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PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DO PARANÁ

CENTRO DE CIÊNCIAS JURÍDICAS E SOCIAIS


CURSO DE COMUNICAÇÃO SOCIAL – HABILITAÇÃO EM JORNALISMO

CAROLINA POHL FORNAZARI


CLAUDIA CAROLINA GUADAGNIN
FLÁVIA ZANFORLIM
GIOVANA GULIN
MARCOS VINICIUS BATISTA DA SILVA
STEPHANIE FERRARI

JORNALISMO CIDADÃO E ESTUDOS CULTURAIS: UMA PROPOSTA PARA O


BAIRRO TATUQUARA

CURITIBA
2010
CAROLINA POHL FORNAZARI
CLAUDIA CAROLINA GUADAGNIN
FLÁVIA ZANFORLIM
GIOVANA GULIN
MARCOS VINICIUS BATISTA DA SILVA
STEPHANIE FERRARI

JORNALISMO CIDADÃO E ESTUDOS CULTURAIS: UMA PROPOSTA PARA O


BAIRRO TATUQUARA

Trabalho de conclusão de curso


apresentado como requisito para obtenção
de título de graduação em Jornalismo do
curso de Comunicação Social da Pontifícia
Universidade Católica do Paraná.

Orientador: Prof.a Rosita Cordeiro de


Loyola Hummel
Co-orientador: Prof.o José Carlos
Fernandes

CURITIBA
2010
RESUMO
RESUMO

As transformações sociais, econômicas e culturais quais Curitiba passou a partir da


década de 1970, corroboraram para a construção de diversas identidades, que ao
longo de anos caracterizavam a cidade, na tentativa de transformá-la em um modelo
para outras capitais. Com os últimos prefeitos, Curitiba assumiu vários títulos, como
Capital Ecológica, Cidade Sorriso e Capital Social, que efetivaram uma identidade
planejada de Curitiba. Esta pesquisa tem como objetivo verificar como os cidadãos
do Tatuquara, que é um dos bairros mais pobre e que mais cresce na cidade, são
influenciados por essas ideias. A metodologia é constituída por pesquisa
bibliográfica e pesquisa de campo, tendo como fio condutor o levantamento de
informações teóricas sobre identidade e imaginário e informações sobre o imaginário
dos sujeitos em questão. Complementam a pesquisa a construção de cinco
produtos: um livrorreportagem, que relata histórias de pessoas aliada a dados
atuais do bairro; oficinas de jornalismo com jovens entre 11 e 13 anos, com o intuito
de prepará-los para a construção de outro produto deste trabalho, o webjornal; para
o webjornal os jovens com a orientação dos acadêmicos da presente pesquisa
formulam pautas e constroem notícias; é desenvolvido um site como suporte ao
webjornal valorizando aspectos locais, juvenis, jornalísticos e virtuais; também foi
criado um blog com a finalidade de divulgação do demais produtos. Esta pesquisa
revelou que os habitantes do Tatuquara sentem-se pertencentes às identidades
planejadas, mas não as compreendem, o que caracteriza um processo de repetição
da informação disseminada e não um processo de interpretação que ocasionaria em
conhecimento do grupo.

Palavras-chave: Jornalismo. Identidade. Imaginário. Tatuquara. Estudos Culturais


LISTA DE TABELAS E ILUSTRAÇÕES

Tabela 1: Significado de Curitiba................................................................ 38


Tabela 2: As características da cidade ....................................................... 38
Tabela 3: As cores que representam a cidade ........................................... 40
Tabela 4: Curitiba é modelo de sustentabilidade?...................................... 41
Tabela 5: Questão de higiene pública ........................................................ 41
Tabela 6: O que pensam sobre comunidade.............................................. 42
Tabela 7: Comunidade e curitibano............................................................ 43
Tabela 8: Relação com o Tatuquara .......................................................... 43
Tabela 9: Relação centro x Tatuquara ....................................................... 44
Tabela 10: A relação com o transporte biarticulado ................................... 45
Tabela 11: Opinião dos jovens sobre os serviços públicos ........................ 46
Tabela 12: O que pensam os jovens sobre segurança pública .................. 48
Tabela 13: A relação dos jovens do Tatuquara com a educação
em Curitiba ................................................................................................. 49
Tabela 14: Os pontos mais representativos de Curitiba ............................. 50
Tabela 15: Ópera de arame é planejamento .............................................. 51
Tabela 16: Botânico é sustentabilidade ...................................................... 52
Tabela 17: Linha verde é solução .............................................................. 52
Tabela 18: MON é investimento ................................................................. 52
Tabela 19: A primeira palavra em relação ao curitibano ............................ 53
Tabela 20: Taxa de crescimento de Curitiba e Região Metropolitana.. ...... 65
Tabela 21: Orçamento para webjornal ....................................................... 116
Tabela 22: Orçamento para webjornal ....................................................... 116
Tabela 23: Orçamento para webjornal ....................................................... 117
Tabela 24: Orçamento do livrorreportagem ................................................ 117
Tabela 25: Orçamento do livrorreportagem ................................................ 117
Tabela 26: Orçamento do livrorreportagem ................................................ 118
Tabela 22: Remuneração dos jornalistas ................................................... 118
Tabela 24: Total orçamentário.................................................................... 118
Figura 1: Layout do webjornal Na Trilha do Tatuquara .............................. 107
Figura 2: Imagem do Blog da redação ....................................................... 110
SUMÁRIO

1 INTRODUÇÃO ........................................................................................ 6
2 IDENTIDADE CULTURAL E PERPECTIVAS TEÓRICAS ..................... 9
2.1 ORIGENS DO CONCEITO DE IDENTIDADE ...................................... 9
2.2 IDENTIDADE E PSICOLOGIA ............................................................. 11
2.2.1 Personalidade e self .......................................................................... 12
2.2.2 A relação entre a cultura e os conceitos de self como
perspectivas sociológicas, a contribuição de George Mead e a
historicidade ............................................................................................... 14
2.3 IDENTIDADE CULTURAL .................................................................... 15
2.3.1 Identidade da „sociedade líquida‟ ...................................................... 17
2.4 MÍDIA E IDENTIDADE ......................................................................... 20
3 IMAGINÁRIO DE CURITIBA, MÍDIA E IMAGEM DO TATUQUARA ..... 22
3.1 IMAGINÁRIO E IMAGINÁRIO SOCIAL ................................................ 25
3.2 A IMAGEM DA CIDADE ....................................................................... 28
3.3 CAPITAL ECOLÓGICA, CIDADE SORRISO, CIDADE-MODELO… ... 31
3.4 NOS OLHOS JOVENS DO TATUQUARA ........................................... 36
4 A CIDADE DE CURITIBA COMO OBJETO DE ESTUDO:
ÊXITO NAS SOLUÇÕES IMPLANTADAS ................................................ 55
4.1 DESCOORDENAÇÃO DAS AGÊNCIAS, CONTRADIÇÕES
GOVERNAMENTAIS E AUTONOMIA DOS MUNICÍPIOS......................... 56
4.2 ÊXODO RURAL, “BELLE ÉPOQUE” E PLANO AGACHE ................... 60
4.3 PLANO SERETE, FORMAÇÃO DA REGIÃO METROPOLITANA DE
CURITIBA E CIDADE INDUSTRIAL .......................................................... 63
4.4 A INFLUÊNCIA LERNER ..................................................................... 68
4.5 A DESCONSTRUÇÃO DO MITO, FORMAÇÃO DAS
PERIFERIAS E FAVELIZAÇÃO DA METRÓPOLE.................................... 72
4.6 TATUQUARA: ORIGENS E SEGREGAÇÃO URBANA ....................... 75
4.7 FACILITADORES DA FAVELIZAÇÃO E INCLUSÃO
DIGITAL COMO MECANISMO DE INTEGRAÇÃO DAS COMUNIDADES .79
5 WEBJORNALISMO ................................................................................ 81
5.1 WEBJORNALISMO NO BRASIL .......................................................... 82
5.1.1 Características do webjornalismo ...................................................... 83
5.2 WEBJORNALISMO HIPERLOCAL E PARTICIPATIVO ....................... 86
5.3 VIVA FAVELA 2.0 – A SUA COMUNIDADE NA INTERNET................ 88
5.4 RUAS DIGITAIS ................................................................................... 89
5.5 WEBJORNALISMO PARTICIPATIVO NO BAIRRO TATUQUARA ...... 90
6 JORNALISMO LITERÁRIO E LIVRORREPORTAGEM COMO
INSTRUMENTOS PARA CONHECER O TATUQUARA ........................... 92
6.1 JORNALISMO LITERÁRIO .................................................................. 92
6.1.1 Livrorreportagem ............................................................................... 96
6.2 TATUQUARA ....................................................................................... 102
7 PLANEJAMENTO DE COMUNICAÇÃO ................................................ 105
7.1 DESCRIÇÃO E DEFINIÇÃO DOS PRODUTOS .................................. 105
7.1.1 Livrorreportagem ............................................................................... 105
7.1.2 Webjornal .......................................................................................... 106
7.1.2.1 Oficinas de cidadania, Internet e jornalismo ................................... 108
7.1.2.2 Blog da Redação ............................................................................ 109
7.3 JUSTIFICATIVA DA ESCOLHA DOS PRODUTOS ............................. 110
7.4 MERCADO E CONCORRÊNCIA DO LIVRORREPORTAGEM ........... 111
7.5 MERCADO E CONCORRÊNCIA DO WEBJORNAL ............................ 113
7.6 PÚBLICO-ALVO ................................................................................... 114
7.7 VIABILIDADE FINANCEIRA DOS PRODUTOS ................................... 115
7.7.1 Livrorreportagem ............................................................................... 115
7.7.2 Webjornal .......................................................................................... 116
7.8 ORÇAMENTOS .................................................................................... 116
7.8.3 Orçamento do webjornal......................................................................116
7.8.3 Orçamento do livrorreportagem..........................................................117
7.8.2 Custo de serviços prestados pelos jornalistas................................... 118
7.8.4 Gastos totais ..................................................................................... 118
8 CONCLUSÃO ......................................................................................... 119
REFERÊNCIAS.......................................................................................... 121
APÊNDICES .............................................................................................. 129
7

1 INTRODUÇÃO

Nos últimos 40 anos, a identidade da capital foi, gradativamente, assumindo


diferentes contornos. Da definição da década de 70, de laboratório de experiências
urbanísticas, para o rótulo capital ecológica dos anos 90, a cidade já assumiu
diferentes nomenclaturas para reiterar o conceito de cidade planejada. A partir desse
período, a capital paranaense passou a ser, mais do que nunca, objeto de
discussões – e experiências – que visavam à construção de uma identidade capaz
de elevar a cidade à condição de metrópole-modelo e referência para as demais
capitais brasileiras.
Por entender que o processo da propagação e reforço dessa identidade
contou com a participação da mídia – tanto a oficial quanto a não oficial – questiona-
se o quanto essa influência foi determinante na construção do imaginário coletivo no
que se refere à cidade. Além disso, pergunta-se, também até que ponto essa
identidade se estende e é compartilhada por todos os moradores de Curitiba.
É sobre esses questionamentos, que envolvem identidade e participação da
mídia, que o presente projeto estrutura-se. Para isto, apóia-se nas discussões
acerca da construção dos imaginários social e coletivo presentes nos estudos
sociais. Nesse contexto, o trabalho tem por objetivo analisar se essa identidade ideal
é compreendida e partilhada pelos moradores do bairro Tatuquara, em especial,
pelos que residem nas regiões das ocupações conhecidas por Beira-Rio e Bela
Vista, bem como facilitar àquela comunidade uma autorreflexão sobre suas próprias
características.
No meio acadêmico, o projeto justifica-se por fomentar a discussão sobre as
relações existentes entre cidade, imaginário e mídia. Já no contexto social, justifica-
se por promover a comparação entre imagem planejada e imagem real, bem como
contribuir para a propagação dessa identidade percebida através dos produtos
desenvolvidos. Para o jornalismo, o projeto vem a contribuir na medida em que
promove uma maior discussão acerca do jornalismo cidadão, estudos culturais e
jornalismo hiperlocal.
Como objetivo específico, o projeto tem por finalidade fomentar a
responsabilidade cívica, o senso crítico e a autonomia dos indivíduos expostos às
propostas, utilizando como instrumento dois produtos jornalísticos: um
8

livrorreportagem e um webjornal. O primeiro produto foi escolhido por representar


uma categoria do jornalismo que possibilita um aprofundamento maior do tema, que
o observado no jornalismo diário ou no de revista.
O livrorreportagem, no entanto, apresenta limitações econômicas, geográficas
e técnicas próprias do meio impresso. Portanto, o segundo produto – webjornal –
vem justificar e completar as lacunas deixadas pelo primeiro. Ambos almejam refletir
a real maneira como a comunidade se percebe (a imagem que tem de si mesma) e,
a partir desse reconhecimento, possibilitar que a comunidade mesma aja como
promotora de sua própria transformação, calcada no resgate da cidadania dos seus
moradores e na inclusão digital e social dos jovens da comunidade.
No primeiro capítulo do projeto, são apresentados os conceitos que norteiam
o trabalho: identidades e estudos culturais. Como método de pesquisa adota-se aqui
a revisão de literatura existente sobre os temas. O segundo capítulo se detém sobre:
a análise do processo de construção de imaginários sociais e coletivos, um
panorama sobre a formação do imaginário de Curitiba como cidade-modelo nos
campos social, urbanístico, educacional e cultural. Apresenta-se também o papel da
mídia na disseminação e reforço desta identidade e uma pesquisa que visa analisar
como os moradores da cidade a enxergam. O método utilizado é revisão de
literatura, dados obtidos de pesquisa secundária e aplicação de sondagem de
tendência com jovens de 12 a 17 anos, baseada na técnica da associação de
palavras, descrita por Patrick Legros (LEGROS, 2007, p. 165-168).
O capítulo seguinte apresenta um panorama sobre a formação das primeiras
periferias da capital, em paralelo à construção da identidade de Curitiba e das
razões pelas quais a cidade foi alçada à condição de metrópole modelo enquanto
outras regiões do país não compartilharam na mesma experiência. A metodologia
utilizada é a revisão de literatura, coleta de dados secundários para traçar um
panorama sobre as características abordadas no capítulo.
No quarto capítulo é descrito o webjornal hiperlocal e participativo que se
pretende realizar com os alunos do bairro Tatuquara, bem como suas características
e organização. A metodologia utilizada é a pesquisa bibliográfica. O quinto capítulo
apresenta uma análise do jornalismo literário, servindo como base para o
livrorreportagem desenvolvido junto aos moradores que participaram ativamente da
construção da história do bairro. O último capítulo apresenta as conclusões do
projeto.
9

2 IDENTIDADE CULTURAL E PERPECTIVAS TEÓRICAS

Identidade (do latim escolástico identitate) significa originalmente conjunto de


elementos próprios e exclusivos que permite saber quem é ou reconhecer uma
pessoa. Com este conceito, trabalha-se e reconhece-se características que
diferenciam um objeto de outro, (GLASSMAN; HADAD, 2008) Dentro das
perspectivas psicológicas, antropológicas e, principalmente, sociais foi desenvolvido
o conceito de identidade cultural que verifica e analisa características que
diferenciam ou aproximam indivíduos ou grupos sociais.
É por identidade que os seres individuais reúnem, interagem, isto, porque
compartilham algo, uma necessidade primária, um desejo, uma vontade, uma
referência, uma representação e que, inclusive, afirmam suas individualidades. É em
função da identidade que se tem a ideia do homem como sujeito social, que tem
pertencimento, ethos, (ABBAGNANO, 2000).
O presente capítulo tem como linha mestra os conceitos desenvolvidos pelos
estudos culturais, mais especificamente, sobre a questão da identidade cultural e
suas características na pós-modernidade, baseando-se principalmente nos
argumentos defendidos pelos teóricos Stuart Hall (1998) e Zygmunt Bauman (2010).
Para tanto, analisa-se a construção da identidade, por grupos que detêm o poder de
produção cultural midiático. Acepções filosóficas e psicológicas estão presentes no
desenvolvimento do capítulo para o entendimento do que já se é entendido a
respeito da identidade.

2.1 ORIGENS DO CONCEITO DE IDENTIDADE

Muito antes de ser discutido o que é identidade cultural havia a preocupação,


primeiro por parte dos filósofos, em definir, ou pelo menos conceituar, o que é
identidade. O filósofo grego Aristóteles (384 a.C. - 322 a.C.) foi o primeiro a elaborar
uma explicação para o termo, segundo ele em um sentido essencial:
10

[...] as coisas são idênticas no mesmo sentido em que são unas, já que são
idênticas quando é uma só a sua matéria (em espécie ou em número) ou
quando sua substância é uma. Portanto, é evidente que a identidade é, de
algum modo, uma unidade, quer a unidade se refira a mais de uma coisa,
quer se refira a uma única coisa, considerada como duas, como acontece
quando se diz que uma coisa é idêntica a si mesma. (ARISTÓTELES in
ABBAGNANO, 2000, p. 528).

No meio filosófico, além da concepção de Aristóteles, foram criadas mais


duas. A segunda é de Gottfried Leibniz (1646 - 1716), com conceito similar a ideia de
igualdade:

Idênticas são as coisas que se podem substituir uma à outra salva variate.
Se A estiver contido numa proposição verdadeira e se, pondo-se B no lugar
de A, a proposição resultante continuar sendo verdadeira, e se o mesmo
acontecer em qualquer outra proposição, diz-se que A e B são idênticos;
reciprocamente, se A e B são idênticos, a substituição a que nos referimos
pode acontecer (LEIBNIZ in ABBAGNANO, 2000, p. 529).

Para Abbagnano (2000), a terceira é a menos dogmática das concepções a


respeito de identidade, e que, portanto, é a mais adequada para responder às
exigências do pensamento lógico-filosófico.

Isto por não conceber à identidade um significado definitivo, segundo a qual,


quando se diz „x é idêntico a y‟, tem-se uma expressão incompleta. Desta
forma, o significado ou critério para se estabelecer o que é idêntico pode ser
reconhecido dentro de um sistema linguístico não de forma convencional,
mas oportuna (ABBAGNANO, 2000, p. 529).

A partir dos três embasamentos-chave filosóficos citados a respeito da


identidade, pode-se notar a presença de três eixos: sobre o que é verdadeiro, o que
é igual, e o que é cultural. Este último não desvalida os anteriores, mas os coloca
em questionamento, considerando que a verdade e a igualdade não são ideias
absolutamente correspondentes entre todos os grupos sociais que compõem a
humanidade, ao contrário, pois inúmeros são os casos de que o que é certo para um
grupo é errado para outro, ou mesmo nem exista para o outro grupo. Assim, quando
11

se fala em identidade humana e, consequentemente cultural, já que ser homem e


ser cultural são conceitos dependentes um do outro, fazem-se necessários alguns
entendimentos alcançados pela Psicologia, que aprofundou o conhecimento da
psiquê, e, portanto, sobre o que é próprio do ser humano: sua identidade.

2.2 IDENTIDADE E PSICOLOGIA

Voltando a atenção para a identidade humana na ciência psicológica


encontra-se o termo pychein, do grego, que significa soprar, mas que no contexto
em que foi criada tinha um significado ambíguo, trazendo originalmente a ideia de
alento e posteriormente, sopro. Considerando-se o alento com uma das
características da vida, o termo psiquê era utilizado como um sinônimo de vida e,
consequentemente, um sinônimo de alma – entendida como o princípio da vida
(GLASSMAN; HADAD, 2008).
Mas o que interessa a este trabalho está um pouco mais à frente a partir dos
estudos de Carl Rogers (1902 - 1987) a respeito da personalidade com a elaboração
das teorias do self. A teoria de Rogers nasceu em meio clínico e tencionou-se como
uma teoria geral do comportamento. Willian James (1842 – 1901) um dos pais da
psicologia, já tinha considerado em sua obra Priciples of Psychology (1890), muitos
significados possíveis a respeito do self, e assim, identificando o self-sujeito (eu) e o
self- objeto (me):

Ao distinguir o self como sujeito versus o self como objeto, James estava
identificando o que se transformou em duas tradições diferentes para
explorar o self. O self como sujeito diz respeito, principalmente, à
consciência consciente do indivíduo, tanto do existente quanto do seu
ambiente; essa abordagem de self está associada com a fenomenologia na
filosofia e com as teorias psicológicas do self, como as ideias de Horney e
Rogers. Embora reconhecendo que o self é parcialmente reflexivo, ao
enfatizar a importância da consciência imediata, ele imediatamente se
presta a um enfoque da experiência subjetiva, como pode ser visto na teoria
de Rogers (GLASSMAN; HADAD, 2008, p. 287, grifo do autor).

Contemporâneo de James, o filósofo George H. Mead (1863 – 1931)


12

aprofundou-se no conceito de self, considerando-o como o objeto do pensamento e


da reflexão. Mead ainda elevou o self à estrutura da autoconsciência, que diferencia
os homens dos demais animais, declarando que aquele se desenvolve a partir das
interações sociais. A partir destes estudos, Mead, embora não tenha cursado o curso
de Psicologia, tornou-se influente no desenvolvimento inicial da sociologia e
psicologia social.

2.2.1 Personalidade e self

Em termos gerais, a teoria do self designa as teorias do comportamento que


focam “em um conceito de self do indivíduo e na sua experiência subjetiva do
mundo” (GLASSMAN; HADAD, 2008, p. 286). Na teoria de Rogers é elucidada uma
sequência de conceitos para entendimento do self. São eles: organismo, tendência
para a realização, o campo fenomenal, o self e o self ideal, a congruência e
incongruência, necessidade de aceitação, condições de valor, a introjeção de
valores, dilema do gostaria-deveria, aceitação incondicional e condicional, condições
para o crescimento, abertura, empatia e pessoa com funcionamento pleno.
O organismo é a fonte das necessidades básicas de cada indivíduo, designa
o ser biológico na teoria de Rogers. É ele que impulsiona a tendência para a
realização, sendo esta então, um impulso inato do organismo, que diz do “desejo de
crescer, de se desenvolver e melhorar as próprias competências” (GLASSMAN;
HADAD, 2008, p. 288).
O campo fenomenal é a percepção singular que um indivíduo tem do seu
mundo. O livrorreportagem, tema a ser aprofundado no capítulo seis deste trabalho,
vai trazer por meio de entrevistas aplicadas com moradores do bairro Tatuquara, em
Curitiba, informações da percepção de cada um deles a respeito do bairro e da
cidade onde moram.
O self é conceituado de maneira geral como “uma estrutura perceptual fluida
baseada em nossas experiências e de nosso próprio ser” (GLASSMAN; HADAD,
2008, p. 289). Rogers (in GLASSMAN; HADAD, 2008, p. 289) o define como “uma
gestalt consistente e organizada, constantemente em processo de formação e
reforma”. A congruência é a qualidade de correspondência na integração
13

experimentada entre o self e o self ideal. E a incongruência é quando há conflito na


experiência de integração entre o self e o self ideal, neste caso a correspondência
existe de maneira inadequada.
A necessidade de aceitação refere-se à busca que cada indivíduo tem em
obter contatos sociais positivos, como o amor, considerado universal por Rogers. O
teórico classifica essa aceitação em duas formas: condicional e incondicional. A
primeira diz de quando os indivíduos são aceitos entre si sem a imposição de
condições comportamentais. Essa aceitação é estabelecida pelo fato do indivíduo
ser um ser humano; a segunda forma se constitui pela exigência de determinados
padrões de comportamento.
Para a construção desses contatos existem as condições de valor, a
introjeção de valores, e o dilema do gostaria-deveria. A primeira diz respeito a
restrições impostas à autoexpressão, portanto a cada individuo, para que cada um
conquiste uma aceitação. A segunda, diz da ação individual de incorporar valores do
self ideal pela aceitação de condições de valor; e o dilema do gostaria-deveria
implica em um conflito existente entre as próprias necessidades e as exigências das
outras pessoas, estas expressas por meio do self ideal.
As condições para o crescimento, segundo Rogers, são aquelas que
promovem um desenvolvimento saudável da personalidade do indivíduo. São elas a
aceitação incondicional, a abertura, e a empatia. A abertura é o comportamento de
expressão livre do self. A empatia é a capacidade de perceber, e então entender o
ponto de vista de outra pessoa, bem como os sentimentos alheios.
Tais elementos, de acordo com Rogers, a estrutura do desenvolvimento da
personalidade de cada pessoa. Nesta concepção, a questão dos valores é muito
importante para o entendimento do comportamento humano, tanto que o psicólogo
defende que:

O desenvolvimento da personalidade move-se naturalmente na direção do


crescimento saudável, e que somente fatores externos negativos conduzem
a distorções da personalidade. Rogers descreveu o ideal do crescimento
como sendo uma pessoa com funcionamento pleno. [...] Pessoa com
funcionamento pleno é aquela descrita por Rogers como o ideal do
crescimento, intimamente relacionada com a congruência; o crescimento
saudável é caracterizado pela abertura, por um grau elevado de
espontaneidade, de solidariedade e de autocontrole (GLASSMAN; HADAD,
2008, p. 296).
14

2.2.2 A relação entre a cultura e os conceitos de self como perspectivas


sociológicas, a contribuição de George Mead e a historicidade

O filósofo e iniciador da Psicologia Social George Mead explorou em suas


pesquisas a relação entre indivíduo e sociedade. Em função do seu interesse com a
identidade social, Mead escreveu o livro Mente, Self e Sociedade, que também deu
nome ao curso de Psicologia Social iniciado e aplicado por ele. Mead buscava
entender como ocorre o processo de individualização. Ao entrar no grupo dos
teóricos do self, considerou que para existir o senso do Eu (Self) é necessário
também existir um senso correspondente a um Nós. Neste sentido, é o papel
desempenhado pelo individuo na sociedade e as relações sociais que constitui a
pessoa, e assim, o Eu origina-se na conduta, o que torna o indivíduo um objeto
social pela própria experiência (SOUZA, 2006).
Neste caminho, Mead constrói um sentido de compreensão para self tanto na
filogenética, sendo resultado da evolução das espécies, quanto na ontogenética, no
que cabe ao processo de individualização do sujeito. E é neste último ponto que as
características humanas ganham maior complexidade, pois Mead compreende a
individualização como resultado da socialização.

A historicidade do indivíduo como autoconsciência, isto é, a anterioridade


histórica da sociedade sobre cada pessoa. Formulação de uma hipótese
naturalista sobre o desenvolvimento do indivíduo autoconsciente, a partir da
matriz das relações sociais. Função essencial que na formulação do eu se
liga à adoção de papéis e à internalização do elemento sócio-cultural.
Através destes três pontos, a superação da antinomia entre indivíduo e
sociedade articula-se uma série de formulações teóricas que permitem uma
vasta gama de desenvolvimentos para a investigação da realidade social; e
é justamente nesta possibilidade de expansão ulterior que residem a
validade e a importância cientifica de uma teoria. Em seguida, acrescenta
Germani: “O mérito de Mead consiste em ter proporcionado uma hipótese
coerente sobre este desenvolvimento (do indivíduo) e, sobretudo, de haver
mostrado como este se pode conceber, senão a partir de uma vida social
preexistente. Tal é o primeiro ponto fundamental do ensino de Mead: o
indivíduo, como pessoa autoconsciente, apenas é admissível em termos de
sua participação na sociedade”. Ora, como sabemos, este é o aspecto
essencial da teoria de Comte, e Mead apenas desenvolveu, nesse ponto,
sem o conhecer, o pensamento positivista (GERMANI in COELHO, L. M.
S,1980, p. 1).
15

A coerência da teoria de Mead completa-se com os conceitos outros


significativos e outros generalizados. O primeiro diz das referências presentes na
infância do indivíduo, e o segundo, faz-se quando o indivíduo percebe que as ações
dos outros significativos são as ações encontradas na sociedade, e, portanto,
atitudes gerais. Isto porque, segundo Mead, o Eu é uma terceira pessoa cuja
expressão é um papel a ser representado, considerando assim que o sujeito age
conforme ele imagina ser a expectativa do outro.
O pensamento de Mead, explanado aqui, possibilita a consideração de que
fazer cultura é criar canais que afirmam um sentido de identidade. Pois, se é na
autoconsciência, no entendimento de existência do outro que se faz o próprio
sentido individual de existência, o aumento desses canais de comunicação, assim
de interação simbólica, constrói uma identidade individual que se afirma por uma
identidade social, ou seja, pela identidade cultural. Outra questão é a transitoriedade
do aspecto de identidade, quando se caracteriza pelos papeis representados pelo
individuo na sociedade, pois, quando se tem uma grande quantidade de papéis,
como ocorre na pós-modernidade, menor é a intensidade de uso de específicos
canais originados culturalmente, mas paradoxalmente, maior é o número de ações e
portando de identidades.

2.3 IDENTIDADE CULTURAL

Valendo-se dos valores sociais, aqueles que compartilhados pelos indivíduos


e que os transforma em um grupo, alcançando assim a unidade sobre o que é
verdade e igual conforme determinada ótica cultural, chega-se ao conceito de
identidade cultural:

[...] é um sistema de representação das relações entre indivíduos e grupos,


que envolve o compartilhamento de patrimônios comuns como a língua, a
religião, as artes, o trabalho, os esportes, as festas, entre outros. É um
processo dinâmico, de construção continuada, que se alimenta de várias
fontes no tempo e no espaço (OLIVEIRA, 2010).
16

O senso de comunidade é fundamental para o entendimento dos laços


culturais. Para Bauman (2010), não é a característica localidade que faz um grupo
de pessoas formarem uma comunidade, mas antes de qualquer coisa é a unidade
espiritual que possuem. Bauman é taxativo que sem isso não há comunidade.
O que faz o homem buscar e se acomodar em uma comunidade é o sentido
de pertencimento. Pois ele dá conforto e segurança para o individuo no confronto
das incertezas e dos conflitos. Por isso, o filósofo alemão Immanuel Kant defende
que o homem é um ser moral, pois ao dar o passo para autoconsciência, alcançou
junto com a noção e criação de existência de si e do outro a incerteza que origina o
medo, o erro, o vício, a acomodação. Neste meio, faz-se necessária a criação de um
conjunto de valores que organize o grupo para a preservação e manutenção da
ordem das relações internas e externas deste mesmo grupo:

Os fatores unificadores são valorizados como mais fortes e importantes do


que qualquer coisa que possa causar divisões, e as diferenças entre os
integrantes, secundárias em relação a suas similaridades. Nesse sentido, a
comunidade é pensada como unidade natural (BAUMAN, 2010, p.76).

