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CARROS DE SONHO - HOT ROD 3

Uma avassaladora paixão


PRESIDENTE: Paulo Roberto Houch
prh@editoraonline.com.br

REDAÇÃO
Diretora de Redação: Andrea Calmon
redacao@editoraonline.com.br

O fenômeno hot rod surgiu na primeira metade do


Colaboraram nesta edição: Roberto Marks (Editor-executivo) século passado, fomentado diretamente pela acelerada
veiculos@editoraonline.com.br
Luiz Guedes Jr. (Subeditor)
Rogério Ferraresi (pesquisa e textos)
popularização do automóvel nos Estados Unidos, o pri-
Bob Sharp (Revisão técnica)
Saulo Mazzoni (fotos) meiro país a incentivar a democratização deste veículo.
PROGRAMAÇÃO VISUAL
Coordenação: Arlete Scantamburlo
O sonho de ter seu próprio automóvel estimulava a
diagramacao@editoraonline.com.br
Programação Visual: Fabiano da Silva Duarte
Aux. Adm. de Diagramação Jr.: Marcos Alex Borges
juventude americana da época a invadir os ferro-velhos
ESTÚDIO para, com pouco dinheiro, comprar os componentes
Coordenação Fotográfica: Arnaldo Bento
estudio@editoraonline.com.br que possibilitassem montar um carro na garagem de
PUBLICIDADE
Diretor de Publicidade: Isidro de Nobrega casa, com a ajuda apenas de parentes e amigos.
Gerente de Publicidade: Patrícia Massini Caldeira

Executivos de Conta:
comercial@editoraonline.com.br
Antônio Demésio, Célia Candido, Eliana Com o tempo, essa mania se transformou numa pai-
Aparecida Monteiro, Graziella Vilela
Fonseca, Luciana Lemes Rodrigues,
Jussara Baldini, Márcia Figueira
xão que acabou influenciando não só o dia-a-dia, mas
Assistente de Publicidade:
Rosana Franchi e Simonetta Ielo
Alexandra M. Cavalcanti e Fabiana a própria cultura americana. Um fenômeno que gerou
Gomes de Lima

MARKETING
um estilo de vida e que se solidificou, com o passar dos
Coordenação de Marketing: Daniela Cardoso

Assistente de Marketing:
mkt@editoraonline.com.br
Bianca Grasseschi
anos, além de se diversificar em inúmeras correntes,
CANAIS ALTERNATIVOS vendaavulsa@editoraonline.com.br desde os modelos de carros até as competições. Hoje,
Eduardo G. Aguiar, Luciana Castropil
Logarzo, Mauro Garbellini, Renata Aurélia A.
de Carvalho e Ronie Emerson Miquelino
hot rod pode ser tanto um modelo baseado num
Tel.: (0**11) 3393-7777
roadster original, inclusive com carroceria de plástico/
LOGÍSTICA Luiz Carlos Sarra

ADMINISTRAÇÃO financeiro@editoraonline.com.br
fibra de vidro, como um moderno sedã de série, claro
Gerente de Suprimentos: Jacy Regina Dalle Lucca
Gerente Administrativa: Isabel Cristina Ferreira que devidamente “tunado”.
CRÉDITO E COBRANÇA
Auxiliares: Nanci de Souza Monteiro, Nanci de Araújo Essa ambigüidade se verifica na própria definição do
Nunes e Patricia Silva Souza
cobranca@editoraonline.com.br termo hot rod, que ainda hoje gera acaloradas discus-
Impresso por Prol Editora Gráfica
Distribuido no Brasil por Dinap sões. Enquanto muitos especialistas afirmam que se
Embalagem e manuseio Riprell Ltda.
Distribuição em Portugal Midesa S.A.
trata de uma redução de hot roadsters (quente, aqui no
CARROS DE SONHO - HOT ROD é uma publicação do IBC Instituto Brasileiro
de Cultura Ltda. - Cx. Postal 61085 - CEP 05001-970 - São Paulo - SP -
Tel.: (0**11) 3393-7777
sentido de veloz), numa referência direta aos modelos
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do editor. utilizados para a construção dos primeiros hots; outros,
NÚMEROS ATRASADOS com o IBC ou por intermédio do seu jornaleiro ao
preço da última edição acrescido das despesas de envio.
entretanto, garantem que o termo surgiu na década de
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Cultura - Depósito em conta corrente Banco do Brasil - Ag. 3320-0 - Conta
1930 e se traduz literalmente como “biela quente”, já
6592-7 enviando comprovante e dados para envio por fax. É necessário
checar a disponibilidade do exemplar em nosso estoque com antecedência. que rod, em inglês, significa haste e, como biela, “con-
online@editoraonline.com.br
Pela internet: www.revistaonline.com.br necting rod”. Porém, como o fenômeno ultrapassou as
A On Line Editora tem a revista que você procura! Confira algumas das nossas
publicações e boa leitura. fronteiras americanas, esta definição acabou se espa-
ARTESANATO: Apostila de Pintura • Arte & Découpage • Arte do Ideograma
• Arte em Festas Infantis • Arte em Madeira • Arte em Papel • Artesanato em
Meia de Seda • Artesanato em Pet • Bijuteria & Acessórios • Biscuit Bebê • lhando pelo mundo. Os franceses chamam seus hot
Biscuit Especial Cozinha • Biscuit Especial Ímãs • Biscuit Especial Potes •
Biscuit Extra • Bonecas de Pano • Cortinas & Bandos • Cosmética Artesanal •
Craquelê • Decoração Artística Especial • Decorando Álbuns - Scrapbooking •
rod de “bielle chaude” (quente), enquanto os italianos
Galeria em Tela • Galeria em Tela Especial • Moda em Bolsas • Passo a Passo
do Desenho & Pintura • Pastilhas e Mosaico • Pátina & Satinê • Pintura em de “bielle roventi” (ardentes) — embora nos fuja à com-
Tecido • Pintura em Tela • Pintura em Tela Especial • Sabonetes Artesanais •
Tie-Dye • Trabalhos Artesanais Especial • Velas Decorativas
MODA E BELEZA: Cabelos Afro • Cabelos Curtos • Cabelos Infantis • Cabelos
preensão como bielas, sozinhas, possam simbolizar o
Longos • Cabelos para Noivas • Figurino Debutantes • Figurino Festa • Figurino
Infantil • Figurino Moda Gestante • Figurino Moda Senhora • Figurino Moldes
• Figurino Moldes Especial • Figurino Noivas • Figurino Pajens e Daminhas •
alto desempenho de um motor ou de um carro.
Figurino Tamanhos Grandes • Unhas Decoradas
BORDADO: Arte em Barbante • Arte em Patchwork • Barradinhos em Crochê Mas isso tudo não tem a menor importância, já
• Barradinhos em Ponto Cruz • Bordados em Panos de Prato • Cordões
Encerados • Enxoval em Vagonite • Figurino Crochê • Figurino Ponto Cruz
• Figurino Tricô Inverno • Linhas e Pontos • Macramé • Moda Reciclada •
que hot rod virou basicamente sinônimo de automóvel
Monogramas em Ponto Cruz • Mouliné Bordados • Ponto Reto • Recicle e
Crie • Roupa em Crochê • Tapetes em Barbante • Tramas e Pontos • Tramas exclusivo, que se diferencia dos demais, comuns. É um
e Pontos Especial
NEGÓCIO: Meu Próprio Negócio Meu Próprio Negócio Especial
PLANTAS: Guia de Hortas e Pomar • Ikebana • O Mundo das Orquídeas • O carro especial, pelo qual seu proprietário não poupa
Universo do Bonsai • Plantas e o Feng Shui • Saúde e Cura pelas Plantas
Fitoterapia
BICHOS: A revista do Pit Bull • Adestramento & Treinamento • Bichos em Casa
tempo nem recursos para demonstrar sua paixão.
CULINÁRIA: As Melhores Receitas de Churrascos • Bolando Bolos •
Bolando Bolos Especial • Delícias da Cozinha Extra • Receitas Diet & Light • Uma avassaladora paixão, que atualmente também se
Salgadinhos & Receitas Especial
DECORAÇÃO: Anuário Casa & Decoração • Armários & Closets • Armários
de Cozinha • Banheiros & Lavabos • Casa & Ambiente Bebê • Casa &
populariza aqui no Brasil. E que, a partir dessa edição
Ambiente Bebê Especial • Cozinhas & Salas de Almoço • Decoração & Estilo
• Decoração & Lazer • Espaços Profissionais • Feng Shui em Casa • Grandes especial de Carros de Sonho - Hot Rod, passaremos a
Nomes da Decoração • O Quarto dos Filhos • Pequenos Ambientes • Projetos
para Banheiros • Quartos & Closets • Quartos de Casal • Salas & Livings •
Salas de Banho • Salas de TV dar merecida cobertura.
TURISMO: Campos do Jordão • Cancun • Cidades Históricas de Minas • Cuba
• Ecologia e Turismo • Florianópolis • Fortaleza • Lisboa • Litoral Brasileiro •
Natal • Orlando • Pacotes Turísticos • Pantanal • Paris • Porto • Recife • Resorts

Roberto Marks
Brasileiros • Roteiros de Hotéis Fazenda • Roteiros Românticos • Salvador •
Serra Gaúcha • Viagem com Filhos
VEÍCULOS: Automóveis Antigos • Dream Cars • Fúria • Pick Up’s & 4x4 •
Salões de Automóveis
ASTROLOGIA: Anuário Astrológico • Destino Astral • Simpatias e Dicas
ESPORTES: Edição Histórica Palmeiras • O Mundo do Futebol • O Mundo do
Editor Executivo
Futebol Especial
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ÍNDICE

06 ORIGENS
As raízes dessa louca paixão

14 PIONEIROS
Hot Roadster’s: Os vovôs radicais que geraram a onda

20 FORD TUDOR
Vigorosa paixão

26 CORRIDAS
Rumo aos Lagos Secos

FORD CUPÊ 1940


Speed Business

30

36 HISTÓRIA
O nascimento do Hobby

42 FORD F-100
Sonho de juventude
08 T-BUCKET
YELLOW STAR

Foto de capa: Saulo M

48 PERSONAGEM
O Rato louco por Hot Rod

CHEVY 1956
Loucuras de Verão 52
58 MADE IN BRAZIL
Prata da casa

64 LEGISLAÇÃO
Em busca da legalidade

66 AMIGOS DO HOT
Um grupo quente

CARROS DE SONHO - HOT ROD 7


ORIGENS
Texto: Roberto Marks / Foto: Reprodução

As raízes desta
louca paixão
O fenômeno hot rod surgiu há mais de 70 anos,
nos Estados Unidos. Mas sua origem praticamente
remonta ao advento do automóvel

B
rasileiro é apaixonado por automóvel, diz o faz muita gente procurar desdenhar essa realidade. Ao
anúncio de uma companhia petrolífera na te- incentivar a motorização e conseqüentemente a indústria
levisão. O que dizer então dos americanos? automobilística, logo no alvorecer do século passado, os
Com quase 300 milhões de habitantes, a americanos criaram novos parâmetros para o desenvol-
América conta com uma frota que já supera vimento da nossa civilização.
os 230 milhões de veículos. Algo que significa basica- Se os europeus foram pioneiros na viabilização do
mente 1 automóvel para cada habitante, descontando as automóvel, os americanos é que difundiram o veículo
crianças, pré-adolescentes, idosos e pessoas que não como um bem de importância sócio-econômica, que não
gostam de carro — lá também tem gente que não gosta! só gerou riqueza, mas também abriu novas e impor-
Nada mais democrático. Por sinal, somente o fato de tantes perspectivas para a humanidade. Enquanto na
praticamente contar com um veículo para cada cidadão Europa diversas leis e elevadas taxas para licenciar e
já configura algo bastante democrático. permitir a circulação bloqueavam o desenvolvimento na
Além disso, o desejo do americano de possuir seu difusão dos veículos, os americanos incentivaram, ainda
próprio automóvel é incentivado em todos os sentidos, mais, o livre ir e vir, fomentando o uso do carro.
como também são permitidas modificações no carro O fenômeno hot rod, que surgiu e se difundiu por
ao “bel-prazer” do proprietário e com pouca burocracia, lá há mais de meio século, é um claro exemplo disso. A
desde que respeitadas as normas básicas de segurança, procura pelo automóvel, bem maior que a oferta, no pe-
bem definidas e de maneira democrática. ríodo pós-Segunda Guerra, criou uma necessidade que
E dizer que, para outros, democracia consiste foi rapidamente suprida nos numerosos depósitos de
especificamente na “sagrada obrigação” de votar (senão “ferro velho”, dos quais milhares de chassis, carrocerias
paga multa, além de sofrer outras sanções). E, pior: ser e motores usados foram salvos do sucateamento para
obrigado a eleger políticos que, “aboletados” no poder, voltarem a rodar com nova configuração e garantir o livre
geralmente costumam esquecer seus “firmes” ideais, ir e vir de seus proprietários.
bem como as promessas nos palanques. Independente
de matizes ideológicos ou de suas “convicções pesso-
ais”, esses políticos eternizam um círculo vicioso que RAÍZES ANTIGAS
“amarra” o País e seu desenvolvimento há várias déca-
das, renegando a própria e propalada democracia. Mas se esse fenômeno se difundiu basicamente
na segunda metade do século 20, suas raízes são
bem mais antigas. Não é nenhum exagero afirmar
que a semente foi plantada praticamente junto com o
LIBERDADE DE IR E VIR surgimento da indústria automobilística. Já no fim da
Porém, para os americanos, a sagrada liberdade de primeira década do século passado apareceram no
ir e vir é uma garantia. E, sem exageros, um dos pilares mercado americano os modelos especiais, denomi-
do invejado desenvolvimento sócio-econômico alcança- nados runabout que, como a próprio nome definia,
do por eles – apesar da popular “dor de cotovelo” que eram os esportivos da época, carros para participar
O Stutz
Bearcat 1914
pode ser
considerado
um dos
antecessores
dos hot rods

de “rachas” como subidas de montanha ou reides, já


A POPULARIZAÇÃO
que naquela ocasião corrida em circuito ainda era algo
raro. DO AUTOMÓVEL
Estes modelos, para conseguir alcançar razoável A década de 1920 foi marcada pela acelerada populari-
performance, eram aliviados ao máximo, já que na zação do automóvel nos Estados Unidos, que já no começo
época os motores ainda tinham baixa potência espe- dos anos vinte superavam a produção de 2 milhões de
cífica e “envenená-los” era algo difícil e de alto risco veículos anuais. Boa parte dessa produção era do carro
devido à fragilidade dos componentes. Ligas metálicas mais popular daquela época, o Ford Modelo T, que por isso
mais resistentes ainda estavam sendo desenvolvidas. mesmo também era o preferido para rachas e provas de
Com forte inspiração do Mercedes Simplex, considera- aceleração nos desertos e praias. A versão roadster do “T”
do o primeiro automóvel moderno, lançado na “aurora” era depenada como os runabouts e popularizou-se com
do século 20, os pioneiros esportivos americanos a denominação speedster. No Brasil, ficaram conhecidas
eram modelos muito simples do ponto de vista técnico, como “baratinhas”.
apesar de bem caros. Mais de 5 mil dólares em 1910 No começo da década de 1930, Henry Ford desenvol-
(acima de US$ 90 mil em valores atuais). veu o moderno e potente motor V8 Flathead, que reforçou
Por isso, esta primeira onda ficou reservada somen- o sucesso da marca nas pistas. Na mesma época em que
te aos jovens ricos que podiam desembolsar elevadas também começou a popularização das provas de stock
quantias no hobby. Mesmo assim, cerca de 50 fábricas cars, reservadas a carros de série, com uma produção mí-
desses modelos surgiram naquela ocasião. Dentre nima exigida e que recebiam uma preparação básica para
elas, marcas como Stanley (a pioneira no segmento), correr. Os avançados Ford V8 da época não davam chance
Chalmers-Detroit, Peerless, Simplex e Sharp-Arrow. para nenhum outro modelo. Estas provas foram o embrião
A maior parte, porém, não passava de oficinas de pe- da futura Nascar, que surgiu após a Segunda Guerra.
queno porte, que para montar seus modelos recorriam E também foi, nos anos 30, que começou a germinar
muitas vezes a componentes usados dos poucos carros o fenômeno hot rod, com o surgimento de vários fabrican-
sucateados de então. tes de componentes para “envenenar” os roadsters, ini-
Duas marcas, entretanto, se destacaram: Mercer e cialmente para corridas e, depois, para os carros de rua.
Stutz. Curiosamente, as duas foram criadas na mesma Assim, já na segunda metade da década de 1930, muitos
época (1909) e por americanos de origem alemã: jovens americanos, incentivados pela elevada oferta de
F.W. Roebling e Harry C. Stutz. Durante quase uma carros usados abandonados em depósitos de ferro-velho
década, elas disputaram a preferência dos primeiros e os devidos componentes para prepará-los, passaram a
maníacos por carro. Porém, com a Primeira Guerra, sonhar com sua própria “baratinha”. Além disso, podiam
acabaram sofrendo diretamente as conseqüências do realizar esse sonho facilmente e a baixo custo. Após a
conflito e foram à bancarrota. Ambas, sob controle de Segunda Guerra, o movimento virou uma “febre” e acabou
novos donos, foram relançadas após a guerra, mas os gerando um fenômeno que sobrevive há décadas e que,
tempos eram outros. há muito tempo, já ultrapassou as fronteiras americanas.

