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Olá, seja bem-vindo (a) ao curso “Introdução à Polícia Comunitária”.

É possível que, antes mesmo de se matricular nesse curso, você já tenha escutado falar a respeito de
polícia comunitária. Na sua organização, nos noticiários ou ainda em conversas com amigos ou familiares, a
expressão polícia comunitária provavelmente já foi utilizada. Com ela, são apresentadas diferentes
perspectivas e expectativas, as quais poderão ajudá-lo a entender melhor esse termo. Mas...
• O que é polícia comunitária?
• O que distingue a polícia comunitária das outras formas de compreender e fazer o policiamento?
• É uma forma de fazer relações públicas para a polícia?
• É prevenção criminal?
• É policiamento a pé?

Essas questões são frequentes e podem representar pré-noções equivocadas e prejudiciais para toda a
organização se forem mal compreendidas.
Desde os anos 1990, a ideia de polícia comunitária tem se tornado cada vez mais popular no campo de
segurança pública no Brasil, seguindo um movimento de outros países. Com essa popularização, a noção de
polícia comunitária corre um sério risco de se tornar um recurso meramente discursivo, utilizado de forma pouco
precisa e descuidada, marcada por um vazio semântico: ora, se tudo pode ser definido como polícia comunitária,
nada efetivamente acaba sendo polícia comunitária.
Junto à possibilidade de falta de clareza pelo uso descuidado, está a perda de foco e do potencial de
aperfeiçoamento dos serviços de segurança pública que acompanham a noção de polícia comunitária.
Para evitar esses e outros maus-usos, é necessário ter clareza do conceito de polícia comunitária, suas
características e práticas distintivas de outras formas de orientar o trabalho das organizações de segurança
pública (OSP)*. Além disso, esse mesmo rigor deve ser utilizado no afastamento dos mitos que ameaçam a
polícia comunitária.
* O termo “organização de segurança pública” se refere às instituições que compõem o sistema de segurança
pública em sentido amplo, sendo utilizado como forma de contemplar e incluir as diferentes possibilidades de vinculação
dos discentes desse curso. Em grande medida, as polícias, os corpos de bombeiros, as guardas municipais e as secretarias
de segurança pública representam a maioria das instituições envolvidas.)

Durante o curso, você terá acesso a informações objetivas e criteriosamente reunidas para a
compreensão do debate em torno da polícia comunitária. Com isso, você poderá analisar os seus pontos fortes
e avaliar a utilização de técnicas específicas que modifiquem a sua realidade e da comunidade em que está

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inserido (a). De igual maneira, você poderá evitar as dificuldades enfrentadas pela polícia comunitária em outras
realidades.
Essa postura crítica representa o início desse curso, onde será necessário um distanciamento de
eventuais experiências e pré-conceitos típicos do senso comum. A partir de agora, busque observar a
realidade sob o ponto de vista oferecido pela perspectiva da polícia comunitária. Provavelmente, se assim o
fizer, você perceberá que a polícia comunitária já faz parte de sua realidade!
Desejamos a todos, bons estudos!

Objetivo do curso

Ao final do curso você será capaz de:

• Discutir o contexto de surgimento da noção de polícia comunitária.


• Compreender e analisar diferentes conceitos de polícia comunitária.
• Identificar as diferenças entre a polícia comunitária e outras formas de orientação das
organizações de segurança pública.
• Compreender a noção de participação social em segurança pública;
• Identificar formas de mobilização social;
• Aplicar ferramentas de gestão pela qualidade aplicadas ao policiamento comunitário;
• Reconhecer a relevância da participação social no campo de segurança pública.
• Compreender a noção de vulnerabilidade social, articulada a contextos e serviços especializados
a populações específicas.

Estrutura do curso

O curso está divido nos seguintes módulos:

• Módulo 1 – Polícia Comunitária: da teoria à prática;


• Módulo 2 – Mobilização social: uma via de mão dupla;
• Módulo 3 – Gestão pela qualidade aplicada ao policiamento comunitário;
• Módulo 4 – Atenção a grupos em situação de vulnerabilidade.

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MÓDULO
POLÍCIA COMUNITÁRIA: DA TEORIA À PRÁTICA
1

Apresentação do módulo

A polícia comunitária representa um conjunto de valores e práticas que reorientam o trabalho das
organizações de segurança pública (OSPs). O contexto de surgimento das alterações que possibilitam o
aparecimento da polícia comunitária varia de sociedade para sociedade. Em grande medida, a polícia
comunitária divide espaço com outras formas de perceber e realizar o trabalho das OSPs, não sendo, muitas
vezes, compreendida como um modelo norteador das políticas e ações de segurança pública no Brasil e em
outros países.
Com a finalidade de compreender o que é polícia comunitária, neste módulo, você estudará os
aspectos motivadores do seu surgimento e as perspectivas filosófica ou normativa e institucionalista que
servem de base para:
• as conceituações utilizadas; e
• análise das implicações do trabalho policial e dos mecanismos e formas de estruturação e
funcionamento das OSPs segundo a polícia comunitária.

Objetivo do módulo

Ao final deste módulo, você será capaz de:

• Discutir os aspectos contextuais do surgimento da polícia comunitária;


• Compreender e analisar os conceitos de polícia comunitária advindos das perspectivas filosófica
ou normativa e institucional;
• Descrever as principais características da polícia comunitária;
• Analisar as diferenças entre a polícia comunitária e outras formas de orientação das
organizações de segurança pública;
• Comparar a polícia comunitária enquanto filosofia e técnica;
• Identificar o que não corresponde à polícia comunitária

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Estrutura do Módulo

Este módulo compreende as seguintes aulas:

• Aula 1 – Contextualizando o surgimento da polícia comunitária


• Aula 2 – Definindo conceitos: a perspectiva filosófica ou normativa
• Aula 3 – Definindo conceitos: a perspectiva institucionalista
• Aula 4 – Os mitos sobre a polícia comunitária

Aula 1 – Contextualizando o surgimento da polícia comunitária

1.1 A crise de legitimidade como indutora do surgimento da Polícia Comunitária

Para muitos autores é possível interpretar o surgimento da polícia comunitária como uma das
implicações perante cenários de crises, especialmente aquelas que se referem à legitimidade* do sistema
policial.
* o conceito é compreendido como a aceitação de uma ordem de dominação, baseada nas disposições dos
sujeitos em aceitar essa ordem e, por outro lado, reflete a capacidade dessa ordem de se fazer consensual. Ou seja, é
legítimo aquilo que encontra aceitação ou obediência e promove o consenso diante da ordem de coisas que sustenta. Ver
Weber, 1999, v.2, p. 197. Economia e sociedade: fundamentos da sociologia compreensiva. Brasília: UnB. 2v.3

Saiba Mais..
David Bayley e Jerome Skolnick (2002) se inserem no conjunto desses autores. Eles analisaram
diferentes experiências de polícia comunitária no mundo e observaram que diferentes casos traziam, em comum,
críticas e questionamentos ao sistema policial vigente. Por exemplo, na Inglaterra, ocorreram tumultos no final
dos anos 1970 motivados por crítica à atuação discriminatória e violenta da polícia.
O mesmo ocorreu em Detroit e em Los Angeles também nos anos 1970. Em Cingapura foram os
conflitos multiétnicos que levantaram questionamentos sobre o modelo policial. No Brasil, o caso da Favela
Naval, em Diadema/SP, representou um momento em que o modelo policial brasileiro foi fortemente criticado.
Os autores concluíram que o surgimento da polícia comunitária é comumente marcado por um
contexto de críticas ao sistema policial, onde são reivindicadas reformas institucionais que aproximem a polícia
e a sociedade.
Além disso, esse contexto foi marcado pelo aumento das taxas de criminalidade, pelo aumento da
sensação de insegurança e por uma grande exposição nos meios de comunicação de episódios que
demonstravam a insatisfação popular com ações policiais e os enfrentamentos mais frequentes.

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Num contexto de crise, a capacidade do sistema policial de encontrar aceitação é colocada em xeque,
por meio de críticas referentes.
• algumas de suas práticas;
• formas de organização;
• mecanismos de relacionamento interno e externo, entre outras.

Saiba Mais..
Estudos e pesquisas que buscam avaliar os serviços prestados e a confiança nas organizações policiais
apresentam informações que auxiliam na identificação de críticas e na construção de estratégias para superá-
las.
No site do Fórum Brasileiro de Segurança Pública você encontrará estatísticas, estudos e pesquisas
que o ajudarão a ampliar seus conhecimentos.

1.2 Crítica ao modelo tradicional


Conforme você estudou, um dos questionamentos relacionados à legitimidade do sistema policial
refere-se a algumas de suas práticas advindas do modelo tradicional ou profissional de policiamento,
caracterizado pela organização burocrático-legal voltada para a aplicação da lei.
Compreenda melhor esta questão.

Em diferentes países, a consolidação das OSPs como agências de aplicação da lei ocorreu segundo uma
perspectiva de profissionalização do trabalho policial. Notadamente, essa profissionalização era entendida como
uma forma de isolamento da organização perante interferências políticas, em que a lei passou a ser encarada
como principal fonte de legitimidade para suas ações, inclusive limitando as relações com o público externo,
tornando-o distante.
Ou seja, as organizações esforçavam-se em evitar interferências políticas utilizando a máxima de que a
lei representava a razão de suas atividades. Com isso, as relações com o público externo eram limitadas,
distantes. De acordo com Kelling e Moore (1988), o papel da comunidade era receber, passivamente, os serviços
de controle do crime exercido pelos policiais profissionais.
A expectativa criada sobre a capacidade da polícia em controlar o crime, é uma das principais críticas
ao modelo tradicional. A ideia pode ser resumida da seguinte forma:
• A atividade da polícia é aplicar a lei, portanto, atuar com crimes.
• Todavia, sendo o crime um fenômeno motivado por várias condicionantes sociais, políticas
e econômicas, a polícia representa apenas mais um ator nesse processo.
Logo, é equivocado atribuir somente à polícia a responsabilidade sobre crimes.

No modelo tradicional, os resultados do trabalho das OSPs são medidos pelo:


• número de prisões;
• aumento ou diminuição de taxas criminais;

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• número de apreensões, número de mandados judiciais cumpridos;
• tempo resposta nos atendimentos emergenciais;
• por meio de patrulhamento móvel, dentre outros.

Não há algo que englobe tais esforços e lhes confira sentido como um todo, propiciando condições
de governança comum*.
* A ideia de governança em relação ao poder público diz respeito à capacidade de articular, coordenar e estimular
ações e medidas eficazes e compartilhadas entre atores interdependentes que não possuem, comumente, relações
hierárquicas entre si. Por exemplo, na área de segurança pública, a promoção de integração entre diferentes OSPs depende,
fortemente, da capacidade de governança do governo sobre as ações e medidas em questão.

Em outras palavras, no modelo tradicional, os esforços das OSPs são direcionados para a aplicação da
lei e o combate ao crime como funções principais, ao passo que a polícia comunitária pressupõe uma expansão
do mandato policial para contemplar, ainda, redução do medo do crime e manutenção da ordem local.

