instituições, restringiu a participação de cien-
tistas em congressos internacionais e vetou professores do ensi-
no superior público de receberem aumento de salário, pagamento
por hora extra ou adicional noturno. Também chamou a atenção
por cometer erros crassos de português em suas postagens nas
redes sociais, como “suspenção”, “paralização” e “imprecionante”.
Em outubro, Weintraub tentou uma vaga de deputado federal pelo
Partido da Mulher Brasileira (PMB). Com pouco mais de 4 mil votos
no estado de São Paulo, não conseguiu se eleger.
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Weintraub deixou o governo em junho de 2020 e foi substituído pelo


pastor Milton Ribeiro — que, a exemplo dos dois anteriores, fez uma
gestão de muita controvérsia e nenhuma ação. Ao longo de um ano
e oito meses, afirmou que a universidade é para poucos (repetindo o
que Rodríguez já havia dito), ironizou a demanda de professores por
vacina e anunciou a primeira universidade federal digital do país.

Em março de 2022, pediu demissão uma semana depois da divulga-


ção de um áudio em que afirmava que, a pedido de Bolsonaro, libe-
rava recursos do Fundo Nacional de Desenvolvimento da Educação
(FNDE) para municípios indicados pelo pastor Gilmar Silva dos San-
tos. Em carta Acesse
entregue ao presidente, negou irregularidades. “Boto
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a minha cara no fogo pelo Milton”, declarou o mandatário, numa live.
Três meses depois, foi preso por suposto envolvimento em esquema
de tráfico de influência e corrupção. “Se a PF prendeu, tem motivo”,
desconversou o presidente, à rádio mineira Itatiaia. Com isso, quem
assumiu o MEC foi o secretário executivo, Victor Godoy Veiga.

NEGACIONISMO CIENTÍFICO
As universidades públicas trataram de contra-atacar com conhe-
cimento e informação. Em junho de 2019, a Universidade de São
Paulo (USP) criou o site 10 mitos sobre a universidade pública no
Brasil. Um deles é: “Nos países desenvolvidos, a ciência na univer-
sidade é privada”. Errado! Segundo a USP, nos países ricos, a maior
parte dos recursos é pública e isso vale até para as universidades
que cobram mensalidade. No caso dos EUA, 60% da verba vêm do
governo; já na União Europeia, são 77%.
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O Observatório do Conhecimento, rede formada por dez associa-


ções e sindicatos de professores universitários, seguiu o exemplo da
USP e disponibilizou uma seção com as fake news mais comuns. A
primeira é: “O Brasil gasta demais em educação”. Errado, de novo! O
Brasil investe menos do que deveria. Segundo o Plano Nacional de
Educação (PNE), o país se comprometeu a investir pelo menos 7% do
seu Produto Interno Bruto (PIB) no ensino básico e superior, com o
objetivo de chegar a 10% em 2024. “Hoje, a proporção do PIB sequer
alcança o mínimo estabelecido pelo plano”, diz o site. Segundo a mé-
dica Ana Lúcia Barbosa Góes, professora da UFBA e representante
do Observatório, 90% das pesquisas produzidas no Brasil são de
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universidades públicas. “Quanto ao desmonte dessas instituições,
há dois interesses: inibir a escalada social das pessoas socialmente
vulneráveis e incentivar a privatização do ensino superior. Não ne-
cessariamente nessa ordem”, frisa.

Em outubro, por ocasião do segundo turno das eleições, o Minis-


tro da Economia, Paulo Guedes, defendeu a ideia de tirar o ensino
superior do MEC e transferi-lo para a pasta de Ciência, Tecnologia
e Inovação (MCTI). “Há países, como a França, que adotam esse
modelo e associam o ensino superior à pesquisa científica. A van-
tagem, segundo eles, é priorizar a educação básica e fortalecer a
pesquisa”, relata o filósofo Renato Janine Ribeiro, presidente da
Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência (SBPC) e ex-mi-
nistro da Educação no governo Dilma Rousseff, entre abril e se-
tembro de 2015. No Brasil, a opção foi reunir todos os níveis de
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“A universidade [pública] não é mais


o lugar da elite econômica, cobrar
mensalidade dos alunos pobres
significaria elitizar o ensino e
aumentar a evasão”
RICARDO FONSECA, presidente da Andifes e reitor da UFPR
15

educação, da básica à superior, em um só ministério, com a van-


tagem de ter uma visão global. Quanto à proposta de Guedes de
separar os ensinos, Ribeiro responde com uma pergunta: “se a mi-
gração da educação superior de um ministério para o outro pode
ser uma solução? Resta saber: solução para quê?”

Outra proposta que costuma suscitar polêmica é a cobrança de


mensalidade. Segundo relatório da Andifes de 2018, 70% dos es-
tudantes têm renda per capita familiar de, no máximo, 1,5 salário
mínimo. “A universidade não é mais o lugar da elite econômica, co-
brar mensalidade dos alunos pobres significaria elitizar o ensino e
aumentar a evasão”, alerta Ricardo Fonseca. Tem mais: se os 30% de
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estudantes que têm renda familiar per capita maior que um salário
mínimo e meio contribuíssem mensalmente com R$ 1 mil, a receita
anual seria de R$ 4,3 bilhões. “É pouco. Financia praticamente só a
UFRJ”, calcula o reitor da UFPR. “Colocar recursos públicos nas uni-
versidades não é gasto, é investimento.”

DESMONTE UNIVERSITÁRIO
Por essas e outras, o retrospecto do governo Bolsonaro não é dos
melhores. “Foi o pior presidente do Brasil para a educação supe-
rior e a pesquisa científica”, elege o tecnólogo Irineu Manoel de
Souza, reitor da Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC).
“Tragédia. Não há outra palavra para descrever”, resume o epide-
miologista Pedro Hallal, ex-reitor da Universidade Federal de Pe-
lotas (UFPel), no Rio Grande do Sul. “Um misto de falta de respeito
com tentativa de difamação”.
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Coordenador do Epicovid-19, o maior estudo epidemiológico sobre


o coronavírus no Brasil, Hallal foi um dos cientistas mais persegui-
dos pelo governo. Em março de 2021, teve que assinar um termo
de ajustamento de conduta por criticar a gestão do presidente du-
rante uma transmissão ao vivo. No documento, se comprometeu
a não fazer “manifestação desrespeitosa” contra o atual chefe do
Executivo por dois anos. Além disso, foi impedido de falar durante
entrevista à rádio Guaíba e censurado durante coletiva no Minis-
tério da Saúde. A tela que tratava da incidência da Covid-19 em
populações indígenas foi deletada da apresentação. Não bastasse,
ainda chegouAcesse
a receber ameaças de morte que estão sendo inves-
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tigadas pela Polícia Federal.

Hallal não é um caso isolado. Pesquisa da SBPC adverte: a liber-


dade acadêmica esteve em risco no governo Bolsonaro. Dos 1,1 mil
cientistas entrevistados entre agosto e dezembro de 2021, 58%
afirmaram que conhecem professores e acadêmicos que sofreram
limitações ou interferências indevidas em suas aulas ou pesquisas.
E mais: 35,3% já limitaram aspectos da própria pesquisa e 42,5%
restringiram o conteúdo de aulas por medo de sofrer retaliações
ou perder financiamentos.

Uma das faces mais cruéis da perda de liberdade acadêmica é a


fragilização institucional. É quando o governo federal interfere na
nomeação de reitores, por exemplo. “Bolsonaro não respeitou a au-
tonomia das universidades. Muitas tiveram, durante seu governo,
17

reitores que não foram escolhidos por suas respectivas comunida-


des”, lamenta o sociólogo Alfredo Macedo Gomes, reitor da Univer-
sidade Federal de Pernambuco (UFPE). Pelo menos seis reitores fo-
ram nomeados sem ter sido os mais votados em eleições internas e
sem apoio da comunidade acadêmica.

