Você está na página 1de 2

PR ÁTI CA S PE

R EDSE
A GN ÓG
HA ICAS

THE TRUE COST. Direção: Andrew Morgan.


Produção: Michael Ross
Los Angeles: Life is My Movie,
2015. 92 min.

FA B E R PAGAN OTO ARAUJ O


Licenciado, Mestre e Doutor em Geografia (UFRJ)
Professor do Colégio Pedro II (Campus São Cristóvão III)
f a b e r p a g a no t o @ gm a i l . co m . br

O documentário The True Cost conta a descarta toda vez que precisa abrir espaço no
história das roupas: uma história das roupas que armário para abrigar as novas peças adquiridas
vestimos, das pessoas que as fabricam e do numa liquidação? Como é possível pagar cada
impacto que elas produzem no mundo. Seu objetivo vez menos pela roupa que vestimos?
principal é mostrar os reflexos diretos e indiretos do Em 24 de abril de 2013, um edifício
consumismo na vida das pessoas invisibilizadas de oito pavimentos desabou no centro de
na ponta de baixo da cadeia produtiva da indústria Daca, capital de Bangladesh, matando 1129
da moda. Traz inúmeros questionamentos éticos, pessoas. Nele funcionavam confecções que
morais, sociais e ambientais dos bastidores do forneciam peças para grandes redes de varejo
setor, negligenciados pela sociedade. Ao fazê- mundialmente conhecidas. Este é o ponto de
lo, e talvez este seja seu maior trunfo, expõe de partida para o filme questionar o preço virtual
forma ágil, sensível e muito didática uma das das roupas. O custo que não é computado no
mais importantes dimensões do pensamento valor afixado na etiqueta. O preço que não é
geográfico: a multiescalaridade dos fenômenos, pago pela indústria que movimenta cerca de
sobretudo em tempos de globalização. três trilhões de dólares ao ano.
Ao longo do longa-metragem, vão se Segundo informa, 97% das roupas
descortinando as diversas camadas escondidas consumidas nos Estados Unidos são produzidas
a montante e a jusante das passarelas e das de forma terceirizada em confecções localizadas
vitrines com as novidades da última coleção. em países periféricos e semiperiféricos, sobretudo
Onde são fabricadas as roupas que você usa? do sudeste da Ásia. A estratégia, típica do pós-
Quem produz as roupas que você veste? Sob que fordismo, ajuda a explicar porque as roupas são
condições elas são produzidas? De onde vem o um dos poucos bens de consumo a apresentarem
algodão necessário para fabricar o tecido? Como deflação nas últimas duas décadas: exportar a
ele é cultivado? Pra onde vai a roupa que você produção material para espaços que garantam

G I R A M U N D O , R I O D E J A N E I R O , V . 5 , N . 1 0 , P. 1 3 3 - 1 3 4 , J U L . / D E Z . 2 0 1 8 . 133
RE S E NHA | T H E TR U E C O S T

a redução dos custos produtivos, sustentando intensivo de agrotóxicos contaminando solos


(de modo paradoxalmente insustentável) a e cursos d’água; o manuseio de defensivos
comercialização de roupas a preços tão baixos químicos afetando a saúde dos agricultores que
que as tornem praticamente descartáveis lidam com quantidades cada vez maiores de
a fim de garantir o fluxo das 52 coleções veneno sem proteção; a adoção de sementes
anuais anunciadas pelas grandes redes: uma geneticamente modificadas que reduzem a
coleção por semana. A “fast fashion” é o biodiversidade e tornam os produtores reféns
novo modus operandi da indústria da moda. das empresas multinacionais de biotecnologia; os
Os salários pagos aos trabalhadores das preços em queda tornando as roupas descartáveis
confecções em Daca se aproximam de uma e estimulando a exportação de peças de segunda
média de U$3/dia. E a tendência é pagar menos, mão para países periféricos e desestruturando,
já que as empresas ameaçam seus fornecedores como consequência, a frágil indústria têxtil
com a possibilidade de buscar novos parceiros presente nestes locais.
em outros territórios. Um exemplo claro de uma Seguindo o padrão dos noticiários, que
das faces mais nefastas da globalização: as encerram suas edições diárias com amenidades
empresas hegemônicas ou permanecem para ou mensagens de esperança, em sua parte final
exercer plenamente seus objetivos individualistas são mostradas algumas iniciativas de economia
ou retiram-se. Para a maior parte da humanidade solidária e plantio orgânico de algodão que abrem
– e Daca é apenas ilustração deste padrão – a espaço para um debate sobre as potencialidades
globalização se impõe como uma fábrica de e os limites da busca por soluções sistêmicas
perversidades. (SANTOS, 2002) eficazes dentro do próprio capitalismo.
O filme apresenta a dificuldade de Para uso como ferramenta didática, é
mobilização dos trabalhadores, que tentam uma excelente forma de abrir um conjunto de
sem sucesso articular a formação de sindicatos, aulas sobre globalização. Provoca perguntas,
associações e manifestações duramente inquietude, surpresa. Dá sentido ao que será
reprimidas pela polícia. As lideranças mais apresentado pelo professor. Esclarece de forma
engajadas são perseguidas e demitidas pelos muito eficiente que os fenômenos não se dão de
donos das confecções, que precisam jogar o forma isolada: ao contrário, as relações humanas
jogo das grandes corporações para as quais e ambientais são complexas e sistêmicas. É,
fornecem as roupas. A terceirização isenta estas também, uma excelente forma de fechar o mesmo
corporações de qualquer responsabilidade legal conjunto de aulas, articulando ideias, organizando
pelas precárias condições de trabalho às quais pensamentos, sugerindo novas reflexões.
aquelas populações são submetidas.
Há boa parte do filme dedicada a Ficha técnica
investigar os impactos dessa estrutura produtiva Direção: Andrew Morgan
fragmentada globalmente em ambas as pontas Roteiro: Andrew Morgan
da cadeia: nas áreas rurais onde o algodão é Elenco Principal: Livia Giuggioli, Stella McCartney,
cultivado e nos países que recebem volumes Vandana Shiva, Richard D. Wolff
cada vez maiores de roupas de segunda mão. Produção: Michael Ross
Também aqui o documentário ilustra de forma Música: Duncan Blickenstaff
muito rica diversos temas caros ao ensino de Distribuição: Life is My Movie
geografia nos cursos de nível médio: o uso Lançamento (Estados Unidos): 29/05/2015

REFERÊNCIA

SANTOS, Milton. Por uma outra globalização: do pensamento à consciência universal. Rio de Janeiro:
Record, 2002.

134 G I R A M U N D O , R I O D E J A N E I R O , V . 5 , N . 1 0 , P. 1 3 3 - 1 3 4 , J U L . / D E Z . 2 0 1 8 .

Você também pode gostar