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ISBN:978659

2021
O GUARDA-ROUPA SE
NUM
COLAPSO

9417818
TRANSFORMA
IN MEMORIAN, ALFAIATARIA PROGRESSISTA, NEVERLAND, ALFAIATARIA ASSEPTICA,
HIPERFUNCIONALIDADE, CONFORTO SENSORIAL Y LETARGIA ERÓTICA. POR IGI LOLA AYEDUN
© 2021 MJOURNAL.ONLINE ™

MPRO
2021
ISBN:978659

© CHRIS ABATZIS / DTS

02
O GUARDA-ROUPA SE TRANSFORMA NUM COLAPSO, AYEDUN; IGI LOLA, AUTOR: ANA CAROLINA RODARTE PESQUISA: JESSICA AMORIM.
SUPERVISÃO: GABRIELA CAMPOS PROJETO GRÁFICO: ESTÚDIO MARGEM. DIAGRAMADOR: PAULO MENDONÇA IMAGENS: REPRODUÇÃO
MJOURNAL.ONLINEFLAG.CX.2021 - SÃO PAULO, NEW YORK SPECIAL INQUIRES: g.campos@hoatour.art
CAPA © ALONESDJ/ ADOBE STOCK. CONTRACAPA © MARESA SMITH/ DTS
9417818
Todas as análises presentes aqui são de propriedade exclusiva de
Igi Ayedun/MJOURNAL proibindo sua reprodução, cópia, modificação
y reedição sem créditos e referências ao documento original.

MPRO
REPORT

MPRO 03 2021
INTRO

De um modo geral, as redações de moda não andam


acertando os passos com o vuco-vuco dos ateliês.
Especialmente para os designers que se permitem
e têm acesso ao exercício da contemplação, a rua
continua impulsionando ideias. Nas redações, por
outro lado, a insistência na simplificação de có-
digos estéticos tem deixado a tratativa dos desfiles
assim meio...atrapalhada. Que o digam os novos
olhares que alguns criadores vêm lançando sobre
questões de gênero: enquanto algumas publica-
ções ainda categorizam desfiles entre “masculino”
e “feminino”, uma série de casas já têm apresentado
abordagens mais fluidas do assunto, indo muito,
muito além daquele set de moletons de tons pastel
que lojas de departamento insistem em vender
como genderless.
Mas a inquietação em torno dos nossos guar-
da-roupas vai além dos pronomes. Vivemos meses
onde nossas relações com o mundo interno e ex-
© ALEX TAN / DTS terno foram colocadas sob as lentes de um micros-
cópio: o distanciamento social, a profilaxia, a intensificação de desigual-
dades, a violência de governos autoritários e o avanço das mudanças cli-
máticas nos conduzem à reavaliação de prioridades . O mundo precisa
de novas formas de funcionar. O léxico mudou e a imagética também.
Ainda estamos em um momento de projeções e reimaginações, como
assinalaram as últimas semanas internacionais de moda e de looks que
encabeçam o minimalismo da vez. Pode confiar.
Os recortes e remendos já não mais rivalizam com o luxo; preci-
samos nos acostumar a modelar a partir de fragmentos, fazendo do
nosso olhar sobre velhos materiais, técnicas e processos um artigo raro.
É com esse mesmo tom de reflexão sobre o mundo pré-pandêmico que
uma série de designers têm pautado demarcações de gênero, trazendo
avanços à androginia setentista e consequentemente à noventista, que
evoluiu em termos de pertencimento de gênero e segue ditando o có-
digo queer. Os croppeds, decotes, fendas e micro-shorts, bem como as si-
lhuetas acinturadas e os volumes bufantes no guarda-roupa “mascu-
lino” fizeram redações inteiras pautarem o “novo homem”, mas as mu-
danças ocorreram pra todes. Ternos intensificaram o tititi com o indu-
mentária esportiva, e tanto a cultura techno quanto a clubber resolveram
fazer pazes com a alfaiataria para desconstruir velhas ideias sobre me-
nininhos e menininhas. A “masculinidade” se emancipa em texturas e pa-
letas de cores aconchegantes. Entramos numa era de códigos abertos que
atende programadores de garagem e os rincões do Vale do Silício.

MNOW 04 2021
INTRO

Ainda há muito o que ser feito, verdade. Homens trans,


com ou sem seios, ainda são subrepresentados nos ideais de
“nova masculinidade”. E a fome de pele que conduziu de-
zenas de campanhas repletas de sensualidade tem sido aliado
a uma série de ideais capacitistas, combinemos.

AHLUWALIA-MENS-SS22/
DIVULGAÇÃO

MPRO 05 2021
INTRO

© DANIEL FARO / DTS Tantos meses em casa também nos aguçaram o olhar sobre o pas-
sado. Exemplo disso é que, seguindo a linha de produções audiovisuais
recentes, como Pose e It’s a Sin, designers têm se proposto a lançar um
olhar mais astuto para o que ocorreu durante a epidemia de AIDS entre
os anos 70 e 80. Em busca de ferramentas para entender o presente e dar
o devido reconhecimento a sujeitos historicamente marginalizados,
ocorre um movimento de encontro ou de releitura de ancestralidades
como forma de encontrar algum conforto e/ou senso de identidade em
tempos que parecem não ter qualquer precedente.
E se a arte é território de projeção, os desfiles mostraram que,
bom, não dá pra evitar mencionar as questões que nos afligem nos
noticiários — pandemias! o colapso climático! o avanço do autorita-
rismo! —, mas, com algum esforço e muita vacina, dá pra imaginar
outros mundos, onde expressões mais ousadas sejam abraçadas com
alguma alegria. Há quem queira fortalecer os velhos códigos visuais,
como comentaremos nas próximas páginas, mas mesmo entre essa tur-
minha, existe um certo senso de esperança; uma ânsia pela elegância
e por um pouquinho de estabilidade num mundo que virou de cabeça
pra baixo. A alfaiataria, como já antecipamos, continua se esforçando
pra acompanhar as ruas. Técnicas ancestrais de tingimento e bordado
conversam com peças pra lá de urbanas, e a casa, com suas superfícies
reconfortantes, invadiu o guarda-roupa. O novo não faz questão de pa-
recer tão novo assim. Já tem muita novidade esbaforindo por aí.
A seguir, os apontamentos do MJournal para o guarda-roupa que
renasce.

MPRO 06 2021
PARTE 1

IN
MEMORIAN:
RECONHECER
RAÍZES PRA
ALCANÇAR
OS (S)CÉUS

MPRO 07 2021
PARTE 1

Graças às redes sociais e


à voz que grupos raciali-
zados vêm ganhando em
espaços de poder, as identi-
dades estão sob lupas. Per-
tencer já não é mais só uma
questão de panelinhas ou
do que consumimos; é mi-
nerar narrativas que foram
sistematicamente silen-
ciadas e expressar de onde
viemos — um movimento
que vai muito além das di-
nâmicas reducionistas das
tendências. Olhe ao redor:
crianças cruzam os braços e
bradam “Wakanda Forever”,
sedentas pelas mitologias do
continente africano e pelas
perspectivas do afrofutu-
rismo; a indígena da etnia
paiter-suruí Txai Suruí foi
uma das vozes de destaque
da COP26; a colombiana-a-
mericana Kali Uchis, o por-
to-riquenho Bad Bunny, a
cyber-venezuelana ARCA
e a argentina Nathy Peluso
tão fazendo todo mundo
arranhar as artimanhas da
sedução em espanhol; se-
gundo a Bloomberg, das
25 maiores estrelas pop do
mês de janeiro de 2021, 12
saíram de lugares que falam
um idioma diferente do in-
glês. A mentalidade global
JW-ANDERSON FALLWINTER 21/ enfim incorpora a ideia de
DIVULGAÇÃO que a pluralidade de narrativas e sotaques não só é bem-vinda como
também é muito mais divertida. E se antes todo mundo tinha de receber
o que quer que o Tio Sam nos vendesse, hoje, a gente vai ficando cada
vez mais interessado nas expressões culturais de lugares onde a gente
sequer colocou os pés — pelo menos não presencialmente!