1.3 O contexto de crise como oportunidades para mudanças


É importante que você compreenda também, que é no contexto de crise que surgem oportunidades
de reformas nas OSPs, pois a melhoria dos serviços demanda novos processos e estruturas.
No caso do surgimento da polícia comunitária, as mudanças estão relacionadas à maior participação
da sociedade na formulação e na avaliação da agenda da segurança pública.
As reformas propostas comumente se dirigem a:
• promover uma maior responsabilização e transparência das organizações e dos profissionais de
segurança pública, ou seja, a prestação de contas e o acesso a informações passam a ser comuns e rotineiros.
Por exemplo, é o caso da disponibilização de dados estatísticos ou divulgação de detalhes sobre operações.
• possibilitar o desenvolvimento de mecanismos de controle interno e externo, como
corregedorias, Ministério Público, Ouvidorias;
• estimular a profissionalização dos profissionais de segurança pública, por meio de processos de
formação continuada, contemplando temáticas sempre contemporâneas e relacionadas a diferentes contextos
da realidade policial. Por exemplo: como atuar diante de crimes no ambiente virtual? Ou ainda, como atuar
diante de violações de direitos de comunidades específicas, como indígenas? Certamente, são questões que
exigem preparação específica.
• fomentar a especialização dos profissionais de segurança pública, em particular por meio de
processos de seleção e recrutamento rigorosos e públicos.
Mas... O que é polícia comunitária?
Nas aulas a seguir, você estudará os conceitos de polícia comunitária a partir de duas
perspectivas: a “filosófica ou normativa” e a “institucionalista”.
Esses conceitos o auxiliarão na compreensão do tema e nas implicações para as atividades das
OSPs.

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Aula 2 – Definindo conceitos: a perspectiva filosófica ou
normativa

A dimensão moral ou filosófica oferece uma espécie de lente a partir da qual se passa a enxergar a
realidade do trabalho policial, em que a própria OSP se percebe de uma forma diferente. Por conseguinte, as
diferentes modalidades de trabalho policial devem continuar a ser realizadas, não se confundindo com o
policiamento comunitário.
Nesta aula, você examinará mais de perto esta relação.

Segundo a perspectiva filosófica ou normativa, a polícia comunitária pode ser interpretada como sendo:

uma filosofia e uma estratégia organizacional que proporciona uma nova parceria
entre a população e a polícia. Baseia-se na premissa de que tanto a polícia como a
comunidade devem trabalhar juntas para identificar, priorizar e resolver problemas
contemporâneos como crimes, drogas, medo do crime, desordens físicas e morais,
e em geral a decadência do bairro, com o objetivo de melhorar a qualidade de vida
geral daquela área. (TROJANOWICZ e BUCQUEROUX, 1994, p. 4).

Essa definição talvez seja a mais conhecida no Brasil e foi formulada por Robert Trojanowicz e Bonnie
Bucqueroux, em 1999. Tendo sido um dos primeiros trabalhos sobre o tema traduzidos para o português, o
livro coloca em evidência as duas dimensões da polícia comunitária:

Dimensão moral ou filosófica Dimensão instrumental

Diz respeito aos valores e princípios e às normas


Diz respeito às questões práticas de organização
relevantes à polícia comunitária. Representam a
e de execução da polícia comunitária.
sua base de sustentação valorativa, as quais se
referem ao dever ser.

Dimensão moral ou filosófica


Trojanowicz e Bucqueroux (1994) defendem que a implantação da polícia comunitária exige uma
mudança na percepção dos Profissionais de Segurança Pública e, consequentemente, da organização, acerca
do que é o seu trabalho, como ele deve ser realizado e para quem se dirigem seus serviços.
Essa dimensão moral ou filosófica confere ênfase na melhoria da qualidade de vida das pessoas, por
meio da orientação das atividades das OSPs para as necessidades da comunidade.

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Ao estabelecer como premissa a mútua interação entre OSP e comunidade, a polícia comunitária afirma
a vocação do trabalho policial em servir a comunidade, na medida em que os problemas interferem na
qualidade de vida da região, inclusive por meio de estratégias de controle criminal, entre outros.
Com isso, é central que a organização como um todo, compartilhe desse valor, dessa maneira de
encarar o seu lugar e a sua organização. Pode-se dizer que: se a polícia comunitária representa uma forma de
perceber o trabalho policial de uma maneira geral e como ele se insere na sociedade, toda a organização deve
compartilhar dessa perspectiva, antes mesmo de pensar como devem ser desenvolvidas suas atividades.

Importante!
A polícia comunitária pressupõe valores que devem ser comuns à organização como um todo, não
devendo ser restrita a determinados setores ou atividades da organização. Assim, é possível afirmar
que não faz sentido falar em polícia comunitária se não for em relação a toda a organização, pois
enquanto filosofia ela deve ser uma referência para todos os seus integrantes. Em outras palavras...
TODA OSP DEVE SER ORIENTADA PELA FILOSOFIA DE POLÍCIA COMUNITÁRIA.

Mas, e o trabalho policial, como fica?


Você estudará a seguir, pois ele está inserido na dimensão instrumental.

Dimensão instrumental: o policiamento comunitário


O trabalho policial deve ser desenvolvido de acordo com a filosofia ou com os valores da polícia
comunitária. A forma de desenvolver o trabalho, ou seja, o policiamento comunitário deve ser adaptado às
exigências do público que é atendido, de forma que o profissional de segurança pública preste um serviço
completo, o que exige a ampliação do mandato policial.
Para tanto, o profissional de segurança pública comunitário deve ser especializado nas atividades que
desempenha, pois as atividades de polícia comunitária exigem saberes ou conhecimentos específicos.

Exemplo
Uma atividade básica do policiamento comunitário são as visitas comunitárias, em que o profissional
de segurança pública deve procurar às pessoas da comunidade que atende para conhecer a realidade local e
seus problemas, e após isso, registrá-los.
Ora, o profissional de segurança pública deve saber como se dirigir ao seu interlocutor para criar
vínculos, e não ter esse contato apenas como objetivo a obtenção de informações criminais.

Imagine-se nessa situação...


Como agir?
O que e como falar?
Quando realizar a visita?

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Essas perguntas representam aspectos do trabalho do profissional de segurança pública comunitário
que exigem formação e treinamento, igualmente como qualquer outra atividade na organização.

Importante!
O policiamento comunitário representa uma das possibilidades de tradução, em termos práticos, da
filosofia de polícia comunitária.

2.2 Polícia comunitária e policiamento comunitário


A partir do conceito de Trojanowicz e Bucqueroux (1994) é possível afirmar que toda a OSP é orientada
pela filosofia de polícia comunitária (a partir da lente da polícia comunitária) desde unidades com atividades
muito específicas, como controle de distúrbios civis e o policiamento ambiental, até aquelas dedicadas ao
policiamento rotineiro, como as unidades de radiopatrulhamento ou do policiamento a pé. Todavia, nem todas
executam atividades de policiamento comunitário, as quais são dedicadas a setores especializados da
organização.
O imperativo que a filosofia de polícia comunitária pressupõe é a promoção de novos valores que
orientem a atividade policial, de forma que:
Sejam adaptáveis às necessidades de melhoria da qualidade de vida da região, inclusive por meio de
estratégias de controle criminal, mas não somente por isso.

• Estabeleçam mecanismos de participação social;


• Priorizem os problemas identificados pela comunidade;
• Estruturem a OSP para o atendimento desses problemas, por meio do policiamento comunitário;
• Sejam submetidos aos controles sociais e institucionais;
• Sejam adaptáveis às necessidades de melhoria da qualidade de vida da região, inclusive por meio
de estratégias de controle criminal, mas não somente por isso.

Importante!
Tenha em mente que polícia comunitária diz respeito a valores, a como deve ser orientada toda a
organização e o policiamento comunitário executa, de forma especializada, atividades como: as visitas
residenciais, visitas comerciais, visitas pós-crime, encaminhamentos para outros órgãos, conforme a
necessidade, dentre outras.

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Aula 3 – Definindo conceitos: a perspectiva institucionalista

Nas ciências sociais, o institucionalismo é marcado por estabelecer explicações, tendo como principal
unidade de análise as instituições, formais e informais, na ação dos indivíduos.

É justamente esta análise, no âmbito das OSPs, que você estudará a seguir.

3.1 Mecanismos para a coprodução da segurança


A polícia comunitária também pode ser vista como forma de repensar a relação entre a polícia e a
sociedade, extrapolando a noção de mera prestação de serviço.
Nesse sentido, a polícia comunitária seria uma interação num mesmo nível entre polícia e sociedade,
em que o público é visto como coprodutor da segurança e da ordem juntamente com a polícia (SKOLNICK
e BAYLEY, 2002, p. 18).

Para tanto, alguns mecanismos organizacionais são especialmente relevantes. São eles:
• A orientação das OSPs com base na comunidade;
• A responsabilização das comunidades;
• A responsabilização das OSPs em relação a áreas e a problemas específicos; e
• A reorientação das atividades das OSP para ênfase em serviços não-emergenciais.

Estude a seguir sobre cada um desses mecanismos.

A orientação das atividades das OSPs com base na comunidade


Os problemas que envolvem uma comunidade devem ser compreendidos a partir da própria
comunidade, permitindo analisar suas causas e implicações, assim como as possibilidades de intervenção.
Portanto, é importante consultar a população sobre os problemas e as prioridades daquela região, buscando
antecipar estratégias para sua resolução. A comunidade não recebe passivamente os serviços: ela contribui para
produzi-los. Para tanto, as OSPs precisam se adaptar, como instituição e não apenas alguns setores, para integrar
a comunidade nos seus processos e rotinas.

A responsabilização das comunidades


Nesse ponto, a questão central é permitir que aqueles que participam da priorização dos problemas a
serem tratados pelas organizações de segurança pública sintam-se responsáveis pelos resultados obtidos. E isso
se dá pelo encorajamento à participação no processo deliberativo, propiciando uma espécie de responsabilidade
coletiva em relação a sua própria proteção e segurança. Em outras palavras, trata-se de mobilizar a comunidade
para a autoproteção e para a resolução de problemas locais, por meio do compartilhamento de poder.
As OSPs são instituições que exercem controle social, principalmente, por meio da possibilidade de
utilizarem a força em favor da lei na resolução de conflitos internos (BITTNER, 2002). Assim, a definição das

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prioridades das OSPs, a influência nas suas estruturas e em suas formas de atuação, ao serem compartilhadas
com as comunidades locais, na medida em que a população participa da formação da agenda das OSPs,
representam formas de compartilhamento de poder na sociedade.
As formas de propiciar essa mobilização serão estudadas adiante, como os Conselhos Comunitários de
Segurança e as Associações de Bairro.