RECOMPOSIÇÃO ORÇAMENTÁRIA
Se a retrospectiva do governo Bolsonaro é a pior possível, a expec-
tativa para o de Lula é das melhores. Denise Carvalho, da UFRJ, es-
pera dobrar o número de jovens de 18 a 24 anos no ensino superior
— o índice hoje é de 20%. Na Coreia do Sul, a título de comparação,
é de 50%. Para chegar ao patamar do tigre asiástico, ela propõe au-
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mentar o número de vagas e o percentual do PIB para ciência e tec-
nologia. Alfredo Gomes, da UFPE, prega a retomada do sistema de
cotas não só na graduação, mas também na pós-graduação.

Já Irineu de Souza, da UFSC, defende o crescimento do quadro de


pessoal. Segundo dados do MEC, o déficit hoje é de pelo menos
11 mil professores e técnicos nas universidades federais. Sandra
Almeida, da UFMG, apoia o fortalecimento de instituições, como
Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Tei-
xeira (Inep), Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível
Superior (Capes) e Conselho Nacional de Desenvolvimento Cientí-
fico e Tecnológico (CNPq). Por falar em Inep, o número de inscritos
no Exame Nacional do Ensino Médio (Enem), a principal porta de
entrada para a universidade no país, também caiu: de 8,6 milhões
em 2016 para 3,3 milhões em 2022.
18

O valor destinado à produção de


conhecimento no país passou de
R$ 40,7 bilhões em 2014 para R$
20,7 bilhões em 2022. Para 2023,
a previsão é de R$ 17,1 bilhões

Balanço Anual do Orçamento do Conhecimento

As demandas são muitas, reconhecem os reitores. Mas, se há


algo realmente prioritário
Acesse nosso Canal no— “urgência
Telegram: urgentíssima”, como di-
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zem alguns — é a recomposição do orçamento. O valor destinado
para a produção de conhecimento no país, que inclui o ensino
superior e a pesquisa científica, despencou quase 50% em oito
anos. Passou de R$ 40,7 bilhões em 2014 para R$ 20,7 bilhões
em 2022. E, para 2023, a previsão é ainda mais desanimadora:
R$ 17,1 bilhões. Os números são do Balanço Anual do Orçamen-
to do Conhecimento, uma parceria da Frente Parlamentar Mista
de Educação com o Observatório do Conhecimento. “A educação
não pode ser um projeto de governo, que é destruído quando sai
um presidente e entra outro. Para o bem do país e de sua popula-
ção, tem que ser um projeto de Estado”, ressalta a reitora Sandra
Almeida, da UFMG. Sem educação, ciência e tecnologia, o Brasil
nunca vai deixar de ser o “país do futuro”.
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ENTREVISTA

“Damos tanta
atenção à
felicidade que
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não lidamos
com a tristeza”

COM Peter N. Stearns POR Larissa Beani


Norte-americano especialista em
história das emoções lança novo
livro no Brasil sobre como a noção de
felicidade mudou ao longo dos séculos
em diferentes culturas

A
A busca pela felicidade é tratada por filósofos, reli-
giosos
Acesse e políticos
nosso Canal no desde
Telegram:as primeiras civilizações. Na
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China do século 5 a.C., Confúcio pregava que o con-
tentamento resulta da harmonia, embora esse estado fosse
incompatível com o contexto de guerra que o pensador vivia.
Para Aristóteles, um século depois, toda ação humana tinha
como objetivo a felicidade. Na Idade Média, no entanto, essa
associação ficou de lado. A Igreja Católica passou a sugerir
que a verdadeira felicidade só poderia ser atingida após a
morte e que, em vida, as mazelas nos fortaleceriam.

Outra virada ocorreu no final do século 17: com os iluministas,


o desejo de ser feliz voltou ao centro do debate social, político
e até econômico. Essa visão, aliás, ainda perdura no Ociden-
te. Nessa parte do mundo também imperam os valores das
Revoluções Industriais, nos séculos 18 e 19, que aproximaram
a noção de felicidade da necessidade de bens materiais.
21

As nuances e os vários fatores que contribuíram para a


ideia de felicidade que temos hoje estão descritos no livro
História da Felicidade, do estadunidense Peter N. Stearns,
lançado no Brasil em outubro pela Editora Contexto. For-
mado em história pela Universidade Harvard, nos Estados
Unidos, Stearns é professor da Universidade George Ma-
son, também nos EUA, onde foi reitor entre 2000 e 2014.
Sempre muito interessado em desvendar outras culturas,
ele se dedica a conhecê-las por meio do estudo da história
das emoções. “Devemos olhar ao redor do mundo e tentar
entender Acesse
comonosso
operam essas diferentes visões”, sugere o
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estudioso de 86 anos, em entrevista a GALILEU.

Autor também dos livros A infância (2006), História das re-


lações de gênero (2007) e História da sexualidade (2010),
todos publicados no Brasil pela Contexto, Stearns reflete
sobre como podemos nos beneficiar de pesquisas sobre a
felicidade. Na entrevista a seguir, ele também comenta as
dificuldades de construir uma perspectiva histórica e global
do contentamento e como esse sentimento tem sido abala-
do pela pandemia de Covid-19.
22

QUANDO FALAMOS EM HISTÓRIA, PRIMEIRO VÊM À MENTE GUER-


RAS, REVOLUÇÕES, DINASTIAS. MAS VOCÊ ESCOLHEU SE ESPE-
CIALIZAR EM ASPECTOS MAIS SUBJETIVOS QUE ATRAVESSAM A
HISTÓRIA DA HUMANIDADE, COMO A INFÂNCIA, AS RELAÇÕES DE PETER N.
STEARNS
GÊNERO E, AGORA, A FELICIDADE. DE ONDE VEM ESSE INTERESSE?
Formado em
história pela
Eu tenho trabalhado com a história das emoções Universidade
Harvard, leciona
desde a década de 1980, inicialmente com foco na Universidade
em raiva e ciúmes, porque percebi que a compre- George Mason.
Foi editor-chefe
ensão sobre determinadas emoções pode mudar do periódico
ao longo do tempo. Então, como historiador, tento The Journal of
descobrir Acesse
por que e como essas concepções foram
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Social History, de
1967 a 2016, e já
se transformando e, assim, vou ajudando a cons- escreveu e editou
truir um conhecimento adicional que nos dá uma mais de 135 livros
sobre história
perspectiva maior sobre como nossas emoções social e mundial.
contemporâneas se desenvolveram. Quatro de suas
publicações
foram lançadas
QUAIS SÃO OS MAIORES DESAFIOS AO FAZER ESSA no Brasil.
RETROSPECTIVA DA EVOLUÇÃO DAS NOSSAS EMOÇÕES?

Há muitas dificuldades. A primeira delas é que,


obviamente, as ideias sobre determinada emo-
ção diferem muito de uma região para outra. Por
exemplo, o Japão é um país muito próspero e bem-
-sucedido, mas não se sai muito bem em pesquisas
sobre felicidade. Então, é preciso tentar descobrir
23

o que acontece na cultura nipônica e determinar


se os japoneses são realmente menos felizes do
que outros povos ou se simplesmente definem a
felicidade de forma diferente do tipo de felicidade
que a pesquisa tentou mensurar.

É fascinante apreciar essas diferentes visões, mas


é também desafiador. Particularmente se não há
muita pesquisa sobre certo assunto. Por exemplo,
é necessário produzir mais trabalhos sobre o pa-
drão de felicidade na África Subsaariana, inclusive
do ponto de vista histórico. Ter informações o bas-
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tante é outro desafio. É bem fácil falar sobre o que
pensadores como Aristóteles e Confúcio disseram
sobre felicidade, mas muito, muito mais difícil di-
zer o que pessoas comuns pensavam sobre isso.

“É necessário produzir mais


trabalhos sobre o padrão
de felicidade na África
Subsaariana, inclusive do
ponto de vista histórico”
Peter N. Stearns reflete sobre a falta de pesquisas fora da Europa Ocidental
24

NO LIVRO HISTÓRIA DA FELICIDADE, VOCÊ TAMBÉM CITA COMO


DESAFIO O FATO DE A MAIOR PARTE DAS PESQUISAS SOBRE O AS-
SUNTO SEREM FEITAS SOBRE E SOB A PERSPECTIVA DA EUROPA
OCIDENTAL.OQUETEMSIDOFEITOPARAMUDARESSATENDÊNCIA?

