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Copyright © 2006 by Alice Valdal Originalmente publicado em 2006 pela Kensington

Publishing Corp.
TÍTULO ORIGINAL: Her One and Only
© 2007 Editora Nova Cultural Ltda.
Digitalização: Néia
Revisão: Edith Sulis
Formatação: Letícia Poles

Resumo:
Canadá, 1880 Uma mulher incomum... Um homem persistente...
Uma pequena cidade de fronteira parecia ser o lugar ideal para Emma Douglas começar
vida nova. Porém, mesmo num vilarejo distante e pacato pode existir algo, ou alguém, para
interferir na rotina de uma jovem professora. Quando Grey North insistiu em acompanhar Emma a
San Francisco, uma atração explosiva entre eles levou a uma noite de amor inesquecível.
O fato de Grey ter seus próprios segredos não foi razão para ele esquivar-se do
cumprimento de seu dever, mas ele não imaginava que aquela mulher tão linda e sedutora
pudesse ser também tão teimosa. Emma se recusava a concordar com um casamento apenas
para salvar sua reputação... Grey, por sua vez, nunca recuava diante de um bom desafio, e a
doce Emma era uma recompensa pela qual valia a pena lutar!

Autor:
Alice Valdal, começou a cultivar o hábito de ler quando era criança, e seu gênero predileto
sempre foi o romance. Ela se formou em Letras, com especialização em Língua e Literatura
Inglesa, e durante alguns anos lecionou Inglês no ensino médio. Hoje, casada e feliz, Alice vive o
melhor romance de sua vida, numa linda ilha no Canadá.
MEU QUERIDO INTRUSO
Alice Valdal

Capítulo 1
Emma Douglas parou nos degraus da escola e observou os noivos partirem. Os outros
convidados voltavam para dentro protegendo-se do frio do inverno. Ela permaneceu ali um pouco
mais, olhando a rua deserta. Que sorte a de Lottie com a sua segunda chance para a felicidade,
Emma pensou enquanto a carruagem se distanciava.
Seus olhos encheram-se de lágrimas ao lembrar dos votos trocados por Lottie e Sean. O
amor que sentiam um pelo outro era profundo e verdadeiro. Ela endireitou os ombros e entrou na
escola. Já sonhara demais e agora não era mais possível.
- Que festa encantadora, srta. Douglas - despediu-se o reverendo Acheson.
- Mais do que ela merece. - Thelma Black passou por Emma bufando.
Antes que Emma pudesse responder, Thelma já descera as escadas atrás do solteiro mais
cobiçado de Prospect.
- Oh, Sr. North!
- Tem certeza de que não quer que eu fique e a ajude a limpar e arrumar tudo? - Sadie
Gardener segurava um bandeja cheia de xícaras de café vazias, enquanto seu marido, Abner,
esperava, impaciente, ao lado dos cavalos. - Detesto deixá-la com toda essa bagunça.
- Eu arrumo em um instante. - Emma sorriu. - Agora, vá para casa antes que a chuva os
alcance.
Ela pegou a bandeja, despediu-se do casal e fechou a porta atrás de si. As carteiras das
crianças estavam em um canto da sala, e na mesa embaixo da janela havia restos de bolo e
comida. No quadro-negro, a mensagem de felicidade aos noivos começava a se apagar. Emma
pegou uma vassoura e dirigiu-se à janela.
- Deseja ajuda?
Grey North entrou pela porta destrancada com seu físico másculo e cabelos castanhos.
Seus olhos azuis brilhavam devido ao frio e o chapéu lhe dava um ar de mistério. Seu terno bem
cortado aparecia embaixo do sobretudo pesado e sua presença marcante preenchia o ambiente.
- Eu consigo sozinha, obrigada.
Emma não gostava de Grey North. Ele a deixava nervosa com suas maneiras casuais
demais. Ela era séria, bem-educada e um tanto antiquada, mas sua frieza não impedia a
aproximação do Sr. North.
- Não fale assim comigo, Emma, não sou um dos seus alunos. - Ele sorriu. - Está claro que
precisa de ajuda.
- Sr. North!
Emma não permitiria que ele a chamasse pelo seu primeiro nome. Ela pressionou os
lábios de raiva e não conseguiu dizer nada.
- Grey, por favor - ele pediu. – Como?
Emma tentou tirar a imagem de seu amado pai caído no chão da biblioteca com uma arma
na mão e um tiro na cabeça.
- Me chame de Grey, Emma. Não precisamos das formalidades de San Francisco e nem
das convenções de Londres.
- E o que o senhor sabe sobre formalidades?
- Mais do que eu gostaria.
Ele sorriu imediatamente para encobrir a expressão de fúria que Emma pôde ver em seu
rosto. Ela se perguntou quantos segredos aquele belo homem guardava.
Emma segurou a vassoura com força. Não queria saber nada sobre Grey North, só
desejava que ele a deixasse em paz.
- Se o senhor não se importa, tenho trabalho a fazer. - Começou a varrer o chão, e ele
tirou a vassoura de suas mãos. - Por favor, Sr. North, vá embora, não é de bom-tom que fiquemos
aqui sozinhos.
- Então é melhor que termine logo, pois eu não saio enquanto você não sair.
Ele começou a varrer o chão e abriu a porta para jogar a poeira nos degraus.
- Se eu sair para pegar lenha, você consegue limpar o quadro-negro sozinha? - Grey
sorriu, sarcástico, para enfurecê-la. - Quando eu voltar, arrumarei as carteiras.
Emma não deixaria que Grey percebesse a sua raiva e tampouco ficaria discutindo com
ele até altas horas da noite, uma vez que parecia irredutível.
- Sim - ela respondeu secamente e virou-se para o quadro-negro.
- Ótimo - ele disse e saiu.
Emma correu para trancar a porta, mas ouviu a voz máscula do lado de fora.
- Se você trancar a porta, ficarei aqui gritando até que todos os moradores de Prospect
venham ver o que está acontecendo.
Ela não duvidou da ameaça e guardou a chave no bolso. Não receberia ordens de Grey
North. Começou a arrumar as fileiras de carteiras, e em pouco tempo a sala estava pronta para
receber seus alunos às nove horas da manhã na segunda-feira. Olhou as fileiras e arrumou uma
carteira fora da posição empurrando-a com o quadril.
- O que as damas de San Francisco diriam dessa manobra?
Grey North estava parado na porta com os braços carregados de lenha. Emma corou de
raiva e arrependeu-se de não ter trancado a porta. Oh, que homem insolente, bem diferente de
Parnell Wilde, com sua elegância americana. Eles eram tão desiguais quanto San Francisco e
Prospect.
Grey colocou a lenha na caixa e dirigiu-se ao quadro-negro.
- Por que não se concentrou nisso, deixando o trabalho pesado para mim? - Olhou-a com
um sorriso irônico nos lábios. - Pensei que vocês, mulheres, não aceitavam esse tipo de trabalho.
- Sr. North, eu não pedi que viesse aqui - Emma disse, ignorando as boas maneiras e
fuzilando-o com o olhar. - Não pedi sua opinião sobre meu caráter ou minha vida. Você é rude e
impertinente e parece não perceber quando uma dama não o quer por perto. Vou lhe dizer: eu
não gosto do senhor e desejo que saia agora.
Um silêncio caiu sobre a sala e Emma sentiu-se poderosa. Apesar de não ter sido uma
atitude coerente com suas boas maneiras, a sensação de dizer tudo o que sentia sem precisar
usar meias palavras foi libertadora.
Grey começou a rir, cada vez mais alto, e ela pegou um pedaço de madeira da caixa de
lenha, correu na direção dele e o atingiu na canela. No mesmo instante horrorizou-se com a sua
atitude e teria de desculpado se Grey não tivesse rido ainda mais.
- Ah, Emma, você é maravilhosa e tem um temperamento que combina com o fogo de
seus cabelos - ele disse massageando a perna atingida. - Você foi educada no Sul, mas agora
está na fronteira, minha querida, e eu adoro uma dama espirituosa. - Grey colocou as mãos nos
bolsos e observou-a. - Acredito que recusou a sua terceira proposta de casamento.
- Quarta - ela respondeu sem pensar e corou. - Não que seja da sua conta.
- Sente-se, Emma - ele disse cruzando os braços no peito. - Eu tenho uma proposta para
você. Não é nada indecente, não se preocupe. Posso perceber que não deseja se casar, uma vez
que recusou quatro - enfatizou o número - propostas. Estou certo?
Ela olhou-o furiosa, recusando-se a responder.
- Você sabia que quando está brava, seus olhos ficam verdes? Estão bem verdes agora.
Emma desviou o olhar.
- Está se refugiando no silêncio? Ótimo, assim posso dizer tudo o que quero sem
interrupção. - Grey sorriu. - Uma vez que não tem interesse em se casar e eu também não,
proponho que se una a mim a fim de nos protegermos. Eu a cortejarei, e você aceitará a minha
corte, srta. Douglas, sabendo que é apenas um jogo. O resultado disso será o fim das propostas
indesejáveis para você e das damas desesperadas atrás de mim.
- Isso é um absurdo!
- Por quê?
- Porque é desonesto.
- Não se nós dois concordarmos com os termos.
Emma abriu a boca para responder, mas a fechou novamente. Mesmo estando chocada
com a proposta, pensava em considerá-la. Tornara-se professora por necessidade e gostava
muito da independência que havia conquistado. Grey estava certo ao dizer que ela não queria se
casar. Observou-o em silêncio. Seu rosto quadrado era realmente muito bonito.
- Pensei que conseguiria livrar-se de Thelma Black sem precisar da minha ajuda.
- Ah... - Ele sorriu. - Você percebeu. Estou lisonjeado.
- Não fique, não fiz nenhum esforço para notar o interesse de Thelma Black pelo senhor.
Grey fez uma reverência e sorriu.
- E então, o que me diz?
- Vou pensar no assunto.
Emma levantou-se para pegar o casaco, mas ele foi mais rápido e ajudou-a a vestir-se.
- Vamos lá, cabelos-de-fogo, eu a acompanharei até a sua casa.
- Não, não acompanhará.
- Devo segui-la, então?
- Eu acabei de me lembrar que tenho um contrato com a escola, há um toque de recolher
às oito horas da noite e não devo aceitar a corte de nenhum cavalheiro.
- Esse seu contrato não impediu os outro pretendentes. Agora coloque seu chapéu e
vamos. - Grey ofereceu-lhe o braço. - Discutiremos os termos no caminho.
Eles desceram as escadas e Emma percebeu que Grey North não desistiria tão facilmente.
Oh, que homem irritante!
- Sr. North, eu ainda não aceitei a sua proposta e não preciso de acompanhante. Faço o
caminho até a pensão todos os dias sozinha. É seguro.
- Ontem foi seguro, hoje não sabemos... - ele disse com um ar misterioso.
- Por que não?
- Todos nós temos um passado, Emma, e o seu parece que a encontrou.
- Não sei sobre o que está falando. - Seu coração disparou.
- Há um homem no hotel dizendo que é de San Francisco e que procura uma srta. Abigail
Douglas. - Grey segurou o braço de Emma ao vê-la tropeçar na calçada. - Você está bem?
- Sim, sim, é claro. - Sua voz não soava coerente com as palavras.
- Eu já tinha notado esse desnível na calçada. - Vou mandar consertar.
Ela fitou-o e percebeu que falava com sinceridade. Apesar de ser extremamente irritante,
Grey North era um homem trabalhador. Seu hotel, o Rockingham, era próspero e hospedava
desde os mineiros que vinham à cidade para gastar seus salários, até os ricos homens de
negócios da capital, Victoria. Ele também era membro da Associação de Minas de Prospect, além
de participar da administração da escola.
- Esse homem no seu hotel... - Emma disse enquanto caminhavam. - Ele falou mais
alguma coisa?
Emma não queria perguntar, mas não tinha alternativa. Nunca havia escondido de
ninguém que viera da Califórnia, porém não tinha contado os motivos que a levaram a deixar San
Francisco e se mudar para o pequeno e remoto território britânico na fronteira do Canadá com os
Estados Unidos.
- Não disse mais nada - Grey respondeu ao abrir o portão da pensão e deixando-a passar.
- É um sujeito bastante reservado. Se há algo que queira me contar, Emma, estou pronto para
confrontar o homem, se precisar.
Ela hesitou por um momento e balançou a cabeça.
- Não. E obrigada por me acompanhar.
- Foi um prazer, srta. Douglas. - Grey fez uma reverência exagerada. - Cuide-se, Emma;
eu disse ao homem que não conhecia nenhuma Abigail Douglas, mas ele ainda permanecerá na
cidade por três dias. Estarei aqui pela manhã.
Ela assentiu com a cabeça e entrou na casa sem olhar para trás.
- Oh, srta. Douglas, finalmente chegou - a Sra. Royston disse com voz penetrante assim
que Emma apareceu na sala. - É muito tarde.
A Sra. Royston era uma viúva com uma casa enorme e curiosidade maior ainda sobre a
moça que alugava um de seus quartos. De todas as dificuldades enfrentadas por Emma desde
sua mudança para Prospect, a falta de privacidade era a pior.
- Srta. Douglas?
- Sim. - Ela tentou manter-se calma, apesar do turbilhão de emoções que invadia sua
mente. - Tive bastante trabalho para deixar a escola em ordem depois do casamento. Espero não
havê-la preocupado com o meu atraso.
- Bem, eu sinto que sou um pouco responsável pela senhorita.
- Está certa, Sra. Royston - Emma disse e dirigiu-se à escada.
- Oh, já vai subir? Venha tomar um chá comigo na sala de estar, assim poderemos falar a
respeito do vestido que Lottie, quero dizer a Sra. O'Connor, usou em pleno inverno. De seda
amarela! E com um filho de dez anos! - A Sra. Royston foi para a sala de estar e Emma teve de
acompanhá-la. - Uma mulher como ela deveria ficar satisfeita com um vestido preto e poucas
palavras na sacristia. Quando meu Henry morreu, fiquei de luto por cinco anos.
A Sra. Royston sentou-se no sofá e serviu o chá.
- Sente-se, querida. Seda amarela...
- A Sra. O'Connor já é viúva há dez anos.
Emma precisou defender Lottie. O filho dela, Michael, era seu aluno e ela sabia o quanto
aquela mãe lutava para criá-lo. Além disso, Emma tinha suas razões para não gostar de fofocas.
- Viúva o quê! Lottie nunca foi casada. Michael é um bas...
- Sra. Royston, por favor, esse linguajar é ofensivo!
- Bem, agora que há muito mais damas na cidade, devo ser mais contida. Nos velhos
tempos, nós, mulheres pioneiras, éramos bem mais fortes do que as moças de hoje.
- Acredito que a Sra. O'Connor também foi uma pioneira.
- Sim, é verdade. Foi há mais de dez anos e os tempos eram muito difíceis. Ela era
inocente, porém sedenta de aventuras, e quando cometeu o erro, foi capaz de transformar sua
vida. O pequeno Michael nunca passou fome e nem frio. - A mulher suspirou olhando para longe. -
A senhorita está certa, Lottie conquistou seu espaço.
Emma assentiu com a cabeça e levantou-se, mas a Sra. Royston não parecia cansada e
continuou:
- Fale-me sobre seus alunos, srta. Douglas. A garota Smith está aprendendo algo ou
apenas foge dos trabalhos domésticos?
Emma sentou-se e escutou a senhoria perguntar sobre todas as famílias, e tentou
responder dando poucas informações para que não virasse fofoca. Enquanto conversavam, o
visitante hospedado no hotel não saía de sua mente. Quem estaria procurando por ela? A polícia?
O banco? Sua cabeça começou a latejar e, quando a Sra. Royston parou para tomar ar, Emma
tentou escapar.
- Obrigada pelo chá, Sra. Royston. Agora subirei para descansar um pouco antes do
jantar.
- Espere um minuto, srta. Douglas. - A mulher tinha um olhar intrigante. - Um cavalheiro
esteve aqui procurando pela senhorita. Chama-se Sr. Jergens e disse ser amigo da sua família.
Emma sentou-se abruptamente, o ar em seus pulmões sumiu de repente. Everett Jergens
devia ser o hóspede do hotel. Ele era um amigo leal, a única pessoa que ficara ao seu lado após a
morte de Matt Douglas. E ele também era a pessoa que poderia mandar prendê-la.
- Está se sentindo bem, srta. Douglas? Parece um tanto pálida.
- Estou apenas um pouco surpresa - Emma respondeu.
- Acho que deve tomar cuidado, srta. Douglas. Um cavalheiro vindo dos Estados Unidos
procurando pela senhorita, e Grey North acompanhando-a até em casa... A cidade de Prospect
espera um comportamento acima de qualquer suspeita da professora da escola.
- Não fiz nada de errado, Sra. Royston. - Emma levantou-se sentindo as bochechas
queimarem de raiva. - E não é minha culpa que...
Ela não explicaria os detalhes para que a senhoria pudesse fofocar.
- Tem razão, minha querida. Por que não me conta a respeito? Quem sabe posso ajudá-
la...
- Não é preciso, obrigada. - Dessa vez, Emma conseguiu sair da sala e, no pé da escada,
virou-se. - Obrigada pelo chá; nos veremos no jantar.
- O que devo dizer ao Sr. Jergens se ele a procurar novamente?
- Pode lhe dizer que estou aqui.
Ao fechar a porta de seu quarto, Emma tirou o chapéu e as luvas, deitou-se na cama e
ficou olhando para o teto. Lembrou-se dos momentos de sua vida ao lado de Everett Jergens. Ele
tinha estado com ela no enterro de sua mãe, ensinara-a a cavalgar quando Emma tinha dez anos,
orgulhara-se junto a seu pai em seu baile de debutante. Ele também havia se mostrado
preocupado com o pai dela nos dias que antecederam seu suicídio, e estava ao seu lado quando
a polícia declarara que Matt Douglas tinha morrido por suas próprias mãos.
O banco confiscara todo o dinheiro que possuíam, e os amigos desapareceram. Com a
ajuda de Everett, Emma havia vendido tudo que pudera para pagar o banco e aceitara morar na
casa do amigo. Mas os olhares de reprovação se tornaram insuportáveis e nem seu noivo, Parnell
Wilde, agüentou. Ela lhe devolveu o anel e nunca mais o viu. Depois disso, Emma preferiu fugir;
pegou dinheiro na escrivaninha de Everett, deixando um bilhete em que prometia devolver a
quantia, mas nunca o fez. Agora, não era nada menos que uma ladra.
Grey North achava que ela precisava de proteção contra Everett. Era realmente uma idéia
absurda. Emma lavou o rosto na bacia de louça. Não era mais uma garota, amadurecera bastante
nos últimos dois anos e estava na hora de enfrentar as conseqüências de seus atos. Ela devia
mais do que dinheiro a Everett Jergens.
Mas não poderia sair à noite sozinha, pois colocaria seu emprego em risco. No dia
seguinte, o procuraria no hotel. Prendeu os cabelos e desceu para jantar com sua senhoria.

- Oh, veja! - a Sra. Royston exclamou olhando através da janela. - Rápido, srta. Douglas,
ele está logo ali na rua.
- Obrigada, Sra. Royston.
Emma olhou-se no espelho do hall e ajeitou o chapéu. Tentava não parecer apreensiva
para ver o amigo de longa data. Respirou fundo e atravessou a porta de entrada em direção à rua,
sabendo que a Sra. Royston continuaria espiando.
- Bom dia, Emma.
O tom jocoso de Grey North tirou o sorriso de seus lábios.
- O que está fazendo aqui? - ela indagou.
Emma olhou em volta para a rua deserta; além de Grey, não havia mais ninguém.
- Estou mantendo a minha promessa.
- Sr. North, o que eu tenho de fazer para que perceba que não preciso e nem desejo que
me acompanhe?
Ele pareceu considerar por um momento, balançou a cabeça e deu-lhe o braço.
- Não consigo pensar em nada.
Eles caminharam pela rua em direção à escola.
- O que há no envelope? - Grey perguntou.
- Uma fotografia. Desde que a direção pediu que um fotógrafo retratasse as crianças, só
tive problemas. As crianças inglesas estão tão excitadas que não prestam mais atenção às aulas.
As crianças indígenas não entram mais na classe, apavoradas. Estou levando esta foto para que
vejam o que é e que percebam que não vão morrer ou algo do gênero.
- E como a sua foto os persuadirá?
- Eu estou na foto e, como poderão ver, não estou morta.
- Muito astuta. - Caminharam mais um pouco. - Quer saber sobre o hóspede americano?
- Eu já sei quem é. Seu nome é Everett Jergens e quero muito me encontrar com ele.
- É mesmo? - Grey não conseguiu conter a surpresa.
- Sim, Everett Jergens é um grande amigo.
Chegaram à escola na hora certa, pois Emma devia sempre estar lá meia hora antes dos
alunos, assim tinha tempo para acender o fogo e arrumar a sala. Ela se despediu de Grey North e
subiu os degraus do prédio.
Sem tirar o casaco, Emma pegou a lenha e acendeu o fogo. Grey apareceu carregando
uma tina com água.
- Bom trabalho, Emma. Finalmente conseguiu acender o fogo sem enfumaçar a sala toda.
- Sr. North.
Ela estava em cima do palanque onde ficava sua mesa e, mesmo sendo alta, ainda
precisava erguer a cabeça para falar com Grey.
- Sr. North - Emma repetiu. - Pelo que sei, possui um hotel bem-sucedido e pretende
expandi-lo. Sei também que deseja adquirir o jornal da cidade. Com tudo isso para ocupá-lo, não
tem por que se preocupar com as minhas pequenas tarefas.
- Mas o meu fascínio por você não tem fim, Emma Douglas. Assumo que Douglas seja seu
verdadeiro sobrenome.
- Sim, e Emma também.
- Isso a torna só um pouco desonesta, Emma?
- Não se atreva!
Ela gritou, enfurecida. Sempre havia se orgulhado de sua honestidade, e seu pai a
encorajara a ser assim.
As pessoas confiam seu dinheiro a mim, Abby, ele dizia. Temos que prestar atenção a
tudo e nunca deixar que nada manche o nome da nossa família. Emma suspirou, sentindo a dor
em seu coração. Ele não podia ter roubado o dinheiro, mas, com seu bilhete de suicídio, assumira
a culpa. Apertando uma das mãos contra a outra, ela tentou recordar-se da versão da polícia
sobre aquele fatídico dia.
- Relaxe, Emma, eu não estou contra você. Não há nem sequer uma alma nessas terras
que não esconda um segredo.
- E qual é o seu?
- Muito bem, Emma, você deveria falar sem pensar com mais freqüência - Grey disse.
O barulho de botas na escada indicava que os alunos começavam a chegar.
- Vou embora agora.
- Não respondeu à minha pergunta.
- E não vou. - Ele sorriu. - Mas sinta-se à vontade para perguntar novamente, assim
teremos assunto para quando eu a cortejar de mentira.
Grey entregou a tina a um garoto e despediu-se de Emma.
As crianças entraram na sala e sentaram nas carteiras, esperando que a professora tirasse
o chapéu e as luvas. Ela tocou o sino com cinco minutos de atraso e iniciou o coro do hino da
Inglaterra. O dia finalmente começara.
Bessie Smith não prestava atenção à tarefa de estudos sociais, pois não parava de olhar
para Tommy Watson. Ela tinha treze anos e, aos dezesseis, estaria casada, pensou Emma, e
então o estudo não lhe serviria para nada.
Enquanto ensinava matemática para os alunos, ela tentava manter a calma, mas não
conseguia deixar de olhar pela janela procurando por Grey North ou Everett Jergens.
- Srta.! Srta.!
- O que foi James? - Emma virou-se para o irmão de Bessie que a chamava
insistentemente.
- A senhorita não vai tocar o sino? Tenho tarefas em casa!
- Guardem seus materiais e levantem-se, por favor - ela pediu aos alunos.
Todos se levantaram empurrando as carteiras e fazendo grande algazarra.
- Vocês sairão em ordem e em silêncio começando pela primeira fileira. A classe está
dispensada - Emma tocou o sino. - Não corram.
Em segundos a classe estava vazia e Emma se deparou com o chão para varrer, as
carteiras para arrumar e o quadro-negro para apagar.
- No que eu estava pensando quando decidi ser professora? - falou sozinha ao pegar a
vassoura.
- Eu também não sei.
- Tio Everett! - ela sorriu ao escutá-lo e correu para abraçá-lo, sentindo-se amada
novamente após dois anos de solidão. - É tão bom vê-lo!
Emma sentiu o aroma familiar de seu sabonete e do tabaco e soltou-se do abraço, olhando
para o rosto dele. A magreza e as finas rugas a assustaram.
- Tio Everett... está doente?
- Não, querida, apenas velho e cansado. - Ele sorriu. - É uma longa viagem de San
Francisco até Prospect, ainda mais no meio do inverno.
- Desculpe-me, eu deveria ter escrito, eu quis escrever... E também queria pagar o que lhe
devo, mas fiquei com tanta vergonha... - Emma olhou para baixo. - Fui irresponsável e tola. Por
favor, me perdoe.
- Abigail. - Everett pegou as mãos dela. - Ou é Emma? Ouvi dizer que está usando seu
nome do meio agora.
- Sim, eu queria começar de novo, e usar outro nome me ajudou a esquecer um pouco
tudo o que passei. Foi por isso também que nunca escrevi.
- Eu entendo. - Ele afastou-a para poder observá-la melhor.
- Eu tenho o dinheiro e vou pagá-lo.
- Oh, não seja tola. Eu não a procurei por causa do dinheiro. - Everett suspirou e fitou-a
nos olhos. - Houve um desenrolar de acontecimentos.
- O que aconteceu?
- Temos muito a conversar, Emma. Vamos tomar um chá no hotel e lhe contarei o que sei.
Ela olhou para a sala bagunçada, porém estava ansiosa demais, e a arrumação poderia
ficar para o dia seguinte.
- Está bem, só vou apagar o fogo e poderemos ir.
Emma pegou o casaco e o chapéu e eles saíram da escola. Flocos de neve caíam
anunciando mais um longo e gelado inverno em Prospect. O vento frio lembrou-a dos casacos de
pele que precisara vender para pagar as dívidas de seu pai.
Ao entrarem no hotel, foram levados ao restaurante. Emma respirou aliviada ao perceber
que Grey North não se encontrava no estabelecimento. Ela quase sugerira que fossem ao Gold
Nugget, mas o outro único hotel da cidade não era um lugar que as damas poderiam freqüentar,
mesmo acompanhadas de cavalheiros de respeito.
Enquanto esperavam a refeição chegar, Everett contou sobre sua viagem, e Emma se
perguntou mais uma vez o motivo daquela visita tão inesperada.
O chá e os sanduíches chegaram e, após servi-los, ela pediu que Everett contasse o que
acontecera.
- O banco tem novas suspeitas - ele começou enquanto girava a xícara nas mãos. -
Parece que há mais irregularidades e talvez o caso de Matt seja reaberto. Eles, inclusive,
contrataram um investigador.
- Eu não acredito que papai tenha roubado. - Emma balançou a cabeça suspirando. -
Talvez ele tenha sido ameaçado ou caído em algum golpe ou...
- Você pode estar certa.
- Descobriu algo?
- Não, e eu tentei bastante, garanto. O livro-caixa ainda está desaparecido. Queria que
Matt tivesse confiado em mim, pois eu poderia ter tentado ajudar. Tirar a própria vida... - Everett
suspirou.
- Então, por que veio até aqui?
Emma engoliu em seco tentando conter as lágrimas. Perder seu pai fora terrível, mas
saber que o nome havia sido manchado para sempre era muito pior.
- Houve um arrombamento no escritório de seu pai. Todos os papéis tinham sido levados
pela polícia quando ele morreu, mas, mesmo assim, o caso levantou suspeitas, pois o larápio des-
truiu tudo e não roubou nada.
- Quando isso aconteceu?
- No dia seguinte à sua fuga, Emma.
Ela corou e olhou para baixo.
- Abby... Emma. - Everett pegou nas mãos dela por cima da mesa. - Eu a amo como uma
filha desde que nasceu. Seu pai era meu melhor amigo e eu teria me casado com sua mãe se
Matt não tivesse sido mais rápido. Acha que eu a deixaria desaparecer assim?
- Como me encontrou?
- Chequei as listas de passageiros de todos os navios que saíram de San Francisco
naquele dia e vi que você tinha ido para Victoria. Então, eu confiei na obsessão canadense em
manter registros de absolutamente tudo. Seu nome está anotado no Departamento de Educação.
Não a procurei antes porque achei que você precisava de independência e de um pouco de
solidão.
- E agora?
- Agora houve uma nova ocorrência, dessa vez na casa em que vocês moravam. Como da
última, o ladrão destruiu tudo, inclusive o assoalho do escritório, e não levou nada.
- Mas por que acha que esse incidente está ligado a mim? A casa foi vendida antes de eu
me mudar de San Francisco.
- É verdade, mas ela foi vendida com todos os móveis. Acho que o sujeito sabe de alguma
coisa e ainda procura pelos papéis que estão desaparecidos. - Everett recostou-se na cadeira e
estalou os dedos. - Acredito que ele está desesperado, e você pode estar em perigo, Emma.
Quero que se esforce e tente lembrar de algo que nos leve a esses papéis.
- Eu já passei por isso com a polícia e com os investigadores do banco, não sei de nada. O
que sei é que papai parecia distraído nas semanas que antecederam a sua morte. Passava quase
a noite toda trancado em seu escritório, você se lembra. Nem na hora do jantar ele falava. Parnell
veio conversar com papai algumas vezes, mas também não conseguiu descobrir o que o afligia. -
Ela tomou um gole de chá e respirou fundo. - Você tem visto Parnell?
- Pensei que você tivesse rompido o noivado.
- E rompi. Só me pergunto se ele encontrou alguém.
- Boa tarde, srta. Douglas. - Grey North apareceu ao lado da mesa. - Espero que esteja
tudo ao seu gosto.
- O chá estava morno - ela respondeu na tentativa de apagar o sorriso no rosto dele.
- Vou falar na cozinha agora mesmo. - Grey chamou uma atendente. - Traga um bule de
chá bem quente para a srta. Douglas.
- Sim, senhor.
Emma sentiu-se mal, não queria que os funcionários do hotel levassem a culpa por sua
guerra particular com Grey North.
- Você foi um tanto hostil, não? - Everett comentou quando Grey saiu.
- Creio que sim. É que esse homem... me irrita.
- A mim parece um sujeito bastante decente.
- Eu não quero falar sobre o Sr. North.
Everett olhou-a com suspeita, porém Emma recusou-se a dar maiores explicações. Ela
não sabia por que, mas Grey a irritava.
Enquanto Emma lutava pela sua nova vida, às vezes ressentindo-se com as dificuldades,
às vezes feliz com a independência que o salário lhe trazia, Grey North abraçava a vida com todo
o coração. Ela sofria com as privações de viver na fronteira, enquanto Grey encarava os desafios
com bom humor e energia. Emma queria vê-lo inseguro apenas uma vez... Ela balançou a cabeça
por perder tanto tempo pensando nele.
Pouco depois, Emma deixou-se acompanhar pelo velho amigo até a casa da Sra. Royston.
- Não vou convidá-lo para entrar, pois não merece ser objeto de curiosidade da Sra.
Royston. - ela explicou.
- Então, adeus, minha querida. - Everett beijou-a no rosto. - Partirei amanhã bem cedo e só
escreverei quando tiver notícias para contar.
- Adeus e muito obrigada. - Emma agradeceu e entrou em casa.
- Boa noite, srta. Douglas.
- Boa noite, Sra. Royston.
- A senhorita perdeu o jantar.
- Obrigada, Sra. Royston, mas lanchei no Rockingham com o Sr. Jergens.
- A senhorita foi ao hotel? Sinceramente, srta. Douglas...
- Não houve nada de impróprio, Sra. Royston. Conheço o Sr. Jergens desde que nasci e o
hotel é um estabelecimento de total respeito.
- Mas é um hotel. Tem um bar!
- Não fomos ao bar. - Emma sentiu a raiva crescendo. Precisava arrumar outro lugar para
morar. - E acredito que a senhora e suas amigas do grupo de costura deveriam ir tomar chá no
restaurante do Rockingham. O Sr. North fará o impossível para deixá-las confortáveis. - Ela subiu
as escadas com um sorriso no rosto, imaginando Grey cercado por Bella Royston e suas amigas.
Ao abrir a porta de seu quarto, o sorriso apagou-se no mesmo instante.
- Oh, não!
Emma colocou as mãos na boca, horrorizada com a cena à sua frente. O guarda-roupa
estava aberto e todas as suas roupas, jogadas no chão. A cama havia sido desfeita, suas gavetas
foram vandalizadas e seu diário, rasgado.
- Sra. Royston! -- ela gritou.
- Srta. Douglas? - chamou a mulher enquanto subia as escadas. - A senhorita está bem?
Emma apontou para a porta do quarto. A senhoria olhou para dentro.
- Santo Deus! -- Seus olhos arregalaram-se. - Rose! Quando a criada apareceu correndo,
a Sra. Royston apontou para o quarto de Emma.
- Tivemos um intruso aqui, Rose! Vá chamar as autoridades. Rápido!
Uma onda de terror percorreu a espinha de Emma. Será que havia sido vítima de um
ataque pessoal? Everett acabara de contar sobre os arrombamentos em San Francisco. Não, não
podia ser; além de Everett, não havia mais ninguém de fora na cidade e ela não tinha nenhum
objeto de valor. Oh! Os brincos de pérola! Emma ajoelhou-se no chão procurando a única herança
de sua querida mãe. Encontrou-os debaixo do lençol.
- Pelo menos não levaram estes brincos - ela disse mostrando-os para a Sra. Royston. -
Vamos, eu vou junto checar o seu quarto.
- Não, não! E se o ladrão ainda estiver aqui?
- Não fique assustada, ele não ficaria aqui esperando a polícia chegar. É melhor saber a
verdade logo.
- Não sem as autoridades!
- Então, vamos descer e esperar. - Emma deu o braço a sua senhoria.
- Por que estão demorando tanto?
- Oh, Graças a Deus chegaram.
Emma correu e abriu a porta para Rose e um policial de uni forme vermelho. Ele tocou no
chapéu e sorriu para ela.
- Boa noite, senhorita, soube que tiveram um problema.