A responsabilização das OSPs em relação a áreas e a problemas específicos


Relacionada com o item anterior, esse mecanismo reforça a necessidade de referenciação territorial da
polícia comunitária.
Comumente, são utilizados, como mecanismos de referências nas comunidades, os equipamentos que
propiciam o estabelecimento de formas de orientação quanto a serviços (no caso, serviços de segurança pública)
e quanto a pessoas (novamente, no caso, os profissionais de segurança pública). A referenciação territorial pode
ser estimulada por meio de equipamentos fixos (como postos comunitários de segurança - figura 1) ou móveis
(como bases comunitárias móveis de segurança – figuras 2 a 4).
Com a divisão da área de atuação de cada equipe de profissionais de segurança pública, a comunidade
local passa a conhecê-los e a ser conhecida, assim como suas demandas e problemas locais. Para tanto, dois
pontos são essenciais:
a) a descentralização do comando: diz respeito à flexibilização da tomada de decisão por setores
intermediários da OSP, tendo em vista a condições de oportunidade e conveniência na resolução de problemas.
Por exemplo, a decisão de acompanhar pessoas numa travessia de trânsito intenso ou o encaminhamento de
uma pessoa ao serviço de assistência social da região, em virtude de perda de vínculos com familiares, são
decisões que exigem, comumente, flexibilidade para a resolução local de questões pontuais; e
b) uma maior autonomia para os profissionais de segurança pública comunitários: está
relacionada ao ponto anterior e diz respeito ao estímulo à tomada de decisão diante de problemas locais e
pontuais, tendo em vista o conhecimento particular obtido com o maior envolvimento comunitário. Com o
tempo, a própria comunidade passa a esperar respostas ágeis específicas em relação aos problemas locais.
Essas mudanças organizacionais permitem que o policiamento se torne adaptável às demandas
surgidas nas comunidades locais, reforçando os vínculos construídos com as pessoas e o território.

A reorientação das atividades das OSP para ênfase em serviços não-emergenciais


Estabelecer prioridade em serviços não-emergenciais (como o 190) está diretamente associados a
estimular atividades proativas face a atividades reativas. A lógica que faz parte dessa ideia é a seguinte: sabendo
que crimes e desordens são comuns e frequentes nas sociedades, o policiamento comunitário prioriza a atuação
nas suas causas e não nas suas consequências.
Para tanto, conhecer as características locais, como dados socioeconômicos e demográficos, assim
como a oferta de serviços públicos e a existência de grupos ou coletivos mobilizados na região, é tão importante
quanto conhecer os registros e as dinâmicas criminais locais.

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Por exemplo: no caso de atuação com dependentes químicos em situações de cenas de uso de crack,
é especialmente importante para os profissionais de segurança pública conhecerem as redes de atenção e
cuidado envolvidas com o atendimento a essas pessoas na região. Mais do que isso, é crucial compreender
como essas redes funcionam e quais são as suas lógicas de prestação de serviços, como forma de não tornar a
situação ainda mais dramática.

Nota
Compreender como essas redes funcionam e quais são as suas lógicas de prestação de serviços também
é um dos objetivos do Programa Crack, é possível vencer do Governo federal. Na oportunidade visite o site do
programa.

Em outras palavras, é o caso de estimular o desenvolvimento de formas distintas de abordagem do


crime, da desordem e do medo do crime, que contemplem conhecimentos de outras áreas que não apenas do
sistema de justiça criminal, em especial das OSP.

3.2 Características da perspectiva institucionalista


As características destacadas pela perspectiva institucionalista são as seguintes:

Orientação das atividades das OSP com base na comunidade


• Extensão do mandato policial;
• Foco nos problemas da comunidade, tais como desordem, medo do crime e crime;
• Elaboração de diagnósticos a respeito dos problemas da comunidade: questionários, entrevistas,
acesso a bancos de dados socioeconômicos e demográficos (p. ex: IBGE, SUS, SUAS).

Responsabilização das comunidades


• Relações simétricas com a comunidade, ou seja, num mesmo nível, compartilhando poder;
• Desenvolvimento de relações baseadas na confiança, ou seja, no estabelecimento de vínculos de
reciprocidade.

Responsabilização das OSP em relação a áreas e problemas específicos


• Descentralização de comando, preferencialmente propiciando a referenciação territorial e de
serviços;
• Maior autonomia dos profissionais de segurança pública;
• Menor rotatividade dos profissionais de segurança pública.

Reorientação das atividades das OSP para ênfase em serviços não-emergenciais


• Atuação nas causas e não nas consequências dos problemas da comunidade;
• Criatividade na resolução dos problemas locais, ou seja, as necessidades da comunidade exigem
cuidados específicos.

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Saiba Mais...
No final de 2014, o Presidente dos Estados Unidos, Barack Obama, constituiu uma comissão com
objetivo de apresentar sugestões para a melhoria do policiamento dos Estados Unidos, desenvolvendo relações
de confiança entre a polícia e a sociedade por meio do policiamento comunitário. Dentre as atividades da
comissão, estava a avaliação de experiências com resultados positivos e a proposição de mecanismos de
replicação em outras organizações no país. Foram realizadas diferentes recomendações para o governo no
sentido de aperfeiçoar o policiamento, em particular por meio do “suporte à cultura e à prática do policiamento
que reflitam os valores de proteção e promoção da dignidade de todos, especialmente os mais vulneráveis”
(PRESIDENT’S TASK FORCE ON 21ST CENTURY POLICING, 2015: 3).

3.3 O modelo tradicional X O modelo de polícia comunitária


Após a compreensão das definições de polícia comunitária, sob a perspectiva filosófica ou normativa e
a perspectiva institucionalista, você analisará, a seguir, orientado por questões relacionadas as atividades das
OSP, o quadro comparativo com as características entre o modelo tradicional e a polícia comunitária.
Observe que, em termos práticos, as diferentes modalidades de policiamento não são excludentes. Pelo
contrário, o policiamento comunitário tende a complementá-las com suas atividades.
É importante destacar que existem outros modelos de policiamento, como o Policiamento Orientado
para Resolução de Problemas, Policiamento Orientado por Evidências e o Policiamento de Tolerância Zero,
contudo o debate central entre os modelos destacados parece ser o mais adequado para os objetivos do curso.

Questão Modelo Tradicional Polícia Comunitária


A polícia é o público e o público é
É uma agência
a polícia os profissionais de
Qual o papel governamental responsável,
segurança pública são aqueles
central da polícia? principalmente, pela
pagos para conferir atenção às
aplicação da lei.
necessidades dos cidadãos.
Como se dá a As prioridades entre os
A polícia é uma agência dentre
relação entre a órgãos são conflitantes, ou
várias responsáveis por melhorar
polícia e outras seja, cada um atua de forma
a qualidade de vida.
agências públicas? isolada.
Qual o foco da Perspectiva mais ampla de
Foco na resolução de crimes.
polícia? resolução de problemas.
Pela ausência de crimes,
desordens e medo do crime. Por
Como a eficiência
exemplo, a realização de
da polícia é Por prisões e apreensões.
pesquisas de vitimização,
medida?
avaliações da qualidade dos
serviços prestados e da confiança

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nas OSP são mecanismos de
gestão utilizados pelo modelo de
polícia comunitária
Quais são as Crimes econômicos (p. ex.
Aqueles problemas que mais
principais roubos a bancos) e aqueles
incomodam a comunidade
prioridades? que envolvem violência
Com o que as
Demandas e problemas da
polícias lidam Incidentes ou ocorrências.
comunidade.
especificamente?
O que determina a
Cooperação do público e
efetividade da Tempo resposta.
confiança na polícia.
polícia?
O que representa o
Respostas rápidas e efetivas Estar próximo da comunidade e
profissionalismo
para crimes graves. resolver seus problemas.
para a polícia?
A função do comando central é
A função do comando é estabelecer e fomentar os valores
Qual o papel dos
prover os regulamentos e as organizacionais. Ou seja, atua em
comandos
determinações que devem nível estratégico. propiciando
centrais?
ser cumpridas pelos policiais. condições de trabalho, como a
descentralização e a autonomia.
Como a polícia
encara a Como uma ferramenta dentre
Como um objetivo.
condenação tantas outras.
criminal?
Como ocorre a À comunidade, de acordo com as
Somente ao superior e
prestação de necessidades locais, e aos
quanto questionado.
contas? superiores.
De acordo com as necessidades
Como se dá a De acordo com o número de de segurança da comunidade, ou
organização do ocorrências, privilegiando os seja, em casos de sintomas de
policiamento? picos ou hot spots. desordem e incivilidades, medo
do crime e crimes.
Fonte: Adaptado de M. Sparrow (1988). Implementing Community Policing.
Perspectives on Policing. p. 8-9. Washington, DC: National Institute of Justice and
Harvard University.
Quadro 1 – Características dos modelos tradicional e de polícia comunitária

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Saiba Mais...
As pesquisas de vitimização buscam detalhar aspectos da ocorrência de crimes e de violências, mas
também oferecem subsídios sobre percepção de segurança e medo do crime, sobre a avaliação dos serviços
prestados pela segurança pública e a confiança nas organizações. Foram realizados diferentes levantamentos
em níveis locais, Estados e Municípios, os quais apresentam limitações de comparação dos dados entre si. A
partir de 2011, contudo, o Ministério da Justiça, por meio da Secretaria Nacional de Segurança Pública, conduziu
a realização da 1ª Pesquisa Nacional de Vitimização, numa parceria com o Centro de Estudos de Criminalidade
e Segurança Pública – CRISP/UFMG e o Instituto Datafolha. O relatório final foi lançado em 2013.

Aula 4 – Mitos sobre a polícia comunitária

Como foi dito na apresentação, o uso correto do conceito de polícia comunitária exige precisão e
coerência, a fim de que não seja esvaziado e perca efetividade.

Ao longo desse módulo, você estudou que a polícia comunitária é uma filosofia compreensiva que
afeta a todos os integrantes de uma OSP. Sua implantação exige que sejam alterados valores e práticas, tanto
estratégicos, operacionais e táticos.
Nessa aula você será apresentado àquilo que não constitui a polícia comunitária, ou seja, serão
apresentados os mitos mais comuns sobre o tema.

4.1 Polícia comunitária não é específica


De outra forma, essa crítica afirma que a polícia comunitária é generalista e que não pode ser aplicada
a problemas precisos. Pelo contrário, representa uma nova forma de perceber o papel da polícia na sociedade.
A polícia comunitária requer o desenvolvimento de técnicas específicas para a aplicação de novas
atividades de policiamento comunitário, mas não é uma técnica em si. Por exemplo, essa visão é acompanhada
da ideia de que não é necessário treinamento para atuar com a comunidade, pois isso “qualquer um faz”. Trata-
se de um engano, que não compreende a tarefa que se impõe ao profissional de segurança pública: encarar sua
atividade de uma forma completamente nova, o que exige esforço e dedicação.

4.2 Polícia comunitária é o mesmo que relações públicas


As áreas de relações públicas das OSP são confundidas com o trabalho de policiamento comunitário,
o que é um erro frequente e negativo para ambos os lados. O objetivo desses setores é “vender” uma imagem
da OSP, por vezes baseada na ideia de que as pessoas não compreendem o trabalho da organização e as
dificuldades da aplicação da lei. Nessa perspectiva, o policiamento comunitário contribuiria para educar as
pessoas sobre o trabalho policial.
Mas essa noção apresenta um equívoco desde sua origem: a relação entre a organização e a
comunidade não pode ser vista de cima para baixo, desnivelada, ou tendo a pretensão de ensinar as pessoas
sobre “como” encararem o trabalho policial. Pelo contrário, o policiamento comunitário tem o potencial de
16
melhorar a imagem das organizações justamente por se basear em novas formas de perceber como deve ser o
trabalho policial e como se relacionar com a comunidade, em um mesmo nível de interação. A relação é
confiança e de compartilhamento de poder, não de ensinamento ou de promoção de uma imagem.

