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All content following this page was uploaded by Rafael Rodrigues Viegas on 28 February 2021.
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participação de promotores e procuradores em todas as etapas do ciclo de formulação de
políticas públicas.
No intuito de testar nossa hipótese, em termos metodológicos, operacionalizamos um
modelo analítico dividido em dois eixos: (i) mapeamento normativo-institucional do MP e
levantamento dos dados sobre a sua atuação em matéria de políticas públicas na esfera
extrajudicial; (ii) identificação das perspectivas de avaliação de desempenho dos membros
do MP e eventuais incentivos que eles recebem para atuar na elaboração de políticas públicas.
O primeiro eixo terá por finalidade identificar as perspectivas extrajudiciais de
atuação do MP em cada estágio do ciclo de políticas públicas. Por produção ou elaboração
de políticas públicas entendemos o conjunto de atividades e processos envolvidos na
construção de ações, programas e planos governamentais (Pires & Gomide, 2016). Há certo
consenso na literatura quanto à existência dos seguintes estágios envolvendo o ciclo de
políticas públicas: agenda, formulação, implementação e avaliação (Souza, 2003; 2006; Pires
& Gomide, 2016). Já o levantamento dos dados sobre a atuação da instituição em matéria de
políticas públicas mostrará os números do MP relativos aos últimos três anos, disponíveis
nos relatórios de atividades do CNMP. Esses números evidenciam como o MP tem atuado
em políticas públicas e nos fornecem elementos para pensar as práticas de promotores e
procuradores na esfera extrajudicial. Nossa opção pela esfera extrajudicial não foi aleatória.
Além de ser justamente a área que recebe menos atenção da literatura especializada no MP,
a atividade extrajudicial não é objeto de controle externo. Cabe lembrar que, em uma
democracia representativa, todo o processo de formulação de políticas públicas está sujeito a
controle de ações ou omissões, nas diferentes formas de accountability democrática
(O’Donnell, 1998; Faria, 2005; Arantes et al., 2010; Abrucio & Loureiro, 2018).
O segundo eixo analisará como a avaliação de desempenho dos membros do MP
transparece a concepção da instituição a respeito da forma como se espera que promotores e
procuradores atuem no ciclo de políticas públicas. Não há consenso na literatura a respeito
dos critérios de avaliação de projetos no setor público (Costa & Castanhar, 2003). Por outro
lado, a demanda por transparência nos governos exige, entre outras medidas, a avaliação de
desempenho da administração pública e consequente publicação de resultados (Faria, 2005;
Abrucio, 2007; Peters, 2010; Motta, 2013; Zuccolotto & Teixeira, 2014; 2019). No aspecto
que nos interessa, os indicadores têm servido cada vez mais para subsidiar a prestação de
contas e a responsabilização dos agentes estatais (accountability) (Jannuzzi, 2005, Arantes
et. al, 2010). Como o controle é exercido pelo MP em todos os estágios do ciclo de políticas
2
públicas – o que demonstraremos adiante – optamos por tratar dos três principais critérios de
desempenho usados na administração pública: eficiência, eficácia e efetividade (Sulbrandt,
1993; Carvalho, 2001; Jannuzzi & Patarra, 2006; Sano & Montenegro Filho, 2013). Assim,
abordaremos as perspectivas de avaliação de desempenho dos membros do MP dispostas na
Recomendação de Caráter Geral no 02/2018 da Corregedoria Nacional do CNMP (RCG no
2/2018 CN-CNMP), que trata dos parâmetros para a avaliação do desempenho de promotores
e procuradores, limitando-nos aos contornos da atuação extrajudicial em políticas públicas.
Em relação aos métodos utilizados, optamos pela análise de conteúdo de documentos,
quantificação e comparação (Patton, 2002). Os documentos examinados são os estatutos
legais, bem como as resoluções e as recomendações do CNMP, correspondentes à atuação
extrajudicial do MP em políticas públicas, todos disponíveis na rede mundial de
computadores. Quantificamos e comparamos os números da atuação do MP (União e
Estados) nos principais procedimentos extrajudiciais em matéria de políticas públicas.
O artigo tem dois objetivos. O primeiro deles, essencialmente descritivo, busca
responder a duas perguntas: (i) quais as perspectivas extrajudiciais de atuação do MP em
cada estágio do ciclo de políticas públicas? (ii) como o MP tem atuado em matéria de políticas
públicas na esfera extrajudicial nos últimos três anos? O segundo objetivo, essencialmente
analítico, visa responder a outras duas perguntas: (i) a avaliação de desempenho transparece
a concepção da instituição a respeito da forma como se espera que promotores e procuradores
atuem em matéria de políticas públicas? (ii) existem incentivos (e, se sim, quais?) para que
os membros do MP atuem na elaboração de políticas públicas?
O artigo está dividido da seguinte maneira: na próxima seção, desenvolvemos o
primeiro eixo, relativo ao mapeamento normativo-institucional do MP e aos dados da sua
atuação extrajudicial em políticas públicas; depois, apresentamos as perspectivas de
avaliação de desempenho previstas na RCG no 2/2018 CN-CNMP de acordo com o
referencial teórico sobre avaliação de desempenho da administração pública, visando
destacar os eventuais incentivos que promotores e procuradores recebem para atuar na
elaboração de políticas públicas; reservamos uma seção para discutir os principais achados
envolvendo os dois eixos; por fim, trazemos considerações finais.