A Sra. Royston apareceu gritando:
- Minha casa foi invadida! O quarto da srta. Douglas foi todo revirado, vandalizado!
Estamos apavoradas. Não sei como conseguirei dormir aqui novamente!
- Sim, senhora, a sua criada me contou. Agora, se as senhoras esperarem na sala de
estar, eu vou checar a casa toda.
- O senhor acha que ele ainda está aqui?
- Creio que não, senhora, mas devemos ter cuidado.
Emma levou a senhoria para a sala de estar, onde se sentaram, esperando que o policial
terminasse a revista.
- Eu não fico mais aqui - Rose falou.
- Não seja tola, Rose! - Emma tentou manter a voz segura. Enfim o policial retornou após
revistar todos os ambientes.
- E então? - a Sra. Royston perguntou, aflita. - O ladrão levou as minhas coisas?
- Sra. Royston, ele entrou pela janela da cozinha. Há uma marca de bota na parede. De
todos os cômodos da casa, apenas o quarto da srta. Douglas foi vandalizado.
- Como assim? Por que alguém iria querer mexer nas coisas da srta. Douglas, e não nas
minhas?
- A senhora esteve em casa o dia todo? - O policial tirou um bloco de notas do bolso.
- Não, visitei a Sra. Clark no começo da tarde e depois passei no mercado.
- E você, Rose?
- Eu fiquei aqui. A Sra. Royston me pediu que passasse as roupas e lavasse o chão da
cozinha.
- Não saiu da casa em momento algum?
- Bem, apenas para apanhar ovos.
- E quando foi isso?
- Acho que quando a Sra. Royston saiu.
- Rose! Você anda flertando com aquele rapaz através da cerca? - Bella apontou o dedo
para a criada.
- Eu não estava flertando. Charlie também estava apanhando ovos e conversamos um
pouco, só isso.
- Então, esteve fora da casa por uns dez minutos?
- Se ela estava conversando com Charlie Murphy, coloque no mínimo meia hora - Bella
Royston interferiu novamente. - É isso! Enquanto você flertava com o meu vizinho, um criminoso
estava dentro da minha casa!
- Não é culpa de Rose - Emma disse. - O único culpado é o próprio invasor.
- Tem toda a razão, senhorita - declarou o policial. - Agora, se não se importa, gostaria que
checasse o que está faltando no seu quarto.
Eles subiram e Emma começou a recolher seus pertences.
- Não está faltando nada. Eu não tenho muitas jóias, mas todas estão aqui. E não guardo o
meu dinheiro no quarto. Não consigo imaginar o que o invasor procurava.
- Parece que ele estava desesperado - disse o policial. - Bem, vou reportar como
vandalismo e começar a investigar, mas não há muito o que possa ser feito. Desculpe-me.
Eles desceram e o policial despediu-se com um aceno.
- Eu não vou ficar aqui! - Rose falou de novo.
- E para onde pretende ir, menina? Sua família mora muito longe daqui!
- Talvez Rose se sentisse melhor se dormisse no meu quarto esta noite - Emma falou
calmamente. - O que acha, Rose? Faríamos companhia uma para a outra.
- Está bem...
- Então vamos, com a sua ajuda arrumaremos o quarto em pouco tempo e poderemos
dormir em paz.
Uma hora mais tarde, o quarto estava pronto. Muito cansada para arrumar uma cama,
Rose resolveu dormir em seu quarto mesmo.
Emma deitou-se na cama suspirando. Queria contar a Everett sobre o ocorrido, mas ele
partiria bem cedo e não havia razão para alarmá-lo.
Emma acordou cansada e com frio. A noite fora turbulenta, cheia de pesadelos. Levantou-
se e desceu para tomar o desjejum. Encontrou a Sra. Royston e Rose na cozinha.
- A senhorita dormiu bem?
- Não muito.
- Eu mal fechei os olhos, fiquei imaginando se o ladrão voltaria e me mataria na minha
cama. - Bella serviu cereal para Emma. - É nessas horas que sinto ainda mais a falta do meu
Henry... Mas acredito que não acontecerá novamente. Talvez tenha sido um dos seus alunos.
Emma também pensara naquela possibilidade, mas não queria acreditar que um de seus
alunos a odiasse tanto:
- Rose preste atenção na torrada! - a Sra. Royston gritou para a criada quando a fumaça
começou a sair do fogão. - O que há com você?
- Eu quero ir para casa.
- Oh, não! De novo essa lamentação?
- Eu quero ver minha mãe.
- Oh, vá de uma vez! Mas a espero de volta amanhã à noite. Há muitas moças querendo o
seu lugar. - Bella pegou um pão e um pote de geléia e entregou à criada. - Leve para sua mãe.
Rose pegou o embrulho e saiu rapidamente.
- Foi muito generosa, Sra. Royston.
- A mãe dessa menina é muito pobre e ainda tem de cuidar do marido doente.
- É por isso que a senhora acolheu Rose?
- Sim, e ela me faz companhia. A senhorita tem sorte de ser professora, srta. Douglas, e
ter uma independência que muitas mulheres nunca conseguirão. - Bella pegou as torradas no
fogão e sentou-se suspirando. - É claro que eu jamais trocaria meu Henry por toda a
independência do mundo.
E eu não trocaria a minha vida confortável, Emma pensou. Ela só se casaria quando o
amor fosse forte o suficiente.
- É melhor se apressar, se quiser chegar à escola no horário.
- Oh, meu Deus, é verdade! Obrigada, Sra. Royston.
A senhoria tinha a língua afiada, era curiosa demais, mas Emma descobriu que também
possuía um grande coração e era apenas solitária.
Ao sair pela porta, encontrou Grey North esperando-a.
- Eu achei que tínhamos conversado sobre isso ontem - ela disse franzindo os olhos e
colocando a mão na testa para se proteger do sol. - Não quero um acompanhante!
Passou por ele e saiu andando pela rua.
- Bom dia para você também, Emma. Eu estou bem, obrigado por perguntar. Sim, o dia
está lindo, é realmente uma dádiva, mas temo que uma nevasca nos alcance até o fim da
semana. - Grey sorriu para ela enquanto acompanhava seu passo. - Sim, Sr. North, acredito que
teremos bastante neve em poucos dias. Será que poderia me ajudar com o concerto de Natal da
escola? Eu gostaria muito.
Emma parou e fitou-o.
- Eu não falo dessa maneira. E nunca pedi que o senhor participasse do concerto.
- Ainda não, mas pedirá - ele respondeu, confiante.
- Por que tem tanta certeza disso?
- Porque você precisa levantar fundos para comprar um piano para a escola e eu sou o
melhor captador de contribuições de Prospect.
- Eu estava pensando em pedir ao Sr. Barclay.
- Ele estará ocupado demais atuando de Papai Noel.
- O reverendo Acheson.
- Não, ele é reverendo da Igreja Presbiteriana, aí os anglicanos não vão doar. E se o
vigário da Igreja Anglicana pedir contribuições, os presbiterianos é que não doarão.
- O Sr. Roberts.
- É funcionário do governo; as pessoas não confiarão seus dinheiros a ele. Estou lhe
dizendo, Emma, você precisa de mim se quiser um piano na escola e também se quiser manter
pretendentes afastados. O que me diz?
- Vou pensar no assunto.
Ela subiu os degraus da escola e, ao entrar, quase caiu para, trás, mas Grey North estava
ali para ampará-la.
- O que aconteceu, Emma? - ele parecia genuinamente preocupado.
- Olhe! - Ela apontou para a sala destruída. Até o quadro negro estava no chão. Todos os
seus papéis tinham sido revirados e as carteiras, espalhadas, algumas quebradas. - De novo não!
- O que quer dizer com "de novo não"?
- Na noite passada, meu quarto foi invadido e vandalizado. Somente o meu quarto.
Grey a abraçou. Por um momento, Emma desejou deitar a cabeça no peito dele e
esquecer todos os problemas, mas o barulho das crianças chegando a trouxe de volta à realidade.
Ela desvencilhou-se do abraço rapidamente.
Grey acariciou-lhe os ombros.
- Vamos entrar e tentar arrumar tudo.
- Está bem. Mas precisamos chamar a polícia.
- Você a chamou ontem?
- Sim. - Emma pegou um dicionário do chão e desamassou as páginas com as mãos ainda
trêmulas. - Como nada foi roubado, o policial reportou o incidente como vandalismo.
- Tem idéia de quem pode ter sido?
- Não. O policial disse que pode ser algum aluno, mas eu duvido. Eles estão um pouco
nervosos por causa da fotografia e... Oh! O fotógrafo virá hoje! O que vou fazer? Me ajude a
arrumar esta bagunça.
- Calma, Emma, a polícia deve procurar por evidências antes.
- Mas, e a foto? E as crianças?
- Você pode organizar um concurso de palavras nos degraus da escola, e a foto pode ser
tirada lá mesmo.
- É uma boa idéia.
Tommy Watson e Bessie Smith chegaram correndo; Emma e Grey saíram da classe e
fecharam a porta.
- Tommy, vá chamar a polícia, por favor.
- Srta. Douglas?
- Houve uma invasão na escola, corra e chame as autoridades.
- Oh, meu Deus! - Bessie revirou os olhos e quase caiu.
- Não seja dramática, Bessie, sente-se no degrau e respire. - Emma disse.
As outras crianças chegaram e ela explicou-lhes a situação.
- Agora, formem duas filas, vamos soletrar palavras.
- Eu estou com muito frio - reclamou a caçula dos Smith.
- Venha para cá, Molly, fique no sol e se aquecerá. - Estava realmente muito frio e Emma
não sentia mais a ponta dos dedos. - Quem sabe soletrar "cavalo"?
Eles conseguiram entreter as crianças por algum tempo e a presença de Grey gerou
curiosidade.
- Eu sei soletrar "hotel" - Bessie disse com o olhar perdido em Grey.
- Tenho certeza que sabe, mas pode soletrar "lavanderia"? - Emma sorriu.
A brincadeira começava a se tornar tediosa, quando Emma avistou o policial chegando em
seu uniforme vermelho.
- Eu agradeço muito a sua ajuda, Sr. North, mas agora que a polícia chegou, o senhor
pode partir.
- Mas que crueldade, Emma! Eu gostava mais de você quando estava assustada. E não
me olhe assim. - Ele fitou-a longamente. - Eu não destruí a classe para que você caísse nos meus
braços.
- Srta. Douglas, o que aconteceu? - Era o mesmo policial da noite anterior.
- Arrombaram a escola. - Emma abriu a porta para que ele pudesse ver o estrago.
- Parece que foi a mesma pessoa. A questão é: por quê? Algo foi roubado desta vez?
- Ainda não chequei - Emma respondeu rodeada pelas crianças. - Não temos nada de
valor aqui.
- E seus pertences? Parece que o vândalo estava interessado na sua mesa.
- Não guardo nada meu na mesa, apenas provas e giz nas gavetas. Está tudo aí.
- Com licença... - uma voz masculina soou da porta.
- Oh, o fotógrafo - disse Emma. - Desculpe-me, mas tivemos um problema aqui. Vamos
tirar a foto nos degraus lá fora.
Ela passou por Grey e guiou-os para fora da sala.
- O Sr. North vai ajudá-los enquanto eu termino de dar meu depoimento ao policial, está
bem?
Todas as crianças, menos os nativos, correram para ver o equipamento do fotógrafo.
Emma juntou-se aos seis pequeninos paralisados em um canto.
- Vamos tirar a fotografia agora - ela disse docemente, mas eles não se mexeram. - Vocês
se lembram da fotografia que eu lhes mostrei ontem? Então, não estou aqui agora? Vocês não de-
saparecerão por causa disso. Vamos.
Ela se moveu, mas as crianças de cabelos negros, não.
- Aí pode estar o seu problema - falou o policial.
- Como assim?
- Essas crianças não querem tirar a fotografia e podem ter destruído a classe para impedir
a ação do fotógrafo.
- Eu não acho que seja isso. Eles são apenas tímidos e supersticiosos, e não vingativos.
- Se a senhorita está dizendo... Vou reportar como vandalismo mais uma vez, não há o
que fazer.
Emma o acompanhou irritada com a falta de respostas, deixando os indiozinhos sozinhos.
- Policial, espere um pouco.
Grey chamou-o e conversaram baixo por um momento e depois entraram na classe, de
onde saíram logo depois com os seis pequenos. Todos tomaram seus lugares na escadaria,
inclusive Grey e o policial. O fotógrafo sumiu embaixo do pano preto atrás do tripé de sua câmera.
Uma luz forte piscou e um grande estrondo se fez ouvir. As crianças gritaram e fizeram algazarra.
- Obrigado, srta. Douglas, eu trago a fotografia amanhã.
O fotógrafo arrumou suas coisas e partiu em direção ao Gold Nugget, com os alunos mais
velhos correndo ao seu lado e perguntando sobre o estrondo. Os outros pediram a Emma para
entrarem na classe por causa do frio.
- Está bem, crianças, vamos entrar agora. - Ela virou-se em direção ao hotel e chamou os
que tinham ido atrás do fotógrafo.
Algo a paralisou naquele momento. Havia uma figura conhecida na porta do hotel. Emma
olhou novamente, e não havia mais nada lá.
Que tolice, pensou. Às vezes pensamos ver pessoas que estão distantes, quando
moramos em uma nova cidade.
A figura esguia que ela vira entrar no Gold Nugget não poderia ser Parnell Wilde.

Capítulo II
- Parece que você viu um fantasma. - Grey olhou para ela. - Algum segredo, Emma?
- Como você mesmo disse, todos nós os temos.
- Guarde-os, eles são inocentes.
- Como você sabe?
Ela arrependeu-se da pergunta; a última coisa que queria era ficar conversando com Grey
North na escadaria da escola enquanto tinha tanto a fazer. Mas não poderia deixar de escutar a
resposta.
- Está nos seus olhos verdes e na sua boca rosada pronta para ser beijada.
Ele aproximou-se tanto que Emma deu um pulo para trás.
- Sr. North!
Suas bochechas queimavam e seus joelhos tremiam. Durante seu noivado com Parnell,
Emma havia sido beijada algumas vezes, mas ele nunca a olhara com os olhos famintos como os
de Grey e certamente nunca dissera que sua boca rosada estava pronta para ser beijada. A
sensação de borboletas no estômago era completamente nova para ela e sua voz saiu em um fio
quando tentou dizer que ele tinha passado dos limites.
- Interessante - Grey disse tocando em sua face. - Até logo, Emma, estarei aqui para
acompanhá-la até em casa.
Ela ficou parada na escada por um momento para se recompor e depois entrou na escola.
- Muito bem, crianças, esta manhã foi movimentada, mas precisamos voltar ao trabalho.
Vamos colocar esta sala em ordem para começarmos os deveres.
Enquanto as crianças menores recolhiam os papéis, as maiores ordenavam os livros e
Emma arrumava as gavetas de sua mesa. A solução para o caso das duas invasões estava longe
de ser encontrada, e, mesmo se elas tivessem ligação com os eventos em San Francisco, Emma
não possuía nada de valor. Grey North não saía de sua cabeça e ela ainda sentia borboletas em
seu estômago.
- Senhorita, podemos começar com o concerto de Natal?
O concerto anual de Natal de Prospect era o acontecimento mais importante da escola
para os alunos e seus pais. As crianças apresentavam músicas e encenações e a festa culminava
com a chegada do Papai Noel.
Como o dia fora perdido mesmo, Emma guardou a tarefa de geografia e resolveu atender
ao pedido das crianças.
- Muito bem, vocês podem começar a decorar as janelas com desenhos coloridos.
- Posso recortar flocos de neve? - Molly Smith perguntou.
- Quando vamos cantar? - Mabel Johnson, que era tímida, quase sussurrou.
- Eu não vou participar de nenhuma peça idiota! - Tommy Watson cruzou os braços.
- Quem fará o papel de Maria? - O tom petulante de Bessie irritou Emma.
- Eu disse que podem começar pelos desenhos que decorarão as janelas. E quem não
quiser pode escrever a tabuada na lousa.
A classe ficou em silêncio e Emma respirou aliviada. Poderia ter um pouco de paz com
seus pensamentos. Grey North queria beijá-la? Será que Parnell estava mesmo na cidade? Se
Everett conseguira encontrá-la, por que não ele? A visão do ex-noivo deixando sua casa com o
anel nas mãos seria difícil de esquecer e, quando ela havia cruzado com Parnell na rua, no dia
seguinte ao rompimento, ele nem a cumprimentara.
Parnell nunca duvidara da culpa de seu pai, e isso foi mais doloroso para Emma do que
romper o noivado. Ele era um noivo carinhoso e adorava estar com ela, mas a mudança tão
brusca em seu comportamento após a morte de Matt Douglas a fizera suspeitar de que estava
apenas usando-a para conseguir uma promoção no banco.
Emma pensou em Grey North e não sabia a razão, mas tinha certeza de que ele jamais
viraria as costas para a mulher amada.
- Senhorita?
E se Parnell estivesse mesmo no Gold Nugget, o que ela faria?
- Senhorita!
- O que foi Tommy? - Emma forçou-se a voltar à realidade.
- O fogo apagou.
Ela levantou-se e viu que a lenha da caixa também acabara. Adorava ser professora,
porém o trabalho pesado não lhe agradava de maneira alguma. Além disso, a obrigação de usar
roupas escuras e a proibição de ir a festas e de chegar tarde em casa a intrigavam. O que isso
tinha a ver com ser uma boa professora? Hoje, Emma declararia sua independência.
- A classe está dispensada.
Emma desceu as escadas da escola procurando por Grey North. Como ainda faltavam
cinco minutos, ele não aparecera. Seria ótimo não tê-lo em seu encalço pelo menos por um dia.
Ela caminhou pela rua até dobrar a esquina e então foi para casa andando calmamente.
- Srta. Douglas - a voz de Bella Royston soou da cozinha. - Hoje terei companhia para o
jantar. Então, se quiser tomar chá, terá que ser aqui, pois não posso largar o fogão.
- Sim, senhora, obrigada. Eu vou tirar o casaco e lavar o rosto e desço em um minuto.
Um bolo de chocolate esfriando em cima da mesa, a louça fina preparada e um assado no
forno demonstravam o empenho da senhoria.
- Deve ser uma visita importante - Emma disse ao entrar na cozinha.
- É Jed Barclay. Fui ao mercado hoje, começamos a conversar sobre comida e acabei
convidando-o para jantar - Bella respondeu corando. - Também convidei o novo vigário com a sua
esposa. E Grey North, que a senhorita conhece muito bem.
- O Sr. North faz parte da curadoria da escola - Emma tentou explicar que não tinha
nenhum relacionamento com ele.
- Tem razão, mas eu não vejo os outros curadores acompanhando-a em casa todos os
dias.
- Eu voltei sozinha hoje. E houve uma nova invasão.
- De novo? Onde?
- Na escola.
- E o que a polícia disse?
- Disse que pode ter sido um aluno descontente. Talvez uma das crianças nativas que não
queria tirar a fotografia.
- Oh, espero que seja castigada. Invadir a propriedade dos outros, quebrar tudo... é uma
desgraça!
- Bem, a fotografia já foi tirada e espero que tudo se acalme agora.
Emma não acreditava nas próprias palavras. Seus alunos índios eram doces e tímidos
demais. Jamais fariam uma coisa daquelas. Suspirou e perguntou se a Sra. Royston precisava de
ajuda.
- Se não se importar em pôr a mesa... Rose está fazendo falta aqui.
- Não há problema algum, Sra. Royston.
Quando o reverendo Allen e sua esposa chegaram, a mesa estava arrumada e a Sra.
Royston já tirara o avental e aguardava, ansiosa, o outro convidado. Ao ouvir a batida na porta,
saltou do sofá sorrindo e deixou Emma conversando com o vigário.
- Sr. Barclay, seja bem-vindo. O senhor também, Sr. North.
O tamanho e vitalidade de Grey North preencheram a sala de visitas.
- Ah, srta. Douglas, é bom ver que está bem. Quando dispensou a classe mais cedo,
pensei que havia se sentido mal devido ao contratempo na escola - ele falou educadamente, mas
Emma conhecia seu tom sarcástico.
- Que contratempo? - a Sra. Allen perguntou.
Emma contou sobre as duas invasões e as suspeitas da polícia.
- Eu vi a fotografia no fim da tarde. Ficou muito boa - Grey disse.
- As crianças ficarão felizes. E, por falar nisso, como o senhor e o policial convenceram os
pequenos índios a posarem?
- Eles confiam cegamente na Polícia Montada. E quando o policial disse que posaria
também, eles souberam que estavam a salvo.
- Há índios na sua escola? - a Sra. Allen perguntou, horrorizada.
- Normalmente, eles vão para as escolas missionárias, mas alguns pais preferem manter
os filhos em casa, então eles vêm para a escola pública. - Emma virou-se para Grey: - Os cura-
dores pendurarão a fotografia na escola?
- Eu marquei de ir até lá amanhã às quatro horas, se não for inconveniente para a
senhorita.
- Não, obrigada por me avisar.
- Vamos jantar? - a Sra. Royston chamou.
Enquanto os convidados se sentavam, Emma ajudou sua senhoria a trazer as comidas.
- O senhor pode fatiar a carne, Sr. Barclay?
A Sra. Allen olhou com reprovação. Certamente queria que seu marido tivesse essa honra.
Emma percebeu que Bella simpatizava com Jed Barclay e pressentiu o romance entre os dois.
Após muitos elogios à comida da Sra. Royston, Grey pediu a ela que preparasse um
banquete para angariar fundos para o piano da escola.
- Mas eu cozinho em casa, não sei se consigo para tanta gente.
- Sra. Royston, a sua comida é divina, eu compro um convite! - Jed Barclay disse-lhe
sorrindo.
- Vou pensar...
- Nos falaremos na próxima semana para combinarmos os detalhes - Grey completou.
Contra a sua vontade, Emma teve de admirar a determinação de Grey North. Ele lhe
prometera levantar fundos para a compra do piano e mostrava que cumpria o combinado. Grey
olhou para Emma e abaixou a cabeça, para que só ela pudesse vê-lo, e piscou-lhe.
Emma corou e precisou olhar para fora até que o calor em suas faces se dissipasse. Grey
North não devia se envolver com ela. Não poderia...
- Há hóspedes interessantes no hotel? - O reverendo Allen mudou de assunto.
- Um cavalheiro de San Francisco partiu hoje cedo. E na semana passada, muitos oficiais
do governo e engenheiros da ferrovia estiveram aqui estudando a construção de uma rota para o
sul.
- Seria excelente para Prospect - Jed disse. - Hoje os suprimentos demoram quatro dias
para chegar de Gold City. Imagine se tivéssemos a nossa própria linha! Poderíamos visitar
Vancouver ou Seattle sem ter de cavalgar e remar uma canoa.
- Pior é atravessar o rio dentro daquelas cestas penduradas nas cordas. - Emma declarou,
lembrando-se de como chegara ao Canadá.
- Uma linha de trem seria ótima para a cidade, embora eu goste de cruzar o rio no cesto -
Grey falou lançando um olhar irônico para Emma. - A senhorita não acha linda a vista lá de cima?
- Não posso dizer que não é estonteante, mas o medo de que a corda arrebentasse e eu
caísse sobre as rochas foi muito maior.
- Eu nunca abro os meus olhos - a Sra. Allen choramingou, irritando Emma. - Não quero
ver um rio, por mais bonito que seja, dependurada nas alturas.
- A Sra. Allen acabou de chegar da Inglaterra - disse o reverendo, em tom de desculpa. -
Ela não está acostumada aos rigores da vida na fronteira.
- E nunca estarei. - A Sra. Allen não se importou com a educação e deixou bem claro que
detestava tudo o que envolvia o Canadá e a cidade de Prospect. - Eu não fazia idéia da vida que
teríamos aqui quando aceitei a sua proposta.
- Oh, Mary, não é verdade, você já está se acostumando - o marido tentou acalmá-la.
- Eu achei que Cornwall era o fim do mundo, mas comparado a isto aqui... - ela continuou,
para surpresa das pessoas ao redor da mesa: -...vocês sabem que só há índias para trabalhar nas
residências? E elas foram catequizadas por padres católicos! Eu não as deixo nem sequer um
minuto fora da minha vista.
- A escola missionária faz um excelente trabalho. - Emma surpreendeu-se com a defesa
rápida. - O impacto com o homem branco foi devastador para os nativos. Eles não estão
habituados com as nossas maneiras e houve derramamento de sangue inútil por causa disso. Os
missionários foram os primeiros a tentar conectar as duas culturas.
- Como pode defender quem destruiu a sua escola?
- Não há nenhuma evidência de que tenham sido eles. É só especulação.
- É verdade - Grey disse. - De que parte da Inglaterra a senhora é?
- De Hull.
- Ah, entendo.
Emma percebeu que a Sra. Allen corou e se perguntou que mensagem Grey passara em
tão poucas palavras.
- Eu notei que também possui sotaque britânico. Onde é o seu lar? - o reverendo
perguntou, talvez tentando defender sua esposa.
- Meu lar é onde estou no momento, o que significa Hotel Rockingham, Prospect, B.C.,
mas acredito que queira saber onde nasci. Foi em Hampshire.
- Há terras adoráveis naquela parte da Inglaterra.
- North - a Sra. Allen disse. - North é um sobrenome familiar. Onde estudou? Talvez
conheça meu irmão, Christopher Dalton.
- Não.
Grey respondeu secamente e, antes que a Sra. Allen pudesse continuar o assunto, ele
perguntou a Jed sobre o boato de que fora descoberta uma grande mina de ouro em Kootenay.
Todos se interessaram pela história da grande pepita encontrada lá.
Emma percebeu que a Sra. Royston começava a retirar os pratos levantou-se para ajudá-
la. A Sra. Allen não se mexeu. Ela aprenderá, pensou. Em Prospect, até as mulheres mais ricas
faziam trabalhos domésticos.
Durante a sobremesa e o café, a conversa voltou-se para os visitantes da cidade...
- É bom que tenha esse hotel, Sr. North - Jed disse. - Quando eu cheguei aqui, não havia
um quarto decente. A cidade está crescendo.
- Quer dizer que possui um bar?
Emma não gostava de Grey North, mas os comentários da Sra. Allen começavam a irritá-
la.
- Saiba que o meu hotel é muito bem freqüentado, Sra. Allen - Grey declarou respirando
fundo. - Só pessoas ricas podem pagar o que eu cobro. Pessoas como o amigo da srta. Douglas
que veio de San Francisco, por exemplo. Agora, se não estiver satisfeita, pode tentar o Gold
Nugget.
A Sra. Allen pareceu não perceber que acabara de ser insultada e Emma assustou-se com
o olhar de ódio de Grey. Ele era uma pessoa boa, sempre procurando fazer o melhor para a
cidade. Aquela atitude rude não combinava com a sua personalidade.
- Falando no Gold Nugget, há um sujeito hospedado lá que talvez possa interessá-la, srta.
Douglas - Jed disse. - Um cavalheiro de San Francisco.
- San Francisco é uma cidade muito grande, Sr. Barclay. - Emma tentou parecer
desinteressada ao perceber o olhar curioso de Grey em sua direção. - É pouco provável que eu o
conheça.
- Que interessante - Grey disse. - Dois visitantes de San Francisco na cidade ao mesmo
tempo. - Talvez eu devesse colocar um anúncio no jornal de lá: visite Prospect, lar da srta. Emma
Douglas. Acho que seria bom para os negócios.
- Temo que superestime a minha importância, Sr. North - ela retrucou friamente.
- De qualquer maneira, irei ao Gold Nugget amanhã porque o fotógrafo quer utilizar os
quartos do meu hotel como locações para os seus retratos. Aproveitarei e perguntarei quem é o
hóspede de San Francisco.
Se Parnell Wilde estivesse mesmo hospedado no Gold Nugget, Grey descobriria toda a
história, pensou Emma. E, para a sua própria surpresa, desejava que ele tivesse uma boa imagem
dela.
- Sra. Royston, se nos der licença, minha esposa precisa descansar - disse o vigário.
Ele levantou-se da cadeira e todos fizeram o mesmo.
- Sinceramente, srta. Douglas, acho que deve ser mais conservadora a respeito de seus
pretendentes - Bella disse fechando a cortina da janela da frente, na manhã seguinte. - O Sr.
North faz parte da curadoria da escola, então não há problema se acompanhá-la pela cidade, mas
ter um estranho na porta de casa é testar a tolerância desta cidade.
- O que quer dizer? - Emma perguntou, sem paciência.
- Olhe lá fora. Há um homem esperando pela senhorita.
- Mas é claro que não.
Emma juntou-se à senhoria na janela e espiou pela fresta da cortina. Grey North
conversava com Parnell Wilde na soleira.
- Eu não pretendo testar a tolerância da cidade.
Emma saiu pela cozinha, atravessou o quintal da casa vizinha e tomou outro caminho para
chegar à escola, optando pela maneira mais covarde de fugir de uma situação embaraçosa. Grey
North poderia ficar lá até o meio-dia, ela não se importava.
E agora não havia mais dúvidas de que Parnell estava mesmo na cidade. Mas por quê?
Emma queria uma nova vida, não lembranças do passado.
Entrou na escola, tirou o casaco e as luvas e colocou lenha no forno, acendendo-o em
seguida. Às nove horas abriu a porta e tocou o sino. As crianças começavam a chegar e ela viu
Grey atravessando a rua com passos rápidos. Na frente da escola, ele sorriu para Emma, tocando
na aba do chapéu, e continuou seu caminho sem dizer uma palavra.
Durante todo o dia, ela se perguntou sobre o que Grey e Parnell conversavam e olhou pela
janela inúmeras vezes.
- Está na hora, senhorita - Bessie chamou sua atenção.
O relógio no alto da parede marcava quatro horas, e Emma dispensou a classe espiando a
rua deserta mais uma vez. Não havia sinal de Grey. Talvez ele, finalmente, entendera o recado.
Ao terminar de arrumar a sala, saiu da escola desejando ter um casaco de pele para aplacar o frio
do inverno.
- Olá, Abigail, eu estava esperando por você. - Parnell apareceu à sua frente.
Emma observou-o e percebeu que não sentia mais nada por aquele homem alto e magro.
Ele continuava muito bonito, suas roupas estavam impecáveis, mas não combinavam com o estilo
rústico de Prospect. Ela acostumara-se com a robustez de Grey, e agora Parnell não lhe
provocava mais arrepios.
- Abby, não vai falar comigo?
- Na última vez que nos encontramos, foi você quem não disse nada.
- Desculpe-me. - Ele tentou pegar nas mãos dela, mas Emma segurou o casaco com força
impedindo-o. - Eu estava assustado, bravo e confuso. Trabalhava com seu pai, ele era meu
mentor e fiquei com medo que o escândalo me atingisse. Você entende?
- Foi um período difícil para todos nós.
- Eu sei, minha querida. - Parnell tentou segurar as mãos dela novamente e ela permitiu. -
Mas eu estou aqui agora e você me perdoará, não é?
- Srta. Douglas. - A Sra. Allen aproximou-se. - Precisa de ajuda?
- Não, Sra. Allen, muito obrigada. Eu saía da escola quando encontrei um antigo
conhecido. Sra. Allen, este é o Sr. Parnell Wilde. Agora, se me dão licença, preciso ir, está muito
frio.
Emma acenou com a cabeça para ambos e saiu caminhando rapidamente. Ao virar-se
para trás, viu que os dois conversavam animadamente e temeu pelas fofocas no dia seguinte.
- Ah, srta. Douglas, que bom que chegou - Bella disse quando Emma abriu a porta. -
Venha até a sala de estar, preciso lhe contar uma coisa.
Emma sentou-se no sofá da confortável e aquecida sala.
- Por que a senhora está tão excitada? O Sr. Barclay a procurou?
- Não, bem, sim. Ele esteve aqui para agradecer o jantar, mas não é isso que quero lhe
contar.
- O que é, então? - Emma estava ficando ansiosa, pois parecia que Bella explodiria a
qualquer momento de tanta excitação.
- É sobre Grey North. A senhorita sabia que ele é um lorde inglês e que matou um homem
em um duelo? - Os olhos da senhoria nunca estiveram tão grandes. - Já ouviu algo parecido?
- Não, nunca. Como soube dessa história?
- A Sra. Allen me contou. Ela chegou aqui depois que o Sr. Barclay saiu e disse que havia
passado a noite toda tentando se lembrar de onde conhecia o Sr. North. Finalmente conseguiu.
Ele é lorde Greydon North, filho de um barão que o deserdou.
Então Grey North também tinha os seus segredos. Mas por que se refugiar em um lugar
tão selvagem? O que mais surpreendeu Emma foi a simpatia que sentiu de repente por ele.
- Eu tomaria muito cuidado ao repetir essa história, Sra. Royston. A Sra. Allen pode estar
enganada.
- Oh, não, ela tem certeza. Parece que o pai dele até colocou um anúncio no Times
eximindo-se de toda a responsabilidade pelos atos do filho. A senhorita pode imaginar?
- Não, não posso, Sra. Royston - Emma respondeu friamente. - E agora, se me der licença,
vou descansar um pouco, antes do jantar.
Durante toda a semana, os boatos atingiram a cidade inteira e cresceram tanto que Grey
foi elevado a duque, e o duelo incluía várias pistolas e espadas. Quando Grey não apareceu para
acompanhá-la na quarta-feira, Emma sentiu-se aliviada, mas com pena dele. Ela gostava da
companhia de seu pretendente de mentira, porém não queria ser alvo das fofocas. O que a
intrigava era que, segundo as pessoas que espalhavam a história, Grey teria desonrado o nome
da família abdicando de seus direitos para deixar o país por causa de uma mulher.
Enquanto ele mantinha distância, Parnell continuava a persegui-la pela cidade,
surpreendendo-a em cada esquina. Quando ficavam sozinhos, repetia a estima que ele tinha por
Emma, mas assim que alguém aparecia, sumia pelas sombras da cidade. O pouco de carinho que
ela ainda nutria por Parnell foi desaparecendo e uma leve suspeita cresceu em seu peito. Poderia
ter sido Parnell o vândalo que destruiu seu quarto e sua sala de aula. Emma só não entendia o
que ele procurava, pois sabia que ela não possuía nada de valor.
No domingo de manhã, Emma foi à igreja sentindo mais a falta de Grey do que era capaz
de admitir. Após o sermão do reverendo Allen, ela saiu rapidamente.