4.3 Polícia comunitária é suave com o crime


Esse talvez seja o mito que cause maior dano aos profissionais de segurança pública que executam o
policiamento comunitário. A questão central é o estabelecimento das prioridades do trabalho policial: para a
polícia comunitária, se uma pessoa liga para a polícia, é porque aquela questão é importante para ela e, assim,
se torna importante para a polícia. Mas quem define a relevância é a comunidade, não a polícia.
A noção de que o verdadeiro trabalho policial é fazer prisões e apreensões deixa escapar a imensa
maioria dos casos que são apresentados para as OSP todos os dias. Isso não quer dizer que sejam menos
importantes que os demais casos: eles são tão relevantes quanto os demais casos, porém são menos frequentes.
Além disso, para Kappeler e Gaines (2011), a polícia comunitária exige que o profissional de segurança
pública considere estratégias e táticas, que incluem as prisões e apreensões, sendo essas não limitadas; porém,
isso não quer dizer que a polícia seja branda com o crime. Pelo contrário, significa que ele atua de uma forma
analítica e resolutiva, possibilitando outras maneiras de lidar com os fatores que geram problemas para a
comunidade, tais como desordens, crimes e medo do crime.

4.4 Polícia comunitária não é especializada


A crítica expressa a resistência de estruturas tradicionais face a mudanças, argumentando que não
existiria especificidade no policiamento comunitário. Novamente, o argumento do verdadeiro trabalho de
polícia é trazido à tona, sob a perspectiva de que os grandes feitos ou ocorrências são apenas as prisões e as
apreensões. O padrão do guerreiro está presente nas OSP brasileiras e tende a ratificar a ideia de que a polícia
se dedica exclusivamente ao crime.
A polícia comunitária, ao pressupor o reestabelecimento do mandato policial, exige conhecimentos
específicos para compreender os problemas locais.
Por exemplo: sabendo da incidência dramática de situações envolvendo drogas no país.
• Quantos profissionais de segurança pública possuem formação sobre dependência química?
• E sobre as relações neurológicas sobre o comportamento do dependente? E quanto às
possibilidades de tratamento indicadas para diferentes quadros de dependência?
• Quais os comportamentos mais frequentes dos dependentes e suas relações com crimes ou
desordens?

Tais questões procuram indicar que o trabalho policial não se limita às técnicas de uso da força e
conhecimento de legislação, mas deve contemplar saberes específicos que contribuem para a compreensão dos
problemas da comunidade.

17
4.5 Polícia comunitária é trabalho social
O mito sobre o trabalho social ou o assistencialismo argumenta sobre o mandato policial limitado ao
crime, destacando que a polícia tem de lidar com problemas mais sérios durante a maior parte do tempo. Além
disso, afirmam que, mesmo tendo o foco de toda a polícia para o crime, as taxas resistem em ceder: pesquisas
indicam que a maior parte dos atendimentos das polícias não diz respeito a crimes, mas a chamados de outra
natureza. Segundo Famega (2005), 75% do tempo dos policiais que foram analisados não estava relacionado ao
atendimento de crimes.
Certamente, os casos que se apresentam aos profissionais de segurança pública envolvem diferentes
condicionantes de vulnerabilidades. A atuação diante desses problemas permite que o profissional de segurança
pública seja tanto o agente da lei quanto o agente da paz, na medida em que pode mobilizar recursos e
responsabilidades, que vão desde uma conversa amigável ao uso da força letal. Dificilmente, outro trabalho
permite essa diversidade de escolhas.

4.6 Polícia comunitária expõe o profissional a riscos desnecessários


A questão colocada se dirige à liberdade conferida ao profissional de segurança pública para se adaptar
às necessidades da comunidade, o que poderia levá-lo a não seguir protocolos de segurança. Como você
estudou anteriormente, o policiamento comunitário exige treinamento para o desenvolvimento de habilidades
e de conhecimentos específicos, inclusive sobre como realizar o seu trabalho de forma segura para todos os
envolvidos, não apenas para ele.

4.7 Polícia comunitária serve para obter informações privilegiadas


Na verdade, a polícia comunitária pressupõe que sejam criadas relações de confiança entre a polícia e
a comunidade. Para tanto, a relação deve ser construída de forma colaborativa de acordo com as necessidades
da comunidade, e não aos interesses da polícia.

Finalizando...
Nesse módulo, você estudou que:

• O contexto de surgimento da polícia comunitária foi marcado por críticas ao sistema policial, em
que reformas institucionais que aproximassem a polícia e a sociedade eram reivindicadas;
• O modelo tradicional ou profissional de policiamento é caracterizado pela organização
burocrático-legal voltada para a aplicação da lei. Segundo essa lógica, o papel da comunidade era receber,
passivamente, os serviços de controle do crime exercido pelos policiais. (KELLING e MOORE, 1988); Segundo a
perspectiva filosófica ou normativa, a polícia comunitária pode ser interpretada como sendo: “uma filosofia e
uma estratégia organizacional que proporciona uma nova parceria entre a população e a polícia. Baseia-se na
premissa de que tanto a polícia como a comunidade devem trabalhar juntas para identificar, priorizar e resolver
problemas contemporâneos como crimes, drogas, medo do crime, desordens físicas e morais, e em geral a

18
decadência do bairro, com o objetivo de melhorar a qualidade de vida geral daquela área” (TROJANOWICZ e
BUCQUEROUX, 1994, p. 4).
• A implantação da polícia comunitária exige uma mudança na percepção dos profissionais de
segurança pública e, consequentemente, da organização, acerca do que é o seu trabalho, como ele deve ser
realizado e para quem se dirigem seus serviços.
• O trabalho da OSP deve ser desenvolvido de acordo com a filosofia ou com os valores da polícia
comunitária. A forma de desenvolver o trabalho, ou seja, o policiamento comunitário, deve ser adaptado às
exigências do público que é atendido, de forma que o profissional de segurança pública preste um serviço
completo, o que exige a ampliação do mandato policial.
• A diferença fundamental entre polícia comunitária e policiamento comunitário é: a primeira diz
respeito a valores, a como deve ser orientada toda a organização; o segundo executa, de forma especializada,
atividades de policiamento comunitário, como as visitas residenciais, visitas comerciais, visitas pós-crime, realiza
encaminhamentos para outros órgãos, conforme a necessidade, dentre outras.
• A polícia comunitária pode ser vista, também, como forma de repensar a relação entre a polícia
e a sociedade, ultrapassando a noção de mera prestação de serviço. Nesse sentido, a polícia comunitária seria
uma interação num mesmo nível entre polícia e sociedade, em que o público é visto como co-produtor da
segurança e da ordem juntamente com a polícia (SKONICK e BAYLEY, 2002, p. 18).
• São mecanismos para a coprodução da segurança: orientação das atividades das OSP com base
na comunidade; responsabilização das comunidades; responsabilização das OSP em relação a áreas e problemas
específicos e reorientação das atividades das OSP para ênfase em serviços não-emergenciais.
• São mitos equivocados sobre a polícia comunitária: a polícia comunitária:
✓ não é específica;
✓ é o mesmo que relações públicas;
✓ é suave com o crime;
✓ não é especializada;
✓ é o mesmo que trabalho social;
✓ expõe os profissionais de segurança pública a riscos desnecessários;
✓ é para obter informações privilegiadas.

Exercícios

1. Assinale as alternativas FALSAS.


a. Polícia comunitária e policiamento comunitário são sinônimos.
b. A polícia é responsável pela aplicação da lei e isso define os seus critérios de legitimidade na
sociedade.
c. O surgimento da polícia comunitária pode ser explicado, em diferentes contextos, por meio de críticas
a formas de atuação de OSP, que tendiam a limitar a participação social na segurança pública.
d. A responsabilização das OSP representa uma forma negativa de controlar e limitar o trabalho policial,
pois as decisões serão baseadas em informações privilegiadas.
19
2. Leia os trechos abaixo e depois responda o que se pede:
Segundo dados do Anuário Brasileiro de Segurança Pública (Fórum Brasileiro de Segurança
Pública, 2014), o grau de confiança nas polícias brasileiras foi de cerca de 33%, entre 2013 e 2014. O gráfico a
seguir apresenta os dados.

Trecho 2
“Em suma, o papel da polícia é enfrentar todos os tipos de problemas humanos quando (e na medida
em que) suas soluções tenham a possibilidade de exigir (ou fazer) uso da força no momento em que estejam
ocorrendo. Isso empresta homogeneidade a procedimentos tão diversos quanto capturar um criminoso, levar o
prefeito para o aeroporto, tirar uma pessoa bêbada de um bar, direcionar o trânsito, controlar a multidão, cuidar
de crianças perdidas, administrar os primeiros socorros e separar brigas de familiares” (BITTNER, 2003. p. 136).

a) Em sua opinião, levando em consideração os trechos e os dados acima, a polícia comunitária pode
ser considerada como uma alternativa para a melhoria da avaliação das polícias brasileiras?
b) A avaliação dos resultados do trabalho policial é comumente mensurado a partir das taxas criminais.
Contudo, a polícia comunitária pressupõe a ampliação do mandato policial além do crime, contemplando
sintomas de desordens, medo do crime e violências. Na sua opinião, as pesquisas que avaliam a confiança nas
instituições e a qualidade dos serviços prestados são indicadores importantes nessa tarefa? Como utilizá-los no
dia a dia da sua OSP?

3. Assinale as alternativas VERDADEIRAS


a. O policiamento comunitário estabelece atividades que dificultam o estabelecimento de indicadores
apropriados, o que inviabiliza a mensuração de seus resultados, sobretudo sobre o crime.
b. As pesquisas de vitimização representam uma alteração na forma de mensurar os resultados do
trabalho das OSPs, contemplando outras realidades além do crime, como avaliação dos serviços prestados,
confiança nas organizações e percepção de segurança.
c. O modelo tradicional de policiamento buscou limitar o acesso a informações das OSPs, em parte
como mecanismo para evitar interferências políticas.
d. O modelo de polícia comunitária parte da aproximação com a comunidade como forma de orientar
suas atividades rotineiras, o que estabelece condições para a coprodução da segurança.

20
Gabarito

1. Resposta Correta: A, B e D
2. Orientação para resposta: As respostas a estas perguntas devem contemplar, pelo menos, os
seguintes aspectos: a centralidade da produção de segurança pública por meio da parceria com a população
permite uma aproximação necessária com as OSP; a avaliação das OSP reflete contextos de separação entre o
trabalho policial como é pensado e como a sociedade espera que seja realizado, a polícia comunitária permite
justamente a superação dessas diferenças; no contato mais próximo é possível, ainda, que as dificuldades do
trabalho policial sejam apresentadas e discutidas com as comunidades locais, o que certamente impacta na
forma como os serviços são avaliados.
É importante, ainda, que a polícia comunitária seja encarada como uma alternativa de gestão que visa
à melhoria da prestação dos serviços públicos, o que pode impactar na avaliação do seu trabalho, mas isso não
o objetivo central do modelo de polícia comunitária.
3. Resposta Correta: B, C e D

21
MÓDULO
MOBILIZAÇÃO SOCIAL: UMA VIA DE MÃO DUPLA
2

Apresentação do módulo

No Módulo 1, você estudou o surgimento do modelo de polícia comunitária, os conceitos (a partir das
perspectivas filosóficas ou normativas e institucionais); as principais características da polícia comunitária, assim
como os mitos que frequentemente perseguem o modelo. Estudou também a necessidade de alterações nos
valores e nas práticas das OSPs.
Mas, e a comunidade?