CARROS DE SONHO - HOT ROD 9


T-BUCKET
Texto: Rogério Ferraresi / Fotos: Saulo Mazzoni

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m 1999, o empresá- encontrar o tão desejado Impala Como a sorte não costuma
rio Wagner Aliprandi acabou se transformando numa bater duas vezes na mesma
começou a procurar incrível mudança de planos. porta, Wagner não titubeou e
aquele que seria seu Tudo começou quando Wagner se arrematou o hot, que já veio com
primeiro carro de cole- viu, casualmente, à frente de um Hot a clássica suspensão dianteira de
ção. Admirador do Chevrolet Impala, Ford T-Bucket (denominação surgida eixo rígido com tirantes laterais e
modelo que fez muito sucesso na nos EUA durante os anos 1950 para feixe de molas transversal. Bas-
década de 1960, passou a “caçar” definir os hots desenvolvidos em cima tante raro no Brasil, este sistema
um veículo em razoável estado de do popular Modelo T, que se asseme- é utilizado na grande maioria
conservação. Buscou em anúncios lhavam a um balde). O carro estava dos T-Buckets americanos. Nos
de jornal, visitou diversas lojas do em uma loja de automóveis, mas pre- modelos nacionais, geralmente é
ramo e freqüentou inúmeros eventos cisava ser terminado – tinha apenas utilizada a suspensão dianteira do
de automóveis antigos. Mas nada. chassi, mecânica e uma carroceria de Opala, independente e de molas
Nem sinal de um modelo que lhe plástico com fibra de vidro, oriunda de helicoidais que, apesar de eficien-
agradasse. Por fim, a dificuldade de um kit importado dos Estados Unidos. te, não tem o mesmo apelo.

CARROS DE SONHO - HOT ROD 11


T-BUCKET

O tanque de
combustível
cilíndrico tem
capacidade
para 35 litros e
foi instalado na
caçamba do
T-Bucket

alavanca no assoalho com manopla


REFAZENDO
REFAZENDO COERÊNCIA metálica, um típico acessório ame-
O
O TRABALHO
TRABALHO MECÂNICA ricano. Como se trata de um carro
Com o hot na garagem, Wagner Com a intenção de aperfeiçoar artesanal, foi necessário fazer um
passou a dedicar suas horas de a dirigibilidade do carro, Wagner cardã sob medida. Já o eixo traseiro
folga ao novo “brinquedo”. A tarefa abriu mão da coluna de direção que é o mesmo utilizado no Maverick V8
começou com a desmontagem veio no hot, do tipo vertical. Apesar (com relação de diferencial 3,07:1).
total do carro. A suspensão dian- de original, ela tornava a pilota- O sistema de freios também veio do
teira do “baldinho” foi mudada para gem bastante incômoda. No lugar, Maverick, com discos ventilados na
melhor enfrentar as esburacadas e adaptou a coluna de direção da dianteira e tambores na traseira, mas
onduladas ruas de São Paulo, com Rural Willys, que também cedeu a as pinças dos discos são de Chevet-
asfalto bem diferente do encontrado caixa de direção com rosca sem-fim. te, para ocupar menor espaço.
nos EUA e que, fatalmente, poderia O volante, entretanto, é o mesmo
causar danos ao trem rolante. que veio no kit: uma peça idêntica
Para não descaracterizar o à utilizada originalmente no Modelo
T-Bucket e, ao mesmo tempo, T, com os raios cromados e aro em
obter o molejo necessário, o novo madeira envernizada, mas de menor
proprietário adaptou os amortece- diâmetro. Para combinar, o carro
dores dos Opalas da antiga Stock ainda tem as duas hastes originais
Car, tanto no eixo dianteiro como que fizeram a fama do Ford “Bigo-
no traseiro, também com feixe de de”, cujas funções eram controlar o
mola único. Estes amortecedores avanço da ignição e o acelerador.
tiveram suas carcaças cromadas Meramente decorativas no hot, elas
para não destoar do resto do con- também são cromadas.
junto. O escapamento original, di- A mecânica utiliza o motor Ford
reto, fazia muito barulho. Por isso, 302 V8, que foi importado dos EUA
foi substituído por dois conjuntos nas décadas de 1970 e 80, para
“4 em 1” feitos artesanalmente na equipar o Maverick e o Landau. Este
própria metalúrgica de Wagner motor, de 4.942 cm³, é alimentado
com tubos de duas polegadas por um carburador duplo Motorcraft e
e que também foram cromados, desenvolve, de acordo com os dados
além de equipados com “abafador do fabricante, 197 cv (potência bruta O blower do motor 302
de JK”, que garante um ronco SAE) a 4.400 rpm. A caixa de câmbio V8 não funciona: sua
bem esportivo. automática de três marchas tem função é estética
T-BUCKET

DETALHES com itens como o scoop (tomada de Como a proposta não é fazer
ar) e tampas de válvulas Edelbrock, viagens muito longas, o hot recebeu
EXCLUSIVOS cabos de vela e bobina Accel, vare- um tanque de combustível peque-
A cor da carroceria, motor e tas de óleo do motor e do câmbio da no, de 35 litros. Também pintado
chassi é o amarelo Gesta, mas o Ford Motosports, medidor de pres- em amarelo, a peça tem formato
“baldinho” foi devidamente “em- são do combustível Holley e cárter cilíndrico e bocal de reabastecimen-
papelado” para também ganhar cromado. Além disso, o empresário to da Yamaha RD 350. Este tanque
pequenos filetes pintados na cor mandou instalar entre o scoop e o foi instalado na pequena caçamba
dourada. Wagner ainda contra- carburador um compressor mecâ- do hot e uma tampa, revestida de
tou um tapeceiro, que recebeu a nico GMC, que é do tipo Roots. O vinil preto, protege o reservatório.
incumbência de construir um banco componente está desativado, tendo Feitas sob encomenda, as rodas de
inteiriço para o T-Bucket, desde a apenas função estética (embora alumínio têm desenho semelhante
armação de metal e madeira ao possa funcionar sem problema às do Porsche 911 e, no miolo, são
revestimento em couro preto. algum, bastando para isso instalar pintadas da mesma cor do carro.
O motor também foi embelezado os lóbulos rotativos). Já os aros são polidos e do tipo

As rodas
tem desenho
semelhantes às
do Porsche 911
e foram feitas
sob medida

O volante e as
lanternas do
T-Bucket
vieram dos
Estados Unidos
destacável, além de possibilitarem a velocímetro, conta-giros, manômetro amarelo, vieram de uma empresa
utilização de pneus como os Pirelli de óleo, termômetro de água e o californiana, enquanto a buzina em
Mandrake 120/90/16, de motocicle- de óleo, vacuômetro, voltímetro e forma de caracol e o termômetro do
ta, montados na dianteira, e o Pace- medidor do nível de combustível. Os radiador, por pura sorte, foram en-
mark SR50 195/50/15, na traseira. espelhos retrovisores externos, tam- contrados num mercado de pulgas.
Escondida sob o assento, a bém cromados, foram encontrados O resultado de tanto esforço foi
bateria divide espaço com dois alto- numa loja de acessórios de motos um hot rod digno de tal definição.
falantes Pioneer. Sendo outros dois customizadas. Por isso, qualquer semelhança com
instalados nas laterais do console, Peças como colete do radiador e os modelos que se vêem nos filmes
acima dos botões de comando. O faróis, ambos de latão, vieram junto de praia da década de sessenta,
painel tem uma comprida lâmpada com o kit, mas a capota, sapatas desfilando na ensolarada Califórnia,
de néon e os instrumentos de fundo dos pedais, pára-brisa e sua arma- ao som de bandas como Beach
branco e formato circular são da ção foram feitos em São Paulo. As Boys, Surfaris e Ventures, não será
marca Cronomac, num total de oito: lanternas laterais, também de metal mera coincidência.

HOT ROCK
Das muitas bandas de rock americanas, os Beach Boys se destacou por fazer diversas canções falando sobre
carros, rachas e também hot rods. O grupo de “surf music” californiano, surgido em 1960, em Hawthorne, Los Angeles,
era formado pelos irmãos Brian, Dennis e Carl Wilson, juntamente com o primo Mike Love e o amigo Al Jardine. Um
dos primeiros sucessos do grupo, “Surfin’ Safari”, já fazia uma alusão às woodies, camionetes típicas das décadas de
1940 e 1950 que tinham as laterais revestidas de madeira e que, no começo dos anos sessenta, eram muito utilizadas
pelos surfistas. Já em “Little Deuce Coupe” eles destacavam as qualidades de um hot rod Ford 1932, equipado com
motor de Thunderbird.
Outro hit do grupo, “409”, contava a história de um jovem que, após muito esforço para economizar cada centavo,
finalmente pôde comprar o sonhado Impala com motor V8 de 409 polegadas cúbicas. Ainda, segundo a letra da can-
ção, este Impala tinha dois quadrijets (carburadores quádruplos) e Positraction (diferencial autobloqueante). Em “Shut
Down”, eles narravam um racha de Corvette Stingray e Dodge 880, enquanto em “Ballad of Ole Besty, falavam de um
velho calhambeque transformado em bólido, tal como em “This Car of Mine”.
Mas os Beach Boys não foram os únicos que se dedicaram a cantar a paixão dos jovens americanos pelo au-
tomóvel na década de 1960. Diversas bandas também fizeram gravações “velozes”, com destaque para os Regents,
banda que ficou famosa por composições como “Hey Little Cobra” e “GTO”. (R.F.)

CARROS DE SONHO - HOT ROD 15


PIONEIROS

Foto: reprodução

Hot Roadster’s
Os “vovôs” radicais
que geraram a onda
N
a década de 1920, o Ford Modelo T era o
automóvel mais produzido em todo o mun-
do. Por isso, sua versão roadster, denomi-
nada Speedster pelo fabricante, era tam-
bém a preferida nas corridas regionais que
começavam a se popularizar nos Estados Unidos. Com
a exceção dos streamliners (monopostos específicos de
competição, popularmente chamados naquela época de
charutinhos), o Ford Speedster era praticamente o único
modelo nas corridas americanas. Mais leve, prático e
barato que os cupês e sedãs, o roadster era ideal para
as rústicas pistas que existiam na época.
Deve-se destacar também que, enquanto a Ford
incentivava de maneira velada este “espírito esportivo”,
suas concorrentes, especialmente a General Motors,
não se interessavam pelo assunto. Além disso, em 1932,
a Ford lançou o revolucionário motor V8 Flathead. A con-
figuração de motor em V e oito cilindros já era conhecida
desde o começo do século 20, mas Henry Ford e sua
equipe desenvolveram um bloco extremamente com-
pacto, leve, fundido em uma única peça, com válvulas
laterais, daí a denominação flathead: os cabeçotes não
acomodavam válvulas e eram planos. Este motor logo se
tornou padrão para quem desejava mais desempenho.
Modelos do Ford Speedster, equipados com o V8
Flathead, logo impuseram um domínio absoluto nas
provas em ovais curtos, cujo pavimento era feito com
uma mistura de carvão e alcatrão e que acabou sendo o
embrião da futura Nascar. Outro tipo de disputa que se
popularizou na mesma ocasião foi as provas de arranca-
da, onde os carros equipados com o V8 de Ford também
dominavam. Muitos pilotos, inclusive, adaptavam este
motor em chassis do Ford T com os quais já corriam nos
anos vinte.
Quando a “onda” hot rod consolidou-se como hobby,
na década de 1940, os Ford roadster fabricados nos
anos 20 e 30 foram os preferidos. Eles também ti-
nham uma vantagem extra: podiam acomodar motores
Fred Lobello (no fundo
maiores, dos modelos fabricados a partir de 1948. Mas,
à direita) e seu Ford
principalmente, eram muito baratos e fácil de serem en-
roadster 1932, adquirido
contrados nos “cemitérios de automóveis” que prolifera-
em 1941 por US$ 65
vam nos EUA. Assim, no pós-guerra, qualquer americano

Baratos, leves e valentes,


os roadsters foram os
modelos que incentivaram
o surgimento do
fenômeno hot rod

CARROS DE SONHO - HOT ROD 17


PIONEIROS

Fotos: reprodução

O Ford
O Ford Roadster
Roadster de
de Jack
Jack
Calori tinha
Calori tinha motor
motor Mercury
Mercury V8,
V8,
cabeçotes Eddie
cabeçotes Eddie Meyer,
Meyer, coletor
coletor
de admissão
de admissão Weiland
Weiland ee dois
dois
carburadores Chandler
carburadores Chandler &
& Glove
Glove