Wolf e Tomás de Aquino (2000, in ABBAGNANO) trabalharam a identidade


dentro da ontologia, área da filosofia que se propõem a questionar e reflexionar
criticamente as características do ser, bem como o filósofo alemão Immanuel Kant,
que colocou oficialmente o Princípio de Identidade entre os fundamentos da lógica
com a consideração:

Dois princípios absolutamente primeiro de todas as verdades: um das


verdades afirmativas, a proposição „O que é, é; o outro das verdades
negativas, a proposição „O que é, não é‟. Ambas essas proposições
denominam-se comumente princípio de identidade (KANT in ABBAGNANO,
2000, p. 530).

Já a ideia de Organização, que para Bauman (2010), na sua maioria, traz


estatutos e regras institucionais quais os membros devem aderir. Porém,
diferentemente da comunidade, que diz de um grupo aos quais os membros
pertencem (ou pelo menos devem pertencer) de corpo e alma, a organização parece
17

absorver parcialmente as pessoas envolvidas, (BAUMAN, 2010).


As teorias do self elaboradas por Rogers ou por Mead podem ser
relacionadas a composição estrutural de uma comunidade ou uma organização,
compreendendo-se que sujeito não é um ser passivo, pois ele se faz de habilidades
aprendidas.
Seguindo o pensamento de Mead, Bauman (2010) coloca que o self não é
nato, mas um traço adquirido ao longo do tempo por meio de interações. Assim
como Mead, ele assume a divisão do self em Eu e Mim, pois argumenta que as
mentes buscam uma “relação de ajustamento com o mundo em que estamos”
(BAUMAN, 2010, p. 41). E que “a linguagem não é somente o meio pelo qual
falamos, mas também aquele com o qual nos ouvimos e avaliamos nossas ações e
falas de acordo com as respostas dos outros” (BAUMAN, 2010, p. 41).
De acordo com Bauman (2010, p.42, grifo nosso) “o processo de formação de
nosso self e de como nossos instintos podem ou não ser suprimidos costuma ser
denominado socialização”. Sendo socializadas, as pessoas tornam-se aptas para
conviverem entre si, isto por meio da internalização das coerções sociais, processo
que ocorre por interação com os outros significativos durante a infância. E desde
então, todos fazem seleções a partir dos ambientes, o que significa ao mesmo
tempo, escolher grupos de referência.
Os grupos de referência são aqueles que medem as ações nos
relacionamentos, “e que fornecem os padrões a que aspiramos” (BAUMAN, 2010, p.
45). Portanto, esses grupos têm um papel mais acentuado na formação do self.
Bauman (2010, p. 47) conclui que “a socialização nunca cessa em nossas vidas”. E
que “nossa liberdade também nunca está completa. Nossas ações são conformadas
e até configuram objeto de coerção por parte de nossas ações passadas” (BAUMAN,
2010, p. 48).

2.3.1 Identidade da „sociedade líquida‟

A ideia de sociedade líquida, de Zygmunt Bauman em sua obra Modernidade


Líquida, refere-se às transformações no meio da identidade cultural entre a
passagem do moderno para o pós-moderno. Bauman justifica, em entrevista a
18

jornalista da Folha de São Paulo, o adjetivo liquida pelo fato de que:

Tudo é temporário. É por isso que sugeri a metáfora da „liquidez‟ para


caracterizar o estado da sociedade moderna, que, como os líquidos, se
caracteriza por uma incapacidade de manter a forma. Nossas instituições,
quadros de referência, estilos de vida, crenças e convicções mudam antes
que tenham tempo de se solidificar em costumes, hábitos e verdades
autoevidentes. É verdade que a vida moderna foi desde o início
“desenraizadora” e „derretia os sólidos e profanava os sagrados‟, como os
jovens Marx e Engels notaram. Mas, enquanto no passado isso se fazia
para ser novamente “re-enraizado”, agora as coisas todas - empregos,
relacionamentos, know-hows etc.- tendem a permanecer em fluxo, voláteis,
desreguladas, flexíveis (BAUMAN, 2006).

Em relação a transitoriedade das características que afirmam a identidade de


cada indivíduo, que Bauman (2006) designa como líquida, Hall explica que hoje “as
velhas identidades, que por tanto tempo estabilizaram o mundo social, estão em
declínio, fazendo surgir novas identidades e fragmentando o indivíduo moderno”
(HALL, 1998, p. 7). No Brasil, essa perspectiva pode explicar e auxiliar o
entendimento de muitas questões, já que é reconhecido entre os países com maior
diversidade étnica e cultural do mundo. Conforme dados divulgados pelo IBGE
(Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística), tem população de 191,5 milhões de
habitantes, espalhadas entre os 26 estados de federação, além do Distrito Federal,
que apresentam entre si realidades culturais, sociais e econômicas diferentes.
Sendo que partes dessas distinções devem-se a forma como foram colonizadas,
também referenciando os outros significativos de Mead.

No Brasil, a discussão sobre a identidade nacional tornou-se, talvez, mais


recorrente do que nos seus vizinhos latino-americanos. Em primeiro lugar,
pelo tamanho continental do país e o processo histórico de sua ocupação
que envolveu não apenas o colonizador português, mas diversas etnias
indígenas e africanas, afora outros migrantes europeus e os asiáticos, além
dos fortes fluxos migratórios internos. Em segundo lugar, pela pobreza, ou
mesmo inexistência, de um campo intelectual no Brasil colonial, imperial e
republicano até, no mínimo, os anos 1930, o que sempre dificultou reflexões
críticas e independentes no país, bem como sua sistematização e
permanência (BARBALHO, 2007, p.1).

Porém, tais transformações consideradas por Bauman, não são relativas


19

simplesmente a diversidade cultural que divide um mesmo espaço geográfico, mas


as que ultrapassam o limite de tempo-espaço conhecido pelo homem até a
modernidade. Hall (1998) atribui a passagem desse sujeito unificado para um sujeito
com múltiplas identidades à globalização, e, portanto, ao avanço tecnológico e
crescimento exponencial midiático. Para mostrar isso, ele trouxe definições de
sujeito do iluminismo, sujeito sociológico e sujeito pós-moderno.
O primeiro, sujeito do iluminismo, baseia-se na figura de um indivíduo
centrado, com saber determinado essencialmente pela razão, que tinha no centro
essencial do eu as manifestações de sua identidade. Já o sujeito sociológico se
moldou conforme a construção do mundo moderno, desabilitando a autossuficiência
do eu interior do sujeito na elaboração da identidade. Neste modelo:

[...] o sujeito ainda tem um núcleo ou essência interior que é o “eu real” entre o eu
e a sociedade, mas este é formado e modificado num diálogo contínuo com os
mundos culturais „exteriores‟ e as identidades que esses mundos oferecem (HALL,
1998, p.11).

Desta forma, a identidade, pela perspectiva sociológica, completa o espaço


entre o interior e o exterior, que é, respectivamente, o mundo pessoal e o mundo
público. Em ambos os modelos, “a identidade, então, costura (ou, para usar uma
metáfora médica, „sutura‟) o sujeito à estrutura” (HALL, 2006, p. 12). Assim,
estabilizam-se tanto os sujeitos, quanto os mundos culturais a que eles pertencem,
criando um estado de segurança e controle.
Já o sujeito pós-moderno está se tornando cada vez mais fragmentado,
constituindo-se não mais de somente uma, mas múltiplas identidades. Para Hall
(1998, p.13), o sujeito pós-moderno não tem:

[...] uma identidade fixa, essencial ou permanente. A identidade torna-se


uma ‟celebração móvel‟: formada e transformada continuamente em relação
às formadas pelos quais somos representados ou interpelados nos sistemas
culturais que nos rodeiam (Hall, 1987), É definida historicamente, e não
biologicamente. O sujeito assume identidades diferentes em diferentes
momentos, identidade que não são unificadas ao redor de um „‟eu‟‟
coerente. [...] A identidade plenamente unificada, completa, segura e
coerente é uma fantasia.
20

De acordo com Hall (1998), a pós-modernidade se inicia com a crise da


identidade nacional, sendo que a cultura nacional era a principal fonte de identidade
cultural, porém ele mesmo contra-argumenta que elas não estão naturalmente
impressas nos genes das pessoas, e que mesmo assim pensa-se nelas como parte
da natureza essencial de cada um. Assim como Baumam (2010) Hall justifica a ideia
de identidade por meio de um sistema de representação cultural e considera então,
que “uma nação é uma comunidade simbólica e é isso que explica seu „poder para
gerar um sentimento de identidade e lealdade” (HALL, 1998, p. 49). E que, portanto:

Uma cultura nacional é um discurso – um modo de construir sentidos que


influencia e organiza tanto nossas ações quanto a concepção que temos de
nós mesmos [...] As culturas nacionais, ao produzir sentidos sobre „a nação‟,
sentidos com os quais podemos nos identificar, constroem identidades.
Esses sentidos estão contidos nas estórias que são contadas sobre a
nação, memórias que conectam seu presente com o seu passado e
imagens dela são construídas. Como argumentou Benedict Anderson
(1983), a identidade nacional é uma „comunidade imaginada‟ (HALL, 1998,
p.51, grifo nosso).

Porém, esse discurso está se transformando mediante efeitos da


globalização. Hall (1998) aponta três possíveis consequências às identidades
nacionais com a aceleração do ritmo da integração global: elas estão se
desintegrando dando espaço a uma cultura homogênea global; tanto as identidades
nacionais, quanto as locais “estão sendo reforçadas pela resistência à globalização”
(HALL, 1998, p. 69); ou, novas identidades híbridas estão tomando o lugar das
identidades nacionais.

2.4 MÍDIA E IDENTIDADE

Lembrando a questão dos grupos de representação, que socializam as


pessoas, pode-se enquadrar os meios de comunicação como pertencentes a eles.
Tanto que o discurso da crise de identidade engendra a globalização juntamente
com os avanços tecnológicos como o ponto inicial da transição do sujeito moderno
para o pós-moderno, dando à mídia o poder de transformadora social e, portanto,
21

construtora de um no momento da identidade, ou mesmo de uma nova identidade:

A mídia transmite informações sobre as últimas modas e estilos com


velocidade sempre maior, e alcançando os pontos mais distantes do globo.
Nesse processo, uma autoridade pode ser investida por conta do próprio
estilo de vida que esses grupos tornam visualmente acessíveis e que pode
levar à imitação e à aspiração de a eles pertencer (BAUMAN, 2010, p. 47).

A Aldeia Global, prevista por Mac Luhan em 1969, tornou-se possível com a
globalização, mas ainda não é concreta, porque as relações de identidade
proporcionadas por esse movimento, não estão em torno da ideia de comunidade,
mas sim da ideia de organização. Lembrando que o conceito fundamental de
comunidade é unidade espiritual que o grupo possui, diferentemente do que
compreende uma organização, que trazem estatutos e regras institucionais quais os
membros devem aderir. Na ideia de organização, para Bauman (2010), pode ser
associada:

A disponibilização de recursos de acordo com a realização de objetivos


particulares, e atividades de construção de fronteiras como reposta às
condições sociais, por sua vez conformadas pelos conhecimentos ou pontos
de vista que expressam interpretações do mundo (Bauman, 2010, p. 279).

De acordo com Almeida (2000, p. 86), “cabe notar que o Estado aparece na
sociedade como uma estrutura de dominação e poder, capaz de influenciar a pauta
de notícias escolhidas como tal pela mídia”. E conclui que:

[...] o Estado é agente produtor ativo de cultura. O discurso proferido por


pessoas que representam o Estado tem o poder de influenciar a maneira
pela qual a sociedade se vê, através das representações de si mesmas.
Em outras palavras, um aparelho ideológico de estado, exerce influência
sobre a forma pela qual uma sociedade seleciona as suas tradições, vindo,
assim, a construir um discurso daquilo que seriam as suas tradições
culturais (ALMEIDA, 2000, p. 86).

Pode-se pontuar essa influência em dois momentos históricos, a impressão


22

da Bíblia com Gutenberg, que marcou simbolicamente o início da imprensa, e


também o nascimento do espaço público como espaço de publicidade, com o
jornalista Ivy Lee, que em 1906 “inventou a atividade especializada a que hoje
chamamos de assessoria de imprensa ou assessoria de comunicação”
(CHAPARRO, 2002, p. 33 e 34). Chaparro (2002) ainda associa esse momento ao
capitalismo selvagem, relacionado à prática da comunicação a fins meramente
econômicos e particulares.
Ao alcançar a relação da mídia com um grupo de representação aliada a
interesses organizacionais, verifica-se que a identidade cultural se alimenta não
somente dos elementos considerados até aqui, mas também do que se chama
identidade projetada, que é:

[...] entendida como sendo os sinais explícitos e implícitos pelos quais a


organização expressa seus atributos-chave a seus stakeholders através da
comunicação e seus símbolos. (Van Riel, 2005). Em outras palavras, a
identidade projetada é formulada e divulgada pela alta gerência utilizando os
canais de comunicação e técnicas de gerenciamento de impressões com o
intuito de criar a identidade coletiva da organização. (Dutton et al., 1994;
Elstak; Van Riel, 2004). Ela se expressa através da comunicação
corporativa, considerada um instrumento gerencial pelo qual a empresa
conscientemente utiliza todas as formas de comunicação para criar uma
base de relacionamento favorável com os grupos de seu interesse (Van
Riel, 1995). (CASTRO, 2005, p. 4).

Neste novo meio, os elementos que constituem a identidade se tornam cada


vez mais abstratos. Dias (2006) trabalha que a partir deste ponto a identidade se
torna uma ferramenta de poder. As considerações da arquiteta são aplicadas com
relação à política Lerniana, mais especificamente, ao seu discurso do político e
arquiteto para Curitiba.

[...] se o discurso lerniano para Curitiba é questão de identidade ou de poder


entende-se que, inicialmente, foi de poder. Poder do intelectual arquiteto e
urbanista Jaime Lerner que, para ver materializada a sua ideologia, ascende
ao poder político. Neste processo, iniciado no IPPUC, a cidade de Curitiba
se transforma, fisicamente. A arquitetura do desejo do profissional
materializa-se. Na transformação, a cidade assume nova identidade. Esta
nova identidade, hoje, é a identidade de Curitiba a ponto de, se uma nova
linguagem urbanístico-arquitetural vier a ser proposta œ seja de retorno às
origens populares, seja algo totalmente inovadora, haver resistência. [...] As
unidades verbais não são os enunciados, mas as ações que proporcionam
23

transformações nas relações intersubjetivas, como a de mudança de


identidade de Curitiba. [...] A mudança de identidade de Curitiba, condição
post facto discursivo lerniano, através de textos urbanísticos arquiteturais
urbanos, comprova que não são as interações do sujeito as que definem o
ato e o próprio sujeito enquanto tal, mas os programas de ações. A ação, no
caso, é a mudança de identidade (LOZANO, 1997). A identidade é poder?
Hoje a identidade urbanístico-arquitetural de Curitiba é poder: poder de
barganha, poder de venda, poder de sedução. Este foi um objetivo,
planejado e alcançado (DIAS, 2006, p. 4).

Nos próximos capítulos serão relacionados elementos da identidade de


Curitiba e do bairro Tatuquara, com apresentação de questionários aplicados, e que
exploraram características presentes no imaginário de jovens do bairro.
Percebe-se a identidade projetada aos moradores da cidade pela
incongruência entre os valores imaginados e a experiência cotidiana dos
entrevistados. E que também pode ser interpretada como elementos de socialização,
ou como colocou Bauman (2010), elementos de coerção.
24

3 IMAGINÁRIO DE CURITIBA, MÍDIA E IMAGEM DO TATUQUARA

No contexto das transformações sociais, econômicas e culturais ocorridas no


Brasil a partir da década de 1960, a cidade de Curitiba passou por transformações
urbanísticas e sociais capazes de associá-la a uma imagem de referência nacional e
internacional, nos campos do planejamento urbano, da educação, da higiene pública
e do desenvolvimento sustentável. Nesse processo, a cidade adotou e abandou
diferentes slogans como capital ecológica, cidade modelo, capital social, cidade
sorriso; todos capazes de sintetizar a imagem que se pretendia para Curitiba em
determinado momento histórico e social, tendo a publicidade oficial como agente
catalisador desse processo.
Este capítulo objetiva investigar a aderência dos moradores jovens do bairro
do Tatuquara a esta imagem coletiva que a cidade adotou para si, buscando
investigar os níveis em que esta imagem se faz presente no imaginário coletivo
desse público. Para tanto, o estudo orienta-se por meio das contribuições da
sociologia sobre a formação de imaginários sociais ou coletivos. Também foi
realizada uma sondagem de tendência, baseada na técnica da associação verbal,
sobre imaginário com jovens da 7ª e 8ª séries de uma escola estadual do bairro
Tatuquara afim de analisar a imagem que os voluntários têm de sua cidade e de seu
bairro (ver apêndice A). Como aporte teórico necessário para o entendimento das
diferentes imagens adotadas por Curitiba, o trabalho apresenta, por meio de revisão
bibliográfica, as conclusões a que chegaram outros estudos sobre imaginário social
de Curitiba, bem como seus entrelaçamentos com a publicidade oficial.
O estudo da construção identitária da cidade através da propaganda
institucional/governamental contribui para uma análise da participação destas ações
de comunicação na disseminação de uma identidade construída, bem como o papel
de suas mensagens como potencializadores e/ou sedimentadores de valores na
sociedade. As conclusões advindas deste estudo servem, ainda, como aporte
teórico-prático para uma construção imagética adequada a projetos de jornalismo
hiperlocal, necessários que são os processos de (re)conhecimento da imagem do
público para tais projetos.
25

O presente estudo, no entanto, não se propõe a esgotar os questionamentos


sobre a formação de imaginários coletivos, nem sobre a formação do imaginário
social sobre a cidade de Curitiba, visto que analisa apenas a face representada pela
participação e eficiência da publicidade oficial na construção do imaginário coletivo
sobre a capital paranaense. O capítulo estrutura-se em três momentos: formação de
imaginário coletivo, publicidade oficial de Curitiba e análise dos resultados da
pesquisa qualitativa de associação verbal.

3.1 IMAGINÁRIO E IMAGINÁRIO SOCIAL

Para contribuir com o objetivo de analisar a composição imagética que os


jovens moradores do bairro do Tatuquara têm da sua cidade e do seu bairro é
necessáirio – antes – analisar conceitos teóricos sobre a formação de imaginários
sociais/coletivos, bem como a relação desses conceitos com a produção de imagens
do espaço, da cidade, do ambiente compartilhado por determinado grupo humano.
O imaginário e suas dimensões individuais e coletivas foi tema de estudo da
Psicologia às Ciências Sociais. Os conceitos da Sociologia exploram a característica
social do imaginário, colocando o meio social como ente participante do processo de
formação de imagens coletivas e, consequentemente, de imaginários sociais.
Autores da Psicologia, da Antropologia e da Sociologia tentaram definir este
fenômeno que “[...] não é negação total do real, mas apóia-se no real para
transfigurá-lo e deslocá-lo, criando novas relações no aparente real.” (LAPLANTINE;
TRINDADE, 1997, p. 79). Laplantine e Trindade, ao analisar as relações entre
símbolos, imagens, imaginário e real contribuem para delimitar as fronteiras entre a
realidade e o imaginário:

O imaginário possui um compromisso com o real e não com a realidade. A


realidade consiste nas coisas, na natureza, e em si mesmo o real é a
interpretação, é a representação que os homens atribuem às coisas e à
26

natureza. Seria, portanto, a participação ou a intenção com as quais os


homens de maneira subjetiva ou objetiva se relacionam com a realidade,
atribuindo-lhe significados. Se o imaginário recria e reordena a realidade,
encontra-se no campo da interpretação e da representação, ou seja, do real
(LAPLANTINE; TRINDADE, 1997, p. 79).

Silva oferece uma definição que contempla o fator social/coletivo no


imaginário quando afirma que “todo imaginário é uma narrativa.” (SILVA, 2003, p. 8 )
ou ainda:

O imaginário não é um mero álbum de fotografias mentais nem um museu


da memória individual ou social. Tampouco se restringe ao exercício
artístico da imaginação sobre o mundo. O imaginário é uma rede etérea e
movediça de valores e de sensações partilhadas concreta ou virtualmente
(SILVA, 2003, p. 9).

Ao atribuir ao imaginário a característica movediça, Silva proporciona uma


abordagem mais dinâmica que aquela dada pelos autores que estabelecem uma
dicotomia entre o imaginário e o real. Esse dinamismo abre possibilidade para um
ponto de vista que considera o imaginário produto da relação subjetividade do
indivíduo versus meio social.
Durand, cujos trabalhos se utilizam da antropologia para deitar luz sobre a
formação de imagens e símbolos na sociedade, contribui para formulações de
conceito de imaginário que considera a composição deste um produto entre
símbolos e pulsões do sujeito. O autor, ao analisar a relação pulsões subjetivas x
imaginário, postula:

Longe de ser uma censura ou um recalcamento que motiva a imagem e dá


vigor ao símbolo, parece, pelo contrário, que é um acordo entre as pulsões
reflexas do sujeito e o seu meio que enraíza de maneira tão imperativa as
grandes imagens na representação e as carrega de uma felicidade
suficiente para perpetuá-las (DURAND, 1997, p. 52).

.
27

Silva (2003, p. 9) sintetiza a abordagem antropológica do imaginário da


seguinte forma:

Numa acepção mais antropológica, o imaginário é uma introjeção do real, a


aceitação inconsciente, ou quase, de um modo de ser partilhado com
outros, com um antes, um durante e um depois (no qual se pode interferir
em maior ou menor grau). O imaginário é uma língua. O indivíduo entra nele
pela compreensão e aceitação das suas regras; participa dele pelos atos de
fala imaginal (vivências) e altera-os por ser também um agente imaginal
(ator social) em situação.

Maffesoli propõe a inexistência do imaginário individual autônomo. Para ele, o


imaginário individual nada mais é do que o reflexo da imagem de um grupo, nos
planos musical, sexual ou esportivo. O imaginário é representativo da vontade do
sujeito de pertencer a um grupo, na medida em que ”[...] estabelece vínculo. É
cimento social. Logo, se o imaginário liga, une numa mesma atmosfera, não pode
ser individual” (MAFFESOLI, 2001, p. 76). Na mesma entrevista, o autor ainda
propõe que o imaginário não é apenas um conjunto de imagens armazenas por um
grupo:

Não é a imagem que produz o imaginário, mas o contrário. A existência de


um imaginário determina a existência de conjuntos de imagens. A imagem
não é o suporte, mas o resultado. Refiro-me a todo tipo de imagens:
cinematográficas, pictóricas, esculturais, tecnológicas e por aí afora. Há um
imaginário parisiense que gera uma forma particular de pensar a
arquitetura, os jardins públicos, a decoração das casas, a arrumação dos
restaurantes, etc. O imaginário de Paris faz Paris ser o que é. Isso é uma
construção histórica, mas também o resultado de uma atmosfera e, por isso
mesmo, uma aura que continua a produzir novas imagens (MAFFESOLI,
2001, p. 76).

O autor oferece uma visão de imaginário que coloca as representações


sociais, os símbolos coletivos como um pólo mais forte que o imaginário individual,
sendo o segundo determinado pelas tribos (grupos) a que pertence o indivíduo, um
mero reflexo do imaginário grupal compartilhado. Partilha que faz parte da
fragmentação identitária pela qual passa o indivíduo pós-moderno, assumindo várias
28

identidades dependentes do grupo a que se liga, num contexto de uma sociedade


essencialmente iconoplasta, imaginal.

Para enfatizar tal fenômeno, podemos falar de (re)nascimento de um


„mundo imaginal‟, ou seja, de uma maneira de ser e de pensar perpassadas
pela imagem, pelo imaginário, pelo simbólico, pelo imaterial. A imagem
como “mesocosmo”, isto é, como meio, vetor, elemento primordial do
vínculo social (MAFFESOLI, 2000, p. 53).

A abordagem apresentada por Maffesoli permite o estudo das relações entre


o sujeito, imagens, símbolos e o imaginário que o todo social (coletivo) têm do
espaço onde vive. Permitindo uma análise a respeito do conjunto de imagens
compartilhado por determinado grupo social referente a uma região, uma cidade ou
mesmo um bairro.
E a necessidade de estudar a relação imagética do sujeito com seu espaço
social já foi apontada pelo próprio Maffesoli (2007, p. 137 ) porque “a pessoa, em
seu aspecto plural, só adquire sentido em seu aspecto comunitário”. Analisar a
imagem e identidade que os jovens moradores do Tatuquara têm de sua cidade, de
seu bairro (sua comunidade) e de si mesmos, além de contribuir para a definição da
linha editorial dos produtos propostos neste projeto, também permite, através deste
reconhecimento, o crescimento da própria consciência sobre si e sobre o outro,
sobre a comunidade, numa ligação ao conceito de país simbólico (MAFFESOLI,
2007, p. 141).

3.2 A IMAGEM DA CIDADE

São vários os autores e variados os estudos que se propõem à identificação,


análise e história das imagens da cidade. Alguns deles mais direcionados a um
aspecto urbanístico, com estrita relação com o planejamento urbano, servindo de
alicerce teórico para elaboração de projetos de estruturação urbana enquanto outros
voltaram-se ao estudo da imagem da cidade do ponto de vista de quem observa. As
29

representações que os habitantes recebem, formulam e compartilham sobre o


espaço urbano que habitam. Tais estudos se prestam mais ao trabalho do sociólogo
na medida que buscam sondar a representação social compartilhada por
determinado grupo residente no mesmo espaço urbano sobre sua própria cidade.
Para este projeto, os estudos representativos desta segunda corrente são
necessários na medida em que permitem entender o método de aferição e as
conclusões a que chegaram outros pesquisadores sobre o tema. As pesquisas sobre
a imagem que os habitantes têm da sua cidade contribuem com o jornalismo porque
detalham a construção de identidade. Nos meios de comunicação a representação
social se faz presente “[...] nos discursos e nas palavras veiculadas nas mensagens
e imagens da mídia, cristalizadas nas condutas e nos arranjos materiais e espaciais”
(SANTOS; ALMEIDA, 2005, p. 41).
Segundo Jodelet (1989 apud SANTOS; ALMEIDA, 2005, p. 45, grifo dos
autores) é possível identificar e estratificar três aspectos da participação da
comunicação social nas representações sociais:

A importância da comunicação social nos fenômenos representativos incide


em três pontos básicos. No primeiro, ela se constitui no vetor de
transmissão da linguagem, sendo ela mesma portadora de representações.
No segundo, ela tem uma incidência sobre os aspectos estruturais e formais
do pensamento social, uma vez que ela induz processos de interação
social, de influência, de consenso ou dissenso e de polêmica. E, por último,
ela concorre para forjar representações, porque, ao lado do poder
performativo das palavras e dos discursos, [ela passa a se construir na]
força com a qual as representações instauram versões da realidade, comum
e partilhadas.

Ainda sobre a representação compartilhada pelos habitantes da cidade, os


estudos feitos por Kevin Lynch em cidades norte-americanas na década de 1960
são representativos desta tentativa ainda empírica e com caráter experimental, de
sondar o imaginário comum das pessoas sobre o espaço urbano em que vivem. O
principal estudo de Lynch sobre o tema resultou no livro A imagem da cidade,
publicado em 1960. O livro de Lynch traz uma perspectiva adequada para o objetivo
deste capítulo porque investiga a imagem mental da cidade colocando em relevo a
visão dos próprios habitantes. Ele explica que analisou a característica da clareza e
legibilidade das paisagens da cidade. Através da clareza e da legibilidade, uma
30

cidade seria facilmente reconhecível e organizável num molde coerente. Um pouco


mais a frente “uma cidade legível seria aquela cujos bairros, marcos ou vias fossem
facilmente reconhecíveis e agrupadas num modelo geral” (LYNCH, 1997, p. 7).
Lynch debruçou-se sobre a questão da imagem de Boston, Los Angeles e
Jersey City, porém, suas considerações são extensíveis à análise que se proponha
de qualquer cidade. Para sondar a imagem das três cidades, o autor analisou os
mapas mentais que seus moradores tinham de cinco elementos principais: vias,
limites, bairros, pontos nodais e marcos. Na decomposição da imagem do ambiente
ele propõe três componentes: identidade, estrutura e significado (LYNCH, 1997, p.
09).
Um dos conceitos que Lynch (1997, p. 11) apresenta em seu estudo é o de
imaginabilidade, que é a “característica, num objeto físico, que lhe confere uma alta
probabilidade de evocar uma imagem forte em qualquer observador dado”. É este
conceito, transferido para o plano analítico da cidade que permite identificar quais
características que determinado espaço urbano têm que emana uma imagem
própria, forte o suficiente para fazê-lo facilmente identificável por um grupo de
indivíduos. As vantagens de uma cidade com boa imaginabilidade são elencadas por
Lynch (1997, p. 11):

Uma cidade altamente 'imaginável', nesse sentido específico (evidente,


legível ou visível), pareceria bem formada, distinta, digna de nota;
convidaria o olho e o ouvido a uma atenção e participação maiores. O
domínio sensorial de tal espaço não seria apenas simplificado, mas
igualmente ampliado e aprofundado. Uma cidade assim seria apreendida,
com o passar do tempo, como um modelo de alta continuidade com muitas
partes distintas claramente interligadas.