Há um crescente interesse sobre a história da felici-


dade em outras culturas. Então, talvez daqui alguns
anos isso deixe de ser um problema. Na América La-
tina, acabam de criar uma nova sociedade focada
na história das emoções [Sociedad Iberoamericana
de Historia de las Emociones y la Experiencia]. Esta
é uma região onde a pesquisa está realmente cres-
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cendo, mas ainda não é tão abundante quanto na
Europa Ocidental. Ainda assim, os estudos têm co-
meçado a se diversificar em termos de origem.

Outra região sobre a qual precisamos saber mais é


a Ásia. De forma geral, temos mais registros sobre
a felicidade no leste do continente. As comunidades
dessa região costumam ser menos individualistas
do que as ocidentais. Enquanto nós nos sentimos
mais confortáveis ao falar sobre a importância da
felicidade individual e, em alguns casos, até mesmo
dizer como os outros podem ficar mais felizes, as
culturas do Leste Asiático estão mais focadas em
conexões e questões coletivas, na importância do
pertencimento. Essa é uma diferença fundamental.
25

AO MENOS NO OCIDENTE, A IDEIA DE FELICIDADE ESTÁ MUITO LI-


GADA AO ACESSO A BENS MATERIAIS E SERVIÇOS QUE ATÉ POUCO
TEMPO NEM EXISTIAM. QUANDO OLHAMOS PARA AQUELAS CUL-
TURAS QUE VIVIAM DE HÁBITOS AGRÁRIOS E FORMARAM AS PRI-
MEIRAS SOCIEDADES, O QUE IMPORTAVA PARA SER FELIZ?

As sociedades agrárias colocavam muita ênfase


no número de filhos que a família deveria ter. Isso
foi, por um tempo, um fator de definição de felici-
dade para os gregos, por exemplo. Muitas socie-
dades agrárias eram bastante religiosas. Então,
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na história da felicidade, é importante procurar
entender o que diferentes religiões diziam sobre
essa emoção. Por exemplo, o Cristianismo falava
sobre ser feliz nesta vida, mas despendia mais
atenção à felicidade na vida após a morte. O pa-
pel da família e da religião são dois fatores que
foram fundamentais para as sociedades agrárias
até se tornarem mais industriais.

SEU LIVRO APONTA O ILUMINISMO E A REVOLUÇÃO INDUSTRIAL


COMO ACONTECIMENTOS ESSENCIAIS PARA MOLDAR A CONCEP-
ÇÃO CONTEMPORÂNEA DE FELICIDADE. COMO VOCÊ EXPLICA A IN-
FLUÊNCIA DE CADA UM DESSES EPISÓDIOS HOJE EM DIA?

O Iluminismo é absolutamente fundamental na Eu-


ropa Ocidental, nos Estados Unidos e na América
26

Latina. O movimento argumentava que a felicida-


de neste mundo é perfeitamente normal e defen-
dia que as pessoas deveriam tentar ser felizes. Os
iluministas discorreram sobre o direito à felicida-
de, uma ideia bem inovadora, e pensavam que, em
uma sociedade adequadamente organizada, a feli-
cidade social e individual deveria aumentar. Essa é
uma mudança muito dramática em comparação a
visões mais tradicionais que prevaleciam até então.
Com o Iluminismo, os teóricos políticos começaram
a falar sobre como suas teorias promoveriam mais
felicidade.Acesse
Essanosso
é uma mudança fundamental na vi-
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são global sobre a emoção.

A industrialização é um processo cujo papel é am-


bíguo, já que ela dificultou a vida para muitas pes-
soas — pelo menos por um tempo. Esse processo
criou novas divisões, mas, a longo prazo, ajudou a
promover a ideia de que uma vida material melhor
era um aspecto crucial da felicidade e que, se a eco-
nomia estivesse bem, a felicidade estaria garantida.
Enfatizar o papel do crescimento econômico é exa-
gerado, mas acho que é uma visão comum ainda
hoje e a industrialização encorajou essa conexão.
27

TEMOS UMA NECESSIDADE DE NÃO APENAS SER FELIZES, MAS DE


PARECERMOS. VOCÊ APONTARIA ALGUM FATOR HISTÓRICO QUE
TENHA CONTRIBUÍDO PARA ESSA IMPOSIÇÃO?

Acho que há algumas diferenças dependendo de em


qual sociedade você vive. Mas, pelo menos em luga-
res como a Europa Ocidental, o Iluminismo também
reforçou a necessidade de parecermos alegres. As
pessoas eram encorajadas a sorrir mais, as crian-
ças também deveriam ser mais felizes e desfrutar
de sua infância. Preocupar-se com pessoas que não
pareciam ser felizes o bastante também foi um as-
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pecto importante nessa nova ênfase na felicidade.

EM 2005, UM ARTIGO PUBLICADO NA REVISTA REVIEW OF GENE-


RAL PSYCHOLOGY FICOU FAMOSO AO CONCLUIR QUE CERCA DE
50% DO NOSSO CONTENTAMENTO DEPENDE DE FATORES GENÉTI-
COS. O QUE ISSO MUDA NO DEBATE SOBRE A FELICIDADE?

A partir dessa descoberta, é possível inferir que al-


gumas pessoas têm maior predisposição para per-
sonalidades mais alegres. Mas a genética não é o
único fator. Diferentes padrões culturais e situações
da vida real interagem com a genética. Se você está
em uma situação de guerra ou doença, isso vai de-
safiar a sua felicidade genética. Afinal, a felicidade é
composta por uma combinação de fatores.
“Se você está em uma
situação de guerra ou
doença, isso vai desafiar
sua felicidade genética. A
felicidade é composta por
uma combinação de fatores”
Stearns pondera a influência da genética na felicidade

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AFINAL, COMO OS ESTUDOS SOBRE FELICIDADE PODEM AJUDAR
A MELHORAR NOSSA VIDA?

Estudar a felicidade, primeiramente, nos dá a


compreensão de que as definições acerca dela
são parcialmente construídas pela nossa socieda-
de. Isso não significa que os padrões contempo-
râneos estejam errados, mas podemos entender
que eles se desenvolveram ao longo do tempo e
reagir diferentemente a eles. Para mim, a maior
vantagem de estudar a felicidade é dar aos indi-
víduos a oportunidade de pensar quais são suas
próprias definições.

Muitos condicionam a felicidade a padrões de vida,


consumo e luxos; enquanto outros a definem por
29

um senso de realização, um desejo de contribuir


para a sociedade. Esse tipo de discussão ajuda in-
divíduos a decidirem quais são seus modelos. Es-
tudar a felicidade não dita às pessoas como ser fe-
liz, mas sugere formas de refletir sobre isso, para
que tenham uma perspectiva mais ampla e clara
sobre o assunto.

ANALISANDO O PASSADO E NOSSO CONTEXTO ATUAL, EM RECU-


PERAÇÃO DE UMA PANDEMIA, É POSSÍVEL ESTABELECER ALGUMA
TENDÊNCIA SOBRE A FELICIDADE NOS PRÓXIMOS ANOS?
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Agora, a felicidade está um pouco abalada em
todo o mundo. A pandemia claramente perturbou
a todos. Em lugares como os Estados Unidos e o
Brasil, há também divisões políticas e ameaças de
violência. A felicidade está comprometida, mas eu
espero que isso seja temporário e que possamos
prosseguir com a possibilidade de ter uma maior
felicidade ou uma maior atenção à nossa felicida-
de quando nos recuperarmos da pandemia e de al-
guns desafios econômicos.

Para a maior parte das pessoas, no mundo todo,


encontrar a felicidade agora é mais difícil do que
há alguns anos. Teremos que observar o quão du-
rável será esse período.
30

VOCÊ TEM ALGUMA LIÇÃO QUE TENHA APRENDIDO SOBRE A FELI-


CIDADE AO LONGO DA PRODUÇÃO DO LIVRO E QUE POSSA COM-
PARTILHAR COM OS LEITORES BRASILEIROS?