MPRO 08 2021
PARTE 1

Nos últimos anos, mais pessoas buscaram entender as


próprias origens e ampliar pontos de vista sobre suas co-
munidades. É que bateu na geral um desejo de compreender
águas passadas e entender como raios a gente chegou aqui,
nesse presente distópico. Cada um deu seu jeito. E foi assim
que mais pessoas investiram em saber mais sobre seus ante-
passados e/ou de que parte do globo veio.

09
© NICK FANCHER / DTS

MPRO 2021
PARTE 1

De acordo com a MIT


Technology Review, entre o
início de 2018 e o começo de
2019, mais de 26 milhões de
pessoas ao redor do mundo
já fizeram testes de ances-
tralidade, promovidos por
diversas empresas, inclusive
brasileiras. Este boom foi
motivado principalmente
pela mudança no valor do
serviço que, ao longo do
tempo, foi ficando mais
acessível. E essa necessidade
de compreender as origens
se fortaleceu ainda mais nos
últimos meses.
Onde as diásporas res-
gatam, aos poucos, suas
raízes, as pessoas buscam,
em antigos álbuns de fa-
mília e nos acervos foto-
gráficos decoloniais que ga-
nharam as galerias e redes
sociais nos últimos anos,
referências estéticas e afe-
tivas que passam longe da
© FANETTE GUILLOUD / DTS
massificação. Haoris, camisas inspiradas nos trajes tangzhuang, ternos
dashikis, kaftans senegaleses, calças hakamas e outras tradições recu-
peram seu lugar no vocabulário da vestimenta contemporânea. Téc-
nicas ancestrais de bordados e estamparias reavivam ateliers adorme-
cidos e conversas sobre os fornecedores prejudicados pela pandemia,
como foi o caso da apresentação Spring 2022 da White Mountaneering.
Ao mesmo tempo, peças que já tinham seu lugar garantido, como
sobretudos, jaquetas, camisas e calças, dialogam com um passado lon-
gínquo, muuuito além do vintage, assumindo laços, arremates, com-
primentos e arranjos que fariam orgulho em reis, corsários e militares
dos séculos 17 e 18.
Além disso, o trabalho de estilistas como Grace Wales Bonner re-
lembra, para os “esquecidinhos”, as raízes negras da alfaiataria con-
temporânea, levando-a para um lugar onde imaginários diaspóricos
se cruzam para tecer outras possibilidades de futuro.

MPRO 10 2021
PARTE 1

CASABLANCA

WHITE MOUNTANEERING

WALES BONNER

VIVIENNE WESTWOOD

O upcycling e a onda brecholeira também deixaram suas contribui-


ções nesse cenário. Com cada vez jovens instagrammers e tiktokers re-
correndo a bazares, brechós de Instagram e antigos acervos de marcas
para compor um guarda-roupa único, a imagética fashion vem aco-
lhendo o aspecto envelhecido das peças, transformando roupas vintage
em peças-desejo através de reajustes de silhueta e/ou técnicas de rede-
sign. Alô, o planeta tá sob um colapso climático, quem é que quer fazer
feio gastando litros em processos de tingimento ou de reparo dispen-
diosos hoje em dia?

MPRO 11 2021
PARTE 1

Nessa busca incessante por entender as próprias origens num


mundo de histórias silenciadas e desmentidas, muita gente vem estrei-
tando a relação com a espiritualidade, o que tem pouquíssimo a ver com
práticas ortodoxas ou com a própria religiosidade. Ó, pra se ter uma ideia:
em 2020, as redes sociais do Muslim — plataforma que busca promover
discussões sobre o islamismo com um tom de humor beeeeem millennial
e genz — ganhavam de 500 a 1000 novos seguidores por dia. No Brasil,
“Torto Arado”, romance de Itamar Vieira Júnior, alcançou o topo das
listas de livros mais vendidos, colocando as mitologias do Jarê — religião
de matriz africana que resulta de uma amálgama dos candomblés das
nações de nagô e bantu, com forte presença
na região da Chapada da Diamantina —
e seus encantados na ponta da língua de
muita gente. Para as novas gerações, a as-
trologia e o tarô são usados não como fer-
ramentas para fazer previsões, mas para
ganhar novas percepções sobre o presente.
As respostas para um mundo tão es-
pinhoso parecem mesmo não estar neste
plano: além das crises econômicas que vêm
nos assombrando desde 2008, passamos
por um colapso sanitário rodeado de in-
cógnitas, encaramos regimes de trabalho
©
© DANIEL FARO / DTS precarizados — mesmo entre as startups que faziam os olhinhos da ge-
ração Y brilharem há alguns anos — e ainda nos recuperamos do rastro
deixado pela ascensão de líderes extremistas na última década. A saúde
mental anda tão na ponta da língua que virou meme. A impressão é que
tá todo mundo pifando.
O problema é que, além desse contexto global que faria alegria
em qualquer vilão chinfrim, a crescente exposição ao universo digital
já gera outras preocupações: com tantas companhias como o Google
e Faceb...ca-ham, Meta disputando nossos olhares a tapa, já tem neu-
rocientista dizendo que vivemos uma crise de déficit de atenção e an-
siedade. Quantas vezes recorreu ao Google para lembrar o nome de al-
guma celebridade, de uma rua ou marca, só porque a memória não aju-
dava de jeito algum? Embora não haja estudos conclusivos sobre os
efeitos do universo digital sobre nossas capacidades de processamento,
dá pra afirmar que nossos processos cognitivos têm sido cada vez mais
perpassados por essas tecnologias. Como salvar nossas memórias da li-
quidez do ambiente virtual? O que fazer para que os rastros de nossos
momentos mais queridos não se limitem a um story? E é nesse afã pra
capturar o tempo que muita gente anda valorizando os efeitos da pas-
sagem do tempo sobre os tecidos, para o horror da sua vovó.

MPRO 12 2021
PARTE 1

Mas é claro que esta não é uma ode contra a era digital.
Esses mesmos espaços virtuais onde todo mundo vive de
bicar uma coisa ou outra entre as abas abertas também
têm sido nossos espaços de conexão uns com os outros. Em
paralelo à exaustão trazida pelas telas, também entendemos
que a tecnologia pode ser uma aliada e um refúgio para
nossos dias solitários, mas isso é coisa que a gente investiga
nas próximas páginas.

SUNNEI FALL WINTER 21/


DIVULGAÇÃO

MPRO 13 2021
PARTE 2

ALFAIATARIA
PROGRESSISTA:
AOC
GENERATION
NA CADEIRA
DA DIRETORIA

MPRO 14 2021
PARTE 2

Quem acompanha as Matutas e o MJournal sabe que o novo


progressismo anda mexendo com nossos imaginários de
poder — mesmo que, em países assolados por governos con-
servadores e excludentes, como é o caso do Brasil, ele assuma
um caráter aspiracional, por enquanto.