Diante das considerações de Lynch, sobretudo desta última, em que introduz-


se o papel social e comunicacional da imagem da cidade, este capítulo propõe-se, a
partir daqui, a analisar como os meios de comunicação e a publicidade oficial
trabalharam conjuntamente com as modificações ocorridas na cidade para que
Curitiba passasse, ao decorrer dos últimos anos, por diversos slogans-símbolos de
sua imagem.
31

3.3 CAPITAL ECOLÓGICA, CIDADE SORRISO, CIDADE-MODELO

Estudar as diferentes identidades que a cidade de Curitiba assumiu durante


as últimas décadas é, antes, analisar as imagens que a própria metrópole projetou
de si nos âmbitos nacional e internacional. Imagens disseminadas pela propaganda
governamental, tendo como alicerce a elaboração de diversos planos de
urbanização capazes de ressaltar os preceitos de qualidade de vida e preocupação
ambiental da capital do Paraná.
A partir da década de 1970, a preocupação com reformas urbanísticas que
visavam melhorar a qualidade de vida de seus habitantes aliada a uma política de
preservação ambiental, renderam a cidade epítetos como o de Capital Ecológica do
Brasil e, mais tarde, ainda passou a ser reconhecida como a Capital Social do Brasil.
Em 2002, dividiu o título de Capital Americana da Cultura, dado pela Organização
dos Estados Americanos (OEA) e pela Organização Internacional Não-
Governamental Capital Americana de La Cultura, sediada em Madri.
A utilização da palavra capital nas alcunhas que a cidade recebe remete à
imagem que Curitiba evoca para si mesma (capital vem do latim capitale que, por
sua vez, vem de caput, que quer dizer cabeça), na medida em que assume papel de
referência em qualidade de vida. O transporte público torna-se destaque nacional e
internacional. Um relato de Ferronato (in FERRARA; DUARTE; CAETANO, 2007, p.
141-142) exemplifica a notoriedade global obtida pelo sistema de transporte de
Curitiba:

[...] Em viagem de ônibus para São Paulo, na década de 90, vi o trânsito


ser retardado por uma enorme carreta, que transportava uma estação-tubo
feita de acrílico. Essa mesma estação em acrílico, certamente, apareceria
mais tarde numa revista, que retratava uma exposição no exterior. Foi
amplamente noticiado, em jornais, que o ex-prefeito Jaime Lerner estivera
em Nova Iorque para falar sobre o modelo de transporte curitibano. A
grande vedete foi a tal estação-tubo. Fato semelhante deu-sem em
Istambul, na Turquia, onde também esteve presente a imagem inovadora de
Curitiba. Por ocasião dos jogos Mundiais da Natureza, em 2002, o modelo
curitibano de transporte de massa foi implantado em quatro linhas distintas
da cidade de Foz do Iguaçu, Paraná, atingindo, necessariamente, países
vizinhos, sobretudo pela Ponte da Amizade.
32

A imagem que confere à Curitiba a condição de protagonista em temas como


o planejamento urbano, o transporte, a qualidade de vida de seus moradores e a
preocupação ambiental é relativamente recente quando nota-se que a cidade passa
a ser assim observada, sobretudo, a partir da década de 1970. Mas o discurso
capaz de colocar a cidade nessa posição foi tecido durante mandatos de diferentes
políticos e baseados em planos urbanos datados a partir da década de 1940.
O primeiro deles foi o plano Agache, assim chamado em homenagem ao
urbanista francês Alfrad Hubert Donat Agache, elaborado entre 1941 e 1943 com o
objetivo de subsidiar ações da prefeitura no desenvolvimento urbano de Curitiba.
Constam no plano algumas definições acerca da imagem que a cidade tinha naquela
época, a primeira é aquela que define a cidade como um “importante centro
educativo e cultural” (OBA, 1998, p. 218). Essa imagem se apóia na existência da
Universidade Federal do Paraná (UFPR).
No entanto, a principal contribuição deste plano foi identificar três grandes
problemas urbanos a serem enfrentados já na Curitiba da década de 1940:
Saneamento, Descongestionamento e Necessidade de Órgãos Funcionais (OBA,
1998, p. 219). O item Descongestionamento anuncia, ainda em 1940, a atenção
dispensada às obras de infraestrutura em vias e transporte coletivo que, alçados
mais tarde pela publicidade da cidade, foram determinantes na construção de
símbolos para a imagem de Curitiba e que ainda são capazes de a distinguir de
outras cidades do Brasil e do mundo (as evidências destas associações serão
apresentadas mais adiante em conclusões de outros estudos e da sondagem de
imaginário deste trabalho com jovens moradores do bairro Tatuquara).
Uma outra característica da cidade de Curitiba na construção de sua imagem
no cenário nacional e internacional se dá pela participação da população neste
discurso que se faz sobre o lugar. Ou em outras palavras: “Curitiba é o curitibano”
(FERRARA in FERRARA; DUARTE; CAETANO, 2007, p. 19). A execução do Plano
Agache não foi concluída. Necessário verificar que ele já continha observações
sobre a necessidade da participação popular nesse enredo que se construiu sobre a
identidade da cidade.

Desta forma, os munícipes, ao em vez de oferecerem resistência, por


oposição ou indiferença, sempre prejudiciais, passarão a colaborar com os
33

poderes públicos, apresentando mesmo sugestões e facilitando a obra


administrativa do Prefeito Municipal.
Suscita-se esse entusiasmo pelo plano, alertando os sentimentos de
amor à terra natal, o orgulho natural e humano, de que sua cidade
cresça e se embeleze, proporcionando aos forasteiros e visitantes todo
o conforto e encanto das mais modernas metrópoles (OBA, 1998, p.
220, grifo do autor).

Após quase duas décadas sem, no entanto, ser concluído, a Prefeitura de


Curitiba inicia um processo de revisão do plano Agache. Após alguns projetos e leis
que trabalharam ainda em consonância com as diretrizes do plano de 1943, a
Prefeitura decide, em 1964, promover um concurso para elaboração de um Plano
Preliminar de Urbanismo, do qual sai vencedor o projeto da Sociedade Serete de
Estudos e Projetos/Jorge Wilheim Arquitetos Associados. O novo projeto a orientar o
desenvolvimento da cidade passou então a ser chamado de Plano Preliminar
(Serete Wilheim). Data desta época, também, a criação do Instituto de Pesquisa e
Planejamento Urbano de Curitiba (IPPUC), surgido para acompanhar o
desenvolvimento do plano (OBA, 1998, p. 240).
Sobre a o momento histórico da criação destes órgãos e a importância que
eles exercem na imagem que Curitiba passou a ter, Areu (in FERRARA; DUARTE;
CAETANO, 2007, p. 97, grifo nosso) assinala:

Com a criação do IPPUC em 1965, elabora-se, em 1966, o Plano Diretor de


Urbanismo, cujas diretrizes básicas se referiam ao zoneamento urbano, aos
setores histórico e ao sistema viário. Ampliado em 1970, este Plano virá
alterar definitivamente a paisagem urbana, buscando proporcionar
melhores condições de vida à população da cidade.

É a partir de 1970 que as mudanças urbanísticas engendradas pelos planos


Planos Agache e pelo Plano Serete/Wilheim, este último sob a tutela do IPPUC,
passaram a construir e disseminar duas das imagens mais fortes até hoje
associadas à capital do Parará: imagem de cidade preocupada e responsável
ambientalmente e imagem da cidade inovadora e referência em higiene pública.
Antes da construção do discurso sobre Curitiba sedimentar-se a cidade enfim atingir
uma identidade, uma declaração de Abrão Assad, arquiteto assessor do IPPUC
34

desde 1970 e mentor de projetos implantados por Jaime Lerner em Curitiba e outras
cidades, exemplifica a falta de identidade da capital paranaense:

Em 1971, […] Curitiba era a última cidade do Brasil sem qualquer


característica especial. O próprio curitibano era um cara que não tinha a sua
marca, não tinha uma expressão, isto porque a cidade nada tinha a
oferecer. […] na primeira gestão do Jaime […] não havia qualquer dúvida
sobre o que precisava ser feito. Não era preciso fazer pesquisas sobre a
necessidade de áreas verdes, por exemplo, ou de um equipamento de
animação […]. Nada havia: o curitibano ia ao cinema, ia para casa ver
televisão e só (ASSAD capud OBA, 1998, p. 242).

O próprio Oba conclui sua tese afirmando que Curitiba, até 1971, não tinha
ainda uma identidade definida com sucesso:

Até então, todas as identidades almejadas e parcialmente construídas em


Curitiba não se diferenciavam muito em termos estruturais e morfológicos
de qualquer outra cidade brasileira a não ser pela sua modéstia em relação
às fontes de inspiração. […] Portanto, o que diferencia as intervenções
posteriores a 1965 é a ruptura dessa prática de construir sua identidade
com base em modelos transplantados.

Não é mera coincidência que ambos tenham apontado o período posterior ao


que Jaime Lerner esteve na Prefeitura para enfatizar o nascimento da identidade
mais forte atualmente ainda associada à Curitiba: a cidade ecológica. Lerner, no
espaço-tempo de 20 anos esteve três vezes à frente da Prefeitura. Sua última
gestão, entre 1989-1992, foi responsável por engendrar a campanha publicitária de
reciclagem do lixo que tinha como slogan a frase Lixo que não é lixo não vai para o
lixo. SE-PA-RE!. A frase foi responsável pela consolidação das imagens mais fortes
associadas à capital do Paraná: para o exterior ela é a capital do 3º mundo
referência na tratativa da questão ambiental (GAZETA DO POVO, 2010) e serve
como modelo de que é possível implantar soluções de 1º mundo em países em
desenvolvimento. Para o Brasil ela é a capital mais limpa do País (PREFEITURA
MUNICIAL DE CURITIBA, 2010) e modelo de qualidade de vida, transporte coletivo
e planejamento urbano.
35

As duas imagens – Capital Ecológica e Capital-modelo de Limpeza –


resistiram ao tempo (oficialmente, a Prefeitura adotou o slogan de Capital Ecológica
entre 1989-2000) e foram constatadas no estudo que Areu realizou sobre as fotos
que voluntários produziram quando incitados a “fotografarem sua Curitiba”. Do total
de 398 fotografias, a pesquisadora evidenciou que 75% delas mostravam o meio
ambiente e que 90% delas o incluíram de maneira positiva (AREU in FERRARA;
DUARTE; CAETANO, 2007, p. 74). A pesquisadora entrevistou o Dr. Aldo de
Almeida, presidente da Companhia de Desenvolvimento de Curitiba (CIC) à época
em que ele representou a cidade num evento de negócios nos anos 90. Na opinião
de Almeida (2003 apud AREU in FERRADA; DUARTE, CAETANO, 2007, p. 84):

[…] o que mais nos chamou atenção foi que durante todo o tempo em que
ficamos lá, no stand de Curitiba, ninguém tirou um papel no chão, no resto
do Ibirapuera o chão se apresentava como uma grande lixeira; milhares de
pessoas circulando, se podiam observar folhetos, panfletos, guardanapos,
etc., inundando os corredores. Realmente ficamos sumamente
impressionados com o respeito das pessoas na área de Curitiba.

O relato afirma a força da imagem que Curitiba carrega de uma cidade que
respeita o meio-ambiente e que cuida do seu lixo. Uma cidade limpa. Tal força
advém de um processo sinérgico na busca de uma identidade. A publicidade oficial
participou ativamente deste processo, sobretudo representado por uma família de
personagens que a Prefeitura utilizou em suas campanhas de reciclagem e, que,
inclusive reeditou recentemente. É a família Folhas, constituída pelos personagens
Seu Folha, Dona Fofó e Fofinha (CLICKMARKET, 2006).
Para Areu (2007 in FERRARA; DUARTE; CAETANO, 2007, p. 92) a rápida
adesão que os personagens da propaganda oficial adquiriram junto ao público
advinha da “[...] humanização que ela propõe para a questão ambiental, o que
permitiu gerar uma grande possibilidade de identificação, ressignificando o conceito
já cunhado de capital ecológica”. A pesquisadora ainda relata o encontro que teve
com os publicitários que participaram da criação da campanha em 1989. Necessário
notar que esta campanha levou Curitiba a ser a primeira cidade brasileira com um
slogan que incitasse maior participação dos moradores. O briefing para a campanha
foi passado pelo então Secretário do Meio Ambiente Hitoshi Nakamura e atribuia aos
36

jovens e crianças um papel fundamental no caráter educativo das peças. Foram


veiculadas em TV (VT de 30 segundos), rádio (jingle de 30 segundos), jornal,
outdoor, cartazes, cartilha, horários dos caminhos de lixo reciclável, além da criação
do Placar Ecológico no Parque Barigüi (AREU, 2007 in FERRARA; DUARTE;
CAETANO, 2007, p. 92-94).
Diante das evidências da eficiência da publicidade oficial como ator
responsável pela construção do discurso sobre a cidade de Curitiba, resta saber se
esta imagem é compartilhada pelos moradores de regiões mais carentes da cidade.
Regiões cujas características são diferentes daquelas apresentadas no discurso
oficial.

3.4 NOS OLHOS JOVENS DO TATUQUARA

Com o objetivo de verificar a pregnância da imagem de Curitiba como


metrópole-referência em sustentabilidade, limpeza pública, transporte coletivo
urbano, educação e qualidade de vida desenvolveu-se um questionário com 16
perguntas (ver apêndice A). A pesquisa foi aplicada com alunos de 12 a 17 anos,
das 7ª e 8ª séries do Colégio Estadual Desembargador Guilherme Maranhão, do
bairro Tatuquara. O público escolhido para aplicação dos questionários é
representativo do público com o qual o presente projeto trabalha. O questionário
serve como uma sondagem de tendência de imaginário. Foram aplicados 60
questionários no público composto por 36 meninas e 24 meninos. A estruturação do
formulário da sondagem de tendência foi feita com base numa técnica mista de
pesquisa qualitativa com métodos da associação de palavras ou associação verbal.
O uso da técnica de associação verbal pela Psicologia Social, na Sociologia e na
Antropologia tem por objetivo desenvolver os elementos comuns do imaginário
coletivo.
A técnica consiste em apresentar uma palavra indutora ao voluntário e pedir
que ele anote na folha de papel a primeira impressão que lhe vem ao espírito em
contato com a palavra indutora. As respostas são agrupadas e representadas
visualmente a fim de obter àquelas que aparecem mais frequentemente,
37

representando o estrato do psiquismo mais comum coletivamente, o imaginário


coletivo. (LEGROS, 2007, p. 165-168). Necessário salientar que a técnica da
associação verbal produziu respostas com forte teor subjetivo, uma vez que os
voluntários da pesquisa não tinham, em algumas perguntas, opções de resposta
pré-estabelecidas. Nestes casos, a tabulação dos resultados foi agrupada pelo
sentido das repostas. Em alguns casos agrupou-se determinadas respostas em
categorias como críticas, elogios, neutros e, ainda, outros. O agrupamento
semântico, no entanto, causa perda na força de algumas respostas. O problema foi
resolvido com a reprodução das respostas mais significativas no trecho logo abaixo
dos quadros com os resultados de cada questão. Outro obstáculo que surge no
decorrer do processo de interpretação das respostas é o risco, sempre presente, da
contaminação do intérprete, sobretudo porque ele também esteve exposto a alguns
dos estímulos a que tiveram os voluntários de sua pesquisa, mas o processo pode
favorecer a pesquisa:

[…] os intérpretes perdem, é verdade, em virtude do seu engajamento


inevitável no processo de entendimento mútuo, o privilégio do observador
não participante ou da terceira pessoa, mas que pela mesma razão,
dispõem dos meios para manter de pé, desde dentro, uma posição da
imparcialidade negociada (HABERMAS, 2003, p. 46, grifo do autor).

A constatação de Habermas parece adequada a este estudo. Os resultados


da sondagem estão tabulados e expostas nas tabelas, que apresentam uma
interpretação dos dados, bem como a reprodução de respostas significativas e o
relato das dificuldades encontradas no processo. Nos casos em que foi possível
uma separação ou junção de tabelas para efeito de análise, foi explicitado logo
abaixo o procedimento adotado. Em alguns casos, as respostas dos alunos foram
reproduzidas ipsis litteris por significativas do ponto analisado no contexto do
projeto.
38

Tabela 1 – Significado de Curitiba

Questão 1: Escreva o que primeiro lhe vem à mente


quando você lê a palavra Curitiba.

Teor da menção Nº absolutos %

Neutra 21 35%

Positiva – neutra (elogios) 20 33%

Positiva – ecológica 7 12%

Positiva – educação e cultura 4 7%

Negativa – poluição 2 3%

Positiva – Desenvolvimento 1 2%

Positiva – Higiene 1 2%

Negativa – violência 1 2%

Negativa – Desenvolvimento 2 3%

Negativa – Segurança 1 2%

Fonte: Organizadores

Tabela 2 – As características da cidade

Questão 16: Escolha três caracterí sticas


abaixo que, em sua opinião, representam
Curitiba:
Respostas Nº Absolutos %
Agitada 25 41,67%
Planejada 18 30,00%
Limpa 18 30,00%
Fria 18 30,00%
Moderna 17 28,33%
Tradicional 11 18,33%
Eficiente 10 16,67%
Referência 8 13,33%
Sustentável 7 11,67%
Dinâmica 4 6,67%
Ágil 3 5,00%
Pacata 2 3,33%
Outros
Preenchimento
13 21,67%
errado
Fonte: Organizadores
39

A primeira e última questão foram agrupadas para afeito de análise por


representarem a imagem que os jovens do Tatuquara têm de sua cidade num plano
mais geral. Uma terceira pergunta poderia unir-se às demais nesta mesma análise
por apresentar característica parecida, mas será analisada separadamente devido a
circunstâncias que podem ter afetado o preenchimento do questionário e são
detalhadas a seguir.
Sobre a primeira pergunta, é necessário salientar que, no questionário
aplicado, não havia alternativas de escolha. O voluntário poderia escrever qualquer
palavra ou mesmo frases (como fizeram alguns). As categorizações presentes na
tabela (1) são resultado da mediação do pesquisador. A questão tem, portanto, alto
teor subjetivo. Subjetividade esta que serve ao pressuposto de sondar o que povoa
o imaginário dos jovens do bairro Tatuquara quando são incitados a resumirem o
que primeiro lhes vem à mente quando se deparam com o nome da cidade. Dentre
as conotações positivas, àquelas que elevam o aspecto ecológico da cidade
aparecem em primeiro lugar (12%), reiterando a imagem que se tem da cidade
dentro e fora do Brasil. São respostas como ecologia, paisagens e passeio público.
Paradoxalmente, dentre as conotações negativas chama atenção a preponderância
daquelas que remetem à poluição (3%), na qual são representativas resposta como
sujeira. O alto percentual de menções neutras (35%) demonstra que, antes de ser a
afamada cidade-modelo, capital referência, Curitiba é, para os jovens da pesquisa
apenas uma cidade. São representativas desta conclusão as respostas uma cidade
grande e cidade, dadas por duas alunas da pesquisa, ainda que não se possa
desconsiderar os 33% que responderam neutramente (porque não citavam um
aspecto específico), mas traziam elogios à cidade em geral, como uma cidade
maravilhosa, a melhor cidade que existe, entre outras.
A questão 16 retira a subjetividade presente na questão 1 no momento da
escolha da resposta porque os voluntários são incitados a escolherem três
características para representar a cidade numa grade pré-estabelecida de 12
adjetivos. As escolhas agitada (41,67%), planejada (30%), limpa (30%), fria (30%) e
moderna (28,3%) são representativas daquilo que está mais evidente, mesmo nos
meios de comunicação, sobre a cidade de Curitiba, sobretudo no que diz respeito ao
planejamento, que aparece melhor colocado que sustentável (11,67%). Disto
conclui-se que, para os jovens do Tatuquara, Curitiba é, a despeito das variáveis
orgânicas (agitada) e de clima (fria), uma cidade planejada e moderna. A aparição
40

desta característica é ainda mais significativa quando se leva em conta a realidade


de crescimento sem planejamento do bairro onde estão inseridos estes jovens.
Pode-se afirmar que eles compartilham da imagem, mas não a vivenciam. Ou ainda:
compartilham-na, apesar de não vivenciá-la. O percentual de 21,67% de
questionários respondidos incorretamente pode denotar a falta de hábito dos
voluntários com este tipo de pergunta ou mesmo uma deficiência educacional no
que tange à interpretação de textos, visto que o problema da compressão textual
também foi verificado em outras perguntas, como será analisado adiante.

Tabela 3 - As cores que representam


a cidade
Questão 2: Se Curitiba pudesse ser
representada em uma ou duas cores,
quais você escolheria?

Entrevistados Nº Absolutos %

Verde 32 53%
Branco 23 38%
Azul 15 25%
Vermelho(a) 15 25%
Amarela 10 17%
Preto(a) 7 12%
Roxo 4 7%
Rosa 3 5%
Cinza 2 3%
Neutra 1 2%
Fonte: Organizadores

A intenção era poder agrupar esta questão com as duas anteriores para
afeitos de análise por ela também permitir uma sondagem mais geral da cidade por
meio das cores que os voluntários atribuem a ela. O objetivo era analisar a
ocorrência da opção verde à luz da imagem de cidade sustentável e ecologicamente
correta. O verde aparece, de fato, com o maior percentual (53%) sobre o branco
(38%). No entanto, na análise dos questionários respondidos verificou-se uma alta
incidência de respostas que combinavam as cores verde e branco e preto e
vermelho. São cores do escudo e da bandeira dos dois maiores times de futebol de
Curitiba: o Coritiba Foot Ball Club e o Clube Atlético Paranaense. Dada à
contaminação das respostas, não se pode concluir os limites em que a
41

predominância da alternativa verde representa a associação entre a cidade


sustentável ou um dos times de futebol. A verificação da pregnância da imagem de
sustentabilidade entre os jovens do Tatuquara terá de ser analisada em outras
questões, como vê-se em seguida.

Tabela 4 - Curitiba é modelo de


sustentabilidade?

Questão 5: Assinale a alternativa que, para


você, pode ser uma localidade considerada,
nacional e internacionalmente, como modelo em
desenvolvimento sustentável
Opções Nº Absolutos %
Curitiba 41 68,3%
Foz do Iguaçu 17 28,3%
São João Del Rei 2 3,3%
Campinas 0 0,0%
Fonte: Organizadores

Tabela 5 – Questão de higiene pública


Questão 6: Ruas sujas, com lixo pelas
calçadas. Descuido com a higiene pública.
Classifique as cidades abaixo, colocando o
número 1 (um) naquela que mais se
aproxima da definição acima e o número 5
(cinco) naquela que menos se parece com a
frase.

Respostas Nº Absolutos %

Não responderam
corretamente 55 92%
Curitiba com o número 2 2 3%

Curitiba com número 5 2 3%

Curitiba com número 3 1 2%


Fonte: Organizadores

As questões das tabelas 4 e 5 serão analisadas conjuntamente porque tratam


de aspectos da imagem da cidade que foram disseminados de maneira
concomitante: a sustentabilidade e a noção de higiene pública. A questão número 5
42

foi elaborada com o objetivo de aferir se os jovens associavam Curitiba com a


qualidade de desenvolvimento sustentável, escolhendo-a, dentre quatro alternativas,
como cidade referência neste quesito. Os 68,3% que escolheram Curitiba permite
concluir que a maior parte dos jovens pesquisados compartilha da imagem de
Curitiba sustentável e modelo para o Brasil e para o mundo. As dificuldades desta
questão se referem ao fato de muitos deles não conhecerem São João Del Rei e
Campinas. Alguns relatando, inclusive, que não sabiam nem sequer tratar-se de
cidades. A questão 6 tinha por objetivo sondar o imaginário dos pesquisados sobre
higiene pública. No entanto, o dado mais representativo é o percentual de 92% de
respostas incorretas, o que acabou demonstrando uma deficiência de interpretação
do modelo da questão. Os estudantes que participaram da pesquisa não
demonstraram dificuldade de interpretação de questões associativas, não
entendendo o enunciado da questão e marcando incorretamente números repetidos
na mesma cidade ou não marcando algumas opções.

Tabela 6 - O que pensam sobre


comunidade

Questão 8: Escreva o que primeiro lhe vem


à mente quando vê a palavra comunidade.

Respostas Nº Absolutos %

Agrupamento de
casas e pessoas 28 47%

Positiva - Elogios
(parceria entre
indivíduos) 19 32%

Não responderam 4 7%
Negativas –
Críticas 3 5%
Negativa –
Insatisfação 3 5%
Outros
Escola 2 3%
Periferia 2 3%
Tatuquara 1 2%
Comunicação 1 2%
Favela 1 2%
Fonte: Organizadores
43

Tabela 7 - comunidade e curitibano

Questão 9: Acredita que o curitibano


vive bem em comunidade?


Respostas %
Absolutos

Sim 33 55%
Não 10 17%
Outros
Às vezes 16 27%
Sim, mas
nunca viu
acontecer 1 2%
Fonte: Organizadores

Tabela 8 - Relação com o Tatuquara


Questão 10: Escreva o que primeiro lhe vem à
mente quando vê a palavra “Tatuquara”

Respostas Nº Absolutos %
Localidade – bairro 21 35%
Positivas – Elogios 11 18%
Negativas – Críticas 7 12%
Negativa - Insatisfação 6 10%
Não responderam 5 8%
Outros
Falta de
segurança 6 10%
Trafico de drogas 4 7%
Sujeira do bairro 2 3%
Escola 2 3%
Preconceito com
moradores 1 2%
Morte 1 2%
Fonte: Organizadores
44

Tabela 9 – Relação centro x Tatuquara

Questão 11: Enxerga diferença


entre as relações de comunidade
na região central de Curitiba e em
uma região mais periférica, como
no Tatuquara?

Respostas %
Absolutos
Sim
(diferença de
classe e
tratativa) 37 62%
Não 12 20%
Não
souberam ou
não
opinaram 11 18%

Fonte: Organizadores

As quatro questões serão analisadas em conjunto porque representam


primeiramente a relação dos participantes da pesquisa com a noção geral de
comunidade e, num segundo momento, como transportam estes conceitos, visões e
relações para o bairro em que vivem. Necessário salientar que as quatro questões
eram desprovidas de alternativas no questionário aplicado, tanto para que se fizesse
expressar o teor subjetivo das respostas quanto uma possível interpretação errônea
do enunciado. Foram poucos os casos representativos do segundo cenário. Na
questão 8, desconsiderando os 47% que se ativeram a uma resposta mais objetiva,
buscando descrever o significado referencial da palavra, é interessante notar que as
respostas elogiosas que caracterizam comunidade como interação entre indivíduos
tenham representado 32% do total. São adjetivos como união, sempre tem que ser
unido, um ajudando ao outro, quando todos se juntam para cuidar da cidade e
reunião de pessoas discutindo sobre seu bairro. As críticas (5%) são representadas
por respostas como pessoas unidas que vivem mal e não têm o que fazer na vida,
apresentada por um dos pesquisados. As respostas como favela, periferia,
Tatuquara ou escola apesar de em menor número representam uma concretização
do conceito, uma tentativa de referenciá-lo no mundo real e, na medida em que
fazem isso, os jovens deixam claro quais estruturas reais assumem papel de
comunidade para eles. A questão 9 serve de complemento a esta quando vem
45

explicitar a opinião dos pesquisados sobre a relação do curitibano com o viver em


comunidade. A análise da questão 10 mostra que, retirando as respostas mais
objetivas, os elogios e críticas aparecem muito próximos com 18% e 12% das
repostas, respectivamente. A distância é mais curta entre estes e aqueles que
citaram problemas como a segurança (10%) e o tráfico de drogas (7%). A resposta
mais representativa deste dois problemas é apresentada no questionário
preeenchido por um aluno de 14 anos: que só tem tráfico de substâncias químicas.
A vila da morte por causa das drogas. No entanto, a imagem que os jovens têm de
seu próprio bairro talvez seja sintetizada por uma aluna de 12 anos que assinala
num dos questionários um bairro com qualidades e defeitos. A questão 11 revela
outro problema presente em Curitiba, mas não evidenciado quando se trata da
imagem que a cidade construiu para si dentro e fora do Brasil: a discriminação.
Quando 62% dos jovens respondem sim à pergunta sobre diferenças de tratativa
entre Centro de Curitiba e Tatuquara evidenciam situações de discriminação por
classe social e até mesmo pela região de moradia. Isso sugere um não
reconhecimento da Curitiba-modelo frente aqueles que não servem para esta
representação da cidade, frente àqueles que, de certa maneira, podem representar
uma ameaça à imagem de metrópole desenvolvida que a cidade galga há pelo
menos duas décadas.

Tabela 10 - A relação com o transporte biarticulado

Questão 3: Escreva a primeira característica que lhe


vem à mente quando você vê a palavra biarticulado

Teor da Menção Nº Absolutos %

Negativa – Lotação 11 18%


Positiva – Agilidade 3 5%
Negativa –
Vandalismo 1 2%
Outros
Ônibus 31 52%
Transporte 5 8%
Outros conceitos/Não
sabe 5 8%
Trânsito 2 3%
Terminal 1 2%
Tristeza 1 2%
Fonte: Organizadores
46

A questão da tabela 10 foi formulada para sondar o que pensam os jovens do


bairro Tatuquara sobre um dos elementos mais representativos da identidade de
Curitiba, um dos símbolos que povoam o imaginário sobre a capital do paraná: o
ônibus biarticulado. Importante ressaltar que a questão não trazia nenhuma menção
ao transporte. Talvez isso explique os 52% que tentaram explicar o significado da
palavra biarticulado, evidenciando, pelo menos, que não há dúvidas quanto à
disseminação da imagem do ônibus quando associada a uma palavra que quer dizer
apenas algo que tem duas articulações.
O dado mais interessante, porém, é que quantifica as menções negativas
(18%) ligadas à lotação. As respostas vão na contramão do que se vê sobre Curitiba
em imagens publicitárias da prefeitura e mesmo em reportagens de TV e Jornal de
alcance nacional que, via de regra, salientam a eficiência do transporte curitibano.
Não raro apresentando-o como solução para os superlotados transportes paulistas
ou cariocas. Interessante perceber que tal imagem, apesar de associada pelos
jovens participantes da pesquisa, não é vivenciadas por eles próprios em seu
cotidiano. Trata-se, então, de uma construção imagética sobre o transporte de
Curitiba.