3
1. Mapeamento normativo-institucional do MP
O primeiro ponto a ser destacado estava no Código de Processo Civil (CPC) de 19732,
que justificou a presença do MP na esfera cível em razão da incapacidade individual e da
indisponibilidade de certos direitos (Arantes, 2002, p. 26). A emergência dos direitos difusos
e coletivos coincide com o reconhecimento da fragilidade e da incapacidade em defendê-los
(Arantes, 2002, p. 29). Assim, a intervenção do MP no processo cível foi ampliada com base
no argumento de que o CPC transformou promotores e procuradores em guardiões do
interesse público (Arantes, 2002, p. 34). Posteriormente, em 1981, a Lei Complementar no
40 – primeira lei orgânica nacional do MP – descreveu o MP como “instituição permanente
e essencial à função jurisdicional do Estado, responsável, perante o Judiciário, pela defesa da
ordem jurídica e dos interesses indisponíveis da sociedade, pela fiel observância da
Constituição e das leis”, texto praticamente repetido pela CF, e “estabeleceu as bases do
processo de fortalecimento e independência nacionais” (Arantes, 2002, pp. 45 e 48). Também
em 1981, a Lei no 6.938 instituiu a Política Nacional do Meio Ambiente e inovou ao
reconhecer a existência de um direito difuso ao meio ambiente e instituir a responsabilidade
objetiva. Foi atribuída ao MP a legitimidade para a propositura da ação de responsabilidade
por danos causados ao meio ambiente nos âmbitos cível e criminal3. Em 1985, a lei de ação
civil pública (LACP) embora tenha admitido o exercício da defesa de interesses difusos e
1 Para um histórico e análise completos da reconstrução institucional do MP, ver: Arantes, 2002.
2 Lei no 5.869/1973 (CPC): Art. 82. Compete ao Ministério Público intervir: I – nas causas em que há
interesses de incapazes; II – nas causas concernentes ao estado da pessoa, pátrio poder, tutela, curatela,
interdição, casamento, declaração de ausência e disposições de última vontade; III – nas ações que envolvam
litígios coletivos pela posse da terra rural e nas demais causas em que há interesse público evidenciado pela
natureza da lide ou qualidade da parte. (Redação dada pela Lei nº 9.415, de 23.12.1996)
3 Lei no 6.938/1981: Art. 14, § 1º Sem obstar a aplicação das penalidades previstas neste artigo, é o poluidor
4 Para um histórico e análise completos do processo de elaboração da lei de ação civil pública, ver: Arantes,
2002.
5 Lei no 7.347/1985: Art. 8º, § 1º: O Ministério Público poderá instaurar, sob sua presidência, inquérito civil,
valores mobiliários), Lei no 8.069/1990 (Estatuto da Criança e do Adolescente – ECA), Lei no 8.078/1990
(Código de Defesa do Consumidor – CDC), Lei no 8.429/1992 (Lei de Improbidade Administrativa – LIA),
Lei no 8.625/1993 Lei Orgânica Nacional do Ministério Público – LONMP), Lei no 8.884/1994 (Conselho
Administrativo de Defesa Econômica – CADE), Lei no 8.974/1995 (Biossegurança), Lei no 10.257/2001
(Estatuto das Cidades), Lei no 10.741/2003 (Estatuto do Idoso), Lei no 12.850/2013 (Organizações
criminosas), Lei no 12.966/2014 (alterou a LACP), Lei no 13.146/2015 (Estatuto da Pessoas Portadoras de
Deficiência).
5
sociedade na formulação, implementação e controle de ações de programas governamentais7.
Sob o pretexto de aprimorar o funcionamento dos conselhos8 ou de suprir a supostamente
ineficiente e inadequada participação da sociedade9, promotores e procuradores têm
participação ativa nos mais variados conselhos. Na cidade de São Paulo, por exemplo, o MP
tem assento no Conselho de Usuários dos Serviços Públicos10, no Conselho Municipal de
Defesa do Consumidor11 e no Conselho Municipal de Trânsito e Transporte12.
7 A atuação do MP nesses conselhos reforça o nosso argumento de que o MP está presente em todas os
estágios do ciclo de políticas públicas. Os autores que se dedicam ao estudo dos conselhos de políticas
públicas demonstram a importância destes órgãos na agenda, na formulação e na implementação de
programas sociais (Côrtes, 1998; Arretche, 1999; Fuks, 2002; Bichir, et. al., 2019).
8 Por exemplo, a experiência do MP do Estado do Paraná (MP-PR). Disponível em:
http://www.mppr.mp.br/2018/02/19977,10/Conselhos-Municipais-atuam-para-a-efetivacao-de-
direitos.html Acesso em: 07/09/2019.