- Bom dia, Emma.
Grey surgiu à sua frente sorrindo. Ele não parecia envergonhado, mas não havia mais
brilho em seus olhos. Ela sentiu os olhares em volta de si, porém não viraria as costas a Grey.
- Bom dia, Sr. North.
- Obrigado - ele falou em voz baixa. - Precisamos conversar sobre o piano da escola.
Posso acompanhá-la?
Emma hesitou por um momento, sentido que seria alvo de falatório, mas seu senso de
justiça falou mais alto. Assentiu com a cabeça e sorriu.
- Mas é claro que sim.
O olhar frio de Grey transformou-se imediatamente e ele até pareceu mais alto.
Uma onda de sussurros de reprovação ecoou no pátio da igreja.
- Veja só! E ela é professora da escola!
Grey olhou furioso para trás e voltou-se para Emma.
- Eu iria oferecer-lhe um almoço no hotel, mas acho que acabaria de vez com a sua
reputação.
Emma lembrou-se de toda a humilhação que sofrera em San Francisco, da polícia na porta
de sua casa por dias a fio, e seu coração encheu-se de compaixão.
- Eu adoraria almoçar com o senhor, Sr. North.
- Você me surpreende, Emma Douglas. Quando eu era a pessoa mais importante desta
cidade me desdenhou, e agora que sou o mais odiado, aceita a minha companhia desafiando as
convenções.
- Eu não acho que seja uma má pessoa, Sr. North. Para mim, é um homem próspero,
membro ativo da comunidade e curador da escola em que trabalho.
- Emma Douglas, você é uma verdadeira dama e fico feliz em oferecer-lhe a melhor
refeição no Rockingham. - O sorriso suavizou as linhas duras de seu rosto.
De braços dados, os dois caminharam pelas ruas de Prospect sob os olhares de
reprovação das mulheres. Ao passarem pela Sra. Allen, esta lançou um olhar de fúria e Grey
sussurrou no ouvido de Emma:
- Acho que seremos expulsos da igreja.
Ela riu e eles entraram no hotel.
- Será que serei demitida da escola?
- As mulheres não fazem parte da curadoria.
- Mas elas podem persuadir seus maridos.
- Não se preocupe, Emma, meu voto tem bastante valor e eu ficarei ao seu lado.
No restaurante, sentaram-se a uma mesa perto da lareira. O ambiente ficava totalmente
separado do bar.
Grey sugeriu um assado, mas o estômago de Emma não agüentaria nenhuma comida
pesada naquele dia.
- Apenas chá, por favor.
- Precisa comer algo para aquecê-la, Emma.
Ela, então, concordou em tomar uma sopa.
- Certifique-se de que o chá venha bem quente, como é do gosto da srta. Douglas - Grey
disse ao garçom.
A uma mesa afastada, três homens conversavam diante de um mapa aberto. Emma tirou
as luvas e esfregou as mãos uma na outra, lembrando que não se sentia confortável na presença
de Grey North, e desejou não ter sido tão impulsiva.
- Você foi muito corajosa até agora, Emma. Continue assim.
- Estou prestes a me unir ao senhor na sua desgraça, Sr. North.
- Acho que pode me chamar de Grey, já ultrapassamos as formalidades.
- Está certo, Grey.
- Ótimo. Esses homens que você está vendo são os responsáveis pela construção da linha
da estrada de ferro. Não se preocupe, pois eles não vão fofocar a seu respeito.
O chá chegou e Grey o tomou de uma só vez.
- Acredito que deseja uma explicação.
- Não.
- Você não quer ouvir a minha história de desgraça?
- Como você mesmo disse, Grey, nós todos temos segredos e o direito de guardá-los.
O garçom chegou com a sopa e Emma percebeu que estava faminta.
Grey desistiu de almoçar e colocou os talheres ao lado do prato.
- Sim, eu prefiro guardar os meus segredos, assim como você, Emma, mas posso lhe
garantir que nunca agi desonestamente com uma mulher de respeito.
- Só com as que não são respeitáveis? - perguntou ela sorrindo.
- Gostei da pergunta, Emma - disse ele rindo. - Mas não vou lhe responder.
- O que pretende fazer agora?
- Vou organizar o jantar para arrecadar donativos para o seu piano. Mesmo que eu não
consiga convencer a Sra. Royston, aposto que os fofoqueiros ficarão curiosos o suficiente e
comprarão os convites.
- Por que não viaja por um tempo até que o falatório acabe?
- Nunca. Eu não vou fugir, Emma, aqui é o meu lar e o falatório não me expulsará.
- Mas não foi o falatório que o expulsou da Inglaterra?
- Apenas em parte. Eu já estava desiludido com a sociedade inglesa e suas velhas
convenções. A fofoca foi a desculpa que eu precisava para ir embora. Estava ansioso para
conquistar a fronteira, provar a mim mesmo que poderia sobreviver sem os privilégios da
aristocracia. - Grey falava com paixão e seus olhos brilhavam. - Eu encontrei meu verdadeiro lar,
Emma. Prospect também tem seus fofoqueiros, mas a maioria da população possui bom coração
e visão do futuro. Você não sente? Somos parte de algo importante aqui. O Novo Mundo está
pronto para acabar com o Velho, e nós nos encontramos na vanguarda.
- E você construiu um hotel em vez de guardar o dinheiro.
- Investi aqui tudo que eu tinha. Se o Rockingham não der certo, não tenho mais nada.
- Você não voltará para a Inglaterra para pedir perdão a seu pai? Ouvi dizer que ele é um
nobre.
- Sim. Mas, não, nunca voltarei. Eu escolhi esta vida. Esta terra é muito grande, Emma, e
precisa de grandes sonhos, não de pequenezas. Respire fundo, abra as suas asas. Na fronteira,
você aprenderá a voar!
Emma assustou-se. Não estava pronta para a liberdade que Grey desejava. Precisava da
segurança da vida convencional e não conseguiria aceitar o futuro que ele enxergava para ela.
- Quanta paixão! – Emma exclamou.
- Tolo, não é? - O brilho nos olhos de Grey diminuiu. - Agora, a respeito do piano...
Ele explicou os detalhes da festa, e Emma ouviu, tentando manter uma distância segura
dos sonhos de Grey.

- Abby, por favor, deixe-me falar com você.


Parnell apareceu na escola na segunda-feira na hora do almoço.
As crianças estavam brincando e Emma encontrava-se sozinha na sala de aula.
- Você não deveria estar aqui.
- Você não me atende na pensão, não me deixa acompanhá-la na rua... - Ele deu um
passo à frente.
- Não se aproxime. - Emma levantou-se. Parnell olhou assustado para a porta. - Do que
tem medo? - ela perguntou.
- Não tenho medo de nada, mas você deixou bem claro que visitas não são permitidas
aqui. Eu não quero lhe causar problemas, mas preciso vê-la.
- Por quê?
- Porque eu te amo, não consigo viver sem você. Tem que me deixar explicar.
Parnell havia traído a sua confiança, abandonando-a quando Emma mais precisara dele.
Ela esperava que seu ex-noivo desistisse e fosse embora de Prospect para sempre.
- Você pode me acompanhar até em casa às quatro e meia.
- Ficarei contando os minutos - Parnell disse no tom aristocrático que costumava encantá-
la, mas que agora soava falso.
Quando ele saiu, Emma tocou o sino com mais força do que o habitual e retomou as aulas.
Às quatro horas, depois de dispensar os alunos, ela apagou o fogo e varreu a sala. Estava
tornando-se uma pioneira, como Grey dissera. Emma gostava de sua independência, mas o
trabalho pesado era uma parte com a qual ainda não se acostumara.
- Por que demorou tanto? - Parnell perguntou ao vê-la sair. - Estou congelando aqui ! Por
que veio para um lugar tão terrível, Abby?
Ela se irritou com o comentário apesar de também detestar o frio e a neve.
- Eu queria o desafio. O que você tem para me dizer?
- Está brava comigo? Não há lugar no seu coração para o perdão? - ele apertou o passo
para acompanhá-la.
- Passaram-se quase dois anos, Parnell, por que deseja meu perdão agora?
- Eu teria vindo antes se soubesse onde você estava. Quase morri de preocupação. Você
deveria ter escrito, Abby, foi muito egoísta.
Emma parou no meio da rua e virou-se, furiosa, para ele.
- Como ousa? Você tomou de volta o anel de noivado, virou o rosto para mim na rua... e
agora me acusa de egoísta?
- Tentarei me lembrar de que você não sabia o que eu estava sentindo. Mas isso é
passado, você voltará para San Francisco e tudo será como antes.
- Como me encontrou?
- Eu vi o Sr. Jergens comprando uma passagem para Vancouver e o segui. Sabia que ele
a encontraria.
- Quer dizer que espionou Everett. Não poderia simplesmente lhe perguntar onde eu
estava?
- Temi que ele não me contasse.
Ela começou a andar rapidamente.
- Abby, eu não consigo conversar com você desta maneira. Parece que está fugindo e o ar
congela os meus pulmões!
- Não me chame de Abby, não sou mais aquela moça.
- Mas pode voltar a ser - Parnell sussurrou docemente. - Volte para mim, minha querida.
Teremos música e a luz do luar. Quero vê-la em um vestido de seda, com pérolas no pescoço.
- Você se lembra, nós dançávamos sob a brisa morna que vinha da janela, e o seu
perfume me inebriava. Nós éramos apaixonados...
Emma diminuiu o passo ao se aproximarem da casa da Sra. Royston, lembrando-se da
época em que não tinha preocupações.
Grey North quase a convencera de que pertencia à fronteira, mas aquele desejo era dela
ou dele?
Emma parou ao chegarem à cerca.
- E se eu conseguisse me imaginar de volta a um baile em San Francisco, o que me diria,
Parnell?
Ele pegou as mãos dela e colocou-as em seu peito.
- Eu diria que é linda, Abby. Diria que te amo e a cortejaria novamente. Eu me ajoelharia e
pediria a sua mão, e então a cobriria de beijos e a levaria para o nosso ninho de amor e...
- Pare, por favor.
Ela tirou as mãos do peito dele. Sabia o que acontecia com uma mulher e um homem
depois que se casavam, mas não queria escutar os detalhes.
- Ah, você tem vergonha... - Parnell acariciou-lhe o rosto, chegando aos lábios. - E ainda
assim almoçou com Grey North no hotel dele.
- Então, também me espionou.
- Não foi preciso, a cidade toda só fala disso.
- Você não tem o direito de censurar o meu comportamento. Adeus, Parnell.
Emma subiu os degraus e entrou em casa rapidamente. A sala estava vazia e ela dirigiu-
se à cozinha, onde encontrou Bella conversando com Grey.
- Oh, meu Deus! - A Sra. Royston arregalou os olhos ao vê-la. - A senhorita já chegou e eu
nem comecei a preparar o jantar.
Grey levantou-se com a classe de sempre.
- Boa tarde, Emma.
- Grey.
Ele sorriu ao ouvi-la dizer seu primeiro nome, e ela corou.
- O Sr. North estava falando sobre o jantar para levantar fundos para o seu piano - Bella
disse enquanto descascava batatas. - Falou sério sobre o jantar?
Emma sorriu-lhe. Era difícil se manter distante de Grey North quando ele insistia em ser
charmoso, educado e generoso.
- Mas é claro, não acha que é uma boa idéia?
- Bem, sim, mas é muito trabalho para você e para a Sra. Royston, ainda mais agora...
- Eu disse que faria, ou já se esqueceu?
- É muito generoso de sua parte.
- E você irá... - Grey sorriu com malícia -...como minha convidada de honra.
- Precisarei rever os termos do meu contrato com a escola. Não sei se é permitido.
- O seu contrato diz que deve usar de todos os métodos para proporcionar educação e
bem-estar aos alunos. Adquirindo um piano para a escola, você os estará educando.
- Mas devo me recolher às oito horas, lembra-se?
- Como curador, posso abrir uma exceção.
Grey sorria com os olhos, e Emma se deu conta de que gostava dos duelos verbais que
eles tinham.
- Temos também de considerar a comunidade. - Ela não se daria por vencida. - O que
acha, Sra. Royston? É apropriado que eu vá ao jantar acompanhando o Sr. North?
- Não vejo por que não. A senhorita já almoçou com ele sozinha em um lugar público - ela
disse ao colocar a panela com batatas no fogo. - O Sr. Barclay admira a sua atitude em não se
deixar levar pelas fofocas. O que eu não sei é se é apropriado que eu cozinhe para os senhores.
Perguntarei a opinião do Sr. Barclay e, se ele aprovar, terei o maior prazer em preparar o jantar,
Sr. North.
- Muito obrigado, Sra. Royston. Vou embora agora, mas volto em alguns dias para saber a
resposta, está bem?
- Sim, claro. Srta. Douglas, acompanhe o Sr. North até a porta, minhas mãos estão sujas.
Ah, aquela Rose!
Quando eles entraram na sala, Grey virou-se para Emma.
- Você está linda hoje, Emma. O frio fez seu rosto corar, seus olhos estão brilhantes e a
sua boca está vermelha porque você morde o lábio quando está nervosa.
Antes que ela pudesse perceber, Grey aproximou-se e beijou seus lábios suavemente.
Emma pulou para trás, sem conseguir dizer nada, tão grande era sua indignação.
- Eu disse que a sua boca estava pronta para ser beijada. - Ele colocou o chapéu e sorriu.
- Eu estava certo. Boa noite, Emma, nos veremos em breve.
Ela permaneceu parada na sala com a mão na boca, esperando que seu coração se
acalmasse. É claro que estava indignada! Nenhum cavalheiro beija uma dama sem pedir
permissão. O calor em seu rosto e as batidas descompassadas em seu peito eram fruto apenas
de sua raiva... Emma esperou mais cinco minutos antes de voltar para a cozinha.
- Que demora! - Bella observou.
- O Sr. North está muito entusiasmado com esse jantar.
- Concordo, mas me pergunto o que é mais importante para ele, um novo piano para a
escola ou uma noite com a professora?
- O Sr. North aprecia uma provocação, mas como curador da escola, sabe que eu não
posso aceitar o seu flerte.
Emma pegou dois pratos no armário e os colocou na mesa.
Desde a partida de Rose, as duas tinham se habituado a fazer as refeições na cozinha.
Era mais prático e mais aconchegante.
- Acho que o Sr. North vive sob as suas próprias regras - Bella declarou, retirando os
biscoitos do forno.
- A senhora teve notícias de Rose? - Emma perguntou, mu dando de assunto.
- Aquela garota!
A Sra. Royston começou a listar todos os defeitos da moça, e Emma deixou-se divagar
sobre a proposta de Parnell. Se o nome de seu pai fosse limpo com a nova investigação, voltaria
para San Francisco? Retomaria sua antiga vida de vestidos caros, visitas à tarde e bailes à noite?
Era essa a segurança que desejava, mas algo a segurava; talvez tivesse sido envolvida pelo
espírito da fronteira.
- Se eu concordar com esse jantar, o que devo cozinhar? - indagou Bella.
- Eu adoro a sua torta de carne.
- Mas é um evento de gala, preciso pensar em algo mais fino. Só que em dezembro é
difícil encontrar suprimentos. Talvez rosbife... Acho que terei de recheá-lo.
- Pergunte ao Sr. Barclay se ele não tem alguns enlatados exóticos para lhe oferecer.
- Oh! Obrigada, srta. Douglas, que grande idéia! - Os olhos de Bella brilharam.
Grey dirigiu-se ao hotel com a cabeça fervilhando. O que se passara em sua cabeça para
beijar Emma daquela maneira? Havia jurado nunca mais envolver-se com mulher alguma e só
propusera a ela cortejá-la de mentira a fim de livrar-se de Thelma Black. Aquilo teria de acabar
logo, antes que saísse de seu controle. E ele o faria após o concerto de Natal.
Um pequeno movimento nas sombras distraiu sua mente. Poderia ser apenas um
cachorro, mas o sujeito que invadiu o quarto de Emma ainda não tinha sido encontrado, e Grey
não concordava com a teoria da polícia.
Ele voltou devagar para perto da casa da Sra. Royston e encostou-se na parede dos
fundos, onde Rose costumava conversar com Charlie Murphy. Ficou ali esperando que o sujeito
aparecesse, mas não viu ninguém. Quando já estava desistindo, ouviu uma tosse seca. Havia um
homem agachado logo após a porta da cozinha. Tentando aproximar-se em silêncio, Grey
atravessou o quintal com passos rápidos, mas o homem o viu e saiu correndo. Ele tentou alcançá-
lo e ver seu rosto, porém o sujeito desapareceu na escuridão.
A casa da Sra. Royston não possuía nada de valor que pudesse ser roubado, e nem sua
inquilina. Será que o larápio estava atrás de Emma? Grey sentiu um calafrio percorrer-lhe a
espinha. A srta. Douglas tinha um segredo do passado que agora voltava para assombrá-la. Grey
desejou que ela confiasse mais nele para que pudesse protegê-la de qualquer mal.
Ele caminhou em direção ao bar do Gold Nugget. Lá, poderia tentar descobrir algo ou
então encontrar um homem com uma tosse seca.

Capítulo III
- A senhorita poderia ter vestido algo mais festivo. - Bella franziu a testa ao ver Emma de
saia cinza e blusa de gola alta, a mesma combinação de quase todos os dias. - O Sr. North
certamente espera que a sua convidada de honra esteja mais elegante.
- Eu sou a professora da escola - Emma respondeu.
- Mas não precisava se vestir de maneira tão simplória.
A Sra. Royston conversava com ela enquanto terminava a preparação do jantar no Hotel
Rockingham. Os convites haviam sido vendidos em questão de horas e ela estava atarefada.
- Até mesmo em Prospect, uma dama pode usar roupas bonitas e modernas com a ajuda
do Sr. Timothy Eaton. E o que fez com o seu cabelo? - indagou, acenando para o coque apertado
de Emma. - Rose! Preste atenção! - Ela foi até o fogão e tirou a colher de pau das mãos da moça.
- É assim - ensinou, mexendo o molho devagar, em movimentos circulares. - Devolveu a colher a
Rose e observou-a por um minuto antes de voltar para perto de Emma. - Eu não me importo com
o que a Sra. Allen diz, o Sr. North foi um cavalheiro mandando buscar Rose para que me
ajudasse.
Emma afrouxou um pouco seu coque. Não costumava usá-lo tão apertado assim, mas
depois de Grey beijá-la, nunca mais ficaram a sós e ela não sabia como se comportar ao
encontrá-lo.
- O reverendo e a esposa virão hoje?
- Não. E ninguém sentirá a falta deles. - Bella virou-se para Rose: - Continue preparando
tudo, que dois garçons do restaurante servirão. Você fica na cozinha e eu, de vez em quando,
virei checar se está tudo bem. O Sr. Barclay já chegou? - Ela olhou ansiosamente para Emma. -
Ele foi um dos primeiros a comprar o convite, mas disse ao Sr. North que só viria se eu fizesse o
jantar. Se Rose não tivesse voltado para me ajudar, eu não conseguiria nem sentar à mesa.
- Eu acredito que o Sr. Barclay já chegou, sim.
Os olhos de Bella brilharam como os de uma adolescente apaixonada.
- Estão prontas? - Grey apareceu na porta e deu um braço a cada uma. - Estão nos
esperando.
Ele olhou para Emma e entendeu a razão de ela ter escolhido um penteado que lhe
renderia uma dor de cabeça antes do fim da noite. Guiou-as para o seu próprio apartamento em
vez de ao restaurante do hotel. As paredes eram verde-claras e uma toalha branca cobria a
enorme mesa no centro da sala. Dezenas de velas em candelabros de cristal iluminavam o
ambiente, e os pratos de louça branca contrastavam com os talheres de prata.
- Onde conseguiu tudo isso? - Emma sussurrou para Grey.
- Você gostou?
- Sim, muito, mas não é o que eu esperava.
- Achou que eu serviria feijão e bacon aos meus convidados nos pratos ordinários do
restaurante do hotel?
- Não, mas... - ela balançou a cabeça. - Você é um homem estranho, Grey North.
Emma observou a sala repleta de livros nas estantes, porém sem nenhum quadro ou
fotografia. Parecia que o morador daquele lugar não possuía passado.
- Senhoras e senhores; deixem-me apresentá-los às nossas convidadas de honra, a srta.
Emma Douglas e a dama responsável pela excelente refeição que faremos a seguir, a Sra. Bella
Royston - Grey declarou, e Emma cumprimentou os convidados enquanto Bella, corada, apenas
sorria.
Havia catorze pessoas no jantar, dez homens e quatro mulheres. Lottie O'Connor estava lá
com seu marido, Sean, e Emma sentiu o coração arder com a paixão que nutriam um pelo outro.
Grey sentou-se na cabeceira da mesa com Bella à sua esquerda e Emma à sua direita. Ao lado
da Sra. Royston, sentou-se Jed Barclay, e ao lado de Emma, o inspetor da Polícia Montada.
Emma conversou com o inspetor a respeito de seu trabalho, e Grey perguntou-lhe se tinha
alguma novidade sobre as invasões. Ele respondeu que não e mudou de assunto. Emma
suspeitou que o policial tirara suas próprias conclusões, mas que preferia guardá-las para si.
No final do jantar, enquanto os garçons retiravam os pratos da sobremesa, Grey perguntou
a Emma:
- Seus pupilos estão prontos para o concerto de Natal?
- Prontos e radiantes. Conto com você como mestre de cerimônias e com o Sr. Barclay
para vestir-se de Papai Noel.
- Será inesquecível - Bella disse com os olhos brilhando.
- E no próximo ano teremos um piano - Grey anunciou, levantando-se. - Senhoras e
senhores, muito obrigado por estarem aqui. Espero que tenham apreciado o jantar e, como
sabem, a escola precisa de um novo piano, por isso estou certo de que as suas contribuições
serão muito generosas.
Havia uma caixa de madeira na entrada da sala e todos se dirigiram até lá.
- A senhora deve estar cansada, Sra. Royston - Jed falou.
- Foi muito trabalhoso, mas valeu a pena.
- Eu a acompanharei até em casa e Rose poderá lhe preparar um chá quente.
De repente, a gola alta de Emma sufocava-lhe o pescoço e ela levantou-se.
- Acho que vou embora com Rose, o Sr. Barclay preferirá acompanhar a Sra. Royston
sozinho...
- Está fugindo de mim, Emma? - Grey perguntou, irônico. - Não quer me ajudar a contar
quanto recebemos?
- Estou certa de que consegue fazer isso sozinho. - Ela alcançou a porta. - Boa noite, Sr.
North, eu lhe agradeço em nome da escola.
- Eu a levarei em casa.
- Vou com Rose.
- Rose é uma menina tola capaz de fugir da própria sombra. Enquanto o vândalo não for
preso, não é seguro que ande sozinha pelas ruas à noite. Além disso, já passou da sua hora de se
recolher e, como curador da escola, é meu dever acompanhá-la.
- Então, acho que devo ganhar um aumento para ensinar música quando o piano chegar.
- Um ponto para você, Emma. - Ele sorriu. - Ficarei feliz em discutir o seu aumento com o
conselho da escola. - Grey abriu a porta da cozinha. - Vamos, Rose, está na hora de descansar.
Após deixá-las em casa, Grey circulou o terreno à procura de algum suspeito. Ele pedira
ao inspetor para que vigiasse a área, e, ao virar a esquina, cruzou com um policial, que o
cumprimentou. Grey, então, deu meia-volta e se dirigiu ao hotel, pois ainda tinha assuntos
pendentes.
Ele entrou na cozinha, pegou todas as sobras do jantar e as colocou em um alforje.
George, o cozinheiro, estava magoado por não ter sido chamado para preparar o jantar.
- Aonde vai com toda essa comida? Eu poderia fazer uma boa sopa.
- Não se preocupe, George, você ainda fará muitas sopas; seu emprego está garantido -
Grey disse ao sair pela porta dos fundos. Caminhou até o estábulo, onde selou o cavalo chamado
Satan.
- Vamos, amigo. - Entregou-lhe um torrão de açúcar. - Será que consegue me levar até a
casa de Rose e voltar sem que a nevasca nos alcance?
O cavalo relinchou e Grey montou no animal.
Durante a pequena viagem até o chalé dos Beaton, Grey teve bastante tempo para pensar
em Emma. Era uma moça belíssima e Grey adorava seus olhos mesmo quando faiscavam por ela
estar brava. Seus cabelos vermelho-escuros emolduravam o rosto de modo singelo e seu sorriso
contagiava a todos. Oh, Emma era perfeita, mas ele não deveria tê-la beijado. Não deveria, porém
não se arrependia...
Grey se preocupava com ela. Pedira-lhe que guardasse para si os seus segredos, mas
intrigava-se com o fato de duas pessoas de San Francisco terem viajado até Prospect atrás de
Emma. Talvez devesse lhe perguntar sobre as visitas; como curador da escola, obviamente, pois
não pretendia beijá-la de novo. Após o fiasco quando era jovem, Grey jurara que ficaria solteiro
para sempre.
A tristeza nos olhos de sua mãe durante a última briga com seu pai ainda permanecia viva
em sua memória. Mesmo cinco anos depois de abdicar de todos os luxos da família e pagar por
um escândalo do qual não tivera culpa.
A neve começava a cair e o cavalo ficou impaciente.
- Calma, garoto, estamos quase lá.
Grey prendeu Satan em uma árvore escondida, colocou a cesta de comida na soleira da
porta e bateu com força na madeira. Escondeu-se atrás da casa para certificar-se de que alguém
abriria a porta. Não queria que um lobo comesse o jantar da família de Rose. Um homem abriu a
porta, disse "olá", pegou a cesta e entrou rapidamente. Grey montou em Satan e voltou para a
cidade sentindo-se exultante.
A escola fervilhava de excitação no último dia de aula. Desde o jantar de Grey North, não
parava de nevar em Prospect e o trabalho para limpar a neve acumulada fora cansativo, junto com
os ensaios para o concerto de Natal, que aconteceria naquela noite.
Emma tentava reunir as crianças e Bessie Smith dava ordens a Michael, filho de Lottie.
- Tamborile o ritmo da música na mesa, Michael.
- Venham todos aqui, agora! - Emma chamou energicamente. - Façam uma fila, vamos
ensaiar a marcha da entrada enquanto cantam Noite Feliz.
Para surpresa de Emma, o coro saiu muito bonito e ela, então, dispensou-os vinte minutos
mais cedo para que pudessem se arrumar para a noite.
Emma tocou o sino e a escola esvaziou-se em minutos. Uma dor de cabeça lancinante a
perturbava desde cedo; ela fechou os olhos e girou o pescoço vagarosamente de um lado para
outro, mas a tensão continuava ali. Talvez se bebesse um pouco de água, pensou ao abrir os
olhos. Emma piscou repetidas vezes, mas a imagem à sua frente não se dissipava. Parnell Wilde
estava encostado na parede com os braços cruzados, sorrindo para ela.
Mais uma vez não... Estava farta daquele homem.
- Eu já pedi uma vez, Parnell, me deixe em paz.
- Não. - Ele virou-se e trancou a porta atrás de si. - Preciso conversar com você, Abby,
com calma, não no meio da rua enfrentando o vento gelado que sopra por aqui. Tem que me
ouvir.
Havia um ar selvagem no olhar de Parnell, e o fato de ter trancado a porta provocou um
arrepio na espinha de Emma, que deu alguns passos para trás.
- Pode falar. - Ela pegou um pedaço de madeira e o colocou ao seu lado na mesa. - Mas
seja breve, pois tenho muito trabalho ainda. Hoje é o concerto de Natal e preciso arrumar a
escola.
- Não aja como a professorinha comigo, Abby. Eu sei o seu segredo.
- Como assim? Sente-se, Parnell, e me explique o que está querendo dizer.
- Ora, Abby, eu sei por que Everett a procurou. O que disse a ele?
Emma estava estupefata. Não reconhecia mais o homem que um dia ela amara.
- Parnell, eu não faço idéia do que está me perguntando. É algo sobre meu pai?
Por um momento, Parnell continuou fitando-a como um predador prestes a abocanhar sua
presa, mas, de repente, ajoelhou-se aos seus pés com um doce brilho nos olhos.
- Oh, minha querida, perdoe-me, eu pensei que você soubesse...
- Soubesse o quê? Conte-me tudo o que sabe, Parnell.
- É sobre o livro-caixa. Algumas folhas foram perdidas e agora houve um novo desfalque.
O banco vai reabrir o caso e você poderá recuperar a sua fortuna.
- Por que não podem deixar meu pai descansar em paz? Por que passar por tudo aquilo
novamente?
- Não, Abby. - Ele segurou os ombros dela. - O caso vai ser reaberto porque seu pai pode
ser inocente.
Emma estava chocada. Sofrera tanto com as acusações contra o pai e agora ele poderia
ser inocentado. Porém Matt Douglas era o único com acesso irrestrito aos livros contábeis. Ele
fora visto saindo do banco tarde da noite por várias vezes, e o bilhete de suicídio não deixava
dúvidas. A dor é imensa por termos chegado a este ponto, mas eu não consigo imaginar outra
saída. A polícia vira a arma em suas mãos e o havia declarado um covarde suicida.
Os sócios do banco disseram a Emma que manteriam o caso em segredo até saber a
extensão do desfalque, para evitar saques desnecessários dos correntistas. Ela não quisera
esperar, vendeu todos os seus bens e entregou o dinheiro ao banco, saldando a dívida de seu
pai. Tudo o lhe restara foram as cartas e as fotografias.
Havia mudado de país, tentando recomeçar sua vida, e agora Parnell Wilde lhe dizia que
tudo podia ter sido um engano? A armadura que a encobria começou a ruir e Emma não
conseguiu conter as lágrimas. Seu corpo todo tremia enquanto ela soluçava.
- Calma, calma... - Parnell a acariciou. - Por que está chorando tanto, minha querida? Não
gostou da notícia de que seu pai pode ser inocente e que você recuperará tudo o que é seu de
direito?
- Mas ele continuará morto. - Emma soluçou mais uma vez. - Por quê? Se papai não
roubou o dinheiro, por que se matou?
- Talvez não tenha sido suicídio.
- Você acha que ele foi assassinado?
Seu estômago começou a arder, seus joelhos enfraqueceram, mas ela não podia sucumbir
naquele momento. Era a noite do concerto de Natal e precisava estar bem para ajudar as crianças
e receber os pais... Ainda havia muito a fazer...
Apoiou-se na janela, respirando fundo para tentar se recompor, quando viu Bella
atravessando a rua.
- Oh, não, é a minha senhoria! Ela não pode vê-lo aqui, Parnell! - Emma abriu a porta dos
fundos e empurrou-o. - Rápido, vá embora!
- Ainda temos o que conversar - ele disse.
- Sim, conversaremos depois, eu prometo.
- Quando?
- Mais tarde... Amanhã.
- Então, até amanhã. - Parnell mandou um beijo e desapareceu atrás dos muros da escola.
Emma fechou a porta e passou as mãos no rosto para enxugar as lágrimas; depois correu
para a sala de aula e começou a apagar o quadro-negro. Quando ouviu a voz de Bella, estava
preparada.
- Srta. Douglas? A senhorita está bem?
- Sra. Royston, estou muito atrasada? - Ela manteve-se atrás da árvore de Natal. - Ainda
há muito o que fazer aqui.
- Está bastante atrasada. O que está fazendo? - Bella perguntou aproximando-se.
- Oh, eu queria que a escola estivesse perfeita para esta noite. Para as crianças...
- Para todos nós. Meu Deus! A sua aparência está terrível! Sente-se mal?
- Estou com uma dor de cabeça terrível. - Emma pôs a mão na testa.
- Deve ir para casa imediatamente, descansar e tomar uma xícara de chá bem quente.
- Mas ainda há muito a fazer.
- Não se preocupe, eu cuido de tudo. Agora venha comigo.
Emma não discutiu e seguiu a senhoria pelas ruas cheias de neve. No dia seguinte
conversaria com Parnell, agora só queria deitar-se com uma toalha molhada na testa e tomar seu
chá.
Emma permanecia no alto da escada cumprimentando os pais que chegavam. Indicava os
bancos para que eles se sentassem e tentava fingir que sua dor de cabeça passara.
- Emma, você está bem? - Grey sussurrou em seu ouvido. - Começaremos em minutos.
Ela ignorou a pergunta e continuou sorrindo para as pessoas que entravam na escola.
- Emma? - Grey insistiu.
- Estou bem - ela respondeu secamente, sem se virar. - Boa noite, Sra. Allen, reverendo.
A Sra. Allen não respondeu e empinou o nariz ao passar por Emma.
- Olá, reverendo - Grey disse. - Que bom que vieram mesmo sem terem filhos na escola.
- Como eu expliquei para a minha esposa, devemos apoiar todos os projetos que
beneficiem a comunidade.
Grey levou o casal ao seus lugares, mas voltou para o lado de Emma imediatamente. A
dor de cabeça transformara-se em uma enxaqueca e ela não via a hora de tudo terminar. Ao olhar
para a porta, assustou-se ao se deparar com Parnell Wilde.
- Sr. Wilde - sua voz saiu rouca. - Não esperava vê-lo aqui.
- Eu não perderia o maior evento da cidade - ele respondeu. - E, além disso, é uma ótima
desculpa para encontrar você, meu amor.
Emma percebeu que Grey escutou, pois sentiu a tensão dele atrás de si.
- Está na hora de começarmos - Grey disse levando Parnell consigo. - Há mais lugares
perto da árvore de Natal.
Emma sentiu-se aliviada e sentou-se junto às crianças. Mais duas horas e estaria em casa.
Poderia dormir a semana inteira...
- Boa noite, senhoras e senhores - a voz grave de Grey ecoou na sala. - É um prazer, em
nome da curadoria da escola e da srta. Douglas, recebê-los aqui. Como sabem, a nossa escola
precisa de um piano. A srta. Douglas é pianista e não há sentido em contratar uma professora
capacitada para ensinar música sem o instrumento. Tenho em minhas mãos um envelope com as
doações feitas no jantar beneficente da semana passada. Acredito que alcançamos setenta por
cento do valor do piano. - Ele sorriu para a platéia e tirou o chapéu. - Agora só depende dos
senhores. - Caminhou entre a primeira fileira de bancos segurando o chapéu. - Vou começar com
você, Sam.
Todos aplaudiram quando Sam colocou algumas notas dentro do chapéu. Grey continuou
entre as fileiras.