Tabela 11 - Opinião dos jovens sobre os serviços


públicos
Questão 14: Escreva três serviços públicos que
você considera bom ou excelente em Curitiba.
Respostas Nº Absolutos %
Não responderam
corretamente 25 42%
Limpeza Pública 18 30%
Segurança 16 27%
Saúde 16 27%
Programas sociais 15 25%
Educação 15 25%
Transporte 5 8%
Asfalto 3 5%
Trabalho 3 5%
Planejamento urbano 2 3%
Lazer 2 3%
Servidor Público 2 3%
Turismo 1 2%
Cultura 1 2%
Direito (legal) 1 2%
Fonte: Organizadores
47

A tabela 11 complementa a conclusão da anterior. Como visto anteriormente,


no exterior, o transporte é uma das principais características exploradas pela
publicidade oficial na tentativa de forjar uma identidade para a cidade de Curitiba.
Também é um dos serviços públicos nos quais o destaque da capital paranaense é
frequentemente exibido como referência a ser seguido. No entanto, este item foi
citado por apenas 8% dos jovens e ficou atrás de Limpeza Pública (30%),
Segurança (27%), Saúde (27%), Programas Sociais (25%) e Educação (25%). Um
esclarecimento se faz necessário para explicar o item Programas Sociais. É um
agrupamento do pesquisador que engloba respostas que citavam alguns projetos da
Prefeitura Municipal de Curitiba como o Armazém da Família, o Restaurante
Popular, entre outros. O item educação aparece mal cotado, embora este também
seja um elemento fundamental na propaganda que se faz da cidade e que,
consequentemente, converge para a imagem de que Curitiba tem uma educação
isenta de falhas. O número de jovens que não soube responder (42% do total)
demonstra exatamente esta discrepância entre a imagem oficial e a imagem
percebida no que concerne à educação. Muitos dos jovens não sabiam o significado
de serviço público, o que os desqualificava para responderem à pesquisa.
O bom posicionamento do item Segurança na questão (2º serviço público
melhor avaliado, com 27% das menções) não o livra de críticas, como demonstra o
quadro de outra questão, a de número 4:
48

Tabela 12 - O que pensam os jovens sobre segurança


pública
Questão 4: Ainda relacionado à Curitiba, escreva o
que primeiro lhe vem à mente sobre a expressão
segurança pública

Teor da resposta Nº Absolutos %


Negativa – Críticas 14 23%
Negativa – Insatisfação 9 15%
Positiva – Elogios 3 5%
Outros
Polícia 18 30%
Guarda Municipal 6 10%
Neutro 3 5%
Mais segurança – cadeirantes 2 3%
Compreensão/Respeito 2 3%
Proteção 1 2%
Prefeitura 1 2%
Escolas 1 2%
Fonte: Organizadores

O percentual de 30% que respondeu Polícia evidencia a força da imagem do


policial associado à Segurança Pública. Soma-se os 10% que responderam Guarda
Municipal e tem-se 40% dos entrevistados que associam ao policial a tarefa de
prover e assegurar a segurança pública. Talvez isto seja parte do desejo de mais
policiamento no bairro e na cidade, evidenciado em muitas das respostas do item
Negativas – Críticas (23%). Uma das críticas mais contundentes foi assinalada por
uma aluna de 13 anos que respondeu pedir propina na favela.
49

Tabela 13 - A relação dos jovens do Tatuquara


com a educação em Curitiba
Questão 15: Escreva o que primeiro lhe
vem à mente com a palavra Educação
na cidade
Respostas Nº Absolutos %

Críticas 16 27%
Elogio 5 8%
Outros
Escola e
faculdade 20 33%
Respeito 12 20%
não soube
responder 3 5%
Futuro 2 3%
Aprendizagem 1 2%
Sinceridade 1 2%
Não
respondeu
corretamente 1 2%
Fonte: Organizadores

Para que se compreenda a leitura dos dados em questão é necessário fazer


aqui a mesma ressalva já feita para outras ocasiões: a questão é aberta. As
categorizações da tabela são agrupamentos feitos pelo pesquisador. Nos
questionários as respostas são subjetivas. Chama a atenção o percentual de 20%
de alunos que associaram imediatamente educação a respeito. Uma resposta, dada
por uma aluna de 13 anos é representativa deste item. Assinala ela Quando ver um
mendingo pedindo moeda ajudar pelo menos com um real por que são gente
também (sic). Embora não seja o percentual mais alto de respostas, inicialmente o
objetivo da pergunta não era identificar essa variante e, sim, aferir, analisar e
quantificar aspectos da educação enquanto ensino. Dentro desta visão, sobressaem
as críticas (27%), das quais são representativas as respostas ruim, futuros marginais
e pécima (sic).
A questão 13 visava sondar quais são, para os jovens do Tatuquara, os
marcos referências da cidade. Quais seriam as praças, pontos turísticos, ruas e
demais locais públicos que eles consideram um bom símbolo para representar a
cidade. A validade da questão quanto ao imaginário coletivo que se tem de Curitiba
se dá pelo fato de que foram esses marcos responsáveis, também, por exemplificar,
50

nacional e internacionalmente, as diferentes imagens que Curitiba assumiu ao longo


das últimas décadas. São lugares-síntese de uma identidade.

Tabela 14 - Os pontos mais representativos de


Curitiba
Questão 13: Se uma pessoa de outra cidade
pedisse para você descrever Curitiba citando
monumentos, pontos turísticos, praças ou
ruas, quais você citaria? (liste três)
Opções Nº Absolutos %
Jardim Botânico 37 62%
Ópera de Arame 22 37%
Praça do Japão 11 18%
Parque Barigui 9 15%

Praça Rui Barbosa 8 13%


Zoológico 7 12%
Museu Oscar
Niemeyer 7 12%
Parque Tanguá 6 10%
Passeio Público 5 8%

Shopping Palladium 5 8%
Não opinaram ou não
responderam 5 8%
Rua XV 3 5%
Linha Verde 3 5%
Praça Tiradentes 3 5%

Shopping Estação 2 3%

Armazém da família 2 3%
Tatuquara 2 3%

Restaurante público 1 2%
Liceu do ofício 1 2%
Arena da baixada 1 2%
Teatro Guaíra 1 2%

Pça. Santos Andrade 1 2%


Centro Cívico 1 2%
Rua 7 de setembro 1 2%
Relógio das Flores 1 2%
Favela 1 2%
Fonte: Organizadores
51

O Jardim Botânico (62%) é o marco referencial de Curitiba mais expressivo na


pesquisa, seguido pela Ópera de Arame (37%) e Praça do Japão (18%). O Jardim
Botânico foi utilizado pela propaganda da cidade, veiculou em telenovelas e figura
como o protagonista neste no discurso que constrói a imagem da cidade. O mesmo
percentual legado à Rua XV e à Linha Verde demonstra o rápido nível de
significação que a última alcançou em relação à primeira, tendo em vista que a Linha
Verde – projeto viário da Prefeitura de Curitiba – ainda não completou 5 anos ao
passo que a Rua XV – nos moldes como Curitiba a tem hoje - tem pelo menos 10
vezes mais tempo de existência. Uma das hipóteses levantadas aqui, que só poderia
ser concluída com outro levantamento suplementar, é de que o significado que a
Linha Verde adquiriu para os curitibanos é fruto das inserções da Prefeitura nos
meios de comunicação a título de promover as obras da administração pública.
Sobretudo na televisão, onde um programa curto intitulado Repórter Cidadão
procura relatar o andamento e os benefícios das obras realizadas pela Prefeitura.
Nos quadros das próximas questão é possível observar que a maioria dos
entrevistados relacionou a Linha Verde a conceitos como Solução (40%),
Planejamento urbano (22%) e Investimento (22%). São os mesmos direcionamentos
dados pela Prefeitura Municipal em suas inserções de TV, propagandas em rádio e
jornal impresso sobre a realização deste projeto.

Tabela 15 - Opera de arame é planejamento


urbano
Questão 12: Associe: (1) Ópera de
Arame (2) Jardim Botânico (3) Linha
Verde (4) Museu Oscar Niemeyer com ( )
Planejamento urbano ( ) Sustentabilidade
( ) Solução ( ) Investimento

Opções %
Absolutos
Ópera de Arame
Planejamento
Urbano 16 27%
Sustentabilidad
e 15 25%
Solução 8 13%
Investimento 14 23%
Não
responderam
corretamente 7 12%
Fonte: Organizadores
52

Tabela 16 - J. Botânico é sustentabilidade


Questão 12: Associe: (1) Ópera de
Arame (2) Jardim Botânico (3) Linha
Verde (4) Museu Oscar Niemeyer com ( )
Planejamento urbano ( ) Sustentabilidade
( ) Solução ( ) Investimento

Opções %
Absolutos
Jardim Botânico
Sustentabilidad
e 25 42%
Planejamento
Urbano 16 27%
Solução 10 17%
Não
responderam
corretamente 7 12%
Investimento 2 3%
Fonte: Organizadores

Tabela 17 - Linha verde é solução


Questão 12: Associe: (1) Ópera de
Arame (2) Jardim Botânico (3) Linha
Verde (4) Museu Oscar Niemeyer com ( )
Planejamento urbano ( ) Sustentabilidade
( ) Solução ( ) Investimento

Opções %
Absolutos
Linha verde
Solução 24 40%
Planejamento
Urbano 13 22%
Investimento 13 22%
Não
responderam
corretamente 7 12%
Sustentabilidad
e 3 5%
Fonte: Organizadores
Fonte: Organizadores

Tabela18 – MON é investimento


Questão 12: Associe: (1) Ópera de
Arame (2) Jardim Botânico (3) Linha
Verde (4) Museu Oscar Niemeyer com ( )
Planejamento urbano ( ) Sustentabilidade
( ) Solução ( ) Investimento

Opções %
Absolutos
Museu Oscar Niemeyer
Investimento 23 38%
Planejamento
Urbano 10 17%
Sustentabilidad
e 10 17%
Solução 10 17%
Não
responderam
corretamente 7 12%
Fonte: Organizadores
53

A questão 12 ainda permite observar como o Jardim Botânico é ligado à


noção de sustentabilidade. O cruzamento desta conclusão com as constatações da
questão anterior – que evidenciaram o Jardim Botânico como marco mais
significativo da identidade da cidade – resulta, então, a própria imagem de Curitiba
na mídia tanto para os moradores da cidade quanto para os moradores de fora: uma
cidade sustentável.

Tabela 19 - A primeira palavra em relação à Curitiba

Questão 7: Escreva o que primeiro lhe vem à


mente quando vê a palavra curitibano
Respostas Nº Absolutos %

Identitária - residente
da cidade 33 55%
Positiva - Elogios 17 28%
Negativas - Críticas 3 5%

Negativa - Insatisfação 3 5%
Não responderam 2 3%
Outros
Positiva – Futebol 2 3%
Intolerância 1 2%
Comemoração 1 2%
Discrição 1 2%
Sotaque acentuado 1 2%
Fonte: Organizadores

O objetivo desta pergunta foi perceber a imagem que o curitibano tem de


outros curitibanos, enquanto habitantes da cidade. Historicamente, o curitibano é
relatado e conhecido por seu ar recluso, pouco simpático e de difícil amizade. A
maioria dos entrevistados (55%) não cita sequer uma dessas características. Os
únicos três questionários que apontavam para esta direção trouxeram as respostas
Não gostam de falar muito. São pessoas que gostam de festas, Pessoas alegres,
mas também que brigam bastante e mal educados. Para a maioria dos jovens da
pesquisa, curitibano refere-se apenas o morador da cidade. Logo em seguida os
54

elogios (28%) classificaram o curitibano como uma pessoal amigável, uma pessoa
boa de se conviver e uma pessoa que ajuda o próximo.
Conclui-se que os jovens moradores do Tatuquara assumem a mesma
identidade que os moradores de Curitiba têm da sua cidade: é planejada, moderna,
limpa e sustentável. Identidade forjada aliando a execução de sucessivos planos de
urbanização e a publicidade oficial. Tal identificação se dá num bairro onde serviços
públicos como educação, planejamento urbano, higiene pública, saúde e segurança
ainda não se equiparam com bairros mais centrais da cidade. Talvez isso justifique
as críticas que os alunos fizeram a estes serviços na pesquisa. Instala-se aí uma
ação em duas vias: quando incitados a falarem sobre sua cidade, os jovens a
enaltecem. Quando incitados a olhar para sua própria realidade, eles a denunciam.
Para compreender completamente essa relação dicotômica entre os moradores do
Tatuquara é necessário entender como se formaram as primeiras periferias no
âmbito deste modelo nacional e internacional que veio a se tornar a cidade de
Curitiba.
55

4 A CIDADE DE CURITIBA COMO OBJETO DE ESTUDO: ÊXITO NAS


SOLUÇÕES IMPLANTADAS

Para tratar dos aspectos que propiciam a construção de uma cidade que pode
vir a se destacar como referência no modelo de gestão urbana, faz-se necessária
uma análise da conjuntura em que se formam essas localidades e dos fatores que
favorecem a formulação e manutenção daquele que pode ser considerado um
espaço modelo no que se refere à prática urbanística.
Curitiba foi, em meados da década de 1970, eleita pelo Ministério do Interior
para ser objeto de estudo de caso de uma investigação que buscava identificar as
justificativas para a notoriedade que vivia a capital paranaense. A razão para a
pesquisa estava no fato de que, entre as décadas de 1960 e 1970, a cidade passava
pelo que foi considerado o maior crescimento de sua história, com um aparente
diferencial: parecia expandir de maneira organizada aos olhos de quem observava o
centro da cidade. Sendo assim, as alterações promovidas na região eram vistas
como, além de bem planejadas, sustentáveis. O resultado disso não poderia ser
outro que não o vivido pela capital a partir daquela época: Curitiba se apresentava
às demais localidades do Brasil e do mundo como modelo de estrutura,
planejamento e concentração urbana a ser seguido - e repetido.
A conclusão abaixo foi divulgada pelo Ministério após o estudo, e revela a
determinância que o contexto institucional presente na localidade explorada exerceu
para que houvesse êxito na iniciativa do planejamento urbano da cidade
(IUPERJ/MINTER apud OLIVEIRA, 2000, p. 12):

[...] o que deu notoriedade ao experimento curitibano de planejamento foi a


implantação de soluções tais como o sistema de ônibus expresso, o sistema
de circulação, as áreas verdes e o equipamento e a estrutura de animação
(pouca atenção despertaram as soluções de uso de solo urbano, o sistema
educacional e habitacional). E a ênfase foi sempre colocada na dimensão
técnica destas soluções. Esta dimensão é, entretanto, o que há de menos
original no experimento e de menor relevância na explicação do seu
sucesso. É razoável supor que os outros centros urbanos maiores e mais
desenvolvidos possuem capacitação técnica para elaborar as mesmas
soluções ou soluções mais adequadas aos seus problemas. Nem mesmo
são originais as próprias soluções curitibanas. O que há de notável no „caso
Curitiba‟, é que tais soluções puderam ser implementadas enquanto
propostas idênticas, ou equivalentes, têm abortado em outros centros
urbanos. Em resumo, a originalidade do experimento Curitibano, está em
56

sua dimensão político-institucional. Não é a técnica do planejamento, mas a


política do planejamento o fator mais relevante.

Antes de detalhar os principais fatores que possibilitaram a Curitiba pôr em


prática as propostas citadas pelo estudo – e também lembrar das falhas do processo
não divulgadas por não despertarem o mesmo orgulho – vale dar espaço a uma
breve análise histórica das primeiras iniciativas de influência no espaço urbano
brasileiro, e da reunião de circunstâncias que impediram com que outras metrópoles
brasileiras compartilhassem de experiências urbanísticas de sucesso.

4.1 DESCOORDENAÇÃO DAS AGÊNCIAS, CONTRADIÇÕES GOVERNAMENTAIS


E AUTONOMIA DOS MUNICÍPIOS

Desde 1906, época em que Pereira Passos e Oswaldo Cruz promoviam as


primeiras iniciativas sanitárias no Rio de Janeiro, já se verificava intenções pioneiras
para a reforma urbana. Mesmo que em pequenas e diferentes intensidades, já que
as ações visavam sanar questões emergenciais de saúde pública, as intersecções
representavam o desejo de planejar, criteriosamente, a expansão dos centros
urbanos. (OLIVEIRA. Dennison. Curitiba e o Mito da Cidade Modelo. Curitiba:
UFPR, 2000).
Mais evidentes ainda, foram as políticas de intervenção que ocorreram a partir
do período pós-guerra, em 1945. Nessa época, o Brasil vivia a primeira significativa
urbanização de sua população, que migrava dos centros rurais, na mesma
proporção em que via a economia nacional se industrializar a passos largos. O
evento mais simbólico desse período foi a construção de Brasília, datada de 1960,
cuja estruturação foi absolutamente pautada nos conceitos promovidos pela ciência
do urbanismo vigente na época. A partir daí, a urbanização se propagou de tal
maneira que, em meados daquela década, a população urbana brasileira
ultrapassou, pela primeira vez na história, a rural. Esse fenômeno só viria a ser
registrado em termos mundiais no início de 2007, como divulgaria o Programa das
Nações Unidas para Assentamentos Urbanos (UN-HABIT, 2007).
Foi justamente quando o país viveu essa primeira grande migração, que o
57

regime militar em exercício na época, sentiu a necessidade de criar determinadas


agências, cujo objetivo era direcionar os investimentos necessários para sanar as
carências básicas mais urgentes das metrópoles brasileiras que cresciam. As
principais entidades eram Saneamento e Habitação (BNH), Transporte (EBTU) e
Planejamento (Serfhau). (OLIVEIRA, 2000).
O maior agravante que fadou essas instituições e os planos que elas traziam
em si ao fracasso, no entanto, foi a desarticulação das atividades desenvolvidas por
elas. O fato de estarem sob a responsabilidade de Ministérios diferentes
(Planejamento e Interior), também acabou por fortalecer as contradições que, mais
tarde, seriam percebidas nesse sistema (Política Nacional de Desenvolvimento
Urbano: Estudos e Proposições Alternativas. Brasília: Instituto de Planejamento
Econômico e Social. 1976, p. 75-140).
O esperado, por exemplo, era que os recursos destinados pelo Banco
Nacional de Habitação (BNH), seguissem as orientações emanadas pelo Serviço
Federal de Habitação e Urbanismo (Serfhau). Além de ser definido como “entidade
elaboradora e coordenadora da política nacional no campo do planejamento local
integrado” (BRASIL. Decreto n. 59.917, de 30 de dezembro de 1996), sobre a
natureza do SERFHAU o Art. 2º ainda diz que:

Art. 2° - O SERFHAU tem, também, por finalidade prestar ao Banco


Nacional (BNH) a assessoria técnica que se fizer necessária à efetiva
implantação da mencionada política, de modo a contribuir para a
coordenação e integração do desenvolvimento regional e nacional.

Esse ideal, porém, não se verificava na prática e o que se sentia, era que o
país vivia uma política urbana não correspondente àquela expressa pelos planos do
Governo Federal, e sim, outra imersa em distúrbios causados pelas contradições
institucionais entre essas agências. (OLIVEIRA, 2000).
Nesse momento da história do planejamento urbano no Brasil é que, também
na teoria, a criação das Regiões Metropolitanas (RM) encontraria sua maior
determinância. A elaboração de uma entidade metrópole no início da década de
1970, trazia consigo a promessa de superação desses impasses pela proposta que
oferecia de coordenação das atividades das agências. Dessa forma, estariam
58

resolvidos os problemas de ordem financeira: com o correto funcionamento de cada


órgão e o devido direcionamento de recursos para cada necessidade urbana,
poderiam ser construídas regiões adequadamente planejadas a receber o
contingente humano crescente. O que se viu em inúmeras cidades foi o fracasso
dessa tentativa. As razões para isso foram diversas, mas a maior delas talvez tenha
sido a de ordem constitucional, (OLIVEIRA, 2000).
Apesar de prevista pela Constituição de 1967, não se conseguiu alcançar o
objetivo de se criar a instituição metrópole como uma instância de poder
reconhecida pela Constituição, já que, como órgãos reconhecidos pela União
Federal, estavam apenas Estados e Municípios. Nesse ponto, já se encontrava o
maior agravante do projeto: os órgãos de coordenação metropolitana eram
entidades estaduais, o que significava que o poder federal não teria a
responsabilidade direta de intervir, nem de direcionar os investimentos necessários a
essas localidades. Como a Constituição de 1967 previa maior concentração de
recursos sob responsabilidade do poder Executivo Federal, estava aí o primeiro
grande empecilho para a proposta de sucesso que poderiam significar as Regiões
Metropolitanas no Brasil. (OLIVEIRA, 2000).
A definição do critério da denominação também foi equivocada. Idealmente,
para que cumprissem com a proposta, as RMs (Regiões Metropolitanas) deveriam
compreender um “conjunto de municípios que mantivessem entre si, relações de
dependência socioeconômica que os caracterizassem dependentes de uma
metrópole” (OLIVEIRA, 2000, p. 28). O que se viu no caso brasileiro, entretanto, foi
que a denominação foi formulada por critérios políticos, já que apenas as capitais
dos Estados poderiam sediar as RMs, mesmo não sendo estas as localidades mais
necessitadas de investimentos públicos.
A exemplo, tem-se o caso de Curitiba que foi a cidade escolhida entre 1969 e
1970 para testar a viabilidade do conceito, que apresentaria como maior marco a
criação da Cidade Industrial de Curitiba (CIC), cuja construção e cenário em que foi
viabilizada serão detalhados mais adiante.
Vale lembrar aqui que nesse momento da história, a capital paranaense já
sentia as consequências de um grande inchaço populacional fomentado pelo êxodo
rural cada vez mais intenso na época e, por essa razão, seria injusto desconsiderar
a importância dessa iniciativa na localidade. No entanto, outras regiões maiores que
apresentavam, nos mesmos anos, problemas metropolitanos ainda mais graves e
59

evidentes, não receberam os mesmos investimentos pelo fato de não serem capitais
de seus Estados. A exemplo, pode-se citar os casos de Campinas e Londrina
(OLIVEIRA, 2000, p. 28). Há quem atribua tal condição aos interesses
governamentais existentes no processo. Esse detalhamento será feito de maneira
mais aprofundada em breve.
Fatos como esses, tornaram mínimas as possibilidades de se alcançar alguns
dos objetivos propostos pelo IIPND (Plano Nacional de Desenvolvimento -
1975/1979). Como defendem alguns estudiosos, esta foi a mais expressiva tentativa
de formulação de uma política para o desenvolvimento urbano. O objetivo principal
do plano que fracassou, era promover uma desconcentração populacional das
cidades do Rio de Janeiro e São Paulo, na época já definidas como áreas de
contenção. A finalidade da proposta era conter a taxa de crescimento dessas duas
metrópoles e descentralizar as atividades industriais das regiões que se
encontravam sobrecarregadas.
As contradições entre propostas divulgadas e ações praticadas pelos órgãos
públicos não paravam por aí. A própria política de financiamento federal à construção
de obras nas áreas urbanas contribuiu para intensificar resultados contrários aos
desejados: eram priorizados com mais recursos para habitação, urbanização e
saneamento, as cidades maiores e que apresentavam uma economia mais
dinâmica. Obviamente, que essas regiões eram as mesmas que se desejava conter
o crescimento.
Frente a tantas tentativas frustradas para a democratização dos recursos
necessários à construção planejada das metrópoles brasileiras, por volta de 1976 já
se observava que o êxito ou o fracasso das propostas para o desenvolvimento
urbano regional, dependia, exclusivamente, da intenção autônoma de cada
município em criar recursos e políticas capazes de formular e gerenciar suas
respectivas agências de planejamento. (OLIVEIRA, 2000).
O resultado dessa situação delineou um cenário nacional que parecia
esperado: foram muito tímidos e pouco expressivos os casos de sucesso brasileiro
no planejamento urbano. A capital do Paraná representaria um caso atípico dessa
conjuntura. Tamanho foi o encanto despertado pelas propostas colocadas em prática
na cidade que, no tempo de alguns poucos anos, a cidade foi alçada ao mundo sob
a identidade de modelo em planejamento urbano, sustentada por adjetivos dignos de
uma metrópole referência: cidade humanizada, eficiente, ecológica, com qualidade
60

de vida e mais tarde social, foram alguns dos utilizados com a finalidade de reunir
toda uma população em torno daquela mesma proposta (OBA,1998, p. 3).

4.2 ÊXODO RURAL, BELLE ÉPOQUE E PLANO AGACHE

Para se entender como se deu a formação da capital e o planejamento


original dos espaços da cidade, vale fazer uma sucinta rememoração da situação
porque passava o Brasil e o estado do Paraná no final do século XIX, quando ocorria
o primeiro e mais significativo êxodo rural da história do país. Feito isso, a explicação
da determinância desse contexto na construção urbana de Curitiba torna-se de fácil
entendimento.
Com a abolição da escravatura, uma nova conjuntura histórica configurava-se
no Brasil. A base da economia nacional, até então de caráter agrícola, necessitava,
mais do que nunca, de mão de obra no campo para suprir a ausência dos escravos,
anteriormente responsáveis pelo cumprimento da atividade. A consolidação dessa
nova situação vivida pelo país fundamentou a instituição da Lei de Terras pelo
Governo, uma proposta que tinha por finalidade motivar o crescimento do setor
agrícola, em contínua ascensão no período. Esse mecanismo legal forneceu
facilidades para aquisição de terras por imigrantes que, motivados pela promessa de
trabalho nos centros urbanos, emigravam de seus países de origem para se instalar
no Brasil.
Nesse momento, eram criados os primeiros núcleos de assentamentos de
imigrantes europeus no Brasil e o Paraná, mais especificamente a cidade de
Curitiba, apresentou-se como um dos primeiros espaços a receber esses viajantes.
Até essa época, Curitiba se encontrava em uma situação de apatia entre as maiores
cidades do Brasil, mesmo sendo a capital de um Estado rico que figurava como
maior produtor de café do mundo. Encontrava-se, justamente, nesse aspecto, a
justificativa para a localidade ser considerada a melhor opção para receber o
contingente humano que saía das áreas rurais. A adesão dos imigrantes foi
tamanha, que durante o auge da imigração, entre os anos de 1950 a 1960, o
crescimento de Curitiba alcançou índices em torno de 5,5% ao ano. Esses números
foram determinantes para a implementação das políticas urbanas que começariam a
61

ser promovidas na região. No cinturão em torno da capital, bem como na periferia do


município, surgiam os primeiros assentamentos que, mais tarde, viriam a se tornar
75 atuais bairros de Curitiba. Porém, como se verá mais adiante, não foram todas as
regiões priorizadas. A grande maioria das regiões periféricas seriam fortemente
ocupada por instalações irregulares, em especial nas décadas de 1970 e 1980.
Os imigrantes vindos da Europa eram, em sua maioria, Italianos, ucranianos,
poloneses e silesianos. Segundo dados reunidos pelo Ippuc e divulgados no Plano
Diretor 2004, esses grupos se instalaram nas áreas rurais mais periféricas enquanto
que outros, em menor quantidade e de cultura mais urbana como alemães,
franceses, suíços, árabes e portugueses, assentaram domicílio e comércio nas
regiões mais centrais da cidade, localizadas dentro do perímetro urbano.
Considerando esse aspecto, não é de se estranhar que os padrões arquitetônicos
ainda hoje identificados nas construções desse período, apresentem tamanha
influência da cultura desses povos. Curitiba é terreno fértil para esse tipo de
observação. São muitas as construções datadas daquele período que sediam hoje
alguns dos espaços turísticos mais reconhecidos da capital, como é possível
verificar no capítulo anterior.
No que se refere aos processos pioneiros de ordenação do espaço urbano da
capital, vale citar o primeiro deles, ocorrido entre os anos de 1853 e 1930 e
reconhecido pela denominação Curitiba Belle Époque. Um panorama do que se via
na Curitiba daquela época foi descrito por Oba (OBA, 1998, p.16, grifo do autor):

O período da Curitiba ‘Belle Époque’ é aquele em que se persegue a


„construção da modernidade‟ e se estende até o início da década de 1930.
Por essa época, (1853-1930) a identidade almejada para Curitiba se mirava
na Paris Belle Époque, capital do Império sob Napoleão III. Paris renovada
sobre a direção de Haussaman se apresentava como uma fonte inspiradora
irresistível e os marcos referenciais que dariam essa feição europeia às
cidades seriam os mesmos símbolos da modernidade almejada e
reproduzida em inúmeras outras cidades do mundo ocidental: a Estação
Ferroviária, o boulevard, os Jardins Públicos, o Teatro, a Biblioteca, a
Universidade, os Edifícios Públicos, os Palacetes burgueses, enfim, todo um
conjunto construído e interligado por ruas e praças pavimentadas
„embelezada’ e iluminadas que permitissem um viver urbano, salubre,
„cultivado’ e de hábitos requintados.

A segunda iniciativa de intervenção promovida na cidade, ocorre entre os


62

anos de 1941 e 1943, quando é posto em prática o Plano Agache. Este, o maior
responsável pelas mais representativas experiências de planejamento no espaço da
cidade, apresentava um também cuidado com a estética plástica da metrópole, bem
como a primeira iniciativa. Na ocasião, foi em Curitiba que o engenheiro francês
Alfred Agache desenvolveu seu projeto, fornecendo para a cidade uma configuração
viária radiocêntrica, estruturada por largas avenidas em sentido radial e perimetral,
que tinham por finalidade promover a ligação entre diferentes áreas e setores da
metrópole. A proposta da configuração radial tinha a estrutura bastante semelhante a
de um plano de sucesso urbanístico aplicado em Paris, denominado Plano
Haussman (OLIVEIRA, 2000).
Apesar de ter sido parcialmente implantado devido a insuficiência de recursos
da Prefeitura Municipal de Curitiba na época, o Plano Agache foi importante para
delinear as bases das primeiras configurações espaciais da capital, a considerar a
segunda intensa expansão relativamente ordenada que viveria a cidade a partir dos
anos 60, motivada por outro fluxo migratório. Como defendem alguns teóricos,
porém, essa ordenação aconteceria de maneira mais evidente apenas a nível central
da cidade. Segundo argumentos, as propostas urbanas do Plano da década de 40
representavam apenas os anseios das classes dominantes da sociedade, que
buscava um cuidado extremo com a estética, em detrimento de uma maior atenção
a setores sociais.
A cidade foi primeira do Brasil a desenvolver um Plano Diretor, antes mesmo
de ser instituída a legislação que obrigava os gestores a pensar no assunto (Curitiba
foi pioneira na elaboração de plano diretor, 2010). A descrição abaixo compreende o
trecho da reportagem que explica a principal proposta trazida pelo plano: substituir a
construção de Curitiba do desenho de crescimento em formato radial, pelo linear.
(GAZETA DO POVO, 2010).