9 Como demonstrado no Grupo Nacional de Membros do MP (GNMP). Disponível em:
6
Com o intuito de compreender de que maneira o CNMP – especialmente no âmbito
extrajudicial – influencia a atuação de promotores e procuradores, debruçamo-nos sobre a
regulamentação que rege os inquéritos civis (ICs), procedimentos preparatórios (PPs),
procedimentos administrativos (PAs), termos de ajustamento de conduta (TACs) e
recomendações administrativas (RAs). Mais do que não ser suficiente para o rompimento de
laços corporativos, a produção normativa do CNMP tem servido para incentivar que
promotores e procuradores tenham cada vez mais ingerência em políticas públicas, conforme
apontam estudos que se dedicaram à atividade normativa deste órgão (Kerche, 2018; Viegas,
2019). A constatação de que o potencial de expansão institucional do MP não se esgotou
(Arantes, 2002, p. 25) continua válida.
Dada a amplitude das competências do MP, os ICs e PPs podem ter por objeto uma
enorme gama de assuntos (saúde coletiva, educação pública, habitação e urbanismo, meio
ambiente, improbidade administrativa etc.), o que por si só já impulsionaria a atuação dos
membros do MP em políticas públicas. Os PAs, por sua vez, se prestam à intervenção
extrema na atividade do Poder Executivo, pois se destinam a acompanhar o cumprimento de
TACs, a acompanhar e fiscalizar políticas públicas e instituições, a apurar fato que enseje a
tutela de interesses individuais indisponíveis e, finalmente, a embasar outra atividades não
sujeitas a inquérito civil13. O mesmo vale para os TACs e para as RAs. Se o TAC ao menos
demanda algum tipo de anuência do Poder Executivo – que precisa anuir com as cláusulas
propostas – na RA promotores e procuradores buscam, unilateralmente, persuadir o
destinatário a praticar ou deixar de praticar determinados atos em benefício da melhoria dos
serviços públicos e de relevância pública ou do respeito aos interesses, direitos e bens
defendidos pelo MP14. Como se vê, não há atividade desempenhada pelo Poder Executivo
que esteja a salvo da atuação dos promotores e procuradores, embasados por regulamentação
do próprio CNMP. Na sequência, oferecemos um quadro síntese com informações sobre cada
um desses instrumentos.
RA Exposição de razões fáticas e jurídicas De ofício, no curso do IC, Perda de objeto, tendo por efeito esperado o Estipulado a Res. nº 164/2017
sobre determinada questão. Prevenção de PP e PA acatamento integral critério do agente – CNMP
responsabilidades ou correção de que celebra
condutas. Busca persuadir o destinatário a
praticar ou deixar de praticar determinados
atos em benefício dos interesses, direitos e
bens defendidos pelo MP
8
1.3 Perspectivas de atuação do MP na esfera extrajudicial e o ciclo de políticas públicas
15Conforme Klaus Frey (2000), Pires & Gomide (2016) e Gabriela Lotta (2019).
16As respostas para essas questões seriam de três tipos. A primeira tem a ver com os problemas. Eles entram
na agenda quando se assume que se deve fazer algo sobre eles. Logo, o reconhecimento e a definição dos
problemas afetam os resultados da agenda. A segunda resposta lida com a política estrito senso. A
consciência coletiva seria um processo construído pelo processo eleitoral, pelas coalizões, mudanças de
ideologia e forças ou fraquezas de grupos de interesses. Quando o ponto de partida da política pública
encontra-se no problema, a persuasão é a forma de construção do consenso, ao passo que, quando se encontra
na política, é construído mais por barganha. A terceira resposta foca os participantes, que seriam visíveis
(políticos, mídia, partidos, grupos de pressão etc.), ou seja, aqueles que definem a agenda, ou invisíveis
(acadêmicos e burocratas), os que definem as alternativas (Souza, 2006, p. 30).
9
administrador público, engessar as opções técnicas e impossibilitar que seja discutida
qualquer nova opção de programa social, sob risco de sanções judiciais. O TAC, inclusive,
pode pré-estabelecer metas que precisarão ser atingidas. No caso da tramitação de um PA
sobre determinado tema, devido ao seu cunho de acompanhamento permanente, isso pode
sinalizar aos gestores públicos o que o MP entende por relevante e quais as os modelos e
objetivos devem ser adotados, a fim de se evitar consequências jurídicas. Em municípios
menores, os impactos na agenda e na formulação podem ser ainda maiores devido à
capacidade de influência do promotor em questões de poder locais e às deficiências
orçamentárias do ente federativo.