- Agora, vamos escutar as crianças - ele anunciou.
Sally Gardener subiu no palco e recitou os versos que decorara:
- Apesar de ser pequena e pouco saber fazer, a minha professora pediu que sorrisse para
vocês e os recebesse com prazer.
As apresentações continuaram e Emma ajudou-os nas coreografias enquanto o chapéu
passava de mãos em mãos e Grey entretinha a platéia nos intervalos. Quando o chapéu retomou,
ele guardou o dinheiro no envelope e o colocou dentro da gaveta da escrivaninha.
- Vamos contar quando o concerto terminar - Grey disse. - Se ainda não tiver o suficiente,
passaremos de novo antes de irem embora!
Todos riram, descontraídos, e Emma sorriu, contando os minutos para ir se deitar em sua
cama. Haveria mais duas apresentações antes que o Papai Noel chegasse, e Jed Barclay já saíra
do lado de Bella para ir se aprontar.
As vozes infantis cantando Noite Feliz cessaram e dois homens trouxeram baldes cheios
de água e os colocaram ao lado da árvore de Natal, enquanto Grey acendia dezenas de velas.
Um senhor gordo e barbudo apareceu através das cortinas.
- Papai Noel! -- as crianças gritaram, excitadas.
- Ho, ho, ho... - Jed imitou o bom velhinho. - Feliz Natal!
Jed colocou o pesado saco vermelho no chão e começou a atirar presentes e chamar as
crianças pelo nome para recebê-los. Quando ele entregou o último pacote, alguém gritou "fogo!".
Uma das velas começara a incendiar a árvore de Natal e o pânico se instalou na escola. As
pessoas puseram-se a correr desordenadamente, gritando em desespero.
- Não empurrem, vamos!
- Ordem! - Grey gritou. - Ordem! Sentem-se todos, está tudo sob controle.
Emma olhou para a árvore arruinada, mas sem fogo algum. Os baldes foram usados
prontamente, apagando as chamas e evitando uma tragédia. .
- Sentem-se, o fogo se apagou - Grey continuou. - Agora, vamos sair com calma,
começando pelas últimas fileiras.
- E o dinheiro do piano? - Sam perguntou.
- Muito bem lembrado.
Grey abriu a gaveta e o sorriso desapareceu de seu rosto. Ele a abriu mais ainda e
colocou a mão lá dentro, depois sussurrou algo para Jed ao seu lado. Voltando-se para a
escrivaninha, abriu e fechou todas as gavetas.
- Onde está o dinheiro? - as pessoas perguntaram.
- Parece que desapareceu - Grey respondeu quase sem voz. - Desapareceu? Como? - as
vozes soavam irritadas. Grey observou toda a platéia e olhou para Emma. - Ele se foi.
- Quem? - Emma entendeu e olhou para a platéia. Apenas Parnell Wilde não estava
presente.
- O seu amigo! - a Sra. Allen acusou Emma apontando-lhe o dedo. - O homem que está
rondando a escola nas últimas semanas. Eu a vi com ele.
Todos se voltaram para Emma com ódio no olhar.
- O pai dela roubou o banco em que trabalhava - a Sra. Allen continuou com as acusações.
Os sussurros percorreram a sala e a raiva de todos crescia. Emma encostou-se na parede
tentando respirar, mas o ar não vinha.
- Esperem um pouco - Grey pediu.
- Ladra! - a Sra. Allen gritou. - Chamem a polícia!
A dor na cabeça de Emma explodiu em milhares de pontadas e tudo ficou escuro.
- Emma, Emma, acorde.
Uma voz a chamava do conforto da escuridão. Ela não queria acordar, mas aquela voz
aveludada a inebriava.
- Emma!
Ela abriu os olhos ainda zonza e percebeu que estava deitada em uma charrete em
movimento com Grey e Bella ao seu lado. Grey ajudou-a a se sentar.
- O quê? - Emma gemeu. - Oh não... o dinheiro... onde está?
- A Polícia Montada está fazendo o possível para recuperá-lo.
- Eu não peguei - ela disse olhando para Jed Barclay, que segurava as rédeas.
- Mas é claro que não - a Sra. Royston a defendeu. - Aquela mulher! Só tivemos problemas
desde que ela chegou a Prospect. Eu vou escrever uma carta ao bispo.
- Chegamos. - Jed puxou as rédeas.
Grey carregou-a no colo.
- Ponha-me no chão, eu sei andar - Emma pediu.
- Você me assustou. Nunca imaginei que fosse o tipo de dama que desmaia.
- Eu não sou! Fiquei o dia todo com uma terrível dor de cabeça... e o incêndio foi a gota
d'água.
- Leve-a para cima, por favor - Bella pediu a Grey. - Providenciarei a sua troca de roupa.
Rose!
Emma começou a se mexer no colo de Grey, tentando evitar as sensações do contato com
o corpo dele.
- Pare quieta, ou quer que a deixe cair no meio da escada?
Grey entrou no quarto, enquanto Bella segurava a porta, e a colocou na cama. Emma
recostou-se nos travesseiros, mas não conseguiu relaxar com aquele homem tão atraente fitando-
a. Embora estivesse vestida com várias camadas de roupa, sentia-se nua.
Ainda acho que devemos chamar um médico - Grey disse à Sra. Royston. - Ela está muito
pálida.
- Desculpem-me se lhes causei ansiedade, mas estou bem. É somente uma dor de cabeça
muito forte que passará assim que eu dormir um pouco.
- Ah, aí está você, Rose. Ponha o chá na mesinha, por favor. A garota obedeceu e saiu em
silêncio.
- É hora de ir embora, Sr. North - Bella falou para Grey. - Se quiser ajudar, descubra quem
roubou o dinheiro e quem começou o terrível boato sobre o pai da srta. Douglas.
- E verdade - Emma sussurrou antes que Grey partisse. Talvez Matt Douglas fosse
inocente, mas Emma não podia mentir para seus amigos.
-Nunca! - Bella gritou. - Não me diga que estou acolhendo uma criminosa na minha própria
casa!
- A senhora não está.
Emma tentou levantar-se, porém ficou tonta e teve de se segurar até a náusea passar.
- Oh, a senhorita não está bem para falar sobre isso agora. - Bella se recompôs e ajudou-a
a deitar-se. - Sr. North, vamos deixar esse assunto para amanhã, por favor.
- Sim - ele respondeu. - Vou procurar o inspetor West imediatamente.
- Sra. Royston, eu sinto muito - Emma disse após Grey sair do quarto. - Nunca quis
magoá-la e jamais pensei que o meu passado me seguiria até aqui.
- Foram os dois visitantes. - Bella sentou-se ao seu lado.
- Eles e a Sra. Allen. Mas ela não fez isso sozinha. Velhos amigos ou não, aqueles dois
homens trouxeram problemas para a senhorita.
- Eu também pensei sobre isso. Mas por quê? Everett Jergens foi o único amigo a ficar ao
meu lado.
- E o outro? - Bella perguntou enquanto desabotoava o casaco e o vestido de Emma.
- Nós fomos noivos, porém acredito que estava mais interessado nas vantagens em ser
genro do meu pai do que em mim.
- Será que ele invadiu o seu quarto e a escola?
- Mas por quê? Tudo o que eu tinha está com o banco. O único dinheiro que possuo é o
meu salário de professora e nós sabemos que não é alto. - Emma terminou de tirar a roupa.
- A senhorita tem algo que eles querem... - Bella ajudou-a a vestir a camisola e cobriu-a
com o lençol e cobertores. - Talvez seja alguma pista.
Uma pista? Que pista poderia estar entre seus pertences? Parnell havia enchido seu
coração de esperanças, mas não lhe revelara nenhuma nova evidência. A reabertura do caso não
significava que seu pai era inocente. E as recentes invasões sobre as quais Everett lhe contara? E
onde estariam as folhas do livro-caixa? Poderiam provar a inocência de seu pai? Mas, ainda
assim, o fato de que Matt Douglas se matara continuava intacto. Por que um homem inocente
atiraria contra a própria cabeça?
A cabeça de Emma latejava, e enfim ela entregou-se ao sono sem as respostas.
- Senhorita. Senhorita - Rose a chamava com uma bandeja nas mãos. - A Sra. Royston
pediu que perguntasse como está passando e lhe trouxesse seu café da manhã.
Emma sentou-se e colocou a bandeja em seu colo.
- Obrigada, Rose. - Emma sorriu. - Não precisa vir buscar a bandeja, pois vou descer logo.
- Sim, senhorita.
Ela passou geléia na torrada e, dando uma mordida, pensou se teria de procurar outro
quarto para alugar. Não poderia deixar a Sra. Royston sofrer com o falatório da cidade. Seu maior
problema, porém, era a escola. A curadoria devia estar reunida naquela momento, decidindo sua
demissão. Emma olhou a foto de sua família na mesinha-de-cabeceira, mas o reflexo do sol não a
deixava enxergar os rostos que lhe traziam a paz que procurava. Ela levantou-se, pegou a foto e
voltou para a cama.
A palidez da fotografia não fazia jus à beleza de Claire Douglas. Sua mãe não tinha vivido
para ver Matt se tornar diretor-geral do banco. Ela sempre dissera que o havia escolhido porque
era seu verdadeiro amor. Como sua mãe morrera cedo, todo o carinho que Emma recebeu veio
de seu pai.
Na fotografia, ela estava sentada no colo dele, e sua mãe permanecia em pé atrás dos
dois. Emma observou uma mancha branca no cabelo da mãe que não deveria estar ali, como se
uma gota tivesse caído em cima do papel.
Virou a moldura e percebeu uma ondulação na parte de trás da fotografia.
Cuidadosamente, retirou a madeira. Havia um papel amarelado dobrado em volta de uma chave
fina. Ela reconheceu a letra de Matt e leu a única frase escrita:
Convento das freiras de San Francisco.
Com certeza tinha sido a última frase que seu pai escrevera antes de morrer. A letra
estava trêmula e a tinta, um pouco borrada pela pressa em dobrar o papel antes de secar. A
chave parecia ser de um cofre... Mas por que no convento? Matt tentara lhe dizer algo, e agora
Emma teria de descobrir.
Ela colocou o papel atrás da fotografia e fechou a moldura com cuidado. A chave, preferiu
prendê-la firmemente ao seu corpete com agulha e linha. Agora não tinha mais dúvidas: as
invasões na escola e em seu quarto aconteceram por causa daquela chave.
Emma se lavou e se vestiu, determinada a falar com o inspetor West. Estava certa de que
Parnell fora o autor das invasões e agradeceu o fato de haver levado a fotografia para a escola
naquele dia.
- Oh, srta. Douglas - Bella disse ao vê-la entrar na cozinha. - Espero que esteja se
sentindo melhor.
- Sim, estou, mas a senhora parece preocupada. O que aconteceu?
- Oh, não é nada... é aquela mulher desprezível. A senhorita acredita que ela mandou o
marido aqui para buscar Rose? Quer que a garota fique sob os seus cuidados enquanto a "nuvem
de suspeitas", foram as suas palavras, paira sobre esta casa! Aquela mulher só quer uma
empregada e está usando os fatos recentes para me roubar Rose.
-Oh, Sra. Royston, me perdoe! Eu não quis lhe causar nenhum mal: Hoje mesmo vou
procurar outro quarto para alugar.
- Não, a senhorita não vai! - Bella cruzou os braços. - Não vou deixar que a Sra. Allen tome
as rédeas da minha vida. O reverendo falou também que, este ano, eu não preciso levar meu
famoso bolo de ano-novo na paróquia. Todo ano eu faço esse bolo e ninguém resiste, agora estou
proibida.
- Isso não pode estar acontecendo. Vou falar com o inspetor West e encontraremos o
ladrão.
Emma iria falar também com Grey e pedir demissão antes que a curadoria a demitisse.
- É uma pena que estejamos no inverno. Nada acontece por aqui nesta época e um
escândalo soa perfeito para Prospect...
- A senhora precisa de algo do mercado?
- Do mercado? - Bella levantou-se alisando a saia. - Eu... acho que vou com a senhorita,
preciso de... bicarbonato de sódio.
- É claro que sim, não poderá assar o bolo sem bicarbonato. - Emma sorriu encorajando-a.
Minutos depois, as duas saíram da casa com seus casacos e chapéus, enfrentando o frio
da manhã de inverno. De cabeças erguidas, andaram pelas ruas da cidade.
- Acredito que o Sr. Barclay recebeu um carregamento de tecidos esta semana. Seria bom
costurar um pouco para espairecer. - Emma ajudou Bella a entrar no mercado. - Algo colorido, que
não seja totalmente preto.
- Acho que tem razão. - Bella corou. - O Sr. Barclay me disse na semana passada que
admirava vestidos coloridos. Santo Deus! Faz apenas uma semana que jantamos no
Rockingham? Parece uma eternidade.
- Parece mesmo - Emma respondeu. - Bem, vou deixá-la aqui. Não precisa me esperar,
pois acho que vou me demorar na delegacia.
- Sim, está bem. - Bella acenou para ela e rumou em direção a Jed, no balcão.
Emma caminhou em direção à delegacia da Polícia Montada, esforçando-se para vencer a
neve na calçada. Ao aproximar-se, ouviu gritos.
- Isso é um absurdo! Não podem me prender, sou cidadão americano!
Ela reconheceu a voz de Parnell e parou para recuperar o fôlego.
- Você é um larápio! - alguém gritou. - E eu não me importo de onde vem! Você está preso!
A porta bateu e Emma ouviu o som de botas vindo em sua direção.
- Srta. Douglas? - o inspetor West a chamou. - Está procurando por mim?
- Sim, eu vim saber se encontrou o dinheiro do piano e pedir o seu conselho sobre um
outro assunto.
- Venha comigo, vamos entrar. - Abriu a porta para ela. - Sente-se e me diga o que a
aflige.
- O dinheiro do piano...
- Não precisa se preocupar, já pegamos o sujeito. Agora, por que não me conta o resto da
história?
- Sou tão transparente assim?
- Eu sou policial, senhorita. É meu dever conhecer as pessoas com um olhar. Perdoe-me,
mas desde que vi esse Sr. Wilde, soube que não prestava. Sei que é seu conhecido.
- Eu pensei que fosse meu amigo, mas... - Emma contou toda a história ao inspetor, porém
sem mencionar a chave. - Eu tive de acreditar que meu pai se suicidou, mas se houver a
possibilidade de provar que foi assassinado... O senhor me entende?
- Sim. Eu sinto muito, senhorita. - O inspetor sorriu. - Acredito que temos algo para a
senhorita. Quando pegamos Wilde, o que não foi difícil, pois ele deixou pegadas na neve,
procuramos por evidências e encontramos uma caderneta bancária com o nome de Matthew
Douglas na primeira página. Na última página havia um carimbo escrito "cancelado", e Wilde disse
que é apenas um suvenir.
- Ele disse que é um suvenir? De quê?
- É por isso que o deixaremos preso por enquanto. Mandarei um policial ao telégrafo de
Gold City; talvez a polícia de San Francisco tenha alguma informação para nos fornecer.
- Os senhores podem mandá-lo para a Califórnia? - Emma não conhecia bem as leis
canadenses.
- Depende do crime. Temos um tratado de extradição com os Estados Unidos assinado em
1877. Não há mais perigo de uma pessoa cometer um crime em um país e se refugiar em outro. A
justiça será feita, srta. Douglas.
A traição de Parnell queimava o peito de Emma. Primeiro, ele roubara o dinheiro do piano,
manchando o nome dela perante toda a cidade, e agora escondia de propósito informações a
respeito da morte de seu pai.
- Quero falar com ele.
- Oh, isso não seria apropriado, srta. Douglas. - O inspetor levantou-se de sua cadeira. -
Vá para casa agora. Se houver alguma novidade, eu a avisarei pessoalmente.
Ele abriu a porta e colocou-a para fora antes que pudesse protestar.
- Emma?
Por um momento, ela quis correr para abraçar Grey e chorar em seu peito até que a dor
desaparecesse.
- O que está fazendo aqui?
- Eu poderia fazer a mesma pergunta a você, mas acho que sei a resposta. Bem, acontece
que a polícia pegou o larápio, e eu estou aqui para reconhecer a evidência que encontraram com
ele. Creio que sabe que é o seu amigo Parnell Wilde.
- Sim.
- Sinto muito, acredito que gostava dele.
- Eu gostava do homem que pensei conhecer. Esse que está preso eu não conheço.
- A traição é a pior dor que uma pessoa pode sentir.
- Sim. - Emma surpreendeu-se com a compreensão de Grey.
- O inspetor me mandou para casa esperar por notícias.
- Percebo que você não gostou.
- Não. - Ela sorriu. - Essa mentalidade da fronteira de que você tanto fala me contaminou.
Quero estar perto da ação, quero eu mesma fazer as perguntas e obter as respostas.
- Desculpe-me, mas acho que não posso ajudá-la. O inspetor é muito sério com as suas
leis.
- Deixe-me entrar com você.
- Não dará certo, você não conseguirá chegar perto do prisioneiro.
- Eu não posso ficar sentada enquanto coisas que dizem respeito a mim acontecem! -
Emma chutou a neve com a bota.
- Vá para o mercado do Sr. Barclay e me espere lá. Assim que eu terminar aqui, irei ao seu
encontro e lhe contarei tudo o que descobrir. Prometo.
- Há um outro assunto... - ela disse antes de ir - Eu tenho a intenção de entregar a minha
carta de demissão nesta tarde.
- Por quê? - O sorriso no rosto de Grey desapareceu.
- Não posso fazer o meu trabalho sem a confiança dos pais e dos curadores.
- Alguém a acusou de alguma coisa?
- Quer dizer além de todas as pessoas que estavam na escola ontem?
- Aquilo foi culpa do calor do momento e das provocações da Sra. Allen.
- É mais do que isso, você sabe. Parnell Wilde está na cidade por minha causa.
- E?
- Meu pai foi acusado de desfalque e se matou por causa disso. É melhor eu me demitir
antes que a Sra. Allen me force a isso.
- Não podemos discutir esse assunto aqui - Grey falou seriamente. - Vá para o mercado e
me espere lá.
Segurou nos ombros dela e fitou seus olhos por baixo do chapéu a fim de certificar-se de
que Emma entendera.
- Está bem.
- Ótimo.
- Pergunte a Parnell... - Ela parou por um momento. - Pergunte-lhe se ele matou meu pai.
Seus joelhos tremeram e Emma levou a mão à boca ao se conscientizar do que acabara de dizer.
Grey tentou ampará-la, mas ela ergueu as mãos.
- Apenas pergunte a ele.
Emma virou-se e caminhou em direção ao mercado.
- Bom dia, srta. Douglas - Lottie disse na porta do mercado. - Parabéns pelo concerto de
Natal, estava lindo.
Emma murmurou um agradecimento e percebeu o olhar de Sean para a esposa. Os
homens de Prospect eram mais rígidos do que as mulheres. Lottie sorriu para ela e continuou:
- Espero que esteja se sentindo melhor hoje. O episódio de ontem deve ter sido muito
sofrido para a senhorita, uma vez que se esforçou tanto para conseguir o dinheiro. A senhorita e o
Sr. North trabalharam duro.
- Estou me sentido melhor, obrigada. A polícia já encontrou o ladrão e recuperou o
dinheiro.
Duas damas aproximaram-se do mercado e começaram a cochichar ao verem o casal
O'Connor conversando com Emma. Esta ergueu a cabeça, orgulhosa. Era por essa razão que
pediria demissão da escola.
- Bom dia, Sra. Johnson, Sra. Smith - Lottie disse levantando a cabeça também. - Juntem-
se a nós, estávamos parabenizando a srta. Douglas pelo belíssimo concerto da noite passada. A
senhora deve estar muito agradecida, Sra. Smith, já que todos os seus filhos participaram.
As duas a parabenizaram rapidamente e entraram na loja. Emma achou a cena engraçada
e ficou aliviada por não ter sido confrontada.
- Não as deixe perturbá-la. - Lottie sorriu para ela. - E se a senhorita quiser, será muito
bem-vinda na nossa ceia de Natal. Sadie e Ab Gardener estarão lá e estou pensando em convidar
Jed Barclay. O que me diz, Sean?
- Você me deixa orgulhoso, querida. E se convidar Jed, é melhor incluir a Sra. Royston
também - ele respondeu sorrindo e olhou para Emma. - Minha esposa foi professora da escola
anos atrás e sabe muito bem o tratamento que a senhorita merece, srta. Douglas.
- Eu fico muito agradecida,, mas eu vou para San Francisco resolver alguns assuntos
pendentes.
- Nesse caso, desejo-lhe um feliz Natal. E se mudar de idéia, o convite está aberto.
- Ah, os recém-casados. - Grey apareceu sorrindo.
Emma sentiu-se mais segura com a presença dele. O que antes a irritava, hoje a deixava
mais forte.
- Eu vim oferecer um almoço no Rockingham para a srta. Douglas. Vocês aceitam nos
acompanhar?
- Eu gostaria muito, mas ainda temos muito o que fazer. - Lottie sorriu para Emma e
segurou na mão do marido. - Além disso, quero voltar para casa cedo, pois há coiotes rondando o
terreno.
Eles se despediram, e Grey e Emma seguiram para o hotel.
- O que descobriu? - ela perguntou, ansiosa.
- O inspetor West estava certo. Assim que eu reconheci o envelope com o dinheiro, Wilde
confessou que o tinha roubado.
- O que mais?
- Ele jurou que não invadiu o seu quarto na casa da Sra. Royston.
- E você acredita nele?
- É estranho, mas, sim, acredito. Depois de confessar um roubo, Wilde não tinha motivos
para esconder uma invasão. Tal vez tenha mesmo sido um dos seus alunos. Agora tome a
sopa, Emma, você está pálida demais.
- Eu preciso conversar com ele - ela disse após colocar a colher na boca a contragosto.
- O inspetor não vai permitir.
- Eu não me importo! Há coisas que preciso saber sobre a morte de meu pai e acho que
Parnell tem as respostas.
- Tome a sua sopa.
Emma se calou ao perceber o esforço dele para tentar ajudá-la.
Grey estava pensando em algo e ela confiaria nele. Ao tomar a última colherada de sopa,
Emma ouviu a voz grave novamente. - O inspetor jamais permitirá, mas o policial, sim. O
que temos a fazer é esperar West sair da delegacia e pedir ao policial. Se você pedir direito, ele a
deixará falar com Wilde.
- Mas como farei isso? Você ficará espionando a delegacia até que o inspetor saia para
tomar ar?
- É uma boa idéia, mas eu tenho algo mais prático em mente.
- O quê?
- Um crime.
- Você chama isso de prático? - Emma suspirou, frustrada.
- Sabe quanto tempo demorará até que um crime seja cometido em Prospect?
- Espero que aconteça amanhã no meio da manhã. - Grey sorriu. - É uma boa hora para
você?
- Você vai cometer um crime só para eu poder falar com Parnell?
- Não vou necessariamente cometer o crime, mas posso pedir a presença do inspetor para
resolver uma ocorrência séria.
- E qual será essa ocorrência?
- Prefiro que não saiba, assim, se eu for preso por provocar tumulto, você não será minha
cúmplice.
Eles terminaram o almoço e Grey fez menção de acompanhá-la em casa.
- Você não precisa me levar até a porta, o dia ainda está claro.
- Ótimo. - Ele pareceu aliviado em livrar-se de Emma e despediu-se caminhando em
direção ao estábulo.
Ela dirigiu-se para casa pensando no que Grey faria para distrair o inspetor West.
Suspirando, lembrou-se de que durante o almoço não falara sobre sua demissão. Emma
escreveria uma carta e a entregaria no dia seguinte. Apertando o passo, chegou à casa da Sra.
Royston. Ao entrar, a senhoria a chamou para ver o bolo que fizera para o chá.
- Está magnífico, Sra. Royston! - Emma disse admirando o bolo decorado com glacê. -
Seria ótimo se nenhuma das suas amigas viesse! Assim poderíamos comer tudo sozinhas.
As duas riram e a gargalhada de Bella aqueceu a cozinha. Ela tirou o avental e foi para a
janela espiar a rua, como era de seu costume.
- A esposa do prefeito está virando a esquina, muito pontual e... Mas o quê?! - ela gritou.
Antes que Emma pudesse perguntar o que acontecera, Bella abriu a porta sorrindo.
- Sra. Carlton, pontual como sempre! Seja bem-vinda.
A esposa do prefeito atravessou o jardim e Emma viu a Sra. Allen aproximar-se com um
olhar furioso.
- Torta de limão! - Emma sorriu. - Minha favorita!
- Oh, Sra. Allen, não percebi que era a senhora. - Bella falou com ironia - Estou oferecendo
um chá para as damas que confiam na srta. Douglas. Nós achamos que esses boatos sobre o pai
dela não são dignos dos cristãos. Quer nos acompanhar? Tenho certeza de que a senhora
concorda conosco.
A Sra. Allen não teve outra escolha senão entrar na casa de Bella junto com as outras
duas convidadas que chegaram naquele momento. Emma sorriu, satisfeita, com a atitude de sua
senhoria e sentiu-se melhor.
Elas tomaram chá e comeram bolo conversando animadamente. Emma se tornou o centro
das atenções, uma vez que o ladrão fora preso. A Sra. Allen tentou um último golpe perguntando
sobre quem ela conhecia em San Francisco, mas não deu certo, pois as amigas de Bella se
interessaram ainda mais a respeito da grande metrópole americana.
- Há bondes nas ruas? E telefones? Meu Deus!
- É realmente maravilhoso. - Emma voltou a sorrir. - Quando alguém está doente, podemos
telefonar e o médico atende na hora, sem ter que ficar esperando o mensageiro ir e voltar.
- Para mim, isso não funciona... - a Sra. Allen declarou com desdém.
- Eu adoraria ir a um desses concertos que nos contou - a Sra. Roberts disse ignorando o
comentário da esposa do reverendo.
- Bem, agora que teremos um piano na escola, poderemos ter nossos próprios concertos -
Bella disse animadamente. - Lês Smith poderia tocar violino e a senhora cantaria, Sra. Carlton!
A idéia foi um sucesso instantâneo e todas começaram a falar ao mesmo tempo tão alto
que Emma quase não ouviu o inspetor West bater na porta. Ela levou-o à outra sala, deixando as
amigas organizarem o Primeiro Concerto Anual de Victoria, como a Sra. Royston o chamou.
- Que confusão é essa? - West perguntou.
- A Sra. Royston está preservando a minha reputação. - Emma gesticulou para que ele se
sentasse. - Aceita um pedaço de torta de limão?
- Sim, por favor.
Ela o serviu, e West contou as últimas novidades, sobre as quais Grey já a informara.
- A respeito da caderneta de seu pai, Wilde diz que pegou no lixo do escritório. - West
tomou um gole de chá. - Eu acho um tanto estranho, mas saberemos mais quando chegarem os
informes da polícia de San Francisco. - Ele levantou-se e colocou o chapéu. - Obrigado pelo chá,
srta. Douglas.
As damas também estavam de saída e, logo depois, Bella se jogou no sofá suspirando.
- Oh, estou cansada!
- Sra. Royston, a senhora é fabulosa!
- Oh, minha querida Emma, me chame de Bella. Depois de tudo o que passamos, não há
razão para formalidades.
- Está bem, Bella. Muito obrigada por tudo.
Emma estava emocionada. Bella Royston provara ser uma grande amiga, e ela já sentia
tristeza em partir. Mas precisava tentar provar a inocência de seu pai, devia isso a ele. Pegou
dois cálices de licor e sorriu para a sua amiga.
- A Bella e Emma!
- A Emma e Bella, e ao Primeiro Concerto Anual de Victoria!

Capítulo IV
Na manhã seguinte, Emma estava no mercado e viu quando Grey passou com o inspetor
West em direção à entrada da cidade. Em minutos ela encontrava-se na delegacia, pedindo um
grande favor ao policial.
- Eu não posso deixá-lo sair da cela, mas a senhorita pode conversar por alguns minutos
com ele através das grades.
- Abigail! - Parnell gritou ao vê-la. - Você veio me tirar daqui?
- Mas que ousadia! Você me roubou e tem a coragem de pedir que o resgate?
- Eu sinto tanto! Não sei o que aconteceu comigo. O dinheiro estava ali e o dono do Gold
Nugget já havia me cobrado três vezes...
- Você pôs fogo na árvore!
- Foi uma distração excelente.
- As pessoas poderiam ter se machucado. Você não pensou? A escola poderia ter sido
destruída!
- Se veio aqui para me acusar, eu não quero falar com você, Abigail.
Emma respirou fundo, tentando conter a raiva, pois sabia que precisava das respostas de
Parnell.
- Eu não vim para acusá-lo - ela disse calmamente. - Vim pedir a sua ajuda. O inspetor
disse que você está com a caderneta de meu pai. Onde a conseguiu? E por quê?
- Eu não estava roubando o banco, se é o que está pensando. Encontrei a caderneta no
dia da morte de seu pai e a guardei. Quando soube que os sócios do banco reabririam o caso,
pensei que seria útil. Se seu pai for considerado inocente, temos como provar quanto o banco lhe
deve. Eu fiz isso por você, por nós.
Parnell a fitava com paixão e doçura, mas Emma não acreditava mais em seu ex-noivo.
Ele era um estranho para ela agora.
- Você ainda não me disse como a conseguiu.
- Se eu lhe contar uma coisa, promete que me tira daqui?
- Eu não tenho esse poder, mas posso falar com o inspetor West e pedir que ele reduza as
acusações.
- E eu ficarei nesta cela minúscula até que o juiz se decida? - Parnell chutou a parede.
- É o máximo que posso fazer.
- Esses canadenses com seus uniformes vermelhos, aqui no meio do nada, são ridículos!
- Por favor... - Emma pediu, ansiosa; não sabia quanto tempo ainda lhe restava.
- Está bem, mas tem que me prometer, Abigail.
- Eu prometo.
- Preciso mais do que isso.
- Eu prometo que falarei com o inspetor West em seu favor. Agora conte-me o que sabe.
- Eu não matei seu pai. Quando entrei no escritório, estava tudo revirado. Havia algum
dinheiro em cima da mesa e a caderneta. Eu os peguei, mas foi só isso.
- Você pegou da mesa dele, e não do lixo, como disse ao inspetor?
- Sim.
- E meu pai?
- Ele estava morto. - Parnell virou-se contra a parede, não conseguindo encará-la. -
Quando entrei, encontrei-o caído com a arma na mão. As gavetas reviradas e o dinheiro em cima
da mesa. O que eu poderia fazer?
- Você poderia ter chamado a polícia! Poderia ter me chamado! - Emma não conseguia
mais conter as lágrimas.
- Era tarde demais, Abigail, seu pai já estava morto. - Ele aproximou-se e segurou as mãos
dela através das grades.
- Então, por que não chamou a polícia? - Emma levantou-se e se afastou.
- Porque a polícia suspeitaria de mim. Naquele mesmo dia houve um problema no banco.
Seu pai tinha saído muito nervoso, e depois Everett Jergens apareceu na minha sala acusando-
me de um erro nas contas que não era meu. Por isso fui até a sala de seu pai, mas ele não podia
mais me ajudar.
A enorme traição de Parnell fez os joelhos de Emma tremerem e ela quase desmaiou. Ele
virara as costas para seu pai, não tivera a coragem de tentar ajudá-lo. Não havia amor algum no
coração daquele homem que um dia a beijara com tanta paixão.
- Você não viu nada? Não escutou nada?
- Não, mas fico me perguntando sobre as gavetas reviradas. Se seu pai se matou, por que
reviraria as próprias gavetas?
- Acha que ele foi assassinado?
- Não sei, mas quando cheguei em casa e contei o dinheiro, percebi que eu tinha pegado
alguns papéis também. Havia um documento sobre uma auditoria do banco.
- Claro... - Emma disse, desapontada, o documento provava que seu pai tinha dado um
desfalque e se matara.
- Abigail, o banco não mandaria esse papel para seu pai se suspeitasse que era ele quem
estava roubando.
Emma não conseguia respirar diante da revelação de Parnell. Ele possuía a prova de que
seu pai era inocente.
- Quem estava roubando?
- Não sei. Disseram que encontraram evidências de irregularidades nas contas, mas a
fonte ainda não apareceu.
- A pessoa que roubou sabia que papai o havia descoberto e o matou para que não o
denunciasse.
- Provavelmente.
- Mas por que o banco acusou meu pai? A auditoria poderia provar que ele era inocente.
- Os sócios do banco não queriam que a notícia viesse a público. Se houve um desfalque e
seu pai se matou, eles ficaram felizes em empurrar tudo embaixo do tapete.
- Onde está o documento da auditoria?
- Eu o queimei, não era útil para mim.
- E você jamais contou o que sabia?
- Você mudou, Abigail, está sempre me acusando.
Emma não agüentava mais o cinismo de Parnell. As lágrimas molhavam seu rosto, e sua
energia se esvaía.
- Eu preciso ir. - Ela virou-se e saiu da delegacia sem olhar para trás.
- Vai para San Francisco nesta época do ano? É impossível! - Bella falou encostada no
batente da porta do quarto de Emma. - Serão no mínimo três dias apenas para chegar à ferrovia.
- Eu sei. - Emma suspirou. - Mas é algo que preciso fazer.
- Quando voltará? A escola está fechada agora devido ao inverno, mas assim que o tempo
melhorar, reabrirá.
- A minha carta de demissão está pronta. Entregarei a Grey North hoje - ela disse
rapidamente enquanto fazia a mala.
- Demissão? Você não pode! Vai parecer que é culpada, e depois de todo o esforço para
preservar a sua reputação...
- Eu sinto muito. - Emma abraçou a amiga. - Você tem sido tão gentil, Bella... Eu não sei
como lhe agradecer. Mas preciso fazer isso, é por meu pai.
- Você me disse que era órfã.
- E sou, pelo menos desde os dezoito anos. - Ela fechou a porta. - Ouça, Bella, precisa
guardar segredo, mas eu acredito que quem invadiu o meu quarto e a escola é também o
assassino de meu pai.
- Oh, meu Deus!
- Jamais repita o que acabei de lhe contar. Se o assassino descobrir os meus planos,
posso correr perigo. Eu quero que entenda que não tenho escolha. Há uma chance de limpar o
nome de meu pai e provar a sua inocência, é por isso que preciso ir.