podia montar um hot. Para tanto, bastava ir até um década de 1940. Vale lembrar que os roadsters dos
desses locais, comprar um chassi com uma carroceria anos 20 e 30, de um modo geral, não tinham freios nas
velha e uma mecânica Ford V8 usada, por um punhado rodas dianteiras, mas apenas um par de tambores no
de dólares e, nas horas de folga, montar o carro na gara- eixo traseiro, de tração. As rodas eram outra temerida-
gem de casa com a ajuda dos amigos. de, originais do Modelo A. Por serem fracas demais,
Recondicionar motores também era fácil e barato. foram substituídas gradualmente por jogos da marca
Além disso, havia uma grande oferta de peças, como Kelsey-Hayes. Estas também eram raiadas, mas de
anéis, bielas e pistões, a preços acessíveis. O mesmo maior resistência. Somente mais tarde começaram a
ocorria com “venenos” caseiros, como os carburadores ser usadas rodas de aço, de 16 polegadas, com calotas
múltiplos Stromberg, de segunda mão, coletores de e sobrearos cromados.
escapamento feitos artesanalmente e cabeçotes rebai- Os rodders também logo passaram a fazer uso de
xados em retíficas. É bem verdade que comandos de pneus traseiros de diâmetro maior. Muitos compravam
válvulas especiais e sistemas de ignição mais modernos pneus usados das equipes de Fórmula Indy a preços bem
eram caros para a maioria dos rodders, mas sempre baixos. A onda dos grandes pneus traseiros surgiu quan-
podia-se remediar tal situação. A retífica do motor com o do o regulamento das provas de aceleração impôs restri-
rebaixamento do cabeçote, por exemplo, mais a utiliza- ções na relação de diferencial. Vários eram os métodos
ção de álcool metílico (metanol), garantia mais potên- para dar maior tração a estes pneus: o mais comum era
cia. Estes carros, inclusive, eram equipados com uma fazer sulcos extras na banda de rodagem usando arcos
pequena bomba pneumática manual, cuja função era de serra. Isto acabou se tornando um padrão.
pressurizar o tanque de combustível. E o mais incrível é
que o sistema funcionava.
Chassi e suspensões misturavam peças de todos SONHO DE ADOLESCENTE
os modelos Ford, enquanto os freios mecânicos, a A história de Jack Calori é um bom exemplo de como
varão, só dariam lugar ao sistema hidráulico no fim da o fenômeno hot rod se difundiu. No fim da década de
1930, ainda estudante, ele tentou convencer os pais a Com o fim do conflito, o então fuzileiro naval Calori
comprarem um Ford 1932 usado, que custava na ocasião voltou para casa e, em 1946, concluiu seu roadster com
cerca de US$ 200. Como a resposta foi negativa, o um motor Mercury Flathead V8, com cabeçotes Eddie
adolescente decidiu montar seu próprio carro, o que a Meyer, coletor de admissão Weiand, dois carburado-
princípio provocou risos de parentes e amigos. Decidido a res Chandler & Glove e sistema de ignição do Lincoln
mostrar que tinha razão, Calori foi à região dos “cemitérios Zephyr. Para completar o trabalho, encomendou à Clay
de sucata” de Los Angeles onde comprou, por apenas Smith comandos de válvula especiais, além de instalar
US$ 2, os restos de um velho Ford Modelo T roadster, no carro longos escapamentos cromados e as engre-
sem mecânica, do qual utilizou apenas o chassi. Depois, nagens de câmbio do Lincoln, que eram mais robustas
numa visita à Jim White Speed Shop, loja especializada, do que as originais do Ford. O resultado foi um roadster
adquiriu por US$ 15 um motor Chevrolet de quatro cilin- capaz de alcançar 208 km/h.
dros equipado com cabeçote de Oldsmobile.
Calori também conseguiu uma carroceria de Modelo
A já com a grade da linha Ford 1932, enquanto as rodas EDELBROCK E CADILLAC
eram de Chevrolet. Em pouco tempo seu hot estava Outro roadster digno de nota foi montado por Stu
pronto. Logo, ele trocou este carro por um Ford Modelo Hilborn. Tudo começou quando ele foi ver uma corrida nos
A de quatro cilindros envenenado, com cabeçotes e car- lagos secos. Ao voltar para casa, decidiu que iria montar
buradores Winfield, que atingia quase 162 km/h. Alguns um hot. Primeiro foi a uma loja de carros usados para
meses mais tarde, Calori finalmente pôde comprar um comprar um Ford Modelo A, que começou a modificar
Ford V8 1932 preto. Só que não chegou a preparar o com o auxílio de Eddie Miller, um ex-piloto. Miller desen-
veículo, pois foi imediatamente convocado para comba- volveu um comando de válvulas especial, que foi instalado
ter na 2ª Guerra. no motor V8 Flathead comprado para equipar o roadster.

Modificado
constantemente, o hot
de Calori chegou a
utilizar longos canos
de escapamento nas
laterais

CARROS DE SONHO - HOT ROD 19


PIONEIROS

O carro, projetado exclusivamente para corridas, teve a história era verdadeira. Logo depois, Hilborn transfor-
o painel de instrumentos substituído pelo do Auburn, mou o carro num streamliner.
famoso modelo americano da década de 1930. Tratava- Nesta mesma ocasião, 1941, Fred Lobello, após
se de algo muito comum na época, pois o Auburn era um trabalhar na construção de uma aeronave, utilizou o
dos raros veículos que tinha velocímetro graduado até pagamento para comprar um Ford 1932 por US$ 62. Ele
120 mph (193 km/h), além de conta-giros. Com isso, in- conheceu os membros do San Diego Roadster Club e
clusive, foi possível a Hilborn descobrir que o motor pre- assistiu algumas provas nos lagos secos. Logo depois
parado por Miller atingia 5.000 rpm, uma façanha para o “arregaçou as mangas” e começou a envenenar o motor
bloco Flathead. O resultado fez com que Vic Edelbrock de quatro cilindros do carrinho. Um trabalho que não
pedisse para dar uma volta no carro, só para verificar se era difícil para Lobello: seu pai teve várias picapes Ford
Fotos: reprodução

Após correr por muito tempo com seu


Roadster, Stu Hilborn alterou a carroceria
transformando seu hot num streamliner

Glossário Hot – A a C
A-Bone – Definição popular para o Ford Modelo A, que suplementares utilizados nos aviões de bombardeio e
sucedeu o famoso T e que foi fabricado de 1928 a 1931. caças durante a Segunda Guerra Mundial.

Ardun – kit de cabeçotes com câmaras hemisféri- Bow-Tie – gravata-borboleta, denominação popular dos
cas desenvolvidos para o motor Ford V8 Flathead, no americanos para o tradicional emblema da marca Chevrolet.
começo da década de 1950, pelo engenheiro belga, de
origem russa, e naturalizado americano, Zora Arkus- Bored and Stroked – definição para os motores que
Duntov, antes dele ser contratado pela divisão Chev- tiveram aumentada sua cilindrada tanto pelo curso dos
rolet para desenvolver o Corvette e também o motor pistões, como pelo diâmetro dos cilindros.
V8 small block.
Buggy Spring – molas de charrete, ou feixe de mo-
Belly Tank – veículo desenvolvido com base na las, que era montado transversalmente no Ford T, tanto
estrutura de duralumínio dos tanques de combustível na dianteira como na traseira.
Keith Landrigan inovou ao equipar seu
Ford 1932 com o motor de um LaSalle

Modelo A, com as quais ele aprendeu os segredos da me- e disputou provas de aceleração com um Ford Modelo T.
cânica. Em 1947, seu hot estava equipado com comando Durante o conflito, ele serviu como mecânico em porta-avi-
de válvulas Smith, cabeçotes Winfield, dois carburadores, ões da Marinha, fazendo a manutenção dos caças Corsair
sistema de alimentação pressurizado e relação de dife- e Hellcat, experiência que o auxiliou a construir seu hot.
rencial modificada. Um amigo lhe emprestou um cabeçote O motor de um LaSalle 1938 ganhou pistões maiores,
Cragar e o roadster atingiu 160 km/h, velocidade bastante além de válvulas de maior diâmetro, comando de válvulas
elevada para o pequeno motor de quatro cilindros. Winfield e cabeçotes Arco. Os canos de escape davam a
Alguns rodders também passaram a montar mecânicas volta na linha de cintura da carroceria e quase alcançavam
de outras marcas, caso de Keith Landrigan, cujo Ford 1932 as rodas traseiras, exigindo que as portas fossem soldadas.
era equipado com o motor V8 utilizado nas linhas Cadillac No interior, havia volante do Ford 1940, alavanca de câm-
e LaSalle. Este motor logo se tornou popular. Landrigan, bio na coluna de direção e instrumentos Stewart Warner.
antes da 2ª Guerra Mundial, já era membro do clube Flyers No deserto de El Mirage, o carro atingia 185,3 km/h.

Cabriolet – versão de carroceria conversível, mento volumétrico, do motor no sistema inglês de medi-
de dois ou quatro lugares, que se diferenciava dos das. Uma CI é igual a 16,387 cm³.
roadsters por ter vidros laterais que desciam e pára-
brisa fixo. CID – cubic inch displacement, polegadas cúbicas de
deslocamento volumétrico
Cammer – definição dada aos motores com coman-
do de válvulas no cabeçote e não no bloco. Refere-se Cruising – Rodar tranqüilamente com um hot ou custom,
especificamente aos motores desenvolvidos pela Ford, em baixa velocidade, sem um destino pré-determinado.
para competição, no fim da década de 1960.
Custom – Significa, basicamente, feito sob medida e
Chevy – diminutivo popular de Chevrolet define os hots desenvolvidos em cima de modelos fabri-
cados após 1948. A customização também segue regras
CI – cubic inches, ou polegadas cúbicas (pol³), uni- específicas, que variam conforme a época de produção
dade de volume usada para a cilindrada, ou desloca- do automóvel e do trabalho de modificação.

CARROS DE SONHO - HOT ROD 21


FORD TUDOR
Texto: Rogério Ferraresi / Fotos: Saulo Mazzoni

V
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médico Dimitrius que, segundo lhe informaram, era
Samaras, criador “especializada” na construção de
do grupo “Amigos hots. Ele logo descobriu, entretan-
do Hot”, cultiva sua to, que a oficina praticamente não

o
paixão pelos hots mexeu no carro, apesar de cobrar
há muito tempo. Tudo começou em “religiosamente pelos serviços”.
1964, quando, ainda adolescente, “Eu paguei caro, mas basicamente
assistiu ao filme “The Lively Set” apenas pelo estacionamento do
– rebatizado no Brasil como “Demô- carro”, lembra. Desanimado, ele
nios da Pista”. O longa impressionou quase desistiu do projeto, tirando
a juventude da época, e Dimitrius o carro da oficina e levando-o para
não foi exceção. Sua cena preferida um estacionamento “de verdade”.
ocorre logo no início da projeção, Alguns meses depois, Dimitrius
que começa com um vigoroso racha. esfriou a cabeça e decidiu procurar
O tempo passou, Dimitrius profissionais de confiança.
formou-se em medicina, casou, mas Após encontrar uma nova
a idéia de ter um carro exclusi- oficina, um dos primeiros passos foi
vo, como os hots daquele filme, modificar o chassi original que, no
jamais foi abandonada. Em 2000, lugar dos feixes de mola diantei-
ele encontrou um combalido Ford ros, recebeu toda a suspensão do
Modelo A Tudor 1932. Era o que Opala. Na traseira, o eixo original
precisava para iniciar a realização deu lugar ao do Ford Maverick V8,
do velho sonho – que quase virou com relação de diferencial de 3,07:1.
um pesadelo. “O estado do veículo Ainda, na suspensão traseira, o pro-
não era dos melhores, embora já ti- prietário resolveu dar um toque de
vesse passado por alguns reparos”, originalidade: “Após estudar vários
explica Dimitrius. hots montados nos Estados Unidos,
Apesar desse detalhe, o médico decidi adaptar em cada ponta do
estava feliz com a aquisição. Juntou eixo braços móveis paralelos, além
todos os pedaços do carro e os de molas e amortecedores traseiros
levou para uma oficina mecânica Pro-Link, da moto Honda XL250”.
o
s
a
Depois de assistir a um filme sobre rodders
na década de 1960,
o futuro médico passou a sonhar em ter seu próprio
hot rod. Mais de 30 anos depois, o resultado é
um modelo de cinema

CARROS DE SONHO - HOT ROD 23


FORD TUDOR

O motor 350 V8 do
Ford Tudor veio
NADA SE instalado embaixo do banco traseiro.
Mas a procura por um bloco V8
de um Chevrolet PERDE em bom estado foi longa, até que
Camaro O hot também tem freios a disco Dimitrius descobriu num ferro-ve-
ventilados na dianteira vindos do lho o conjunto de motor e câmbio
Opala, enquanto os traseiros, a Chevrolet 350 (5.700 cm³) semi-
tambor, são do Maverick. “A caixa de novo. Tratava-se da mecânica de
direção é do Escort e trabalha em um Camaro que havia pertencido à
conjunto com uma coluna ajustá- embaixada americana, mas sofrera
vel Chevrolet”, relata Dimitrius. O um princípio de incêndio. O motoris-
tanque de gasolina, originalmente ta parou no acostamento, apagou o
montado entre o motor e o painel, fogo e foi pedir ajuda. Porém, quan-
em local pouco seguro, foi substi- do ele se afastou, um caminhão saiu
tuído por um reservatório de Kombi da pista e destruiu o carro.
TUDO SE Equipado com rodas
Mangels cromadas
TRANSFORMA e pneus Cooper
Cobra, o hot também
“O motor, que tem cerca de 270
utiliza a suspensão
cv de potência, estava limpo e sem
dianteira do Opala
uma gota de óleo no bloco, o que
me animou a levar o conjunto para
casa.” A adaptação da mecânica,
porém, exigiu a fabricação de novos
suportes para os coxins, além do
encurtamento do eixo cardã. O
capô original, dobrável como era
comum na época, deu lugar a uma
pequena tampa fixa que deixou
as laterais descobertas e o motor toda a carroceria foi raspada até
exposto, enquanto a parede de fogo a chapa, para eliminar pontos de
teve de ser recuada em 20 centí- ferrugem. Após receber o fundo
metros (também para acomodar o anticorrosivo, o hot foi pintado com
motor Chevrolet). uma cor bem chamativa: vermelho
O assoalho, originalmente de Paris, tom metálico da linha Ford
madeira, foi refeito com chapas de 1997. Como os pára-choques
aço, o que garante mais resistência originais também estavam atacados
à torção. O teto, tal como faziam os pela ferrugem, foram substituídos
pioneiros do fenômeno hot rodding, por tubulares cromados, semelhan-
foi rebaixado em 7 centímetros. Na tes aos utilizados nos bugues. O
traseira, os pára-lamas tiveram as Tudor também tem rodas Mangels
caixas internas ampliadas para a cromadas e pneus Cooper Cobra
colocação de pneus mais largos e 215/60R15 e 225/60R15.

CARROS DE SONHO - HOT ROD 25


FORD TUDOR

somente a marcha-à-ré funcionava. A solução foi comprar uma


EM MOVIMENTO
Motivo do problema? Ou o Camaro caixa Powerglide que, apesar de
Carro pronto, o passo seguinte havia sido guinchado com o eixo um pouco mais antiga, estava em
foi colocá-lo em movimento. Porém, traseiro no chão, o que, geralmente, ótimo estado de conservação. O
quando Dimitrius deu a partida, bo- afeta a caixa automática, ou algum hot finalmente passou a rodar,
tou a alavanca seletora em “Drive” e componente eletrônico do sistema mas o proprietário ainda teve que
acelerou, nada aconteceu. Após tes- de seleção de marchas foi destruído fazer algumas adaptações, como a
tar todos os engates, descobriu que no incêndio. instalação da ventoinha do Lexus e

CINEMA, ROCK E HOT ROD


Do fim da década de 1950 ao início dos anos sessenta, imperou nos EUA os filmes que uniam bandas de rock e
hot rods. Uma das primeiras produções a trazer este binômio foi “Hot Rod Gang”, de 1958, produção da Allied Motion
Pictures, que tinha como astro o cantor Gene Vincent. Como a receita deu certo, muitos outros filmes surgiram para
explorar o tema, dentre eles “The Lively Set”, de 1964 e que tinha trilha sonora a cargo de Bobby Darin, cantor que fazia
muito sucesso na época - criador do hit Splish,Splash -, além do elenco comandado por James Darren, que mais tarde
se destacaria como Tony Newman no seriado “O Túnel do Tempo”.
Darren fazia o papel de Case, um estudante e rodder que, ao sair da escola com seu hot Ford roadster 1932, chama
a atenção de McClure, dono de um não menos potente Ford T-Bucket vermelho. O resultado de tal encontro é um racha
logo no início do filme. O que o personagem de McClure não sabia é que o novo amigo era o criador e piloto de um
revolucionário dragster movido por turbina a gás, denominado Valkirie. Por isso, Darren é contratado por um milionário
para construir um carro para bater o recorde de velocidade. Mas quando tudo parecia caminhar bem, Case sofre um
acidente na tentativa de quebrar o recorde e o patrocinador desiste do projeto, vendendo o veículo para a sucata. Mas
o herói do filme não desiste facilmente e constrói outro carro à turbina (Chrysler Turbine) para vencer a Carrera Pana-
mericana, no México.
Vale lembrar que, além de “Demônios da Pista” e outros filmes antigos, com rock e hots, podem ser adquiridos pela
internet. Um dos sites que faz o serviço é o www.thevideobeat.com. (R.F.)