Trocando em miúdos, essa leva de políticas liberais não-autori-


tárias ascendendo pelo mundo têm trazido novas possibilidades aos
cargos de liderança. Enquanto Meghan Markle e o príncipe Harry es-
cancaram que a Família Real não é tão legal assim, a série “Succession”
faz do #EatTheRich” o ethos de uma das dramédias mais populares dos
últimos anos. Desse lado de cá, os presidentes do México e Argentina se-
laram um acordo de novo eixo progressista, no qual pretendem romper
com a herança dos últimos governos. A Câmara dos Deputados do Chile
abriu o processo de impeachment de Sebastián Piñera por causa das ir-
regularidades denunciadas no Pandora Papers e por sua ação violenta
contra as manifestações populares de 2019. Ainda em terras chilenas,
a Assembleia Constituinte — dividida entre homens e mulheres com o
objetivo de propor uma Constituição alternativa à redigida durante o
regime militar — vem sendo presidida por uma mulher mapuche, a dou-
tora em li- teratura e linguística Elisa Loncón.
Nesse cenário, as dinâmicas de gestão já não se alinham a
posturas opressoras e excludentes. Na verdade, instituições perceberam
que diversidade leva a bons resultados, que o léxico político-econô-
mico precisa comportar novos termos e
modelos. A gente não precisa mais de um
terno sisudo para mostrar competência em
uma determinada área, né?
A turma do Vale do Silício teve a sua
contribuição nessa, mas vem cá: depois
do Occupy Wall Street, da Marcha das Mu-
lheres, do Black Lives Matter e dos movi-
mentos sociais que agitaram a COP26,
rola não olhar mais pras ruas? Até 2025,
75% da força de trabalho pelo mundo será
millennial, significando outros rumos em
cargos de liderança para uma geração que
defende o diverso com unhas e dentes, não
tem paciência pra lero-lero e faz meme com
“trabalhe com o que ame e não tenha de
© ELIAS MARCOU
REUTERS/ADOBE STOCK

MPRO 15 2021
PARTE 2

trabalhar um só dia da sua vida.” Isso sig-


nifica que empatia e estruturas horizontais
ganharão mais valor nas empresas, mas a
gente não precisa ter a pretensão de querer
salvar o mundo ou inserir propósito em
tudo o que fazemos — às vezes, trabalho
é só sobre trabalho, e, sério, tá tudo bem
mesmo. A tônica do TikTok ganhou a in-
ternet de vez: ria de si mesmo, concilie pers-
pectivas diferentes e parta pra ação, porque
o colapso climático e a derrocada do capi-
talismo como conhecíamos estão logo ali.
“Agroecologia”, “renda básica universal” e
“economia circular” já não são termos res-
tritos a corredores de universidades.
Alinhados a esse desejo de reima-
ginar espaços de poder, a alfaiataria e
o streetwear fizeram as pazes. Na próxima
reunião do Zoom, prepare-se para dar uma
engomadinha no pijama, pero no mucho.
Não é que aquela camisa muito bem
cortada tenha perdido seu lugar, ela apenas
precisa ouvir as ruas, pluralizar seus
discursos e,
WALES BONNER MENS SPRING
SUMMER 22/DIVULGAÇÃO poxa, entender que, as vezes, tá tudo bem
se amarrotar.
Em contraposição aos
velhos líderes que gritam
e recorrem à verborragia,
a “alfaiataria masculina”
se suaviza em texturas re-
confortantes e paletas de
cores alegres repensando
comprimentos: croppeds
e bermudas abraçando o
culto ao corpo tido como
atlético - reforçando ideais
de magreza e capacitismo,
e, contrariando os valores
BA BOTTER MENS FALL 21/
da gen Z. DIVULGAÇÃO

BALENCIAGA READY TO WEAR

16
SPRING 22 PARIS/DIVULGAÇÃO

MPRO 2021
PARTE 2

E é por essa chegada dos millennials ao


poder que ela já não se inspira mais nos
super ternos dos workaholics da década de
80; ela tá muito mais inclinada ao despo-
jamento da congressista democrata ame-
ricana Alexandria Ocasio-Cortez, de Ba-
rack Obama ou das celebridades pretas do
hip hop e da música pop que ascenderam
a cargos de liderança nos últimos anos. É
hora de repensar formalidades. Política
pode ser cool. É nessa leva que tecidos
tecnológicos, como os que utilizam po-
liéster reciclado, passam a dialogar com
materiais premium, como o algodão pima,
o linho e a seda. As modelagens vão fi-
cando mais amplas para acomodar a esté-
tica athleisure e expressões de gênero mais
fluidas. O moletom estruturado e ultraoti-
mizado consegue assumir o lugar do cos-
tume. Ele, por sua vez, cedeu às dinâmicas
de relacionamento do século 21: abdicou
da monogamia entre o blazer e a calça e
resolveu brincar com croppeds, batas, ves-
tidos e suéteres. Aqui, peças de tricô sua-
vizam austeridades e autoridades.
E se o novo progressismo chega di-
zendo “vamos com calma”, ele também
lida com fenômenos tecnológicos que
apressam mudanças comportamentais
e transformam modelos de negócios da
noite pro dia. Uma pesquisa da empresa
de softwares Salesforce apontou que 84,2%
dos gestores pretendem promover algum
BODE FALL 2021/DIVULGAÇÃO formato de trabalho remoto no pós-pan-
demia. E com esse tanto de gente indo trabalhar em casa, teve gente
que percebeu que esse negócio de viver num cubículo não tá com nada:
em cidades como Nova York e Londres, o êxodo urbano já é uma rea-
lidade. Pra quem fica, o jeito é criar uma fissura para a imaginação e
para o contato com a natureza, preenchendo cada cantinho com plantas
hiperfaturadas.

MPRO 17 2021
PARTE 2

THE ROW

BERLUTI

DEVEAUX

, WHITE MOUNTANEERING BOTTER

18
ETRO MENS

MPRO 2021
PARTE 2

Mas ó, nem tudo se restringe a escapismo: tem muita gente que-


rendo enfiar a mão na terra e repensando a própria relação com a natu-
reza de maneira mais sóbria, o que coloca tons terrosos e típicos de pai-
sagens naturais em pauta. Jardinagem e agricultura verticais ganham
cada vez mais adeptos e a fórmula “investir mais para comprar menos”
ainda é uma máxima da turminha sustentável. No mesmo compasso, a
súbita valorização do sol lá fora vem transformando conjuntos de cores,
texturas e propostas de estilo. Deixa a luz entrar, deixa!