A lição número um é que é importante reconhecer


que a sociedade está diferente e que há defini-
ções culturais distintas sobre ela. Devemos olhar
o mundo e tentar entender como operam essas
diferentes visões.
HISTÓRIA
DA FELICIDADE,
Mas eu acho que a maior lição, pelo menos para a de Peter N.
cultura ocidental, é não prestar muita atenção, o
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Stearns
(Editora Contexto,
tempo todo, ao quanto somos felizes. Damos tanta
368 páginas,
atenção à felicidade que não lidamos com a triste- R$ 79,90)
za ou com contratempos tão bem quanto devería-
mos. É importante manter o equilíbrio entre felici-
dade e outros aspectos da vida, outras pressões.

POR FIM, ESCREVER ESTE LIVRO SOBRE A FELICIDADE FEZ


VOCÊ MAIS FELIZ?

Boa pergunta [risos]! Sim, me fez mais feliz por-


que eu amo pesquisar. Ter essa publicação tradu-
zida para o português também me fez mais feliz,
então, o saldo é positivo.
SAÚDE
TEXTO Laura Moraes EDIÇÃO Luiza Monteiro ILUSTRAÇÃO Efe Godoy DESIGN Flavia Hashimoto

À MARGEM
DO CUIDADO
DO DESRESPEITO AO NOME
SOCIAL A ATENDIMENTOS
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NEGADOS, A POPULAÇÃO
TRANSEXUAL NO BRASIL
SOFRE PARA TER ACESSO
INTEGRAL À SAÚDE — E
ISSO VAI MUITO ALÉM
DE CIRURGIAS OU
TERAPIAS HORMONAIS
E
Em 1969, a maquiadora e manicure Waldirene
Nogueira saiu de Lins, no interior de São Pau-
lo, e foi para o Hospital das Clínicas, na capital,
buscar ajuda. O motivo da angústia que a fez
percorrer mais de 400 quilômetros não era algo
simples de ser resolvido: Waldirene é uma mu-
lher trans e sofria com a chamada disforia de
gênero, um estado permanente de desconforto
com o sexo biológico.

A equipe que a atendeu no hospital sugeriu


uma cirurgia de redesignação sexual para o que
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tanto a afligia. Dois anos depois, o médico Ro-
berto Farina, professor da Universidade Fede-
ral de São Paulo (Unifesp) e um dos cirurgiões
plásticos mais importantes da época, realizou o
procedimento — o primeiro do tipo na história
do Brasil. Só que aquele era o auge da ditadura
militar no país, e o que era para ser uma con-
quista acabou sendo encarado como um crime.

Roberto foi processado, perdeu seu registro no


Conselho Regional de Medicina (CRM) e chegou
a ser condenado a dois anos de prisão por ter
“extirpado um órgão funcional”. “Não há nem
pode haver, com essas operações, qualquer mu-
dança de sexo. O que consegue é a criação de
33

eunucos estilizados, para melhor aprazimento de suas lastimáveis


perversões sexuais e, também, dos devassos que neles se satisfa-
zem. Tais indivíduos, portanto, não são transformados em mulhe-
res, e sim em verdadeiros monstros”, denunciou o procurador Luiz
de Mello Kujawski em pedido de instauração de inquérito policial.

Mais de 20 anos após esse caso, o direito de pessoas transexuais


a qualquer tipo de serviço de saúde pouco avançou no país. Foi
apenas em 1997, com a Resolução 1482/97, que o Conselho Fede-
ral de Medicina (CFM) considerou lícita a realização de cirurgias de
transgenitalização nos hospitais públicos universitários do Brasil,
a título experimental. Serviços interdisciplinares especializados
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passaram a se organizar, motivados principalmente pela luta de
transexuais pelo acesso integral à saúde. E isso vai além das cirur-
gias de redesignação sexual ou das terapias hormonais — é pelo
direito de ter uma vida digna como qualquer outro cidadão.

OBSTÁCULOS
SISTEMATIZADOS
O Brasil está no topo da lista de países mais inseguros para a co-
munidade trans: é o que mais mata transexuais e travestis no
mundo. Segundo o mais recente levantamento do Trans Murder
Monitoring — plataforma da rede Transgender Europe (TGEU) que
monitora mortes de pessoas trans —, entre 1º de outubro de 2021
e 30 de setembro de 2022, 96 indivíduos trans foram assassinados
por aqui. Em segundo lugar está o México, com 56 homicídios no
período; e em terceiro, os Estados Unidos, com 51.
34

“Boa parte dessas pessoas [trans]


foram marginalizadas da própria
família, são expulsas de casa e
saem da escola; elas acabam não
recebendo informações sobre
cuidados da saúde em nenhum lugar”
Edson Ferreira, ginecologista e obstetra, coordenador do ambulatório
de assistência ginecológica à pessoa LGBTQIA+ do Hospital das Clínicas da
Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo (HC-FMUSP)

Não bastasse a ameaça constante de morte, essas pessoas ainda


são alijadas da sociedade como um todo. Levantamento de 2014
do Projeto Além do Arco-íris, da ONG Afro Reggae, indicava que
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72% da população trans brasileira não havia concluído o ensino


médio e 56% sequer havia terminado o fundamental. Isso tem ex-
plicação: travestis e mulheres transexuais são expulsas de casa
aos 13 anos, em média, segundo a Associação Nacional de Traves-
tis e Transexuais (Antra).

Como ilustra a história de Waldirene, na saúde não é diferente.


“Boa parte dessas pessoas foram marginalizadas da própria fa-
mília, são expulsas de casa e saem da escola; elas acabam não
recebendo informações essenciais sobre cuidados da saúde em
nenhum lugar”, pontua o ginecologista e obstetra Edson Ferreira,
coordenador do ambulatório de assistência ginecológica à pessoa
LGBTQIA+ do Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da
Universidade de São Paulo (HC-FMUSP).
35

Na análise do médico, são três os obstáculos mais comuns: o pri-


meiro é a pessoa trans saber quando precisa ir a algum serviço de
saúde e como chegar até ele; o segundo é, uma vez no consultório,
ela receber a atenção e o respeito que merece; e o terceiro seria,
reconhecendo se tratar de um indivíduo transexual, o profissional
da saúde atender da forma como se deve, levando em conta as
necessidades de cada paciente.

Na maioria das vezes, o despreparo já se revela logo de cara,


quando a pessoa informa seu nome social (diferente daquele na
certidão de nascimento) ou o pronome pessoal pelo qual gostaria
de ser referida, e mesmo assim a chamam pelo nome de registro.
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O biomédico Morgan Fonseca, especialista em saúde pública, se
identifica como uma pessoa trans masculina e faz seu processo
de hormonização com testosterona em uma Unidade Básica de
Saúde (UBS) no bairro de Santa Cecília, no Centro de São Paulo.
“Sei de pessoas que vêm a pé do interior até a capital para ser
atendidas. Muitos acham que é só você chegar e ter um médico ali
que já basta, mas a atenção à saúde vai muito além do estado físi-
co: inclui o psicossocial, a estrutura e o ambiente em que a pessoa
vive”, avalia Fonseca.

E o problema está longe de ser exclusivo do Brasil. Foi só em 2018


que a Organização Mundial da Saúde (OMS) tirou a transexualida-
de da Classificação Internacional de Doenças (CID). Uma pesqui-
sa realizada pela Escola de Assistência Social da Universidade de
Windsor, no Canadá, reuniu dados de oito estudos que incluíam
43.570 pessoas LGBTQIA+ nos Estados Unidos.
36

“Muitos acham
que é só você
chegar e ter
um médico ali
que já basta,
mas a atenção
à saúde vai
muito além
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do estado
físico: inclui o
psicossocial, a
estrutura e o
ambiente
em que a
pessoa vive”
Morgan Fonseca,
biomédico especialista em saúde
pública, se identifica como uma
pessoa trans masculina e relata o
que vê nos atendimentos na UBS em
São Paulo onde faz hormonização
com testosterona
37

Entre as conclusões da investigação, o dado chocante de que um


quarto dos indivíduos transexuais entrevistados não teve acesso
a serviços de saúde ao longo da vida. Mais de um terço dos par-
ticipantes se consultou com profissionais que desconheciam suas
necessidades. “Contra seus valores e ética profissionais, os pres-
tadores de cuidados de saúde muitas vezes tratam transgêneros
com severidade, seja na forma verbal ou abuso físico”, escreveu a
autora do estudo, Luisa Kcomt, em artigo publicado em 2019 na
revista Social Work in Health Care.