Bancos revestidos em
couro preto e painel
com instrumentos
de fundo branco
demonstram o esmero
no acabamento do hot
O teto foi rebaixado em sete
centímetros, dando ao velho
Tudor um aspecto agressivo

as maçanetas de Rural Willys. “As componentes e tomou um susto.


originais tinham preço proibitivo”, Somando a disparidade de valo-
argumenta Dimitrius, que também res do dólar para o real, acresci-
colocou vidros verdes e um com- do das despesas de envio e os
pleto painel de instrumentos com impostos que incidiam, o custo da
velocímetro, conta-giros, termôme- “brincadeira” mostrou-se inviável.
tro de água, marcador do nível de Pouco tempo depois, entretanto,
combustível, além de conjunto de descobriu um especialista em
luzes-espia. Curitiba (PR), que faz réplicas da
O hot ganhou bancos diantei- referida suspensão com compo-
ros individuais e foi licenciado em nentes nacionais.
novembro de 2000. Mas, durante Foi só comprar o kit nacionaliza-
algum tempo, Dimitrius só o usou do e instalar para o comportamento
esporadicamente, em “passeios de do hot mudar radicalmente. O carro,
teste”. Assim, concluiu que a sus- além de ter ficado mais macio,
pensão traseira de moto, excessiva- deixou de pular ao passar por
mente dura, ainda não era a ideal. ondulações e lombadas, obstáculos
Para solucionar o problema entrou bastante comuns nos castigados
em contato com uma empresa ame- calçamentos brasileiros. Mas, como
ricana, especializada em produzir todo rodder, Dimitrius sabe que
um conjunto de molas e amortece- Detalhe da pequena qualquer hot rod sempre pode ser
dores reguláveis. águia estilizada sobre aperfeiçoado, o que significa que a
O médico fez os cálculos de a tampa do radiador e história do carro do médico não pára
quanto gastaria para importar os feita em resina por aqui.

CARROS DE SONHO - HOT ROD 27


CORRIDAS

RUMO AOS
LAGOS SECOS

O
s registros históricos do alvorecer da Na segunda década do século 20, um entusiasta
onda hot rod são praticamente inexisten- arrojado e curioso conseguiu ir até ao inóspito Mojave de
tes. Sabe-se, entretanto, que antes de carro e, ao voltar, contou aos amigos onde estivera, de-
alguém se preocupar em documentar o talhando também que o local era ideal para desenvolver
assunto, muitas corridas foram realizadas elevadas velocidades, já que, além de desabitado, tinha
no deserto de Mojave, uma área gigantesca que se muitos e muitos quilômetros de um solo tão firme quanto
estende pelo sul da Califórnia e Nevada, e nos próprios plano. Este fato pode ser considerado como o estopim
“lagos secos” californianos que, na pré-história, eram do fenômeno hot. A partir disso muitos jovens começa-
grandes reservatórios naturais de água. ram a frequentar o local.
O deserto de Mojave, que se
estende da Califórnia a Nevada,
marcou o início da onda hot
rod, sendo palco das primeiras
provas de velocidade em reta

Foto: reprodução

O HERÓI LOCKHART Em 1927, Frank Lockhart atingiu 273,6 km/h. Mecâni-


co hábil, ele mesmo construiu seu carro. Por sinal, um
Muitos apaixonados passaram então a correr no deser- hábito que tinha desde a adolescência. Seu primeiro ve-
to. Mas a coisa cresceu realmente quando, na década de ículo foi montado com peças usadas (e talvez possa ser
1920, a American Automobile Association (AAA) começou considerado o “espírito” do primeiro hot rod) quando ele
a organizar as provas de aceleração no Mojave de maneira tinha apenas 16 anos de idade. Lockhart também havia
oficial. Em maio de 1923, Joe Nikrent estabeleceu com um vencido as 500 Milhas de Indianápolis de 1926 com um
Buick aliviado de peso o recorde de 172,8 km/h. No ano Miller. Porém, pouco depois de bater o recorde em Moja-
seguinte, ele atingiu 241,6 km/h com um Miller streamliner. ve, morreu na tentativa de quebrar um novo recorde de

CARROS DE SONHO - HOT ROD 29


CORRIDAS

Para os primeiros rodders


o dinheiro era curto. Por
isso, montavam os carros
sem preocupação com a
estética

velocidade nas areias da praia de Daytona, na Flórida. culo. Como a entrada era de US$ 3, ele pôde dar bons
Com isso, acabou tornando-se um mártir para os jovens prêmios aos vencedores, o que deu início à profissionali-
da época, que começaram a montar carros feitos com zação neste tipo de evento.
sucata para, tal como seu herói, estabelecer novos recordes. A iniciativa de Earl alimentou ainda mais a febre
Estes entusiastas preparavam veículos com o menor núme- de velocidade na juventude. Atentos a esta tendência,
ro de peças possível, buscando com isso deixar as “baratas” surgiram os primeiro patrocinadores, como a Gilmore
mais leves e, portanto, com melhor relação peso-potência. Oil Company, que promoveu algumas provas em 1931,
assim como George Wight, da Bell Auto Parts, loja de
acessórios, inclusive “venenos”, localizada em Bell,
PATROCÍNIO Califórnia. Tudo isso culminou com a criação da Muroc
Earl Mansell, um empreendedor de Pasadena, Ca- Racing Association (MRA), que contava com pessoal
lifórnia, realizou no lago seco de Muroc, em outubro de uniformizado e cronômetros, além de ter desenvolvido
1927, o Southern California Championship Sweepstakes. um calendário com o programa das corridas. A Gilmore
O campeonato, com várias baterias, atraiu bastante foi uma das primeiras a apoiar a iniciativa.
público. A primeira prova era reservada aos Ford Modelo Nestas provas, os competidores alcançavam médias
T roadster; a segunda, aos cupês; e a terceira, aos em torno de 145 km/h, mas Joe Mozzetti e Frank Lyons,
phaetons. A última etapa era aberta a todo tipo de veí- com modelos Ford de quatro cilindros, conseguiam atin-

Glossário Hot – D a H
Deuce – Na gíria americana é o 2 no jogo de cartas, Eight Ball – Nos anos cinqüenta era moda instalar uma
mas também serviu para denominar o Ford 1932, modelo bola de bilhar preta, de número 8, na alavanca de marchas
que lançou o motor V8 da marca. Posteriormente, os Chev- dos hots equipados com motor V8.
rolet Nova e Chevy II também receberam o mesmo apelido.
Five Windows – Definia a carroceria dos cupês com
Dropper – A suspensão rebaixada do carro reduzindo cinco vidros, quatro laterais e mais o vigia traseiro. Estes
sua altura do solo. Isto pode ser feito de diversas manei- modelos eram bastante populares na década de 1930.
ras: forjando novamente o eixo rígido dianteiro, invertendo o
feixe de molas transversal ou adotando molas helicoidais e Fordor – No começo da década de 1930, a própria Ford
amortecedores telescópicos. Em casos extremos, pode-se popularizou a denominação de seus modelos. A definição
apelar por sistemas desenvolvidos por especialistas. comercial Fordor (for-dór), das versões com carroceria de
Os clubes
ajudaram a
profissionalizar
as corridas nos
lagos secos

gir 185,6 km/h, devido à preparação com componentes


SURGE O SCTA
da Riley. Os Ford de quatro cilindros, em razão do seu
baixo custo e a facilidade de se obter “venenos”, eram Com a popularidade das corridas, vários clubes se uni-
muito populares nas corridas dos lagos secos. Em 1937, ram para viabilizar os eventos e melhorar a segurança. Em
para cada Ford V8 Flathead, ainda haviam cerca de dez novembro de 1937, cinco entidades californianas criaram
modelos de quatro cilindros. Vale lembrar que os Flathe- uma nova organização: a Southern California Timing Asso-
ads, surgidos cinco anos antes, já estavam disponíveis ciation (SCTA), oficializada em fevereiro do ano seguinte.
nos ferro-velhos, mas ainda não tinham grande oferta de Na última prova no Muroc, Karl Orr, com Modelo T Cragar,
equipamentos, além dos “venenos” serem mais caros. obteve a marca de 200 km/h. Logo depois, o exército
Empresas como Cragar e Winfield se dedicaram encampou o local para realizar treinamento. O SCTA
durante muito tempo a fabricar peças especiais para os passou a promover corridas no deserto de Harper. No final
Ford de quatro cilindros. Assim, estes carros passaram de 1938, a associação passou a editar o jornal Racing
a desenvolver velocidades superiores a 160 km/h. As News e criou o fundo hospitalar para pilotos acidentados.
corridas mais velozes atraíram muito público, exigindo a As corridas foram paralisadas após o ataque japonês a Pearl
criação de uma equipe para patrulhamento de segu- Harbor, em dezembro de 1941. Durante a 2ª Guerra, muitos
rança nas “pistas”, incumbência que foi assumida pela rodders serviram na aeronáutica e assimilaram conhecimen-
Peace Officers Association. tos que influenciaram radicalmente os hots no pós-guerra.

quatro portas, se baseava num jogo de palavras com o são os tirantes longitudinais que ligam a suspensão à carroceria.
nome da marca e a definição Four Door (quatro portas).
Hemi – Diminutivo de hemisférico e definição dada aos
Fuzzy Dice – Par de dados forrados em pelúcia e que motores V8 da Chrysler lançados em 1951, com câmaras
tradicionalmente vai pendurado no espelho retrovisor inter- de combustão hemisféricas, bastante utilizados nos rods e
no de um rod e, principalmente, de custom. customs. São produzidos até hoje pela DaimlerChrysler.

Glass – Redução popular de fiberglass, a fibra de vidro, Hot Rod – Gíria de ‘bielas quentes’, mas também o
que erroneamente costuma definir as carrocerias de material diminutivo de hot roadsters. O termo surgiu na década de
composto. Na verdade elas são de plástico, reforçadas com 1930, mas define tecnicamente os hots desenvolvidos em
fibra de vidro e, atualmente, também com fibra de carbono. cima de modelos fabricados antes de 1948. Os modelos fab-
ricados após 1948 recebem outras definições como Custom,
Hairpins – Em inglês significa grampo de cabelo. Nos hot rods Street Rods etc...

CARROS DE SONHO - HOT ROD 31


FORD CUPÊ
Texto: Rogério Ferraresi / Fotos: Saulo Mazzoni

S peed

B
produção
usiness
Tão belo
Tão
o
belo quanto
Ford
deixou
para se
para
em um
em
De
quanto raro,
Luxe

um charmoso
raro,
1940
o Ford De Luxe 1940
deixou de
de ser
ser item
item de
se transformar
transformar
charmoso e
de coleção

e irado
coleção

irado hot
hot
A
lguns modelos america- duas portas. de se encontrar alguns ainda em
nos da primeira metade Por uma série de motivos, que perfeito estado.
do século passado, vão desde a desvalorização da mo- Felizmente, sempre existem ex-
embora comuns em eda brasileira em relação ao dólar, ceções. Um bom exemplo disso é o
seu país de origem, até o início da 2ª Guerra Mundial, Ford De Luxe Business do empresá-
são objetos raros no Brasil. Por isso os veículos desta época foram im- rio Ezio Caetano de Barros, de São
mesmo, acabam sendo bastante dis- portados em quantidades reduzidas. Bernardo do Campo (Grande SP),
putados por nossos colecionadores. Além disso, muitos modelos de duas que adquiriu o carro já transformado
Modelos Ford do começo da década portas foram transformados em em hot e nem se preocupou em
de 1940 são um bom exemplo disso carreteras, uma categoria de carros fazer qualquer adaptação ou modifi-
e, por esta razão, dificilmente são “Turismo”. Quando esta deixou de cação na mecânica. Mesmo assim,
convertidos em hots, especialmente existir, a maioria deles acabou seus o veículo se mostra bastante atual,
se forem conversíveis ou cupês, de dias em depósitos de sucata, apesar veloz e confortável.
FORD CUPÊ

VENENO
LEVE
O antigo dono substituiu o
velho motor Flathead pelo tam-
bém V8, mas de 302 pol³, que
nas décadas de 1970 e 1980 foi
importado dos EUA para equipar
os modelos das linhas Maverick
e Landau. Com bloco e cabeço-
tes de ferro fundido, comando de
válvulas no bloco acionado por
corrente, virabrequim de cinco
mancais, este motor recebeu algu-
mas modificações para ficar mais
“esperto” no hot.
Os cabeçotes foram retrabalha-
dos e também receberam balancins
roletados, além de comando de
válvulas Edelbrock, com 296 graus
de duração. O carburador origi-
nal, Motorcraft de corpo duplo, foi
substituído por um quadrijet Holley,
enquanto os coletores de escapa-
mento originais foram substituídos
por um par de 4x1. Com esta receita
de “veneno”, Ezio acredita que o
motor desenvolva atualmente cerca
de 215 cv (potência líquida), 80 cv
Tanto as rodas a mais do que a potência líquida
como o motor Ford do motor original do Maverick GT
302 V8 têm origem — 135 cv, embora a Ford só divul-
americana gasse a potência bruta (197 cv), nos
anos setenta.
Raros no Brasil, os
Ford com carroceria
Na época em que o hot foi mon- Business são muito
tado, fim dos anos 80, ainda não procurados por
existia no mercado brasileiro o câm- colecionadores
bio de cinco marchas para o motor
302 V8, que só se popularizariam Assim, para substituir a suspen-
na década de 1990, quando os Ford são dianteira, o construtor do hot
Mustang voltaram a ser importados. optou pela do Opala Diplomata
Assim, a solução foi utilizar o caixa que, independente, é composta por
de quatro velocidades do Maverick braço triangular superior e simples
V8, com relações de 2,92, 2,03, 1,42 inferior com tensor, mola helicoidal, ta 1991, com discos ventilados na
e 1,00:1. A alavanca de acionamen- amortecedores hidráulicos e barra dianteira e simples na traseira.
to fica no assoalho, com trambulador estabilizadora. Quando Ezio comprou o Bu-
de pick-up F-100. A suspensão do Diplomata tam- siness, ele veio com um jogo de
bém foi usada na traseira, com mola rodas de liga leve tipo estrela, as
helicoidal, tensor longitudinal, barra quais, originalmente, equipavam o
SUSPENSÃO Panhard, amortecedor hidráulico e Puma GTB S2. O conjunto, apesar
CHEVROLET barra estabilizadora, mas devida- de adequado ao esportivo brasileiro,
Os modelos Ford, no começo da mente adaptada ao eixo traseiro do não “casava” com as linhas arredon-
década de 1940, ainda utilizavam Maverick V8, o que possibilitou usar dadas do Ford, e logo foi substituí-
molas semi-elípticas em ambos os a relação de diferencial deste mo- dos por quatro modelos Centerline
eixos rígidos, configuração inade- delo: 3,07;1. Como os freios do Ford vindos dos EUA e “calçados” com
quada para qualquer carro do qual deixavam a desejar, adaptou-se o pneus Fastgoma 185/50-15 e Coo-
se pretenda elevado desempenho. conjunto servoassistido do Diploma- per Cobra 265/50-15.