© CHRIS ABATZIS / DTS

MPRO 19 2021
PARTE 2

© DANNY OWENS / DTS

20
© DANNY OWENS / DTS

MPRO 2021
PARTE 2

Somado a essa onda verde na paisagem urbana, vem o questionamento crescente


das jornadas de trabalho impostas pelo capitalismo neoliberal nas últimas décadas.
Afinal, com operações digitalizadas e uma série de operações sendo comandadas por
mecanismos de inteligência artificial, não faz sentido que continuemos a operar nos
horários de entrada e saída das fábricas que inauguraram o século 20. Começa, assim,
a rolar com maior nitidez uma flexibilização das organizações, a expansão do trabalho
freelance e um movimento, mesmo que ínfimo, para tornar as estruturas de trabalho
aparentemente um pouco mais humanizadas. Ainda que, do outro lado, haja uma cres-
cente e constante precarização das estruturas de trabalho (apoiada em reformas tra-
balhistas neoliberais),
existem iniciativas que
visam promover o bem
estar dos trabalhadores.
Pense, por exemplo, nas
empresas que criaram
setores de cuidado para
a saúde mental dos fun-
cionários e nas em-
presas de jornalismo
que reduziram as cargas
horárias de suas equipes
durante a pandemia.
É preciso ficarmos
atentos, contudo. Todas
essas transformações
trazidas pela digitali-
zação e pelo debate am-
biental ainda se res-
© DANNY OWENS / tringem a profissionais capacitados e/ou beneficiados pelas estruturas de estratifi-
DTS
cação patriarcais e racistas que marcaram a consolidação do capitalismo. Embora
algumas empresas percebam que precisam fazer um esforço coletivo para habilitar
profissionais para lidar com as novas tecnologias, muita gente tem ficado de fora
nessas novas dinâmicas de trabalho. Estimativas da McKinsey & Company apontam
que mais da metade dos trabalhadores de baixa renda, deslocados durante a pan-
demia, poderão precisar mudar para ocupações em faixas de salários mais altos que
requerem habilidades diferentes para permanecer empregados. E o colapso climá-
tico promete intensificar essas desigualdades.
Diante dessas questões, resta a pergunta: se a moda que se dissemina nas redes
sociais é cada vez mais sobre roupas e atitudes e menos sobre discursos (um emoji na
legenda já basta), como ela vai conduzir ações de promoção da justiça climática e da
equidade social para além de ideais aspiracionais? Se programas de sustentabilidade
e diversidade continuarem a ser tratados à parte e não integrarem o cerne das marcas,
vai ser difícil abrir espaço para um projeto de futuro.

MPRO 21 2021
PARTE 3

NEVERLAND:
UM
MERGULHO
LÚDICO SOB
UM FUTURO
SOBRENA-
DANTE

MPRO 22 2021
PARTE 3

E por falar nisso, você também está sentindo dificuldade


de fazer planos ou de imaginar o que vai ser da sua vida em
alguns anos? Sentiu que o tempo passou de uma maneira
meio confusa nos últimos meses? Puxa a cadeira, porque a
turminha do futuro suspenso resolveu se juntar no recreio.
Que todo mundo levou um puxão de tapete da pandemia
é um fato, mas essa interrupção de planos ficou ainda
mais evidente entre as gerações mais novas. Os nascidos
entre 1995 e 2010, que estavam preparadíssimos pra ter as
primeiras experiências no mercado de trabalho e na vida
afetiva, foram os que mais viram seus planos pessoais
ameaçados por esse momento.

Bom, parte disso começou quando as rendas pessoais foram afe-


tadas pela onda de desemprego e pela suspensão de bolsas escolares. Se-
gundo a pesquisa “Juventudes e a Pandemia do Coronavírus”, do Con-
selho Nacional da Juventude, 6 a cada 10 jovens tiveram alteração em sua
carga de trabalho desde o início da pandemia: seja por aumento, redução
ou parada temporária das atividades, ou
ainda por demissão e fechamento do local.
As oportunidades de estágio foram redu-
zidas e, para muitos, foi impossível manter
os planos de estudos ou de carreira. Já a
Organização Internacional do Trabalho
da ONU estima que, durante a pandemia,
o equivalente a 255 milhões postos de tra-
balho foram perdidos em todo o mundo.
Para se ter uma ideia, esse é um impacto
quatro vezes maior do que o provocado pela
crise de 2008. E foi assim que, nos últimos
meses, muita gente teve que voltar pra casa.
Muitos precisaram revisar os laços com fa-
miliares e frequentar ambientes que ocu-
param durante a infância. Foi o momento
de reencontrar o pôster daquela banda que
entendia seus sentimentos, pelúcias, cai-
xinhas de bijuterias, DVDs de filmes favo-
ritos, móveis um tanto pequenos demais e
álbuns de fotos.
© FANETTE GUILLOUD / DTS

MPRO 23 2021
PARTE 3

DOUBLET MENS JIL SANDER CASABLANCA

UNDERCOVER

24
ERL MSGM

MPRO 2021
PARTE 3

E se estamos todos, de algum modo, revendo planos, tentando


projetar novos sonhos e/ou reencontrando sonhos juvenis, não é de
espantar, portanto, que elementos do descomplicado imaginário in-
fantil venham povoando ainda mais a imagética da moda. “Ainda mais”
porque essa nostalgia já andava forte: quando o mundo se liquefaz, a
saudade aperta, e dá-lhe estética de colagem. Produções como “lately I
feel EVERYTHING” e “SOUR” de Willow Smith e Olivia Rodrigo, res-
pectivamente, que o digam.
Nesse cenário, há sim uma necessidade enorme de encontrar algum
senso de alegria na rotina — quem não se pegou suspirando de saudades
de coisas antes banais? — que nos faz revisitar produções confortáveis.
Mas nessa busca por conteúdos e superfícies quentinhas e reconfor-
tantes, há também um ímpeto de autopreservação. Em meio a tanta in-
formação, ideais de perfeição, violências sistêmicas e ameaças ao nosso
planeta, não dá uma vontade absurda de se enfiar debaixo do cobertor
e pedir um pouquinho de silêncio? Não é de se surpreender, então, que
o guarda-roupa esteja nessa busca incessante por uma estética mais
confortável. Abraçando modelagens que se ampliam — por vezes, as-
sumindo papel de mantas a cabanas —, tecidos macios (ultrapremium e
ultratecnológicos, como a lã merino) e tons terrosos, cada vez mais pes-
soas vão ficando assim... meio parecidas com um sofá.

25
© LUCAS OTTONE /ADOBE STOCK

MPRO 2021
PARTE 3

JW ANDERSON

DOUBLET WALTER VAN BEIRENDOCK

Essa autopreservação, aliada à hiperfuncionalidade do organismo


humano otimizado pelas extensões digitais (ver tópico seguinte), traz
para o guarda-roupa maxivolumes, bolsos e possibilidades de rápida
adaptação, como elásticos e zíperes. Aquela calça que virava bermuda
e depois virava calça de novo tá aqui, felizinha que só.

MPRO 26 2021
PARTE 3

Há também um aspecto lúdico. Comprimentos diminuem, ja-


quetas que parecem saídas de uma produção do Katsuhiro Otomo
(“Akira”) roubam a cena, cadarços com LEDs já nem parecem tão ab-
surdos, plataformas nos
igualam a protagonistas de
animes e bichinhos fofos
aparecem em mochilas
que parecem saídas de um
parque de diversões. E ó,
nem tudo precisa ter um aca-
bamento perfeito. No pós-
-boom do faça você mesmo,
a gente já aceitou que dese-
nhar torto é mesmo bom de-
mais e que a gente não pre-
cisa se cobrar tanto quando
pode se divertir no processo
de fazer um cardigan igual-
zinho ao do nosso ídolo. Não
dá pra se levar tão a sério em
tempos de TikTok, né? E por
falar nele...
Com uma lógica de pro-
dução de conteúdo ágil e sem
filtros, o aplicativo da em-
presa de tecnologia chinesa
ByteDance ainda é majorita-
riamente utilizado por gera-
BALENCIAGA FALL 2021
ções mais jovens: 32,5% dos
/DIVULGAÇÃO seus usuários têm entre 10 a 19 anos, 29,5% entre 20 a 29, e 16,4% entre
30 a 39. Por isso, ele é marcado por uma estética truegen, que parte de di-
nâmicas colaborativas para produzir conteúdos ágeis, sem muita neces-
sidade de edição. Isso trans-
forma perspectivas não só da
indústria audiovisual, como
também para a apresentação
de produtos, que, diante dos
olhos de uma parte signifi-
cativa do público, já não são
mais estáticos e nem passam
por tratamentos estéticos ex-
cessivamente elaborados.