Muitas vezes, porém, esse tratamento é apenas um reflexo de


como toda a Acesse
sociedade lida com esses indivíduos. É o que pensa
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Nathê Miranda, designer e artista que se identifica como uma
pessoa não binária. Há quase dois anos, Nathê também faz hor-
monização com testosterona em uma UBS em São Paulo e conta
que, não raro, as enfermeiras usam pronomes femininos para se
referir a sua pessoa. “Mas eu procuro não culpabilizá-las. Tam-
bém temos que pensar o contexto daquelas pessoas, muitas ve-
zes são mulheres da periferia, que nunca tiveram contato com
pessoas trans e muito menos informações”, reflete. “Há uma linha
muito tênue entre culpabilizar o SUS [Sistema Único de Saúde] e
aqueles servidores e entender que, na verdade, precisamos re-
pensar a instituição medicina dentro de outras perspectivas e
corpos diferentes.”
38

DEMANDAS E DIREITOS
Entender a saúde integral de pessoas trans parte de uma lógica
simples: elas têm as mesmas demandas da população cisgênero,
isto é, que se identifica com o sexo atribuído no nascimento. De
uma simples unha encravada a hipertensão, diabetes ou altera-
ções na tireoide, essas pessoas também são seres humanos e es-
tão expostas aos mais diversos riscos.

Vale começar, talvez, entendendo o que é uma pessoa transexual.


Quando a identidade de gênero (homem/mulher) de um indivíduo
corresponde Acesse
ao sexo biológico (masculino/feminino), essa pessoa
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é cisgênero; já quando a pessoa se identifica com um gênero di-
verso daquele que lhe foi designado ao nascer, ela é transgênero.
Dentro da designação trans também estão as pessoas não biná-
rias, termo guarda-chuva para identidades de gênero que não são
estritamente masculinas ou femininas, estando portanto fora do
sistema binário de gênero.

E isso importa também para a saúde. Alguns rastreamentos devem


ser feitos de acordo com a identidade de gênero, o uso ou não de te-
rapias hormonais ou se a pessoa fez alguma cirurgia de redesignação
sexual. “Para pacientes mulheres trans, por exemplo, é importante
evitar dosagens suprafisiológicas [muito altas] de estrógeno, além
de estimular uma redução dos riscos associados às terapias hormo-
nais”, alerta a médica oncologista Luciana Landeiro, coordenadora
do Núcleo de Pesquisa do Núcleo de Oncologia da Bahia (NOB).
39

Sem contar que ainda não se sabe ao certo quais são os efeitos
a longo prazo da utilização de terapias hormonais exógenas e do
bloqueio de certos hormônios no organismo humano. Uma pes-
quisa da Universidade Medical Center, em Amsterdã, na Holanda,
começou a traçar um panorama em relação ao câncer de mama.
Publicado em 2019 no respeitado periódico BMJ, o estudo envol-
veu 2.260 mulheres trans e 1.229 homens trans. No total, o levan-
tamento identificou 15 casos de tumores mamários nas mulheres
após uma média de 18 anos de tratamento hormonal, demons-
trando um risco 46 vezes maior do que em um homem cis.
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Diante dessa e de outras evidências, o conselho do Colégio Ame-
ricano de Radiologia passou a recomendar que uma mulher tran-
sexual com mais de 40 anos que faça uso de terapia hormonal há
pelo menos cinco anos seja submetida a mamografias anuais de
rastreamento da mesma maneira que mulheres cis fazem.

Já no caso do câncer de colo uterino, um homem trans que não tenha


feito o procedimento de retirada cirúrgica do útero, e que mantenha
relações com penetração, precisa fazer os exames periódicos para
rastreamento desses tumores. “Já um homem trans que tenha feito a
retirada do útero não corre mais esse risco”, observa Landeiro.

Um levantamento da Universidade Tiradentes, em Aracaju, publi-


cado em 2021 na Revista Brasileira de Sexualidade Humana, com-
pilou dados de estudos internacionais feitos com pessoas trans.
40

“Há uma linha


tênue entre
culpabilizar o
SUS e aqueles
servidores e
entender que,
na verdade,
precisamos
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repensar a
instituição
medicina
dentro
de outras
perspectivas
e corpos
diferentes”
Nathê Miranda,
designer e ativista que se identifica
como pessoa não binária, reflete
sobre profissionais pouco
preparados para atender
pacientes trans
41

A conclusão é de que metade (50,5%) dos participantes não ha-


via feito o papanicolau nos três anos anteriores, um dos principais
procedimentos para detectar tumores no colo do útero. A maioria
(57,1%) preferiu a autocoleta, relatando casos prévios de discrimi-
nação e violência durante o exame.

Outra questão importante é a contracepção. “Um homem trans e


uma mulher trans que ainda têm os órgãos reprodutivos e tran-
sam com penetração, por exemplo, precisam se preocupar em usar
algum método anticoncepcional se não desejam engravidar”, ad-
verte o ginecologista Edson Ferreira. Os cuidados também valem
para quem quer uma gravidez. Foi o caso do influenciador Roberto
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Bete, um homem trans que engravidou naturalmente de sua par-
ceira, Erika Fernandes, uma mulher também trans.

Hoje com 32 anos, Roberto toma hormônios há sete anos e não


tinha certeza se ainda poderia engravidar. Nem sua endocrinolo-
gista sabia ao certo, já que não há dados robustos sobre os efeitos
na fertilidade da longa exposição à hormonização. “Depois que eu
e minha mulher paramos de tomar hormônios, demorou um ano e
dois meses para que eu voltasse a menstruar, e então engravidei
no quarto ciclo menstrual”, recorda. O pequeno Noah nasceu em
maio e, desde então, encanta os seguidores do perfil @transcen-
dendo_amor, no Instagram.
42

O que Roberto não sabia é que, mesmo sem menstruar e conti-


nuando a hormonioterapia, ele poderia ter engravidado. O uso de
testosterona reduz a chance de concepção, mas não a inibe. Aliás,
esse é outro ponto que a ciência ainda ignora. Segundo Edson Fer-
reira, até hoje, apenas um estudo analisou gestações de homens
trans após a transição.

Publicada em 2014 na revista Obstetrics & Gynecology, a pesquisa


entrevistou 41 homens transgênero que engravidaram depois de
transicionarem. Dentre eles, 25 tinham usado testosterona antes
de engravidar, sendo que cinco ainda estavam amenorreicos (sem
ciclo menstrual mensal) quando engravidaram. A experiência de
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Roberto corrobora esses achados. “Durante minha gestação, co-
nheci outros homens trans que engravidaram estando em hormo-
nioterapia e sem menstruar. No primeiro contato com um pênis,
engravidaram. É uma informação que não chega no nosso meio de
trans masculinos”, lamenta.

ACOLHIMENTO
QUE TRANSFORMA
Nas últimas décadas, alguns marcos da luta pelo direito à saúde de
pessoas trans foram conquistados. Em 2006, o SUS passou a acei-
tar o uso do nome social para a população trans; dois anos depois,
foi disponibilizado na rede pública o Processo Transexualizador,
que é o acesso gratuito a equipes multidisciplinares (psicólogos,
ginecologistas, médicos de família, entre outros), terapias hormo-
nais e cirurgia de redesignação sexual.
43

O primeiro ambulatório de saúde do país dedicado exclusivamente


a pessoas trans foi inaugurado em 2009 pela Secretaria da Saú-
de do Estado de São Paulo. Já em 2011, entrou em vigor a Política
Nacional de Saúde Integral de Lésbicas, Gays, Bissexuais, Travestis
e Transexuais. O documento tem como objetivo consolidar o SUS
como sistema universal, integral e equitativo, e prevê que isso só
é possível com a promoção da saúde integral de pessoas LGBT+. A
política entende que esse cuidado não se resume a tratar de do-
enças, mas envolve também produzir conhecimento e estimular
a participação social de todos, independentemente da orientação
sexual e da identidade de gênero.
Acesse nosso Canal no Telegram: t.me/BRASILREVISTAS

Hoje, há 33 espaços com serviços especializados em saúde públi-


ca para a população travesti e transexual no país. Entre eles está o
Ambulatório Transdisciplinar de Identidade de Gênero e Orientação
Sexual do Hospital das Clínicas (AMTIGOS), vinculado ao Instituto de
Psiquiatria (IPq) do Hospital das Clínicas da USP. Segundo o psiquia-
tra Alexandre Saadeh, que coordena o AMTIGOS, no início a ideia era
acompanhar a população trans adulta, até que passaram a chegar
casos de crianças e adolescentes. “Desde que comecei a trabalhar
com a população trans adulta, em 1997, ouvi de quase todas essas
pessoas que tudo tinha começado na infância, e que a adolescência
tinha sido um período muito ruim da vida delas”, recorda Saadeh.