CARROS DE SONHO - HOT ROD 35


FORD CUPÊ

O painel do
hot segue
o desenho
original do
Ford, mas
tem novos
instrumentos,
devido à
utilização do
motor 302

HOMENAGEM
CURIOSA
O interior do carro, revestido em
tecido cinza, ainda não sofreu alte-
rações, mas deve ser modificado em
breve. Atualmente, o Business está
equipado com os bancos dianteiros
do Opala Diplomata, mas ancorados
em uma plataforma metálica de vin-
te centímetros. O volante de quatro
raios, assim como a coluna de dire-
ção, é o mesmo do Corcel II. Mas o
atual proprietário do carro pretende
dar um toque mais esportivo, com
volante de desenho mais adequado.
O painel do hot é praticamen-
te original, embora o velocímetro,
graduado até 200 km/h, tenha sofrido
alterações internas para garantir uma
melhor leitura devido à utilização da
nova mecânica. Um fato curioso: no
velocímetro também está gravado o
nome “Luís Felipe”, uma homena-
gem do construtor a seu então futuro
filho – já que sua esposa engravidou
durante a montagem do carro.
Os demais instrumentos, típicos
dos Ford da década de 1940, são o
marcador do nível de combustível,
Confortáveis,
termômetro de água, manômetro de
os bancos
óleo e voltímetro. O relógio, curio-
dianteiros
samente, se encontra instalado na
são do Opala
tampa do porta-luvas, em frente ao
Diplomata
banco do passageiro. Mas isso não
é problema, já que dirigi-lo é algo tão
agradável que o motorista dificilmen-
te vai se preocupar com o tempo.
MOSCA BRANCA
Os modelos cupê começaram a se popularizar durante a década de 1930. No fim dela, já tinham uma boa fatia do
mercado americano. No Brasil, que praticamente importava toda sua frota dos Estados Unidos naquela ocasião, os
modelos de quatro portas ainda eram os preferidos. Num país pobre, com limitações na balança comercial, automóvel
era mais um investimento do que bem de consumo. Por isso, cupês e conversíveis naquela época eram por aqui defini-
dos como “carros de rico”.
Este é o principal motivo de ser tão difícil encontrar modelos como o que ilustra esta reportagem. Além disso, com o
início da 2ª Guerra, em setembro de 1939, as relações comerciais dos países ficaram mais morosas, ao mesmo tempo
em que os submarinos da marinha alemã passaram a atacar todo tipo de embarcação no Atlântico, inclusive navios
mercantes. Para completar, após os Estados Unidos entrarem na guerra, bem no final de 1941, o governo americano
suspendeu a produção de automóveis para uso civil, que só foi retomada com o fim do conflito, em agosto de 1945.
Por tudo isso, conseguir encontrar um modelo cupê como o Ford De Luxe Business é uma façanha – “mosca
branca”, como era comum os comerciantes de automóveis da época denominarem os modelos raros, difíceis de en-
contrar. Por sinal, muitos cupês do fim dos anos trinta e começo dos quarenta acabaram sendo importados usados,
após a guerra. Estes modelos também eram os preferidos dos pilotos de carretera. A categoria que surgiu na Argentina
denominada “Turismo Carretera”, antes da Segunda Guerra, acabou também se popularizando no Brasil.
Os carreteras podem ser considerados os primeiros modelos hot rod na América do Sul. Além disso, na déca-
da de 1950, eles passaram a ser equipados com motores V8 modernos do Corvette e do Thunderbird e
continuaram sendo utilizados em larga escala nas corridas, não só na Argentina, como aqui
no Brasil, até a metade da década de 1960. Mas com o crescimento acelerado da
indústria automobilística brasileira, os carreteras foram rapidamente
abandonados, encerrando um importante ciclo no movi-
mento rodder brasileiro.
Roberto Marks

Os cupês americanos de duas portas,


das décadas de 30 e 40, foram utilizados
também nas corridas de Carreteras

CARROS DE SONHO - HOT ROD 37


HISTÓRIA

O
A trajetória surgimento do fenômeno hot rod começou

Fotos: reprodução
na primeira metade do século passado,
do fenômeno quando os pioneiros disputavam corridas
hot rod só de aceleração em linha reta nos lagos se-
começou a ser cos californianos. Era uma forma barata de
pilotos amadores competir. Estes apaixonados, porém,
documentada
acabaram desaparecendo antes de darem qualquer tipo
recentemente. de depoimento, dificultando a documentação do movi-
Por isso, mento hot rodding. Talvez por isso não exista uma data
precisa indicando o início da onda, embora os especia-
muitas
listas sobre o assunto concordem que ela passou a se
informações difundir com força durante a década de 1930.
acabaram A primeira geração de hots era basicamente da
perdidas marca Ford, empresa que dominou o mercado america-
no até o começo dos anos 30, quando lançou também o
motor V8 Flathead (“cabeçote plano”, devido ao desenho
destes propulsores, que não acomodavam válvulas pois
elas ficavam no bloco), fundido em um bloco único que,
além de compacto e de bom desempenho, tinha preço
acessível. Originalmente com 65 cv, o Flathead logo
passou a ser adaptado em outros chassis de modelos da
marca fabricados anteriormente, como o A, lançado em
1928, e especialmente o popular modelo T. Em pouco
tempo, estes modelos híbridos foram denominados T-bu-
cket (“T-balde”, devido ao formato da carroceria). Vale
lembrar que, mesmo atualmente, as carrocerias Ford
ainda são as mais populares na construção de hots, de
alumínio ou plástico reforçado com fibra de vidro.

As criações
de Boyd
Coddington
dão um
exemplo do
futuro dos
hot rods
Popcorn Wagon,
um típico
hot rod feito
exclusivamente
para exposições

O nascimento do

Hobby CARROS DE SONHO - HOT ROD 39


HISTÓRIA

de fundo de quintal, começaram a fabricar “venenos”.


Muitos deste “especialistas” cresceram com o fenômeno
hot até se transformarem em nomes mundialmente re-
conhecidos. Dentre as “fábricas” pioneiras pode-se citar
a Edelbrock, Harrel, Jahs, Marshall, McCullough, Mickey
Thompson, Miller, Mooneyham, Navarro, Offenhauser,
Rajo, Roof, Shorrock, ScoT, Wade, Weiand e Winfield.
Por tudo isso, a indústria de preparação de motores e
da atual “febre” tuning está diretamente ligada ao fenômeno
hot rod. Mas este termo envolve muito mais do que carros
propriamente ditos. Pode ser definindo como todo um estilo
de vida, no qual destaca-se a rebeldia. Desta forma, a “onda”
de modificar e preparar carros antigos foi encampada não
só pelos rockabillys dos anos cinqüenta, mas também pelos
beatniks, mods e surfistas das décadas seguintes.
É importante lembrar também que os hot rods
evoluíram em várias direções, dando origem a simples
modelos customizados, hots mais modernos feitos com
modelos do pós-guerra e até os bugues que, inicialmen-
te, eram construídos com unidades do Ford Modelo A
encurtados e pneus de grande diâmetro (até os anos
Os surfistas também 1950, a mecânica VW ainda não era popular nos Esta-
influenciaram o dos Unidos); sem falar nos curiosos lowriders, carros ca-
movimento rodder, pazes de proezas em variação da altura de suspensão.
fazendo surgir modelos Estes, quando surgiram em meados da década de
como o Wild Drean 1960, eram uma “especialidade” dos jovens “chicanos”
que viviam nos bairros hispânicos da Califórnia. Inicial-
mente, só contavam com pinturas especiais e suspensão
UMA NOVA INDÚSTRIA rebaixada. Hoje, além de símbolos do movimento hip
Ainda na década de 1930 começaram a ser ado- hop, os lowriders não só preservam tais características,
tados outros motores, como o V8 da Cadillac. Mas a como também passaram a ser equipados com potentes
grande revolução surgiu em 1951, com o lançamento do suspensões de comando eletroidráulico.
Chrysler Hemi Firepower 331, um V8 de 180 cv que se
destacava pelas câmaras de combustão hemisféricas.
Estes motores abriram o leque para o crescimento do
fenômeno. Quatro anos mais tarde, a Chevrolet lançaria
seu V8 small block de 265 polegadas cúbicas de cilindra-
da e 225 cv, que logo se tornou muito utilizado.
A popularidade deste bloco se deu pelos mesmos
motivos que, tempos antes, destacaram-se o
Flathead e o Hemi, isto é, o compromisso
de preço, tamanho e potência. Além
disso, o engenheiro belga de origem
russa e naturalizado americano, Zora
Arkus-Duntov, que desenvolveu o con-
junto Ardun de câmaras de combustão Carros como
hemisféricas, convenceu a GM a vender o Dick Flint
peças para os rodders a preço de custo. A Roadster, na
estratégia de marketing disseminou o motor década de 1950,
Chevrolet V8 nos hots da época. inovaram ao
Porém, desde a década de 1930, havia uma indústria fazer uso da
no setor que surgiu com vários curiosos que, em oficinas aerodinâmica
O famoso
California Kid
que estrelou o
filme “A Curva
da Morte”, em
1974

própria, foi montado em 1940. Oito anos depois, ele


ANOS DOURADOS foi destaque na capa da primeira edição da revista Hot
Historicamente, os hots americanos de maior rele- Rod. Na mesma ocasião, Bob McGee finalizou seu Ford
vância são aqueles construídos nas décadas de 1940 roadster também 1932, inovador por usar alumínio em
e 1950. Naquela ocasião, estes carros também serviam partes da carroceria. McGee, em Bonneville, chegou a
para o transporte de seus proprietários, sendo que nos atingir 267,2 km/h com este carro, que depois acabou
finais de semana tinham seus pára-lamas removidos e estrelando muitos filmes.
disputavam provas de aceleração. Um bom exemplo da Igualmente interessante é o Neikamp Roadster, um
época é o Ford Modelo T de Ed Iskenderian, o mesmo Ford Modelo A que ganhou o primeiro troféu “America´s
que, mais tarde, se tornaria famoso por seus comandos Most Beautiful Roadster”, conferido na primeira edição
de válvulas. do “Oakland Roadster Show”. O carro tinha suspensão
O carro, equipado com motor Flathead V8 do Ford dianteira de Ford 1937, freios a tambor hidráulicos de
1932 e comando de válvulas especial, de fabricação Ford 1940, motor Flathead V8 com preparação Offe-
Fotos: reprodução

O Ford
Modelo A de
Tony LaMasa,
coadjuvante
mecânico
do seriado
americano
“Ozzie and
Harriet Show”

CARROS DE SONHO - HOT ROD 41


HISTÓRIA

Eliminator 34,
hot da banda
texana ZZ Top

nhauser e câmbio de Mercury 39. Em 1952, ele atingiu Outro carro famoso nesta época foi o Ford Modelo
227 km/h no lago seco de El Mirage, estabelecendo A roadster de Tony LaMasa, equipado com o motor 265
novo recorde para este tipo de veículo. V8 do Chevrolet Corvette 1956, que estrelou o seriado
Outros modelos foram surgindo ao longo dos anos, de televisão “Ozzie and Harriet Show”. Em 1968, Joe
mas nada comparável às criações revolucionárias de Wilhelm, fugindo às linhas dos hots tradicionais, criou o
dois ícones do movimento rodder: Ed Roth e George Wild Dream. Este carro, de apelo “surfístico”, também
Barris, o rei dos customizadores. As competições de tinha motor V8, mas destacava-se pela carroceria feita
arrancada também evoluíram, conforme comprovou Hot em alumínio, pintada na cor dourada, de estilo futurista.
Rod em setembro de 1962, quando a revista mostrou o
Ford Modelo A de Don Waite (com motor 252 V8 Hemi
do DeSoto 1952), que percorreu o quarto-de-milha em NOVAS TENDÊNCIAS
10,5 segundos. A década de 70 marcou o surgimento de uma nova
Devido aos muitos acidentes envolvendo hots, além denominação: street rod. Os carros com esta tendência
do advento dos “muscle cars” (carros de motores extrema- eram mais “calmos”, seus motores e suspensões eram
mente potentes), a década de 1960 não foi muito pródiga mais adequados ao uso cotidiano, algo muito difícil nos
na difusão do hot rodding. Apesar disso, eventos que modelos tradicionais, que ainda usavam feixes de mola,
promoviam concursos tornaram-se ainda mais importan- sistemas de arrefecimento antiquados e comandos de vál-
tes. O construtor Dean Jeffries (“pai” do Monkeemobile) vulas que ocasionavam marcha-lenta bastante irregular.
chegou a montar seu mais famoso hot, denominado Mas modelos de exposição continuaram a ser
Mantaray, sobre um chassi Maserati de Fórmula 1. construídos, como o espalhafatoso Popcorn Wagon, de
Fotos: reprodução

Réplica do Ford Five


Windows utilizado pelo
ator Paul LeMat, em
“Américan Grafitti”
Carl Casper, apresentado no Detroit Motorama de 1970.
Outra pérola foi o Ford 1932 five-window utilizado pelo
ator Paul LeMat, do emblemático filme American Grafitti
(Loucuras de Verão, 1973).
Também nas telas de cinema se destacou o Cali-
fórnia Kid, astro mecânico do filme “A Curva da Morte”,
de 1974. Preto, com flamas laterais e equipado com
motor 302 V8, este Ford cupê 1933 foi montado por Pete
Chapouris e, no filme, era conduzido por Martin Sheen,
que enfrentava o xerife Roy, interpretado pelo ator
Vic Morrow (1929-1982). Ao volante de seu Plymouth
Fury de rádio-patrulha, o agente da lei tinha o péssimo
hábito de empurrar os infratores do limite de velocidade
penhasco abaixo...
O hobby voltou com força total nos Estados Unidos
durante os anos 80, com a fabricação de réplicas de
carrocerias antigas, tanto em plástico reforçado com
fibra de vidro como em alumínio. Mecânicas moder-
nas, equipadas com injeção de combustível e outros
Idealizado por Dean Jeffries,
avanços tecnológicos, marcaram esta nova onda. Foi
o Mantaray, hot rod futurista
nesta época que surgiu o Eliminator 34, um Ford cupê
dos anos 60, tinha motor V8
montado por Don Thelan, da Buffalo Motor Cars, para a
americano montado num antigo
banda texana ZZ Top.
chassi de Fórmula-1
Outro destaque da época foi o surgimento dos carros
“futuristas” de Boyd Coddington, cuja empresa começou a nante quanto o carro de Big Daddy é o Poise´s Extre-
funcionar em 1978. Até mesmo o “papa” Ed Roth apelou meliner da Thom Taylor Design que, baseado nos Ford e
para a moderna tendência futurista ao apresentar o Beat- Hispano-Suiza Xênia, dos anos 1930, apresenta grande
nik Bandit II, um de seus últimos trabalhos. Tão impressio- influência da Art Deco nas suas linhas aerodinâmicas.

Neikamp,
eleito o mais VOLTA ÀS ORIGENS
belo roadster No fim da década de 1990, come-
da América çaram a surgir modelos que, apesar de
lembrarem os hots tradicionais, apre-
sentavam chassi de tecnologia moderna
equipados com suspensões indepen-
dentes e motores transversais instalados
entre eixos, inclusive de origem japonesa.
Ao mesmo tempo, os rodders americanos
iniciaram um movimento que mostra a
faceta erudita no hobby: a restauração de hots
antigos, já que hoje é muito difícil encontrar car-
rocerias anteriores à guerra em ferro-velhos.
Assim, modelos das décadas de 40, 50 e 60
encontrados em estado de abandono ou repletos de
adaptações, são reconstruídos seguindo fielmente
as especificações originais, o que implica não só na
troca de acessórios, mas também na substituição de
motores e caixas de câmbio. A importância histórica
destes veículos compensa o esforço. Como tudo que
move a economia americana, ela também se traduz no
movimento de muitos milhões de dólares.

CARROS DE SONHO - HOT ROD 43


FORD F -100
Texto: Rogério Ferraresi / Fotos: Saulo Mazzoni

SONHO DE
JUVENTUDE
Esta velha
Esta velha picape
picape F-100
F-100 foi
foi
totalmente recuperada
totalmente recuperada ee
convertida em
convertida em um
um legítimo
legítimo hot
hot rod
rod
O
sonho do rodder modelos de origem americana e, linhas arredondadas, bem diferentes
geralmente começa na a partir de 1957, a linha “F” nacio- daquelas que ele então ajudava a
adolescência ou na ju- nalizada de caminhões e picapes, montar. O tempo passou e Walter
ventude. Com o ex-me- seguida mais tarde pelo Galaxie, acabou saindo da Ford para montar
talúrgico Walter Tessler LTD, Landau e Maverick. seu próprio negócio. Anos mais
não foi diferente. Em sua juventudo, Uma antiga F-100, utilizada pelo tarde, já como um empresário bem
durante a década de 1970, ele já era corpo de segurança da empresa sucedido, a imagem da F-100 tei-
funcionário da Ford e trabalhava na desde o começo dos anos 1960, mava em não sair da sua memória.
extinta linha de montagem localizada era o veículo que mais chamava a Assim, em 1996, quando encontrou
no bairro do Ipiranga, em São Paulo. atenção do jovem aprendiz. Para um modelo 1959, não pensou duas
Lá, desde 1953, eram montados os ele, destacava-se a beleza das vezes para fechar negócio.