É muito importante que as mudanças organizacionais sejam condizentes e acompanhem as


expectativas e as necessidades da comunidade que receberá os serviços.
Neste módulo, você compreenderá a relevância da participação social no campo de segurança pública,
inclusive para o aperfeiçoamento dos serviços prestados em comunidades locais. Os Conselhos Comunitários
de Segurança são mecanismos importantes de mobilização social e também serão estudados.

Objetivo do módulo

Ao final desse módulo, você será capaz de:

• Compreender o conceito de comunidade;


• Compreender os conceitos de participação e de mobilização social;
• Identificar formas de mobilização social;
• Reconhecer comportamentos favoráveis à mobilização social;
• Conhecer e listar as principais características dos Conselhos Comunitários de Segurança Pública;
• Identificar dificuldades na realização de reuniões dos Conselhos Comunitários de Segurança
Pública.

22
Estrutura do Módulo

Este módulo compreende as seguintes aulas:

• Aula 1 – Como definir comunidade?


• Aula 2 – Mobilização social;
• Aula 3 – Conselhos comunitários de Segurança Pública;
• Aula 4 – Dificuldades na mobilização comunitária.

Nota
As seções sobre Mobilização Social e Conselhos Comunitários de Segurança Pública foram
adaptadas do capítulo sobre Mobilização Social da nova edição do Curso Nacional de Promotor de
Polícia Comunitária, da SENASP/MJ, ainda no prelo. A redação final, contudo, é de inteira
responsabilidade do conteudista, particularmente pelas adequações realizadas para atender ao objetivo
do presente trabalho e às próprias teses defendidas. Dessa forma, cabe destacar a produção e a revisão
da publicação citada.

Aula 1 – Como definir comunidade?

1.1 O conceito de comunidade


Para a polícia comunitária, é essencial que o conceito de comunidade esteja claro. Nesse sentido, cabe
lembrar que conceitos são representações da realidade que proporcionam pontes com outros conceitos,
significados e a própria história. Os conceitos mudam de acordo com o contexto social em que são utilizados,
criados e desenvolvidos. E é o que tem ocorrido com o conceito de comunidade.
A noção clássica de comunidade envolve o compartilhamento de interesses por pessoas em
contextos de interdependência, normalmente associados a um território ou localidade. Nesse sentido, existe
uma dependência comum entre as pessoas naquele contexto, as quais são influenciadas pelo espaço
compartilhado e também por relações de parentesco (TONNIES, 1957).
Para Robert Park et al (1984), a comunidade seria um grupo de pessoas vivendo em uma área
geográfica específica e condicionada pelos processos subculturais de competição, cooperação,
assimilação e conflito. Em outras palavras, o conceito sugere que as pessoas trazem consigo marcas
identificáveis de pertencimento à comunidade ao viver naquele local e ao criar e participar de instituições sociais
que permitam interações (KAPPELER E GAINES, 2011).
A vida em comunidade influencia como as pessoas pensam, se sentem, acreditam e agem. Esses valores
comuns ajudam a constituir a dimensão moral da vida em comunidade, em que não apenas os valores, como
as crenças, os hábitos e as práticas são compartilhados pelos participantes da comunidade e repassados a novos
membros ao longo do tempo.

23
Por vezes, o conceito de comunidade tem sido associado à noção de vizinhança. Notadamente, após
processos de urbanização e crescente concentração de pessoas em centros urbanos, a ideia de vizinhança tende
a privilegiar a dimensão espacial da comunidade, ou seja, seus limites geográficos. Existem, por outro lado,
críticas que argumentam no sentido da inclusão da dimensão moral da vida em comunidade.
Em suma, pode-se destacar as seguintes características que estão presentes no conceito de
comunidade:
• Existência de áreas geográficas e/ou espaços de interações, ou seja, o espaço em que as
pessoas de uma comunidade se relacionam. Por exemplo: bairro, rua, vila, praça ou mesmo a internet.
• Existência de relações econômicas, políticas e sociais regulares. Essas relações contribuem
para a reiteração dos seus valores comuns. Por exemplo: quando a comunidade se reúne para realizar uma
quermesse no bairro, para plantar árvores ou ainda solicitar melhorias para a região.
• Existência de uma entidade legal ou unidade de governança comum. Por exemplo: governos,
associações, conselhos.
• Compartilhamento de um senso de interdependência mútua: as pessoas se sentem unidas em
torno de valores compartilhados mutuamente e que as fazem querer permanecer na comunidade.
• Compartilhamento de uma identidade do grupo, em que os valores daquela comunidade
representam a identidade do grupo. Por exemplo: moradores de condomínios fechados certamente valorizam
o fato de terem mais espaço do que em outros tipos de moradia, como apartamentos.
• Existência de processos de inclusão e exclusão da comunidade, assim como formas de
transmissão dos valores. Ou seja, são formas de reiterar ou rejeitar comportamentos, de acordo com os valores
daquela comunidade.

Processos de
exclusão
Interações sociais Valores

Processos de Cultura
inclusão compartilhada

Formas de
Entidade legal
transmissão

Área geográfica/ Sentimento de


Comunidade interdependência
espaços mútua

24
1.2 Sobre diferentes comunidades
Leia a citação a seguir.

“Se na comunidade os homens permanecem unidos apesar de todas as separações,


na sociedade permaneceriam separados não obstante todas as uniões” (TONNIES,
1957; p.65).

Observe que a citação apresentada confere centralidade à existência de diferenças entre comunidades
no contexto social. Mais do que isso, enseja a discussão sobre a diversidade de pontos de vistas das pessoas
num mesmo grupo.
Apesar de existir um sentido comum que une as pessoas, ainda assim elas mantêm diferenças entre si,
sobre as formas como percebem e se relacionam com o mundo ao seu redor. Inclusive, as pessoas podem fazer
parte de diferentes comunidades ao mesmo tempo, o que tem sido incentivado por meio do avanço das
tecnologias de comunicação e das redes sociais.
Para a polícia comunitária, o conhecimento da comunidade é tão central quanto possuir dados criminais
para o planejamento das atividades a serem desenvolvidas. Independentemente das características locais, o
desígnio da polícia comunitária está em resgatar a ideia de que a comunidade possui interesses comuns, e,
assim, induzir a melhoria da qualidade de vida naquele local. Nesse sentido, é importante conhecer:
• As características socioeconômicas e demográficas do local: população existente, renda,
raça/etnia, faixa etária, etc.;
• A oferta de serviços públicos, como escolas, hospitais, equipamentos da assistência social, de
inclusão produtiva, trabalho e renda, dentre outros;
• A existência e a localização de grupos ou organizações comerciais;
• A existência e a localização de organizações religiosas, associações comunitárias ou centros
comunitários;
• A existência de movimentos ou coletivos da sociedade civil com interesses específicos. Por
exemplo: movimentos de defesa dos direitos das mulheres, dos jovens, dos negros, de liberdade religiosa, de
livre orientação sexual etc.

Saiba Mais...
Em nível nacional, o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), reúne informações de todo
o país. Vários Estados e Municípios possuem órgãos com a finalidade de levantar dados específicos sobre seu
território. Procure se informar a respeito da sua cidade!

Ao conhecer a comunidade local, a polícia comunitária pressupõe que o trabalho policial seja discutido
com os moradores, numa lógica de mútua interação, o que é muito diferente de que a OSP estabeleça formas
seletivas de atuação para cada localidade.

25
A existência de comunidades com diferentes características faz parte da paisagem da grande maioria
das sociedades, o que não implica dizer que os serviços policiais devem privilegiar ou discriminar quaisquer
dessas comunidades.

Importante!
A polícia representa toda a sociedade e tem como objetivo principal a proteção dos direitos de todos,
independentemente de classe social, cor, idade ou sexo.

Um profissional de segurança pública que não protege os direitos de todos os cidadãos, depõe contra
si, contra a sua organização e contra a própria sociedade. Seria o mesmo que a comunidade reivindicar para si
a manutenção da ordem, por não confiar ou aceitar a forma como a polícia faz o seu trabalho ou mesmo não
ver sentido nas leis e nas regras da sociedade. Se vivenciaria fenômenos como o vigilantismo.
A polícia comunitária exige o contato direto com os moradores, não apenas com os “chamados” líderes
comunitários. Pelo contrário, é no contato frequente que os vínculos com a comunidade serão criados e
fortalecidos. Ora, se a formação da comunidade passa pelas interações sociais, é por meio dessas interações que
a polícia comunitária deve exercer suas atividades cotidianas.
Mais do que isso, a polícia deve ser parte da comunidade a que serve, conhecer suas necessidades, seus
valores e suas expectativas, para com isso poder oferecer serviços de qualidade e efetivos.

Importante!
É importante discernir de onde advém a legitimidade das diferentes lideranças que se apresentam na
comunidade. Por vezes, as chamadas lideranças não são representativas da comunidade, mas apenas de
um número reduzido de pessoas ou mesmo de um grupo influente, por exemplo, grupos com poder
econômico. Por isso, fique atento e conheça, pessoalmente e sem distinções, os integrantes da
comunidade.

Aula 2 – Mobilização social

2.1 Histórico de participação social no Brasil


O conceito de participação social possui diferentes sentidos e normalmente está associado à noção de
participação cidadã ou popular e à democracia participativa (Brasil, 2015).
Segundo a Política Nacional de Participação Social, é possível compreender a participação social
como um direito humano, uma política de Estado e um método de governo. Ou seja, a organização da
comunidade para influenciar e acompanhar as políticas públicas, por meio de mecanismos e processos
específicos, faz parte da noção de participação social.
Comumente, a participação social está associada à medidas de mobilização da comunidade envolvida
em torno de questões ou problemas identificados. No caso da segurança pública, a mobilização tende a ser

26
mais bem sucedida quando envolve as organizações de segurança pública existentes no local. Isso não quer
dizer que o Estado deve ter como propósito organizar a comunidade, mas antes disso se engajar de forma
participativa com a comunidade mobilizada.

Mobilizar...
A ideia de mobilizar, por sua vez, está associada ao movimento, à ação de conferir movimento a alguém
ou a algo. Para Toro (1996), “mobilizar é convocar vontades para um propósito determinado, para uma mudança
da realidade”. Ainda mais, Henriques et al (2007) afirmam que para a mobilização é necessário “mostrar o
problema, compartilhá-lo, distribuí-lo, para que assim as pessoas se sintam corresponsáveis por ele e passem a
agir na tentativa de solucioná-lo”.