Em 2015, o AMTIGOS parou de atender adultos e passou a se


dedicar aos mais novos. O acompanhamento é feito por equipe
44

“Durante minha gestação, conheci


outros homens trans que engravidaram
estando em hormonioterapia e sem
menstruar. No primeiro contato com
um pênis, engravidaram”
Roberto Bete, 32 anos, homem trans e pai de Noah, de 6 meses, fruto de seu relacionamento
com Erika Fernandes, mulher também trans

multidisciplinar, que conta com psicólogos, psiquiatras, gineco-


logistas, médicos da família, fisioterapeutas e fonoaudiólogos. É
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essa equipe que vai indicar o uso ou não das terapias hormonais,
liberadas a partir de 16 anos, e das cirurgias de redesignação se-
xual, depois dos 18.

Mas não são todos os lugares do país que têm acesso a serviços
como esse. Para Ricardo Omena, coordenador do Ambulatório
LGBT Patrícia Gomes, em Recife, a política de saúde a esse público
ainda não chega a municípios cujas populações são muito conser-
vadoras ou religiosas, por exemplo. O ambulatório Patrícia Gomes
foi criado em novembro de 2017 justamente para suprir essa de-
manda. “Hoje atendemos mais de 1.500 pacientes com uma es-
trutura mínima. Ao longo desses cinco anos, vi a vida de muitas
pessoas se transformar. Meu desejo era que todo esse trabalho
fosse solidificado com uma política mais bem implementada e uma
estrutura mais garantida no Brasil”, confessa Omena.
45

Essa é uma demanda praticamente universal para quem trabalha em


centros especializados voltados ao público LGBTQIA+. “Precisamos
de uma implementação efetiva desses serviços, alinhada com um
processo de formação de servidores da saúde”, defende Iran Gius-
ti, fundador e coordenador do Centro de Acolhida e Cultura LGBT
Casa1, em São Paulo. “Temos até uma grande oferta de locais, mas
poucas pessoas preparadas para atender essa população, inclusive
nos centros de referência”.

Da mesma maneira que um atendimento despreparado e agressi-


vo pode acabar com vidas, um olhar competente, compreensivo e
acolhedor pode transformá-las positivamente. “Tem pessoas que
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vêm aqui no ambulatório e, já na fase de triagem, choram durante
meia hora simplesmente porque estão sendo atendidas por um
profissional de saúde que soube acolhê-las, que as recebeu bem,
que as tratou pelo nome social, que as escutou e quis saber de sua
história”, conta Ricardo Omena. “Isso muda a vida delas”.

Foi o que aconteceu com Waldirene Nogueira quando finalmente


teve o atendimento de que precisava. Em uma declaração publica-
da em carta na época da repercussão de seu caso, ela disse: “Minha
vida antes da operação era um martírio insuportável por ter que
carregar uma genitália que nunca me pertenceu. Depois da opera-
ção fiquei livre para sempre – graças a Deus e ao dr. Roberto Farina
– dos órgãos execráveis que me infernizavam a vida, e senti-me tão
aliviada que me pareceu ter criado asas novas para a vida.”
ESPAÇO
TEXTO Marília Marasciulo EDIÇÃO Luiza Monteiro DESIGN Flavia Hashimoto

O telescópio James Webb revelou pela


primeira vez a dinâmica entre as duas
estrelas da nebulosa do Anel do Sul: uma
anã branca moribunda cujo gás e poeira
liberados cercam a mais jovem (no centro).
(Foto: NASA, ESA, CSA, STScI)

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NOVA JANELA PARA O UNIVERSO


EM SEU PRIMEIRO ANO NO ESPAÇO, O TELESCÓPIO JAMES WEBB TEM
CORRESPONDIDO ÀS EXPECTATIVAS DA COMUNIDADE CIENTÍFICA.
MAS ESSE É SÓ O COMEÇO DE UMA JORNADA QUE DEVE DURAR PELO
MENOS UMA DÉCADA — E MUDAR A ASTRONOMIA PARA SEMPRE
N
Na manhã do dia 25 de dezembro de 2021, o foguete Ariane 5 atra-
vessou o céu nublado da região de Kourou, na Guiana Francesa. A
bordo, o James Webb, maior telescópio óptico já lançado no espa-
ço. Com um espelho de 6,5 metros de diâmetro e capacidade de
observar radiação infravermelha,
Acesse nosso ot.me/BRASILREVISTAS
Canal no Telegram: equipamento tem como mis-
são investigar a formação das primeiras galáxias e estrelas, além
de descrever a atmosfera de exoplanetas. “De uma floresta tropi-
cal para os confins do tempo, o James Webb começa uma viagem
para o nascimento do Universo”, resumiu o narrador do lançamen-
to após a decolagem do foguete.

Em seu primeiro ano de “vida” e a 1,6 milhão de quilômetros da


Terra, o supertelescópio da Nasa tem correspondido às expectati-
vas. Suas primeiras imagens, divulgadas em julho, mostraram ga-
láxias a 5 bilhões de anos-luz de distância, com mais de 13 bilhões
de anos — o mais antigo que já se enxergou. Também registraram
duas nebulosas: a Carina, uma espécie de berçário de estrelas; e a
do Anel do Sul, que seria o “cemitério” de uma estrela gigante ver-
melha (como o Sol) após sua morte. “A maior surpresa que o James
48

Webb poderia trazer seria não ter surpresas”, resume a astrofísica


Catarina Aydar, doutoranda no Instituto Max Planck para Física
Extraterrestre, na Alemanha.

Mas essa jornada começou muito antes da partida no Natal passa-


do. Iniciada em 1996, a missão foi batizada com o nome do contro-
verso administrador da Nasa James Webb, supervisor dos proje-
tos Mercury, Gemini e Apollo 1, nos anos 1960. Foram necessários
20 anos e US$ 10 bilhões para finalizar a construção, e outros seis
anos até o lançamento. Uma vez no espaço, mais seis meses até
que entrasse em operação.
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Apelidada de “penhascos cósmicos”, a região a 7,6 mil anos-
-luz é a borda de um aglomerado estelar na nebulosa
Carina. Mas os picos, na verdade, são uma coleção de
berçários de estrelas emergentes, além de corpos celestiais
que nunca haviam aparecido em imagens. Espera-se que o
nível de detalhes ajude a melhorar a compreensão sobre a
formação de estrelas. (Foto: NASA, ESA, CSA, STScI)
49

Não é para menos. O James Webb tem uma engenharia comple-


xa e enorme — o equipamento todo pesa aproximadamente 6,2
toneladas. Mas seu tamanho e peso não foram os únicos desafios
para posicionar o observatório no espaço. O maior empecilho foi
encontrar uma posição onde a radiação infravermelha da Terra, do
Sol e da Lua não interferisse nas observações do telescópio.

A solução foi criar uma espécie de origami espacial. Os equipamen-


tos foram todos dobrados e abriam conforme alcançavam a posi-
ção adequada. O escudo de proteção contra o Sol, por exemplo, foi
aberto três dias depois do lançamento. Com formato de hexágono
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e o tamanho de uma quadra de tênis, o aparato resfria os equi-
pamentos a -223°C. Mas é a órbita do telescópio que garante que
o espelho e os detectores estejam sempre de costas para a Terra
e o Sol, mantendo uma temperatura adequada para a operação.
“Fazia bastante tempo que não havia uma missão tão ambiciosa
lançada para fora do planeta”, afirma Aydar.