CARROS DE SONHO - HOT ROD 45


FORD F -100

MECÂNICA O motor 292 V8


“Y-Block” trabalha
DO LTD em conjunto com o
A picape comprada por Walter câmbio automático
já não era totalmente original. O Ford-O-Matic de três
motor havia sido trocado por um velocidades
292 V8 “Y-Block” (de 4.785 cm³ e
190 cv brutos), oriundo do mesmo
LTD 1970 que cedeu o câmbio
automático Ford-O-Matic, de três
marchas e alavanca seletora na foi substituída por um sistema mais
coluna de direção. Vale lembrar que moderno: o “Twin-I-Beam”, lança-
o motor 292, apesar de não ser tão do na linha F-100 em 1968, que
elástico e potente quanto o 302, consiste em dois braços oscilantes
é reconhecido pela durabilidade transversais, independentes, com
e torque já bastante elevado em mola helicoidal na extremidade de
baixas rotações, mais apropriado cada um.
para um veículo com maior peso Como o utilitário já veio com
como a F-100. a mecânica modernizada, Walter
Por serem da mesma origem e teve que fazer pouco investimen-
utilizados em veículos da mesma to em novas modificações. Uma
marca, não houve maiores dificul- delas foi a adaptação da direção
dades para realizar a adaptação do assistida hidráulica de uma F-1000
motor. Como os blocos são basica- 1983, que proporcionou maior
mente iguais, isso eliminou maiores conforto ao dirigir. Além disso, a
problemas na instalação de coxins F-1000 cedeu ainda o conjunto de
e outros itens. Já a suspensão dian- freio dianteiro, a disco e servoas-
teira original da picape 1959, com sistido, o que também aumentou o
eixo rígido e molas semi-elípicas, conforto e a segurança.
MUITO a parede do estacionamento do
rodder. Em seu lugar, foi colocada
CAPRICHO uma peça importada dos EUA e
Mecânica pronta, teve início o estampada nas mesmas matrizes
serviço na lataria. A carroceria foi das F-100 da década de 1950.
raspada até a chapa, com a finali- No interior da cabine, os três
dade de eliminar todos os pontos bancos individuais do tipo Recaro,
de ferrugem encontrados em larga que também vieram com a picape e
escala nos pés de coluna, folhas eram originais do “esportivo” Escort
de porta e caçamba. Depois, cabi- XR3, foram descartados. Walter
ne, caçamba, capô e pára-lamas mandou instalar o banco inteiriço
foram tratados com produtos an- original, mas revestido com capa de
ticorrosivos, para só então iniciar couro cinza e arremates vermelhos.
a etapa da pintura. Walter optou O mesmo material foi utilizado no
por um tom de vermelho exclusi- acabamento da coluna de direção.
vo, original do Mazda MX-3. Já a No painel, apesar de manter o
tampa original da caçamba, feita velocímetro de formato hemisférico,
em madeira e com a marca “Ford” Walter instalou quatro instrumentos
entalhada, foi retirada para enfeitar circulares de pequeno diâmetro.
O conjunto, da marca Vintage, foi
Novas soluções importado dos EUA e tem fundo
estéticas foram branco, englobando o marcador do
incorporadas à nível de combustível, manômetro
F-100, como faróis de óleo, voltímetro e termômetro de
de motocicleta e água. No painel estão cinco botões
escapes duplos com de comando. Os três à esquerda
ponteiras ovaladas acionam faróis, partida e afogador,
enquanto os dois da direita contro-
lam o limpador do pára-brisa e o

CARROS DE SONHO - HOT ROD 47


FORD F -100
piloto-automático. picape, o rodder optou pelos pneus
Completando o interior, desta- General XP 2000 de letras brancas.
cam-se o belo volante de alumínio A F-100 também ganhou tampas
polido da marca francesa Lecarra, de válvulas e filtro de ar Race
além de um típico par de dados Chrome, feitos em alumínio aletado,
vermelhos, pendurados no retrovisor enquanto o alternador original, de
interno. Por fim, alguns cuidados 45 ampères, foi substituído por um
estéticos também se estenderam de 100 ampères utilizado nos moto-
ao exterior, que exibe emblemas res VW AP – por ser mais adequado
Fordomatic e Custom Cab, respec- para suportar a maior carga elétrica
tivamente fixados no capô e nas exigida. Os faróis foram equipados
portas, tudo de origem america- com lâmpadas de xenônio, enquanto
na. As laterais da caçamba, nas as borrachas dos vidros – pára-bri-
suas bases, ganharam uma chapa sas, janelas e vigia – receberam o
estampada com a palavra “Ford” acabamento de frisos de aço inox,
manuscrita, proposta idealizada pelo utilizados na versão americana
próprio Walter. Custom Cab.
Walter também instalou pon-
teiras de escapamento cromadas,
ESPÍRITO
as mesmas do Fiat Marea Turbo
RODDER italiano, e alterou o velocímetro, que
Os pára-choques e a grade do recebeu fundo branco com núme-
radiador foram cromados, enquan- ros pretos para harmonizar com os
to os fios das lanternas traseiras instrumentos auxiliares “Made in
ganharam uma cobertura metálica. USA”. E pensar que este sonho de
As rodas que vieram originalmente juventude, que começou há mais
no veículo, cromadas, deram lugar a de 30 anos baseado numa velha e
um jogo em alumínio com imitação cansada F-100 de patrulhamento, se
de cubo rápido. Para “calçar” a transformou em uma bela realidade.

Volante e
Volante e instrumentos
instrumentos
de painel
de painel importados
importados
tornam a
tornam a F-100
F-100 hot
hot
ainda mais
ainda mais exclusiva
exclusiva
A picape
A picape 1959
1959 éé um
um
modelo muito
modelo muito procurado
procurado
por contar
por contar com
com pára-
pára-
brisas panorâmico
brisas panorâmico e
e
caçamba “step
caçamba “step side”
side”

A mais popular
A linha “F”, que define os veículos comerciais da Ford, surgiu em 1948 com o lançamento da picape F-1. Desde
então, vem sendo produzida ininterruptamente nas mais diversas configurações. De picapes a caminhões, já que para
os americanos é tudo a mesma coisa: tanto uma picape como um caminhão são definidos apenas como truck. A linha
“F” é também a líder de vendas no ranking geral de veículos comercializados nos Estados Unidos. Anualmente, cerca
de 1 milhão de unidades desta linha são vendidos no mercado americano, com destaque para as picapes. Conforme
dados da própria Ford, a produção total desta linha, em mais de 55 anos, está na casa de 30 milhões de unidades.
A F-100, que atualmente não está mais em linha de produção, é o modelo mais popular desta família. Produzida
ou montada em diversos países, além dos Estados Unidos e inclusive no Brasil, a F-100 pode ser considerada como
um dos modelos mais importantes da história do automóvel. Lançada em 1953 para suceder a F-1, ficou em produção
por trinta anos, até 1983. Mas é a primeira geração (produzida nos Estados Unidos até 1957 e no Brasil de 1957 a
1963) a preferida pelos rodders em todo o mundo. Pelo seu estilo exuberante, com os volumes muito bem definidos
destacando-se o conjunto de grade, capô e pára-lamas dianteiros, o projeto original da F-100 atiça a criatividade dos
que querem um modelo com o verdadeiro espírito Hot Rod.
No Brasil, ela foi produzida a partir de 1957, com o motor V8 de 272” (4.500 cm3). Em 1959, sofreu pequenas, mas
importantes alterações, destacando-se a instalação do pára-brisas panorâmico. Esta versão ficou em linha até 1963,
quando foi sucedida pela segunda geração do modelo, de linhas mais retas. A produção brasileira da primeira geração,
entretanto, foi pequena: inferior a 30 mil unidades. Por isso mesmo não é fácil encontrar uma F-100 desta série, espe-
cialmente original e em razoável estado de conservação. Mesmo assim, se o desejo é montar um hot diferenciado, vale
a pena procurar pelo modelo.
Roberto Marks

CARROS DE SONHO - HOT ROD 49


PERSONAGEM

O Rato louco
por Hot Rod
Talentoso, excêntrico e bonachão, Ed Roth
representou a síntese da
cultura rodder norte-americana
U
m dos nomes mais importantes do movimen- primeiro carro, que batizou de Excaliber.
to rodder, Ed Roth nasceu em Beverly Hills, Após dar baixa no serviço militar, casou-se com
luxuoso bairro de Los Angeles, em 4 de mar- Sally, namorada dos tempos de adolescência, com quem
ço de 1932. Seu pai, um imigrante alemão foi morar na Carolina do Sul. Para sustentar a família,
que trabalhava como motorista particular Ed começou a trabalhar como vitrinista nas lojas Sears,
para gente rica, acabou perdendo o emprego no difícil Roebuck. Nas horas de folga, no entanto, extravasava
período da Grande Depressão. Assim, pouco tempo a imaginação fazendo pinturas especiais nos carros de
depois de Ed nascer, os Roth mudaram-se para uma amigos. Esse serviço “extra” o levou a conhecer Oscar
casa menor e mais simples, localizada em Bell, bairro de “The Baron” Crozier e Tom Kelly, com quem abriu uma
pessoas de baixa renda. oficina de personalização (o atual tuning) em 1958. O trio
Ed, porém, cresceu em um lar austero e cercado por passou a ser conhecido como “The Crazy Painters” (ou
uma estranha personalidade do pai, que tinha fixação seja: Os Pintores Malucos).
por símbolos militares germânicos. O tradicionalismo
da família era tal que o futuro rodder, antes de entrar
na escola, não falava uma palavra em inglês. No lar dos
FORA DA LEI
Roth, o idioma oficial era o alemão. Ed e Gordon (seu Os trabalhos dos “Pintores Malucos” logo fizeram mui-
irmão mãos novo) logo demonstraram grande habilida- to sucesso, em especial as chamas e os “scallops”, faixas
de técnica na construção de miniaturas de aeroplanos espalhadas pela carroceria do veículo que se tornaram
e manuseio de kits de química. Gordon, inclusive, se muito populares na época. Ed, já então apelidado de “Big
formaria como engenheiro químico anos mais tarde. Daddy” (Paizão), teve tempo para criar o Rat Fink (Rato
Trapaceiro), personagem que estamparia em muitas de
CAÇANDO suas camisetas e carros, além de dar andamento no pro-
jeto do carro que desenhara nos tempos de força aérea.
EXTRATERRESTRES Viabilizar a construção do Excaliber não era, porém,
Ed também teve seus arroubos de rebeldia adoles- tarefa fácil, devido às linhas avançadas, apesar do
cente. Seu primeiro carro, adquirido quando tinha ape- veículo ter como inspiração os conhecidos T-Buckets.
nas 14 anos de idade, foi um Ford 1934 cupê (embora Foi quando Ed lembrou de uma velha foto em que
algumas fontes indiquem um Chevrolet 1939). Com este Henry Ford, munido com um machado, golpeava uma
carro, ele participou de rachas e fez diversas modifica- carroceria feita de plástico reforçado com fibra de soja
ções. Para justificar estas mudanças, dizia ao pai que procurando demonstrar a durabilidade daquele material.
elas serviam para “aumentar a segurança”. Aquilo ficou na cabeça de Ed até que, ao passear numa
Graduado na Bell High School em 1949, ingressou praia, observou alguns surfistas com pranchas que lhe
no East Los Angeles Junior College e, dois anos depois, chamaram a atenção.
entrou para a Força Aérea dos Estados Unidos. Sua Foi a primeira vez que Ed viu um objeto feito de plás-
primeira missão foi totalmente anticonvencional: como tico reforçado com fibra de vidro, mas ele só passaria a
cartógrafo, Ed foi mandado para a África com a curiosa dominar os segredos do composto após conhecer um
incumbência de documentar objetos voadores não-i- rodder chamado Shadoff, que utilizava o material sintéti-
dentificados. Como os marcianos não apareceram, ele co em seu speedster. Big Daddy moldou a carroceria do
teve tempo ocioso suficiente para fazer os desenhos do Excaliber, cujo nome acabou sendo alterado para Outlaw
Fotos: reprodução

Roth ao lado de
uma de suas
criações, o
Beatnik Bandit

CARROS DE SONHO - HOT ROD 51


PERSONAGEM

Ao lado, o Little
Jewell, um dos
primeiros carros
de Roth. Abaixo, o
Excaliber, depois
denominado Outlaw, e
o bimotor Mysterion

(Fora da Lei), e a pintou de branco, verde e prata, além helicoidais. A mecânica também era da mesma marca,
de colocar pára-brisa do Dodge 1922 e lanternas trasei- com motor 303 Rocket V8 (4.965 cm³), mas com com-
ras do Chevrolet Bel Air 1958. pressor Roots e dupla carburação.
O conjunto foi montado em um chassi especial, A carroceria, como a do Outlaw, que não tinha portas
cromado, cuja suspensão dianteira, ao contrário dos e era de plástico e fibra de vidro, foi pintada em bran-
T-Buckets da época, utilizava molas helicoidais em lugar co com “scallops” que iam do bronze ao dourado. Os
do feixe único transversal. O motor do Outlaw era um V8 bancos eram individuais e, no meio deles, uma grande
de Cadillac 1949 de 331 pol³ (5.424 cm³), alimentado alavanca cromada servia como direção e que também
por quatro carburadores Stromberg. A caixa de câmbio, incorporava os comandos do freio e do acelerador. Outro
também do Cadillac, tinha três marchas. Rodas croma- destaque do Beatnik Bandit era sua capota transparente
das, originais do Mercury, sendo que as dianteiras foram feita em acrílico.
substituídas por raiadas. O interior em couro branco Tudo começou quando Ed viu o dream car “Mac
tinha volante de Chevrolet Impala. Finalizado em 1959, o The Knife” do roqueiro Bobby Darrin, que fazia uso do
Outlaw foi um dos mais famosos show cars de sua época. mesmo artifício. O problema é que Big Daddy não sabia
como copiá-la, até que teve uma grande idéia: comprar
BEATNIK BANDIT uma peça de acrílico plano, fixá-la num aro metálico e
esquentar tudo no forno de uma pizzaria. Assim, o mate-
Outro hot rod de Ed foi o Tweedie Pie, um Modelo T rial sintético foi derretendo e formando a “bolha” utilizada
com chassi de Ford 1932, encurtado, e motor Chevrolet no Beatnik Bandit.
V8 small block equipado com coletor de admissão Offe-
nhauser e seis carburadores. Finalizado em 1960, o Twe-
edie Pie era um belo hot rod, mas foi totalmente eclipsado
NOVOS CAMINHOS
pela “loucura” seguinte de Big Daddy: o Beatnik Bandit. Em 1962, Ed entrou no campo dos dream cars,
Baseando-se numa proposta de Joe Henning, reda- criando o Rotar. Um curioso veículo, que mais parecia
tor da revista Rod & Custom, que sugeriu a construção uma nave espacial de três rodas e com dois motores de
de um hot rod futurista, Ed optou pelo chassi modificado 650 cm³ de moto Triumph. No ano seguinte, Big Daddy
do Oldsmobile 1955, que já tinha suspensão com molas montou o Mysterion. A base deste carro era um chassi
cromado com longarinas perfuradas. As rodas diantei- misturava o estilo de carruagem com bolo de noiva e a
ras, feitas pela Cragar, utilizavam pneus 3,26x16 das maluquice também tinha um caixão infantil como porta-ma-
motocicleta Harley-Davidson, enquanto nas traseiras las, além de pára-lamas no formato de prancha de surfe.
destacavam-se enormes rodas Rader montadas com Mas a série foi cancelada antes do hot ficar pronto. Mesmo
pneus Mickey Thompson de arrancada. assim, o espalhafatoso veículo fez sucesso virando capa
Mas o mais curioso é que o Mysterion era equipado da revista Hot & Custom de janeiro de 1967.
com dois motores Ford big block, de 406 polegadas cú-
bicas (6.653 cm³) montados paralelamente, sendo cada
VERSÁTIL ATÉ O
um alimentado por três carburadores de corpo duplo.
O sistema de transmissão também era duplo, contando GRAND FINALE
com duas caixas automáticas e cada uma tinha sua pró-
A simpatia de Big Daddy pelos Hell´s Angels também
pria coroa e pinhão, com os dois diferenciais montados
fez com que ele criasse, na década de 1970, o “curioso”
no mesmo eixo traseiro.
triciclo com motor VW “a ar”, que acabou sendo copiado
em todo o mundo e mostrou mais uma faceta da ver-
satilidade de Ed Roth. Ao completar 63 anos de idade,
FAMÍLIA ADAMS
em 1995, Big Daddy agitou o meio rodder ao apresentar
Fanático pelo seriado de televisão “Família Adams”, o Beatnik Bandit II. Este carro tinha motor Chevrolet
Big Daddy resolveu construir um carro gótico para a 350 V8 (5.735 cm³) descoberto e, tal como o primeiro
série, já que o seriado concorrente: “Os Monstros”, uti- Beatnik Bandit, o segundo também tinha carroceria de
lizava hots construídos por George Barris. Daí nasceu plástico e fibra de vidro com capota tipo bolha.
o Druid Princess (Princesa Druida), modelo equipado A última criação do construtor foi o Stealth, pequeno
com motor Chrysler big block 383 V8 (6.276 cm³), câm- e inacabado hot com mecânica do Geo Metro da GM,
bio manual de três marchas e suspensões por molas modelo baseado no Suzuki Swift. Big Daddy morreu em
helicoidais cromadas. 4 de abril de 2001, antes de finalizá-lo. Ele foi enterrado
A maior parte das peças do Druid Princess foi compra- no Manti City Cemetery, em Utah, num caixão especial,
da em ferro-velho, como blower GMC, faróis de Reo 1909 de madeira avermelhada, filetes dourados e a figura de
e radiador de furgão Dodge 1960. Mas as rodas Cragar SS Rat Fink estampada. Como ele mesmo dizia, “Once a
e os pneus Firestone “Indy” estavam na última moda no fim rat, always a rat... Rat Finks forever!” (“Uma vez um rato,
da década de 1960. A carroceria, de plástico/fibra de vidro, sempre um rato... Rato Trapaceiro para sempre!”).
Fotos: reprodução