No estágio da implementação17, os estudos analisam: a atuação dos burocratas; a
variação de suas práticas, interações e comportamentos (decorrentes das dimensões
organizacionais e institucionais, sistemas de incentivo, aspectos sociais e culturais etc.); os
resultados alcançados em virtude das diferentes formas de atuação (que decorrem das
práticas, interações e comportamentos) (Lotta, 2019). A implementação de um programa
também está sujeita ao controle externo pelo MP. Chegando ao conhecimento de promotores
ou procuradores uma situação que autorize a tutela dos interesses ou direitos, um PP ou IC
pode ser instaurado para investigar, por exemplo, a execução supostamente irregular de um
programa de saúde pública. Por via do PP ou do IC, o MP pode requisitar informações sobre
a destinação dos recursos materiais e humanos, sobre a qualidade dos serviços prestados, se
as metas iniciais foram cumpridas e, em caso negativo, por quais motivos não o foram. Não
raro são expedidas RAs para que a administração e os gestores se adequem a um padrão de
comportamento estabelecido pelo MP, o que pode afetar, e muito, a discricionariedade dos
destinatários, inclusive em nível de rua18. Os PAs possuem justamente a finalidade de
fiscalizar, permanentemente, por exemplo, o cumprimento de obrigações assumidas em um
TAC.
Por fim, a avaliação é o estágio em que os resultados das políticas públicas são
mensurados em termos de eficiência, eficácia e efetividade (Lotta, 2019). A avaliação dos
resultados de um processo que se encerra compreende duas funções relevantes: (a) fornecer
17 Para uma revisão completa da literatura sobre implementação, ver: Lotta, 2019.
18 A burocracia de nível de rua é responsável pela execução das políticas públicas. São os “servidores
públicos que interagem diretamente com os cidadãos” (Lipsky, 2010), a exemplo dos professores, policiais,
agentes de trânsito etc. Em nível de rua os burocratas “têm como papel transformar políticas abrangentes
(muitas vezes ambíguas e contraditórias) em ações práticas dentro de contextos com situações imprevisíveis
e recursos escassos. Ou seja, é um trabalho altamente criativo, imprevisível e potencialmente incontrolável.
E eles fazem tudo isso exercendo o que a literatura denomina de discricionariedade, que é a margem de
liberdade para tomada de decisão que os burocratas de nível de rua possuem” (Lotta, 2019, p. 23).
10
elementos para novas intervenções ou para o aprimoramento de políticas e programas em
curso; (b) subsidiar a prestação de contas e a responsabilização dos agentes estatais
(accountability) (Faria, 2005). Nesse aspecto, reitera-se o que foi dito sobre as práticas
extrajudiciais do MP na fase de implementação, em relação ao PP, IC e ao PA, com algumas
diferenças. A RA tem aplicação menor na fase de avaliação porque busca a prevenção de
responsabilidades ou correção de condutas – já esgotadas nesta fase do ciclo de políticas
públicas. A situação é outra no caso dos TACs, pois o ente federativo e os gestores públicos
deverão comprovar que cumpriram as metas convencionadas com o MP.
Encontramos um exemplo emblemático do uso de instrumentos extrajudiciais no
curso do ciclo de políticas públicas no MP – PR no âmbito do Projeto Estratégico
SEMEAR19. Constam do portal da instituição na internet instruções para que promotores
instaurem PA para cada um dos municípios de sua área de atuação com o objetivo de garantir
a implementação de Conselhos Municipais de Políticas sobre Drogas20. As orientações
passam pela expedição de ofício para os respectivos prefeitos recomendando a instauração
do conselho (agenda e formulação), pelo acompanhamento das atividades dos conselheiros
– cuja seleção também é influenciada pelo MP (implementação), e pela verificação da
aderência das atividades do conselho às orientações do Conselho Nacional de Políticas sobre
Drogas (avaliação).
Assim, observamos que o raio de ação do MP por esses procedimentos é bastante
amplo, sendo possível encontrar justificativas fáticas e jurídicas para instauração de PPs, ICs
e PAs, não obstante a expedição de RAs e a celebração de TACs, em todos os estágios do
ciclo de políticas. Além da utilização de tais instrumentos extrajudiciais, a presença de
membros do MP em determinados conselhos sociais e conselhos de políticas públicas
também funciona como um fator de ingerência de promotores e procuradores na atividade do
Poder Executivo.
19 O Projeto Estratégico SEMEAR – Enfrentamento ao Álcool, Crack e Outras Drogas, de acordo com a
própria instituição, visa estimular a atuação integrada de promotores e servidores do MP-PR para o
estabelecimento, de forma coletiva, de diretrizes institucionais que resultem em políticas públicas. Um dos
objetivos expressamente mencionados é: “contribuir para a formulação e fomentar a implementação, nas
searas estadual e municipal, de políticas públicas intersetoriais destinadas à prevenção do uso de drogas, ao
tratamento dos usuários e dependentes de substâncias psicoativas e ao combate ao tráfico de drogas.” (Grifo
nosso).
20 Disponível em: http://www.site.mppr.mp.br/modules/conteudo/conteudo.php?conteudo=3194 Acesso em
07/09/2019.
11
1.4 A atividade extrajudicial do MP brasileiro nos últimos três anos21
No âmbito federal, foram instaurados pelo MPF mais de 160 mil PPs e ICs em três
anos (Tabela 1). Nesse mesmo período, foram arquivados, aproximadamente, 70 mil desses
procedimentos. Neles, foram celebrados 771 termos de ajustamento e expedidas mais de 17
mil recomendações. Destacamos a diferença de movimentação entre os anos. Em 2016, foram
instaurados mais de três vezes o número de PPs e ICs com relação a 2015, embora não
tenhamos a mesma proporção quanto aos arquivamentos. As RAs, em 2016, também foram
expedidas em número bastante superior a 2015 e 2017. No mesmo período, foram instaurados
mais de 650 mil ICs e PPs pelas unidades dos Ministérios Públicos (MPs) estaduais e distrital.