[...] O comum era uma cidade crescer em forma radial, a partir do centro. O
problema deste modelo é que muitas vezes o poder público age sobre uma
área depois que ela está ocupada. Somente após grande concentração
populacional começavam a surgir escolas, postos de saúde e linhas de
ônibus. O plano diretor de 1965 mudou esta perspectiva e trouxe a ideia de
crescimento linear. A prefeitura passou a pensar o desenvolvimento de
áreas afastadas do centro, como Pinheirinho e Santa Cândida, e implantou
equipamentos públicos antes da demanda. Assim, incentivou a prosperação
da cidade como um todo. Houve alterações no documento três vezes. Na
última, em 2004, foram incorporadas as diretrizes do Estatuto das Cidades ).
63

Salvo considerações, o que o Plano Serete (OLIVEIRA, 2000) se propôs a


fazer foi, dentre outras ações, uma reforma oportuna na proposta de crescimento
radial do Plano Agache por outro linear. Essa mudança também seria fundamental
para que Curitiba desse continuidade ao desempenho do planejamento que
construía e alcançasse, algumas décadas depois, o título de modelo urbano.

4.3 PLANO SERETE, FORMAÇÃO DA REGIÃO METROPOLITANA DE CURITIBA E


CIDADE INDUSTRIAL

Como é possível perceber, diferentemente da proposta elitista que, segundo


alguns críticos, trazia o Plano Agache, o Plano Serete parecia oferecer uma maior
atenção às áreas periféricas da capital. A maior prova disso foi o zoneamento
proposto de uma extensa área destinada à implantação de habitações populares,
denominada ZR4 (Zona Residencial Popular) nas porções sudoeste e nordeste do
Estado (IPPUC, 1965, p. 160). Mesmo tendo a proposta importância considerável na
construção da cidade, o crescimento contínuo e cada vez mais acelerado que vivia
Curitiba - talvez maior mesmo do que o esperado pelos gestores – fez com que nem
todas as áreas periféricas da capital fossem igualmente priorizadas pela solução.
Pouco depois disso, estabeleceriam-se nessas regiões as primeiras ocupações
irregulares de Curitiba. Em 1980, segundo dados do IPPUC, existiam mais de 50
áreas caracterizadas dessa forma em toda Curitiba. A consequência desse
fenômeno já parecia evidente: após o constante crescimento desses índices, os
anos 2000 registrariam nada menos que a marca superior de 300 espaços invadidos
(IPPUC, 2000). Nesse momento da análise, entretanto, é fundamental retomar à
constatação a que chegou o Ministério do Interior após o estudo do Caso Curitiba.
Segundo a descrição do Ministério, o principal fator que fez da capital
referência no planejamento urbano, foi a ênfase colocada na dimensão técnica de
todas as soluções implantadas. Segundo a análise, desde as primeiras intervenções
urbanas promovidas na capital, o planejamento dessas intenções sempre foi o que
norteou as decisões tomadas pelos mentores das reformas. No entanto, é
64

impossível desconsiderar a interpretação una que pode ter feito o estudo: apesar
dos muitos benefícios estéticos trazidos até o momento pelos planos Agache e
Serete, ambas as propostas haviam limitado-se a considerar os aspectos físicos da
metrópole, sem priorizar na mesma intensidade a política habitacional e o setor
social da comunidade. Até essa época, por exemplo, não haviam sido construídos
em Curitiba conjuntos habitacionais destinados à população de baixa renda. Esse
aspecto só ganharia mais atenção cerca de duas décadas depois, com a
implantação do Plano Serete. Segundo definiu a Prefeitura de Curitiba, essa
proposta considerou um pouco mais a possibilidade de um maior adensamento nas
áreas periféricas da cidade, até então desconsideradas, e que eram ocupadas pelos
habitantes que chegavam e se auto-organizavam autônoma e gradativamente,
dando origem aos primeiros assentamentos não planejados da capital. (OLIVEIRA,
2000).
Criado a partir de um plano preliminar de urbanismo desenvolvido pela
empresa Serete Engenharia S.A em parceria com o escritório de arquitetura Jorge
Wilhem, ambos de São Paulo e vencedores da licitação, o Plano Diretor de Curitiba
justificava sua elaboração pela necessidade de aprimorar certas propostas definidas
pelo Plano Agache, que já não se aplicavam mais à demanda exigida por uma nova
Curitiba que se construia, pouco mais de vinte anos depois. De acordo com dados
do Censo 2000, entre as décadas de 1960 e 1970 ocorreram as mais significativas
mudanças no espaço urbano da capital. A população da cidade dobrou de tamanho,
passando de 361.309 para 70.609 habitantes – um acréscimo de 68% em apenas
dez anos.
Como revela ainda um estudo, Curitiba passou nesse período pelo que foi
considerado o maior crescimento de todas as capitais estaduais do Brasil (ZIRKL,
2003, p. 91). Os quadros abaixo foram retirados da análise e sintetizam bem a
conjuntura das décadas.
65

Tabela 20: Taxa de crescimento de Curitiba e região metropolitana

1970 1980 1991 1996


Curitiba 609.026 1.024.975 1.315.035 1.476.253
RMC 875.269 1.497.308 2.061.520 2.431.804
Paraná 6.929.068 7.929.392 8.448.658 9.003.804
Taxa de crescimento (%)
70-80 80-91 91-96
5,34 2,29 2,34
5,78 2,95 3,36
0,96 0,58 1,28
Fonte: PMC (PREFEITURA MUNICIPAL DE CURITIBA) 1999

Esse crescimento pode ser atribuído aos já citados imigrantes, que


continuavam a ser expulsos das regiões agrícolas em virtude da continua
mecanização do setor e buscavam em terreno urbano a promessa de emprego que
na época parecia próspero na Região Metropolitana de Curitiba (RMC), onde nos
anos 70 era construída a Cidade Industrial de Curitiba (CIC).
Desenvolvida desde o início para servir de pólo industrial e atrair os
investimentos que buscava a capital com as elites dirigentes locais, a Cidade
Industrial e, consequentemente, a Região Metropolitana de Curitiba receberam
investimentos maciços do Governo Federal para se tornarem viáveis, (OLIVEIRA,
2000).
As intenções do que a gestão da época, que tinha como prefeito o arquiteto
Jaime Lerner, pretendia conseguir, eram tão claras e bem planejadas, que o projeto
de construção do CIC contou em sua fase de elaboração com a ativa participação
dos membros da Associação Comercial do Paraná e da Federação das Indústrias do
Paraná. Os urbanistas atuantes na capital, também foram agentes determinantes na
construção da metrópole a partir dos anos 60. A influência foi tamanha, que Curitiba
foi a primeira capital a sediar o primeiro curso de graduação em arquitetura, na
Universidade Federal do Paraná, de onde mais tarde sairiam, entre alunos e
professores, os primeiros integrantes do futuro IPPUC - Instituto de Pesquisa e
Planejamento Urbano de Curitiba, (OLIVEIRA, 2000, p. 220-238).
Paralelamente à formação da Região Metropolitana de Curitiba, as ideias
trazidas pelo Plano Diretor começavam a ser, de fato, implantadas em sua totalidade
e com isso, a cidade passou a receber os investimentos do Governo Federal que a
66

gestão da época desejava para melhoramentos em sua estrutura. Como já citado, a


capital não se encaixava na definição do que deveria constituir uma entidade
metrópole, mas mesmo assim, foi escolhida para testar a funcionalidade do conceito.
Por essa razão, há quem atribua tal fator, aos interesses em especulação imobiliária
que poderiam manter os envolvidos no processo. Segundo Silva (1997, p. 87):

[...] naquele momento, a política habitacional brasileira abandonava os


objetivos sociais para funcionar como mecanismo de controle político e
manipular as classes menos favorecidas economicamente, além de se
basear na lógica do retorno do investimento por meio do lucro, típica do
modelo capitalista de acumulação, privilegiando investimentos de capitais
privados e interesses das classes de alta renda.

O resultado dos investimentos federais conquistados, foi a instalação de um


elevado número de indústrias nacionais e internacionais na RMC. A criação da CIC,
foi a mais significativa mudança do perfil da cidade, que, gradativamente,
abandonava a identidade de região agrícola para assumir outra, de cunho
fortemente industrializada.
Não seria de se estranhar, portanto, que o novo Plano Diretor definisse a
industrialização do município como mecanismo capaz de ampliar a gama de
oportunidades no perfil da produção local e apresentasse como áreas de expansão
urbana os chamados setores estruturais: a partir daquela época, toda e qualquer
ação de planejamento urbano deveria ser pautado em um tripé de necessidades
básicas: atenção ao zoneamento, sistema viário e transporte coletivo
(IUPERJ/MINTER apud OLIVEIRA, 2000). Ademais, essas características deveriam
interagir de forma harmônica com as dimensões socioeconômicas e ambientais da
capital. Em síntese, a nova proposta apresentava como finalidade conter o
crescimento da cidade, descongestionar a área central, conter a população em seus
limites físico-territoriais (zoneamento urbano, lei do uso do solo) e deflagrar a
industrialização da economia local ampliando a infra-estrutura urbana (saneamento
básico, construção de vias, habitações, área de saúde e educação). Além disso, o
projeto apresentava soluções que objetivavam prevenir enchentes e ocupações
irregulares. Ampliaram-se as iniciativas de saneamento básico e preservaram-se
extensas áreas verdes, ao desenvolver parques dentro da própria cidade. O
67

resultado desse cuidado garantiu à Curitiba o título de capital com o maior número e
a maior área de parques urbanos do Brasil (mais de 50m² por habitante) (PCM –
Prefeitura Municipal de Curitiba, 1999).
Ao tempo em que definiu a segmentação funcional dos espaços da cidade
como zonas residenciais, comerciais e industriais interligadas por velozes vias de
circulação, a nova proposta também incorporou o conceito de revitalização – ao
invés de destruição – dos espaços públicos tradicionais de Curitiba, bem como a
criação de locais para o encontro de seus habitantes. Junto a isso, ainda, foi dada
atenção especial ao transporte coletivo, colocando em detrimento o uso do
automóvel particular (IPPUC,1991, p. 320).
O projeto original previa também o sistema viário como principal instrumento
para a contenção da cidade. Buscavam os idealizadores do plano evitar que a
expansão da malha urbana se desse de forma desordenada. Visto isso, foi proposta
a criação de vias lineares de circulação na capital, ditas estruturais, onde se
concentraria uma oferta adequada de meios de transporte coletivo além de se
incentivar ali uma maior concentração populacional.
A definição desses eixos de transporte baseou-se na análise dos padrões
históricos de crescimento da cidade. Inicialmente, definiu-se um eixo estrutural no
sentido norte-sul, posteriormente um outro no sentido leste-oeste, e, logo depois, um
terceiro à sudeste. Prevalecia a ideia de que a cidade deveria crescer ao longo
desses três eixos principais, contendo a expansão do centro tradicional, evitando,
dessa forma, a sua deterioração. (OLIVEIRA, 2000).
Foi proposto que as vias principais do centro tradicional da cidade fossem
interditadas ao tráfego de veículos, sendo então reservadas ao uso exclusivo dos
pedestres, culminando no que, mais tarde, passou a se chamar pedestrianização do
centro. A identidade que agora se procurava construir para Curitiba, apresentava
referências de cidades americanas: um espaço contendo centros funcionais
especializados e interligados por um sistema viário eficiente e com capacidade de
crescimento indefinido (OLIVEIRA, 2000, p. 51).
Até então, todas essas ações não representavam garantia alguma de sucesso
ao planejamento da capital, visto que poderiam ser implantadas em qualquer outra
localidade do país, considerando os referenciais retirados de planos de sucesso já
existentes e fórmulas relativamente simples de organização do espaço cidade. O
que justificaria o título de capital modelo que a cidade estava prestes a receber, seria
68

o rompimento que a gestão da época promoveria com a tradição de se buscar


construir a identidade de Curitiba baseada em modelos pré-existentes. O diferencial
da capital foi, mesmo tendo como referência as cidades europeias, buscar delineá-
los de uma maneira própria, individual. Nesse momento da análise, portanto, vale
detalhar a influência direta que exerceu a conjuntura política vigente na cidade na
época. Jaime Lerner, então prefeito na capital, foi, na opinião de inúmeros
observadores, a peça determinante para que cidade desse o curso correto a todas
essas ações. Ao fazer as adaptações necessárias ao projeto, Lerner trabalharia,
através de marcos urbanos, o imaginário de toda uma população e fomentaria o
orgulho do povo curitibano que, até essa época, encontrava-se sem identidade
definida e com a auto-estima consideravelmente afetada.

4.4 A INFLUÊNCIA LERNER

Em sua totalidade, o Plano Diretor foi implantado na cidade entre os anos de


1971 e 1983, períodos esses que corresponderam a administração dos prefeitos da
Arena (Aliança Renovadora Nacional) Jaime Lerner (1971-1975 e 1979-1983) e Saul
Raiz (1975-1979). Ambas as administrações acrescentaram à proposta original
contribuições fundamentais para que a sua implementação se tornasse viável na
cidade. Dessas, as mais importantes foram o Sistema Trinário, O Plano Massa, e a
Rede Integrada de Transportes.
Como já mencionado, o conceito original de vias estruturais previsto pelo
projeto, idealizava a criação de enormes avenidas que cruzariam a cidade,
comportando com isso o tráfego de veículos particulares e do transporte público. No
entanto, o investimento a ser feito para realizar todas as desapropriações
necessárias nas regiões e construir, assim, as planejadas avenidas, seria grandioso
demais e inviável para os recursos disponíveis. Como proposta para superar esse
impasse, Jaime Lerner proporia a construção de três vias paralelas (Sistema
Trinário) utilizadas da seguinte maneira: a via rápida central, seria destinada ao uso
exclusivo dos ônibus, que circulariam nos dois sentidos, enquanto que outras duas
mais estreitas margeariam essa central, e seriam dedicadas a veículos particulares
de baixa velocidade, (OLIVEIRA, 2000).
69

Já o chamado Plano Massa representou a adaptação de uma das propostas


fornecidas pelo antigo Plano Agache. Enquanto este defendia a construção de
quadras exclusivamente residenciais e prédios isolados em meio a parques e áreas
de lazer, Jaime Lerner e os urbanistas do período incentivaram a instalação de lojas
e estabelecimentos de prestadores de serviços nos andares mais baixos dos
prédios, promovendo assim, um maior adensamento populacional. Essa ação
promoveria a valorização dessa região, e seria determinante para que as periferias
que logo se originariam se formassem em núcleos mais distantes possíveis do
centro da capital. No que se refere à rede de transportes, a proposta da gestão foi
oferecer o uso integrado dos ônibus de diversas modalidades.
A gestão que se seguiu - de Saul Raiz (1975-1979) - deu continuidade e
consolidou as intervenções precedentes, ao tempo em que garantiu que estas
pudessem ser continuadas posteriormente, quando Lerner assumisse o cargo de
prefeito novamente, entre os anos de 1979 a 1983. Nessa fase, seria a cultura o
bem mais valorizado da capital. Desde a criação da Fundação Cultural de Curitiba,
em 1971, já se buscava reconhecê-la, no entanto, durante esse segundo mandato,
foi promovida a valorização das antiguidades do centro, transformando os espaços
que até então se apresentavam como velharias, em salas de espetáculos, e centros
comunitários, por exemplo. Vale lembrar aqui, que até então, todas as gestões de
Lerner haviam se dado pelo voto indireto, ou seja, não foi o povo quem o colocou no
poder, e sim, o regime governante da época. Apenas em 1988, após o golpe militar,
é que essa situação se inverteria e Jaime Lerner seria pela primeira vez eleito pelo
voto popular. O que chamou a atenção nessa eleição foi o fato de o candidato ter
vencido após fazer uma campanha eleitoral de apenas doze dias. A descrição a
seguir, revela as características dessa terceira gestão.

[...] Espetáculos não faltaram nessa gestão, que foi marcada pela
construção de obras em curto prazo e com características sempre
inspiradas nas novas tecnologias e de grande impacto visual. Ópera de
Arame, Jardim Botânico, a reforma do Mercado Municipal e a criação da
Rua 24 horas foram alguns dos marcos da época. O desenvolvimento do
ônibus ligeirinho também recebeu destaque da imprensa, muito mais em
função da concepção estética de suas estações tubulares e do visual
futurista. Nessa fase a cidade reforçava também sua vocação turística
(OLIVEIRA, 2000, p.58).
70

A espetacular repercussão na mídia do programa de reciclagem do lixo que


propunha sua troca por hortifrutigranjeiros ou vales transportes, também foi uma das
ações do período. Com a proposta, além de a capital ganhar visibilidade, o poder
público não apenas economizava gastos com a coleta, mas também fazia com que a
população se sentisse parte integrante de um mesmo projeto em comum de cidade.
Em virtude de tantas intervenções estéticas, modernistas e funcionais
aplicadas em sua maioria nas áreas centrais da capital, Curitiba não poderia gozar
de menor destaque do que o que conquistou. Promover a integração do homem à
cidade, fazer com que o cidadão tivesse orgulho do espaço em que vive, integrar o
homem no projeto de revitalização dos valores tradicionais da cidade, criar espaços
de cultura e lazer e fazer de cada curitibano um urbanista eram alguns dos objetivos
trazidos implícitos nas propostas anunciadas pela administração vigente. Os desejos
foram conquistados, Curitiba passou a ser conhecida nacional e internacionalmente
como capital exemplar e Jaime Lerner viveu um reconhecimento significativo. A
seguir, um compêndio de alguns títulos que acumulou o prefeito-arquiteto pelas
transformações que promoveu (OLIVEIRA, 2000, p. 11-13).

[...] Em 1974 o Instituto dos Arquitetos do Brasil elegeu a administração do


então prefeito de Curitiba, o arquiteto Jaime Lerner, a melhor do Brasil,
qualificando-a como um modelo e exemplo as ser seguido. Ainda naquele
ano o Ministério do Interior no qual estavam alocados os principais órgãos
federais afetos à política urbana, encomendou ao Instituto Universitário de
Pesquisas do Estado do Rio de Janeiro (Iuperj) uma investigação para
„verificar, através de um estudo de caso, o de Curitiba, como determinada
proposta urbanística pôde ser implementada com sucesso‟ [...] Em 1975 o
ex-prefeito de Curitiba na gestão 1970-1975, o arquiteto e urbanística Jaime
Lerner, foi indicado pelo então governado do Rio de Janeiro Faria Lima para
ser o primeiro presidente da Fundação para Desenvolvimento da Região
Metropolitana do Rio de Janeiro (Fundrem) [...] Em setembro de 1990,
durante o Congresso Mundial de Autoridades Locais para um Futuro
Sustentável, Curitiba recebeu o prêmio que é considerado o Oscar do Meio
Ambiente, oferecido a programas e políticas sobre o gerenciamento de
recursos sólidos urbanos.

Considerando resultados como esses, a mais simples questão que pode ser
levantada é porque apenas em Curitiba essas propostas pareceram ser levadas a
cabo e se tornaram ações concretas? A justificativa pode estar em três pontos
principais: 1) A elaboração de um Plano Diretor para a cidade foi feita precocemente
e a sua execução colocada em prática já nos anos seguintes; 2) A cidade antecipou-
71

se na buscar soluções viáveis para um crescimento ordenado. Belo Horizonte e Rio


de Janeiro são exemplos de localidades que também buscaram adotar ações
propostas pelos planos, no entanto, já estavam demasiadamente crescidas e por
essa razão não foram capazes de viabilizar as soluções tão ordenadamente como
fez Curitiba que, na época, ainda era uma cidade em crescimento. 3) Por mais de
três décadas o mesmo grupo da política local e dos planejadores urbanos (IPPUC)
se manteve no poder municipal, sem sofrer qualquer interrupção. Há quem valorize
esse aspecto enxergando o crescimento porque passou a cidade nesse período, ao
tempo em que há quem critique essa vigência relativamente longa por acreditar na
possibilidade de especulações imobiliárias (SAMEK, 1996).
Inadimíssível seria, porém, desconsiderar a atuação de Roberto Requião, do
PMDB, na construção da identidade de Curitiba. Primeiro prefeito a assumir o cargo
na capital através das eleições diretas, Requião governou entre os anos de 1982 a
1988, quando, pela primeira vez desde 1970, e depois de doze ininterruptos anos de
administrações de conteúdos idênticos, assumiu o lugar do então gestor Jaime
Lerner (OLIVEIRA, 2000, p. 80).
A apertada vitória do PMDbista sobre Lerner se deu em uma campanha
acirrada entre um candidato definido pela oposição como tecnocrata – que nunca
havia ocupado cargos através da disputa em eleições diretas – contra Requião, que
se vendia sob a imagem de um legítimo representante do povo, cuja carreira havia
sido feita baseada no apoio popular. Como tinha ciência de que pouco restava a ser
feito na estruturação de Curitiba, pela gestão que o antecedeu, o partido lançou uma
série de políticas setoriais marcadas pelo apelo social. Foi proposto um ambicioso
programa de construção de creches, mercados populares, casas de recuperação de
menores e inúmeras outras propostas que visavam uma diferenciação da
administração da ARENA, que começaram a ser divulgadas pelo PMDB como
insensíveis às questões populares e distantes das reais necessidades da população.
Dessa forma, durante o período de 1982 a 1988, a temática da eficiência
técnica do planejamento ficou em relativo abandono e foi colocada em detrimento
pelos novos ocupantes do poder. O que passou a ser privilegiado foi o debate
político, o resgate da dívida social e a participação popular na administração, por
exemplo. Isso, certamente foi percebido pelas populações das várias regiões do
Brasil, que, entre as décadas de 80 e 90, ocasionaram mais uma forte migração para
a cidade, que será abordada mais adiante.
72

4.5 A DESCONSTRUÇÃO DO MITO, FORMAÇÃO DAS PERIFERIAS E


FAVELIZAÇÃO DA METRÓPOLE

Os títulos que garantiram à Curitiba e aos gestores da época tal


reconhecimento alcançaram tamanha notoriedade que a cidade foi em março de
2001, apontada por urbanistas das Organizações das Nações Unidas (ONU) como
uma das três melhores cidades para se viver, ao lado de Roma e San Francisco
(GARCIA, 1997, p. 55). No entanto, após essa minuciosa análise sobre cada fator
que, em reunião aos demais, fizeram de Curitiba tal modelo tremendamente
reconhecido, faz-se necessário direcionar o olhar para um outro aspecto dessa
sociedade; este não tão exclusivista nem tão pouco digno de orgulho para a capital:
a periferização da capital e o processo de favelização da mesma.
Envolta ainda hoje pelo estereótipo projetado de cidade modelo, a capital
paranaense pode conseguir camuflar as deficiências urbanas que apresenta. No
entanto, os problemas acumulados não são poucos, e sim, dignos de qualquer outra
grande metrópole: favelização, aumento da desigualdade social e crescimento da
violência urbana são apenas alguns dos mais evidentes que se aplicam aos
membros dessa sociedade.
Não são poucos os dados que conferem legitimidade a tal informação, mas
vale destacar o que revela que, até o ano de 2005, somente em sua Região
Metropolitana, 8,53% da população curitibana residia em favelas (GROSTEIN, 2005,
p. 2). Levando em conta tal resultado e se considerarmos que a atual população da
capital é de 1.828.092 pessoas (IBGE, 2008), pode-se inferir que, aproximadamente,
mais de 156 mil indivíduos residentes em Curitiba habitam atualmente aquelas
áreas.
Assim como não se pode negar os avanços estruturais, culturais e estéticos
promovidos durante a gestão dos membros da Arena, é também irrefutável a
disparidade hoje existente entre o que, para efeito de exposição, pode-se definir
como duas Curitibas: uma modelo, que persiste viva no imaginário dos cidadãos e
se materializa através de espaços e monumentos criados na época, em sua maioria,
nas regiões centrais da metrópole, e outra definida como esquecida pelos próprios
73

residentes das áreas periféricas da região.


A origem desse fenômeno pode encontrar justificativa em diversas
conjunturas, mas, no caso Curitiba, o que mais chama a atenção é o fato de que,
muito provavelmente, os problemas sociais hoje existentes tenham encontrado
terreno fértil para se estabelecer, justamente, quando a cidade se lançava como
referência no modelo de planejamento urbano. Foi na década de 70, quando esse
fenômeno vivia o período de maior explendor a ponto de ser, como citado, objeto de
estudo do Ministério do Interior, que se tornaram mais evidentes, dentre outros
agravamentos, as ocorrências das ocupações irregulares do solo da metrópole. A
consequência disso foi previsível: ocorria, assim, a formação das primeiras grandes
favelas organizadas de Curitiba, já que datavam dos anos 40 os registros das mais
remotas ocupações irregulares. Nesse tempo, surgiram os primeiros loteamentos
clandestinos em áreas foras do perímetro urbano e os mais remotos núcleos de
favelamento (BIALECKI, 2008, p. 124).
O trecho a seguir, ilustra o diagnóstico do agravamento do déficit habitacional
da época (IPPUC, 1985, p.87):

[...] A partir de 1970, no entanto, com a intensificação do processo


urbanizatório e da necessidade de expansão física da cidade, grandes
áreas foram incorporadas à malha urbana. As porções remanescentes dos
terraços e encostas suaves mais próximas foram rapidamente ocupadas,
iniciando-se então o avanço descontrolado sobre as áreas de encostas mais
acentuadas, as várzeas e os espaços vazios localizados nas áreas de
ocupação mais antiga e mais valorizadas.

Para mensurar essa conjuntura, vale citar um estudo divulgado pelo Ipardes
em 1976 que revelou que, nesse período, dos 185 mil domicílios da cidade, 5.992 se
encontravam em áreas de ocupação irregular. Nada menos do que 33 mil pessoas –
de um total de 830 mil habitantes – distribuíam-se em vários pontos da região, sendo
as maiores concentrações na Vila Pinto, Valetão Belém, Parolim e Vila Guaíra. A
cidade iniciava assim, um processo de urbanização de risco. Os terrenos situados
nas várzeas inundáveis e pantanosas do Rio Belém e Iguaçú foram ocupados, e, a
falta de instrumentos capazes de controlar tal ocupação, a dificuldade de se
implantar rede de esgoto e saneamento e as constantes inundações, fizeram das
áreas um problema para a administração pública.
74

Nessa fase ainda, para agravar a situação, Curitiba apresentava uma taxa de
crescimento menor que a sua Região Metropolitana, onde, não por coincidência,
agrupavam-se essas localidades de risco. Os maiores índices de ocupação foram
registrados em bairros mais afastados do centro, como São Miguel, Campo do
Santana e Ganchinho, onde até então, a taxa habitacional era muito baixa (PLANOS
URBANOS E O ESPAÇO DE HABITAÇÃO, 2008, p. 88-89).
Referências migracionais como essas já seriam suficientes para explicar as
razões que motivaram as mais representativas ações de fomento à favelização da
capital. No entanto, vale destacar ainda alguns argumentos defendidos por
estudiosos, que buscam comprovar que o maior instrumento incentivador para essa
condição foi, principalmente, o interesse na especulação imobiliária dos envolvidos
na gestão do período.
Quando as décadas de 70 e 80 delinearam o novo cenário metropolitano em
Curitiba e a cidade que até então ostentara a glória de parecer a comunidade
perfeita sofreu uma intensa metamorfose, precisaram ser rápidas as ações para que
a região central tão bem planejada não sofresse as consequências daquele
fenômeno moderno. Nessa época, a gestão do período promovia um maior fomento
à iniciativa comercial e de prestação de serviços no centro, a fim de valorizar cada
vez mais aquela área. Dessa forma, os valores dos imóveis não seriam acessíveis
às populações mais carentes, que teriam como única alternativa direcionarem-se às
áreas periféricas.
Nessa época, portanto, aumentam-se as ocupações nas porções Sul e
Noroeste do município, enquanto os bairros mais centrais perdem população. Com a
supervalorização das regiões centrais da cidade, a especulação encontrava terreno
fértil para se desenvolver e garantir os lucros desejados aos interessados no negócio
(TONELA, 2006, p. 1).
Acselrad ressalta ainda que a proposta da criação de vias estruturais na
cidade, por si só, objetivou também induzir o crescimento da capital junto a essas
estruturas, promovendo com isso uma ampla rede de serviços, infra-estrutura e
legislação de uso de solo. Todos esses cuidados apresentavam uma finalidade
principal: inibir a ocupação dessas regiões por todos os segmentos da sociedade,
permitindo a construção de áreas consideradas nobres permeadas por grandes
espaços vazios, construindo assim, terreno fértil para a atuação da especulação, que
poderia manter essas áreas se valorizando com os anos (ACSERALD, 2001).
75

Para finalizar, Fuck Jr. aponta ainda que esse processo de valorização do solo
e a consequente exclusão social de parte da população que um fenômeno como
esse provoca, são consequências de um processo de planejamento urbano
tendencioso promovido pelos gestores de cada período. Ademais, funcionam como
condicionadores de toda uma dinâmica urbana, ao determinar as áreas que deverão
ou não ser priorizadas (FUCK JR, 2006). As condições desiguais de acesso à
moradia em Fortaleza.
Frente à reunião de todos os fatores tratados e argumentos levantados ao
longo dos tempos por diversos pesquisadores, o que se pode perceber, é que as tão
aclamadas e ovacionadas propostas urbanísticas praticadas em Curitiba, se
analisadas por um olhar criterioso e mais voltado para o lado social, podem ser
consideradas relativamente excludentes. Aparentemente, a maioria delas voltou-se
para defender possíveis anseios e desejos das classes dominantes, privilegiando,
assim, uma parcela mais abastada da população em detrimento de outra, com um
menor poder aquisitivo. O resultado: um modelo urbano, aparentemente, incompleto
e segregador cujos sintomas se manifestam nas contrastantes e cada vez mais
evidentes diferenças entre classes.