O Tweedy Pie
foi o último hot
“normal” do
construtor, que
também criaria o
personagem Rat
Fink e o gótico
Druid Princess

CARROS DE SONHO - HOT ROD 53


CHEVY 1956

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Texto: Rogério Ferraresi / Fotos: Saulo Mazzoni

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CARROS DE SONHO - HOT ROD 55


CHEVY 1956
do Bel Air fosse raspada.
UMA LOUCURA Assim, pai e filho gastaram
Como é muito comum nestes um mês inteiro e várias latas de
casos, o vendedor “avisou” que o removedor pastoso para deixar o
carro precisava de alguns “peque- carro na chapa, o que, por sua vez,
nos reparos”. Quando o Bel Air indicou que o estado da carroceria
chegou guinchado na loja do pai era ainda pior do que eles acredi-
de Eduardo, este achou que o filho tavam. A “banheira” seguiu então
havia ficado maluco. Motivos para para a oficina, onde ficou cerca de
isso não faltavam: além da carroce- um ano. Apesar de reparar muita
ria estar muito enferrujada, o carro coisa, o funileiro estragou outras
veio sem motor, câmbio, vidros, tantas, como caixas de ar e painéis
chicote elétrico, frisos e emblemas. de portas, obrigando Eduardo a
Apesar disso, sonho é sonho e, levar seu carro para outra oficina,
ignorando a opinião geral, Eduardo cujo serviço também deixou a de-
arregaçou as mangas e deu início à sejar. A novela só terminou quando,
restauração do veículo. O primeiro cansado de tanta confusão por não
passo foi procurar o profissional poder policiar a mão-de-obra, ele “Rabo de peixe” e
para reparar a carroceria, mas contratou outro profissional para muitos cromados:
este só se comprometeu a dar um refazer o veículo nas instalações de estilo característico
orçamento depois que toda a chapa sua própria loja. dos anos 50

O motor 283 V8,


também da marca
Chevrolet, foi
retirado de um
Impala SS 1967
trabalho e a família decidiu vender Calotas “simples”
UM BEL AIR SS o carro. Como várias peças haviam com rodas de aro mais

Para evitar guinchar o carro toda se perdido, não foi difícil comprar o largo deram visual

a vez que fosse necessário movi- carro por um preço relativamente agressivo ao Bel Air

mentá-lo, Eduardo instalou no Bel baixo e, com ele, um motor 283 V8 e


Air, de forma provisória, o conjunto um câmbio automático Powerglide,
de motor e câmbio do Dodge Dart. de duas marchas.
Quando o serviço na lataria ficou Como a idéia era fazer do Bel
pronto, o rodder retirou o chassi Air um verdadeiro street rod, o
da carroceria e também refez toda motor teve os cabeçotes retraba-
a suspensão, trocando embucha- lhados e ganhou um comando de
mento, coxins e aproveitando ainda válvulas mais brabo, importado, da
para adaptar nas rodas dianteiras o marca Erson, de 270 graus. Além
sistema de freios a disco servoassis- disso, Eduardo também importou
tidos do Opala. um conjunto Crevite hi-performan-
O passo seguinte foi encontrar ce, composto por pistões, bron-
um motor e uma caixa de câmbio. zinas, anéis, tuchos, corrente de
Depois de muito procurar, Eduardo comando e bomba de gasolina. A
descobriu um Chevrolet Impala SS bomba de óleo, também para alta
1967 pertencente a um único dono performance, é da marca Holley,
e que o havia desmontado para tal como o carburador duplo 400,
restauração. Mas o proprietário que substituiu o velho Carter origi-
veio a falecer antes de concluir o nal no motor Chevrolet.

CARROS DE SONHO - HOT ROD 57


CHEVY 1956

O interior não sofreu


grandes alterações e
até o volante original
foi preservado

Segundo Eduardo, o motor pára-choques e, além do pára-bri- dos “Tri-Chevy” 1955/56/57. Mas
preparado passou a desenvolver sa, importou dos Estados Unidos elas tiveram seus aros substituí-
240 cv, contra os 195 cv originais. inúmeras peças e detalhes de dos por outros mais largos, de oito
Para aproveitar a maior potência, acabamento, como maçanetas, fri- polegadas (as originais eram de
o rodder procurou um câmbio mais sos, emblemas e outras miudezas. sete). Isso permitiu a montagem
moderno, encontrado num Chevro- Internamente, os vidros ganharam de pneus Cooper Cobra Radial
let Malibu 1983 que estava sendo máquinas de acionamento elétrico, GT, importados dos EUA, nas
desmanchado. A caixa automática enquanto os bancos, ainda origi- medidas 235/60-15, na dianteira,
TH-350, de três marchas, mostrou- nais, foram revestidos com capas e 255/60-15, na traseira.
-se mais adequada à nova “identi- de couro preto. A única modificação O street ficou totalmente
dade” do Bel Air street. no painel de instrumentos, que pronto apenas em 2002, mas,
mantém o velocímetro graduado até desde então, é uma das atrações
MONTANDO 110 milhas por hora, foi a coloca- nos encontros de carros antigos,
ção de um manômetro de óleo da incluindo os eventos promovi-
TUDO marca Smiths. dos pelo grupo “Amigos do Hot”.
Terminados os trabalhos na Como a idéia de Eduardo era Durante estes encontros o carro
lataria, mecânica e elétrica, o dar ao Bel Air um estilo clássi- de Eduardo sempre chama muito
street foi pintado na cor branca e co, as rodas ainda são de aço e a atenção: afinal de contas, este é
entrou no processo de montagem. utilizam as calotas do Chevrolet um Bel Air para Bob Falfa nenhum
O proprietário mandou cromar os Two-Ten, modelo mais simples botar defeito.
AMERICAN GRAFFITI
Em 1971, o então desconhecido diretor George Lucas finalizou THX 1138, filme de ficção científica que, ao con-
trário de seus futuros trabalhos, foi um grande fracasso. Para esquecer o fiasco, Lucas realizou durante 1972, com um
modesto orçamento de US$ 750.000, a comédia dramática American Grafitti, que tinha como pano de fundo os desejos
da juventude americana no início da década de 1960.
Os maiores astros de American Grafitti, que no Brasil foi denominado “Loucuras de Verão”, não eram seus atores,
mas sim o hot rod Ford 1932 five-windows de John Milner (Paul LeMat) e o Chevrolet One-Fifty, versão básica do Bel
Air 1955 de Bob Falfa (Harrison Ford). Ambos os veículos realizam o “racha” do fim do filme, onde o Chevrolet preto
capota devido à interferência da atriz Cindy Willians. Por sinal, um trecho que geralmente costuma ser cortado nas
reprises da televisão.
Vale destacar que o five-windows era um típico hot daquela época, mas o Bel Air, um street, ainda era algo raro.
Por sinal, o Bel Air de Harrison Ford (que durante o filme foi apelidado de “Harrison Chevy” pelos colegas do elenco),
equipado com motor 454 V8 e câmbio manual de quatro marchas, era na verdade o mesmo carro utilizado em outro
filme marcante na “cinematografia” do automóvel: “Two-Lane Blacktop”, de 1971, que tinha como atores principais o
cantor James Taylor e Dennis Wilson, baterista do grupo The Beach Boys.
No Brasil, este filme recebeu o título de “Corrida sem Fim” e mostra os dois personagens atravessando os
Estados Unidos, com dinheiro apenas para comer e para a gasolina. O dinheiro, por sinal, era ganho em apostas
de rachas pelo caminho, sendo que Taylor, ainda bem cabeludo, era o “piloto” do carro, enquanto Wilson, seu fiel
escudeiro, o “mecânico”. (R.F.)

Cartaz de American
Grafitti, primeiro
sucesso de George
Lucas, diretor que
ficaria conhecido
pela série Star Wars

CARROS DE SONHO - HOT ROD 59


MADE IN BRAZIL
Texto: Rogério Ferraresi / Fotos: Saulo Mazzoni

Prata daO fenômeno hot rodding


demorou a se difundir no Brasil.
Mas nos últimos anos
floresceu uma indústria
que vem crescendo rapidamente

Fotos: reprodução
casa

O
desenvolvimento do antigomobilismo no Para os apaixonados brasileiros que desejam,
Brasil, mesmo colaborando com a preser- atualmente, construir um hot baseado nos primeiros
vação de nossa história automobilística, foi modelos, anteriores à Segunda Guerra Mundial, a so-
acompanhado de alguns efeitos colaterais. lução mais indicada é recorrer às réplicas de plástico
O maior deles é a supervalorização dos ou de fibra de vidro, já que a mecânica é bem mais
carros, inclusive exemplares em péssimo estado de fácil de se encontrar. Felizmente, nos últimos anos,
conservação e que muito bem poderiam ser usados na vem prosperando no País uma indústria especializada
construção de hot rods. na construção de kits de hots.

CARROS DE SONHO - HOT ROD 61


MADE IN BRAZIL

UM T-BUCKET NACIONAL que poderia trazer tudo por um determinado valor, dentro
de suas possibilidades. Porém, quando o amigo que mo-
Um dos exemplos desta florescente indústria é a rava nos EUA recebeu o kit e procurou uma companhia
Jor Racing, empresa criada por Jorge Paes Fernandes de navegação para embarcar a encomenda, Jorge teve
Junior em São Paulo. Um fanático pela obra de Ed “Big uma surpresa desagradável.
Daddy” Roth, Jorge tem até o personagem Rat Fink O orçamento o deixou assustado. Ele percebeu que
tatuado no braço e há muitos anos está envolvido com o o valor total do transporte e taxas era muito superior
movimento rodder no Brasil. ao preço do próprio kit. O problema é que os cálculos
Ele pesquisou os hot rods mais populares vendidos deveriam ser feitos por cubagem, o volume da carga, e
em kits nos Estados Unidos e decidiu importar um do não pelo peso. Assim, ele pediu para o amigo guardar a
T-bucket. Isso foi há 11 anos, em 1994. Após consultar carroceria por lá, durante algum tempo, enquanto junta-
um amigo que morava na terra do Tio Sam, soube que va dinheiro para pagar o transporte.
poderia trazer o conjunto dentro de um contêiner de na- Ao mesmo tempo, solicitou ao amigo a remessa da
vio, o que lhe encorajou a dar início do projeto, que virou planta pelo correio. Assim, pelo menos pôde começar
uma verdadeira aventura. a construir o chassi. Tempos depois, quando conseguiu
Após enviar o dinheiro para a compra do kit (carro- juntar o dinheiro do transporte para finalmente trazer a
ceria e planta do chassi), ele calculou as despesas de carroceria para o Brasil, o chassi já estava pronto. Jorge
transporte com base no peso da encomenda e concluiu logo iniciou o processo de montagem do T-bucket.
A estrutura do chassi construído por Jorge tem sus- assessoria técnica, Jorge abriu a Jor Racing no fim
pensão dianteira com eixo rígido tubular, feixe de mola de 2003, para lançar no mercado brasileiro o primeiro
transversal e dois braços longitudinais, denominados T-bucket “de série”.
hairpins. Na traseira, o hot também é equipado com eixo O interesse gerado pelo lançamento animou os
rígido, amortecedores embutidos em molas helicoidais, sócios a aumentar os investimentos. Atualmente, além
hairpins e barra Panhard com balancins. de fabricar o kit do T-bucket, a Jor Racing também está
De acordo com o construtor, todos os elementos desenvolvendo o kit em plástico ou fibra de vidro do
foram reforçados para se adequarem ao piso das ruas e Ford 1931, nas versões roadster e cupê five-windows.
estradas brasileiras. O eixo dianteiro, por exemplo, tem Esta, igual ao carro do personagem John Milner no filme
52 mm de diâmetro contra 47 mm do kit original. O pro- American Grafitti.
tótipo equipado com motor de seis cilindros e câmbio do
Chevrolet Opala 250S, com 4.100 cm³, ficou pronto no
fim de 2002, quando foi submetido a uma série de testes
EM BUSCA DA VITÓRIA
para afinar os componentes. Outro fabricante de réplicas de hots é a Americar,
Depois, o carro foi totalmente desmontado para a de Santo André (Grande SP). Tudo começou em 1995,
criação do molde da carroceria e gabarito do chassi, quando Cleber Jean Araújo Lopes (o “Malvado”), junto
para entrar em produção seriada. Em parceria com com dois amigos, decidiu importar um kit do cupê Willys
Ricardo Teixeira, responsável pela parte comercial e Paisman 1941. Este carro ficou famoso no filme “Em

O T-Bucket
fabricado pela
Jor Racing,
empresa
criada por
Jorge Paes
Fernandes,
grande
admirador de
Ed Roth