Ao contrário do MPF, que entre 2015 e 2016 teve um crescimento exponencial na sua
atuação, nos Estados e no DF não observamos discrepâncias significativas entre anos, sendo
que a média de instauração no período observado ficou em torno de 217 mil procedimentos
(Tabela 2).
Os TACs foram uma ferramenta jurídica frequente, com média de 41 por dia ao longo
de três anos. Chamamos atenção para as RAs. Tal como no caso do MPF, têm sido de uso
comum pelos MPEs dos Estados e do DF. Foram 27.627 RAs expedidas pelos MPEs e do
DF, com média de 25 por dia. Todavia, comparando o MP federal e o estadual e distrital,
21 Com base nos relatórios anuais do CNMP dos últimos três anos, reunimos informações sobre os
procedimentos extrajudiciais dos Ministérios Públicos federal, estadual e distrital. Os dados incluem
informações a respeito da instauração e do arquivamento de ICs, PPs e PAs, ou seja, o início e o fim das
apurações nesses procedimentos. Agregamos os dados dos ICs e PPs porque possuem a mesma
regulamentação, e, em separado, trazemos as informações dos PAs. Nas colunas, incluímos os dados dos
TACs e RAs celebrados e expedidas nesses procedimentos. Ainda, elencamos os interesses coletivos (temas)
mais recorrentes objeto das ações de promotores e procuradores. São tratados, separadamente, os dados do
MPF e dos MPs dos Estados e do DF, buscando comparações entre eles.
12
embora com estrutura menor (procuradores e servidores)22, o MPF expediu quase o mesmo
número de RAs que os demais MPs. A média do MPF foi de 16 recomendações expedidas
por dia, sendo que, no ano de 2016, essa média subiu para 27 RAs por dia.
A respeito dos principais assuntos objeto das investigações, verificamos que o MPF
atuou intensamente nas áreas ligadas à corrupção. Dos cinco temas mais recorrentes, três
deles podem ser enquadrados nesse assunto, isso porque os estatutos jurídicos que autorizam
o controle pelo MPF sobre servidores públicos e a proteção ao patrimônio público
invariavelmente culminam no controle sobre práticas ilícitas e sobre a administração pública.
Nesse ponto, a diferença dos números de procedimentos federais, entre 2015 e 2016, foi
surpreendente. De um ano para o outro, a atuação do MPF em matéria de corrupção mais do
que nonuplicou (Tabela 2). Somados os números de procedimentos de saúde e educação,
ligados aos maiores orçamentos da União (Ministérios da Saúde e da Educação), não chegam
à metade dos esforços destinados pelo MPF na seara extrajudicial ao tema da corrupção no
mesmo período estudado.
22 O número de cargos providos dimensiona a estrutura. De acordo com o relatório do CNMP de 2018, os
MPEs e do DF tinham providos 11.022 cargos de promotores e procuradores e, o MPF, 1.141 cargos de
procurador. Nos Estados e DF, eram 24.598 cargos de servidores providos, ao passo que, no MPF, 9.196.
23 Além desses assuntos, os outros mais recorrentes são: meio ambiente, domínio público, servidor público
24Nos Estados e DF, os outros mais recorrentes são: educação, consumidor, habitação e urbanismo e idoso
(Cf.: relatórios anuais do CNMP).
14
ainda assim os números indicam que os PAs têm servido para o manejo desses mesmos
instrumentos jurídicos. Quanto aos temas mais recorrentes nos PAs, o cenário não mudou
muito em relação aos ICs e PPs (Tabela 5). O MPF investigou mais os temas relacionados à
corrupção (improbidade administrativa e patrimônio público) nos PAs do que outros
assuntos. Novidade é que o meio ambiente, diferentemente dos casos do ICs e PPs, aparece
entre os cinco temas mais recorrentes nos PAs do MPF. Saúde e educação foram mantidos
em patamares semelhantes, em número inferior ao dos autos que versaram sobre corrupção.
Já nos Estados e no DF verificamos que, nos últimos três anos, o cenário não foi o
mesmo (Tabela 6). Os dois temas ligados à corrupção (improbidade e patrimônio público)
foram menos recorrentes do que aqueles ligados à infância e juventude, à saúde e à educação.
A área de saúde teve espaço considerável entre os PAs, com mais de 73 mil procedimentos
dedicados ao assunto. Ainda assim, é relevante a constatação de que os PAs nos Estados e
no DF, assim como no MPF, serviram para apurar temas ligados à corrupção.
25 No MPF, além desses assuntos, os outros mais recorrentes são: controle externo da atividade policial,
responsabilidade civil, direitos indígenas e ECA (cf.: relatórios anuais do CNMP).