A necessidade de mobilização local na busca de melhorias para as comunidades tem se fortalecido


como discurso e diretriz de ação em todo o mundo. São raros programas, ações e projetos da iniciativa privada
ou da gestão pública que, tendo o território como referência, não pressuponham a participação dos atores locais
na construção dos resultados esperados e na manutenção destes. Essa lógica vale para diferentes setores da
vida social e dos serviços públicos.
No Brasil, o contexto que envolveu a promulgação da Constituição de 1988 foi marcado pelo
fortalecimento da sociedade civil no cenário político. Diferentes grupos, como conselhos e associações, foram
fortalecidas nos últimos momentos do período militar, havendo uma tendência à participação social de parceria
com o Estado (MORAES, 2011). A população foi chamada a se envolver com as ações do poder público,
compartilhando responsabilidades. Dessa forma, os conselhos, os fóruns e outras formas de participação que
reúnem governo e a população se tornaram fortes expressões da participação social no Brasil. Contudo, isso não
equivale a dizer que uma maior participação social representou mais cidadania para a população.
Esse movimento foi amplo e envolveu vários temas, como saúde, assistência social, educação, políticas
para juventude, para mulheres, de promoção da igualdade racial, dentre outros, e também segurança pública.
Assim, o Estado passa a promover a participação social através da criação dos chamados conselhos de políticas
públicas, geralmente com representação paritária entre poder público e sociedade civil.

Representação paritária
A representação paritária indica que o número de representantes da sociedade civil é igual ao número
de representantes do governo. No Brasil, existem inúmeros conselhos de políticas públicas com participação
social.

Em relação à segurança pública, em nível nacional, existe o Conselho Nacional de Segurança Pública
(CONASP), que possui natureza consultiva e deliberativa sobre a formulação e a proposição de diretrizes para
as políticas públicas voltadas à promoção da segurança pública, prevenção e repressão à violência e à
criminalidade, e atuar na sua articulação e controle democrático.

27
Investigando...
E na sua cidade, existem conselhos de segurança pública? Qual a sua composição? Eles possuem
mecanismos de participação social?

O foco principal da mobilização social é que a comunidade seja empoderada* a participar desse
processo, ou seja, a comunidade deve ter consciência de que pode participar do estabelecimento de prioridades
para a sociedade, em especial na discussão de políticas públicas. Sabe-se, todavia, que essa realidade ainda é
incipiente no Brasil, sendo dificultada pela histórica desigualdade social e econômica do país.
* Empoderar a comunidade significa reconhecer seu poder e autonomia para que ela possa tornar-se protagonista
na identificação de problemas, no estabelecimento de prioridades e na discussão de alternativas de solução.)

2.2 Características gerais da mobilização social


• A mobilização social é um processo próprio das comunidades, que exige, principalmente, o
envolvimento participativo e voluntário das pessoas. Não existe mobilização forçada, é ainda pior que não haver
mobilização.
• A mobilização social não é desinteressada. Pelo contrário! Os interesses representam um ponto
de vista que, às vezes, envolve mais de uma comunidade. No modelo de polícia comunitária, contudo, não são
priorizados os interesses de um grupo social em particular, mas aqueles que contemplem, nos limites da lei, as
necessidades da comunidade como um todo.
• A mobilização social é, necessariamente, um processo em constante desenvolvimento.
Mesmo em ambientes institucionais, a mobilização depende da adesão voluntária das pessoas, o que exige
mecanismos que envolvam as pessoas e gerem vontade em participar e em continuar participando. De uma
forma geral, o Brasil possui pouca tradição associativa e participativa, o que exige ainda mais esforço na
mobilização social em busca de cidadania.
• A mobilização social é, necessariamente, um processo em constante desenvolvimento.
Mesmo em ambientes institucionais, a mobilização depende da adesão voluntária das pessoas, o que exige
mecanismos que envolvam as pessoas e gerem vontade em participar e em continuar participando. De uma
forma geral, o Brasil possui pouca tradição associativa e participativa, o que exige ainda mais esforço na
mobilização social em busca de cidadania.
• No processo de conhecimento da comunidade, você deve se informar sobre diferentes
características que compõem o diagnóstico dos problemas locais. Por isso, você deverá conhecer realidades de
outros temas, como saúde, assistência social, educação, trabalho e renda, dentre outros.
• Também exige engajamento e preparação dos próprios agentes do Estado. Primeiramente,
você deve ter a consciência de que a participação social é voluntária, envolve diversos interesses e está em
constante desenvolvimento. Em seguida, você deve lembrar que ela independe do Estado, ou seja, se o Estado
decidir induzi-la, deve fazê-lo sem a intenção de controlar o processo ou mesmo os seus resultados. Em outras
palavras, ao mobilizar a comunidade para participar das questões de segurança pública, a OSP não pode
pensar que vai controlar os temas e as formas de participação, tampouco que as demandas recebidas são

28
ofensas. Antes disso, as demandas representam necessidades da comunidade que devem ser consideradas pela
OSP como uma prioridade parte de um processo de construção de relações de confiança.
• A mobilização comunitária é um pacto. A comunidade se aproxima, traz informações
relevantes para o planejamento e espera respeito e eficiência dos representantes do poder público. Quais as
implicações disso? Os policiais que atuam na mobilização da população local precisam ser claros quanto aos
limites para o atendimento de demandas comunitárias. A partir do momento em que um compromisso for
assumido com a população, ele não poderá ser descumprido, sob pena de que a relação de confiança
estabelecida fique fragilizada.

Refletindo sobre a questão...


Leia o seguinte trecho:
“(...) A democracia tem necessidade da polícia: uma sociedade livre não pode dispensar um certo nível
de ordem, ou ainda, de previsibilidade nas trocas sociais cotidianas. Quer se trate de limitar a extensão dos
comportamentos predadores sem retroceder à autodefesa dos séculos passados, de facilitar os deslocamentos
em sociedades marcadas pela mobilidades, (...) a força do elo social e a qualidade de vida de que se beneficia a
maioria dos cidadãos das sociedades ocidentais dependem, em boa parte, da maneira como a polícia cumpre
as tarefas para as quais ela é solicitada ou que ela própria se atribui. (...) Dizer isso é atribuir à polícia um papel
eminentemente político, no sentido nobre do termo. Melhor, é reconhecer a natureza política da função policial.
(MONET, 2003, p. 29).
Durante muito tempo, organizações policiais buscaram limitar influências políticas em suas ações por
meio da adoção de critérios técnicos de aplicação da lei. Como discutido no módulo anterior, essa estratégia de
profissionalização marcou o modelo tradicional de policiamento.
Em sua opinião, como a polícia pode ser considerada uma instituição política? Como o modelo de
polícia comunitária pode contribuir com a função política da polícia?

2.3 Como mobilizar?


Durante as atividades de mobilização, como reuniões ou visitas comunitárias, é comum que os
profissionais de segurança pública presenciem e vivenciem situações pouco convencionais e desafiadoras. Por
isso, alguns comportamentos devem ser incentivados. Veja alguns exemplos:
• Considere, com atenção, todos os que quiserem falar. Tão importante quanto ouvir é como
ouvir. Por isso, não faça distinções, todos devem ser ouvidos, principalmente aqueles mais críticos.
• Identifique os principais movimentos, organizações e lideranças comunitárias do estado
ou município e procure estabelecer mecanismos de interlocução entre esses temas e a segurança pública.
Os grupos organizados podem servir, inclusive, de inspiração para a adoção de instrumentos já existentes de
participação, como redes de contatos, formas de organizar e mobilizar reuniões etc.
• Elabore uma lista de contatos, com telefones, endereços e e-mails. Não se esqueça de que
ao conhecer a comunidade, é importante explicar como será o seu trabalho e porque trabalhará assim. Nesse
momento, será inevitável explicar o que é a polícia comunitária. Aproveite a oportunidade!

29
• Evite demonstrar preferências por manifestações ou grupos específicos. O trabalho policial
é dirigido a todos e não pode ser visto como um privilégio de poucos;

Importante!
As pessoas se mobilizam para mudar realidades ou resolver problemas. A realização do seu trabalho de
forma correta e diligente, com interesse real na realidade e nos problemas das pessoas, é uma atitude
imprescindível à mobilização social no seu contexto de trabalho. Por isso, a mobilização começa com
você, em suas atividades diárias. Faça o teste, seja diligente e prestativo e veja a mudança no
comportamento das pessoas ao seu redor!

• Compartilhe as informações e os dados disponíveis sobre os problemas apresentados.


Lembre-se de que a sua opinião sobre as questões de segurança do local deve ser embasada em dados, não
apenas em impressões pessoais!
• Preste contas do trabalho desenvolvido: apresente e discuta as ações que estão sendo
adotadas naquela região. É importante demonstrar claramente como e porque determinada atividade foi
desempenhada. Caso exista sigilo em alguma atividade, não deixe a pergunta sem resposta e indique a
necessidade de discrição.
• Procure se aproximar dos diferentes grupos na comunidade, independentemente de faixa
etária, sexo, renda, cor ou raça ou outras categorizações. Todos possuem necessidades específicas e devem
receber atenção e serviços adequados!
• Conheça o território e as pessoas da região em que o policiamento comunitário será
implantado. Para tanto, comece mapeando os equipamentos públicos existentes, como escolas, hospitais,
equipamentos da assistência social, de inclusão produtiva, trabalho e renda, dentre outros. Não se esqueça de
incluir as OSP nas suas visitas, em que pese a necessidade de articulação também entre essas organizações.

A importância do diagnóstico
O diagnóstico da região deve identificar as potencialidades e os pontos críticos para a mobilização
daquela comunidade. Essas informações contemplam diferentes áreas da vida social daquela comunidade, como
educação, saúde, assistência social, trabalho e renda, dentre outras. Os demais equipamentos públicos (postos
de saúde e escolas, por exemplo) são excelentes pontos de partida para se conhecer a realidade local.
Em relação à segurança, além dos dados criminais, os dados de pesquisas de vitimização são
extremamente importantes para a composição desse diagnóstico. Como você estudou no módulo anterior, os
dados da 1ª Pesquisa Nacional de Vitimização estão disponíveis em relação a todas as Unidades da Federação.
Antes de prosseguir, verifique os dados referentes à sua Unidade Federativa.
Investigando...
Existem outros dados sobre avaliação do trabalho e confiança nas OSP na sua cidade? E sobre
percepção de segurança? Informe-se!

30
Aula 3 - Conselhos Comunitários de Segurança Pública (CONSEGs)

3.1 Dados introdutórios


Os CONSEGs representam o mecanismo mais comumente associado à participação social em segurança
pública no Brasil. Apesar de não serem a única forma de fazê-lo, os CONSEGs tornaram-se populares desde os
anos 2000, num movimento que acompanhou a gestão de políticas públicas no país de uma forma geral.
Segundo dados do ano de 2006, existiam 445 municípios com conselhos na área de segurança pública
(SENASP, 2009). Em 2008, com metodologia diferente, uma nova pesquisa identificou pelo menos 534 conselhos
(1998, p.28). Não há, desde então, motivos para acreditar que esse número tenha reduzido, provavelmente
aconteceu o contrário.
Em grande medida, o fundamento que permeia o estímulo à presença da sociedade civil em instâncias
participativas como fóruns e conselhos é a aproximação e a apropriação por parte da população das esferas de
tomada de decisão. É pela mobilização, por meio da ocupação de espaços antes reservados exclusivamente aos
gestores e técnicos ligados à administração pública, que a comunidade pode pautar as próprias necessidades
locais, direcionando as discussões e contribuindo com a tomada de decisão em temas do seu próprio interesse.