CARROS DE SONHO - HOT ROD 63


MADE IN BRAZIL

Na montagem do kit foram feitas algumas modifica-


ções com relação ao original, como a diminuição das
caixas de roda traseiras que, no modelo americano,
prevê a utilização de enormes pneus Mickey Thompson.
Além disso, o kit adquirido era o mais espartano de
todos e não veio com o assoalho, que foi desenvolvido
por Cleber e seus sócios com base num molde tirado de
um Chevrolet 1933.
A estrutura metálica do kit replicado por Cleber e que
até hoje é utilizada nas demais réplicas do Willys, que
proliferaram pelo Brasil, é composta por duas longarinas
paralelas unidas por travessas. O sistema de freios, a
disco na dianteira e tambor na traseira, além da suspen-
são, são os mesmos da linha Opala.
No primeiro veículo montado o motor era um
Chevrolet 307 V8, também importado dos EUA. Mas
o protótipo já tinha caixa de câmbio Clark de quatro
marchas e diferencial de fabricação nacional. Depois
de testar o protótipo, eles desmontaram o carro e
fizeram o molde da carroceria para fabricar as có-
O Willys Americar, feito pela pias. Mas a sociedade se desfez e Cleber montou a
empresa de Santo André, é Americar sozinho.
inspirado em um kit americano Oferecendo vantagens como um ano de garan-
No detalhe, o construtor Cleber. tia, documentação legalizada, peças de reposição e
assistência técnica, o negócio prosperou e hoje conta
com duas instalações fabris, uma para laminação e
Busca da Vitória” (Hot Rod), outro cult movie que abor- outra para montagem. A empresa também passou
dava as corridas de dragsters da década de 1970. a montar réplicas do Shelby Cobra 1965 e, mais
Mas, assim como o T-bucket de Jorge, eles recentemente, do Jaguar XK-120, 1950, e do Ford
também tiveram problemas para importar o kit, uma Thunderbird 1956.
réplica em plástico e fibra de
vidro fabricada pela Creative
Glass, nos EUA, que custou
na época US$ 3 mil. Mas a
maior dificuldade foi encon-
trar uma empresa importado-
ra que se dispusesse a tra-
zer a encomenda. Com isso,
os sócios gastaram mais
US$ 11 mil para colocar o kit
no Brasil.
Quando a encomenda
chegou ao galpão da empresa
em Santo André, eles tiveram
uma péssima surpresa: faltava
a tampa do porta malas. Os
compradores reclamaram e
o pessoal da Creative Glass
encontrou a peça no estoque e
despacharam para o Brasil. O
custo do transporte, porém, também ficou por conta de A Americar também produz réplicas
Cleber e seus sócios. do Ford Thunderbird e Jaguar XK-120.
Fabricante GAÚCHO
Ernani Luiz Kranz é outro entusiasta que se dedica à

Fotos: reprodução
fabricação de hot rods. Baseado na experiência adquiri-
da ao construir carros de corrida, ele importou o molde
da carroceria do Ford three-windows 1934 e passou a
fazer réplicas na sua empresa, a SS Fiberglass, localiza-
da em São José do Sul (RS), município que fica a 80 km
de Porto Alegre.
Em uma área de 2.000 m², Kranz constrói a carro-
ceria de plástico reforçada com fibra de vidro, que já
vem com teto rebaixado e é montada sobre um chas-
si desenvolvido pelo próprio rodder. Este chassi utiliza
solda Mig, como nas montadoras, que é aprovada pelos
organismos responsáveis pelas vistorias no Estado do
Rio Grande do Sul.

Além do conhecido Ford


1934, a SS FIberglass também
produz outros modelos, caso
do utilitário F-1, fabricado nas
versões pick-up e furgão

Assim como os outros fabricantes, a SS Fiberglass


disponibiliza seus produtos com mecânica de seis ou
oito cilindros, além de utilizar os sistemas de freios e
suspensão do Chevrolet Opala. A SS Fiberglass produz
ainda a versão conversível do Ford 1934 e as réplicas do
Chevrolet Master 1938, do Willys Americar 1941, além
da linha Ford F-1, 1949, que é vendida nas versões pick-
up e furgão utilizando chassis, novos ou usados, das pi-
capes Ford e Chevrolet nacionais. (R.F.)

Onde encontrar
AMERICAR VEÍCULOS ESPECIAIS JOR RACING
Av. Santos-Dumont, 621, Casa Branca, Rua Tenente Ubirajara Monory 75, São Paulo, SP,
Santo André, SP, CEP 09015-330 CEP 04345-020 Fone (11) 5016-3648
Fones (11) 4427-7493/4432-2966 www.jorracing.com.br / vendas@jorracing.com.br
www.americarveiculos.com.br /
americar@americarveiculos.com.br SS FIBERGLASS
www.ssfiberglass.com.br

CARROS DE SONHO - HOT ROD 65


LEGISLAÇÃO

EM BUSCA DA
Trafegar sem ser vítima de abuso de poder não é
apenas um direito do rodder, mas também um dever
Art. 1º: Nos veículos e motores novos ou usados,
mediante prévia autorização da autoridade competente,
do Estado.
poderão ser realizadas as seguintes modificações:
Muitos imaginam que é ilegal, no Brasil, realizar I - Espécie;
alterações que modifiquem as características origi- II - Tipo;
nais de um automóvel, o que vem causando sérios III - Carroçaria ou Monobloco;
prejuízos a muitas pessoas. Lendária, esta idéia IV - Combustível;
não reflete a realidade, mas, para a infelicidade de V - Modelo/versão;
nossos rodders, tornou-se uma arma nas mãos de VI - Cor;
policiais inescrupulosos, que ameaçam apreender VII - Capacidade/Potência/cilindrada;
qualquer hot (bom ou ruim) se não simpatizarem VIII -Eixo suplementar;
com o seu motorista. IX - Estrutura;
Livrar-se deste inconveniente, entretanto, X - Sistemas de segurança.
não é uma tarefa muito difícil, bastando apenas
regularizar o hot no órgão de trânsito respon- Art. 2º: Quando a alteração envolver quaisquer dos
sável por seu licenciamento. Para alcançar tal itens do artigo anterior, exigir-se-á Certificado de Se-
objetivo deve-se anexar, juntamente com os gurança Veicular - CSV expedido por entidade creden-
documentos do carro, as notas fiscais das peças ciada pelo INMETRO (Instituto Nacional de Metrologia,
e acessórios utilizados na construção e, depois, Normalização e Qualificação), conforme regulamenta-
submetê-lo à inspeção veicular realizada em um ção específica.
dos postos credenciados pelo Inmetro (a lista Parágrafo único. A alteração da cor predominante
do veículo dependerá somente da autorização do órgão
destes locais pode ser encontrada no site www.
executivo de trânsito dos Estados e do Distrito Federal.
inmetro.gov.br).
Feitos os testes necessários e o veículo apro-
Art. 3º: Em caso de modificações do veículo, os
vado, será emitido o Certificado de Segurança
órgãos executivos de trânsito dos Estados e do Distrito
Veicular (CSV) com a íntegra do laudo, o qual Federal, deverão fazer constar no campo de observa-
trará todas as medições efetuadas no teste. De ções do Certificado de Registro de Veículos - CRV e
posse do CSV, o rodder deve procurar o Detran do Certificado de Registro e Licenciamento de Veículos
local para solicitar a expedição do Certificado - CRLV a expressão “VEÍCULO MODIFICADO”, bem
de Registro e Licenciamento de Veículos. Nes- como os itens modificados e sua nova configuração.
te documento vai constar as modificações, a
capacidade de carga, potência etc. e, no campo Art. 4º: O número do Certificado de Segurança
“Observações”, a expressão “Veículo Modificado, Veicular-CSV deverá ser inserido nos dados cadastrais
Resolução 25/98” (ver abaixo). dos veículos automotores cadastrados no sistema de
Registro Nacional de Veículos Automotores - RENAVAM,
da Base de Índice Nacional - BIN, em campo próprio.
“RESOLUÇÃO Nº 25, DE 21 DE MAIO DE 1998
Art. 5º: Somente serão registrados, licenciados e em-
Dispõe sobre modificações de veículos e dá outras placados com motor alimentado a óleo diesel, os veículos
providências, previstas nos arts. 98 e 106 do Código de autorizados conforme a Portaria nº 23, de 6 de junho de
Trânsito Brasileiro. 1994, baixada pelo extinto Departamento Nacional de
Combustíveis–DNC, do Ministério de Minas e Energia.
O CONSELHO NACIONAL DE TRÂNSITO - CON- Parágrafo único. Fica proibida a modificação ou
TRAN, usando da competência que lhe confere o art. 12, transformação da estrutura original de fábrica dos veí-
inciso I, da Lei nº 9.503, de 23 de setembro de 1997, que culos para aumentar a capacidade de carga ou lotação,
instituiu o Código de Trânsito Brasileiro - CTB, e conforme visando obter o benefício que trata o caput deste artigo.
Decreto nº 2.327, de 23 de setembro de 1997, que trata
da coordenação do Sistema Nacional de Trânsito, resolve: Art. 6º: A destinação e a capacidade de carga ou pas-
LEGALIDADE
sageiros dos veículos fabricados ou montados original-
mente com motor do ciclo diesel, serão especificadas por
deverá comunicar o fato ao órgão executivo de trânsito
dos Estados ou do Distrito Federal, onde o veículo for
órgão competente do Ministério da Indústria, do Comércio licenciado para que seja providenciado o bloqueio no
e do Turismo, cujos modelos e características constarão cadastro do veículo.
em documento de certificação de fabricação veicular. Parágrafo único. Em caso de danos de média monta,
o veículo só poderá retornar a circulação, após a emis-
Art. 7º: Não serão permitidas modificações são do Certificado de Segurança Veicular - CSV, emitido
da suspensão e do chassi do veículo classificado por entidade credenciada pelo INMETRO.
como misto ou automóvel.
Art. 11: O proprietário do veículo automotor, de
Art. 8º: Fica autorizada, para fins automotivos, a utili- posse do Boletim de Ocorrência de Acidente de Trânsito
zação do Gás Metano Veicular - GMV como combustível. - BOAT de grande monta, poderá no prazo de até 60
(sessenta) dias confirmar esta condição ou não através
§ 1º Os componentes do sistema deverão estar certifica- de um laudo pericial.
dos no âmbito do Sistema Brasileiro de Certificação - SBC. Parágrafo único. Quando não houver a confirmação
§ 2º Para assegurar o cumprimento da certificação do dano de grande monta através de um laudo pericial,
compulsória, deverão ser estabelecidos pelo Instituto o proprietário do veículo automotor levará este laudo ao
Nacional de Metrologia, Normalização e Qualificação - órgão executivo de trânsito dos Estados ou do Distrito
INMETRO, mecanismos adequados para a verificação, Federal onde o veículo estiver licenciado, para que seja
acompanhamento e fiscalização do mercado. providenciado o desbloqueio no cadastro do veículo,
§ 3º Por ocasião do registro dos veículos automo- após cumprido o procedimento previsto no parágrafo
tores que utilizarem como combustível o gás metano único do artigo 10 desta Resolução.
veicular - GMV será exigido:
I - Certificado de Segurança Veicular - CSV expedi- Art. 12: Fica revogada a Resolução 775/93
do por entidade credenciada pelo INMETRO, conforme do CONTRAN.
regulamentação específica;
II - Licença para Uso da Configuração de Veículo ou Art. 13: Esta Resolução entra em vigor 120 (cento e
Motor-LCVM expedida pelo Instituto Brasileiro do Meio Am- vinte) dias após a data de sua publicação.
biente e dos Recursos Naturais Renováveis-IBAMA, confor-
me o disposto na Lei 8.723, de 23 de outubro de 1993. Brasília, 21 de Maio de 1998

Art. 9º: Por ocasião do acidente de trânsito, os


órgãos fiscalizadores deverão especificar no Boletim de Desta forma, a Resolução 25/98 permite a
Ocorrência de Acidente de Trânsito - BOAT a situação do montagem e a utilização de hots, muito embora
veículo envolvido em uma das seguintes categorias: o Art. 7º seja falho, pois reza que “Não serão
I - dano de pequena monta, quando o veículo so- permitidas modificações da suspensão e do
frer danos que não afetem a sua estrutura ou sistemas chassi do veículo classificado como misto ou au-
de segurança; tomóvel”, o que dificulta um pouco a regulariza-
II - danos de média monta, quando o veículo sinis- ção dos documentos. Independente disso, como
trado for afetado nos seus componentes mecânicos e a adaptação criteriosa de novas suspensões
estruturais, envolvendo a substituição de equipamen- conferem maior segurança aos veículos antigos,
tos de segurança especificados pelo fabricante, e que não será problemático obter o CSV por inter-
reconstituídos, possa voltar a circular; médio do INMETRO que, em todos os sentidos,
III - danos de grande monta ou perda total, quando o
tem provado ser uma instituição tão séria quanto
veículo for enquadrado no inciso III, artigo 1º da Resolu-
coerente em suas decisões.
ção 11/98 do CONTRAN, isto é, sinistrado com laudo de
perda total.

Art. 10: Em caso de danos de média e grande


monta, o órgão fiscalizador responsável pela ocorrência,

CARROS DE SONHO - HOT ROD 67


AMIGOS DO HOT

As reuniões
do grupo
Amigos do Hot
ocorrem todo
mês em uma
churrascaria
Foto: Saulo Mazzoni de São Paulo

Um grupo quente
Cansados de discriminação,
os rodders de São Paulo uniram-se e criaram um
grupo próprio denominado: Os Amigos do Hot

A
o enfrentar muitas dificuldades para montar tornou-se conhecida em todo o Brasil como o “Encon-
seu hot, o médico paulista Dimitrius Sama- tro dos Amigos do Hot”.
ras percebeu que os rodders brasileiros não Hoje, a reunião dos rodders acontece no mesmo
eram organizados em torno de uma agre- local toda a primeira quarta-feira de cada mês, ocasião
miação que defendesse diretamente seus em que discutem temas pertinentes ao hobby. O fato do
interesses, além de fomentar a troca de informações e grupo não centralizar decisões em um diretor-presiden-
idéias. Assim, tornava-se muito difícil promover eventos, te, nem cobrar taxas de adesão, é para seu idealiza-
montar um cadastro de mecânicos idôneos e – o mais dor um dos segredos de seu sucesso. “Por isso não
importante – procurar soluções com a finalidade de ocorrem desavenças de caráter pessoal ou financeiro,
facilitar a regularização dos carros transformados junto problemas que afetam a maioria dos clubes de antigo-
às autoridades de trânsito. mobilismo”, destaca Samaras.
“Como formar um clube não seria a melhor solu- Em 14 de agosto de 2004, os “Amigos do Hot” rea-
ção, optei por dar início a uma reunião de entusiastas lizaram um almoço para comemorar o primeiro aniver-
que, no início, nem nome tinha”, explica Dimitrius. O sário do encontro, que reuniu mais de 100 convidados e
primeiro evento ocorreu em agosto de 2003, na Chur- 40 hots, apesar de o evento não ter sido divulgado em
rascaria Baby Beef Morumbi, que gentilmente cedeu nenhum meio de comunicação. Após a festa, os rodders
espaço para o médico colocar sua idéia em prática. O saíram da churrascaria em comboio de hots seguindo
número de rodders presentes foi maior que o espe- até o km 36 da SP-348 (Rodovia dos Bandeirantes),
rado e, com o passar do tempo, a reunião mensal para depois retornar ao ponto de partida.

Mais informações
sobre “Os Amigos CRAZY KRANZ
do Hot” podem
A cidade de Novo Hamburgo, na Grande Porto Alegre (RS), tam-
ser obtidas no
bém tem seu encontro de hot rods. Trata-se do Krazy Kranz, que é
site www.amigos- apoiado pela fábrica SS Fiberglass (ver matéria nesta edição). O even-
dohot.com.br; to é realizado na loja Kranz Pneus e acontece nas tardes do segun-
ou pelo telefone do sábado de cada mês. O local se destaca pela decoração típica da
de seu criador, década de 1950, sendo que o prédio fica no número 1750 da Avenida
que é o seguinte: 1º de Março. Para mais informações, acesse o site www.ssfiberglass.
(0xx11) 9972-9409. com.br ou telefone para (0xx51) 632-2010 e (0xx51) 567-1778.

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