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O que é a última área de gelo do Ártico, chave para o futuro da vida na Terra

As mudanças climáticas ameaçam regiões que antes pareciam


imunes ao aquecimento global — e a consequência pode ser
devastadora para o planeta.
Por BBC

26/03/2022 16h55 Atualizado há uma semana

O derretimento da última área de gelo


do Ártico poderá causar a destruição
completa do seu ecossistema — Foto:
Getty Images

Há uma região do Ártico que resiste


aos golpes das mudanças climáticas.
Acreditava-se há algum tempo que
parte da região ártica estivesse em
grande parte protegida contra o
aumento das temperaturas globais,
mas estudos mais recentes mostram
que ela também está ameaçada.
Trata-se da região conhecida como a última área de gelo do Ártico (LIA, na sigla em inglês) — uma faixa de
1 milhão de km² entre a Groenlândia e o Canadá.
Seu nome deriva da camada de gelo mais espessa e antiga do Ártico, que, segundo os modelos de previsão
climática, faz com que ela seja a área que permanecerá congelada por mais tempo à medida que o planeta se
aquece.

Mesmo no verão do hemisfério norte, quando parte do gelo do Ártico derrete, a LIA permanece congelada.
"Mas isso vai mudar no futuro", segundo afirmou à BBC News Mundo, serviço de notícias em espanhol da
BBC, Robert Newton, pesquisador do Observatório da Terra Lamont-Doherty, da Universidade de
Columbia, nos EUA.
"Veremos nos próximos anos que, durante o verão, a camada de gelo da LIA será cada vez menor."
Newton é coautor de um estudo recente sobre o futuro da LIA.
"Se o gelo que permanece congelado durante todo o ano desaparecer, será destruído um ecossistema
completo e surgirá algo novo", segundo ele.
A redução da LIA terá consequências devastadoras para as espécies de flora e fauna que habitam a região —
e também causará impactos aos seres humanos.
Mas o que é a LIA e por que grande parte do futuro do planeta depende dela?

Gelo eterno?
Os ventos e as correntes marítimas que vão da Sibéria até o Canadá fazem com que camadas de gelo se
acumulem na LIA, criando um bloco mais espesso e duradouro.
Um arquipélago pertencente ao Canadá captura esse gelo, impedindo que ele se infiltre em direção ao sul e
derreta no Oceano Atlântico, segundo explica o portal Science News.
Historicamente, a espessura da camada de gelo no Ártico tem sido de 2,5 a 3 metros — enquanto, na LIA, a
espessura média tem sido de 6 a 10 metros.
Mas, à medida que o planeta se aquece, as temperaturas no Ártico aumentam cerca de 2,5 vezes mais rápido
do que no restante da Terra, segundo Newton.
Isso se deve, em parte, ao fato de que o aquecimento cria um círculo vicioso. A superfície branca do gelo
reflete a luz solar para o espaço, mantendo a superfície fria. Mas, se esse gelo derreter, o aquecimento se
acelera e, por sua vez, derrete mais gelo.
Atualmente, a espessura média no Ártico caiu para menos de 1,5 metro e, na LIA, está em cerca de 4 metros.
No verão, a camada de gelo é cada vez menor.
Atualmente, ocupa uma área que é menos da metade da que ocupava no início da década de 1980, segundo
as pesquisas de Newton.
"A pergunta é em quanto tempo passaremos de um Ártico com gelo para um Ártico sem gelo", resume o
especialista.

Cenários possíveis
Para Newton, há dois cenários possíveis para a LIA.
Um deles é mais otimista. Nele, a humanidade deixa de emitir grandes quantidades de CO2 ou consegue
aplicar, em grande escala, a tecnologia que permite extrair o CO2 que já está na atmosfera.
"Se conseguirmos estabilizar a temperatura em cerca de 2 °C acima da era pré-industrial, a LIA poderá ter
gelo por todo o ano", diz ele.
Mas existe também um cenário menos otimista.
"Se mantivermos o ritmo de produção de carbono dos últimos 50 anos, os cálculos indicam que, até a
metade do século 21, não haverá cobertura de gelo marinho no Ártico durante o verão, incluindo a LIA",
afirma Newton.
Um relatório recente da Organização das Nações Unidas (ONU) estima que, com base nos compromissos
atuais de redução de emissões de CO2, a temperatura do planeta aumentará em 2,7 °C até o ano 2100.
Neste cenário, o gelo de verão do Ártico está condenado a desaparecer.

Refúgio de vida
Embora o Ártico pareça um território desolado, sabemos que abriga uma grande quantidade de flora e fauna
que depende do gelo para
sobreviver.

Os animais selvagens
serão os primeiros a
sofrer os efeitos do
degelo polar, mas os
seres humanos também
serão afetados em muitas
partes do mundo —
Foto: Getty Images via
BBC

Nele, habitam animais


muito conhecidos, como
as baleias beluga, as
focas e os ursos polares.
Mas também existe um mundo de vida microscópica essencial para o equilíbrio do ecossistema. A camada
subaquática do gelo está repleta de plânctons, crustáceos e pequenos peixes. Todos eles têm seu lugar na
cadeia alimentar e dependem do gelo para viver e se reproduzir.
Newton explica que, se o ecossistema polar desaparecer, outros animais que não dependem do gelo vão
colonizar o Ártico.
"Será uma nova ecologia, mas levará muito tempo para que a vida do Ártico se recupere", diz ele.

Impacto para os seres humanos


Mas as consequências não vão afetar apenas os animais selvagens.
Para as comunidades que habitam o Ártico, o gelo é fundamental para conservar suas fontes de alimento,
além de ser parte da sua cultura.
"O mundo é um lugar interconectado", afirma Newton.

"Tudo o que acontece no Ártico tem um grande impacto no resto do planeta."

Em várias partes do mundo, estão ocorrendo mais eventos climáticos extremos do que há 20 ou 30 anos,
segundo Newton. Chuvas mais fortes, tempestades e secas prolongadas "estão, em parte, relacionados à
perda de gelo no Ártico".

O futuro
Atualmente, um terço da LIA está sob proteção. Em 2019, o Canadá estabeleceu uma área de 320 mil km²
onde foram proibidos o transporte, a mineração e todos os demais tipos de desenvolvimento por cinco anos.
Mas o restante da área está disponível para exploração mineral.
O relatório da Universidade de Columbia adverte que o Oceano Ártico e seu litoral abrigam bilhões de
dólares em reservas de petróleo e depósitos de minerais, como níquel e cobre.
Os especialistas da universidade alertam que, à medida que aumentar a quantidade de água no verão,
também crescerá a pressão para escavar, perfurar e abrir corredores de transporte, o que contaminaria a LIA
com possíveis derramamentos de óleo e o uso de substâncias industriais.
E, como se estas ameaças já não fossem suficientes, Newton argumenta que a perda da LIA teria também
um "custo emocional".
"Perder o mundo que conhecemos causa forte impacto psicológico", afirma ele.
"O Ártico pode não estar na paisagem da sua janela, mas é parte do mundo em que vivemos."

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