Exemplo
Em algumas áreas, como a saúde e a assistência social, a criação de esferas de participação popular e
controle social tornaram-se exigências e requisitos para o repasse de recursos provenientes do governo federal.

3.2 Histórico dos CONSEGs


Década de 80 – Surgimento dos CONSEGs
Os primeiros CONSEGs surgiram ainda na década de 80 e representaram um impulso de inovação
democrática na segurança pública no Brasil (GALDEANO, 2007). Esse surgimento foi influenciado por valores
defendidos pelo modelo de polícia comunitária, particularmente pela necessidade de maior participação da
comunidade na definição da agenda de segurança pública. Com isso, essas questões deixam, gradativamente,
de ser tratadas como assuntos de polícia, passando a ser discutidas e apropriadas pela sociedade.

Década de 90 – Ampliação da ideia


Em razão de experiências em outros países, como Japão e Estados Unidos, os CONSEGs começaram a
surgir em estados como São Paulo, Espírito Santo e Paraná já na segunda metade da década de 1980 e início da
década de 1990.

Anos 2000 – Popularização dos CONSEGs


Tendo sido incorporada pelo poder público a ideia de coprodução de participação na segurança
pública, os CONSEGs se popularizaram no país a partir dos anos 2000.

31
Importante!
A edição do Plano Nacional de Segurança Pública, em 2001, também trouxe incentivos ao
fortalecimento de ações de segurança pública sob uma perspectiva comunitária. Por meio da criação de
requisitos para o repasse de recursos aos Estados por meio do Fundo Nacional de Segurança Pública, a
SENASP/MJ incentivou a adoção do policiamento comunitário como estratégia de trabalho policial.
Nessa esteira, a difusão da participação social na segurança pública por meio dos Conselhos
Comunitários de Segurança passou a integrar algumas ações de instituições policiais e políticas de
governos estaduais (BRASIL, 2014).

3.3 Características gerais do CONSEGs


Os Conselhos Comunitários de Segurança Pública diferenciam-se de outras associações locais em razão
de seu foco voltado para a discussão e resolução de problemas de segurança pública.
Como conselho, é um órgão consultivo, mas não é incomum serem identificadas características de
instância deliberativa em seu funcionamento.
Comumente, cada Unidade da Federação possui legislações específicas que regulam os CONSEGs,
como definições diferentes sobre a criação, funcionamento, critérios de participação e validação do Estado. Não
existe, portanto, um modelo único de CONSEG no país, tampouco alguma lei que estabeleça, em nível nacional,
como eles devem funcionar. Contudo, enquanto mecanismo de participação social, os CONSEGs devem atender
às diretrizes gerais da Política Nacional de Participação Social, dentre as quais destacam-se:
• o reconhecimento da participação social como direito do cidadão e expressão de sua autonomia;
• a solidariedade, a cooperação e o respeito à diversidade de etnia, raça, cultura, geração, origem,
sexo, orientação sexual, religião e condição social, econômica ou de deficiência, para a construção de valores de
cidadania e de inclusão social;
• o direito à informação, à transparência e ao controle social nas ações públicas, com uso de
linguagem simples e objetiva, consideradas as características e o idioma da população a que se dirige.

Saiba Mais...
O Governo do Rio Grande do Sul desenvolve ações de participação social no âmbito de um canal
chamado Gabinete Digital. Numa das oportunidades, foi tratado do tema: Paz no Trânsito.

Investigando...
Em sua região, existe alguma iniciativa semelhante?

De toda forma, é possível definir o CONSEG como sendo:


Um mecanismo de participação social em segurança pública que, comumente, reúne representantes
das organizações de segurança pública locais e a comunidade com o objetivo de formular, acompanhar e
estabelecer prioridades para problemas relacionados a crimes, violências, desordens, medo do crime e
incivilidades na região.

32
Conforme Brasil (2014), suas principais funções são:
• Aprimorar a relação entre polícia e comunidade, promovendo uma aproximação maior e
produtiva entre ambos;
• Identificar prioridades locais na área de segurança pública e construção de parcerias e
estratégias de ação para buscar a resolução compartilhada dos problemas;
• Auxiliar na prevenção dos delitos e das violências, por meio de campanhas educativas e outras
iniciativas em parceria com diferentes atores;
• Encorajar a participação social na construção da segurança pública;
• Propiciar espaços de prestação de contas e de avaliação das atividades realizadas pelas OSP
naquelas regiões, reconhecendo a necessidade de referenciar os serviços aos problemas locais.

Importante!
Apesar da proximidade entre o CONSEG e as OSP, isso não deve implicar na confusão de papéis entre
ambos. Os voluntários engajados nos CONSEGs não assumirão a função de policiar e nem de realizar
investigações!

3.4 Criação de CONSEGs


No modelo brasileiro, os CONSEGs são, normalmente, organizados pelos estados. Tendo em vista a sua
maior frequência, você estudará a seguir os aspectos relacionados à atuação do estado na formação dos
CONSEGs, mas é importante que você saiba que podem existir CONSEGs organizados e mantidos pela própria
sociedade civil.

Discussões iniciais
É fundamental que as normas que regulamentam os CONSEGs sejam discutidas ampla e continuamente
com a comunidade e com os profissionais de segurança pública. Afinal, trata-se de um espaço que será utilizado
pelos envolvidos para estabelecerem prioridades na agenda de segurança pública.
Além disso, o diagnóstico sobre a realidade local será essencial para a identificação dos problemas
locais e, consequentemente, para a mobilização das pessoas que são impactadas por esses problemas. Caso a
iniciativa em torno da criação do CONSEG surja da própria comunidade e seja levada à OSP, considere que as
ações de mobilização já começaram!

Reuniões de sensibilização
As reuniões de sensibilização são essenciais para mobilizar a comunidade. Devem ser realizadas em
diferentes momentos e para diferentes grupos na comunidade, como forma de espalhar a notícia e gerar adesão
à proposta. Elas buscam:
• Apresentar o modelo de gestão da segurança pública do qual podem fazer parte os CONSEGs,
ou seja, a segurança pública compartilhada, dando ênfase ao papel da comunidade na coprodução de
resultados;

33
• Identificar os possíveis conselheiros comunitários de segurança pública interessados em levar
adiante a estruturação do CONSEG.
• Destacar a importância do envolvimento legítimo com as ações do conselho para que ele
funcione cumprindo seu principal objetivo: ampliar a participação popular na definição de estratégias de
segurança pública.
• Informar o alcance e os limites da atuação do CONSEG na gestão da segurança pública daquela
Unidade da Federação e mais especificamente daquela comunidade. Informar sobre o modelo de atuação dos
CONSEGs, os ganhos e os desafios e a forma de gestão desse espaço;

Com a sensibilização da comunidade local, é importante que sejam apresentados os critérios para
indicação de uma Secretaria Executiva Provisória. Para tanto, o processo de indicação deve ser rigorosamente
planejado com antecedência. A comunidade fará a indicação dos integrantes da sociedade civil e as OSPs dos
seus representantes, por isso os critérios de seleção e as atividades a serem desempenhadas devem estar
claramente descritos.
O ideal é que o processo de indicação da Secretaria Executiva Provisória seja reflexo do acordo entre
os grupos da comunidade, sendo que os representantes das OSPs normalmente são indicados pelas chefias. A
principal atribuição da diretoria provisória é organizar as eleições formais do conselho.

Estrutura básica
A estrutura básica dos CONSEGs são compostas pelas seguintes instâncias:

Plenária do Conselho: é a instância de deliberação do CONSEG, onde os temas são discutidos e as


decisões encaminhadas. Normalmente, as reuniões ordinárias são mensais.
Presidência do Conselho: é recomendado que a Presidência do CONSEG seja rotativa entre
representantes do poder público e da comunidade. É recomendada a criação da Vice-Presidência, com o objetivo
de substituir o Presidente em suas ausências.
Comissões Permanentes: a criação de comissões está relacionada a necessidades para o
funcionamento do próprio conselho. É recomendando que as comissões sejam compostas por grupos de
pessoas, a fim de estimular a resolutividade das tarefas. Por exemplo, são comuns Comissões de Comunicação
Social e de Articulação Institucional.
Comissões Provisórias: são dirigidas a necessidades temporárias, como a organização de eventos ou
atendimento de necessidades específicas. Por exemplo, a realização de conferências ou audiências públicas são
temas comuns a comissões provisórias.
Secretaria/Coordenação Executiva: é responsável pela organização e funcionamento das reuniões do
Conselho. É recomendado que um grupo de pessoas participe da Coordenação Executiva.

34
Composição
O CONSEG é constituído por representantes do poder público e da comunidade. Comumente, os
responsáveis locais pelas OSPs constituem o conselho, tais como polícia militar, polícia civil, corpo de bombeiros,
departamento de trânsito, guarda municipal, órgão de defesa social ou ordem pública, dentre outros. É
recomendável que o CONSEG seja composto de forma paritária, ou seja, com igual número entre os
representantes do poder público e da comunidade.

Regimento Interno
O Regimento Interno é o instrumento que estabelece as formas de funcionamento do CONSEG, tais
como:
• Composição do conselho indicando quais seriam as instituições públicas com representação no
conselho (ex.: Polícia Civil, Polícia Militar, Detran, etc)
• Duração do mandato e composição dos cargos e funções da Diretoria
• Normas referentes à reeleição
• Atribuições e cada participante da direção
• Periodicidade das reuniões
• Metodologia de trabalho (rotina para apresentação das demandas, encaminhamento e avaliação
do cumprimento)
• Regras de participação no Plenário, nas Comissões Permanentes e Provisórias e nas
representações do Conselho, sempre que for demandado.

Institucionalização
Os conselheiros dos CONSEGs são, normalmente, empossados mediante ato formal do poder público
local. A característica de formalidade do CONSEG confere legalidade e segurança aos seus integrantes, assim
como possibilita que possam representar o conselho em diferentes espaços e contextos. É recomendado que a
constituição do CONSEG e a posse dos conselheiros sejam divulgadas, especialmente para as OSPs, o Ministério
Público, o Poder Judiciário, a Defensoria Pública e demais conselhos existentes no local.

Orientações gerais
• Torne públicos os atos do conselho (atas, resoluções, comunicados, página na internet etc).
Isso contribui para que ele se faça reconhecido pela sociedade e pelos governos locais.
• Construa canais de comunicação e participação dos diversos grupos da comunidade. É
comum, por exemplo, a criação de grupos de mensagem em redes sociais e páginas na internet.
• Prepare e discuta planos de ação para a segurança pública naquela comunidade.
• Incentive o engajamento e a participação nas reuniões e eventos relacionados ao CONSEG.
• Defina locais, datas e horários para as reuniões de forma conjunta com todos os envolvidos,
estimulando a participação da ampla maioria das pessoas. Para facilitar a interação entre as pessoas e evitar
constrangimentos, você deve priorizar espaços de fácil acesso, que sejam definidos pela própria comunidade. O
horário deve ser adequado para a maior parte da população e buscando evitar ambientes que dificultem a ampla

35
participação (por exemplo, ambientes religiosos, ambientes coordenados por partidos políticos). Caso julgue
interessante, realize reuniões em espaços itinerantes, contemplando a definição da maioria. Não dê prioridade
para as sedes das OSPs.
• Defina a pauta de cada reunião com a antecedência necessária à preparação dos
participantes e a eventuais convites de convidados. Lembre-se de que o engajamento das pessoas está
diretamente associado à solução dos problemas apresentados, o que é facilitado com a definição de uma pauta
de reunião exequível e clara.
• Promova parcerias. A participação de diferentes atores nas reuniões do CONSEG, quando
articuladas e coordenadas, é favorável à resolução de problemas locais. Sempre que necessário e que a pauta
permitir, convide representantes de outros órgãos como educação, saúde, assistência social, trabalho e renda,
além de outros conselhos, como Conselhos Tutelares, de políticas sobre drogas, de juventude, dentre outros. A
participação de representantes de outros poderes, como Legislativo e Judiciário, também é incentivada,
mediante critérios de pertinência com a pauta e coordenação da reunião. É importante, também, a participação
de organizações do terceiro setor, como ONGs e movimentos sociais organizados. O convite à participação
desses representantes deve ser submetido à apreciação dos demais conselheiros previamente.