- Por que não deixa para a polícia resolver?
- Papai confiou em mim.
- Mas, e se uma nevasca a atingir, e se o seu cavalo cair de um penhasco? - Bella
enxugou os olhos com um lenço.
- Eu preciso ir.
- Está bem, mas não pode viajar sozinha e eu não posso acompanhá-la. Você precisa de
um homem ao seu lado, Emma, alguém que a proteja e a ajude.
- Já falei com o Sr. Paget. Ele vai levar um carregamento de animais para a ferrovia de
Gold City amanhã. Irei com eles.
- Você é inexperiente para fazer essa viagem, mesmo com o Sr. Paget. Ele estará
ocupado mantendo os cavalos reunidos.
Emma pegou a foto da sua família e tocou o rosto do pai com a ponta do dedo, antes de
tirá-la da moldura.
- Eu conseguirei.
Bella ergueu os braços, desistindo, e saiu do quarto. Emma sabia de todos os riscos da
viagem, sobretudo durante o inverno, mas sua determinação em vingar seu pai era maior do que o
medo. A pior parte da viagem seria de Prospect até Gold City. Depois pegaria um trem de Gold
City para Fraser Canyon, e de lá para Vancouver. Então, a última parte pelo mar até San
Francisco seria a mais tranqüila. Sentou-se na cama suspirando. A espera a deixava agoniada.
- Srta. Douglas! - Rose bateu na porta e a abriu com um estrondo. - Srta. Douglas, há um
homem querendo falar com a senhorita lá embaixo. A Sra. Royston disse que a senhorita pode
descer.
Emma seguiu Rose e encontrou Grey e Bella esperando-a.
- Eu não quero interferir - Bella disse com cuidado. - Mas não posso deixá-la se arriscar
dessa maneira em pleno inverno. Contei os seus planos ao Sr. North e ele concordou comigo.
- Você contou a ele? - Emma surpreendeu-se com a traição.
- Sim, eu contei que você sente muita saudade de casa. - Ela piscou para Emma. - E ele
concordou que a viagem é muito perigosa para você fazer sozinha.
- Entendo...
- E é por isso que pedi ao Sr. North para ir com você.
- Mas eu não posso! O que a Sra. Allen vai pensar? - Emma desesperou-se ao imaginar
ficar sozinha com Grey por tanto tempo.
- Não importa o que ela pensa. - Grey impôs sua presença masculina, preenchendo o
ambiente de segurança.
- Mas não podem me obrigar... - Emma tentou, porém nem ela acreditava nas próprias
palavras. A companhia de Grey seria muito bem-vinda, pois a viagem a assustava demais.
- Agora pare, Emma, e vamos discutir os últimos preparativos. - Eu já aluguei um cavalo no
estábulo.
- Não vai adiantar. Você não montou uma única vez desde que chegou aqui, portanto não
tem condições de enfrentar a viagem cavalgando.
- Mas eu não posso ir caminhando.
- Que teimosia... Pegaremos um trenó. Não é tão rápido quanto ir a cavalo, mas com
Paget na frente, a trilha estará bem de marcada. Conseguiremos alcançá-lo à noite.
- Você não tem um hotel para administrar?
- Eu não preciso trocar os lençóis, Emma. Tenho uma boa equipe que cuidará de tudo na
minha ausência.
- Mas perderá as festas de Natal.
- E você também. - Grey aproximou-,se dela. - Poderemos nos consolar...
- Pare de criar dificuldades, Emma. - Bella interferiu. - O plano do Sr. North faz sentido e
você sabe disso. Vá para San Francisco, faça o que deve fazer e volte a tempo de me ajudar com
o concerto. - Ela virou-se para Grey: - Espero que se comporte como um cavalheiro, Sr. North.
- Tem a minha palavra. - Ele sorriu maliciosamente. - Estarei aqui amanhã bem cedo.
Após a partida de Grey, Bella e Emma foram para a cozinha preparar as provisões para a
viagem.
No dia seguinte, logo cedo, Emma ouviu os sininhos do trenó de Grey aproximando-se. Ela
abraçou Bella e prometeu que voltaria o mais rápido possível. Após arrumarem as bagagens
no veículo, eles se sentaram e os cavalos partiram puxando o trenó. As construções de Prospect
ficaram para trás, dando espaço à bela paisagem das montanhas.
- É tudo tão grande - Emma' sussurrou.
- É. Grey estava concentrado na estrada, segurando as rédeas com firmeza.
- Você ama tudo isto aqui, não é?
A pergunta de Emma era retórica, pois a resposta de Grey brilhava em seus olhos e em
seu sorriso.
- Sim. Olhe em volta, não há limites! Eu odiaria ver essa natureza toda recortada e dividida
em lotes.
- Mas você tem um lote na Inglaterra.
- Meu pai tem. E eu deixei tudo para trás.
- Você é uma pessoa estranha, Grey North. Os homens lutam para manter seus títulos e
privilégios...
- Eu luto pelo que conquistei, e não pelo que recebi por ter nascido sem pedir.
- Você parece um americano falando.
- Eu sabia que entenderia. - Ele gargalhou. - Você tem o espírito da fronteira, apesar de se
esconder atrás das suas boas maneiras.
- Pode ser. - Emma suspirou. - Quando criança, eu sonhava que passeava com o gado no
pasto.
- Então, em vez de viver livre escolheu obedecer às convenções, vestir-se bem e ir a bailes
todas as noites.
- Eu leio muito.
- Romances?
- Eu freqüentava a Biblioteca Municipal. - Ela sorriu ao ver a expressão de surpresa nos
olhos de Grey. - E foi por isso que passei nos exames para ser professora em Prospect.
- Estou impressionado. Você comentava com os seus amigos que gostava de ler?
- Não! - Emma respirou fundo.
- Quais eram os seus sonhos de infância?
- Ouvir minha mãe rir.
- Desculpe-me... - ela colocou a mão no braço dele.
- Por perguntar ou por escutar a verdade? - Grey perguntou.
- Pelos dois. Você está certo sobre a vida na fronteira, as convenções perdem todo o
sentido aqui.
- Exatamente! - ele sorriu novamente.
- Mesmo assim não sente falta de casa?
- Você está muito melancólica. Olhe! - Grey apontou para duas águias que cruzavam o
céu.
- São magníficas!
Por um momento Emma esqueceu de que seus pés estavam gelados, seu rosto ardia por
causa do vento e suas costas doíam. Grey puxou as rédeas e parou o trenó. Eles ficaram
admirando as aves até que desaparecessem e então o veículo moveu-se de novo.
- Está com frio? - Grey perguntou.
- Um pouco, mas não me importo.
Observar as águias ao lado de Grey livraram-na de todo o desconforto que sentia.
- Logo se acostumará. E para responder à sua pergunta, Emma, não, eu não quero voltar
para casa. Aqui é onde me sinto vivo de verdade.
Emma via em Grey um grande coração e uma extrema coragem.
Ao meio-dia encontraram-se com o, Sr. Paget no acampamento. Ele já acendera uma
fogueira e Emma distribuiu os generosos sanduíches da Sra. Royston para todos.
- O dia foi ótimo nas montanhas - declarou o Sr. Paget. - Acredito que não teremos neve
nos próximos dias. A senhorita tem sorte; agora é só torcer para que o sol não provoque uma
avalanche.
- Avalanche? - Assustada, ela olhou para as montanhas e depois para Grey. - Você não
tem medo?
- É o que faz a viagem valer a pena. - Ele sorriu. - O perigo adocica o dia.
- Se é o que diz...
- Será que a Sra. Royston não mandou um dos seus famosos bolos?
- Ela mandou, sim. - Emma abriu a cesta. - De chocolate.
- Precisamos aproveitar a luz do dia - disse o Sr. Paget. - Escurecerá às quatro horas, e eu
quero chegar à estalagem da Sra. Hunter antes disso.
- Então vamos.
Grey colocou as provisões no trenó, acomodou Emma e pegou as rédeas. O resto do dia
passou sem maiores incidentes e eles chegaram ao chalé da Sra. Hunter ao anoitecer.
- Não é um Reptos ou um Rockingham, mas acredito que vai gostar - Grey disse ao
descerem do trenó.
- Se tiver fogo, água quente e comida, eu o considerarei um palácio.
Emma estava cansada, com frio e suas pernas doíam de ficar tanto tempo sentada. Grey
ajudou-a a subir os degraus e acomodou-a no sofá do chalé.
- Olá, querida. - A Sra. Hunter apareceu sorrindo na sala com uma xícara de chá quente e
entregou a Emma. - Logo vai sentir-se aquecida.
A proximidade com Grey aquecia Emma mais do que gostaria e ela afastou-se.
- Coloquei a senhorita no primeiro quarto. Acredito que deseja se lavar antes do jantar.
- Muito obrigada, Sra. Hunter.
Grey saiu para ver os cavalos, e a dona do chalé voltou à cozinha. Emma foi para o quarto
e tirou as botas e o casaco. Após lavar o rosto e as mãos com a água morna, deitou-se na cama
para descansar. Sua vontade era enrolar-se no cobertor e dormir por quatro dias, mas uma batida
na porta e a voz de Grey chamando-a despertaram-na imediatamente..
- Um minuto!
Ela calçou as botas com rapidez e abriu a porta.
- Eu trouxe a sua mala.
Emma não teve escolha e deixou-o entrar. Grey perguntou-lhe se estava cansada.
- Você não está?
- Vou dormir bem esta noite. Não há nada como o ar puro para um bom descanso. - Ele
sorriu. - Não perca o jantar, Emma, a comida da Sra. Hunter lhe dará forças para enfrentar o dia
de amanhã. Se estiver com fome, sentirá mais frio.
Grey saiu deixando Emma escolher entre dormir e perder o jantar ou juntar-se aos
cavalheiros em volta do fogo. Sem pensar duas vezes, ela fez um coque no cabelo e saiu do
quarto.
- Aí está você, querida. - A Sra. Hunter a chamou para sentar-se em uma poltrona perto do
fogo. - Descanse um pouco, vou servir o jantar em minutos.
Grey e Emma ficaram a sós na sala. Ela estava acostumando-se com a presença
irresistível dele. Mas precisava focar-se no motivo da viagem para San Francisco, e, além do
mais, Grey já deixara claro que jamais se casaria.
- Onde está o Sr. Paget?
- Com os cavalos. Um deles tem um corte na perna.
Eles ficaram em silêncio e os olhos de Emma fecharam-se por um momento, hipnotizados
pelas chamas da lareira.
- Vamos andar um pouco. - Grey sorriu. - Assim você se mantém acordada até o jantar.
Estendeu a mão para ajudá-la a se levantar e eles ficaram muito próximos. Emma sempre
o achara atraente, mas naquele chalé no meio das montanhas, a presença de Grey era
devastadora. Ela deu um passo para trás, tentando respirar.
- O que há, Emma? Está com medo que eu morda?
- Não seja ridículo. - Ela atravessou a sala e parou em frente à janela. - Olhe! Alguém está
com problemas.
Um cavalo cavalgava com um homem caído sobre a sela. Grey agiu rapidamente.
- Sra. Hunter! - Ele chamou antes de sair correndo pela porta em direção ao animal.
- O que foi?
- Lá fora. - Emma apontou para Grey, que puxava o cavalo pela rédea solta.
- Oh, traga-o para dentro! - A Sra. Hunter ajudou Grey a subir os degraus com o rapaz.
Emma virou a poltrona para que o colocassem sentado, e a Sra. Hunter tirou as botas
dele.
- Sr. North, as meias estão ensopadas, ajude-me a tirar o ca saco, que está todo molhado.
O queixo do rapaz tremia e ele não conseguia falar. Emma pegou o copo de uísque de
Grey.
- Acredito que isto o aquecerá.
- Ótima idéia, srta. Douglas. Agora, por favor, pegue a colcha da sua cama e traga-a aqui
para colocarmos nas costas dele.
- O que aconteceu com você, meu rapaz? - a Sra. Hunter perguntou enquanto colocava
uma bacia de água morna sob os pés do estranho.
- O-bri-gado - ele conseguiu balbuciar. - Meu nome é Frank Wesley.
- Você tem muita sorte em ter nos encontrado. Como se molhou assim?
- O gelo do lago se partiu...
- As temperaturas estão muito baixas há dias. Onde encontrou gelo fino? - Grey perguntou.
- Eu tentei pegar um atalho e acabei em uma área quente.
- Há pequenos lugares que não congelam por aqui - a Sra.Hunter explicou para Emma.
- Você se machucou?
- Acho que não. - O jovem parara de tremer. - Será que alguém pode dar uma olhada no
meu cavalo?
- O Sr. Paget está cuidando disso. Agora precisamos vesti-lo com roupas secas.
- Leve-o para o seu quarto, Sr. North, enquanto eu pego umas roupas que eram do Sr.
Hunter. - Ela virou-se para Emma: - Desculpe-me, querida, mas parece que o jantar atrasará um
pouco.
- Em que posso ajudar, Sra. Hunter?
- Oh, muito obrigada, querida. Por favor, coloque mais um prato para que Frank Wesley
possa jantar conosco.
Meia hora depois estavam todos acomodados à mesa como velhos amigos.
- Conte-nos, Frank, por que está sozinho aqui em pleno inverno? - a anfitriã perguntou ao
servir a sopa.
- Por causa da minha ingenuidade. Eu ouvi dizer que há uma grande mina de ouro em Big
Bend, então tentei me adiantar e chegar a Placerville antes da primavera. - Ele suspirou. - Não
acredito que quase morri. Foi um milagre sentir o cheiro da fumaça vindo do seu chalé.
- Você deveria ter acendido o fogo assim que saiu da água.
- Isso também foi ingenuidade - disse o Sr. Paget em tom sério. - Eu não coloquei fósforos
suficientes na mala.
- Pelo menos está aprendendo com os seus erros - Emma declarou.
- Ainda vai para Placerville? - Grey perguntou ao ver Frank sorrindo para Emma.
- Pode apostar que sim, mas esperarei a primavera.
- Estamos indo para Gold City - o Sr. Paget falou. - Pode ir conosco se quiser.
- Obrigado, irei, sim.
- Oh, que ótimo! -Emma exclamou, animada. - Vai gostar muito do Sr. Paget, Sr. Wesley.
- Mas obedeça-lhe e não lhe cause problemas - Grey disse entre os dentes, franzindo o
cenho.
- Sim, senhor - o rapaz respondeu e virou-se para a Sra. Hunter: - Este é o melhor assado
que já comi. Como consegue cozinhar tão bem, aqui no meio do nada?
- Eu aprendi algumas coisas com os índios e uma delas foi plantar uma horta no meu
quintal, assim sempre tenho temperos frescos.
Fascinada, Emma ouviu Frank e a Sra. Hunter trocarem experiências sobre a
sobrevivência em um ambiente tão hostil. O Sr. Hunter e sua esposa construíram sua primeira
casa fazia vinte anos, quando não havia ferrovias e ninguém habitava aquela região. A Sra.
Hunter tinha sido a única mulher branca morando ao redor de índios até cinco anos antes, e,
quando da morte do marido, ela o enterrara sozinha.
- Por que a senhora permaneceu aqui depois da. morte do Sr. Hunter? - Emma perguntou.
- Eu pensei em ir para Vancouver, mas não me adaptaria à vida na cidade. O espírito
selvagem já estava dentro de mim e nessa época a ferrovia já passava perto, havia mais pessoas,
então resolvi ficar.
- Sente falta de algo? - Grey perguntou, surpreendendo Emma.
- Sim. Eu sinto falta de música. - A Sra. Hunter suspirou. - Meu marido tocava violino.
Aquele pendurado na parede. - Ela apontou.
- Bem, Sra. Hunter - Frank disse levantando-se. - Acho que poderei lhe agradecer o que
fez por mim.
Ele pegou o violino e tocou uma melodia maravilhosa.
- Você conhece Nelly Bly? - O Sr. Paget tirou uma gaita do bolso.
Para alegria de Emma, os dois começaram a tocar harmoniosamente. Os olhos da Sra.
Hunter encheram-se de lágrimas e ela ficou hipnotizada pela música. Emma tirou os pratos da
mesa em silêncio e Grey ajudou-a a levar a louça até a cozinha.
- Estou feliz pela Sra. Hunter - ela disse.
- É um privilégio testemunhar esse prazer - ele respondeu sorrindo.
Os dois se olharam, felizes, e voltaram para a sala quando o Sr. Paget acabou de tocar e
disse boa-noite a todos. Ele dividiria o quarto com Grey, uma vez que o chalé possuía apenas três
dormitórios para hóspedes.
- Depois de alimentar os cachorros, também vou me deitar - a Sra. Hunter informou. -
Muito obrigado a todos por uma noite tão agradável.
- Deixe que eu vou dar comida aos cachorros - Grey ofereceu.
- Oh, muito obrigada. Vou fazer sanduíches para amanhã, então.
- Venha comigo, Emma, não vai se arrepender.
Ela pegou o casaco e acompanhou Grey até o celeiro. Ao entrarem, Emma avistou a
cadela preta e branca com três filhotinhos aninhados junto à sua barriga.
- Oh, Grey! Eles são adoráveis! - Ela ajoelhou-se e estendeu a mão em direção aos
filhotes.
- Cuidado - ele falou ao ver a cadela levantar as orelhas. - Deixe-a cheirar a sua mão e
acostumar-se com você.
Em poucos minutos os dedos de Emma já estavam sendo lambidos e ela pegou um dos
cachorrinhos com cuidado.
- Mas você é um amor! - Emma acariciou a barriga dele. - Oh! Você está tentando me
escalar! - Ela sentiu vontade de rir e chorar ao mesmo tempo. - Eu acho que ele gosta de mim.
- É "ela", e acho que tem razão. E pela alegria da sua expressão, posso dizer que o
sentimento é mútuo.
- Mas é claro - Emma respondeu tentando esconder suas emoções. - Quem não gosta de
filhotinhos?
- Qual o problema, Emma? Está com medo de demonstrar seu sentimentos? Acha que sou
tão rígido assim?
Grey abaixou-se e segurou-lhe carinhosamente o queixo. Emma sabia que deveria retirar a
mão dele, mas não conseguia se mover.
- Você nunca... Quer dizer, é um sobrevivente, você... - ela não conseguia reunir as
palavras.
- Você está me julgando mal, Emma, não sou um aventureiro sem coração. Fico feliz em
vê-la derreter-se por um filhotinho e deixar de lado a sua pose. Isso é bonito e genuíno.
Grey tocou o canto da sua boca com a ponta do polegar. Um cachorrinho reclamou e
Emma devolveu-o à mãe, grata por poder se desvencilhar do carinho de Grey.
- A mãe precisa se alimentar - ela disse evitando o olhar dele.
- Não se preocupe, Emma, não vou pressioná-la a fazer nada contra a sua vontade. Mas...
- Grey deu a comida ao animal e ficou em pé puxando Emma. - Acredito que você deseja mais do
que o carinho de um filhote.
Ela sentiu seu rosto esquentar. Grey North sempre deixara claro que a achava atraente,
mas Emma pensou ser parte do trato para evitar o assédio das damas de Prospect. Não estava
pronta para acreditar que ele realmente sentia algo por ela.
- Devemos ir agora. - Emma caminhou para a porta.
- Tem razão. - Grey suspirou. - Já é tarde para abrirmos as nossas almas. Teremos
bastante tempo amanhã, durante a viagem, para discutir o meu caráter e o seu. - Ele abriu a
porta. A luz da lua iluminava a noite. - Olhe para o céu, Emma. Você já viu algo assim?
As estrelas ao redor da lua cheia criavam um efeito maravilhoso no céu limpo.
- Parece irreal.
- Está vendo aquele grupo de estrelas ali? - Grey apontou. - É a Ursa Maior. Siga a linha
até as duas últimas e encontrará a Ursa Menor. Achou?
Emma balançou a cabeça negativamente.
- Siga o meu dedo.
Grey segurou em sua cintura e ficou bem perto dela, apontando para o céu. Nesse
momento Emma esqueceu o frio e a reserva contra Grey North, deixando-se levar pela magia da
noite.
- Agora siga de volta. A última estrela é a estrela do Norte. Onde quer que você esteja no
hemisfério norte, ela será constante. As constelações se movem, mas essa, não. Encontre a sua
estrela do Norte, Emma, e jamais se perderá.
Grey olhou para ela e beijou-a naturalmente, como se fosse inevitável. Emma abriu os
lábios convidando-o a continuar e aproximou seu corpo ao dele, sentindo o coração pressionar
suas costelas e o ar parar em seu peito.
Ergueu os braços e enlaçou o pescoço de Grey, pressionando seus corpos ainda mais. O
abraço másculo dele a envolveu completamente e Emma se deixou levar pelo seu poder.
- Ah, Emma...
Grey beijou-a na face, no queixo e no pescoço, voltando em seguida a sua boca com
ardor, e ela correspondeu com paixão. A intensidade do sentimento a surpreendeu e Emma não
reconheceu a srta. Douglas, professora da escola de Prospect.
No meio da floresta, sob a vastidão do céu do Norte, a professora correta não existia. Ali,
ela era Emma, uma mulher saudável, cheia de vida, com paixões e desejos. Estranhas sensações
a invadiram, deixando-lhe as pernas fracas e o corpo clamando por algo que ela era incapaz de
nomear.
- Ouça...
Grey ergueu a cabeça, despertando-a de um transe. Ele olhou para o lado, alerta e atento.
- O que é? - Emma indagou.
- Lobos.
- Não são perigosos?
- Sim, mas são magníficos. - Ele sorriu.
Ela tremeu de medo e excitação.
- Você está gelada. - Grey acariciou-lhe o rosto.
- Sim, vamos entrar.
- Concordo. - Ele segurou seu cotovelo delicadamente. - Vamos.
A Sra. Hunter já havia preparado todas as provisões para o dia seguinte e apagara as
luzes. Ambos caminharam em silêncio até o quarto de Emma, onde Grey se despediu.
- Nos veremos amanhã - ele sussurrou e virou-se em direção ao seu quarto, de onde vinha
o som alto do ronco do Sr. Paget. - Acho que vou pegar meu cobertor e dormir na sala, ou talvez...
- Grey olhou através da porta aberta do quarto de Emma.
- Boa noite!
Ela fechou a porta rapidamente e ouviu a risada de Grey no corredor.
- Durma bem, Emma.
Ela esperou o calor de suas faces se dissipar, tirou as botas, vestiu a camisola e deitou-se
na cama. A luz do luar invadia o quarto, a mesma luz que a fizera esquecer suas inibições e a
enchera de desejos ridículos. Não podia ser tão tola a ponto de se apaixonar por Grey North.
A Sra. Hunter entregou um xícara de chá quente para Emma.
- O desjejum está na mesa, querida. O Sr. Paget e o Sr. Wesley já estão lá fora arrumando
os.cavalos, e o Sr. North a espera.
Como pudera perder a hora? Após os eventos da noite passada, Emma tinha certeza de
que não conseguiria fechar os olhos, mas havia dormido muito bem e agora teria de enfrentar
Grey sozinha na sala. Levantou-se e tentou se convencer de que não estava apaixonada por Grey
North. Não poderia estar. Ele lhe dissera que jamais se casaria.
-.Bom dia, Emma - Grey disse suavemente.
- Bom dia, Sr. North. - Ela sentou-se longe dele.
- Está de novo cheia de formalidades, Emma?
- Sob essas circunstâncias, acredito que devemos obedecer às convenções.
- E que circunstâncias são essas?
- Você sabe o que quero dizer. Estamos viajando juntos no meio do nada. Precisamos de
regras.
- Ah, sim, as suas regras. - Ele riu. - O seu livro de etiqueta diz como se comportar com um
cavalheiro sob a luz das estrelas?
- Sobre a noite passada...
- Eu esqueci algo?
- Eu gostaria que você esquecesse o que aconteceu.
- Não posso. Lembrarei da noite passada enquanto eu viver, e esperava que você
também.
- Na verdade, farei o possível para tirá-la da minha cabeça.
Eu estava cansada e com frio; acredito que não tinha capacidade de controlar as minhas
ações.
- Eu acredito em você, meu amor. - Grey riu alto.
- Então, não vamos mais falar sobre isso.
- Até nos encontrarmos novamente ao luar - ele sussurrou, sedutor. - Agora relaxe, não
vou atacá-la. Termine o seu café enquanto falo com o Sr. Paget.
Após prepararem o trenó e os cavalos, todos partiram sob os acenos da Sra. Hunter.
- Ela é adorável - Emma disse acenando. - Não sei como consegue enfrentar a solidão.
- É uma das poucas pessoas que sabem ficar sozinhas sem sentir solidão. A Sra. Hunter
encontrou a estrela do Norte.
- Será que o tempo ficará firme? - Emma mudou de assunto rapidamente.
Grey gargalhou.
- Relaxe, Emma, ou vai ter dor nas costas outra vez! É claro que o tempo ficará firme.
Emma conseguiu encontrar uma posição confortável no trenó e deixou-se balançar pelo
seu movimento. Não havia razão para se preocupar, fora apenas um beijo, e como nem ela e nem
Grey tinham a intenção de se casar, não existiria continuidade.
Na hora do almoço fizeram uma parada e comeram sanduíches em volta da fogueira.
Emma aproveitou para esticar as pernas e passeou um pouco pelo local.
- Estamos vivendo uma época maravilhosa - Frank Wesley declarou aproximando-se dela.
- Aqui parece o século passado, mas em pouco tempo chegaremos à modernidade da ferrovia.
- Prospect também está evoluindo rapidamente, Sr. Wesley, temos um jornal semanal,
projetos para uma ferrovia e este ano abrigaremos o Primeiro Concerto Anual de Victoria.
- Talvez eu passe o próximo inverno em Prospect.
- Está pronta, srta. Douglas? - Grey perguntou secamente. - Paget está precisando de
ajuda, Sr. Wesley.
- Está bem - o jovem respondeu e saiu de imediato.
- Acho que você foi um tanto rude.
- Ele quase morreu. É melhor aprender leis de sobrevivência com Paget do que ficar
conversando amenidades com você.
- Está com ciúme!
- Não seja ridícula.
Ele ajudou-a a sentar-se no trenó, pegou as rédeas e partiram.
- Devemos chegar ao Rancho Hodder ao entardecer.
- Que ótimo - Emma respondeu sorrindo. - Frank me disse que passará o próximo inverno
em Prospect. Imagine, com o novo piano poderemos fazer muitos concertos! Tenho certeza de
que todos gostarão muito de ouvi-lo tocar violino.
- Não conte com isso, rapazes como Frank não cumprem promessas de uma semana para
a outra, quanto mais um ano inteiro !
- Talvez. - Ela sorriu, satisfeita em deixá-lo nervoso pelo menos uma vez.
- Você pretende passar o próximo inverno em Prospect?
- Mas é claro que sim.
- Pode ser que não queira deixar San Francisco pela segunda vez.
- Está pedindo a minha demissão?
- Estou perguntando as suas intenções. Quanto tempo levará essa saudade de casa? Será
mesmo só saudade que a está levando embora de Prospect? Parnell Wilde é a verdadeira razão?
- Não!
- Então, qual é o motivo? E não venha me falar que sente falta da cidade grande.
- Não mesmo. A Sra. Royston inventou essa história para não parecer que eu tinha algo a
ver com o roubo na escola. Na verdade, tenho assuntos para resolver em San Francisco.
- Não poderia esperar a primavera?
- Não.
- Está com problemas, Emma?
- Não.
- Quando voltará?
- Eu não sei.
Ela virou a cabeça, evitando o olhar de Grey. Algo a esperava no convento e poderia
mudar sua vida. Talvez jamais voltasse para Prospect, jamais veria seus alunos se formarem,
jamais experimentaria novamente um bolo de Bella ou discutiria com Grey. Oh, sentiria muito a
falta deles. Ela colocou a mão no peito, onde costurara a chave, e suspirou. Não desapontaria seu
pai neste momento, não poderia.
Eles chegaram ao rancho ao pôr-do-sol. Enquanto Grey soltava os cavalos, Emma bateu
na porta e uma mulher magra a abriu.
- Sra. Hodder? Sou Emma Douglas.
- Seu quarto é aqui embaixo. - Virou-se e saiu andando. Emma assustou-se com a
antipatia da mulher e a seguiu dentro da casa.
- O jantar será em trinta minutos - informou a Sra. Hodder secamente e fechou a porta.
Emma não conseguiu dizer nada e olhou em volta para o quarto pequeno e bagunçado. Com
algum esforço encontrou uma bacia com água e se lavou. A cama era dura, os lençóis, finos, e o
cobertor, praticamente não existia. Ela se perguntou por que as pessoas abriam suas casas para
hóspedes quando não tinham nenhuma hospitalidade. O quarto gelado e fechado a deixou sem ar
e, então, Emma resolveu ir até a cozinha enfrentar a Sra. Hodder. Pelo menos estaria quente lá.
- Pode sentar-se ali. - A mulher apontou para a mesa rústica encostada na parede.
- Posso ajudar?
- Eu costumo trabalhar sozinha - a mulher respondeu enquanto mexia em uma panela.
- Recebe muitas pessoas aqui?
- Algumas.
Emma olhou em volta, tentando encontrar algo sobre o que conversar, mas não havia
nada. Nem um vaso de flor, nenhum livro, nenhum quadro. Até o fogão estava todo descascado e
mal cuidado.
- Mora aqui há muito tempo?
- Há vinte e nove anos.
- Tem filhos? - Emma tentou pela última vez.
- Três, enterrados nos fundos, e uma menina estudando em Vancouver.
- Eu sinto muito, não consigo imaginar a sua dor.
- Difteria. - Ela continuou mexendo na panela.
- Quantos anos tem sua filha?
- Seis.
- É tão nova para ficar longe de casa. A senhora deve sentir a sua falta.
- Pelo menos ela não precisará trabalhar como uma escrava neste ambiente selvagem.
O Sr. Hodder, Grey, Frank e o Sr. Paget entraram na cozinha interrompendo a conversa.
Todos se sentaram, e a Sra. Hodder os serviu e depois rezou. Eles conversaram sobre
amenidades e Frank seguiu o Sr. Paget para ajudá-lo a prender os cavalos.
- Quer ir lá fora? - Grey convidou Emma. - A lua está cheia.
Emma notou o cinismo na voz dele e assustou-se com a sua frieza. Ele estava diferente
naquela noite.
- Não, obrigada. Foi um dia muito longo.
Ela deixou-o na cozinha e entrou no quarto apertado perguntando-se se não cometera um
erro. Qualquer coisa era melhor do que ficar naquele cômodo... Grey era um enigma para ela e
seria melhor manter distância dele agora que sabia ser suscetível ao seu charme.
Emma tirou a roupa e a colocou no pé da cama. Com um suspiro, deitou-se e ficou
olhando para o teto. Não havia a luz da lua nem a gaita do Sr. Paget e tampouco os beijos doces
de Grey para fazê-la dormir, apenas o barulho das panelas da Sra. Hodder na cozinha.
- Que lugar triste - Emma disse quando o trenó se afastou do rancho.
- É o que acontece quando não se encontra a sua verdadeira estrela.
- Mas quanta experiência...
- Sou observador - Grey respondeu sem olhar para ela. - Olhe estes cavalos, veja como
trabalham juntos feito um time. O Sr. Hodder e a sua esposa não são.
- Talvez já tenham sido. A vida difícil pode ter destruído a harmonia deles.
- Então não eram um bom casal desde o início, pois as adversidades unem as pessoas
que se amam verdadeiramente.
- Não acha que está exagerando a sua crítica? Como pode julgar o casamento das
pessoas sendo solteiro?
- Todos que se casam são inexperientes, ninguém sabe o que está fazendo.
- Por que tanta amargura, Grey? - Emma ergueu a cabeça e olhou-o.
- Desculpe-me. - Ele suspirou. - É que aquela casa me traz lembranças que eu gostaria de
esquecer.
- Quer dizer que não é um duque com uma mansão, fortuna e empregados?
- Sou herdeiro de uma fortuna, mas meu pai não é duque, é um barão. É a infelicidade da
casa que me traz lembranças.
- Como assim?
Emma não queria interferir, mas não podia perder a chance de conhecer um pouco mais
aquele homem tão complexo. Grey não respondeu imediatamente e seu semblante endureceu.
- Desculpe-me. - Ela colocou a mão no braço dele. - Eu não tinha o direito de perguntar.
- Talvez tenha o direito. - Seus músculos relaxaram ao toque de Emma. - A propriedade de
meu pai pode ser pequena, mas é de grande importância para ele, e eu o desapontei pela
primeira vez aos cinco anos de idade, quando o filho do cocheiro se tomou meu melhor amigo. -
Grey respirou fundo. - Pessoas como nós não se misturam com esse tipo... Eu me recusei a
abandonar a amizade e apanhei por isso. Esse foi o começo de uma guerra dentro da minha casa.
Meu pai tentando me colocar nos círculos corretos, e eu escolhendo meus amigos pelo caráter, e
não pelo título.
- E sua mãe?
- Eles não formavam um bom casal... Toda vez que brigávamos, ela sofria demais, e eu
parei de lhe contar. Fingia um sorriso e inventava histórias para esconder as marcas roxas no meu
corpo. Acho que minha mãe sempre soube a verdade, mas era conveniente para ela fingir que
não sabia.
- Foi por isso que você partiu?
- Foi muito mais do que isso. - Grey riu. - Uma dama muito bem-nascida cometeu um ato
reprovável e tentou dizer que eu era o pai do filho que ela esperava. Meu pai recusou-se a acre-
ditar em mim e obrigou-me a desposá-la. Ele disse que mesmo se a criança não fosse minha, a
união seria ótima para as famílias. Eu tinha dezenove anos.
- Oh, Grey, eu sinto muito.
Ele permaneceu em silêncio por um longo tempo, com os olhos fixos à frente. Depois
continuou:
- Eu descobri a identidade do verdadeiro pai, e ele estava longe de ser um nobre, se é que
me entende. Consegui levá-lo à casa da moça e fazê-lo admitir a verdade. Meu pai e eu tivemos a
nossa maior briga e eu parti. Como pode ver, não matei ninguém...
- Você não manteve contato? Nem mesmo com sua mãe?
- Eu mando uma carta uma vez por ano para dizer que ainda estou vivo, mas não tenho
como saber se ela as recebe.
- Ela não escreve de volta?