26 Nos Estados e DF, os outros mais recorrentes são: educação, consumidor, idoso e pessoa com deficiência
16
2.1 A Recomendação de Caráter Geral no 02/2018 da Corregedoria Nacional do CNMP
(RCG no 2/2018 CN-CNMP)
respectivo MP, tanto no âmbito do MPU (LC no 75/93) como dos Estados (Lei no 8.625/93). As corregedorias
realizam correições gerais e extraordinárias e inspeções junto às promotorias e procuradorias, locais de
lotação dos membros do MP. De regra, essas correições e inspeções obedecem a um calendário definido
todos os anos, à disposição dos agentes. Assim, sabem de antemão quando terão suas atividades avaliadas.
Também, importante mencionar que decorrem das correições a atribuição de conceitos aos avaliados
(excelente, bom, ruim etc.). Em casos de irregularidade, podem ser instaurados procedimentos de
averiguação específicos para apurar os problemas funcionais identificados nas correições e inspeções.
30 O documento se inicia com uma série de 12 “considerandos” que consolidam o arcabouço normativo e
fático que autorizam o CNMP a editar a recomendação. São mencionados elementos constitucionais, legais
e regimentais, bem como reuniões que precederam à minuta. De acordo com o segundo “considerando”, “as
Corregedorias são garantias constitucionais fundamentais da sociedade e do indivíduo voltadas para a
avaliação, orientação e fiscalização das atividades do Ministério Público, pelo que devem ser dotadas de
estrutura e autonomia adequadas à consecução de seus objetivos Institucionais”.
17
(a) Quanto à opção pela atuação extrajudicial
Os indicadores utilizados para mensurar as práticas de promotores e procuradores na
tutela coletiva priorizam a atuação extrajudicial. Consta expressamente da RCG no 2/2018
CN-CNMP que, para fins de avaliação, será considerada, entre outros fatores, (i) a atuação
preventiva – que muitas vezes ocorre de maneira extrajudicial – do promotor ou procurador31,
(ii) a utilização de mecanismos de resolução consensual32, (iii) a realização de atividades
extrajudiciais como palestras, participação em reuniões e outras atividades que resultem em
medidas de inserção social33. Todas essas atividades são materializadas via ICs, PPs e PAs,
RAs e TACs. Em vários artigos, a RCG no 2/2018 CN-CNMP estabelece que os promotores
e procuradores devem priorizar a atuação extrajudicial, evitando a judicialização34. Na
condução de ICs, PPs e PAs, RAs e TACs, são valorizadas a inserção social e as estratégias
de ação, incluindo um certo timing de ação35. Os promotores e procuradores são incentivados
a adotar práticas de aproximação com a sociedade, como participação em conselhos gestores,
realização de audiências públicas, palestras e reuniões com órgãos externos competentes em
matéria de políticas públicas. Há valorização da mediação entre a administração pública e a
sociedade civil por meio de projetos sociais elaborados e executados diretamente por
promotores e procuradores36.
Há até mesmo orientação para que promotores e procuradores atuem buscando
contemplar nos orçamentos dos entes federativos recursos específicos para políticas públicas
que o MP identifica como prioritárias. Devem também acompanhar a implementação e a
avaliação dos programas sociais que façam constar no orçamento, além de acompanhar a
execução orçamentária em geral37.
A atuação em políticas públicas merece atenção especial na RCG no 2/2018 CN-
CNMP38. Os promotores e procuradores devem acompanhar a execução de programas
relacionados à saúde, à educação, à segurança pública, às crianças e aos adolescentes, aos
que diz respeito a políticas públicas e que devem ser levadas em conta na avaliação do desempenho.
18
deficientes, aos idosos, o que dá ensejo à necessidade de instauração de procedimentos
extrajudiciais. Promotores e procuradores devem atuar para garantir a qualidade dos
programas para fins de averiguação do impacto das ações governamentais nesses temas39.
A atuação extrajudicial nos procedimentos é aferida de modo quantitativo junto aos
sistemas informatizados abastecidos pelos próprios promotores e procuradores, que precisam
informar quantos procedimentos são instaurados e encerrados, quantas RAs são expedidas e
quantos TACs são firmados40. Essa é a principal forma de medir a produtividade membros
do MP. No que diz respeito à avaliação qualitativa, a RCG no 2/2018 CN-CNMP estabelece,
sem entrar em maiores detalhes, a necessidade de verificação da natureza da matéria, da
complexidade e da transformação social resultantes da ação do MP41. Mais esse ponto sugere
como a RCG no 2/2018 CN-CNMP pode induzir ou intensificar a instauração de
procedimentos extrajudiciais (ICs, PPs e PAs) destinados ao acompanhamento das medidas
adotadas pelos promotores e procuradores perante a administração pública. É na condução
desses instrumentos que os membros do MP enviam ofícios e requisitam dados e informações
à administração pública, a fim de confirmar se as providências pactuadas (TACs) ou
recomendadas (RAs) foram ou não adotadas.
seus resultados sociais concretos”, o que requer a tramitação continuada de um procedimento específico para
isso e a constante atualização perante a administração pública através da requisição de informações. O art.