JW ANDERSON FALL WINTER 2021/


DIVULGAÇÃO

MPRO 27 2021
PARTE 3

Mas mesmo nessa terra de coreografias e piadas ágeis, há muito es-


paço para que uma “geração sem esperança”, como aponta a jornalista
Eliane Brum, debata questões socioambientais com a urgência que elas
merecem. É que o presente precisa ser resolvido hoje e, por mais infan-
tilizados que alguns códigos soem, tudo carrega muita urgência. Com
moletons ou uniformes de colégio, a juventude ocupa parlamentos para
se fazer ouvida.

DSQUARED2 MENS FALL 2021/


DIVULGAÇÃO

MPRO 28 2021
PARTE 4

ALFAIATARIA
ASSÉPTICA:
A FILOSOFIA
DA PROFILAXIA
REFORÇANDO
VELHAS
ESTRUTURAS

MPRO 29 2021
PARTE 4

© DANIEL FARO/DTS

© DANNY OWENS / DTS

MPRO 30 2021
PARTE 4

Esta aqui entrou na conta da pandemia. Diante dos riscos de contágio


que se acentuam a cada vez que uma nova variante do coronavírus chega
ao mercado, hábitos simples, como lavar as mãos e higienizar alimentos
ganharam os holofotes de nossas rotinas. A profilaxia virou um jeito de
operar para uma boa parte de nós. O medo de adoecer ou de perder pa-
rentes próximos é real e já acentua quadros de Transtorno Obsessivo
Compulsivo (TOC). Pra se ter ideia, um estudo
realizado pela Universidade de Aarhus, na Dina-
marca, aponta que os danos causados a pacientes
com esse tipo de transtorno são ainda mais in-
tensos entre crianças.
A tecnologia promete nos dar uma mão-
zinha nessa. A Amazon, em parceria com a Whole
Foods, já criou um robô munido de lâmpadas de
radiação UV para aniquilar o vírus em superfí-
cies. O material autolimpante NitroPep, da Uni-
versidade de Birmingham, pode ser aplicado em
mesas e paredes. Tecidos com nanotecnologias
antivirais já são utilizados para barrar o contato
da pele com vírus. O Instituto Butantan investe
na ButanVac, vacina para a Covid-19 que pode ser
produzida em laboratórios de baixo custo, como
os utilizados para produção da vacina da gripe.
Até que esses mecanismos de assepsia estejam
massivamente disponíveis ao público, o medo do
contágio vai reconfigurando nossos gestos e a ma-
© DANIEL FARO/DTS
neira como interagimos com o mundo. Mas, se protocolos de higiene
podem ser objetivamente mensurados, eles continuam passando por es-
truturas de estratificação subjetivas que insistem em atribuir o limpo
àqueles que detém mecanismos de poder. O coronavírus não escolhe
quem contamina, mas ele definitivamente causa mais danos às popu-
lações marginalizadas, e elas continuam a ser apontadas como respon-
sáveis pela disseminação do vírus.
E é assim que o anti-infectologismo corre o risco de acentuar a
tônica de uma parcela da população que busca na estética limpa uma
forma de se distinguir. Aquele pensamento fascista, que vive de suspirar
por velhas estruturas e por revogar pensamentos coloniais, pode en-
contrar na assepsia o argumento para marginalizar o que não lhe ape-
tece aos olhos. Dá-lhe conservadorismo: linhas retas, paletas de cores
alinhadas à opressão do mármore, estéticas militaristas, o reforço da
cisgeneridade, o combate ao adorno e ao que nos diferencia. A higiene
é essencial, mas é preciso ter cuidado para que ela não fundamente um
discurso higienista.

31 2021
PARTE 4

AMBUSH

SUNNEI

ISSY MIYAKE

JIL SANDER

Ca-ham, depois dessa palestrinha, vale lembrar que há alguma luz


no fim do túnel: a ascensão de uma alfaiataria asséptica nos mostra que
poderemos contar cada vez mais com a tecnologia têxtil para nos man-
termos protegidos, otimizarmos processos a favor do planeta e dei-
xarmos nossas rotinas mais práticas. Ela vem com uma tônica sóbria,
que advoga por um guarda-roupa funcional, repleto de peças atempo-
rais e de excelente qualidade. Ponto para a sustentabilidade.

MPRO 32 2021
PARTE 5

HIPERFUN-
CIONALIDADE
EM ESTADO
DE GUERRILHA:
APOCALIPSE
NOW EM
DIREÇÃO AO
ESPAÇO

MPRO 33 2021
PARTE 5

A gente não sabe exatamente para o quê, mas estamos nos


equipando de corpo e alma com a estética do athleisure.
Começamos a projetar peças para um super organismo em
estado de guerra, capaz de entregar performance 24h/dia.
Chega de conversar sobre moda; o negócio é tratar a roupa
como roupa, um dispositivo capaz de nos auxiliar e nos
proteger em nossas rotinas. Daí o armário vai ganhando
macacões que parecem ter saído do acervo de um para-
quedista, jaquetas com tantos bolsos que parecem mode-
ladas para centopeias, capuzes duplos com corta-ventos,
peças extensíveis, e céus, muitos zíperes e fivelas.
Na moda, a hiperfuncionalidade é resultado do avanço
de uma série de tecnologias vestíveis — dos wearables aos
tecidos inteligentes — e dispositivos encarados como ex-
tensões de nosso corpo. Como a gente te contou ali atrás,
SACAI SPRING READY TO WEAR você não precisa mais se desdobrar para decorar rotas e
TOKYO 2022/DIVULGAÇÃO
aniversários quando, com um comando de voz, você pode pedir a ajuda
de uma IA. Tá todo mundo virando ciborgue e nossos processos cog-
nitivos vem sendo continuamente atravessados pela digitalização. A
constante busca por produtividade (intelectual & corporal & financeira
& afetiva & sexual & familiar & etc), é marca de um regime econômico
neoliberal e individualista que, aliada ao culto contemporâneo ao corpo
e ao estado de eterna vigilância sobre si, também dá um impulso nesse
processo. Para anestesiar o medo da finitude e do que
não podemos controlar, acreditamos que tudo, absoluta-
mente tudo, pode ser otimizado. Nós sempre vamos in-
ventar um jeito de continuar: mais fortes, mais incríveis,
mais adaptáveis. A cada dia, uma nova e melhor versão de
nós mesmos; pronta para o combate, mas com pouquís-
simo tesão — quem é que transa nesse estado de tensão,
né? Mas a gente fala disso daqui a pouco.
Mas não dá pra ignorar que a bendita pandemia
também deu um empurrãozinho nessa. Com tanta gente
recorrendo a todos os mecanismos possíveis para se pre-
venir do contágio, o vocabulário imagético também
passou por uma reconfiguração. Cientistas, enfermeiros,
infectologistas e médicos se destacaram nas linhas de
frente, fazendo com que lançássemos um olhar fetichista
para seus uniformes. E em meio a tantos discursos ne-
gacionistas, a ciência vai ganhando um caráter nobre, o
que confere aos trajes espaciais da NASA um caráter de-
sejável. É só analisar os números das séries de ficção cien-
tífica nos canais de streaming.