Embora venha sendo considerado o sucessor do Hubble, telescó-


pio espacial lançado pela Nasa em 1990, a astrofísica brasileira
explica que o mais adequado seria compará-lo com o Spitzer. Tal
qual o Webb, esse telescópio lançado em 2003 fazia observações
em infravermelho — ao passo que o Hubble observa no espectro
visível. “Com o infravermelho, conseguimos olhar muito no passa-
do e enxergar através da poeira. Se compreendermos como o Uni-
verso evoluiu, conseguimos entender como ele vai evoluir daqui
para frente”, explica a cientista.
50
DO HUBBLE
AO WEBB
VEJA A EVOLUÇÃO DOS
PRINCIPAIS TELESCÓPIOS
ESPACIAIS E TERRESTRES

Concepção artística do
telescópio espacial James
Webb. (Foto: NASA-GSFC,
Adriana M. Gutierrez (CI Lab))

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HUBBLE CHANDRA SPITZER
DATA DE LANÇAMENTO: DATA DE LANÇAMENTO: DATA DE LANÇAMENTO:
24 de abril de 1990 23 de julho de 1999 25 de agosto de 2003
DATA DE ENCERRAMENTO DATA DE ENCERRAMENTO DATA DE ENCERRAMENTO
DA MISSÃO: em curso DA MISSÃO: em curso DA MISSÃO: 30 de janeiro
CUSTO DA MISSÃO: US$ 16 bilhões CUSTO DA MISSÃO: de 2020
TECNOLOGIA UTILIZADA: refletor US$ 1,65 bilhão CUSTO DA MISSÃO:
Ritchey-Chrétien, dotado de TECNOLOGIA UTILIZADA: US$ 1,36 bilhão
um espelho de 2,4 metros de telescópio de raios X TECNOLOGIA UTILIZADA: refletor
diâmetro. Observa as faixas Wolter tipo 1, dotado de Richey-Chrétien, dotado de
ultravioleta, visível e quase- um espelho principal de 1,2 um espelho primário de 85
-infravermelho do espectro metro de diâmetro. Como centímetros de diâmetro.
eletromagnético. instrumentos, conta com um Captava imagens do espectro
PRINCIPAIS DESCOBERTAS: as espectrômetro avançado e infravermelho, a partir de
imagens coletadas pelo câmera de alta resolução. fotometria, espectroscopia e
telescópio Hubble ajudaram PRINCIPAIS DESCOBERTAS: espectrofotometria.
a provar a existência dos emissões de raios X por PRINCIPAIS DESCOBERTAS:
buracos negros, calcular a Júpiter, Urano e Plutão, identificou o maior anel
idade e expansão do Universo a famosa fotografia da de partículas ao redor de
e estimar o tamanho e a “Mão de Deus” (onda de Saturno, um sistema estelar
massa da Via Láctea. Mais choque provocada por uma com sete planetas do
de 15 mil artigos científicos supernova) e a primeira tamanho da Terra e ajudou
foram publicados com base emissão de raios X do buraco a produzir o primeiro mapa
nos dados do equipamento. negro Sagittarius A*. climático de um exoplaneta.
KEPLER LBT (LARGE BINOCULAR
51 JAMES WEBB
DATA DE LANÇAMENTO: TELESCOPE) DATA DE LANÇAMENTO:
7 de março de 2009 DATA DE INÍCIO DAS ATIVIDADES: 25 de dezembro de 2021
DATA DE ENCERRAMENTO DA MISSÃO: 12 de outubro de 2005 DATA DE ENCERRAMENTO DA MISSÃO:
15 de novembro de 2018 LOCALIZAÇÃO: Arizona (EUA) em curso
CUSTO DA MISSÃO: US$ 600 CUSTO: US$ 120 milhões CUSTO DA MISSÃO: US$ 10 bilhões
milhões PRINCIPAIS TECNOLOGIAS: o LBT PRINCIPAIS TECNOLOGIAS:
PRINCIPAIS TECNOLOGIAS: câmera é dotado de dois espelhos telescópio anastigmático
Schmidt com uma lente de de 8,4 metros que, juntos, (que corrige as três principais
95 centímetros de diâmetro e representam uma abertura distorções ópticas) de três
um espelho primário com 1,4 focal correspondente a 11,8 espelhos Korsch, com um
metro de diâmetro. Seu único metros de diâmetro. Daí o espelho primário dotado
instrumento foi um fotômetro título de maior observatório de 18 segmentos hexagonais.
capaz de monitorar o brilho em solo — embora haja uma Combinados, eles medem
de 150 mil sequências controvérsia: considerado 6,5 metros de diâmetro.
principais de estrelas. segundo maior, o Grande Seus instrumentos permitem
PRINCIPAIS DESCOBERTAS: as Telescópio das Canárias (GTC) analisar imagens do espectro
observações do Kepler tem um único espelho de 10,4 infravermelho. É o maior
provaram que há mais metros de diâmetro. telescópio em atividade
planetas do que estrelas na PRINCIPAIS DESCOBERTAS: o LBT no espaço.
Via Láctea e revelaram a ajudou a analisar objetos PRINCIPAIS DESCOBERTAS:
diversidade de tamanhos e como a atmosfera de entre seus objetivos estão
tipos de planetas e sistemas exoplanetas, a natureza a busca por luzes oriundas
solares. Em quase 10 anos,nosso
Acesse o da formação
Canal de estrelas
no Telegram: das primeiras galáxias
t.me/BRASILREVISTAS
telescópio observou mais de na constelação de Orion e formadas após o Big Bang
530 mil estrelas, documentou descobriu um aglomerado de e o estudo da formação
61 supernovas e confirmou a galáxias a 7 bilhões de de galáxias, estrelas e
existência de 2.662 planetas. anos-luz da Terra. sistemas planetários.

Localizados na nebulosa da Águia, a cerca de 7 mil anos-luz da Terra, esses aglomerados de poeira e gás
foram observados pela primeira vez em 1995, com o Hubble, e revisitados em 2014 em uma versão mais
nítida (à esquerda). Em outubro, a Nasa divulgou uma imagem do James Webb, que mostra um nível de
detalhes ainda maior. (Foto: NASA, ESA, CSA, STScI, Hubble Heritage Project (STScI, AURA))
52

Descoberto em 1877 e fotografado


pelo Hubble, o grupo de cinco galáxias
na constelação de Pégaso conhecido
como Quinteto de Stephan aparece
pela primeira vez em alta definição. A
imagem do James Webb tem mais de 15
milhões de pixels. Graças à tecnologia
dos sensores do telescópio, foi possível
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observar para além da poeira ao redor
do núcleo de uma das galáxias, levando
à descoberta de que existe gás quente
perto do buraco negro dela.
(Foto: NASA, ESA, CSA, STScI)

COLABORAÇÃO INTERNACIONAL
Pelos próximos 10 anos, cientistas do mundo inteiro vão se debru-
çar sobre os dados coletados pelo James Webb. Só no primeiro ciclo
de observações, iniciado seis meses após o lançamento e com du-
ração prevista para um ano, 286 propostas foram aprovadas para
utilizar uma porção das 6 mil horas disponíveis. A maioria dos pro-
jetos é para o estudo de exoplanetas e discos, mas as outras áreas
de pesquisa abrangem galáxias, meios interestelar e intergaláctico,
estrutura do Universo em larga escala, astronomia do Sistema So-
lar, física estelar e tipos de estrelas, populações estelares e buracos
negros supermassivos e núcleos galácticos ativos.
53

Nessa última área de estudo, há dois projetos brasileiros. Um é de


um grupo do Observatório Nacional, liderado pelo astrofísico Rode-
rik Overzier, do qual Aydar participa. Eles terão 23,8 horas de ob-
servação para estudar as mais distantes radiogaláxias — galáxias
com um buraco negro supermassivo no centro que emite jatos de
energia ao capturar matéria.