14 da RCG no 2/2018 CN-CNMP reitera que será considerada como atuação “materialmente resolutiva” uma
solução efetivada, não bastando a celebração de TAC ou expedição de RAS, o que reforça a necessidade de
acompanhamento integral dos casos e o seu desfecho.
44 A administração superior elabora um documento que indica aos membros as “políticas públicas
socialmente necessárias”, conforme arts. 15 e artigo 19, VII, da RCG no 2/2018 CN-CNMP.
19
quantitativo, a partir dos temas que promotores e procuradores cadastram no sistema
informatizado, como quantitativo, por amostragem45. Por exemplo, os TACs devem
estabelecer metas aos entes federados e aos gestores, sempre que possível, e deverão conter
a discussão a respeito da política pública, evidenciando sua importância, repercussão,
indicadores e resultados esperados.
esforço e a produtividade”, nitidamente em termos quantitativos, e o impacto social da atuação dos agentes.
A avaliação de impacto social conta com indicadores ligados a deveres funcionais gerais. A equipe avaliadora
aferirá uma série de protocolos que registram a assiduidade, o cumprimento de prazos, a adequação técnica
e até mesmo vernacular dos membros do MP.
47 Art. 23 da RCG no 2/2018 CN-CNMP.
48 Art. 23, IX, da RCG no 2/2018 CN-CNMP.
49 Arts. 23 a 26 RCG da no 2/2018 CN-CNMP.
50 Art. 23, I a IV, da RCG no 2/2018 CN-CNMP.
20
não há elementos que permitam saber como a melhoria dos indicadores será mensurada e
como será estabelecido o nexo de causalidade entre a ação de promotores e procuradores e
as transformações sociais.
Embora a RCG no 2/2018 CN-CNMP preveja a realização de avaliação qualitativa51,
a avaliação da produtividade dos agentes prioriza elementos quantitativos52, tais como:
número de reuniões realizadas; periodicidade e quantidade de audiências realizadas; número
de pessoas ouvidas, de TACs celebrados, de RAs expedidas, de audiências públicas; número
de ICs, PPs e PAs instaurados e concluídos, de arquivamentos homologados pelos órgãos
superiores, de atendimentos ao público. Há menção expressão ao percentual de
arquivamentos de ICs em matéria de improbidade administrativa decorrentes de prescrição,
ou seja, que foram encerrados devido à decadência do direito de persecução53.
3. Discussão
21
extrajudiciais, promotores e procuradores recorrem a ICs, PPs, PAs, TACs e RAs e
interferem nas atividades do Poder Executivo, indo além das esperadas atividades de
fiscalização e controle legal do MP. Com base nos dados do CNMP de 2015 a 2017, relativos
aos procedimentos e aos temas mais recorrentes, tanto do MPF como dos MPs dos Estados e
do DF, identificamos dois padrões de atuação extrajudicial neste período: (i) os PAs
instaurados são um importante instrumento de apuração de eventuais irregularidades na
administração pública e de atuação do MP em temas ligados às políticas públicas,
especialmente infância e juventude nos Estados e no DF, e; (ii) foram priorizadas
investigações na área de combate à corrupção na esfera extrajudicial (ICs, PPs e PAs).
Quanto aos problemas que decorrem do primeiro padrão, nos PAs o controle sobre a
atividade dos membros do MP é ainda menor do que nos ICs e PPs – os quais são submetidos
à revisão nos órgãos internos da administração superior de cada MP (CSMPF e CCR, no
MPF, e CSMP, nos Estados e DF) – uma vez que permanecem nas unidades do MP e são
controlados pela respectiva corregedoria. Como os PAs versaram basicamente sobre os
mesmos temas dos ICs e serviram de meio para instauração de TACs e expedição de RAs -
exatamente o que deveria ser feito por meio de ICs e PPs - a opção de promotores e
procuradores pelo uso dos PAs pode estar reforçando, e muito, o déficit de accountability da
instituição.
Quanto ao segundo padrão, ao priorizar um tema específico (corrupção) sem que
exista determinação normativa – constitucional ou infraconstitucional – para tanto, podem
estar em curso dois fenômenos: (a) um direcionamento estratégico nas funções incumbidas
ao MP brasileiro e; (b) a utilização cada vez mais crescente de mecanismos extrajudiciais
para obter dos gestores públicos comportamentos que promotores e procuradores julgam
convenientes, sob risco de sanção em caso de não adequação. Não sabemos se há correlação
entre os dois fenômenos ("a" e "b"). O primeiro ficou evidente nos últimos três anos54. O MP
direcionou sua atenção para setores específicos de combate à corrupção. Isso pode ter
ocorrido em detrimento da atenção a outros interesses coletivos, como o controle em matéria
de saúde, educação, transporte, consumidor, habitação e urbanismo, meio ambiente e
infância. O segundo fenômeno carece de investigação e demanda aprofundamento, o que
pretendemos realizar em trabalhos futuros. Seja como for, o tipo de controle exercido pelo
MP traz no seu bojo a ameaça de sanções criminais e políticas (por exemplo, a perda do cargo
54Os números indicam que, em 2016, por exemplo, ano do impeachment de Dilma Rousseff, o MPF realizou
verdadeira ofensiva frente à administração pública federal. Esse aspecto precisa ser compreendido em um
quadro institucional mais amplo, que supera os limites do presente estudo.