4.6 TATUQUARA: ORIGENS E SEGREGAÇÃO URBANA

Considerando o princípio da favelização de Curitiba, abordar-se-á agora uma


questão ainda mais pontual. Dentre as dezenas de localidades que se auto-
desenvolveram na capital a partir de diversas formas de apropriação dos espaços
periféricos da cidade, faz-se necessário detalhar, brevemente, algumas das
características que deram origem a um dos mais pobres bairros dessa metrópole: o
Tatuquara.
Originado como outros tantos, também na década de 70, o Tatuquara teve
suas origens ligadas a alguns dos bairros mais próximos a ele: Umbará, Ganchinho,
Campo do Santana e Caximba, todos situados no extremo Sul de Curitiba, viveram o
maior adensamento populacional nessa época quando, pela primeira vez na história
de Curitiba, o crescimento habitacional dessas regiões ultrapassou o da região
central. As primeiras organizações dos espaços habitados pelos migrantes e a
76

construção de suas moradias foram promovidas de forma autônoma e em grande


parte, evidentemente, irregular.
Enquanto aquelas primeiras áreas comportaram uma maior concentração
humana que trouxe consigo algum desenvolvimento às regiões, o Tatuquara, no
entanto, levou cerca de vinte anos a mais para receber os primeiros investimentos
pouco mais significativos do governo.
Mesmo tendo sido em 1965, registrado e aprovado pela prefeitura de Curitiba
o primeiro loteamento legal da região, apenas no ano de 1993 é que foram
construídos pela COHAB os primeiros conjuntos habitacionais na região. As vilas
Santa Rita, Jardim da Ordem, Santa Cecília, Moradias Monteiro Lobato, Moradias
Paraná, Vila Evangélica e Riacho Doce, são alguns dos exemplos. Em nível de
informação, vale citar ainda que o Tatuquara é hoje um dos bairros mais extensos da
cidade - com uma área de 11.229.000,00 m² - e um dos mais distantes da região
central. Fazendo divisa com o município de Araucária a Oeste e com a Cidade
Industrial a Norte, a região figura entre uma das mais populosas da capital: em 2000
o bairro já apresentava nada menos que 36.339 habitantes: aproximadamente
3,44% da população total de Curitiba que, na época, era de 1,58 milhões de
residentes (IPPUC, 2009).
Embora a prefeitura da cidade tenha ao longo dos anos promovido melhorias
na região – hoje o Tatuquara conta com escolas públicas, creches, um sistema de
transporte um pouco mais eficiente, armazéns populares e postos de saúde, por
exemplo - ainda há muito o que se fazer por aquela localidade. Alguns dados
pontuais retirados de estudos promovidos acerca da região, revelam os índices
ainda precários e insatisfatórios sobre o modo como vivem aqueles habitantes. Para
efeito de análise, a seguir, um recorte do estudo do IPARDES que, de tão ilustrativo,
dispensa maiores análises (IPARDES, 2006):

[...] Internamente ao pólo (de Curitiba), a estrutura etária da população é


bastante diferenciada, apresentando áreas com a proporção de crianças
extremamente elevada, a exemplo dos bairros periféricos ao centro, onde
essa proporção chega a ultrapassar 35% em bairros como Tatuquara-
Moradas da Ordem, Uberaba 1 e Cajuru 2. Nos bairros centrais, a
proporção de crianças é bem menor, na ordem de 10%, enquanto a de
idosos chega a 14,1%. Assim, no município, o índice de idosos assume
valores que vão deste 4,8 idosos para cada 100 crianças, em Tatuquara-
Moradas da Ordem, até 138,5 idosos para cada 100 crianças.
[...] Em Curitiba, em que pese a baixa proporção de pretos ou pardos,
77

verifica-se uma maior concentração nas áreas periféricas, em especial nos


bairros de Tatuquara (31,5%), Tatuquara–Moradas da Ordem (26,3%),
Cajuru 2 (25,6%) e Uberaba 1 (24%). As áreas centrais do município
apresentam proporções baixíssimas de pretos ou pardos, inferiores a 3%
nos bairros Bigorrilho, Alto da XV, Jardim Social, Hugo Lange, Água Verde
SE e Batel.
[...] Em Curitiba, embora a taxa de analfabetismo seja relativamente baixa,
em termos absolutos, a concentração de analfabetos é elevada. São 38.862
pessoas de 15 anos e mais que não sabem ler, o que significa 38,7% do
total de analfabetos da Região. Outros 28.246 analfabetos distribuem-se
entre os municípios com nível de integração muito alto, compondo 28,2% do
total.
[...] Quando aos valores extremos para o analfabetismo funcional algumas
áreas dos municípios de Pinhais, São José dos Pinhais e Araucária
apresentam o indicador nos níveis mais baixos. As taxas ampliam-se em
direção às áreas periféricas internas do pólo, e nos demais municípios. Nas
áreas centrais de Curitiba a taxa varia de pouco mais de 1% a menos de
5%, enquanto que em áreas periféricas, como nos bairros Uberaba 1,
Tatuquara e Cajuru 2, ultrapassa 25%, chegando a 38,1% neste último.
[...] No que se refere ao analfabetismo, internamente ao pólo existem
diferenciações importantes, com as menores taxas concentrando-se nas
áreas centrais do município, ampliando consideravelmente à medida que se
avança para a periferia. Taxas próximas a zero são encontradas nas AEDs
correspondentes aos bairros Água Verde, Batel, Centro, Centro Cívico, Alto
da Glória e Alto da XV, enquanto taxas acima de 8% são registradas no
Tatuquara e Uberaba.
[...] No interior dos municípios, novamente se destacam as áreas centrais
de Curitiba com proporções elevadas de adultos com média e alta
escolaridade, chegando a representar mais de 80% do total dessas
pessoas, ao contrário dos bairros mais distantes, como Cajuru 2, com
apenas 7,8%, e Tatuquara–Moradias da Ordem, com 10,9%.
[...] Da mesma forma, a taxa de analfabetismo funcional dos chefes de
família apresenta-se bastante elevada naqueles municípios mais distantes e
com características mais periféricas. Nos conjuntos mais próximos ao pólo,
a taxa varia entre 30,6% (nível médio de integração) e 24,4% (nível muito
alto), enquanto em Curitiba declina para 13,7% (tabela 3.15). Entre seus
bairros tem-se desde taxa de 0,61%, no Batel, até de 32% em Tatuquara.
[...] Em Curitiba, as AEDs correspondentes a Uberaba 1 e Tatuquara
concentram as maiores proporções de domicílios sem banheiro,
respectivamente 21,4% e 10,3%.

Considerando índices como esses, não é de se estranhar o que revela outra


reportagem veiculada pelo Jornal, em setembro de 2008. A matéria mostra a
determinância que a extrema desigualdade entre ricos e pobres exerce nos altos
índices de drogadição e violência de uma comunidade. Segundo os dados, uma
pesquisa desenvolvida pela Rede de Informação Tecnológica Latino-Americana
(Ritla), revelou ser a capital paranaense um dos sete municípios mais violentos do
Brasil. Não por coincidência ao Tatuquara também são atribuidos títulos não tão
notáveis. É de senso comum a constatação de que o bairro é o mais pobre da
metrópole, além de ser também um dos mais violentos (FERNANDES, 2008).
78

Uma terceira reportagem divulgada pelo veículo revela ainda que a região de
quase 50 mil habitantes, apresenta um crescimento anual de apenas 3,8% ao ano, e
que sua renda média em 2008 foi de apenas R$ 809,93 - a terceira mais baixa
dentre os 75 bairros de Curitiba (FERNANDES, 2008).
Certamente, constatações como essas podem funcionar como agravantes
ainda maiores aos já citados preocupantes índices que aquela comunidade
apresenta. Quando reunidas, ainda, a outro dado que revela, por exemplo, que,
mesmo sendo o bairro mais pobre da capital, o crescimento populacional do
Tatuquara alcança hoje índices em torno de 4% - algo próximo de 2 mil pessoas ao
ano – os fatos parecem se tornar ainda mais graves.
A crítica mais ferrenha direcionada à Prefeitura de Curitiba, como mostra a
reportagem, defende que a maioria dos problemas da capital vêm sendo
direcionados àquela região, fato esse que desrespeita o próprio Estatuto da
Cidade, cuja proposta seria, justamente, integrar diferentes camadas da população
em diversos lugares, ao invés de segregá-las a áreas longínquas e sem estrutura.
Considerando tais fatores, torna-se inegável a constatação de que apesar de
Curitiba ainda hoje fornecer uma relativa qualidade de vida a seus habitantes em
comparação às demais metrópoles brasileiras, a capital paranaense parece estar
longe de adequar-se àquele preconizado modelo mundial de planejamento urbano,
cuja construção teve as origens mais remotas na década de 30, e se consolidou ao
longo dos anos através das diferentes alcunhas que recebeu. O que se identifica
hoje é o espaço dual que se tornou a cidade: enquanto a imagem da região central
sobrevive baseada nos ícones e nas tradições criadas na era Lerner, determinadas
mazelas urbanas se denunciam até aos observadores menos atentos partícipes
desse espaço, revelando problemas intrínsecos a qualquer grande metrópole.
Dessa forma, sobra para a população residente nesse último espaço a autonomia
para se organizar como possível, sobrevivendo de maneira precária, autônoma e
carente de assistências básicas.
O trecho a seguir, compreende o ponto de vista defendido pela autora Maria
Tarcisa Silva Bega, em seu artigo de título Região Metropolitana de Curitiba e as
Mobilizações Populares: análise de algumas experiências recentes, no qual defende
o predomínio dos interesses financeiros e especulativos do governo nas formas de
ocupação dos espaços urbanos e como esse fator atua na segregação e ocupação
determinada de espaços (BEGA,1999, p. 39).
79

[...] Isso mostra como Curitiba, em que pesem as reconhecidas ações de


planejamento urbano, está submetida ao padrão brasileiro dominante, no qual
a lógica capitalista de posse da terra urbana e de oferta de serviços públicos
acaba produzindo formas segregadoras de ocupação do território.Para fazer
frente a tal processo, cada grupo social reage de acordo com sua forma de
organização e mecanismos de inserção no espaço de negociação política. [...]
Por isso, embora o crescimento da população favelada em Curitiba se dê de
forma mais lenta que em outras capitais brasileiras, ele é constante, surgindo,
já no final da década de 70, um visível movimento associativista, buscando
legalizar a posse da terra.

4.7 FACILITADORES DA FAVELIZAÇÃO E INCLUSÃO DIGITAL COMO


MECANISMO DE INTEGRAÇÃO DAS COMUNIDADES

Tendo em vista a defesa da exposição de Bega e considerando ainda o


argumento levantado pela última reportagem que relembra a proposta original do
Estatuto da Cidade: integrar as diferentes camadas da população ao invés de
segregá-las em áreas sem estrutura, vale citar aqui um estudo que reitera essa
necessidade, analisando que está, justamente, no fator segregacional, a maior
mecanismo motivador da formação dos núcleos de favelamento (NIGRO, 2005, p.
14).

[...] A favela precisa ser observada sob um olhar do desenho urbano,


consequência de um fenômeno urbano, e não ser tradada com total
isolamento. A análise sintática dessa linguagem não verbal está atrelada à
conscientização dos processos inter relacionados e não à conscientização
da resultante final.

O estudo faz ainda uma analogia entre a existência das favelas nos espaços
urbanos e a ocorrência de um câncer em um organismo vivo (NIGRO, 2005, p. 16).
Segundo a análise, a favelização age nas metrópoles como um “câncer que mina o
espaço urbano bem como a doença mina as células do corpo humano”. Dessa
forma, considera que os núcleos de favelamento causam espanto e desconforto para
quem observa, não tanto pela existência de seus favelados, mas sim pelo
80

subproduto que apresenta: a desconstrução, desmistificação, e degeneração das


metrópoles. Tais características denunciam, da maneira mais declarada possível, a
vulnerabilidade da cidade e das “relações desconstrutivistas entre o formal e o
informal, entre a cidade consumida e o que restou dela (NIGRO. 2005, p. 9).
Para Nigro, o desafio da solução para esse tumor social está na possibilidade
de implantação de ações viáveis capazes de minimizar e reter o desencadeamento
desse processo dos municípios. Para tanto, algumas soluções consideradas simples
podem ser aplicadas nos espaços. São elas.

[...] Interesse fomento e aprimoramento em pesquisas que leiam e


decodifiquem favelas, proporcionando subsídios específicos para análise e
interpretação dos fatores intervenientes nos processos causadores; [...]
Aproximação científica das diferenças culturais e multisetorias presentes
nas diversas áreas do conhecimento que atuam na gestão urbana; [...]
Rearranjos institucionais visando atender as demandas sociais
customizadas a favor da consciência sobre a urgência da gestão urbana
preventiva, especificamente quanto às favelas. [...] Favorecimento das
potencialidades e talentos humanos menos favorecidos por intermédio de
políticas públicas estruturantes.

No que se refere ao último tópico, vale destacar o argumento defendido por


Giacomini, que explica ser “necessário buscarmos olhar sempre mais a totalidade da
vida do favelado para podermos compreender a injustiça desse tipo de habitação
que serve de sustentáculo a toda uma rede de outros fatores de injustiça social”
(GIACOMINI, 1993, p.24 apud NIGRO, 2005, p. 35).
Para tanto, e não por acaso, é que a proposta de ambos os produtos a serem
desenvolvidos no trabalho e mais bem detalhados em capítulos posteriores,
apresentam como finalidade principal a observação atenta e investigativa acerca
dessas referências. Permitir com que os moradores da comunidade do Tatuquara se
percebam como cidadãos participantes e agentes transformadores da realidade em
que vivem, é o objetivo maior do projeto. A fim de melhor detalhar uma das
ferramentas utilizadas para alcançar esse fim, faz-se necessário a seguir, uma
abordagem específica do espaço das tecnologias de comunicação como mecanismo
facilitador de mobilização e integração social nas comunidades.
81

5 WEBJORNALISMO

O desenvolvimento de novas tecnologias de comunicação, como a Internet,


promoveu mudanças na produção e distribuição de conteúdo jornalístico destinado
às massas. O modelo um para muitos passa a ser substituído por um sistema não-
hierárquico de troca de informações. O receptor passa a ter papel fundamental no
webjornalismo atual, que tem como principais características a interatividade, a
multimidialidade, a hipertextualidade, a personalização de conteúdo, a memória, a
instantaneidade do acesso e a atualização contínua.
A partir desta reflexão pretende-se, neste capítulo, analisar o desenvolvimento
do webjornalismo no Brasil, bem como a crescente participação do internauta no
processo de produção de notícias. Em um segundo momento, estuda-se o
desenvolvimento de webjornais hiperlocais e participativos considerando-os como
uma tendência atual para o jornalismo online.
Desta maneira, propõe-se pesquisar sobre as características e resultados dos
sites, hiperlocais e participativos, Ruas Digitais e Viva Favela, ambos produzidos por
comunidades específicas com auxílio de profissionais jornalistas. Em seguida,
discute-se a construção de um webjornal hiperlocal e participativo no bairro
Tatuquara, desenvolvido com alunos de uma escola estadual da região.
O presente capítulo utiliza-se de pesquisa bibliográfica para tratar sobre o
jornalismo na Web, o hiperlocalismo e a participação ativa da audiência na produção
jornalística online. Para tanto, são utilizados estudos e opiniões de Pollyana Ferrari,
José Benedito Pinho, Luciana Mielniczuk, Suzana Barbosa, Pierre Lévy, Marcos
Palacios entre outros.
Em seguida, realiza-se uma sondagem de tendência especificamente voltada
para os sites Ruas Digitais e Viva Favela, com intuito de estabelecer semelhanças e
diferenças entre os produtos existentes no mercado e o webjornal proposto neste
trabalho.
Vale ressaltar que o objetivo maior deste jornal online é revelar a identidade
desse bairro sob a ótica de jovens estudantes que são incentivados a serem agentes
transformadores da sociedade em que vivem e cidadãos conscientes de sua
individualidade e papel social, visto que a produção das notícias se fundamenta na
busca da imparcialidade e prioriza conteúdos de relevância social.
82

5.1 WEBJORNALISMO NO BRASIL

O jornalismo brasileiro passou por profundas transformações, a partir de


1995, devido à abertura comercial da Internet no país. Neste período, os jornais
começaram a oferecer seus conteúdos online. De acordo com Pinho (2003, p. 114) a
primeira iniciativa foi do Grupo O Estado de S. Paulo que, em fevereiro daquele ano,
colocou a Agência Estado na Internet. Na sequência, o Jornal do Brasil se destacou
como o primeiro veículo a realizar uma cobertura completa no espaço virtual.
Desde então, ocorreram inúmeras tentativas para desenvolver produtos
adequados ao meio e ao público-alvo (MIELNICZUK, 2003, p. 6). No início os jornais
reproduziam os conteúdos publicados em papel para a versão online, este período
do jornalismo na Internet foi denominado transpositivo. As informações eram
atualizadas de acordo com o fechamento das versões impressas, a cada 24 horas,
conforme explica Mielniczuk (2001, p. 2).
A segunda fase foi marcada pela tentativa de explorar as características
oferecidas pela rede, recebendo o nome de metáfora. Recursos como e-mail e
fóruns de debates passaram a ser utilizados para estreitar as relações entre
jornalistas e leitores (MIELNICZUK, 2001, p. 2).
A cópia do impresso, no entanto, ainda prevalecia. Para McAdams (1995,
apud BARBOSA, 2001, p. 7) “a metáfora seguida sempre foi a do jornal impresso:
seja na linguagem, na divisão por editorias, na forma de apresentação das telas
principais dos sites (...) e na própria utilização da palavra 'jornal'”.
Aos poucos, a paisagem começa a modificar-se na medida em que os sites
noticiosos passaram a criar conteúdos adequados e criativos, tendo como base os
recursos da World Wide Web, que segundo afirma Pinho (2003, p. 33) é a parte mais
importante da Internet, pois permite acesso a um espaço multimídia da rede.
No terceiro estágio do jornalismo na Internet percebe-se que as publicações
digitais preocupam-se em produzir conteúdos exclusivos, que ficam de fora da
edição de papel. Para Manta (2010):
83

As melhores publicações digitais hoje vão além da simples transposição do


conteúdo editado em suas versões impressas e disponibilizam dados e
informações complementares que ficaram de fora da edição em papel, além
de matérias exclusivas para a Web com links para outros sites, áudio,
vídeos, animações e outros elementos de multimídia.

A evolução da Internet tornou o webjornalismo um mercado em ascensão


para as empresas de comunicação e trouxe novas tendências para a atividade dos
jornalistas e internautas, estes são classificados por Lévy (1999, p. 85) como
navegantes de caçada e de pilhagem. O primeiro termo refere-se ao leitor que
possui interesse em uma informação precisa, a qual deseja obter o mais
rapidamente possível, enquanto o navegador de pilhagem não sabe exatamente o
que está procurando podendo desviar-se a qualquer instante, de acordo com suas
necessidades.
Ferrari (2004, p. 28) enfatiza que, a partir de 1997, os grandes sites de
conteúdos brasileiros passaram a priorizar o volume de notícias em detrimento do
aprofundamento da matéria, antes muito praticado. Para Barbosa (2001, p. 3) a
busca por informação, como notícias e pesquisas, induz as pessoas a acessarem a
rede mundial. De acordo com dados divulgados pelo Comitê Gestor da Internet no
Brasil, que realiza pesquisas sobre o acesso e o uso de Tecnologias da Informação e
Comunicação, verifica-se que em 2009, o percentual de internautas brasileiros,
residentes na área urbana, que utilizaram a rede para ler jornais e revistas foi de
45%.

5.1.1 Características do webjornalismo

Como características próprias deste meio de comunicação que atraem e


conquistam os internautas destacam-se interatividade, multimidialidade,
hipertextualidade, personalização, memória, instantaneidade do acesso e
atualização contínua, conforme indica Palacios (2003, p. 2).
Os elementos citados modificaram o modo de produção, comercialização e
consumo da informação jornalística. De acordo com Lima (2003) um novo ambiente
84

comunicacional surgiu na medida em que a informação passou da forma analógica


para digital, transformando o jornalismo tradicional. Para Alves (2006, p. 95, grifo do
autor) “a web representa uma mudança de paradigma comunicacional muito mais
ampla que a adição de um sentido. Ela oferece um alcance global, rompendo
barreiras de tempo e espaço como não tínhamos visto antes”.
A interatividade é um dos elementos que caracterizam o webjornalismo, pois a
Internet possibilita diversas formas de concretização desta prática, seja por meio de
fóruns de discussão com jornalistas, da disponibilização de comentários e opiniões
dos leitores e até mesmo pela troca de e-mails entre emissores e receptores, como
descrevem Bardoel e Deuze (2000, apud PALACIOS, 2003, p. 3-4). Pinho (2003, p.
54) reforça que “na Internet, a organização não está falando para uma pessoa, mas
sim conversando com ela”.
Em conformidade com Machado (1997, apud PALACIOS, 2003, p. 4) entende-
se que a interatividade ocorre, também, quando o leitor navega pelo texto multimídia,
decidindo o caminho que pretende percorrer na notícia.
O conceito de multimidialidade refere-se à concentração dos formatos das
mídias convencionais como texto, imagem e som na construção do fato jornalístico.
Palacios (2003, p. 3) considera que a convergência torna-se possível devido ao
processo de disponibilização da informação em múltiplas plataformas e suportes que
constituem uma situação de agregação e complementaridade.
Esta característica diferencia os jornalistas online dos demais, pois os
repórteres de mídia impressa, por exemplo, priorizam a informação e os de TV
buscam sons e imagens emocionantes.

Já os jornalistas on-line precisam sempre pensar em elementos diferentes e


em como eles podem ser complementados. Isto é, procurar palavras para
certas imagens, recursos de áudio e vídeo para frases, dados que poderão
virar recursos interativos e assim por diante (FERRARI, 2004, p. 48).

Outro elemento importante no texto da Web é o hipertexto que possibilita a


interconexão de textos, sons, fotos, vídeos, por meio de links (PALACIOS, 2003, p.
4). “Em um sistema de hipertexto, cada documento vai conter um ou mais links para
outros, possibilitando ao usuário construir sua própria trajetória em busca das
85

informações que lhe interessam” (MANTA, 2010). Os sites, portanto organizam a


informação de forma não hierarquizada, compondo uma rede com inúmeras
conexões que apontam para textos complementares e sites relacionados ao mesmo
assunto. Ferrari (2004, p.45) defende que o jornalismo na Internet vai além da
produção e publicação de notícias na rede, pois inclui o planejamento de assuntos e
serviços correlatos à reportagem jornalística, como enquetes, chats, vídeos e áudios.
Para atender ainda mais aos interesses individuais dos leitores, há sites
noticiosos que permitem a personalização de conteúdos. Esta alternativa fornece
vantagens ao receptor como a pré-seleção dos assuntos, a escolha do formato de
apresentação visual do endereço eletrônico, bem como a assinatura de newsletters,
que consistem no envio de um e-mail contendo informações produzidas por
determinado site jornalístico (CANAVILHAS, 2010; PALACIOS, 2003, p. 4).
Referindo-se à perenidade da informação na Web, percebe-se que esta é
muito maior do que nas outras mídias, uma vez que a acumulação de informações
na rede mundial é mais viável técnica e economicamente, conforme aponta Palacios
(2002). Este arquivamento online permite a construção da memória das notícias, que
podem ser recuperadas tanto pelo emissor quanto pelo receptor, diferentemente do
que acontecia.
As últimas características citadas que são a instantaneidade do acesso e a
atualização contínua, tornam a Internet um meio de comunicação ágil e atrativo. A
enorme quantidade de informações – em formatos de texto, áudio, vídeo ou imagens
– que são veiculadas em sites de conteúdos jornalísticos, bombardeiam o internauta
24 horas por dia e sete dias por semana (FERRARI, 2004, p. 77). Para Toldo e
Gonçalves (2008):

A instantaneidade é conseguida pela junção das possibilidades dos recursos


tecnológicos digitais e de redes que proporcionam agilidade e facilidade na
produção e distribuição das informações. A rapidez pode ser verificada na
atualização dos conteúdos que são recebidos em tempo real pelos
usuários-leitores.

As características apontadas refletem as potencialidades oferecidas pela


Internet ao jornalismo, conforme sugerem os autores citados. Desta forma percebe-
se que as diferenças entre a prática jornalística nos meios convencionais (rádio, TV
86

e impressos) e na Internet permitem que cada mídia apresente uma linguagem


própria e única.

5.2 WEBJORNALISMO HIPERLOCAL E PARTICIPATIVO

Os sites de conteúdos locais surgiram em 1998 nos Estados Unidos, e no ano


seguinte começaram a despontar no Brasil, de acordo com Barbosa (2001, p. 12).
Como exemplos destes estilos de websites pode-se citar o Uai de Minas Gerais e o
iBahia que é voltado ao mercado de Salvador. Para a autora os portais locais
convivem sem concorrer com os grandes portais, fornecendo para eles, em alguns
casos, conteúdos de áreas específicas.
Esse tipo de jornalismo que busca “o princípio da proximidade da informação
com determinado público” (BARBOSA, 2001, p. 13), representa uma tendência para
o jornalismo online. A linguagem que utilizam é considerada como híbrida por
Barbosa (2001, p. 12), uma vez que mesclam o jornalismo diário com o semanal,
mantendo notícias produzidas em tempo real ao lado de informações que duram
mais tempo no ar, as quais se aproximam do jornalismo de revista.
Além disso, utilizam-se de hipertextos e espaços de interatividade com o leitor
- como a seção “comente esta matéria” e a opção de dar notas a textos ou eventos
publicados no site – demonstrando, desta forma, que os portais locais adotaram
características que compõem a linguagem jornalística na Web.
Outra inovação que vem ganhando destaque na Internet é o jornalismo
participativo, que para Fonseca e Lindemann (2007, p. 86) significa “uma prática em
que qualquer cidadão pode se tornar repórter, redigindo matérias e/ou enviando
fotografias, áudios ou vídeos que são veiculados em sites abrigados na rede mundial
de computadores”. Desta forma a Web transforma-se em um espaço plural de
comunicação onde a prática jornalística é reconfigurada tornando-se mais
democrática e participativa.

A Internet oferece um suporte descentralizado e aberto para a comunicação,


transformando cada indivíduo em um produtor de conteúdo em potencial e
favorecendo a cooperação. Sobre esta base, surgem projetos jornalísticos
87

em que o público é convidado a interferir diretamente no processo noticioso


(...). Assim, entende-se que o webjornalismo participativo pode contribuir
para o avanço da democracia, assumindo um papel complementar ao
jornalismo profissional (TRÄSEL, 2007, p. 6).

Os motivos que influenciaram a formação da cultura colaborativa na rede


mundial, de acordo com Anderson (2006, apud MALINI, 2008, p. 4) são: a
democratização das ferramentas de produção - como, por exemplo, o acesso ao
computador pessoal que fez aumentar a oferta de produção de conteúdo - e a maior
facilidade na distribuição da informação, uma vez que “o PC transformou todas as
pessoas em produtores e editores, mas foi a Internet que converteu todo o mundo
em distribuidores” (ANDERSON, 2006, apud MALINI, 2008, p. 5).
A crescente participação do usuário no jornalismo online antecipa uma
tendência no âmbito do jornalismo contemporâneo: a emergência do cidadão-
repórter que pratica o jornalismo cidadão ou participativo (GILLMOR, 2005, apud
MALINI, 2008, p. 9). O cidadão-repórter produz informações, pois deseja que sejam
realizadas melhorias no local onde mora, visando, por exemplo, “que seu bairro
esteja limpo, que a prefeitura proporcione melhor atendimento, que o professor
ensine com mais dedicação ou que a coleta de lixo seja mais organizada e eficiente”
(VARELLA, 2007, apud MALINI, 2008, p. 10).
Percebe-se que nesse contexto o jornalismo insere-se como uma narrativa
local, dando origem a um novo conceito denominado jornalismo hiperlocal.

A dimensão hiperlocal no jornalismo (já que ele é sempre local), refere-se,


em primeiro lugar, a informações que são oferecidas em função da
localização do usuário (sobre o bairro, a rua, etc.) e, em segundo lugar,
pelas características pós-massivas desse novo jornalismo onde qualquer
um pode ser produtor de informação. Essa é uma das tendências atuais do
jornalismo: vinculação de notícias cruzando diversas fontes, oficiais,
profissionais e cidadãs à geolocalização (LEMOS, 2009, p. 12).

Esse formato jornalístico, voltado para a cobertura de comunidades sociais,


começa a ser explorado pelos grandes jornais. Um exemplo é o The New York
Times que lançou recentemente um site local destinado a cobrir bairros de Nova
Iorque, usando as informações fornecidas pelos leitores e moradores como principal
matéria-prima, conforme aponta Castilho (2009).
88

O objetivo dos veículos ao optarem pela cobertura comunitária é resgatar o


interesse do público pela notícia. Além disso, o custo deste tipo de cobertura
jornalística é caro para ser realizado apenas por profissionais jornalistas. Outro fator
que justifica essa relação de colaboração entre emissores e receptores é
apresentado por Castilho (2009).

As comunidades sociais são um manancial de conhecimentos essenciais


na formulação de programas públicos para saúde, educação, moradia,
segurança e transporte, capazes de contrabalançar a tendência dos
burocratas de produzir projetos de escritório. É o chamado conhecimento
tácito que necessita ser transformado em conhecimento explicito por meio
da comunicação, num processo onde o jornalismo pode ter um lugar
predominante (CASTILHO, 2009, grifo do autor).

É importante destacar que existem experiências atuando de forma


independente dos grupos tradicionais de mídia, utilizando-se do modelo aberto –
sem a presença de jornalistas profissionais – ou do modelo híbrido, no qual a notícia
é produzida por usuários e jornalistas em conjunto. A maior parte desses produtos,
no entanto, institui-se em mecanismos de auto-organização promovendo a livre troca
do saber (MALINI, 2008, p. 13).
Podem-se citar como exemplos os sites Viva Favela e Ruas Digitais que
desenvolvem coberturas jornalísticas hiperlocais e participativas em comunidades
específicas.

5.3 VIVA FAVELA 2.0 – A SUA COMUNIDADE NA INTERNET

O site Viva Favela divulga notícias sobre os moradores das favelas do Rio de
Janeiro, baseando-se em três objetivos principais: a inclusão digital, a
democratização da informação e a redução da desigualdade social. A característica
que diferencia este site é a sua equipe, composta por jornalistas e correspondentes
comunitários, como são chamados os residentes de favelas e bairros da periferia
capacitados para atuar nas suas próprias comunidades como repórteres, fotógrafos
e produtores de conteúdo multimídia.
89

O site define-se como um “espaço democrático para a difusão de conteúdos


com foco nas comunidades de baixa renda do Brasil” (VIVA FAVELA, 2010). O foco
editorial do site é o cotidiano destas comunidades, bem como assuntos relevantes
para as pessoas que vivem em favelas, periferias e bairros populares em geral.
O Viva Favela é um projeto criado pela Organização Não Governamental
Movimento Viva Rio que há 16 anos trabalha em prol da cultura da paz e do
desenvolvimento social. O site é alimentado por 393 correspondentes comunitários,
entretanto o caráter jornalístico e a linha editorial, que determinam o foco das
notícias, são definidos por jornalistas profissionais. O projeto é voltado também para
a formação destes cidadãos-repórteres que recebem capacitação por meio de
oficinas, nas quais são utilizadas tecnologias da informação e comunicação.
Os principais links que compõem o site são: Matérias, Vídeos, Imagens,
Áudios, Redação Virtual (editores convidados, sugestões de pauta, reunião ao vivo),
Agenda e Serviços, + Recente e + Votadas. Neste ano, o projeto está realizando
parcerias em âmbito nacional com o intuito de que outros programas possam
aproveitar a experiência da equipe na formação de comunicadores.