- Eu nunca dei o meu endereço. Depois de sair de casa, fui morar em Londres e cheguei a
considerar a carreira política. Todos lá sabiam a minha história, mas nem isso impediu as mães de
jogarem suas filhas para os meus braços. Aliás, queriam que eu reparasse a reputação das
garotas. Porque eu tinha dinheiro, nada mais importava. Então me cansei de tudo aquilo e deixei a
Inglaterra. Vim para o Canadá tentando provar que poderia vencer apenas com o meu trabalho,
sem precisar de títulos ou fortuna.
- E você conseguiu.
- Bem, meu pai veria o Rockingham como a Sra. Allen vê. Um local para vender bebidas e
freqüentado por pessoas sem títulos. É a pura verdade e eu me orgulho disso.
- Mas, e a sua propriedade? Não pretende reclamar a herança quando o momento chegar?
- Não tenho dúvidas de que fui deserdado. Meu pai tinha um primo e acredito que ele será
o beneficiado.
- Você não se importa? .
- Não, já lhe disse. O Novo Mundo é o meu lar agora, não quero mais saber da Inglaterra.
- Nem de sua mãe?
- Ela tem o que precisa. - O tom seco em sua voz determinou o fim da conversa.
Durante um tempo eles ficaram em silêncio e Emma observou o galope dos cavalos na
neve.
- A sua analogia é incorreta - ela disparou.
- Como?
- Você compara a união dos seus cavalos ao casamento dos Hodder, mas os animais são
todos iguais. Já a Sra. Hodder é diferente de seu marido. As mulheres são mais fracas e ela
sofre por não conseguir sair dessa vida.
- Esse é o seu argumento a favor do casamento? - O brilho nos olhos de Grey reapareceu.
- É claro que não. É um argumento contra o casamento para a mulher. Para o homem, é
excelente. Ele tem uma governanta, cozinheira, amante e mãe para seus filhos sem fazer esforço
algum.
- Que tolice!
- Já que tem tanta aversão às mulheres, deveria ter entrado para um monastério.
- Oh, eu não tenho nada contra as mulheres, meu amor. - Grey olhou-a sedutoramente. -
Adoro as mulheres, o que rejeito são as esposas.
Emma corou e sentou-se distante dele no trenó.
- Desculpe-me, Emma, não tive a intenção de descontar a minha raiva em você.
- Eu também sinto por você, Grey. O que, realmente, considera importante?
- Honestidade, Emma.
Eles não conversaram mais até a hora do almoço, quando se encontraram com o Sr.
Paget e Frank. No último trecho da viagem, Grey já recuperara seu costumeiro bom humor e
apontou as belezas da paisagem para Emma.
Quase chegando a Gold City, Emma viu Frank Wesley na lateral da estrada.
- Olhe, Frank está nos esperando - ela disse.
- E deixando seu cavalo parado no frio - Grey murmurou e depois gritou: - Mas que tolo!
Ele balançou as rédeas, fazendo os cavalos galoparem rapidamente. Emma segurou-se
como pôde no trenó.
- Grey! O que está fazendo?
- Avalanche!
Ela ergueu a cabeça e viu uma enorme massa de neve descendo a montanha, e seu
coração bateu descompassadamente de terror. O cavalo de Frank disparou, deixando o jovem
paralisado ao pé da montanha.
- Frank! - Emma gritou.
- Vamos! - Grey o chamou.
Frank pulou no trenó, mas o impacto de seu salto o desestabilizou e um dos cavalos
perdeu o equilíbrio.
- Salte! - Grey gritou para Emma, enquanto o trenó virava de cabeça para baixo. - Salte! -
Ele a empurrou para fora e sumiu no meio da neve com o trenó.
- Grey!
Ela levantou-se e olhou para trás. A neve que descera da montanha encontrava-se a
poucos metros deles. Haviam escapado de serem esmagados, mas Grey desaparecera.
- Srta. Douglas! - Frank a chamou.
- A senhorita se machucou?
- Estou bem. Procure Grey!
Eles olharam para baixo e viram o trenó quebrado, mas não havia sinal dele.
- Grey! - Emma gritou com todas as suas forças e começou a descer a ribanceira. -
Procure ajuda! - falou para Frank, enquanto suas pernas se enterravam na neve. - Grey! Onde
você está?
Fazia um silêncio aterrorizante após o fim da avalanche. Emma olhou para uma árvore e
enxergou Grey deitado.
- Oh, graças a Deus, Grey!
Ela correu para lá e assustou-se ao vê-lo imóvel, com a neve tingida de vermelho embaixo
de sua cabeça.
- Oh, não! - Emma ajoelhou-se ao seu lado. - Por favor, meu Deus, não o deixe morrer. -
Tirou a neve do rosto dele e colocou o dedo em seu pescoço para ver se estava vivo. - Grey,
acorde, você está vivo... Acorde, por favor!
Ela procurou a ferida e a descobriu atrás da orelha. Olhou em volta e viu uma sacola de
roupas; pegou um vestido e o rasgou em várias tiras para enrolar a cabeça dele.
Emma esquentou as mãos e as colocou no rosto de Grey, pedindo-lhe que acordasse. Não
suportaria se ele morresse. Então, encostou seus lábios nos dele e o beijou com extremo carinho.
Não havia mais como disfarçar seu amor. Emma apaixonara-se perdidamente pelo solteiro mais
cobiçado de Prospect.
O socorro poderia demorar horas e ela não estava disposta a perdê-lo para o frio.
Reunindo forças que desconhecia possuir, levantou-se e começou a recolher gravetos para
montar uma fogueira. Grey a aconselhara a levar sempre uma caixa de fósforos no bolso para
emergências e Emma gastou quatro deles até conseguir acender o fogo. Depois, pegou o cobertor
que Bella lhe havia dado e cobriu-o até o pescoço.
- Srta. Douglas! - o Sr. Paget gritou de cima do penhasco.
- Estou aqui! Socorro! - ela gritou de volta enquanto ele descia a encosta. - Grey está
inconsciente e sangrando.
- Calma, senhorita. - Ele finalmente chegou até Emma.
- Oh, Sr. Paget, estou tão contente em vê-lo! - Ela sentiu uma lágrima rolar por seu rosto
gelado.
- A senhorita fez bem em acender o fogo - ele afirmou examinando o trenó destruído.
- Grey está respirando, mas tem um machucado na cabeça e não responde aos meus
chamados.
- Hum... - murmurou o Sr. Paget enquanto examinava a cabeça de Grey. - Foi muita sorte
o cavalo de Frank ter nos alcançado. Assim que o vi, percebi que havia algo errado e nós
voltamos. Encontrei os cavalos do Sr. North também, portanto temos muita força; agora é preciso
um trenó: Dê-me esse machado, srta. Douglas.
Em poucos minutos o Sr. Paget transformou o trenó despedaçado em outro pequeno e
pediu a ajuda de Emma para colocar Grey em cima dele. O Sr. Paget o amarrou com uma corda e
o cobriu para mantê-lo aquecido.
- Podem puxar! - ele gritou para Frank, e o trenó começou a subir a encosta quase na
vertical. - Eu já volto para buscá-la, srta. Douglas - disse, e subiu segurando-se no trenó.
Pouco depois, uma corda foi jogada para Emma, e o Sr. Paget gritou para que se
amarrasse. Ela deu um nó forte ao redor da cintura, e os cavalos começaram a puxá-la.
- Muito bem, srta. Douglas! - ele a elogiou ao lhe dar a mão. - Agora, pode montar o cavalo
de Wesley e ele montará sem sela um dos cavalos do Sr. North. Se Wesley não conseguir
caminhar amanhã, será bem-feito por ter atirado com um rifle em uma encosta de neve.
- Eu estava mirando um puma - o rapaz argumentou enquanto ajudava Emma a subir em
seu cavalo. - Não tive a intenção de causar esse desastre.
Ela sentiu o arrependimento em sua voz, mas não disse nada. Por causa da ignorância de
Frank, seu amado poderia morrer.
- Vamos embora. - O Sr. Paget saiu na frente e Emma ficou atrás de Grey, de onde
poderia vê-lo.
Eles cavalgaram na noite escura por pouco tempo até chegarem no luxuoso hotel de Gold
City. Grey foi levado para um quarto e Emma dirigiu-se ao seu aposento e trocou de roupa.
Passaria a noite ao lado dele após a visita do médico.
- Ôoa! - Grey gritou levantando os braços como se estivesse segurando as rédeas de seus
cavalos. - Emma! - ele sentou-se repentinamente assustado.
- Calma, Grey, está tudo bem agora - ela sussurrou enxugando-lhe o suor da testa com um
lenço.
Ele estava com febre e delirando. Emma o deitou de novo e tentou convencê-lo mais uma
vez de que se encontravam em um quarto de hotel, e não no trenó. As lágrimas escorriam em sua
face enquanto lembrava que Grey salvara a sua vida empurrando-a do trenó, e agora estava
inconsciente naquela cama. Acariciou seu rosto, e ele gemeu.
- Grey, está acordado?
- Não - ele murmurou. - Estou sonhando com um anjo, não posso estar acordado.
- Oh, por favor, Grey, acorde! - Emma estava apavorada, pois o médico dissera que se ele
não recobrasse a consciência em vinte e quatro horas, teria comprometimento cerebral. - Por fa-
vor, Grey, me diga que você está bem - ela implorou.
Emma molhou o lenço e passou-o no rosto dele, tentando esfriar um pouco a pele tão
quente. Grey ergueu os braços e gritou por ela.
- Estou aqui - Emma sussurrou. - Não vou abandoná-lo.
- Oh, meu anjo... - Ele abriu os olhos e os fechou em seguida.
Ela sentou-se na cadeira ao lado da cama, segurando-lhe a mão e rezando para que
ficasse bem. Já estava assim havia uma noite e um dia, e agora a noite chegava novamente e
seus olhos ardiam. Não dormira nada desde o acidente e tampouco comera, permanecendo ao
lado de Grey o tempo todo. A única coisa que havia feito foi tirar o corpete apertado e vestir uma
camisola.
Suas costas doíam, seus ombros estavam tensos; já devia ser meia-noite. Emma resolveu
fechar os olhos apenas por alguns minutos. Quando os abriu, o quarto estava em silêncio e ela
perdera a noção do tempo. Levantou-se rapidamente e colocou o dedo no pescoço de Grey. Ele
respirava com mais calma, melhor do que quando delirava e a confundia com um anjo.
Ela estremeceu, o quarto estava frio e seus pés pareciam pedras de gelo. Aproximou-se
da cama e usou um pedaço de cobertor para aquecer as pernas, mas não foi suficiente. Olhou a
enorme cama em que Grey dormia. Poderia deitar-se ao seu lado em silêncio e ele nunca saberia.
Não ousaria deixá-lo sem ter certeza de que estava bem, mas o sono e o frio a consumiam, então
puxou a coberta e deitou-se com cuidado. Grey gemeu e agitou-se. Emma segurou seu braço e o
cobriu.
- Calma, meu querido, eu estou aqui - sussurrou.
- Ah, meu anjo.
Grey virou-se para ela, abraçou-a com força e a beijou no pescoço. As mãos dele
seguravam a sua cintura, puxando-a para mais perto de si. Emma abriu os olhos, surpresa,
quando Grey a despiu e beijou-a docemente, começando pelo pescoço e descendo aos seios. A
língua acariciava seu mamilo, que respondia ao prazer inesperado enviando ondas de calor por
todo o seu corpo.
- Grey...
Ela protestou, tentando desvencilhar-se dele, que não escutava Emma Douglas, e sim seu
anjo, como dizia, continuando a acariciá-la, descendo as mãos por suas pernas. O corpo de
Emma agora ardia de calor e ela estremeceu ao toque do homem amado e não tentou mais
separar-se.
Ninguém ficaria sabendo. Estavam no meio do nada... Depois de ter quase morrido, Emma
desejava abraçar, tocar, sentir e experimentar. Desejava conhecer Grey North, abraçá-lo e sentir a
vida dentro dele.
Arqueando o corpo, ofereceu-se para que Grey a explorasse, e acariciou-lhe o rosto com a
barba por fazer e a nuca. Ele beijou sua barriga e subiu aos seios mais uma vez, proporcionando
outra onda de prazer no corpo de Emma.
- Meu anjo... - Grey murmurou enquanto acariciava os mamilos intumescidos.
Emma entregou-se aos carinhos dele e permitiu que tomasse seu seio com a boca,
acariciando-o com movimentos circulares, levando-a à loucura com um desejo que não conhecia e
nem entendia, mas que precisava ser satisfeito.
O prazer deixou-a fora de si e Emma enrolou-se no corpo de Grey procurando o alívio para
a sua excitação. Quando ele rolou por cima dela, Emma chamou seu nome.
Grey pressionou os joelhos no meio de suas coxas, abrindo-as delicadamente. Ela o
procurou com o corpo e soltou um gemido seco quando ele a penetrou rompendo a última barreira
entre ambos. O balanço dos corpos unidos foi crescendo até que explodiu em sucessivas ondas
de prazer.
- Meu anjo!
Grey deitou-se em cima de Emma, que o aninhou em seu peito. O balanço de seus corpos
foi se acalmando devagar até que ele rolou para o lado, respirando profundamente.
Quando Emma acordou, percebeu que a pele de Grey estava fria, a febre cessara e já
amanhecia. Logo o médico chegaria e não poderia encontrá-la na cama dele. Levantou-se, vestiu
a camisola e correu para o seu quarto. Lavou-se, vestiu-se e retomou ao quarto de Grey um
pouco antes da chegada do médico.
- Como está o.nosso paciente?
- Ele permaneceu agitado ontem até o meio da noite, mas depois a febre passou e dormiu
muito bem - Emma respondeu.
- Bem, vou examiná-lo.
Emma saiu do quarto deixando médico e paciente sozinhos. Grey não precisava mais dela.
Na hora do jantar, um mensageiro bateu na porta de Emma dizendo que o jantar estava
servido no quarto de Grey e que ele a esperava. Ela olhou-se no espelho mais uma vez. O médico
dissera que Grey ficaria bem, que só precisava descansar mais um pouco, e Emma aproveitara
para dormir por várias horas.
Nada do que havia acontecido na noite passada mudaria seus planos de ir para San
Francisco limpar o nome de seu pai, mas não conseguia parar de sorrir. Arrumou os cabelos e foi
se encontrar com Grey.
- Entre - ele disse quando ela bateu ,na porta.
Emma entrou no quarto e surpreendeu-se ao vê-lo em pé, com roupas limpas e a barba
feita.
- Grey... você está ótimo!
- Muito obrigado. - Ele fez uma reverência e sorriu cinicamente com frieza nos olhos.
Apontou a cadeira para que ela se sentasse.
- Acredito que gostará da refeição - Grey disse formalmente.
- O que o médico falou?
- Ele assegurou que ficarei bom rapidamente - ele respondeu seco.
- Está com dor? - Ela não entendia a hostilidade de Grey. Não esperava carinhos, uma vez
que suspeitava de que ele não se lembrava da noite anterior, mas gostaria de uma companhia
agradável para o jantar. - Quer desistir do jantar e voltar para a cama?
- É o que você deseja? - Seu tom de voz agora era raivoso. - Posso lhe garantir que já
conseguiu o que queria, Emma.
- Grey, do que você está falando? Se não queria me ver, por que me convidou para jantar?
- Não seja cínica, Emma. Admito que eu não tinha completa consciência ontem, pensei
que estava sonhando, mas quando o médico me disse que eu poderia me levantar, encontrei
sangue nos lençóis. Parabéns, Emma, você conseguiu o que muitas tentaram. Nos casaremos
imediatamente.
Emma por fim entendeu e levantou-se, furiosa, derrubando os copos sobre a mesa.
- Você está me insultando Grey! Eu não quero me casar com um homem tão arrogante e
ingrato como você!
Ela afastou-se, mas ele foi mais rápido e segurou seus braços.
- Deixe-me ir.
- Nunca. Eu arco com as conseqüências dos meus atos, madame, e como você era
inocente, farei o que é preciso. Parabéns, você será a esposa do honorável Greydon North. -
Olhou-a da cabeça aos pés com desdém. - Você trapaceou, Emma, mas ganhou o prêmio. Não
tenho escolha a não ser me casar com você, porém lhe garanto que não encontrará a felicidade.
Como é Natal, talvez demore alguns dias para encontrarmos um juiz para realizar a cerimônia,
então terá de adiar a sua viagem para San Francisco.
Emma virou-se e saiu do quarto. Como Grey ousara dizer que ela o havia seduzido? O
amor que fizeram nasceu do medo e da solidão, mas foi bonito. Ela não permitiria que ele a
fizesse sentir-se envergonhada. Além disso, não tinha intenção alguma de se casar com Grey.
Ele a convencera de que o espírito da fronteira era melhor do que as convenções das
grandes cidades, e quando ela havia sucumbido a esse espírito, Grey a acusou de seduzi-lo para
se casar. Emma estava furiosa com ele e ainda mais furiosa consigo mesma por ter se
apaixonado por um homem tão detestável. Mas, apesar de tudo, ela o amava e conseguia admitir
que se entregara a Grey por causa desse amor. Amando-o ou não, porém, tinha a sua própria
vida e jamais se casaria.
Emma abriu as cortinas e olhou para a rua escura coberta de neve. O trem para
Vancouver partiria ao meio-dia e ela ficaria presa naquele hotel com Grey North por pelo menos
mais dez horas. Um cachorro latiu ao longe e Emma suspirou. Não se casaria, mas também não
suportaria a vergonha de ter de explicar ao juiz a razão de Grey pedir sua mão. O apito de um
trem invadiu seus ouvidos. Se ao menos pudesse partir antes de se encontrar com ele
novamente... Ela olhou pela janela. Era um trem de carga, mas se conseguisse chegar à estação,
iria pegá-lo e desaparecer.
Colocou seus pertences na mala, saiu do quarto e desceu as escadas em silêncio. O
funcionário do hotel olhou-a assustado.
- O que deseja? São duas horas da manhã.
- Eu quero fechar a minha conta.
- Pois não, senhorita. Seu quarto?
- Doze.
- Nome?
- Srta. Douglas.
- A conta já está paga, senhorita.
- Há algo errado. Verifique novamente... Eu cheguei há dois dias.
- Não há cobranças, senhorita.
- Deixe-me ver. - Emma pegou o papel e leu que a cobrança deveria ser feita em nome de
G. North, quarto dez. - Está bem, me dê um papel e um envelope.
- Ali, senhorita. - Ele apontou uma escrivaninha.
Emma sentou-se e escreveu uma carta de demissão para a curadoria da escola, alegando
que a sua viagem para San Francisco demoraria mais do que o esperado. Também colocou as
contas e o dinheiro dentro do envelope e escreveu o nome de Grey do lado de fora.
- Por favor, entregue isto ao Sr. North.
Ela virou-se e saiu do hotel. Não era o momento de olhar para trás. Agora só teria que
convencer o maquinista a deixá-la embarcar no trem e estaria fora da vida do honorável Greydon
North para sempre.

Capítulo V
Depois de Emma deixar o seu quarto, Grey ficou furioso e esbravejou contra todos. Mas o
acesso de raiva não mudava o fato de que havia sido enganado e que teria de se casar com
Emma Douglas.
Gostava dela, que era inteligente, bonita e ótima companhia. Era doce e fazia seu sangue
subir, se bem lembrava a noite anterior, em que ambos tiveram excelentes momentos na cama.
Resumindo, Emma era tudo o que Grey esperava de uma mulher, mas ele não queria uma
esposa. Quando colocasse a aliança em seu dedo, tudo mudaria e suas vidas se tornariam um
inferno.
Grey deitou-se na cama e ficou olhando para o teto. Talvez pudesse desaparecer nas
florestas do Canadá. Não, não conseguiria. Traíra a inocência de Emma e agora precisava reparar
seu erro.
Suspirando, colocou o travesseiro sobre os olhos. Em três dias estaria casado... Se seu
pai pudesse vê-lo agora... Pelo menos sua noiva não vinha com uma dúzia de irmãs querendo
fazer parte da sociedade de Londres. Não, sua noiva vinha com um pai suicida, um ex-noivo
ladrão e um amigo suspeito. Emma era uma escolha muito melhor do que aquela moça na
Inglaterra. Se não estivesse com tanto ódio, ele daria risada da ironia.
- Bom dia, senhor. - O garçom do restaurante sorriu. - E feliz Natal.
- Meu Deus! Já é Natal?! - Grey exclamou.
- Sim. Normalmente, os viajantes perdem a noção do tempo - o garçom respondeu
puxando a cadeira. - Pretende ficar para o jantar?
- Não.
Grey respondeu olhando em volta, à procura de Emma. Onde ela estaria? Provavelmente,
ainda dormia, sonhando com a vida fácil que conseguira. Talvez o forçasse a levá-la para Londres
para que pudesse ir aos bailes da primavera.
- Senhor?
- O quê? - Grey voltou à realidade.
- Quer fazer o pedido?
- Quero o café completo, por favor.
- Muito bem, senhor.
O garçom saiu e Grey consultou o relógio. Já passava das dez horas e Emma ainda não
descera. Ele esperaria mais meia hora para chamá-la, pois tinha decidido ir até Vancouver para se
casarem. Seria mais rápido do que em Gold City. O garçom voltou com o café.
- Desculpe-me, senhor, mas hoje não temos jornal. Eu trouxe um London Times antigo
para que possa se distrair. Com licença.
Grey abriu o jornal e folheou-o sem vontade, até que uma nota chamou sua atenção:
Procura-se herdeiro: Sir Alexander North morreu repentinamente aos cinqüenta e quatro
anos e a família procura seu herdeiro, Greydon North. Quem tiver informações sobre o seu
paradeiro pode entrar em contato com os advogados da firma Gossop & Black.
Por um longo momento Grey ficou olhando para o jornal aberto na mesa. Afinal, seu pai
não o deserdara. Ele viu que o jornal era velho de um mês e que o pai morrera algumas semanas
antes da nota. Grey agora era sir Greydon North, e sua mãe, uma viúva sem posses. Deveria
telegrafar para a firma imediatamente e pedir-lhes que proporcionassem todo o conforto de que
ela necessitasse. Grey faria o que sua mãe quisesse, pois ela merecia depois de agüentar seu pai
por tantos anos. Talvez ela quisesse se mudar para Londres ou Bath... Ele dobrou o jornal e
chamou o garçom.
- Peça que fechem a minha conta, por favor. Partirei imediatamente.
- Está bem, senhor.
Grey chegou ao lobby e falou com o funcionário.
- Peça para chamar a srta. Douglas, pois precisamos ir embora.
- A jovem dama já partiu, senhor.
- Isso é ridículo! Aonde ela iria?
- Não sei, senhor, mas ela me pediu que lhe entregasse isto. Grey pegou o envelope e o
abriu com pressa. O dinheiro e as notas caíram no chão e ele leu a carta rapidamente. Oh, era
muita ousadia de Emma tentar fugir!
- Ela pediu alguma informação?
- Não, senhor.
- Pediu ajuda para carregar a mala?
- Não, senhor.
- Falou alguma coisa sobre o seu destino?
- Acredito que estava interessada no trem, senhor.
Mas é claro. Grey se acalmou. Emma já foi para a estação, pensou. Então, ele teria tempo
de telegrafar para a Inglaterra e encontrar-se com ela em alguns minutos. Subiu as escadas em
direção ao seu quarto, pegou a mala e desceu em seguida.
- Muito bem, como está se sentindo hoje? - O médico apareceu à sua frente.
- Estou muito bem. Quanto lhe devo?
- Não tanto quanto deve à srta. Douglas. Ela o manteve aquecido na neve, à espera de
socorro, e permaneceu ao seu lado enquanto delirava. Onde a srta. Douglas está, por falar nisso?
- Ela já foi para a estação - Grey respondeu, nervoso. - Pensei que Paget e Frank tivessem
me trazido para cá.
- Eles o trouxeram para a cidade, mas foi a srta. Douglas quem acendeu o fogo e o cobriu
até que eles chegassem. O senhor deve a sua vida a essa moça, sr. North. Bem, preciso ir ver
outro paciente. Feliz Natal.
Grey atravessou a rua em direção ao telégrafo.
- Sr. North?
Virou-se e viu um policial de Prospect olhando para ele.
- O que faz aqui no dia de Natal?
- O inspetor West queria as informações de San Francisco o mais rápido possível.
- Que informações?
- Sobre o banco, senhor, e sobre a srta. Douglas, o pai dela e aquele tal de Wilde. O
inspetor quer saber se devemos acusá-lo de assassinato.
- Quem ele matou?
- Bem, não sei se posso falar sobre isso com o senhor, mas como é curador da escola e a
srta. Douglas é a professora, acho que não há problema.
O policial contou os detalhes da investigação.
- Então, a policia de San Francisco acha que Parnell está envolvido?
- Ele estava lá com certeza, só não sabem se apertou o gatilho.
- Eles têm certeza de que não foi suicídio?
- É o que dizem agora. O caso está sendo reinvestigado, já que pode ser que o Sr.
Douglas não tenha roubado o banco.
Grey entendeu tudo na hora. Emma estava indo para San Francisco com o propósito de
limpar o nome de seu pai. Por isso tinha abdicado da segurança de Prospect e do conforto da
casa da Sra. Royston para fazer uma viagem tão perigosa. Mas que mulher! Ela não percebia que
o assassino de seu pai poderia tentar matá-la também? Oh, Emma jamais deixaria de lutar pela
justiça e, mesmo assim, atrasara em dois dias sua viagem para cuidar dele. Grey devia a Emma
muito mais do que o médico pensava.
- Obrigado, policial - ele despediu-se. - Pode dizer ao inspetor West que cuidarei da srta.
Douglas.
Grey mandou uma mensagem para sua mãe e outra para o escritório de advocacia. Saiu
em seguida à procura de Emma.
Quarenta e cinco minutos depois, estava convencido de que ela havia desaparecido.
Perguntara ao Sr. Paget e a Frank Wesley, que estavam hospedados em um hotel barato, e
nenhum dos dois a tinha visto. Ele voltou para a estação e perguntou ao caixa da bilheteria se
uma moça de cabelos vermelhos comprara passagem para Vancouver.
- Essa moça partiu no trem de carga nas primeiras horas da manhã. Disse que queria
chegar a Vancouver antes do anoitecer para surpreender a família. O maquinista permitiu que ela
viajasse em sua cabine - o funcionário informou.
Grey sentiu-se frustrado, mas admirou a iniciativa de Emma. Ele comprou um bilhete e,
antes de embarcar, escreveu duas cartas. A primeira, para o seu hotel em Prospect, dizendo que
tivera imprevistos e que iria para a Inglaterra por um tempo. A segunda, para a curadoria da
escola, incluindo a carta de demissão de Emma. Postou-as e embarcou.
Durante a viagem não conseguia parar dê pensar em Emma e decidiu que colocaria um
fim nos atos de heroísmo dela. Iriam se casar imediatamente e Emma poderia considerar a
viagem para a Inglaterra sua lua-de-mel. Pelo menos sua mãe ficaria feliz em conhecer a nora.
A viagem de Emma não foi tão confortável, porém muito interessante: Já era meio-dia
quando o trem parou na estação de Vancouver e ela desceu, grata por poder esticar as pernas.
Conseguiu uma carona em uma carroça até o porto, onde compraria a passagem para San
Francisco. Estava arrependida de ter dado quase todo o seu dinheiro a Grey pelo pagamento do
hotel em Gold City.
- Creio que o Aurora partirá às quatro horas, senhorita - o rapaz que a levou disse,
ajudando-a a descer.
- Obrigada e feliz Natal.
Emma percorreu o cais, Conseguiu comprar a passagem e embarcou em seguida.
Cinco dias depois, o Aurora atravessou a Golden Gate e chegou ao porto de San
Francisco. Emma sentiu a brisa batendo em seu rosto e viu a cidade através do nevoeiro que a
cobria. Durante os dias da viagem, ela concluíra que seu pai não tinha se suicidado e se
comprometera a provar e limpar seu nome.
Quando o navio encostou no cais, uma multidão de pessoas o aguardava. Como havia
enviado um telegrama para Everett, Emma esperava que ele estivesse ali.
- Abigail!
Ela demorou para reconhecer a voz do amigo, pois se acostumara com "Emma". Acenou
para ele, pegou a mala e caminhou para a escada.
- Minha querida, é tão bom vê-la! - Everett a abraçou e pegou sua mala. - Vamos de
bonde, é mais rápido.
- Está bem.
- Seu telegrama me assustou, Abigail, mas é bom tê-la aqui. Agora me diga qual o motivo
da viagem tão repentina.
- É uma longa história, tio Everett.
- Deve estar cansada.
- Estou. - Emma sorriu ao lembrar como era bom ter um amigo em quem podia confiar
totalmente. - As acomodações no navio não eram das melhores; ficarei feliz ao me deitar um
pouco.
- Vai ficar para sempre? - Everett perguntou, ansioso.
- Eu não sei.
- Você é bem-vinda pelo tempo que quiser, querida, mas gostaria que me dissesse o
motivo da sua viagem.
- Eu lhe conterei tudo depois de descansar um pouco. Mas posso lhe adiantar que Parnell
Wilde está com problemas. Você soube que ele foi para Prospect?
- É mesmo? - Everett ergueu as sobrancelhas, surpreso. - Pensei que tivesse
desaparecido para sempre.
- Por quê?
- Parnell não é confiável, Abigail, é bom que tenha se livrado dele.
O bonde chegou à área nobre da cidade e sua parada ficava a poucos metros da mansão
de Everett. A casa parecia um palácio perto da modesta residência da Sra. Royston. O mordomo
abriu a porta assim que chegaram.
- Obrigado, Fergus. - Everett entregou a mala de Emma ao empregado. - Leve-a ao quarto
da srta. Douglas e peça à sua esposa para nos trazer algo para beber e comer.
Emma caminhou pelo tapete grosso do corredor e chegou à sala iluminada por grandes
janelas de vidro. Ao sentar-se no confortável sofá, teve de admitir que sentia falta do conforto. En-
quanto tirava as luvas, a governanta apareceu com uma bandeja de sanduíches e sucos.
- Oh, muito obrigada, Sra. Fergus.
- É bom tê-la de volta, senhorita.
Emma serviu-os de chá e lembrou-se de Bella. Everett pegou um sanduíche e sentou-se
na poltrona de couro.
- Por que Parnell a procurou em Prospect?
- Ele quis reatar o noivado. - Ela tomou um gole de chá. - Eu recusei. Parnell me disse que
você brigou com ele no dia que meu pai morreu.
- É verdade, Abigail, há algo em Parnell de que eu não gosto. Lamento que você tenha
sofrido, mas não lamento pelo fim do seu noivado. Sempre suspeitei de que ele a usava para
crescer dentro do banco.
- Por que você não me disse?
- Eu quis, minha querida, e até conversei com Matt sobre isso, mas você estava tão feliz
que resolvemos não interferir...
Parnell jurara a Emma que era inocente tanto da morte de seu pai quanto do desfalque no
banco, e, estranhamente, ela acreditava nele. Parnell não teria capacidade para montar um
esquema tão grande dentro do banco, e tampouco coragem de matar alguém.
Mas, se não foi Parnell, quem foi? Ela colocou a mão na chave em seu peito, sabendo que
ali estava a resposta.
- Foi a história de Parnell que a trouxe de volta?
- Não. Eu voltei porque ele confirmou o que você me disse, que o caso seria reaberto. -
Emma respirou fundo e não contou sobre a chave. Por alguma razão sentia que só ela deveria
saber da sua existência.
- A polícia foi ao banco algumas semanas atrás. Eu não falei com eles, mas o novo diretor-
geral me disse que há questões sobre a morte de Matt.
- Quem é o novo diretor-geral?
Emma surpreendeu-se por não ser Everett. O amigo tinha sido o braço direito de seu pai
desde a fundação do Banco Pioneer.
- Um rapaz do leste, Darcy McCue. O conselho achou melhor que fosse alguém de fora. -
Seu tom era amargo. - Um jovem que acha que sabe tudo e é arrogante em não aceitar ajuda dos
mais experientes.
- Oh, tio Everett, eu sinto muito. - Emma olhou para o amigo, percebendo que ele
envelhecera ainda mais desde sua visita a Prospect. - Talvez deva se aposentar, já trabalhou
tanto...
- Talvez.
- Bem, se não se importa, vou descansar um pouco. Estou realmente exausta.
- Mas é claro. Vá, querida, eu não deveria tê-la segurado aqui tanto tempo.
Grey saiu do Banco Pioneer frustrado, sensação que o perseguia desde a fuga de Emma.
Quando descobrira que ela havia embarcado no navio seis horas antes dele, ficara furioso e
pegara um navio para Seattle e de lá o trem para San Francisco. Essa troca tinha lhe dado um dia
de vantagem e ele pedira uma reunião com o diretor-geral do banco.
O Sr. McCue havia sido procurado pela polícia e contara a Grey que, agora, a morte de
Matt Douglas era considerada assassinato.
Também o banco tinha aprofundado as investigações e descoberto que um outro
funcionário podia estar envolvido no desfalque. Grey havia insistido para saber seu nome, mas o
diretor-geral apenas dissera que ele ainda não tinha sido preso e que sua identidade não poderia
ser divulgada para não atrapalhar as investigações.
Perambulando pelas ruas de San Francisco, Grey procurava por Emma em cada esquina.
Por que não poderia ser como uma mulher comum e aceitar que ele tome conta dela? Com um
suspiro, Grey se deu conta do que já sabia o tempo todo: Emma Douglas não era uma mulher
comum. Enquanto qualquer uma se casaria com ele sem piscar, ela havia se recusado e fugira em
um trem de carga!
Grey poderia deixá-la e partir, pois, afinal, fizera sua parte propondo o casamento. E se
Emma era orgulhosa demais para aceitar, melhor que ficasse sozinha mesmo. Ele chutou uma
pedra na calçada. Não poderia deixá-la! Emma salvara sua vida. Lembranças da noite em que
dividiram a mesma cama invadiram-lhe a mente. Ela fora tão carinhosa... Não a deixaria para trás!
Grey caminhou até o porto quando um navio desembarcava, mas não encontrou nenhuma
moça de cabelos vermelhos. Como ninguém sabia o paradeiro de Emma, sua última chance era
Everett Jergens. Grey poderia ir até a casa dele e perguntar, mas algo lhe dizia que não era uma
boa idéia. Na ocasião em que o havia conhecido em Prospect, não gostara do sujeito. Aquele
homem não era confiável, não importava se era amigo da família de Emma.