34
ISABEL MARANT MENS SPRING 2022 PARIS/
DIVULGAÇÃO

MPRO 2021
PARTE 5

Essa necessidade de uma cobertura high tech para o corpo também


denuncia as disparidades do apocalipse iminente. Enquanto uma pan-
demia assola o mundo e, junto ao colapso climático e a políticas de
morte, intensifica desigualdades, bilionários ganham os céus em pro-
gramas espaciais privados. Em julho deste ano, Jeff Bezos usou a estru-
tura da sua empresa de veículos aeroespaciais, Blue Origin, para que ele
e uma tripulação de ricões ficassem dez minutos na superfície da Terra,
conhecendo o que a microgravidade tem a oferecer de melhor para os
seus poros.

© MOUTHWASH STUDIOS/DTS
Mas quem anda com ideais regados a muitos episódios de Battlestar
Galactica e as-mais-doidonas-da-Grimes é Elon Musk. Com foguetes
de componentes reutilizáveis da SpaceX — er, alô, economia carbono
neutro...? —, ele pretende estabelecer uma presença humana perma-
nente em Marte, concentrando seus investimentos em um plano B para
evitar a extinção da nossa espécie e torná-la multi-planetária. O Star-
ship, um dos projetos mais recentes da SpaceX, terá capacidade para
levar 100 pessoas ao espaço e já promete exceder a capacidade de pro-
pulsão do Sistema de Lançamento Espacial (SLS, em inglês) da Nasa —
que, atualmente, é o veículo de lançamento mais poderoso construído
desde 1960.

MPRO 35 2021
PARTE 5

Seguindo a premissa de obras como “Elysium” (Neill Blomkamp, 2013),


“Cowboy Bebop” (Shinichiro Watanabe, 1998) e “New Space Order”
(Sung-hee Jo e Song Joong-Ki, 2021), os primeiros passos da economia
espacial carregam as desigualdades, o ecofascismo e o individualismo
que vêm marcando os arranjos socioeconômicos aqui na Terra desde
os anos 70. Afinal, enquanto muitos de nós temos a circulação restrita
— seja pela pandemia, pelas crises migra-
tórias, pela pobreza ou pelas violências de
raça e gênero —, o turismo espacial inicia
sua jornada com bilhetes de 250 mil dólares
para voos suborbitais. O avanço do desma-
tamento e do garimpo faz com que a Ama-
zônia já emita mais CO2 do que absorve,
segundo o Instituto Nacional de Pesquisas
Espaciais (Inpe). Porém os investimentos
necessários para frear a degradação da flo-
resta ainda são destinados a empresas que
pouco fazem pelos povos originários ou
pela preservação de ecossistemas do Sul
Global.
Dessa forma, qual humanidade habi-
tará as colônias de Marte em 2050? Quais
empregos serão criados no planeta ver-
melho, enquanto dezenas de milhares de
pessoas ainda estão à margem da economia
digital aqui no planeta azul? Quais serão
as condições de vida e bem-estar criadas no
espaço quando a visão de uma boa relação
com a natureza torna-se cada vez mais in-
termediada por uma visão asséptica, criada
por pessoas brancas e privilegiadas?

ALYX MENS SPRING SUMMER 2022/


DIVULGAÇÃO

MPRO 36 STELLA MCCARTNEY PARIS SPRING 2022 RTW/


ALESSANDRO-LUCIONI GORUNAWAY
2021
PARTE 5

E se a exploração do espaço deixa de ser exclusividade da ciência e


dos empreendimentos governamentais, mais pessoas passam a se apro-
priar desse gesto numa esfera de projeção, mesmo que aspiracional e
distante. Se, nos anos 70, 80 e 90 a imagética da ficção científica nas
mídias de massa era povoada de aventureiros caucasianos, com expres-
sões em inglês e ambientes embranquecidos, hoje, ela passa a abrigar
expressões plurais, com olhares mais coloridos sobre o que pode ser a
navegação pelo espaço sideral. A hiperproteção para um futuro que não
sabemos como e onde ocorrerá vai ganhando composições estéticas
mais globalizadas, que promovem o diálogo entre técnicas e modela-
gens tradicionais e o high tech de laboratório. A navegação pelas estrelas
que nos guiam daqui vai ganhar cor, textura e sotaques diversos. E os
monólitos acinzentados ficarão no âmbito da fantasia de Carnaval.

REESE COOPER MENSWEAR SPRING 2022/


DIVULGAÇÃO

37
PARTE 6

CONFORTO
SENSORIAL:
A
NOSTALGIA
DE UM
MUNDO
TÁTIL

MPRO 38 2021
PARTE 6

Pedir um almoço, comprar uma roupa nova, fazer exercícios, realizar


reuniões e pagar contas são algumas das experiências cotidianas que
antes nos faziam atravessar a cidade e nos colocavam a mercê do acaso.
Hoje, todas elas podem ser intermediadas por telas e o mundo vai ga-
nhando, sem qualquer sutileza, um caráter bidimensional. Por isso, os
objetos e experiências que nos relembram sensações táteis do mundo
vão ganhando status de desejo e luxo.

É óbvio que estamos mais e mais desespe-


rados para nos sentir confortáveis. Se ao
consumir notícias e informações isso se
torna muito difícil, a crescente por algum
consolo que seja vem se intensificando nos
últimos tempos. Se ficar em casa é nossa
opção, que seja possível vermos nela ob-
jetos que nos amparem, ou que possamos
ter dentro dela experiências que nos
motivem.
E já que uma boa parte de nós pre-
cisou ficar de molho em casa, é mais que
justo conceder a ela um pouquinho de pres-
tígio. Afinal, ela cresceu diante de nosso
campo visual: é espaço para o sono, para o
lazer, para os exercícios, para o trabalho,
para o estudo e para a criação. Segundo a
consultoria de inovação Consumoteca, o
maior tempo de permanência em casa tem
trazido a necessidade de readequação dos
espaços para novos contextos de uso. No
Brasil, 55% da Classe A e 39% da Classe C
fizeram alguma mudança na decoração
durante este período pandêmico. A pes-
quisa também revelou que passar mais
tempo em casa contribuiu num desejo de
cuidar melhor desse ambiente, isso para
© DANIEL FARO /DTS ambas as classes. Sabe quem se deu bem nessa? As floriculturas, que,
com cada vez mais espécimes e artigos colecionáveis, andam fomen-
tando selvas urbanas por aí. A gente quer estreitar nossos laços com o
mundo; é hora de trazer a natureza para pertinho de nós.