5.4 RUAS DIGITAIS

A ideia que motiva a existência do site Ruas Digitais é a de dar voz a


moradores em situação de rua, oferecendo informações de pessoas desaparecidas,
bem como histórias de vida e denúncias. O projeto foi desenvolvido, em 2009, pelos
alunos de jornalismo das Faculdades Integradas Alcântara Machado (FIAM),
Guilherme Giuntini, Leandro Gomes e Amália Mazloum, como trabalho de conclusão
de curso.
O diferencial desse site é que são os próprios moradores de rua que
atualizam as informações. Para participar é necessária a realização de um cadastro
no próprio site. Desta forma, o projeto garante visibilidade aos desabrigados além de
proporcionar resgate da auto-estima destas pessoas que encontraram no site uma
ferramenta para a sua reinserção social.
O site promove também um trabalho de inclusão digital em parceria com o
programa Acessa São Paulo, do Governo de São Paulo, que tem por objetivo
90

oferecer para a população o acesso à Internet. De acordo com Giuntini (2010) no


princípio muitos participantes sentem medo do mouse ou acham que o computador
pode explodir, mas quando aprendem a usar “ficam quase viciados” (GIUNTINI,
2010) e não abandonam mais o site.
Os moradores de rua usam frequentemente o site para fazer currículos,
denunciar casos de preconceito e buscar notícias. A participação deles no Ruas
Digitais é efetivamente ativa, uma vez que além de produzirem conteúdo os usuários
também sugerem ideias como a seção Desaparecidos, na qual são divulgadas
informações sobre pessoas desaparecidas.
A estrutura do site é simples e constitui-se por divisões como: Publicações
(artigos, críticas, debates, depoimentos, diversos, entrevistas, filosofias, notícias);
Desaparecidos, Cursos, Empregos, Eventos, Guia, Multimídia (galeria
fotos/imagens, podcast, webtv) e Sobre (apresentação, blog, equipe, fale conosco,
ouvidoria, parceiros, patrocinadores).
Desde o seu surgimento, em novembro do ano passado, o site recebeu
visibilidade na mídia estando presente no Jornal O Estado de S. Paulo, na revista
Veja São Paulo e Info Online, bem como em blogs como Coisas de Sampa e em
matéria realizada pela Tv Futura.

5.5 WEJORNALISMO PARTICIPATIVO NO BAIRRO TATUQUARA

O webjornal proposto para o bairro Tatuquara se assemelha aos projetos


citados anteriormente, especialmente no que se refere à participação ativa do
público-alvo no processo de produção e veiculação de notícias, entretanto a idéia é
inédita em alguns aspectos.
A metodologia adotada para realização do site jornalístico é o maior
diferencial do trabalho, pois a parceria entre os estudantes de jornalismo e os
professores da escola participante é fundamental para o desenvolvimento das
oficinas que darão origem ao webjornal. Esta atividade será realizada uma vez por
semana com alunos de 13 a 15 anos residentes no bairro Tatuquara. O
webjornalismo, em função de usar a plataforma web, fomenta mais ainda o espírito
91

democrático e descentralizado da comunicação.


92

7 JORNALISMO LITERÁRIO E LIVRORREPORTAGEM COMO INSTRUMENTOS


PARA CONHECER O TATUQUARA

O gênero jornalismo literário, utilizado em livrorreportagens, aproxima a


população do tema retratado, pelo fato de apresentar uma abordagem muito mais
profunda das reportagens do que outros veículos impressos convencionais, como
jornais ou revistas. O casamento entre esses dois estilos é antigo. Na época em que
não existiam jornais, quando acontecia um fato marcante, os cronistas
protagonizavam o papel de repórteres e registravam a história.
No caso do bairro Tatuquara, o livrorreportagem permite que a população
conte suas histórias e aprofunde o conhecimento do público sobre a formação da
identidade daquela região, assim como revela aos leitores a sua origem e realidade
atual, com todos os problemas sociais, econômicos e culturais que cercam o
Tatuquara e seus moradores.

7.1 JORNALISMO LITERÁRIO

Um dos primeiros centros de estudo a realizar uma sistematização do


jornalismo em gêneros foi a Universidade de Navarra, na Espanha, a partir de 1959.
Num primeiro momento os documentos foram divididos em quatro gêneros:
informativo, opinativo, explicativo e de entretenimento. Em seguida Hector Borrat,
pesquisador catalão, sugeriu que essa divisão fosse realizada em narrativos,
descritivos e argumentativos.
No Brasil dois estudiosos propuseram uma nova divisão dos textos
jornalísticos. O primeiro a sugerir esta classificação foi Luiz Beltrão, precedido pelo
professor José Marques de Mello. Ambos se basearam nos seguintes critérios:
finalidade; estilo; modos de escrever; natureza do tema e articulações interculturais.
Para essa categorização eles também levaram em conta o contexto sociopolítico, as
correntes de pensamento vigentes, a geografia, os modos de produção e a cultura.
93

O jornalismo literário é um gênero que une a literatura ao jornalismo. Apesar


de todas as divergências entre os dois estilos, eles têm uma coisa em comum:
ambos utilizam a palavra escrita para se expressar. Segundo o autor Antonio Olinto
(1955, p. 3) “o jornalismo tem, fundamentalmente, as mesmas possibilidades que a
literatura, de produzir obras de arte”.
O mesmo autor diz ainda que entre a palavra jornalística e a palavra literária
“não existe uma diferença técnica, a não ser em espécie e intensidade” (OLINTO,
1955, p. 5). Mas essa mesma diferença separa também as várias formas de
literatura, como contos, poemas e romances. O imediatismo e a efemeridade
colaboram para aumentar a distância entre o jornalismo e a literatura.
Outro ponto de separação do jornalismo e da literatura é a opinião. A maioria
das obras literárias, ao contrário de reportagens, parecem não conter um teor
opinativo. Já o jornalismo diário o contém, e o utiliza para combater as mazelas da
vida cotidiana, como corrupção, violência e pobreza.
Uma interseção entre o jornalismo e a literatura, além do uso da palavra, está
na realidade que ambos utilizam como base. A reportagem é fixada na realidade
atual, e a literatura, de ficção ou não, se baseia também na realidade atual ou ainda
nas possíveis realidades existentes ou inexistentes no mundo.
Mesmo com essas diferenças, a união do jornalismo com a literatura é capaz
de produzir reportagens com uma profundidade que vai além das abordagens
utilizadas em jornais impressos, revistas, televisão ou rádios. O aprofundamento traz
ao leitor um conhecimento maior sobre o tema e a capacidade de refletir sobre o
assunto, junto com o autor.
De acordo com a divisão de Ciro Marcondes Filho, em seu livro Comunicação
e jornalismo: a saga dos cães perdidos (2000), a história do jornalismo é dividida em
cinco momentos. Para ele, a influência da literatura na imprensa acontece entre os
anos de 1789 e 1900, no que ele chamou de primeiro e segundo jornalismos. Nesse
período os jornais estavam tomados por escritores de prestígio, que além de
controlar as redações, ditavam a linguagem.
No Brasil, o nascimento da interação entre esses dois gêneros se deu em
1808, com a chegada da família real ao país. Antes dessa data havia a proibição de
imprimir e circular periódicos aqui, com o medo de que isso gerasse idéias
94

libertárias. Assim, quando a permissão de produzir obras impressas chegou, o


jornalismo e a literatura se desenvolveram juntos.
Num primeiro momento a literatura encontrava espaço nas páginas dos
jornais, mais precisamente nos folhetins. Nessa época os jornais não tinham a
preocupação de publicar notícias, eram apenas um compilado de idéias e opiniões
ladeados por textos literários, muitos deles, obras de jornalistas.
Outro ponto de interseção entre a imprensa e a literatura, é o conceito de
Novo Jornalismo. O autor Felipe Pena conta em seu livro Jornalismo Literário
(2008), que, segundo o professor Carlos Rogé (2004), esse termo foi usado pela
primeira vez em 1887, de forma irônica, para definir a reportagem inédita feita pelo
repórter britânico WT Stead. Em uma de suas produções, para demonstrar o
problema da prostituição infantil existente na época, ele comprou uma garota de 13
anos de sua mãe, o que lhe rendeu dois meses na prisão. Seus concorrentes, o
considerando uma pessoa inconseqüente, o chamaram de novo jornalista, que para
eles significava uma pessoa irresponsável.
O modo de produção do Novo Jornalismo consistia em ir na contramão do
que os jornais faziam. Abandonar o lead, a teoria da pirâmide invertida e a
linguagem rápida e concisa dos periódicos, era a proposta dos novos jornalistas, que
estavam insatisfeitos com a efemeridade das notícias.

[…] Enfim, era uma espécie de “voto de protesto” contra a ditadura do lead
e da pirâmide invertida. Se o modelo e até o nome já haviam sido
empregado antes, foi só a partir da metade do século que o New Journalism
alcançou notoriedade. A ponto de, até hoje, ser tratado como um produto
típico da década de 1960 (BELO, 2006, p. 24-25).

Na década de 1960 surge o conceito de Novo Jornalismo contemporâneo,


nos Estados Unidos, em meio à insatisfação dos repórteres com as regras muito
rígidas para escreverem suas reportagens. O lead restringia a criatividade desses
profissionais, os obrigando a começarem seus textos com as respostas das
perguntas básicas que os leitores fariam.
95

Nessa década, mais precisamente em 1965, que Truman Capote publicou, na


revista The New Yorker, um dos livrorreportagens mais conhecidos, A Sangue Frio.
Após seis anos de pesquisa o autor pode relatar o assassinato de uma família no
interior do Estado do Kansas, nos Estados Unidos. Apesar de ter sido considerada
sensacionalista pela crítica, a obra foi publicada numa série de quatro reportagens e
três meses depois já era um livro.
Apesar de toda a liberdade de expressão que o Novo Jornalismo sugere aos
seus repórteres, Tom Wolfe registrou quatro preceitos básicos para esse movimento.
São eles: reconstruir a história cena a cena; registrar diálogos completos, apresentar
os acontecimentos da perspectiva de várias pessoas e registrar gestos, roupas,
hábitos e outras características marcantes dos personagens.
Para inovar, surgiu o conceito de Novo Jornalismo Novo, que diferente do
primeiro movimento, prima pela abordagem de situações do dia-a-dia, assumindo
um papel de contestação e questionamento das situações e apresentando soluções
para elas. O novo jornalista novo tem um envolvimento maior com os fatos e com os
personagens, com um tom informal, em que a maior preocupação é a aproximação
com a linguagem que grande parte da população usa. Mesmo que esta nova
definição tenha diferenças em relação a sua antecessora, os quatro preceitos
básicos definidos por Wolfe continuaram a valer.
A experiência com jornalismo literário na Brasil começou em 1928, com a
revista O Cruzeiro. Este periódico começou com pouco destaque entre as outras
publicações, mas a partir da década de 1940 passou a investir mais tempo e
dinheiro nas reportagens. A dupla responsável pelo sucesso foi o fotógrafo francês
Jean Manzon e o repórter David Nasser. Os dois eram conhecidos por utilizar meios
não convencionais nas suas apurações. Forjavam algumas entrevistas, alteravam o
conteúdo de outras e até abusavam da ingenuidade das pessoas mais humildes.
Na década de 1950, O Cruzeiro desacelerou o seu sucesso. Após uma
drástica mudança na questão ética da revista, a fama crescente que o rádio estava
conquistando no Brasil e, principalmente, a televisão que surgia, a revista acabou
por tornar-se ultrapassada em meados dos anos de 1970.
Uma inovação na linguagem jornalística acontecia em 1960, o nascimento da
revista Realidade. Esse periódico investia muito mais tempo e dinheiro nas
96

reportagens, além de dar maior liberdade de enfoque aos seus jornalistas. As suas
publicações inauguravam a fase da reportagem-conto, com maior profundidade e
concomitantemente muita leveza ao tratar os assuntos.

Era época, também, da reportagem participativa. O jornalista descrevia uma


situação real pela qual havia passado – experiência que os próceres do new
journalism empregavam fartamente. [...] Mas a capa mais marcante da
revista foi o relato do correspondente de guerra José Hamilton Ribeiro,
raríssimo profissional, hoje com mais de meia década de reportagem. Ele
havia sido designado para descrever in loco a guerra do Vietnã, em 1968.
Perdeu parte da perna esquerda ao pisar em uma mina terrestre (BELO,
2006, p. 30, grifos do autor).

Esse periódico investia muito mais tempo e dinheiro nas reportagens, além de
dar maior liberdade de enfoque aos seus jornalistas. As suas publicações
inauguravam a fase da reportagem-conto, com maior profundidade e
concomitantemente muita leveza ao tratar os assuntos.

7.1.1 Livrorreportagem

O livrorreportagem é um veículo de comunicação que aborda seu tema com


mais amplitude e liberdade editorial do que outros periódicos. Para Muniz Sodré
(1986), o livrorreportagem pode ser a junção de textos já publicados em jornal,
desde que mantenham uma relação, como de tema ou autor, ou também um
trabalho jornalístico realizado justamente para um livro.
No livro Páginas Ampliadas – o livro-reportagem como extensão do jornalismo
e da literatura (2009), Edvaldo Pereira Lima confere ao livrorreportagem o seguinte
conceito:

Veículo de comunicação jornalística não-periódica, o livro-reportagem é um


produto cultural contemporâneo, bastante peculiar. De um lado, amplia o
trabalho da imprensa cotidiana, como que concedendo uma espécie de
sobrevida aos temas tratados pelos jornais, pelas revistas, emissoras de
rádio e televisão. De outro, penetra em campos desprezados ou
97

superficialmente tratados pelos veículos jornalísticos periódicos,


recuperando para o leitor a gratificante viagem pelo conhecimento da
contemporaneidade.

Este veículo de comunicação utiliza a linguagem do jornalismo literário, ou


Novo Jornalismo, porém se difere de outros livros basicamente por três
características: sua linguagem, que apesar de ser literária tende a ser objetiva e
concisa; seu conteúdo, pois trata de acontecimentos não-ficcionais; e a sua função,
já que é uma publicação jornalística adota a característica inerente a ela, a de
informar.
O que forma este gênero de livro é a reportagem, que se caracteriza como
“uma extensão da notícia e, por excelência, a forma narrativa do veículo impresso”
(SODRÉ, 1986, p. 11). Aliando essa reportagem com a profundidade com que o
tema é tratado, tem-se um novo conceito, o da grande-reportagem.
Segundo Lima (2004), o aprofundamento característico dos livrorreportagens
pode ser feito de duas maneiras. A primeira, extensiva, ou horizontal, que amplia o
conhecimento sobre o tema de forma quantitativa, com dados, números e mais
detalhes sobre o tema. A segunda forma é intensiva, ou vertical, aumenta as
informações do leitor qualitativamente, distinguindo causas, efeitos, consequências e
repercussões do assunto.
As etapas de produção de um livrorreportagem são as mesmas que de uma
reportagem para um jornal diário: pauta, captação, redação e edição. Cada um
desses processos vai ganhar um contorno próprio durante a sua execução. Essas
características próprias é que os diferenciarão dos passos de execução do
jornalismo cotidiano.

[...] A reportagem em livro tem claras diferenças em relação o modelo


praticado hoje pela média da imprensa brasileira. Mas, a rigor, é apenas
uma reportagem, passível de empregar exatamente o mesmo padrão
técnico e de conduta, como se fosse publicada em qualquer outro meio de
informação. Em uma definição quase acadêmica, é possível dizer que livro-
reportagem é um instrumento aperiódico de difusão de informações de
caráter jornalístico. Por suas características, não substitui nenhum meio de
informação, mas serve como complemento a todos. É o veículo no qual se
pode reunir a maior massa de informação organizada e contextualizada
sobre um assunto e representa, também a mídia mais rica – com a exceção
98

possível do documentário audiovisual – em possibilidades para a


experimentação, uso da técnica jornalística, aprofundamento da abordagem
e construção da narrativa (BELO, 2006, p.41).

Apesar de possuir o mesmo processo de uma reportagem, o livrorreportagem


precisa de um tratamento mais cuidadoso na hora de fazer a pauta. O compromisso
com a exatidão que um livro aliado ao jornalismo sugere, não abre espaço para
deslizes na veracidade das informações. A minuciosidade para coletar os dados e
interpretá-los deve sempre ser seguida pelo jornalista.
O livrorreportagem não tem uma data definida de nascimento, mas pode-se
aproximar uma época, e um lugar: Europa, século XIX. Nessa época alguns jornais
não publicavam reportagens, suas páginas eram recheadas com ensaios, artigos e,
em alguns casos, até literatura. A partir desse fato pode-se perceber que o
jornalismo e a literatura não tinham uma linha de separação tão notória como existe
hoje, ambos estavam misturados nas páginas dos periódicos.
No Brasil, a obra considerada pioneira nesse gênero, é o livro Os Sertões, de
Euclides da Cunha, publicado em 1902. Ele narra a história da Guerra de Canudos,
que aconteceu entre os anos de 1896 e 1897 no interior da Bahia. O autor passou
pouco menos de três meses no local dos conflitos como jornalista correspondente do
jornal O Estado de São Paulo. Seu livro inspirou outras obras sobre o mesmo tema
no mundo todo e foi publicado em outros 12 países.
Euclides da Cunha não produziu apenas o livro Os Sertões sobre a temática
da Guerra de Canudos. A sua reportagem durante o conflito resultou também no
livro Canudos, Diário de Uma Expedição, publicado em 1937, 28 anos depois de sua
morte. As anotações feitas em um caderno, durante o período em que cobriu a
batalha, rederam um outro livro póstumo, publicado em 1975 e denominado
Caderneta de Campo.
Algumas condições são essenciais para se fazer um livrorreportagem. A
primeira é a duração do tema. O caráter não efêmero e não imediatista desse
gênero, permite uma abordagem muito mais detalhada e criativa, de diferentes
formas. Outro pré-requisito é a profundidade, o detalhamento e a contextualização
que a obra precisa ter, principalmente pelo fato da extensão que ela apresenta.
99

Esses requisitos fazem com que o livro permaneça no interesse da população por
muito tempo.

[…] É fácil perceber que numa apuração mais alentada, muitos detalhes –
às vezes decisivos para os acontecimentos – são desconhecidos do
público, Um livro só atrairá o interesse do leitor se tiver novidades
suficientes que compensem não só o gasto com a compra da obra, mas
também o tempo empregado na leitura, entre outros fatores. Se a
contextualização, a qualidade do texto, o nível de detalhes e a análise dos
fatos que oferece encontram-se no mesmo patamar de um periódico,
parece óbvio que o consumidor estará mais bem servido com o periódico
(BELO, 2006, p. 49).

O livrorreportagem não substitui o jornalismo diário. Os leitores também


precisam de informações rápidas e instantâneas. O livrorreportagem, ao contrário,
completa as funções informativas dos periódicos, trazendo o aprofundamento
necessário para que os leitores entendam os fatos e tenham subsídios para formar
uma opinião sobre o assunto.
O estudioso Edvaldo Pereira Lima propõe em sua obra, Páginas Ampliadas –
o livro-reportagem como extensão do jornalismo e da literatura, 13 divisões para o
gênero do livrorreportagem, baseado em dois critérios – o objetivo específico com
que o livro conclui seu objetivo de retratar um fato com profundidade e informar, e a
essência do tema escolhido. São elas:
a) o livrorreportagem-perfil, que procura enfatizar o lado humano de
alguma personalidade, sem enfoque no presente, mas sim na vida e na
história da pessoa em questão;
b) o livrorreportagem-depoimento, que tenta reconstruir uma história a
partir da visão de uma testemunha ou de uma pessoa que tenha participado
diretamente da ação. Esse tipo de livrorreportagem tenta passar uma história
com vários pontos altos e com tom de bastidores;
c) o livrorreportagem-retrato, parecido com o livrorreportagem-perfil, mas
ao invés de contar fatos sobre um personagem, mostra uma determinada
região geográfica ou camada da sociedade, traçando uma imagem do objeto
em questão;
100

d) o livrorreportagem-ciência, que tem como principal objetivo a


divulgação de um tema específico, como avanços científicos e tecnológicos,
alguns apresentam reflexões ou análises críticas;
e) o livrorreportagem-ambiente, o tema presente nesta divisão é o da
ecologia. Muitas vezes com caráter combativo e crítico, ou simplesmente
informativo no que diz respeito ao meio ambiente. Muito utilizado pelos
ambientalistas para formar uma consciência ecológica;
f) o livrorreportagem-história, que trata de um tema do passado, mas que
tenha alguma conexão com o presente, essa ligação pode ser feita por algum
fato novo ou apenas pela revitalização de algum acontecimento pretérito.
Uma variante dessa classificação é o livrorreportagem tratando da história de
uma empresa, relacionando com as questões políticas, econômicas e sociais
vigentes na época. Outra variação possível é o livrorreportagem-epopéia, que
relata grandes acontecimentos históricos que de alguma forma marcaram o
mundo devido a sua relevância social;
g) o livrorreportagem-nova consciência, aborda temas das novas
correntes de comportamento, religiosas, econômicas sociais e culturais,
decorrentes da aproximação entre culturas ocidentais e orientais, que
surgiram em vários pontos do mundo, principalmente depois da ebulição dos
movimentos sociais da década de 1960;
h) o livrorreportagem-instantâneo, relata um fato recente, mas que já está
terminado. Esta modalidade apresenta o apenas o acontecido, mas em
alguns casos, pode demonstrar suas conseqüências futuras;
i) o livrorreportagem-atualidade, é semelhante ao anterior. A única coisa
que os difere é que este seleciona fatos de grande magnitude da atualidade
que ainda não têm um desfecho e os analisa, apresentando ao leitor as
causas de determinados acontecimentos e proporcionando a eles uma
reflexão sobre as possíveis conclusões e dando subsídios para que ele
mesmo faça uma análise detalhada dos fatos que ocorrem;
j) o livrorreportagem-antologia, que apresenta uma compilação de
diversas reportagens, previamente publicadas, mas que mantenham algum
ponto de contato em comum, seja o tema abordado, o autor ou o gênero
101

jornalístico ou uma categoria jornalística – opinativa, interpretativa ou de


entretenimento, por exemplo - ;
k) o livrorreportagem-denúncia, adotando o estilo jornalismo-
investigativo, este gênero procura mostrar casos de escândalos em todos os
âmbitos nacionais, como no governo, na polícia, em instituições públicas ou
privadas, por exemplo. Tem-se como exemplo o Rota 66 do autor Caco
Barcellos;
l) o livrorreportagem-ensaio, com o foco narrativo na primeira pessoa, em
grande parte das publicações, estes livros têm uma presença muito marcada
do autor e de suas opiniões, tentando convencer o leitor a partilhar delas;
m) o livrorreportagem-viagem, que mostra uma viagem à um lugar
específico, não apenas do ponto de vista turístico, mas relata as suas
realidades sociais, culturais, econômicas e históricas. Tem grande
preocupação com a apuração de dados e identificação de conflitos.
Um dos livrorreportagens mais aclamados do Brasil é o Rota 66 – A história
da polícia que mata, do jornalista Caco Barcellos (1993). Na divisão de Edvaldo
Pereira Lima ele é classificado como livrorreportagem-denúncia, pois conta a história
real de um grupo de jovens, da classe média de São Paulo, que após um
desentendimento foi pré-julgado de maneira errada, perseguido e assassinado pela
polícia militar.
O livro demorou oito anos para ser terminado. Durante esse período o autor
chegou a sofrer ameaças de morte e teve que sair do país. Todo o sofrimento que
Caco Barcellos passou durante a produção, foi recompensado quando a obra
ganhou importantes prêmios nacionais, como o Jabuti em 1993, na categoria
reportagem.
Um ponto que deve ser mencionado quanto se trata de livrorreportagem é o
jornalismo interpretativo. Muitas publicações o confundem com a opinião. Na
verdade ele colabora para que o leitor forme o seu próprio pensamento, sem
interferir diretamente. Ele apenas reúne fatos e informações históricas aos
acontecimentos recentes e estabelece relações entre tudo isso, dando ao leitor
maiores subsídios para a sua formação.
102

O mercado do livrorreportagem no Brasil teve um crescimento coincidente


com o aumento do setor editorial, na década de 1980. A produção do jornalismo
literário foi influenciada não somente pela crise que se abatia no mercado editorial,
mas também pela abertura política consequente do fim do regime militar no país e
pela instabilidade econômica que abalava os brasileiros antes que o Plano Real
fosse posto em prática.
Nessa época, livros tratando os temas políticos e econômicos do Brasil
fizeram sucesso imediato. Os assuntos, assim como a abordagem dada à eles era
novidade num país onde a produção jornalístico-literária era escassa. Logo esses
livros estariam entre os mais vendidos nas livrarias.

O que acabou beneficiando de fato o mercado foi a conquista da


estabilidade relativamente tranqüila, que já dura mais de uma década,
proporcionada pelo Plano Real, depois de uma sucessão de fracassos
nesse terreno. Com a economia estável, a circulação de livros cresceu.
(BELO, 2006, p. 54)

De fato o mercado melhorou muito com o Plano Real. De acordo com a


Câmara Brasileira do Livro (CBL), com uma moeda forte no país, o número de
vendas de livros aumentou 68%, chegando a 374,6 milhões. Em 2004 houve uma
queda nesses indicadores, mas mesmo assim o Brasil tornou-se o décimo maior
mercado editorial.

7.2 TATUQUARA

O livrorreportagem fruto desse projeto procura mostrar o bairro Tatuquara, um


dos mais carentes da cidade, sob um ângulo jamais visto. Através dos moradores da
localidade, que contam como é a vida na região, sob aspectos econômicos, sociais,
de saúde e trabalho, entre outros, tentando assim, construir uma imagem para os
habitantes daquele lugar, geralmente esquecido pelo resto dos curitibanos.
103

O bairro, muito afastado do centro de Curitiba, ainda possui uma imagem


obscura aos olhos dos curitibanos, e até dos próprios moradores do Tatuquara. O
livrorreportagem proposto neste projeto mostra, através das histórias dos habitantes
daquela localidade, como eles enxergam o lugar onde moram e a imagem que eles
mesmo acabaram criando de lá.
Mesmo com a identidade disforme do bairro, alguns moradores afirmaram,
durante as entrevistas, compartilhar da identidade que a cidade de Curitiba possui.
Muitos também revelaram gostar da capital e da vida que levam no Tatuquara,
dizendo que não pensam em mudar de bairro ou de cidade em busca de melhores
condições.
Para recolher as informações necessárias, as entrevistas foram feitas
seguindo um questionário – ver apêndice B. Este dividia a vida da pessoa no
Tatuquara em passado, presente e futuro. As perguntas foram elaboradas de forma
que o entrevistado pudesse dar o máximo de informação em apenas uma questão.
A primeira parte do questionário, o presente, procura entender como aquelas
pessoas vivem em um bairro isolado e praticamente esquecido pela Curitiba-modelo.
As questões abrangem a vida da população, como relacionamento com os vizinhos,
violência e educação e traça um panorama da atual situação social, econômica e
política do Tatuquara. Os sentimentos dos moradores também são muito
importantes, por isso perguntas sobre a felicidade e a vontade de mudar de
localidade também são propostas.
A segunda parte trata de questões do passado. É importante para a
construção do livrorreportagem, saber como o bairro começou. Desde questões
legais, por ter se iniciado com uma invasão, até como os novos moradores lidavam
com o fato de não ter nenhum recurso de saúde ou educação.
A última parte do questionário aborda a questão futura do bairro. Como os
moradores esperam que o Tatuquara esteja daqui há alguns anos. Quias melhorias
devem ser feitas para que aquela localidade tenha melhores condições para que a
população viva de maneira digna.
Na divisão de Edvaldo Pereira Lima, o produto em questão pode ser
encaixado nos conceitos de livrorreportagem-retrato, por apresentar uma imagem
104

detalhada da sociedade que vive no Bairro Tatuquara, e de livrorreportagem-viagem,


por retratar o local com suas peculiaridades físicas, econômicas e sociais.
Para coletar as histórias, a equipe selecionou alguns dos moradores com as
histórias mais marcantes sobre os mais variados temas e que puderam proporcionar
um aprofundamento no dia-a-dia dos moradores do Tatuquara.
105

7 PLANEJAMENTO DE COMUNICAÇÃO

7.1 DESCRIÇÃO E DEFINIÇÃO DOS PRODUTOS

O livro reportagem é um produto jornalístico em que o autor narra os fatos, de


forma detalhada e aprofundada, histórias que habitualmente não são possíveis de
serem retratadas por mídias convencionais como jornais e revistas, por exemplo.
Esse meio de comunicação tem como característica unir o jornalismo à literatura.
Já o segundo produto – webjornal – trabalha noções básicas do jornalismo
com crianças e adolescentes do Tatuquara, valendo-se da linguagem particular do
meio on-line no que compreende a horizontalidade da comunicação, a
multimidialidade e textos mais curtos e objetivos. Com o suporte multimídia, o
jornalismo on-line apropria-se das mídias tradicionais (vídeos, fotos, texto e rádio),
além de ampliar exponencialmente as possibilidades de cada uma pela possibilidade
da convergência entre elas, assim dando forma aos conteúdos divulgados,
promovendo uma transformação gradual e efetiva no imaginário dos usuários que se
revelam como parte ativa desse processo.
Os dois produtos – livrorreportagem e webjornal – são fruto de outros dois
processos que atuam como subprodutos do original, que são citados e detalhados
devido à relevância que assumem para o resultado dos produtos principais. Os
subprodutos desenvolvidos no projeto são: blog da redação (de atualização dos
idealizadores do projeto) e oficinas de cidadania, internet e jornalismo (feitas com os
alunos participantes do projeto).