Pensando mais uma vez, deu meia-volta e pegou um bonde que subia as ruas íngremes
da cidade. Se tinha o endereço de Everett, era melhor usá-lo de uma vez.
Grey observou casa por casa, procurando o número correto e finalmente viu Emma saindo
pela porta de uma delas. Ele desceu do bonde e escondeu-se atrás de um muro, esperando que
ela passasse. Não poderia lhe dar a chance de escapar de novo. Emma estava tão absorta que
passou por Grey sem perceber. Quando ele começou a segui-la, viu Everett saindo da casa e
caminhando silenciosamente atrás dela. Grey atravessou a rua e manteve Everett em seu raio de
visão.
Emma pegou o bonde em direção à Union Square, e Everett esperou pelo próximo. Grey
parou por perto, fingindo admiraras construções imponentes. Ele sentia que o inimigo estava perto
de Emma, e com Parnell preso em Prospect, só sobrava Everett Jergens. O próximo bonde
chegou e ambos embarcaram. Grey sentou-se na última fileira, sem tirar os olhos de Everett, que
se sentara na primeira.
Quando pararam na Union Square, Everett desceu rapidamente. Grey o seguiu, mas não
conseguia ver Emma, e se perguntou se fora enganado mais uma vez. Poucos minutos depois,
Jergens se escondeu atrás de uma parede, enquanto Emma entrava em um convento de freiras.
- Preciso falar com a madre superiora - Emma disse à freira que a atendeu.
Seu coração batia freneticamente em seu peito e ela segurou a chave em seu corpete com
mãos suadas.
- Espere aqui, por favor. - A freira indicou uma sala confortável. - Vou verificar se a madre
está desocupada.
Emma sentou-se no sofá e esperou.
- Srta. Douglas? Por aqui, por favor. - A freira a guiou através de um jardim e a deixou no
escritório da madre.
- Srta. Douglas - a madre superiora a atendeu finalmente. - Eu conheci seu pai. Sente-se e
me diga em que posso ajudá-la.
- A senhora conheceu meu pai? - Emma perguntou, surpresa. - Eu não sabia...
- Nem sempre fui freira. - A madre sorriu. - Conheci seu pai quando éramos crianças. Nós
estudamos juntos e chegamos a namorar. Matt me visitava de vez em quando e eu sabia que ele
tinha uma filha. Eu estava esperando pela senhorita.
- Por quê?
- Na última vez que vi seu pai, ele tinha problemas. Não quis me dizer o que era, mas senti
que corria perigo. Disse apenas que possuía papéis muito importantes que não poderia guardar
em casa ou no banco e me pediu que os mantivessem em segurança aqui. Eu pedi que fosse à
polícia, mas ele se recusou dizendo que jamais trairia um amigo. - Ela virou-se e olhou para o
jardim através da janela envidraçada. - Foi a última vez que o vi. Quando soube da sua morte,
quis ir à polícia, porém Matt havia confiado em mim, então esperei. E a senhorita, o que tem para
me contar?
- Eu não sei quase nada, mas encontrei isto. - Emma retirou a chave do corpete. - Estava
na moldura de uma fotografia.
- Ah, sim.
A madre levantou-se e caminhou em direção a um quadro na parede. Ela o removeu e
abriu o cofre escondido. Tirou uma caixa de dentro dele e a entregou a Emma.
- Acredito que a sua chave servirá aqui.
Emma ficou paralisada olhando para a caixa e por fim a abriu. O livro-caixa encontrava-se
ali, as folhas escritas com a letra de seu pai. Emma não entendia dos assuntos do banco, mas
qualquer um perceberia que Matt Douglas descobrira que alguém havia praticado um desfalque e
ele tinha as provas. Ela continuou lendo e seu coração parou ao ler o nome do funcionário que
seu pai acusava. Não poderia ser. Emma releu e entregou os papéis para e seu coração parou ao
ler o nome do funcionário que seu pai a madre.
- A senhora entende de finanças?
- Eu faço a contabilidade do convento.
- O que isto quer dizer?
A madre pegou os papéis e os leu.
- Estes papéis provam que Everett Jergens roubou o banco. Estes documentos devem ser
levados à polícia. - Ela olhou para Emma. - Srta. Douglas! A senhorita está pálida! Quem é Everett
Jergens?
- O melhor amigo de meu pai - a voz de Emma saiu em um fio. - Ele é como um tio para
mim.
- Oh, minha querida! - A madre segurou as mãos dela. - É uma situação delicada.
- Everett sempre esteve conosco. Ficou ao meu lado enquanto papai era enterrado...
- Uma traição é difícil de suportar. Ainda mais de um amigo. Mas Jesus está com a
senhorita, minha querida. Nosso Pai sente a sua dor, a senhorita não está sozinha.
- O que vou fazer?
- Deve deixar esse assunto para a polícia. - A madre trancou a caixa e a guardou
novamente no cofre. - Esses papéis precisam ficar em segurança por enquanto. Vamos à capela
rezar e, quando a senhorita recobrar as suas forças perante Deus, irá à polícia limpar o nome de
Matt.
Emma não protestou e seguiu a madre pelo jardim. Ela ajoelhou-se na capela e um
turbilhão de emoções invadiu sua mente. Seu pai descobrira e dera uma chance ao amigo de se
explicar antes de denunciá-lo, mas deve ter suspeitado que Everett seria capaz de alguma loucura
e guardou os papéis no convento. Por lealdade ao amigo, ele morrera.
Uma onda de ódio a invadiu, libertando-a da paralisação em que se encontrava. Emma
levantou-se e saiu da capela com a cabeça erguida e apenas um pensamento. Iria à delegacia
imediatamente e pensaria nas conseqüências depois.
Em um momento estava na calçada, absorta em sua determinação, e então sentiu um
solavanco e ouviu o relinchar de cavalos bem perto de si. Percebeu que seria atropelada, mas
uma certa mão a puxou pela cintura, salvando-a.
- Por Deus, Emma! Você quase me matou de susto! - Grey North a segurava com força.
- Você está me apertando! - ela disse, tentando se livrar do abraço, e começou a chorar.
- Calma, querida, está tudo bem agora. - Ele acariciou-lhe o rosto.
- Não está. - Emma deitou a cabeça no peito de Grey. - Nada está bem. Depois da
decepção com Parnell, descobrira que Everett traíra seu pai e...
- O que aconteceu? - Você quase acabou embaixo das patas dos cavalos daquele homem.
- Grey apontou para um cavalheiro que se aproximava.
- A senhorita está bem?
- Sim... Eu sinto muito.
- Não foi culpa sua, e sim daquele sujeito que correu pela rua e a empurrou.
Emma sentiu o seu sangue congelar, lembrava-se de ter sentido um toque em seu ombro
antes de ouvir os cavalos.
- O senhor o conhece?
- Não, senão o levaria à polícia. Era um tanto velho e me surpreendeu que corresse tão
rápido. Grey agradeceu ao homem, que partiu.
- O que está fazendo aqui, Grey?
- Perseguindo você, é claro. Não pensou que eu fosse deixá-la desaparecer, pensou?
- Se bem me lembro, seria bom para você se eu desaparecesse - Emma disse desafiando-
o, porém no fundo sentia-se solitária e vulnerável. - Pode me soltar, não vou desmaiar.
- Você sabe que foi Jergens que a empurrou, não sabe? - Grey não a soltou.
- Não. Há muitos senhores em San Francisco, foi um acidente.
- Não foi, eu vi o que aconteceu.
- Você viu tio Everett me empurrar de propósito na.direção dos cavalos? - Ela sentiu as
pernas tremerem e ficou grata por Grey se encontrar ao seu lado.
- Sim.
Emma colocou as mãos no rosto, desistiu de tentar conter as lágrimas e apoiou-se nele
novamente.
- Vamos, você.precisa descansar. Estou no Hotel Palace.
Em poucos minutos eles entraram no grandioso saguão do hotel mais refinado da cidade e
sentaram-se no restaurante. Grey pediu licor, chá e sanduíches.
- Deixarei que escolha o que deseja beber quando o garçom retornar. - Ele pegou em suas
mãos. - Você está gelada, Emma! Ela permaneceu imóvel. Não iria se envolver de novo
com Grey. Já estava farta de tantas traições.
O garçom trouxe a bandeja e se retirou. Grey serviu um cálice de licor e entregou a ela.
- Tome isso, vai se sentir melhor, e nos sentaremos perto do fogo para que se aqueça.
- Pare de me dar ordens, Grey.
- Ainda bem! Você está voltando a si!
Emma virou as costas para ele e tomou um gole do licor.
- Coma alguma coisa, e depois nós discutiremos o que devemos fazer.
- Nós? Você não tem nada a ver com isso.
- É claro que tenho, já que vamos nos casar.
- Não vamos!
- Conversaremos sobre isso depois. - Grey sorriu e mordeu um sanduíche. - Tem certeza
de que não quer um?
O estômago de Emma ardia de fome, mas ela não daria esse prazer a Grey.
- Eu não consigo.
- Bem, então me conte sobre seu tio Everett e porque ele tentou matá-la - ele pediu,
acomodando-se no sofá.
- Everett não tentou me matar...
- Sim, ele tentou. - Grey apoiou os cotovelos nos joelhos e fitou-a profundamente. - E você
escapou por pouco. Foi Jergens quem matou seu pai?
Emma teve de enfrentar o que temia ao ouvir as palavras saindo da boca de Grey. Ele a
abraçou e deixou que chorasse em seu ombro, acariciando-lhe os cabelos e as costas. Ela chorou
e chorou e chorou. Grey lhe deu um lenço, que logo ficou molhado.
- Desculpe-me.
- Por quê? - Ele ergueu-lhe o rosto pelo queixo. - Por amar seu pai? Por sofrer pela sua
morte? Por ter sido traída por um amigo? - Abraçou-a novamente. - Não vejo motivos para você
se desculpar, Emma. Agora, será que pode tomar seu chá e comer um sanduíche para que
possamos conversar?
Ela assentiu com a cabeça, mas sentou-se longe dele.
- Aonde estava indo quando ele a empurrou?
- À polícia.
- Por quê?
Emma contou tudo o que descobrira.
- Nesse caso, precisa completar a sua missão. Eu irei com você à polícia.
- Está bem - Emma respondeu, mas não se levantou.
- Emma, você não pode esconder o que sabe. Não pode dar uma segunda chance a esse
homem.
- Mas Everett será enforcado.
- Eu espero que sim, se for provado que matou seu pai. Não foi para isso que você veio
até aqui? Para limpar o nome dele?
- Sim. - Ela levantou-se e alisou a saia. - Estou pronta.
Grey deu-lhe o braço e eles se dirigiram à delegacia. Grey ficou ao seu lado o tempo todo
enquanto Emma contava a história para o capitão da polícia.
- Srta. Douglas, que história interessante... - O capitão não parecia acreditar nela. - Vou
investigar, e se estiver correta, nós prenderemos Jergens.
- Mas ele tentou matá-la, vai esperar que tente novamente? - Grey interferiu, furioso.
- A senhorita tem alguém com quem possa ficar?
- Não - Emma respondeu suspirando.
- Ela ficará comigo - Grey afirmou. - Mas quanto mais rápido pegarem Jergens, melhor.
- Está bem. A senhorita prefere me dar a chave do cofre ou me acompanhar até o
convento?
- Prefiro que a chave fique sempre comigo.
- Então vamos até lá.
Os três saíram da delegacia e Grey segurou a mão de Emma, que ficou grata, porém
temeu o que sentiria quando ele fosse embora para sempre.
- O que fará agora? - Grey perguntou.
Os documentos estavam a salvo com a polícia e eles se encontravam na Union Square.
- Eu não sei. Preciso voltar à casa de Everett e pegar as minhas coisas.
- Você não voltará para lá.
- Mas eu preciso, não tenho para onde ir.
- Pedirei um quarto para você no hotel.
- Oh, não! Quer arruinar o pouco que resta da minha reputação?
- Você me desaponta, Emma. Pensei que não se importasse mais com o que os outros
pensam.
- Aqui é diferente, Sr. North.
- Então, volte comigo para Prospect.
- Não. - Ela virou-se e subiu no bonde.
- Muito bem, vamos juntos então. - Grey subiu ao seu lado.
Emma sabia que aos olhos da sociedade cometera um ato imperdoável, mas só Grey
sabia disso. Então, o quanto antes ele fosse embora e a deixasse sozinha, melhor seria. Grey a
tratava como uma obrigação, e ela jamais aceitaria isso. Procuraria recomeçar a vida mais uma
vez em algum local mais remoto do que Prospect. Emma desceu do bonde e Grey a seguiu.
- Oh, senhorita! - A governanta abriu a porta. - Que bom que chegou. É o Sr. Jergens.
- O que tem ele?
- Enlouqueceu! Eu pedi a Fergus que chamasse a polícia.
- Onde ele está?
- No escritório. Ele se trancou e eu o escutei quebrando as coisas. Acho que tem uma
arma.
- Espere aqui - Grey falou para Emma.
Mas ela não ficaria parada enquanto os dois homens que amava estavam prestes a duelar.
Correu para a porta do escritório.
- Tio Everett! Abra! - Emma forçou a maçaneta e a porta se abriu.
Everett estava com as roupas rasgadas, com uma das mãos segurava uma garrafa vazia
de uísque, e com a outra, uma arma.
- Abigail! - ele gritou. - Pensei que estivesse morta.
- Foi você?
O olhar de culpa de Jergens mostrou a verdade que Emma ainda tentava evitar.
- Fique aí! - Ele levantou a arma e apontou para ela. - Não se aproxime!
- Largue a arma, Jergens!
Grey falou e colocou-se na frente de Emma. A arma disparou e ela o viu segurando o
braço cheio de sangue. Everett mirou mais uma vez, fazendo Emma gritar.
- Tio Everett!
Ela correu para tentar tirar a arma das mãos dele, mas o antigo amigo estava
irreconhecível. Ele foi mais rápido, pegou-a pela cintura e encostou a arma em sua têmpora.
- Para trás! - gritou.
- Calma, calma... - Grey deu um passo atrás, levantando os braços. O sangue pingava da
manga de sua camisa. - Solte-a, Jergens, você não quer machucá-la.
- Fique longe!
- Está bem, veja, eu não posso alcançá-lo - Grey disse movendo-se para perto de uma
janela. - Por favor, solte-a.
- Eu não posso, ela é tudo o que tenho.
- O que quer dizer, tio Everett? - Emma tentou permanecer calma. - Você tem tudo.
- Não tenho. Matt tinha tudo. Tudo o que eu sempre quis. Ele teve sua mãe, você, o banco,
fortuna, posição... Tudo o que deveria ser meu. Eu amei sua mãe primeiro, Abigail, eu a teria feito
feliz. - Everett chorava e a arma tremia em sua mão. - Claire teria se casado comigo, mas
conheceu Matt e me deixou de lado. Ela se contentou em ser apenas minha amiga, mas eu queria
mais e teria lhe dado o mundo.
- Mas minha mãe morreu há anos...
- Sim, e eu nunca tive a chance de fazê-la me amar. - A voz dele estava transtornada. -
Então eu percebi que ainda poderia vencer. Ganharia uma fortuna e seria mais importante do que
Matt. Eu arrisquei tudo o que possuía, pois dois negociantes me disseram que havia uma grande
mina de ouro intocada na Califórnia. Era mentira, Abigail! E eles sempre me pediam mais dinheiro
para explorar mais a fundo, contratar mais homens, comprar equipamentos. Eu não podia sair do
negócio, mas a demanda deles era insaciável. Então, eu resolvi tirar o dinheiro de um dos fundos
do banco. No começo encarei como um empréstimo que eu pagaria assim que encontrássemos o
ouro. Consegui fazer isso por cinco anos até que a dona do fundo resolveu aparecer justamente
no dia em que eu não estava lá. Depois de anos, ela decidiu mudar de banco e pediu para sacar
todo o dinheiro. Aquela egoísta imprestável! - Everett pressionou a arma com força contra Emma.
- Obviamente, as contas não batiam e o seu querido pai resolveu começar uma investigação
interna. Ele devia ter confiado em mim!
- Você está certo - Grey disse calmamente, mas seu rosto estava lívido. - Matt o
atrapalhou e você o acusou do desfalque. Como fez isso?
Ele caminhou vagarosamente para a frente enquanto falava, e Emma rezou para que a
estratégia não acabasse em desastre.
- Foi fácil. - A mão de Everett relaxou ao voltar-se para Grey. - Sou um excelente contador
e tenho muita experiência com livros-caixa.
- Mas como conseguiu incriminar Matt? - Grey perguntou, aproximando-se ainda mais.
- Eu falsifiquei a assinatura dele. Muito simples, porém Matt descobriu e me confrontou.
Disse que possuía provas. - Sua mão endureceu novamente, pressionando a arma contra Emma.
- Eu o matei, Abigail, não tive outra escolha, não podia deixá-lo me mandar para a prisão.
- É claro que não - Grey disse pausadamente. - Nós entendemos o seu motivo, mas você
tem escolha agora. Quer mesmo machucar Emma?
- Ela me entregará. - Everett apertou a arma em sua cabeça, fazendo-a gritar.
- Não! - Grey pediu.
Everett segurou-a com mais força, colocando-a entre os dois.
- Para trás!
- Está bem, está bem... - Grey ergueu de novo os braços. - Conte o que aconteceu depois
de atirar em Matt.
- Eu coloquei a arma na mão dele para que parecesse suicídio. Eu até forjei a carta. A letra
era mesmo de Matt, mas a carta era para mim. Apenas rasguei o pedaço em que havia o meu
nome. Quando fui pegar as folhas do livro-caixa que me incriminavam, Parnell Wilde apareceu e
eu tive de fugir.
- Foi muito inteligente.
- Eu procurei essas folhas por dois anos e nunca as encontrei. Até invadi a sua casa aqui
em San Francisco, Abigail. E também fui eu quem invadiu o seu quarto e a escola em Prospect,
mas as folhas não estavam com você. Afinal, você é como uma filha para mim e jamais me trairia,
não é, minha querida? - Ele chorava convulsivamente.
- É claro que não, tio Everett. - Emma tentou virar-se um pouco e sair da mira da arma. -
Por favor, me solte agora para que possamos conversar sobre isso. Nós poderemos ajudá-lo, te-
nho certeza de que nunca quis machucar ninguém.
- Eu jamais quis machucá-la, Abigail, mas você fugiu de mim.
- Oh, tio Everett, eu fugi das fofocas e do sofrimento, não de você.
- É verdade? - Ele relaxou o corpo, afastando a arma da cabeça dela.
- É claro, você é meu amigo, meu velho amigo.
- Oh, minha querida, obrigado por agradar este velho homem.
Ele moveu a arma e atirou. Emma gritou quando o corpo de Everett caiu ao seu lado.
- Tio Everett! Tio Everett! - Ela ajoelhou-se chorando em cima dele. - Não!
Grey a carregou para fora do escritório quando os policiais chegaram. Ele indicou-lhes o
caminho e subiu com Emma no colo, procurando o quarto com os pertences dela.
Carinhosamente, deitou-a na cama e passou a mão em sua testa.
- Está tudo bem agora, meu amor, você está a salvo.
- O seu braço! - Emma lembrou-se da mancha de sangue.
- Foi só um arranhão.
A Sra. Fergus apareceu com uma jarra de água.
- O médico está chegando. O senhor pode esperar lá embaixo agora.
Grey obedeceu à governanta, desceu as escadas da mansão e se dirigiu ao terraço. Seu
estômago revirava-se e a boca estava seca. Jamais esqueceria a visão daquele homem
enlouquecido apontando uma arma para a cabeça de Emma. Era melhor que se casassem o mais
rápido possível, pois ela precisava de um protetor.
Depois que o médico cuidou de Emma, procurou por Grey para fazer um curativo em seu
braço.
- O senhor teve muita sorte, foi de raspão.
- Está doendo demais.
- É esperado. O que me preocupa é a infecção. Se tiver febre, mande me chamar.
- Está bem, obrigado.
O médico saiu e Fergus apareceu trazendo um copo de uísque, que Grey. tomou de um só
gole.
- Seria melhor que agora descansasse, senhor.
- Sim, vou para o meu hotel.
- Há quartos sobrando aqui, senhor. A Sra. Fergus arrumará um deles rapidamente. Nós
nos sentiríamos melhor se ficasse.
- Como está a srta. Douglas?
- Ela está descansando. O médico lhe deu um remédio para dormir. Pobre garota, era
como uma filha aqui. Não sei o que será de nós agora. Trabalhamos para o Sr. Jergens há mais
de vinte anos. - Ele suspirou.
- E a srta. Douglas para onde irá?
- Pegue mais um copo, Fergus, e beba comigo, acho que você merece.
- Sim, obrigado, senhor. - Ele colocou uísque no copo e o bebeu rapidamente. - Ficará
conosco?
Grey assentiu com a cabeça e o mordomo saiu da sala para avisar a esposa.
Na manhã seguinte, após uma noite de intensos pesadelos e dor, Grey encontrou Emma à
mesa do café da manhã.
- O que está fazendo fora da cama, mulher? O que passa na sua cabeça?
- Bom dia para você também.
Ele fechou os olhos pedindo paciência a si mesmo, e, quando os abriu, Emma não se
encontrava mais na sala. Grey suspirou. Era exatamente o que acontecia todos os dias em sua
casa. Seu pai insultava a todos e sua mãe tentava se manter invisível. Ele estava ficando igual, só
não queria acreditar que a mulher destemperada que o deixara sozinho no café da manhã era
também o anjo que o levara ao paraíso algumas noites antes.
Algum tempo depois, Grey ouviu o barulho das botas de Emma descendo as escadas e a
porta da frente se abrindo. Ele correu até ela e segurou seu braço.
- Para onde está indo?
- Tenho assuntos a tratar que não lhe dizem respeito.
- Está enganada, você é minha noiva.
- Acredito que não tenha percebido, Sr. North, mas estamos na América, e aqui as
mulheres têm o direito de escolher com quem vão se casar. E eu não vou me casar com você!
- Vamos conversar com calma na sala, por favor.
Com um suspiro, Emma o seguiu, mas não se sentou no sofá.
- O que quer?
- Quero que concorde em se casar comigo o mais rápido possível.
- Por quê?
- Por quê? - Grey assustou-se. - Pelo amor de Deus, garota, você sabe por quê. Eu a
arruinei e agora devo cumprir o meu dever e torná-la uma mulher de respeito.
- Você já cumpriu o seu dever me propondo casamento. Eu recusei, agora está livre para ir
embora.
- Não pode estar falando sério. Já considerou que pode ter concebido uma criança?
- Você não tem nada com isso.
- Não seja ridícula! Como vai se sustentar com um filho?
- Eu consigo.
- Emma, está com muitas coisas na cabeça agora, mas perceberá que tenho razão. - Grey
passou a mão na nuca e olhou para o chão. - Preciso lhe contar algo.
- Sim?
- Meu pai morreu. Sou um lorde agora, e como minha esposa, você também terá um título.
- E você pensa que eu me importo com isso? Acha que me casarei com um bruto apenas
porque ele me oferece um título de nobreza? Muito obrigada pela oferta, mas não aceitarei me
tomar lady North. - Emma aproximou-se de Grey com os olhos faiscando. - Meu espírito é livre e
revolucionário demais para me apegar a isso.
- Eu não quis dizer... - Grey tentou salvar o pouco de carinho que ela ainda tinha por ele.
- Por favor. - Emma ergueu a mão. - Não fale mais nada.
- Eu não vou me casar com você, lorde North. E se já estiver recuperado do seu ferimento,
por favor, retire-se.
- Está bem. - Grey pegou um papel. - Aqui está o meu endereço na Inglaterra. Quando
voltar a si, me procure.
Emma não quis pegar o papel e ele o jogou em cima da mesa, com o dinheiro que ela
deixara no envelope em Gold City, e saiu batendo a porta.
Em pouco tempo Grey estava no trem para Nova York; antes que o mês terminasse,
chegaria à Inglaterra.
Quando Grey saiu, Emma deixou que as lágrimas contidas escorressem em seu rosto.
Nem uma vez ele dissera que a amava, não tinha agido com afeição e nem pedido desculpas por
havê-la chamado de mentirosa e traidora. A proposta de casamento havia sido apenas para
restaurar sua honra.
Bem, ela não era mais virgem, mas não se casaria com uma homem que a desprezava.
Mesmo que isso corroesse seu coração.
- Com licença, srta. Douglas. - Fergus bateu na porta. - Há um cavalheiro à sua espera.
- Que tipo de cavalheiro? - Emma não estava disposta a lidar com repórteres ou curiosos.
- Acredito que seja um advogado.
Ela suspirou e tirou as luvas. Não tinha para onde ir, inventara que precisava sair para se
livrar de Grey, mas agora ele se fora.
- Mande-o entrar, Fergus, e peça para sua esposa trazer chá, por favor.
O mordomo saiu e Emma olhou pela janela.
- Srta. Douglas?
- Sim.
- Sou Joseph Ainsworth. Cuidei dos assuntos jurídicos do sr. Jergens por muitos anos e
gostaria de ler o testamento dele para a senhorita.
- Eu não tenho parentesco com o Sr. Jergens. Acho que há um sobrinho dele em
Minnesota.
- A senhorita é a única pessoa relacionada no testamento. - O advogado sentou-se e tirou
um papel da pasta de couro. - O primeiro parágrafo trata de confirmação de endereço e essas coi-
sas. Ah... aqui está uma parte importante: "Para a minha querida Abigail Emma Douglas, eu deixo
a minha propriedade e tudo o que tenho". - Ele dobrou o papel e olhou para Emma. - O Sr.
Jergens escreveu o testamento há alguns anos, quando era bem mais rico, mas a casa é sua
apesar de estar hipotecada. Há um seguro que pagará as dívidas e ainda lhe dará algum dinheiro
para investir.
- Mas tio Everett cometeu suicídio.
- É uma boa apólice, acredito que não recusarão o pagamento.
Por longos minutos Emma não conseguiu dizer nada. Parecia irreal que seus problemas
financeiros não existiam mais. Ela poderia fazer compras de manhã e tomar chá à tarde sem se
preocupar. Não precisaria mais dar aulas naquela escola gelada, não teria de ver Bessie Smith
novamente e nem viver na fronteira...
- Srta. Douglas?
- Oh, sim! Eu... eu não sei... Desculpe-me, mas é que tive muitos choques nos últimos dois
dias.
- Eu entendo. Se me permitir, executarei o testamento e cuidarei de todos os pormenores.
- Obrigada, Dr. Ainsworth, me fará um grande favor.
Eles se despediram e Emma correu para contar a novidade aos Fergus.
- Que ótima notícia, srta. Douglas! O que pretende mudar na casa?
- Depois que a polícia terminar, transformaremos o escritório de tio Everett em um quarto
de costura para a Sra. Fergus.
- Oh, obrigada, querida. E agora, o que deseja para o jantar?
- Qualquer coisa que a senhora cozinhar será ótimo, obrigada.
Sentindo-se sufoca, Emma pegou o chapéu e as luvas e saiu pelas ruas de San Francisco,
sentindo a brisa úmida em seu rosto. Em Prospect, estaria nevando, mas ali nem chegava a sentir
frio. A vida era tão diferente nas duas cidades e ela pensou que com sorte conseguiria deixar para
trás a lembrança de Grey e da noite que passaram juntos.
- O jantar será servido em cinco minutos, srta. Douglas - Fergus avisou-a quando Emma
retomou. - Obrigada.
A mesa parecia enorme para apenas uma pessoa, e o jantar, com cinco pratos, cristais e
prataria, era sofisticado demais para Emma, que pegou-se sentindo saudade da cozinha simples
da Sra. Royston.
Depois do jantar, levantou-se e se dirigiu ao escritório. O tapete ensopado de sangue fora
retirado, mas a atmosfera continuava pesada e Emma arrepiou-se ao lembrar de Grey com o
braço sangrando. Suspirando, ela abriu a primeira gaveta da escrivaninha, onde encontrou vários
papéis que indicavam o tamanho das dívidas do amigo morto. Após um bom tempo separando
papéis e queimando os sem importância no fogo da lareira, Emma chegou à última gaveta é
assustou-se ao encontrar uma fotografia de sua mãe amarrada com uma fita à várias cartas.
Abriu uma carta e viu que sua mãe escrevera palavras de amor e promessas a Everett. As
cartas foram escritas antes do nascimento dela e a última era de despedida. Claire conhecera
Matt e o tinha escolhido para ser seu marido. Ela dizia na carta que não era apaixonada por ele
como era por Everett, mas que precisava olhar para o futuro e Matt lhe daria mais segurança. A
paixão poderia acabar, causando desgosto a ambos, então seria melhor terminar enquanto ainda
se gostavam. Claire terminava a carta dizendo que sempre apreciaria a amizade entre eles.
Emma resolveu que respeitaria o passado dos dois e jogou todas as cartas fechadas no
fogo. Nesse momento, ouviu sinos ao longe e se deu conta que era noite de ano-novo. Olhou pela
janela e viu as pessoas cantando pelas ruas. Olhando-se no espelho, desejou "Feliz Ano-Novo"
para o próprio reflexo e foi se deitar.
Grey observou a paisagem da Inglaterra pela janela do trem e sentiu os músculos se
retesarem de tensão. Os campos verdes de seu país não o comoviam, preferia muito mais as
densas florestas do Canadá. O peso da responsabilidade quase o sufocava à medida que o trem
se aproximava da estação.
- Sir? - um homem o chamou.
- John? - Grey demorou alguns segundos para reconhecer o amigo de infância, filho do
cocheiro.
- É muito bom vê-lo, John.
- E ao senhor também, Sr. Greydon, ou devo dizer lorde North? - Ele estendeu a mão.
- Como está minha mãe?
- Ansiosa para encontrá-lo, sir. Eles subiram na carruagem e Grey recostou-se no assento,
preferindo ele mesmo dirigir. Sentia-se sufocado com aquele tratamento cerimonioso. Por sorte
Northmount não ficava longe e logo veria a mãe.
Quando a carruagem parou na frente da imponente construção, o mordomo abriu a porta e
o recebeu com um sorriso.
- Bem-vindo, lorde North.
- Obrigado, Benton, é muito bom revê-lo. - Grey entregou-lhe o casaco e as luvas. - Onde
está minha mãe?
- Na biblioteca, milorde, mas seria bom que o senhor trocasse de roupa primeiro. - Os
trajes sujos de Grey incomodavam o mordomo. - Mandarei suas coisas para o quarto principal,
milorde.
- Mande-as para o meu quarto.
- Mas, milorde...
- E pare de me chamar de milorde, Benton.
Grey subiu os degraus correndo e em meia hora estava devidamente limpo e bem vestido.
Mesmo sem a presença de seu pai, o ambiente ainda o sufocava e ele desceu respirando fundo
em direção à biblioteca.
Havia cinco anos, não via sua mãe, mas lembrava que ela era praticamente invisível.
Agora, como viúva, devia estar mais escondida ainda, e Grey não esperava encontrá-la em boa
forma.
Para sua surpresa, uma mulher vibrante e jovem lhe estendeu os braços.
- Greydon! - ela correu para abraçá-lo. - Finalmente!
- Olá, mãe. - Ele abraçou-a um tanto sem jeito.
Sua mãe o beijou e segurou-lhe o rosto com as duas mãos. - Deixe-me olhá-lo! - Os olhos
dela brilhavam. - Lindo como sempre! Mas, com certeza, não viajou com estas roupas. - Não, eu
as troquei assim que cheguei.
- Não acredito que voltou para casa depois de tantos anos e não veio imediatamente me
ver!
- Benton não deixou...
- Ah, Benton... Os empregados de seu pai insistem em me manter no meu lugar. Terá de
demiti-los.
- Como assim?
- Eu mesma o faria, mas os advogados me disseram que não posso. Você é o novo lorde,
então espero que se livre deles para mim. Oh, não me olhe assim! - Ela riu ao ver a expressão de
espanto de Grey. - Não me diga que esperava encontrar uma viúva chorosa... Vamos passear no
jardim e conversar.
- No jardim? - Ele olhou pela janela e viu a chuva que caía.
- Oh, um pouco de chuva não nos fará mal algum.
Ela pediu que Benton lhe trouxesse o casaco e um guarda-chuva. Grey a seguiu
assombrado com aquela nova mulher, totalmente diferente da pessoa silenciosa e fechada de
anos antes.
- Obrigada, Benton.
- Preciso adverti-la de que o tempo não está bom para um passeio, madame.
- Você não precisa. Vamos, Greydon. - Mãe e filho saíram da casa. - Viu como tenho
razão? Eles insistem em me tratar como uma inválida tola, e eu não aceitarei. Precisa se livrar
deles, Greydon.
- Talvez eu possa instruí-los a não tratá-la como uma inválida. Ela sorriu para ele e
segurou em seu braço.
- Conte-me a respeito do Canadá, pois as suas cartas foram muito curtas.
Enquanto passeavam pelos canteiros floridos, Grey contou suas aventuras na fronteira e
sobre o seu hotel.
- Você vai voltar para lá, não é?
- Por que está dizendo isso?
- Porque seus olhos brilham de entusiasmo quando conta sobre o Novo Mundo.
- Vamos entrar. - A chuva caía forte. - Eu acabei de chegar, teremos bastante tempo para
conversar sobre o futuro.
- Sim, mas conto com você para me proteger dos criados.
- Eu prometo.
Eles correram para a porta e entraram rindo na casa.
- Madame, a senhora ficará doente! - Benton disse. - Vou mandar Martha ao seu quarto
com uma bacia de água quente.
- Não é preciso, Benton. - Grey declarou, impondo-se. - Nos secaremos com o calor da
lareira, obrigado.
Sua mãe saiu furiosa pelo corredor e Grey a seguiu.
- O que há, mamãe?
- Oh, meu querido, você acabou de chegar e eu estou sendo tão malcriada... - Ela o
abraçou e acariciou-lhe os cabelos como fazia quando era criança.
- O que aconteceu com meu pai?
- Teve um derrame, meu filho. O médico lhe disse muitas vezes que precisava se acalmar
e descansar, mas ele não obedecia. Não ia mais visitar os amigos.
- E nem a levou fazer uma viagem...