MPRO 39 2021
PARTE 6

Nessa busca exasperante por con-


forto, cada vez mais pessoas vão ficando
com uma expressão assim mais… fofa. Com
sentimentos de nostalgia aflorados e busca
por fazer do lar um templo, cada vez mais
pessoas vestiram o aventalzinho para pro-
duzir o próprio pão, afloraram seus dotes de
artesanato e entenderam que o afeto está
nos pequenos atos. Então, porque não in-
vestir também em produtos orgânicos, além
de microempreendedores, que só estão ten-
tando fazer o bem? No Brasil, como apontou
uma pesquisa da Union + Webster, 87% das
pessoas preferem comprar produtos e ser-
viços de empresas sustentáveis, e 70% não
se importam de pagar um pouco mais por
isso.
Esse desejo por se aproximar de uma
rotina mais simples também mexeu com o
vocabulário estético de muitos criadores.
Em contraposição à presença cortante da
tecnologia, buscamos expressões suaves e/
ou rústicas. É como se, por empatia ou pu-
ríssima identificação, nos fundíssemos com
as criaturas selvagens por meio de couros,
peles e fibras falsas. Presenciando um co-
lapso climático e a negligência de líderes
que pouco ou nada fazem pela preservação
do meio ambiente, adquirimos, aos poucos,
a nostalgia de uma natureza saudável, atre-
lada à culpa pelo estilo de vida predatório
ERL MENSWEAR FALL 2021/ que vivemos. Para se ter uma ideia, em se-
ELI-RUSSELL LINNETZ
tembro de 2020, o World Wildlife Fund pu-
blicou um relatório mostrando que a po-
pulação global de uma série de grupos de
animais caiu em quase 70% nos últimos 50
anos devido à atividade humana. Já um re-
latório publicado na Nature mostrou que as
populações de tubarões e raias diminuíram
em mais de 70% pelos mesmos motivos. Um
terço dos peixes de água doce entraram
em risco de extinção, segundo o mesmo
estudo.

40
BETHANY WILLIAMSMENSWEAR SPRING 2022/
DIVULGAÇÃO

MPRO 2021
PARTE 6

© ALLIE LEHMAN /DTS E se a consciência ambiental não ajuda, o medo de mais uma pandemia
pode dar aquele empurrãozinho para adotarmos hábitos mais sustentá-
veis. Afinal, dados do Global Virome Pro-
ject (GVP), apontam que 75% das doenças
infecciosas emergentes são provenientes
de animais silvestres ou domésticos, in-
cluindo pandemias de origem zoonótica,
como a Covid-19. Segundo o grupo, esse
percentual vem aumentando significativa-
mente nas últimas décadas devido à ação
humana, com intervenções que levam ao
desequilíbrio da fauna e flora do planeta.
Já passou da hora de ampliarmos nossas
ações para além dos canudos de metal e
do veganismo; precisamos partir para um
plano de reabilitação ambiental sistêmico,
que leve em consideração conhecimentos
ancestrais de cuidados com a terra e pro-
mova a justiça climática.

41
© CHRIS ABATZIS /DTS

MPRO 2021
PARTE 6

Nesse cenário, emergem as marcas que investem em biotecnolo-


gias, como as que transformam cogumelos e algas em superfícies vestí-
veis e apetitosas aos olhos. A estética do upcycling já se consolida como
um gênero, mas ainda precisa de incentivos governamentais e da von-
tade das marcas para atingir uma fatia maior do público. Hoje, uma
parte ínfima da produção é devidamente reciclada e/ou descartada. Vale
mencionar também a pertinência da reciclagem de fibras, como ocorre
com o poliéster, e das políticas de rastreamento e desenvolvimento da
cadeia produtiva, capazes de provocar impactos regenerativos em todos
os pontos da produção.

LANVIN MENS SPRING SUMMER 2022/


DIVULGAÇÃO

MPRO 42 2021
6
PARTE 7

LETARGIA
ERÓTICA:
QUAL SEXO
VENDE?

MPRO 43 2021
PARTE 7

Quantas nudes você já fez hoje? Não, não, calma, isso aqui
não é um sexting, muito obrigada. Todo o incentivo do mundo
pra você colocar essa bunda pra jogo, mas a gente vai con-
tinuar com os estímulos meramente cerebrais, seguindo o
que os parcos feromônios dos nossos tempos têm a oferecer.
A gente sabe que tá foda: com um repertório audiovisual pra
lá de pornificado, qualquer matuteire de plantão sabe como
tocar uma conversinha fiada. Mas, fora do quadro da webcam,
as experiências sexuais andam assim...em suspensão.

44
© DANIEL FARO /DTS

MPRO 2021
PARTE 7

Dados de uma pesquisa divulgada


pela Universidade de Florença em 2021 apon-
taram que a insatisfação sexual entre os en-
trevistados passou de 7,4% antes da pan-
demia a 53,3% durante os meses de distancia-
mento. O mesmo estudo mostrou, contudo,
que a vontade de uma boa sentada aumentou
em 40%. Ou seja, os desejos continuam ali,
mas eles sublimam sem se realizar, seja pela
monotonia imposta pelo confinamento,
© DANIEL FARO /DTS pelo excesso de aflições dos nossos tempos
— os germes! a acne! as novas variantes! a
crise econômica! líderes incompetentes! ce-
lebridades antivaxx! o colapso climático! e
pelo amor, mais um álbum do Ed Sh**ran?
—, pela exaustão das jornadas de trabalho
neoliberais ou pelo excesso de estímulos. O
erotismo vai, aos poucos, tornando-se uma
emancipação mental.
Isso não implica, necessariamente,
uma ausência do prazer, como nos mostra o
crescimento na venda de vibradores e lubri-
ficantes. É que muita gente, simplesmente,
tem feito um movimento mais introspec-
tivo para entender os próprios limites.
Vale considerar que esse recolhimento se-
xual ocorre em um mundo que está reedu-
cando olhares. Por obra de gente como Cé-
line Sciamma (“Retrato de uma Jovem em
Chamas”) e Michaela Coel (“I May Destroy
You”), as representações imagéticas de vi-
vências sexuais têm ultrapassado o recorte
imposto pelo olhar masculino cisheteronor-
mativo; no lugar, elas propõem a diversidade
de desejos e o consentimento como bandeira
— uma herança do #MeToo. A hiperssexua-
lização de corpos e corpas dissidentes vem
ISSEY MIYAKE SPRING 2022 passando por um debate democratizado. Por isso, as coleções pós-pan-
READY TO WEAR dêmicas vieram em tom de readequação de discursos, ora pelo deboche,
ora pela subversão das expectativas do velho mundo. São microshorts
masculinos, fendas e croppeds para todos os gêneros, seios e tórax à re-
velia e ternos estruturados que tiram sarro das cocaine chic que prome-
tiam conquistar os centros financeiros nos anos 80 e 90.

MPRO 45 2021
PARTE 7

BLUEMARINE CHANEL CHET LO

VERSACE

BLUEMARINE

46
GUCCI

MPRO 2021
PARTE 7

VERSACE

BLUEMARINE GUCCI

Mas, se a euforia sexual vai ficando mais e mais a encargo da


mente e das imagens que consumimos nas redes, ela vai assumindo
também a dualidade típica de um mundo polarizado, que faz da anu-
lação do outro um movimento de emancipação do indivíduo. Medos
e desejos entram em atrito numa ótica dual, quase sempre morali-
zante, como posto pela psicanalista Maria Homem. Aos relevarmos as
nuances da natureza humana, vamos entrando na lógica dos discursos
de ódio que nos afastam do encontro.