22
ou da função, a obrigação de ressarcir o erário, a suspensão de direitos políticos e até mesmo
a restrição da liberdade). Esse tipo de atividade do MP, aliado ao pouco ou nenhum controle
externo da instituição, tem potencial para que uma questão específica objeto de RAs e de
TACs se torne eventualmente a única alternativa de ação possível para o gestor público, que
deverá se comportar dentro dos parâmetros definidos pelo MP (o que não livra o gestor de
futuras ações de fiscalização do MP).
Quanto às perspectivas de avaliação de desempenho dos membros do MP constantes
na RCG no 2/2018 CN-CNMP, verificamos que: (a) a CN privilegia a atuação extrajudicial;
(b) se intenta reunir indicadores para mensurar o impacto social da atividade do MP, e; (c)
há uma tentativa de fazer promotores e procuradores atuarem de acordo com metas
institucionais pré-estabelecidas. Em que pese não seja possível avaliar os efeitos concretos
da publicação da RCG no 2/2018 CN-CNMP no âmbito deste artigo, com base no
mapeamento normativo e nos resultados até aqui obtidos, aventamos algumas hipóteses, que
sistematizamos da seguinte forma:
No que diz respeito à constatação de que a RCG no 2/2018 CN-CNMP privilegia a
atuação extrajudicial do MP – embora não descartemos a possibilidade de desenvolvimento
de mecanismos de resolução de conflitos que evitam a judicialização, a exemplo dos TACs
e RAs – trata-se de uma medida que privilegia a atuação de promotores e procuradores no
ciclo de políticas públicas e no combate à corrupção com pouco ou nenhum controle externo
sobre as práticas dos membros do MP, reforçando bastante o déficit de accountability da
instituição.
Quanto à mensuração do impacto social da atividade do MP, a RCG no 2/2018 CN-
CNMP não reúne um conjunto de indicadores de diferentes naturezas e propriedades capazes
de mensurar eficiência, eficácia e efetividade (Jannuzzi, 2005, Januzzi & Patarra, 2006). No
que diz respeito à efetividade, a RCG no 2/2018 CN-CNMP intenta mensurar a
“transformação social”. Ocorre que os critérios escolhidos não guardam correlação com
transformações sociais. Diversos artigos da RCG no 2/2018 CN-CNMP pretendem criar
parâmetros para mensurar o impacto social da atividade do MP, mas não permitem saber
como a melhoria dos indicadores será mensurada e como será estabelecido o nexo de
causalidade entre a ação de promotores e procuradores e as transformações sociais. Embora
a RCG no 2/2018 CN-CNMP preveja a realização de avaliação qualitativa, ela não contém
critérios ou tópicos estruturados para orientar as atividades dos avaliadores. A avaliação da
produtividade dos promotores e procuradores prioriza elementos quantitativos, o que é feito
mediante dados que os próprios interessados inserem nos sistemas de acompanhamento.
23
No que concerne à tentativa de fazer com que promotores e procuradores atuem de
acordo com as metas institucionais pré-estabelecidas, a discussão acerca dos efeitos da RCG
no 2/2018 CN-CNMP passa necessariamente pelo debate sobre independência funcional e
política institucional. Isso porque a garantia constitucional da independência funcional se
destina a assegurar que as atividades de promotores e procuradores encontrem limites
somente nas leis e na CF (Mazzilli, 2015, p. 44; Silva, 2001, p. 73). Em razão da
independência funcional, as decisões de promotores e procuradores, no que diz respeito à sua
atividade fim, não dependem da anuência de eventuais superiores na organização
administrativa do MP. Logo, a despeito de a RCG no 2/2018 CN-CNMP estabelecer uma
política institucional com orientações para avaliação de desempenho de promotores e
procuradores, há sempre a possibilidade dos membros do MP invocarem a independência
funcional como justificativa para priorizarem em sua atuação outros critérios que não os
estabelecidos pela CN.
Apesar de a independência funcional dificultar o estabelecimento de políticas
institucionais (Arantes, 2002, p. 194; Kerche, 2007, p. 267), não deixa de ser sintomático o
fato de o CNMP pretender premiar de alguma maneira promotores e procuradores que se
disponham a atuar dentro dos parâmetros RCG no 2/2018 CN-CNMP. Ainda que não seja
possível afirmar de maneira categórica – seja por não termos realizado verificações empíricas
relativas aos efeitos da RCG no 2/2018 CN-CNMP, seja porque a independência funcional
de promotores e procuradores faz com que não seja possível obrigá-los a agir conforme
parâmetros fixados pela CN – que a RCG no 2/2018 CN-CNMP alterou o comportamento
dos membros do MP, o fato é que seus dispositivos buscam produzir ainda mais intervenção
no ciclo de políticas públicas por parte de promotores e procuradores. Isso pode ser um
importante indício de como o CNMP enxerga o papel do MP e seus membros na relação com
o Poder Executivo.
4. Considerações finais
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