O outro é de uma equipe da Universidade Federal de Santa Maria


(UFSM), no Rio Grande do Sul, liderada pelo físico Rogemar Riffel.
Eles terão 16,2 horas para investigar o papel do gás hidrogênio (H2)
na evolução de galáxias com núcleo ativo, isto é, que têm um buraco
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negro supermassivo central capturando matéria. “Queremos enten-
der se o núcleo ativo ejeta essa molécula, quão longe e a qual velo-
cidade. A importância de compreender como esse gás se comporta
é que ele é o ingrediente para as estrelas”, explica a astrofísica Ma-
rina Bianchin, pesquisadora na Universidade da Califórnia em Irvine
(UCI), nos Estados Unidos, e integrante da equipe da UFSM.

Envolvida em outros dois projetos que vão usar dados do Webb,


Bianchin considera a colaboração internacional uma das belezas do
telescópio. Ao contrário de outros observatórios, que cedem tempo
para financiadores dos instrumentos, o James Webb é aberto à co-
munidade científica global. Pesquisadores não vinculados a universi-
dades puderam submeter projetos para disputar tempo de uso. Até
novembro de 2020, mais de mil propostas de 44 países já haviam
sido enviadas e analisadas por uma comissão de 200 membros.
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Em novembro, o observatório flagrou


uma “ampulheta de fogo” durante
a formação de uma nova estrela.
Ainda considerada uma protoestrela,
a L1527 tem “apenas” 100 mil anos.
(Foto: NASA, ESA, CSA, STScI)
55

Para buscar isenção, as identidades do investidor principal e da


equipe foram omitidas, e os projetos foram ranqueados com base
no mérito científico. “Acho que a maior importância do James Webb
vai ser mostrar como a colaboração internacional pode fazer as
pessoas realizarem coisas gigantescas. Não para jogar bomba em
outro lugar, uma colaboração pura e simplesmente por conheci-
mento”, opina Bianchin. “Ele [o telescópio] mostra como a huma-
nidade pode se juntar para criar um projeto só porque tem um
monte de astrônomos entusiasmados que querem entender por
que o Universo funciona do jeito que funciona.”
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O FUTURO AO
WEBB PERTENCE
Em seus poucos meses de atuação no espaço, o James Webb tem se
mostrado promissor. “Nós temos dados há seis meses e já tem muita
ciência interessante sendo feita, muitos candidatos a galáxias mais
distantes”, afirma o astrofísico Thiago Signorini Gonçalves, professor
da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ). “Esses primeiros
meses foram como um trailer, um ‘minispoiler’ do que está por vir.
E demonstrou que está tudo funcionando, o que é mais animador.
Não tenho dúvidas de que vamos encontrar a galáxia mais distante,
as primeiras galáxias, explicar a atmosfera de exoplanetas.”

Esse último ponto, aliás, é o que mais está “bombando”, segundo a


pesquisadora do Instituto Max Planck. Dos projetos aprovados, 70
focam em exoplanetas — como são chamados os mundos fora do
56

nosso Sistema Solar. Até setembro, o telescópio havia observado


quatro exoplanetas: HIP 65426 b, um “superjúpiter” localizado a
385 anos-luz da Terra; 55 Cancri e, exoplaneta rochoso com o do-
bro do tamanho da Terra a apenas 40 anos-luz daqui; WASP 96-b,
um gigante gasoso com metade do tamanho de Júpiter onde as
temperaturas chegam a 538°C; e WASP-39b, outro gigante gaso-
so, a quase 700 anos-luz da Terra, e em cuja atmosfera o telescó-
pio identificou a presença de dióxido de carbono pela primeira vez
em um exoplaneta. “No fundo, estamos tentando achar vida fora
da Terra. Não vai ser o James Webb que vai provar isso, mas ele
pode dar indícios”, observa Aydar.
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Há muito onde procurar. A primeira imagem divulgada foi o campo
profundo de um aglomerado de galáxias conhecido como SMACS
0723, a 4,6 bilhões de anos-luz do nosso planeta. Feita em apenas
12,5 horas de observação, a imagem cobre uma região equivalente
ao tamanho de um grão de areia apoiado no comprimento de um
braço (daí o nome campo profundo). É a maior resolução já obtida
do Universo primitivo. A título de comparação, o campo profundo
analisado pelo Hubble levou 23 dias de observação e parece fora
de foco quando analisado junto ao do James Webb. “Sempre es-
tamos querendo ver mais longe, acho que não existe um limite. O
limite é o que a tecnologia nos permite fazer em dado momento”,
pontua o professor da UFRJ. “O James Webb não é, sozinho, o ins-
trumento que vai resolver todos os problemas da astronomia, mas
na categoria dele, é o melhor que já existiu.”
57

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Divulgada no dia 12 de julho, esta foi a primeira


imagem feita pelo telescópio a ser revelada. Ela
mostra um pequeno pedaço do aglomerado de
galáxias SMACS 0723. O nível de detalhes vai
permitir que cientistas meçam a idade e a massa
de estrelas nas galáxias mais antigas, ajudando
na compreensão sobre a formação e evolução de
galáxias nos primórdios do Universo.
(Foto: NASA, ESA, CSA, STScI)
58

A astrofísica da UCI concorda e pede cautela. “Tivemos muito pou-


co tempo para digerir tanta informação”, pondera. Os primeiros
artigos publicados usando os dados, inclusive, foram alvos de críti-
cas e debates na comunidade científica por erros de calibração nos
cálculos. “É difícil dizer qual o grande resultado até agora. Dizer
que tem ‘o’ resultado que mudou a astronomia vai ser só daqui a
uns 20 anos”, estima. Enquanto isso, seguiremos sendo surpreen-
didos pelas belas e inéditas imagens produzidas pelo maior teles-
cópio de todos os tempos. Mal podemos esperar.

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Pela primeira vez em mais de 30
anos, imagem mostra os anéis de
Netuno com foco total.
(Foto: NASA, ESA, CSA, STScI)
QUER QUE EU DESENHE?
POR BERNARDO FRANÇA

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JOVENS COMO MALALA YOUSAFZAI E GRETA THUNBERG


DESEMPENHAM PAPÉIS IMPORTANTES NA BUSCA POR DIREITOS.
CONHEÇA ESSAS E OUTRAS MENINAS QUE FIZERAM HISTÓRIA
TEXTO Gabriela Garcia
60

Criado em 2011 pela ONU, o Dia Internacional


da Menina reconhece a importância da luta
por igualdade de gênero desde a infância.
Enfrentando desafios, muitas garotas se
destacam por sua força ao reivindicar e
conquistar direitos em vista de um futuro
melhor. Relembre quatro jovens que fizeram
história na busca por justiça.

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61

Nascida na Alemanha, a judia Anne Frank


foi uma vítima do Holocausto ainda na
adolescência. Para fugir da perseguição
nazista, a garota passou dois anos escondida
em um anexo, relatando seu confinamento
num diário pessoal. Após sua morte,
em 1945, seu pai, um sobrevivente de
Auschwitz, publicou o conteúdo na obra
O Diário de Anne Frank.

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62

Malala Yousafzai sempre se destacou


por sua sede de conhecimento. Ela ficou
mundialmente conhecida quando, aos 15 anos,
foi baleada na cabeça pelo Talibã. A jovem era
perseguida por lutar pelo direito à educação
de meninas e mulheres paquistanesas. Em
2014, ela foi premiada com o Nobel da Paz,
tornando-se a pessoa mais jovem a recebê-lo.

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63

Indignada com o descaso frente às mudanças


climáticas, em 2018, Greta Thunberg
chamou a atenção ao faltar às aulas todas as
sextas-feiras para protestar em frente ao
parlamento sueco pelas causas ambientais.
Hoje, aos 19 anos, ela é líder do movimento
Friday for Future, que engaja jovens
ativistas em todo o mundo.

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64

Ruby Bridges tinha 6 anos quando se tornou a


primeira criança afro-americana a estudar
em uma escola para brancos. No primeiro
dia de aula, em 14 de novembro de 1960, ela
precisou ser escoltada devido à multidão
racista. Esse foi um marco no movimento
pelos direitos civis. Hoje, aos 68 anos, Bridges
é uma importante ativista contra
a segregação racial.

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