- Oh, esse era um desejo tolo que eu tinha. - Ela ficou calada por um tempo. - Você é
muito parecido com seu pai.
- Nunca!
- Você não é agressivo e impetuoso, mas tem a mesma paixão e teimosia.
- Não tenho!
- Percebe o que estou dizendo? - Ela sorriu.
- Pelo menos eu não grito.
- Não há problema algum em ter o temperamento forte e ser um pouco teimoso, mas
quando isso separa pai e filho...
- A culpa foi dele.
- Tem razão, você era apenas um garoto. Mas agora cresceu, deveria ser mais sábio.
- Como assim?
- Poderia ser mais misericordioso, enxergar as coisas de outro ponto de vista.
- Como pode dizer isso? Eu nunca a vi tão feliz como agora; não me diga que não era
terrível viver com ele. - Grey respirou fundo e segurou a mão da mãe. - Desculpe, eu não deveria
ter dito isso.
- E por que não? É a verdade. - Ela acariciou os dedos dele. - O casamento é muito
complicado, meu querido. Se você ficar aqui por um tempo, lhe contarei sobre o meu.
Benton entrou na sala anunciando que o jantar seria servido em vinte minutos e sugeriu
que ambos vestissem roupas limpas para a refeição.

Capítulo VI
Emma andava impaciente pelos cômodos da casa que agora era sua. Havia se passado
um mês desde a morte de Everett e a polícia concluíra a investigação declarando que Matt
Douglas tinha sido assassinado. Graças à ajuda do advogado, o banco lhe devolveu o dinheiro do
pai, e ela era agora uma mulher rica. Parecia que nunca saíra da cidade. As portas, que havia
dois anos tinham se fechado, abriram-se para Emma e sua vida pôde ser retomada.
Mas ela não era a mesma Abigail Douglas que partira de San Francisco. Agora era Emma,
uma mulher que havia sido testada pela vida. Em Prospect, sofrera muito, porém tinha aprendido
a ser forte e independente. Todo aquele conforto de San Francisco a entediava. Sentia falta da
conversa de Bella, do seu trabalho, do desafio de morar na fronteira. Sentia falta até de Bessie
Smith.
Atraída pelo cheiro de pão, dirigiu-se até a cozinha, onde a Sra. Fergus estava
cozinhando. O aroma que emanava do forno a fez pensar na comida de Bella, em Rose e em
Grey. Não! Ela não pensaria em Grey.
- Deseja alguma coisa, senhorita?
-Não, obrigada, Sra. Fergus, eu apenas não estou acostumada a ficar sem fazer nada o
dia todo.
- A senhorita é uma dama, não serve para ensinar um bando de fedelhos. Por que não
visita os seus amigos?
- Eu me encontrarei com Janie Baxter mais tarde. Vamos fazer compras e depois tomar
chá no Hotel St. Francis. Estarei de volta para o jantar.
- Que ótimo. Ouvi dizer que haverá um baile na casa dos Mortimer.
- Sim.
Emma não estava animada para o baile, apesar de seu novo guarda-roupa cheio de
vestidos. No dia anterior experimentara todos em frente ao espelho, mas se entediara com tantas
cores, tecidos e caimentos.
- Se quiser se acomodar na sala, eu levarei chá em alguns minutos.
- Obrigada, Sra. Fergus - Emma respondeu, dando-se conta de que a cozinha pertencia à
governanta.
Quando o chá chegou, ela estava absorta escrevendo uma longa carta para a Sra.
Royston. Ao terminar, colocou as luvas e o chapéu e saiu para encontrar-se com a sua amiga.
Ainda precisava se adaptar à vida na cidade; o incômodo que sentia passaria logo e não tinha
nenhuma conexão com Grey North, Emma forçou-se a acreditar.
- Você sabia que Todd Rivers vai ao baile? - inquiriu Janie.
- É mesmo?
- Ele não estava interessado em você antes de Parnell Wilde aparecer?
- Faz tanto tempo. - Emma tomou um gole do chá. - Todd não está casado?
- Não. Todos pensaram que ele pediria Amy Roch em casamento na noite de ano-novo,
mas não. Você teve notícias de Todd?
- Ele me fez uma visita. Soube dos tiros e veio saber se eu estava bem.
- Entendo. - Janie sorriu e pegou um sanduíche. - E então, que vestido usará no baile?
Todd sempre gostou que você usasse azul.
- Eu ainda não sei se vou ao baile.
- Tenho certeza de que Todd ficará feliz em acompanhá-la se não quiser ir sozinha.
- Não seja ridícula, os Mortimer moram perto.
- Então, por que está indecisa?
- Não estou. - Emma percebeu que não adiantaria ficar dentro de casa e que um baile não
lhe faria mal algum. - E você, qual vestido usará?
Janie discorreu sobre tules e sedas e Emma distraiu-se com os doces.
- Eu queria que James Stockley me pedisse em casamento de uma vez por todas. É
embaraçoso ter vinte e dois anos e não ser casada. James sempre diz que um homem não pode
se casar com uma mulher antes de estar bem encaminhado na carreira.
- E ele está?
- Sim. Acabou de ser promovido no jornal e receberá um aumento.
- Você quer mesmo viver com o salário de um repórter? Seu pai não lhe dará uma
mesada?
- Mas é claro que sim. Eu falei isso para James há dois anos, mas ele disse que se não
puder sustentar uma esposa, é melhor não se casar. De onde os homens tiram essas idéias?
- Só Deus sabe. - Emma suspirou. Grey também tinha suas idéias sobre casamento, mas
ela jamais falaria dele para ninguém em San Francisco.
- Homens! - Janie exclamou. - O que fariam sem nós? - Ela pegou nas mãos de Emma. - É
tão bom tê-la aqui de novo! Eu senti a sua falta. Não vá embora outra vez, por favor.
Na noite do baile, Emma arrumou-se cuidadosamente. Prendeu os cabelos com um laço e
colocou um vestido azul de seda e veludo que realçava sua silhueta esguia. Olhou-se no espelho
e viu uma moça linda vestida na última moda e pronta para um baile. Mas por que seus olhos não
brilhavam? Por que seu rosto estava pálido? Ela beliscou as bochechas e mordeu os lábios para
corá-los e lembrou que Grey lhe dissera que quando estava nervosa, os mordia. Emma não
estava nervosa, não tinha razão para isso e não deixaria que Grey estragasse a sua noite. Pegou
a bolsa e saiu do quarto.
- A senhorita está linda, querida - a Sra. Fergus disse ao vê-la descendo a escada.
- Obrigada, Sra. Fergus.
- A senhorita deveria ir acompanhada.
- Fergus me levará até a porta e me trará de volta mais tarde, não precisa se preocupar.
- Seria melhor ir de carruagem.
- Levaria mais tempo para arrumar os cavalos do que para caminharmos até a casa dos
Mortimer.
- Eu gostaria que aquele rapaz tão adorável não tivesse ido embora.
- Bem, mas ele foi. Boa noite, Sra. Fergus.
Ao receber o ar gelado no rosto, Emma olhou para o céu e viu a estrela do Norte brilhando.
Não deixaria Grey invadir sua mente mais uma vez, então apertou o passo, e Fergus a seguiu
com dificuldade. Em pouco menos de dez minutos eles chegaram à imponente mansão. A entrada
estava iluminada por tochas e ouvia-se a música que tocava lá dentro. Era um cenário que Emma
conhecia bem, mas naquela noite ela era uma estranha.
No último baile a que havia comparecido, ainda era noiva de Parnell, e seu pai, um dos
homens mais respeitados da cidade. Seus amigos a receberam de volta à sociedade e Emma
deveria ficar feliz com isso. Endireitando os ombros, subiu a escadaria de mármore e entrou no
salão.
- Boa noite, senhorita. - O mordomo a recebeu e anunciou seu nome para os anfitriões: -
Abigail Douglas! - Eu me chamo Emma agora.
- Oh, bem... – A Sra. Mortimer olhou para o marido como se pedisse ajuda.
- Emma? - O Sr. Mortimer pegou em sua mão sorrindo. - Bem-vinda à nossa casa, Emma.
Ela caminhou pelo salão enfeitado ricamente e passou pela orquestra sem conseguir
deixar de pensar em Prospect, onde a única diversão era o concerto de Natal ao som do violino de
Lês Smith.
- Você veio! - Janie exclamou sorrindo. - Por que demorou tanto?
Antes que Emma pudesse responder, Janie a puxou para trás da escada e lhe mostrou
algo do outro lado do salão.
- Não vejo nada escondida aqui!
- É Todd, e está olhando para cá. Vá lá! - Sua amiga a empurrou para a frente.
- Janie! - Emma protestou, mas já era tarde, pois Todd Rivers fazia uma reverência.
- Bem-vinda - ele disse.
- Obrigada, Todd, é bom estar de volta.
- Olá, Todd. - Janie juntou-se a eles.
- Boa noite, Janie - ele a cumprimentou, sem deixar de olhar para Emma.
- Não vai falar nada sobre o meu vestido? - Janie perguntou.
- Não. - Todd sorria para Emma.
- Todd Rivers, você é desprezível! - Janie fez uma careta, mas se distraiu ao anunciarem
James Stockley.
- Vamos dançar? - Todd ofereceu o braço a Emma. - Eu senti a sua falta.
Emma deveria responder com graça, pois era assim que o jogo de flerte funcionava na
sociedade, mas depois de tudo o que vivera, não tinha mais paciência para essas tolices.
- É muito gentil de sua parte, obrigada - ela respondeu educadamente.
- Você já tem planos, agora que voltou para casa?
- Ainda não, faz pouco tempo que tio... - Emma quase tropeçou e Todd a segurou.
- Eu entendo, você nunca deveria ter passado por isso. - Ele olhou-a carinhosamente. -
Quero fazê-la esquecer o que aconteceu. Que tal passearmos a cavalo amanhã?
- Pode ser depois do almoço - ela respondeu assim que a música parou.
- Minha vez. - O irmão mais velho de Janie bateu no ombro de Todd quando a polca
começou.
- Está bem, mas eu a acompanharei no jantar.
Durante o restante da noite, Emma dançou, conversou com várias pessoas, aceitou
convites para chás, mas não conseguia sentir-se parte da festa. Quando Todd a levou para a sala
de jantar, à meia-noite, seus pés doíam e seus olhos ardiam por causa das luzes.
- Está se sentindo bem? - ele perguntou. - Parece pálida.
- Não estou acostumada a ficar acordada até tão tarde. Como professora da escola de
Prospect, eu tinha um toque de recolher às oito horas.
- Eu nunca entendi por que desapareceu daquela maneira. Você tinha amigos aqui que
poderiam tê-la ajudado.
- Creio que não.
- Eu a teria ajudado. - Ficaram em silêncio por um tempo. - Parece que Parnell Wilde
também desapareceu.
- Sim, ele deixou o país e acredito que não o veremos novamente.
- Você quer uma limonada ou um chá? - Todd perguntou com os olhos brilhando.
- Não, obrigada, o que quero mesmo é ir para casa.
- Posso acompanhá-la?
- Por favor.
Emma ficou aliviada por não precisar mandar chamar Fergus tão tarde, mas o sorriso de
Todd mostrou que ele poderia ter interpretado de outra maneira.
- Estou muito cansada - ela enfatizou.
- Mandarei buscar a minha carruagem.
- Não podemos caminhar? É perto e o ar fresco me fará bem.
- Se preferir...
Todd olhou-a desconfiado. Damas solteiras não caminhavam pelas ruas à noite. As regras
da sociedade de San Francisco eram mais rígidas do que as da curadoria da escola em Prospect.
Grey North a havia encorajado a esquecer as regras e viver sua vida, mas quando Emma
quebrara uma de suas regras, ele tinha se tornado como todas as outras pessoas e não se
diferenciava nem da Sra. Allen.
Emma e Todd pegaram os casacos e saíram na noite fria. Ela começou a caminhar
rapidamente, apertando o casaco contra o peito.
- Por que a pressa? - Todd perguntou, tentando alcançá-la.
- Está muito frio para um passeio. - Emma fechou o casaco ao redor do pescoço.
- Mas olhe. - Ele apontou para o céu. - É lua cheia, não acha romântico?
Sim, era romântico, ela pensou, mas não com Todd, e continuou caminhando, disposta a
tirar Grey mais uma vez de sua mente.
- Obrigada por me acompanhar - Emma agradeceu quando chegaram.
- Nos veremos amanhã?
- Sim.
- Sonhe comigo. - Todd sorriu depois de lhe beijar a mão carinhosamente.
Emma entrou em casa e encontrou a Sra. Fergus esperando-a.
- A senhorita voltou cedo. Não gostou do baile?
- Gostei muito, mas não estou acostumada a dormir tarde. Boa noite, Sra. Fergus, até
amanhã.
Emma acendeu o lampião, grata por não precisar mais enfrentar a luz elétrica dos
Mortimer e despiu-se. Deitou-se na cama, mas percebeu que estava sem sono; foi até a janela e
abriu as cortinas. A estrela do Norte brilhava no céu.
- Chegou uma carta de Prospect para a senhorita - Fergus disse, algumas semanas
depois, ao servir o café da manhã.
Emma abriu o envelope.
Minha querida Emma,
Obrigada pela sua carta. Eu sinto muito pela morte de seu amigo. Siga o meu conselho e
volte para Prospect. Uma nova vida é tudo do que precisa.
Agora, as novidades. A curadoria da escola encontrou uma substituta até que você
retorne. O nome dela é Louisa Graham e veio de Toronto visitar sua irmã, Lottie. Por, favor,
retome, Emma. Os preparativos para o Primeiro Concerto Anual de Victoria estão acelerados e eu
conto com você para tocar conosco. 0 piano chegará logo, assim que o gelo do rio derreter. O Sr.
North deixou tudo preparado antes de partir para a Inglaterra. E falando dele, não é excitante
termos um lorde na cidade? A Sra. Allen disse que o Sr. North jamais voltará, agora que herdou
as terras de seu pai, mas eu espero que ela esteja errada. Coloquei-o como mestre-de-cerimônias
do concerto, mas a Sra. Allen acha que deve ser o reverendo, e a Sra. Connor, que deve ser o
prefeito, porém o Sr. North agora é praticamente da realeza, ele merece. Eu já mandei uma carta
para lá convidando-o.
Jed Barclay diz que eu não posso ter grandes expectativas quanto a lorde North, pois um
homem na sua posição tem muitas responsabilidades e não voltará para Prospect. Eu não
concordei e nós discutimos pela primeira vez.
Oh, preciso contar sobre Rose! Aquela garota! Foi trabalhar no Rockingham. Parece que o
cozinheiro gostou dela quando ajudou no jantar. Tenho pena de quem comer a sua comida, mas
Rose está recebendo um bom salário e isso é bom para a sua família. Eu a deixei dormir aqui
para não ficar sozinha no hotel. Pelo menos até que tenha um anel no dedo, não deixarei que
arruíne a sua reputação!
O clima está terrível, a neve cobre tudo...
Bella continuou discorrendo a respeito da vida em Prospect, de Rose e Jed Barclay, além
de pedir mais uma vez que Emma retomasse.
O trabalho curará a sua dor, Emma, e a fronteira precisa de mulheres como você. Sua
amiga de sempre, Bella Royston Emma leu a carta duas vezes enquanto seu café esfriava na
bandeja. Olhou para o céu de San Francisco pela janela e sentiu saudade da neve e do frio de
Prospect. Por fim, balançou a cabeça para afastar os pensamentos. Conseguiria encontrar algo
para fazer em San Francisco, não precisava voltar para Prospect para poder trabalhar e correr o
risco de encontrar Grey North.
No entanto Grey se encontrava na Inglaterra, sem previsão de volta. Ela entrou na cozinha
carregando a bandeja intocada do café. Não se importava. Se quisesse ficar em San Francisco, fi-
caria, e se quisesse voltar para Prospect, voltaria apesar de Grey.
- Vou sair, Sra. Fergus, preciso de ar puro.
O baile dos Mortimer havia sido apenas o começo da temporada. Todos os dias Emma
recebia visitas e convites e se inseria de novo na sociedade ao lado de Todd, companhia
constante.
Janie e James anunciaram o noivado no baile dos Baxter, e Todd segurou em sua mão.
Emma pediu que ele a soltasse, pois as pessoas falariam, mas ele se recusou.
- Eu espero que falem - Todd sussurrou. - Posso visitá-la amanhã, Emma?
- Você me visitou todos os dias da última semana.
- Mas para acompanhá-la aos bailes. Quero conversar a sós com você.
Emma sabia muito bem sobre o que ele queria conversar, e, relutante, aceitou recebê-lo às
três horas do dia seguinte. Após passarem tanto tempo juntos, Todd tinha todo o direito de
esperar que ela correspondesse aos seus sentimentos. Ele era tudo o que se poderia esperar de
um marido: bonito, rico e charmoso, além de ser atencioso e prestativo. Emma seria uma tola se o
deixasse escapar, mas mesmo assim...
- Vou cumprimentar Janie. - Ela finalmente soltou a mão e saiu.
- Emma! - Janie a abraçou e sussurrou em seu ouvido: - Você será a próxima. Estou tão
feliz por você!
- Desejo muita felicidade para você e James - ela disse desconversando.
Emma foi embora logo, dispensando a companhia de Todd, pois precisava de um tempo
sozinha. Ao chegar em casa, pegou um livro, uma xícara de chá e sentou-se no sofá em frente à
lareira, porém não conseguiu relaxar. As palavras que lia não faziam sentido, até que finalmente o
fogo apagou e ela subiu para o seu quarto sentindo-se angustiada.
Dando um longo suspiro, abriu as cortinas e procurou pela estrela do Norte, encarando
seus desejos mais profundos e verdadeiros. Muito mais tarde deitou-se e dormiu como havia
muito tempo não lhe acontecia.
Logo cedo foi para o centro da cidade encontrar-se com o Dr. Ainsworth, e saiu de lá
satisfeita com as decisões tomadas. Aproveitando a hora do almoço, Emma percorreu as lojas à
procura de um presente de casamento para Janie. Às duas e meia retornou para esperar Todd,
que chegou pontualmente às três.
- Você está linda como sempre. - Ele sorriu ao vê-la.
- Você nunca me viu remando uma canoa nos rios do Canadá - ela respondeu. - Aceita
uma bebida?
- Não sei como conseguiu sobreviver em condições tão primitivas. - Todd ignorou a oferta
da bebida. - Se depender de mim, prometo-lhe que nunca mais enfrentará dificuldades.
- Na verdade, você não pode me fazer essa promessa. - Emma dirigiu-se à janela e olhou
para fora. - Eu vou voltar.
- O quê? Emma, você não pode... Eu vim aqui pedi-la em casamento! - ele caminhou até
ela, que fez um sinal com a mão para não se aproximar.
- Eu sinto muito, Todd. - Emma deixou-o segurar sua mão.
- Nós passamos tanto tempo juntos... O que aconteceu? Eu a ofendi de alguma maneira?
- Não é você, Todd. Sou eu, e isso tudo. - Ela apontou para a sala luxuosa. - Essa vida fútil
que levamos. Eu achei que queria, mas não é verdade. Eu quero trabalhar, ter um objetivo na
vida. Fui tomada pelo espírito da fronteira e preciso voltar.
- Mas você não precisa trabalhar, Emma, eu lhe darei tudo que precisar.
- O que eu quero não pode ser comprado, Todd. Quero me sentir útil. Ser professora pode
ser frustrante, mas tem recompensas extraordinárias. Quando ensino uma criança a ler, eu abro o
mundo para ela; nenhum dinheiro do mundo pode me dar essa satisfação.
- Há outro homem, não é?
- Houve - Emma admitiu. - Mas ele voltou para a Inglaterra. Eu vou para Prospect para ser
útil, e não para me casar.
- Você pode fazer trabalhos de caridade aqui, Emma. Dê-me mais um tempo, pois tenho
certeza de que posso fazê-la me amar.
- Eu sinto muito, Todd. Não deveria ter permitido que me acompanhasse durante todas
essas semanas. Desculpe se lhe dei falsas esperanças.
- Minha mãe promove recitais para crianças carentes, você pode ajudar - ele insistiu.
- Não é a mesma coisa, Todd. Há muitas pessoas que podem fazer esse trabalho aqui. Em
Prospect, eu sou necessária. Desculpe-me, gostaria de poder retribuir o seu afeto, mas não sou a
esposa ideal para você.
- Não é Prospect, Emma. Você ainda está apaixonada por ele e deveria ter me dito antes.
Todd virou-se e saiu da sala sem dizer mais nada. Emma serviu-se de licor e sentou-se no
sofá suspirando. .
Grey parou o cavalo no alto da colina de sua imensa propriedade. Nas últimas semanas
sua mãe o surpreendera demonstrando conhecimento das terras e idéias para modernizar os
pastos. Naquele dia ela mostrava uma nova plantação de trigo que prometia ser resistente às
pragas.
- O que você sabe sobre ciência? - ele perguntou.
- Oh, Greydon, você é tão parecido com seu pai. Ele achava que as mulheres não
deveriam ter nada na cabeça.
- Eu admiro mulheres inteligentes - Grey afirmou, lembrando-se de Emma.
- Mulheres inteligentes! Quer dizer que se diverte com mulheres espertas, mas a sua
esposa, sua mãe ou sua filha devem ser caladas e não ameaçar a sua posição.
- Mamãe!
O pai de Grey costumava se divertir com prostitutas, mas ele pensou que a mãe não
soubesse de nada.
- Porque uma mulher tolera algumas coisas, não quer dizer que seja surda e cega.
- Você sabia?
- Mas é claro que sim. - Ela desceu do cavalo e caminhou até as pedras na colina.
- Eu sinto muito. - Grey a acompanhou.
- No começo fiquei furiosa, pois eu queria fazer parte da vida de seu pai, queria ser sua
esposa de verdade, mas ele não permitiu. Ele se casou para ter um herdeiro, uma casa
confortável e uma anfitriã para os seus amigos. - Ela olhou para longe. - Mas isso já passou e
agora a minha vida é outra. Não fique triste por minha causa.
- Não quero ser rude, porém você está muito diferente.
- Agora sou eu mesma. - Ela se levantou e montou no cavalo. - Esta sou eu, Greydon.
Alexander queria que eu fosse outra pessoa. Vamos apostar uma corrida até os estábulos!
- Não é justo! - Grey balançou as rédeas de Storm para alcançar a mãe.
Quando chegaram ao estábulo, ele a cumprimentou pelo belo galope.
- Eu tenho vontade de montar Storm.
- De jeito nenhum, você não agüentaria.
Ela reprovou-o com o olhar.
- Gostaria que reconsiderasse - Grey recomeçou. - Storm requer mãos grandes e fortes
para segurá-lo. Tem certeza de que tem força suficiente?
- Muito bem! - Ela deu-lhe o braço. - Meu filho, uma mulher pode ser muito razoável
quando é tratada com respeito. Reconsiderarei meu desejo de montar Storm.
Eles caminharam até a casa e sua mãe saiu para falar com os serviçais, enquanto Grey foi
se encontrar com o advogado do inventário. Mãe e filho só se reencontraram no jantar, que foi
servido na copa, para desespero de Benton e alegria de Grey. A imensa sala de jantar não era
confortável para a conversa franca que ele queria ter com sua mãe.
- Você tem planos para o futuro, mamãe?
- Quer saber se pretendo ficar dependendo de você?
- Você tem o direito - ele respondeu servindo-se de assado.
- É o meu dever.
- Greydon North, nunca mais fale comigo assim! - Ela bateu com a mão na mesa. - Depois
de tudo o que lhe mostrei e lhe contei! Você me desponta, meu filho, pensei que tivesse
entendido.
- Eu entendi que é mais feliz como viúva do que como esposa.
- Mas você entende o porquê?
- Presumo que seja porque meu pai foi um marido terrível.
- Na cabeça dele, foi um ótimo marido. Eu tinha uma casa, empregados, cavalos, tudo o
que o dinheiro pode comprar.
- Mas se era uma vida satisfatória, por que você não era feliz?
- Porque ele não permitiu que eu participasse da sua vida e porque eu me entediei.
- Tédio? Você tinha uma dezena de empregados para coordenar, o piano para tocar, livros
para ler...
- Os empregados sabiam o que fazer, eu nunca toquei bem o piano, e os livros que seu pai
me permitia ler eram apenas sobre a vida no campo. Imagine se eu podia ler Shakespeare! Mas
não era esse o problema, Greydon. Seu pai não me respeitava, ele tinha em mente o que uma
esposa deveria ser e me forçava a agir daquela maneira.
- Mas se papai tivesse permitido que você fosse livre, o que teria sido do seu casamento?
- Teria sido um casamento cheio de amor, verdade e parceria entre duas pessoas. Seu pai
nunca gostou de lidar com a fazenda e deixava todas as decisões para o capataz. Eu sempre
adorei e pedi inúmeras vezes que me deixasse lidar com as plantações. O máximo que ele
permitiu foi que eu cuidasse do canteiro de rosas...
- E no seu casamento ideal, em que a vida de meu pai melhoraria?
- Você está sendo advogado do diabo ou quer mesmo saber? A voz de Emma chamando-
o de bruto e recusando-se a casar com ele ecoava em sua cabeça.
- Eu quero mesmo saber.
- Seu pai teria alguém para dividir as preocupações e responsabilidades. Alguém com
quem poderia conversar sobre todos os assuntos e, acima de tudo, dividir as alegrias da vida. Ele
teria tido uma esposa amorosa, fascinante e articulada. Poderia ter tido mais filhos, quem sabe
uma menina...
- Se você sabia exatamente o que queria, por que se casou, então?
- As idéias do meu pai a respeito do casamento não eram diferentes das de Alexander.
Quando seu pai começou a me cortejar, meu pai me empurrou para o altar e eu não disse "não".
Eu esperava ter alguma influência como esposa, porque como filha não tinha nenhuma.
A porta se abriu e Benton entrou com mais duas empregadas para retirar os pratos.
- Tomarão o chá aqui, madame?
- Não, Benton, leve para a biblioteca, por favor. Grey não pôde deixar de rir quando o
mordomo saiu.
- O que é tão engraçado? - sua mãe perguntou ao se dirigirem à biblioteca.
Ele contou que havia se encontrado com o advogado naquela tarde e que assinara papéis
tornando-a patroa dos empregados da propriedade.
- Acho que não vou me livrar deles! - Ela riu. - Eu vou me divertir dando ordens
excêntricas! Agora me diga, Greydon, por que está tão interessado nas minhas opiniões sobre o
casamento?
- Você parece muito segura. - Ele esticou as pernas, fitando as botas e evitando o olhar da
mãe.
- Conte-me sobre ela.
- É linda, inteligente, corajosa e teimosa - Grey descreveu Emma sem se dar conta de que
nunca a mencionara para sua mãe.
- Como você sabia?
- Intuição materna. Qual é o problema?
- Ela não quer se casar comigo.
- Você disse a seu pai que jamais se casaria.
- Eu sei, mas comprometi Emma. É meu dever lhe dar o meu nome.
Sua mãe começou a lhe atirar almofadas.
- Seu tolo!
- Eu sei. Ela me levou a isso, mas não é desculpa.
- Não! Disse a essa Emma que ela precisava se casar com você?
- Mas é claro!
- Você a pediu em casamento?
- Bem, não nessas palavras...
- Você se impôs dizendo que daria a essa pobre dama a honra de ter um título.
- Não foi bem assim...
Mas Grey sabia que havia sido quase isso; levantou-se e se dirigiu à lareira.
- Você quer se casar com ela? Você a ama?
Ele não tinha pensado nesse aspecto quando a obrigara a se casar. Apenas a reparação
da reputação dela estava em jogo. Com um suspiro, Grey se deu conta de sua tolice e do amor
que sentia por Emma.
- Eu quero me casar com Emma e a amo profundamente.
- Quer dividir a sua vida com ela?
- Sim. - Seus olhos brilharam como se ele tivesse acabado de acordar. - Mas Emma não
se casará comigo. Eu falhei duas vezes. Na primeira, ela fugiu, e na segunda, me colocou para
fora da sua casa.
- Não vejo a hora de conhecê-la! - Sua mãe sorriu ao vê-lo surpreso. - Não, eu não estou
louca, venha aqui e conte-me mais sobre Emma.
- Ela é diferente de todas as pessoas que já conheci. É a professora da escola em
Prospect...
Por vinte minutos Grey falou a respeito da beleza de Emma, de seu temperamento forte,
de seu espírito, de sua coragem e de como odiava ficar longe dela. Quando terminou, sua mãe
sorriu e passou a mão nos cabelos dele.
- Estou tão feliz por você, Greydon!
- Eu não acabei de explicar o meu sofrimento?
- Sim, meu querido, e é isso que me deixa feliz. Se não estivesse sofrendo tanto, não a
amaria de verdade.
- Contei também que Emma se recusou a casar comigo?
- Como ela podia recusar se você nunca a pediu em casamento? Volte para lá, ajoelhe-se,
diga que a ama, que precisa dela, peça-lhe para dividir a vida com você, prometa que a deixará
livre. Com certeza terá uma resposta diferente.
A cabeça de Grey fervilhava com os planos de voltar, e ele não conseguia parar de sorrir
até que se lembrou de sua mãe.
- Mas, e você? Não posso deixá-la...
- Mas é claro que pode. Eu convidei a minha antiga governanta para morar aqui. Nós duas
vamos nos divertir perturbando a vida de Benton e dos outros criados. - Ela riu. - Depois
que casar, traga Emma para eu conhecê-la, ou talvez eu os visite em Prospect. Ainda há índios
selvagens lá? Nunca vi um índio.
- Se você for, prometo apresentá-la ao chefe deles!
Após a decisão de Emma, tudo correu rapidamente. A casa de Everett foi vendida e os
Fergus receberiam uma pensão vitalícia. Ela investiu o dinheiro com garantia do banco de que
teria bom retorno. Antes de embarcar no navio, comprou centenas de livros. Estava determinada a
abrir uma biblioteca em Prospect.
Quando o navio chegou a Gold City, o sol da primavera brilhava, iluminando as flores, as
árvores e os rios em seus vales.
Seu quarto estava garantido na casa de Bella, mas Emma pretendia construir uma casa
para morar e abrigar sua biblioteca. Lottie a ajudaria, e ela promoveria discussões semanais sobre
os livros com as mulheres da cidade. Oh, a Sra. Allen ficaria furiosa, mas certamente não deixaria
de comparecer!
O amor que sentia por Grey ainda era forte em seu coração, porém preferia levar uma vida
feliz e cheia de satisfações pessoais a ser casada com um homem que não a amava.
O navio apitou ao se aproximar do porto. Os olhos de Emma brilhavam de entusiasmo com
a nova vida que a esperava. Sua bagagem era imensa; além dos livros, trouxera partituras de mú-
sicas e seu novo guarda-roupa. Certamente seria a mulher mais bem vestida de Prospect!
- A senhorita precisará de cavalos fortes para levar tudo isso - o marinheiro falou para ela
quando desembarcou.
- Coloque tudo no cais, que eu me encarrego da entrega para a srta. Douglas.
Emma virou-se tão rápido que quase caiu no mar. Grey estava parado à sua frente, lindo,
alto e glorioso. Seu sorriso ia de orelha a orelha e ele estendeu a mão para ajudá-la.
- Eu pensei que havia retornado à Inglaterra.
Grey ajudou-a a subir na carruagem e acomodou a bagagem.
- Eu retomei - disse tomando as rédeas. - Mas não consegui ficar longe da fronteira e nem
de você.
O coração de Emma bateu em descompasso e suas pernas amoleceram; por sorte já
estava sentada. Ela queria viver com Grey - para sempre, dividir a vida, envelhecer ao seu lado...
Mas ele não a amava.
- Nada mudou, Grey. Agradeço a sua oferta, porém não me casarei com você.
- Ah, Emma, tudo mudou! Eu mudei e você também. - Ele olhou para a roupa fina que ela
usava.
- Não adianta me elogiar, Grey. Eu tenho outros planos. Construirei uma casa e montarei
uma biblioteca.
- Espero que a sua casa tenha muitos quartos. Minha mãe planeja nos visitar e precisamos
de espaço para as crianças.
- Não há criança nenhuma, não precisa mais me pressionar. - Emma olhou em volta
assustada. - Para onde estamos indo? A casa da Sra. Royston é para lá... Ela está me esperando!
- Eu a avisei que você se atrasaria.
- Você é muito arrogante, Grey North! Leve-me de volta agora!
- Além de minha mãe, você é a única mulher que me coloca no meu lugar. - Ele riu.
Quando chegaram a um campo florido, Grey parou a carruagem e olhou para Emma
segurando em suas mãos.
- Veja.
- É lindo...
- Você é que é linda, Emma. Mais linda do que a grama fresca e as flores da primavera. Eu
tenho um temperamento difícil e não posso dizer que nunca mais a irritarei, mas prometo respeitá-
la, escutá-la e dividir a minha vida inteira com você se me permitir. Eu te amo, minha querida
Emma, e humildemente peço-lhe que me dê a honra de ser minha esposa.
- Você me ama? - ela perguntou, surpresa, mas com brilho nos olhos. - Não é só um
estúpido código de honra?
- Meu amor por você é maior do que as terras da fronteira. Eu te amo desde a primeira vez
em que a vi, mas era cego para perceber. Me convenci de que o casamento era para tolos, porém
eu era o tolo. Serei a pessoa mais feliz do mundo se você me aceitar. Prometo adorá-la por todos
os dias da minha vida e continuar achando-a fascinante no seu aniversário de cinqüenta anos
tanto quanto hoje.
- Eu ainda vou abrir a biblioteca - Emma sussurrou.
- Eu a ajudarei. - Grey beijou-a no rosto.
- E organizarei um grupo de discussão dos livros para as mulheres da cidade.
- Eu arrecadarei donativos para o grupo.
- Mesmo se eu indicar livros impróprios?
- Deixarei que você julgue o que é apropriado. - Ele acariciou seu rosto - Você ainda não
me respondeu, Emma...
- Beije-me, Grey...
Ele a beijou por tanto tempo e com tanto amor que, quando se separaram, estavam sem
fôlego e corados. Grey sorriu para Emma e ajeitou um fio de cabelo atrás de sua orelha.
- Então, aceita? - perguntou segurando em seu queixo docemente.
- Oh, sim! - ela respondeu sorrindo.
E ele a beijou novamente.

FIM

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