7.1.1 Livrorreportagem

Dimensões do livro: 16 cmx23cm X espessura do livro.


Material: Capa em papel couché 250g/m2 com verniz. Miolo: papel offset
106

75g/m2 .
Layout: A proposta de layout para o livro sugere um aspecto visual sutil, com
elementos bem distribuídos nas páginas e pelo menos 20% de espaço em branco.
As letras sem serifa ajudarão a deixar a página mais leve. As imagens também
serão priorizadas como instrumento de comunicação na maioria das páginas. Todas
receberão destaque e serão coloridas.
Linguagem: As linguagens visual e textual utilizadas primarão por recursos
como clareza, objetividade e precisão. O estilo de escrita simples e acessível se
justifica pela relação direta que pretende estabelecer com o internauta.
Roteiro: Para a elaboração do livro são realizadas entrevistas semanais com
a comunidade. Os relatos serão gravados, fotografados e decupados para posterior
realização da análise de conteúdo, que objetiva obter o perfil dos moradores das
vilas abordadas – Beira Rio e Bela Vista.

7.1.2 Webjornal

Visando atender o público jovem do bairro Tatuquara, tanto na etapa de


produção quanto para o consumo dos conteúdos veiculados, foi escolhido o
desenvolvimento de um webjornal cidadão. Foram consideradas as características:
horizontalidade da notícia, multimidialidade, matérias com abordagem rápida e curta,
e a cultura hiperlocal, pautando temas que digam respeito e sejam de interesse aos
moradores do Tatuquara. O webjornal encontra-se disponível em
www.natrilhadotatuquara.com.br.
Aspectos gráficos: As principais cores utilizadas, bem como os demais
aspectos gráficos do produto, serão definidas em conjunto com os próprios alunos
participantes da oficina. No entanto, aspectos como leveza, clareza, objetividade e
precisão, serão mantidos e priorizados em ambos os produtos.
Editorias: As editorias são: comunidade; lazer; educação; e saúde;
Suporte: Os alunos, com idade média de 11 anos, do Colégio Estadual
Desembargador Guilherme Albuquerque Maranhão, no Tatuquara, participarão da
107

oficina de webjornalismo que dará origem ao produto. As aulas são ministradas


pelos graduandos no próprio espaço educacional do Colégio e no laboratório de
informática que a escola dispõe.
Após o término da oficina, espera-se que os alunos dêem continuidade ao
webjornal, sem a presença do grupo, e sim com o estímulo dos professores.

Figura 1: Layout do webjornal Na Trilha do Tatuquara.


108

7.1.2.1 Oficinas de cidadania, Internet e jornalismo

Com o apoio da direção do Colégio Estadual Desembargador Guilherme


Albuquerque Maranhão o projeto atende 23 estudantes, sendo 19 crianças que
frequentam a quinta séria do ensino fundamental e 4 adolescentes, um da sétima e
os demais da oitava série do ensino fundamental.
Para o alcance do objetivo, de que os estudantes do Colégio atualizem o site
apresentado anteriormente, são aplicadas 13 oficinas.
As seis primeiras oficinas são voltadas para a apresentação dos conceitos de
cidadania, bem como direitos humanos e democracia; e jornalismo, desenvolvendo o
que é notícia, as diferentes plataformas midiáticas até chegar ao jornalismo de
internet. As sete oficinas finais são destinadas para a produção, desta forma
compreende reuniões de pauta, pesquisa, apuração e elaboração, conclusão e
postagem da matéria no webjornal. As oficinas têm duração de duas horas e são
realizadas nas quartas e sextas-feiras no contra-turno escolar dos alunos, que é no
período da manhã. Os estudantes são beneficiados com o lanche que acontece em
um intervalo de 20 minutos depois de uma hora de oficina. O lanche é patrocinado
pelo CRAS (Centro de Referência da Assistência Social) Laguna.
As oficinas contaram com o apoio da Livrarias Curitiba que fez investimento
em materiais escolares (cadernos, réguas e canetas); da Escola Estadual
Desembargador Guilherme Albuquerque Maranhão, com o espaço, computadores e
acesso a internet; da Prefeitura Municipal de Curitiba, com o ônibus turístico e
colaboração com o lanche oferecido nas oficinas; da Sorveteria Quebra Gelo, com o
lanche do último encontro realizado; e da Vininha, com colaboração no lanche do
último do passeio realizado nos parques de Curitiba.

7.1.2.2 Blog da Redação

O blog da Redação (figura 2) foi criado com o intuito de ser uma ferramenta
109

de descrição e acompanhamento de todo o processo de elaboração das oficinas de


internet, cidadania e jornalismo ministradas pelos graduandos aos alunos do Colégio
Estadual Desembargador Guilherme Albuquerque Maranhão participantes do
projeto. O blog é atualizado à medida que as oficinas foram acontecendo e o teor
das postagens explica tanto os temas abordados em cada oficina quanto o resultado
do trabalho dos alunos. A linguagem é apropriada aos jovens e à linguagem
comumente utilizando nos blogs (informalidade, coloquialidade e dinanismo).
Os produtos – webjornal e livrorreportagem – e os dois – oficinas e blog –
estabelecem quatro níveis de atualização das informações durante o projeto.
No blog, a linguagem favorece a atualização em nível 2, com um pouco mais
de aprofundamento em relação às mensagens instantâneas já possibilitadas em
outras redes sociais, como por exemplo, o Twitter.
Em contrapartida, o webjornal vem a mostrar os principais assuntos que
pautam o dia a dia da comunidade, sendo uma ferramenta de aprofundamento em
relação ao blog, além de servir, também, como espelho do que se tem desenvolvido
nas oficinas.
No webjornal, o internauta tem a exata noção do que acontece na
comunidade em relações aos serviços públicos, arte ou cultura. E, por último, o
livrorreportagem vem a ser a mídia mais profunda de retrato do bairro, pelas próprias
características do meio impresso.
Pode-se dizer então, que a população pode ter uma visão panorâmica
histórica e atual (de todo o ano de 2010) sobre seu bairro no livro, atualizar e
analisar as informações ali encontradas comparando-as com as matérias do
webjornal e acompanhar os temas que podem servir de pauta no blog.
110

Figura 2: Imagem do Blog da redação.

7.3 JUSTIFICATIVA DA ESCOLHA DOS PRODUTOS

O projeto propõe retratar o perfil de uma parcela da população residente no


bairro Tatuquara, em Curitiba, que é detentora de uma identidade ainda
desconhecida aos olhos das demais localidades da cidade, isto porque assume-se a
identidade geral do município, projetada pelas campanhas políticas, que focalizam a
imagens reais do município, mas que não correspondem a ele completamente.
Para alcançar o objetivo de dar reconhecimento àquela comunidade, propõe-
se desenvolver duas mídias, cada qual com suas particularidades, mas ambas com
a finalidade de delinear ou revelar o que podem ser os primeiros traços para a
construção de uma identidade daquela população. São os produtos: um webjornal e
um livrorreportagem.
O livrorreportagem, que apresentará a comunidade e valores que originaram o
Tatuquara, tornar-se-á não semente uma nova ferramenta para estudiosos de
ciência sócias, historiadores e filósofos, que é inexistente mesmo no IPPUC
111

(Instituto de Pesquisa e Planejamento Urbano de Curitiba), mas por ter também um


caráter literário, poderá alcançar as mais distintas pessoas, sendo um convite a
tomarem conhecimento de uma realidade tão diferente que se configura, dentro de
uma mesma cidade.
Já a ideia de se desenvolver um webjornal – elaborado por jovens da Escola
Estadual Guilherme Maranhão, com idade entre 11 e 13 anos - orientados pelos
graduandos em jornalismo, traz a oportunidade de que estes jovens interferiram no
espaço em que residem, por meio da vivência mais efetiva daquela localidade, fato
esse que pode ser retratado e formatado no espaço online do webjornal proposto.
Tal produto também é conhecido pelo que se pode denominar de espaço de notícias
hiperlocais, considerado a mais nova tendência dos meios de comunicação.
A ideia de se trabalhar com duas vertentes diferentes da prática jornalística,
objetiva comprovar que, mesmo sendo hoje a internet a maior e, talvez, mais
predominante forma de comunicação existente numa sociedade, um meio de
comunicação mais antigo – no caso, o livro – não deve ser desconsiderado, ou posto
em detrimento àquela mais recente mídia.
Ademais, o desenvolvimento de um webjornal com a colaboração de uma
instituição educacional, tende a fomentar a formação de cidadãos conscientes de
sua individualidade e papel social, visto que a produção das notícias se fundamenta
na busca da imparcialidade e prioriza conteúdos de relevância social, os quais
agregam informações econômicas, políticas, culturais e religiosas, interesses esses
que devem fazer parte do cotidiano de todas as populações.
Por fim, o projeto proporciona aos moradores do Tatuquara a construção – ou
descoberta – de uma identidade particular, resultado de uma autoanálise que pode
ajudar àquela sociedade a identificar suas características, anseios, interesses,
perspectivas e o poder de transformação que detém.

7.4 MERCADO E CONCORRÊNCIA DO LIVRORREPORTAGEM

O mercado de livrorreportagem é difícil de ser mensurado devido ao baixo


112

número de pesquisas na área. Neste trabalho, optou-se por pesquisar


empiricamente a vendagem deste produto em livrarias importantes do país, como
Saraiva, Livrarias Curitiba e FNAC. Para tanto, desenvolveu-se uma lista de títulos
sugeridos pelo jornalista Eduardo Belo, autor do livro intitulado Livro-Reportagem.
Na Livraria Saraiva os números obtidos são referentes ao período de 15/05 a
15/06, considerando todas as unidades em território nacional que ao todo somam
mais de 100 lojas.

Livros-reportagem:
 Internacionais:
- Os últimos dias, de Carl Bernstein: vendeu 237 exemplares;
- Todos os homens do Presidente, de Carl Bernstein: não possui;
- A sangue frio, de Truman Capote: vendeu 3119 exemplares;
- Hiroshima, de John Hersey: vendeu 1273 exemplares;
- Dez dias que abalaram o mundo, de John Reed: vendeu 587
exemplares;
 Nacionais:
- Dias de ira, de Roldão Arruda: vendeu 615 exemplares;
- Rota 66, de Caco Barcellos: vendeu 387 exemplares;
- O caso da favela Naval, de José Carlos Blat: vendeu 287 exemplares;
- Estrela Solítária, de Ruy Castro: vendeu 671 exemplares;
- Caso da Escola Base, de Alex Ribeiro: vendeu 531 exemplares;
- A casa do delírio, de Douglas Tavolaro: vendeu 803 exemplares;
- Chatô, o rei do Brasil, de Fernando Morais: vendeu 1105 exemplares;
- Os sertões, de Euclides da Cunha: vendeu 2103 exemplares;
- A ditadura derrotada, a ditadura encurralada, a ditadura
envergonhada e a ditadura escancarada, de Elio Gaspari: 1587
exemplares.
Percebe-se que o mais vendido da lista é o livrorreportagem internacional, A
sangue Frio, de Truman Capote. Em segundo lugar aparece Os sertões, de Euclides
da Cunha, um clássico do gênero no Brasil, seguido por Hiroshima, de John Reed.
Desta forma, conclui-se que a concorrência se estabelece entre livros estrangeiros e
113

clássicos nacionais.

7.5 MERCADO E CONCORRÊNCIA DO WEBJORNAL

O webjornal proposto não possui concorrência direta. Isto foi constatado por
meio de pesquisas secundárias e de campo que revelaram que o bairro não possui
projetos de jornalismo cidadão. Percebe-se, no entanto que iniciativas semelhantes
têm ganhado destaque em outras periferias. Pode-se citar como exemplo, o site Viva
Favela (http://www.vivafavela.com.br), do Rio de Janeiro, que é o primeiro portal
virtual voltado para a divulgação de notícias sobre o cotidiano dos moradores das
favelas cariocas.
O Viva Favela baseia-se em três eixos principais: a inclusão digital, a
democratização da informação e a redução da desigualdade social. A equipe do site
é composta por jornalistas e correspondentes comunitários, como são chamados os
residentes de favelas e bairros da periferia capacitados para atuar nas suas próprias
comunidades como repórteres, fotógrafos e produtores de conteúdo multimídia.
Outras iniciativas que devem ser consideradas são os portais de jornalismo
hiperlocal, que trabalham com o conceito de produção colaborativa em espaços
específicos como comunidades, bairros ou ruas. Um exemplo disso é o blog
Bairros.com produzido pela equipe dos jornais locais da redação do periódico O
Globo com a colaboração dos moradores. As notícias veiculadas no blog abordam
assuntos relacionados aos bairros e regiões cariocas.
Além deste, o site Ruas Digitais de São Paulo, também deve ser destacado,
pois trata-se de um blog atualizado pelos moradores de rua que contam na web suas
histórias, desejos e reivindicações. O projeto foi criado por acadêmicos como
trabalho de conclusão de curso e já alcançou visibilidade na mídia.
114

7.6 PÚBLICO-ALVO

O presente projeto resulta em dois produtos distintos, mas complementares:


um webjornal e um livrorreportagem. O projeto estrutura-se sobre os fundamentos
da participação social na mídia, inclusão digital e formação e reconhecimento de
imagem, identidade e memória. Na escolha do público-alvo foram utilizadas
pesquisas secundárias, mas são realizadas pesquisas primárias no intuito de perfilar
e determinar as características destes jovens. Assim sendo, é necessário distinguir,
primeiramente, o público-alvo participante – composto pelos agentes da comunidade
que participam diretamente do projeto – e o público-alvo consumidor – composto
pelos agentes da sociedade que constituem o grupo de potencial interessados nos
produtos gerados durante o desenvolvimento do projeto, que compõem a potencial
audiência do webjornal e do livrorreportagem.
O público-participante do webjornal compõe-se de jovens de idade entre 11 e
13 anos, matriculados no Colégio Estadual Desembargador Guilherme de
Albuquerque Maranhão, próximo à região das ocupações irregulares da vila Beira-
Rio e Bela Vista. O livrorreportagem tem como personagens alguns dos sujeitos
mais importantes na história do bairro, selecionados pela relevância de seu papel
naquela comunidade: seja pelos seus trabalhos no campo social, político e/ou
econômico, seja pela história que construíram na relação com o espaço-comunidade
em que vivem.
O público-alvo de ambos os produtos é composto por jovens e adultos,
compreendidos na faixa etária entre 13 e 35 anos, de ambos os sexos, moradores
do Tatuquara e regiões vizinhas, pertencentes à classe C, D e E. A população do
Tatuquara é de 36.339 habitantes. Os jovens entre 10 e 19 anos somam 7.191. A
situação socioeconômica destes jovens pode ser verificada através da renda média
mensal dos responsáveis por domicílios permanentes no bairro. Em 2000, 2.054 das
9.525 (21,56%) pessoas responsáveis pelos domicílios particulares permanentes do
bairro recebiam de 2 a 3 salários mínimos da época (R$ 151,00). (IBGE, 2000).
Esta primeira divisão e breve diferenciação entre os públicos-alvo participante
e consumidor denota outra divisão de caráter estrutural do projeto: a participação de
115

dois públicos distintos na elaboração dos produtos. Os personagens mais


importantes do bairro, para o livrorreportagem; e os jovens estudantes para o
webjornal.

7.7 VIABILIDADE FINANCEIRA DOS PRODUTOS

Tanto o livrorreportagem quanto o webjornal proposto neste trabalho se


enquadram no perfil para receber os seguintes incentivos de Leis e Fundos que
prevêem o patrocínio de ações sociais. A Lei Rouanet N.º 8.313, voltada para o
incentivo de projetos culturais em esfera federal, é uma delas.
Fundo da Infância e da Adolescência/ Conselho Municipal dos Direitos da
Criança e do Adolescente (COMTIBA)/ Conselho Estadual dos Direitos da Criança e
do Adolescente (CEDECA).
Empresas públicas e privadas que atuam no entorno da região: Kraft,
Petrobras, Electrolux e Regional do Pinheirinho;

7.7.1 Livrorreportagem

O Livro será comercializado pelo site do webjornal, pelo valor de R$ 35,00, e


também em livrarias - em especial nas das principais Universidades públicas e
particulares do Estado - e bancas de revistas.
Distribuição de alguns exemplares nas escolas públicas do bairro, faróis do
saber, postos de saúde, associações de moradores da região e bibliotecas de
algumas Universidades do Paraná.
116

7.7.2 Webjornal

O webjornal foi patrocinado integralmente pela empresa Creativa Design e do


programador freelancer Heigler Rocha. E a oficina teve o apoio das Livrarias Curitiba
doando canetas, réguas e cadernos, da Prefeitura de Curitiba, que doou o lanche e
concedeu o ônibus de Turismo para passeio dos jovens participantes do projeto
pelos parques de Curitiba e da empresa de alimentação Vininha, que deu desconto
de 50% para o lanche das crianças no dia do passeio.

7.8 ORÇAMENTOS

7.8.3 Orçamento do webjornal

Tabela 21: Orçamento para webjornal

Orçamento para o Webjornal


Discriminação TOTAL
Criação de Layout R$ 800
Desenvolvimento de sistema para webjornal R$ 1.500,00
Hospedagem (mensal) e domínio R$ 25,00
Domínio .com (anual) R$ 15,00
Domínio .com.br (anual) R$ 30,00
Total R$ 2.370,00
_________________________________________________________
Fonte: Creativa Design

Tabela 22: Orçamento para webjornal


Orçamento para o Webjornal
Discriminação TOTAL
Criação do site R$ 2.900
Domínio .com e br e hospedagem Gratuito
Total R$ 2.900,00
__________________________________________________
Fonte: Agência Joker
117

Tabela 23: Orçamento para webjornal


Orçamento para o Webjornal
Discriminação TOTAL
Criação do site R$ 1.599
Registro de domínio .com R$ 35,00
Registro de domínio .com.br R$ 30,00
Hospedagem R$ 19,90
Total R$ 1.683,90
__________________________________________________
Fonte: Interface1

7.8.3 Orçamento do livrorreportagem

Tabela 24: Orçamento do livrorreportagem

Orçamento do livrorreportagem
Editora Kugler Artes Gráficas
Total de páginas 243 páginas
Total de fotos 68 fotos (coloridas e preto-branco)
Capa Papel couchê 250g/m² com verniz
Miolo Papel offset 75g/m²
Tiragem 900 exemplares
Preço por exemplar R$ 11,11
TOTAL R$ 10.000
__________________________________________________
Fonte: Kugler Artes Gráficas

Tabela 25: Orçamento do livrorreportagem

Orçamento do livrorreportagem
Editora Juarez Editora
Total de páginas 243 páginas
Total de fotos 68 fotos (coloridas e preto-branco)
Capa Papel couchê 250g/m² com verniz
Miolo Papel offset 75g/m²
Tiragem 900 exemplares
Preço por exemplar R$ 9,10
TOTAL R$ 9102.43
__________________________________________________
Fonte: Juarez Editora
118

Tabela 26: Orçamento do livrorreportagem

Orçamento do livrorreportagem
Editora Comunicare
Total de páginas 243 páginas
Capa Papel couchê 250g/m² com verniz
Miolo Papel offset 75g/m²
Tiragem 900 exemplares
Preço por exemplar R$ 11,40
TOTAL R$ 11.400
__________________________________________________
Fonte: Comunicare

7.8.2 Custo de serviços prestados pelos jornalistas

A base utilizada segue a sugestão de preço do Sindicato dos Jornalistas do


Paraná para Assessoria de imprensa, pois conforme o proposta deste projeto, os
jornalistas estarão a disposição no período apresentado na seguinte tabela.

Tabela 27: Remuneração dos jornalistas


Remuneração dos jornalistas
Nº Jornalistas
Remuneração TOTAL
6 R$ 1.024,50 R$ 6.147
______________________________________________
Fonte: Sindijor – Sindicato dos jornalistas do Paraná

7.8.4 Gastos totais

Tabela 28: Total orçamentário

Gastos Totais
Total jornalistas R$ 6.147
Total webjornal R$ 2.370,00
Total livrorreportagem R$ 10.000,00
TOTAL R$ 18.517,00
119

8 CONCLUSÃO

A pesquisa partiu da hipótese de que os jovens moradores do bairro


Tatuquara compartilham a identidade nacional (HALL, 1998) de Curitiba, mas não a
vivenciam. Por meio de sondagem de tendência, baseada na técnica da associação
verbal, sobre imaginário, aplicada com jovens da 7ª e 8ª séries de uma escola
estadual do bairro Tatuquara, cuja finalidade era analisar a imagem que os
voluntários têm de sua cidade e de seu bairro, percebeu-se que eles consideram
Curitiba como a melhor capital do Brasil, entretanto o seu bairro é visto com as
referências negativas de drogas, violência e pobrezas.
Os resultados da pesquisa ainda confirmaram o que já apontavam os teóricos
Stuart Hall e Zygmunt Bauman sobre a questão da desfragmentação da identidade
na pós-modernidade e, portanto, foram de encontro com a linha teórica escolhida,
que é Estudos Culturais. Como Bauman (2010) colocou, a incerteza e a mudança
constituíram a nova verdade neste momento que é a pós-modernidade.
Aspectos como capital ecológica, cidade sorriso, cidade modelo constituem
referenciais de uma identidade projetada para a cidade, que foi levada aos
moradores com a repercussão de um discurso político por meio dos meios de
comunicação, tanto por assessoria de imprensa, marketing e jornalismo declaratório
que abrem os jornais para a ressonância da voz das fontes oficiais.
Os produtos desenvolvidos, o livrorreportagem e o webjornal, dentro do
planejamento de comunicação proposto, conduzem as técnicas, ferramentas e meio
jornalístico para a política de investimento social. Ambos se mostraram pertinentes
justamente pela ausência de informações históricas e espaço de diálogo comunitário
do bairro, o primeiro possibilitado pelo livrorreportagem, e o segundo pelo webjornal.
O livrorreportagem, por meio da história das pessoas que originaram o
Tatuquara, entra como ferramenta importante não somente para o bairro, mas
possibilita a partir de agora a realização de estudos mais embasados para o
desenvolvimento das periferias de Curitiba, que mesmo o IPPUC (Instituto de
Pesquisa e Planejamento de Curitiba) ainda carece de informações. Não há dúvidas
que o aproveitamento da obra pelos moradores do Tatuquara não será, num primeiro
120

momento, expressivo, até mesmo, porque é preciso que a leitura se torne um hábito
para eles. Hábito este, que a própria natureza do livrorreportagem fomenta, porque a
sistematização da informação com suporte dos meios de comunicação torna o
conhecimento um bem público, levando, então, a realidade do Tatuquara a pessoas
que o desconheçam, mas que ciente dele podem transformar-se e transformar a
região recém conhecida.
O webjornal, que é desenvolvido com a linha editorial de jornalismo cidadão,
da maneira como foi proposto, é um espaço vital de comunicação do bairro, pois é
ele que abriga as matérias realizadas pelos moradores que constituem não somente
o futuro do bairro, mas bem como o de Curitiba, que são os jovens.
Por meio do webjornal, a mídia deixou de ser uma janela para o mundo, e se
tornou o próprio mundo com muitas janelas, assim incorporando a característica da
web, onde os jovens participantes do projeto puderam não somente conhecer algo
diferente, mas também expor a sua realidade, sem precisar mais adotar a identidade
generalizada imposta à quase 1,9 milhões de habitantes, identidade essa, que não é
falaciosa, porém não é completa.
O raciocínio da instabilidade das identidades nacionais, e do mundo como a
unidade que se constrói na diversidade direciona o entendimento humano para o
pensamento filosófico que originou os primeiros conceitos sobre a identidade, de
que ela se faz pela unicidade e, portanto, pelo o que é único, revelando que um
morador do Tatuquara não diverge somente de um morador da região Central de
Curitiba, mas muitas vezes ele diverge do seu próprio vizinho, e que identidade é
algo próprio, único, igual e verdadeiro de cada sujeito. Desta forma, os meios de
comunicação, principalmente com a internet, tendem a ser mais pluralistas e tornar-
se-ão espaço de desfragmentação das identidades que eles mesmos projetaram.
121

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APÊNDICES
130

APÊNDICE A – QUESTIONÁRIO SOBRE IMAGINÁRIO

PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DO PARANÁ


CENTRO DE CIÊNCIAS JURÍDICAS E SOCIAIS – CCJS
COMUNICAÇÃO SOCIAL – JORNALISMO

Nome:
___________________________________________________________________
____

Idade: ___ Sexo: ( )M ( )F

1) Escreva o quê primeiro lhe vem à mente quando você lê a palavra Curitiba.

2) Se Curitiba pudesse ser representada em uma, ou duas cores, quais você


escolheria?

3) Escreva a primeira característica que lhe vem à mente quando você vê a palavra
“biarticulado”.

4) Ainda relacionado à Curitiba, escreva o que primeiro lhe vem à mente sobre a
expressão “segurança pública”.

5) Assinale a alternativa que, para você, pode ser uma localidade considerada,
nacional e internacionalmente, como modelo em desenvolvimento sustentável.

( ) São João del Rei ( ) Foz do Iguaçu ( ) Curitiba ( )


131

Campinas

6) “Ruas sujas, com lixo espelhado pelas calçadas. Descuido com a higiene pública.”
Classifique as cidades abaixo, colocando o número 1 (um) naquela que mais se
aproxima da definição acima e o número 5 (cinco) naquela que menos se parece
com a frase acima.

( ) Foz do Iguaçu ( ) São João del Rei ( ) Campinas ( )


Curitiba

7) Escreva o que primeiro lhe vem à mente quando vê a palavra “curitibano”.

8) Escreva o que primeiro lhe vem à mente quando vê a palavra “comunidade”.

9) Acredita que o Curitibano vive bem em comunidade?

10) Escreva o que primeiro lhe vem à mente quando vê a palavra “Tatuquara”.

11) Enxerga diferença entre as relações de comunidade na região central de Curitiba


e em uma mais periférica, como no Tatuquara?

12) Associe:

(1) Ópera de Arame (2) Jardim Botânico (3) Linha Verde


(4) Museu Oscar Niemeyer

( ) Planejamento urbano ( ) Sustentabilidade ( ) Solução


( ) Investimento

11) Se uma pessoa de outra cidade pedisse para você descrever Curitiba citando
monumentos, pontos turísticos, praças ou ruas, quais você citaria? (liste três)
132

12) Escreva três serviços públicos que você considera bom ou excelente em
Curitiba.

13) Escreva o que primeiro lhe vem à mente com a palavra “Educação” na cidade.

14) Escolha três características abaixo que, em sua opinião, representam Curitiba:

( ) Dinâmica ( ) Pacata ( ) Sustentável

( ) Agitada ( ) Planejada ( ) Fria

( ) Referência ( ) Limpa ( ) Tradicional

( ) Ágil ( ) Eficiente ( ) Moderna


133

APÊNDICE B – ROTEIRO PARA ENTREVISTA ABERTA

PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DO PARANÁ – PUCPR


CENTRO DE CIÊNCIAS JURÍDICAS E SOCIAIS – CCJS
COMUNICAÇÃO SOCIAL – JORNALISMO

ROTEIRO PARA ENTREVISTA ABERTA – TATUQUARA

Nome do
entrevistado(a):_______________________________________________________
_
Idade: ______ Tempo que hora no bairro:_________
End.:____________________________
Frequentou a escola?: sim ( ) não ( ) série:

Estrutura temporal: passado, presente e futuro


Presente

1) Quantas pessoas moram aqui?


1. Quem são?
2) Qual a melhor coisa do bairro?
3) Conta um pouco sobre os seus vizinhos...
1. Você conhece todos eles?
2. Se dá bem com todos eles?
4) Como é a questão da violência no bairro?
1. Você já presenciou alguma cena de violência?
1. Como foi? Onde foi? O que aconteceu?
2. Como é quando a polícia aparece por aqui?
3. E as igrejas, não ajudam a diminuir a violência?
5) Me fala um pouco do seu dia a dia aqui... O que você faz....
6) O que você acha de Curitiba?
1. O que mais gosta na cidade?
2. Você conhece a imagem que se faz de Curitiba, de cidade modelo?
3. Concorda com ela?
7) A família costuma se reunir no final de semana?
8) Você trouxe outras pessoas da família para cá depois que veio?
9) E o carnaval, como foi por aqui?
10) A família passou o revéillon com os vizinhos?
11) E a páscoa? Irão fazer alguma coisa?

Passado

12) Como foi a chegada dessa família no bairro?


13) De onde a família veio?
134

14) Quando chegaram, quantos eram?


15) Quais as motivações que levaram a família a migrar para Curitiba e para o
Tatuquara?
1. Conseguiram o que procuravam?
16) Como era o bairro na época em que chegaram?
1. Havia escolas? Igrejas? Como eram as ruas? Como eram as casas?
17) Quais foram as principais dificuldades que encontraram quando chegaram?
18) Como era a vizinhança?
19) Você sente saudades de alguma coisa? Do que?
20) Os vizinhos são o mesmo de quando vocês chegaram?
21) Como era o comércio do bairro?
22) E violência? Tinha quando a família chegou?
23) O que os mais velhos dizem da formação da vila?
24) Como a família fazia quando precisava ir até Curitiba?

Futuro

1) O que você acha que deveria ser mudado aqui no bairro?


1. O que você não encontra no bairro e gostaria que tivesse?
2) Como você se enxerga daqui a 5 anos?
3) Se a prefeitura sugerisse que fossem para outro lugar, vocês iriam?
1. Para onde?
2. Por quê?
4) O que pretende que seus filhos ou netos façam no futuro?
1. Enxerga-os fazendo isso?
2. Por quê?
3. Acha que eles têm condições para trilhar esse caminho profissional?
5) Se o bairro aumentar, o que você que irá acontecer?
1. O que pode melhorar?
2. O que pode piorar?
6) Gostaria que seus vizinhos continuassem morando aqui?
7) Quais são seus planos para 2010?
8) Me conta um pouco sobre seus sonhos …
9) Você se considera uma pessoa feliz?
1. Por quê?
10) Qual a imagem que você acha que as demais camadas curitibanas têm sobre
o bairro?
11) Quais são as opções de lazer aqui no bairro?
1. Você já foi em alguma?
2. Como foi?
12) Como se sente tratado pela polícia?
1. E pelo governo?
13) Como gostaria de ser tratado pelos dois?
14) Como seria, para você, uma cidade e um bairro melhores no futuro?

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