MPRO 47 2021
PARTE 7

E enquanto todo mundo vai explorando o próprio


fogo no rabo em território seguro (a sós, diante da câmera
do celular, sob a acolhedora luz de uma LED roxa) com um
vastíssimo repertório de safadezas, os criadores desse re-
pertório vão sendo punidos na contínua higienização pro-
movida pelos algoritmos. Pouco se fala sobre as strippers
que criaram o pole dance contemporâneo — hoje, fonte de
empoderamento corporal das feministas mais descons-
truidonas. Por causa de obstáculos impostos por sistemas
de pagamento — que não querem se envolver em escân-
dalos sexuais como os protagonizados pelo Pornhub —,
trabalhadores do sexo vem sendo banides de plataformas
como o OnlyFans. As fotos dessas pessoas, aliás, são con-
tinuamente punidas pelas políticas de imagem das redes
sociais, que não mostram o mesmo moralismo quando
as imagens são protagonizadas por modelos magras e
PRADA SPRING 2022 READY TO WEAR
MILAN-SHANGHAI/DIVULGAÇÃO sem deficiências aparentes em anúncios de campanhas milionárias.
Não é de se estranhar, portanto, que harness (ou cintos e suspensórios
que cumprem esse papel), pleasers, cintas-ligas e luvas de couro poten-
cializem looks sem fazer referências diretas às suas ori-
gens. Vem tudo assim, no máximo, com um brilhinho di-
vertido. Importante é manter o astral lá nas alturas, né?
A profilaxia para prevenir-se do outro, impulsionada
pela sisuda orquestra dos algoritmos privilegia ainda
ideais de beleza atrelados ao consumo. Belos não são os
olhos de seu pai, a boca de sua mãe ou qualquer outra
baboseira que um poeta romântico venha sussurrar em
seus ouvidos; são os olhos, a boca, os cílios e a cintura
que você pode comprar (por meio de micro intervenções,
maquiagem, skincare e tratamentos de comprovação cien-
tífica duvidosa) e traduzir em imagem. A volta da esté-
tica Y2K tem lá seus motivos: a popstar coberta de strass
e borboletas extravagantes é tão desejável quanto impos-
sível de alcançar.
Da kardashianização de padrões à plena aceitação
PRADA SPRING 2022 READY TO WEAR
MILAN-SHANGHAI/DIVULGAÇÃO dos filtros que mediam nossos olhares sobre nós mesmos, o Yassify bot
andou passando o rodo. Performamos diante de um falso espelho. As
formas vazadas, as fendas, cavas e cinturas baixíssimas que vemos
hoje podem até expressar a nossa fome de pele, mas elas dizem cada vez
menos sobre uma sexualidade de trocas. Estão mais para uma ideali-
zação de quem se fecha numa performance de si.

MPRO 48 2021
PARTE 7

© MADDIE SPANIER /DTS

Como pontuado por Daniel Rodgers, da Dazed, quando todas as representações


de sexualidade caem na pasteurização imposta pelos algoritmos, é preciso resgatar
a subversão — ou, no mínimo, o que nos intriga o olhar. A sexualidade não é limpa e
homogênea, como tantas imagens repetitivas fazem parecer ser: não se trata de ter a
boca x, os seios y, as pernas beta yada yada. Ela é um tanto esquisitona; precisa apelar
para o nosso desejo de preencher. E se é hora de recriar o léxico da sedução no guarda-
-roupa, alguns designers já toparam o desafio, vide a ressignificação de formas retas
e do uso de ornamentos pouco convencionais que ganharam as passarelas.
Vale lembrar, contudo, de algumas brechas nesse cenário que requerem a nossa
atenção na leitura dos símbolos que têm ganhado o guarda-roupa. Como discutimos
lá nos capítulos Conforto Sensorial e Neverland, a hostilidade dos nossos tempos, so-
mada à solidão sentida nos últimos meses e as expectativas de estabilidade trazidas
pela geração Z, vêm fazendo com que mais pessoas busquem por sexo associado à
companhia. Em meio ao fim do mundo, quantas vezes precisaremos voltar ao isola-
mento imposto por nossas casas nos próximos meses e anos?
Menos pautado por falsos moralismos e mais pela busca de algum aconchego,
esse erotismo confortável vai também se entregando às minúcias do cotidiano, fa-
zendo as pazes com nossas vontades mais genuínas e se associando ao olhar cheio de
detalhes que só a intimidade traz.

MPRO 49 2021
PARTE 6
7

LETARGIA
ERÓTICA:
CONCLUSÃO
QUAL SEXO
VENDE?

MPRO 50 2021
CONCLUSÃO

© MARLEN STAHUTH /DTS Por mais conservadora que a ideia de um desfile possa parecer ao pú-
blico após as privações provocadas pela pandemia, as ideias apresen-
tadas nas passarelas e vídeos das últimas temporadas nos mostram um
guarda-roupa que não cogita voltar ao que era antes. Mesmo entre as
marcas que fazem a manutenção de um código cisheteronormativo, há
um olhar polido pelas tensões raciais, de gênero, geopolíticas, ambien-
tais e de classe que vêm conduzindo a formulação de um novo mundo.
A moda permanece como um território de expressão de ideias, mas
ela já não consegue mais fugir do seu papel para concretizar discursos.
Quando tudo parece se desvanecer em imagens, é preciso deixar ras-
tros capazes de encantar um público que se encanta cada vez menos por
palavras jogadas ao vento.
Para além dos novos protocolos de higiene e da revisão de priori-
dades nas agendas, os últimos meses foram pedagógicos ao resgatar a
importância da utopia e do sonho. É nesse território de projeções que nos
preparamos para as questões mais espinhosas do mundo, formulando
estratégias criativas que escapam do cinismo imposto pelo colonialismo

MPRO 51 2021
CONCLUSÃO

e pelo autoritarismo. Se ainda não estava evidente, as passarelas cra-


varam de vez que as respostas para um mundo que renasce está no aco-
lhimento de múltiplos territórios e ancestralidades; na re-incorporação
das ciências em nosso cotidiano e no reconhecimento dos saberes que
há muito as instituições de pesquisa e corporações deixaram de lado.
Se nossos corpos vêm se transformando, objetiva e subjetivamente,
é preciso que o olhar sobre eles também se reconfigure. Aos poucos,
as marcas se mostram mais aptas a acolher a fluidez de gênero, mas
ainda se mostram descon-
certadas diante de corpos
não-magros ou com defi-
ciência. O que falta para
solucionarmos a equação
adaptabilidade + susten-
tabilidade nos processos
produtivos? Seriam esses
os tempos da moda sob
demanda, ou de marcas
que tratam seus pro-
dutos como dispositivos
personalizáveis?
E se as responsabilidades
sobre o setor aumentam,
cresce também a neces-
sidade de abrir espaço
para a diversão. Não há
organismo que se mova
em eterno estado de con-
tração, seja pelo excesso
de informação ou por ten-
sões. A ideia, aqui, é fazer
com que a reformulação de
estruturas seja uma tarefa
criativa para mais e mais
pessoas. O guarda-roupa
renasce por um trauma,
mas também por uma ne-
cessidade intensa de sorrir.

© DANIEL FARO / DTS

MPRO 52 2021
2021
Mpro
IN MEMORIAN, ALFAIATARIA PROGRESSISTA, NEVERLAND, ALFAIATARIA ASSEPTICA,
HIPERFUNCIONALIDADE, CONFORTO SENSORIAL Y LETARGIA ERÓTICA.POR IGI LOLA AYEDUN E ANA CAROLINA RODARTE
© 2021 MJOURNAL.ONLINE ™

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