Nota
O terceiro setor constitui-se na esfera de atuação pública não-estatal, formado a partir de iniciativas
privadas, voluntárias, sem fins lucrativos, no sentido do bem comum. Para maiores informações acesse o relato
setorial do BNDES.

Possíveis dificuldades
Apesar de toda preparação, você poderá encontrar dificuldades. Veja algumas a seguir:

Tentativa de apropriação do CONSEG como palanque político-partidário – é possível que algumas


pessoas queiram utilizar o CONSEG para levar suas intenções e propostas políticas. Entretanto, desde a formação
inicial da Secretaria Executiva Provisória, todos devem ser alertados sobre as possíveis implicações negativas
que isso poderá trazer para o debate e para o trabalho do CONSEG. A vinculação do CONSEG a um partido ou
ideologia política subverte a proposta de participação social do próprio conselho. Por isso, evite a utilização do
CONSEG como espaço político-partidário.
Críticas às OSPs – espaços de participação social não são espaços de validação das OSPs. Pelo
contrário, representam mecanismos para que a comunidade possa apresentar seus problemas e pontos de vista.
Por isso, as críticas devem ser encaradas como oportunidades de melhoria de processos ou atividades que foram
mal avaliadas. Por óbvio, devem ser respeitados limites de bom senso na forma e no momento em que as críticas
são apresentadas, de maneira a não ser ofensivo ou tratar as questões de forma pessoal.
Pessoas que monopolizam a reunião ou que tendem a polarizar discussões – A divergência de
opiniões em um ambiente coletivo é normal. Entretanto, a polarização de questões pode trazer prejuízos à
reunião do CONSEG, à medida em que trava sua fluidez. Para que isso não ocorra, é importante que as reuniões

36
sejam precedidas de pauta previamente estabelecidas e que esta seja relembrada antes do início dos trabalhos.
É recomendável também que seja definido antes do início o tempo destinado à duração da reunião bem como
o tempo concedido às falas dos interessados quando for aberta a palavra aos presentes.
Pouca participação das pessoas na reunião – a ausência de pessoas nas reuniões pode refletir
questões como falha na mobilização, falta de legitimidade do conselho, ou ainda falta de conhecimento sobre
o papel desempenhado por um CONSEG. A divulgação ampla dos trabalhos e dos resultados por meio das
diversas formas de mídia, a divulgação das reuniões do CONSEG por parte dos profissionais de segurança
pública, a realização de palestras, fóruns e encontros para tratar de temas como a segurança pública cidadã e
compartilhada podem ajudar a superar a barreira da inércia da população;
Descontinuidade dos trabalhos do CONSEG – é necessário estabelecer os limites e as possibilidades
de atuação dos CONSEGs para não gerar falsas expectativas. Projetos muito ambiciosos de segurança pública
adotados por um CONSEG, por exemplo, podem ter como consequência muitas barreiras que dificultam sua
continuidade. Recomenda-se que o CONSEG envolva-se em projetos de forma objetiva, de solução simples, que
confiram resultados rápidos e satisfatórios. Por exemplo, a instalação de um semáforo, lombada ou de uma faixa
de pedestres nas proximidades de uma escola, por exemplo, podem trazer resultados significativos na
diminuição dos índices de vitimização no trânsito;
Ausência de uma metodologia de trabalho – em muitos casos, pela falta de uma metodologia de
trabalho, as iniciativas da diretoria do CONSEG acabam se resumindo ao encaminhamento de ofícios a
autoridades e órgãos reivindicando melhorias nos serviços prestados. Isso pode ser importante, mas não resume
as atividades e o alcance do trabalho de um CONSEG. A falta de uma metodologia de trabalho e de um “norte”
pode diminuir a vontade da participação dos voluntários com o passar do tempo em razão da falta de
objetividade das reuniões e do próprio CONSEG. A solução para isso é manter sempre algum projeto em foco,
dentro daquilo que foi estabelecido como prioritário, adotando-se, sempre que possível, as ferramentas de
análise e solução de problemas indicadas no Plano de Ação do Policiamento Comunitário.

Finalizando...
Nesse módulo, você aprendeu que:
• A noção clássica de comunidade envolve o compartilhamento de interesses por pessoas em
contextos de interdependência, normalmente associados a um território ou localidade.
• As principais características da comunidade são: existência de áreas geográficas e/ou espaços de
interações; existência de relações econômicas, políticas e sociais regulares; existência de uma entidade legal ou
unidade de governança comum; compartilhamento de um senso de interdependência mútua; compartilhamento
de uma identidade do grupo; e existência de processos de inclusão e exclusão da comunidade, assim como
formas de transmissão dos valores.
• É importante saber a origem da legitimidade das diferentes lideranças que se apresentam na
comunidade. Por vezes, as chamadas “lideranças” não são representativas da comunidade, mas apenas de um
número reduzido de pessoas ou mesmo de um grupo influente, por exemplo, grupos com poder econômico.
• A ideia de participação social envolve a organização da comunidade para influenciar e
acompanhar as políticas públicas, por meio de mecanismos e processos específicos.

37
• A ideia de mobilizar diz respeito à ação de conferir movimento a alguém ou a algo. Para Toro
(1996), “mobilizar é convocar vontades para um propósito determinado, para uma mudança da realidade”. Ainda
mais, Henriques et al (2007) afirmam que para a mobilização é necessário “mostrar o problema, compartilhá-lo,
distribuí-lo, para que assim as pessoas se sintam corresponsáveis por ele e passem a agir na tentativa de
solucioná-lo”.
• A realização da mobilização social exige a construção de diagnósticos a respeito da comunidade
e da região. Essas informações contemplam diferentes áreas da vida social daquela comunidade, como
educação, saúde, assistência social, trabalho e renda, dentre outras. Os demais equipamentos públicos (postos
de saúde e escolas, por exemplo) são excelentes pontos de partida para se conhecer a realidade local. Em relação
à segurança, além dos dados criminais, os dados de pesquisas de vitimização são extremamente importantes
para a composição desse diagnóstico.
• Ao mobilizar a comunidade para participar das questões de segurança pública, a OSP não pode
pensar que vai controlar os temas e as formas de participação, tampouco que as demandas recebidas são
ofensas. Antes disso, as demandas representam necessidades da comunidade que devem ser consideradas pela
OSP como uma prioridade e parte de um processo de construção de relações de confiança.
• Os CONSEGs representam o mecanismo mais comumente associado à participação social em
segurança pública no Brasil. Eles representam um mecanismo de participação social em segurança pública que,
comumente, reúne representantes das organizações de segurança pública locais e a comunidade com o objetivo
de formular, acompanhar e estabelecer prioridades para problemas relacionados a crimes, violências, desordens,
medo do crime e incivilidades na região.
• As principais funções dos CONSEGs são: aprimorar a relação entre polícia e comunidade,
identificar prioridades locais e construir parcerias e estratégias de ação para buscar a resolução compartilhada
dos problemas; auxiliar na prevenção dos delitos e das violências; encorajar a participação social na construção
da segurança pública; propiciar espaços de prestação de contas e de avaliação das atividades realizadas pelas
OSP naquelas regiões.

38
Exercício

1. Assinale as alternativas FALSAS.

a. O conceito clássico de comunidade envolve o compartilhamento de interesses por pessoas em


contextos de interdependência, normalmente associados a um território ou localidade.
b. A existência de áreas geográficas é decisiva para a definição de comunidade. No caso de ambientes
virtuais, não existem interações, portanto, não é possível falar em comunidade.
c. A existência de uma identidade do grupo é importante para a definição da comunidade, tendo em
vista que representam os valores que caracterizam o grupo.
d. A vida em comunidade é caracterizada pela existência de um senso de interdependência mútua, em
que os interesses comuns são partilhados.
e. A mobilização social em polícia comunitária deve estar concentrada na identificação de lideranças
sociais e de seus interesses particulares, em que pese representarem a comunidade local.
f. A participação social tende a dificultar o trabalho das OSPs, pois as pessoas não conhecem a realidade
policial e não possuem condições de opinar sobre as decisões dos profissionais de segurança.
g. O Estado deve se esforçar em mobilizar a comunidade como forma de validar as suas ações,
estabelecendo mecanismos de organização, suas pautas e possibilidades de intervenção.

2. Assinales as opções que representam funções dos CONSEGs:

a. Aprimorar a relação entre polícia e comunidade, promovendo o estabelecimento de informantes em


potencial para a condução de operações de segurança pública;
b. Identificar prioridades locais na área de segurança pública, em que a polícia será a responsável pela
resolução dos problemas de segurança pública a partir da aplicação da lei.
c. Auxiliar na prevenção dos delitos e das violências;
d. Propiciar espaços de prestação de contas e de avaliação das atividades.

39
Gabarito

1. Resposta Correta: B, E, F e G
2. Resposta Correta: C e D

40
MÓDULO
GESTÃO PELA QUALIDADE E POLÍCIA

3 COMUNITÁRIA

Apresentação do módulo

Como você já estudou, a polícia comunitária é orientada por valores que interpretam o trabalho
policial de forma diferente, priorizando a comunidade como ponto de partida e de chegada dos serviços de
segurança pública. Com isso, são necessárias formas distintas de planejar, executar, monitorar e avaliar seus
esforços e resultados.
Você notou, nos módulos anteriores, que o trabalho policial passa a ser orientado por outros
fenômenos que não são apenas os crimes, como desordens, incivilidades, medo do crime, mas também
confiança nas instituições, percepção de segurança e qualidade dos serviços prestados.
Nesse módulo, você conhecerá mecanismos práticos que podem ser aplicados a diferentes áreas das
OSP, mas que serão discutidos a partir da perspectiva de polícia comunitária. Primeiramente, você conhecerá a
metodologia de resolução de problemas denominada Ciclo PDCA.
Em seguida, será apresentado o método IARA como ferramenta inspirada no Ciclo PDCA, mas com
formas de utilização especificamente relacionadas com o policiamento. Tais mecanismos podem auxiliar em
quatro processos centrais à organização, que são: planejamento, execução, monitoramento e avaliação.

Objetivo do módulo

Ao final desse módulo, você será capaz de:

• Conhecer os aspectos básicos da gestão pela qualidade;


• Compreender o ciclo PDCA e reconhecer a aplicação prática no âmbito das ações de polícia
comunitária;
• Conhecer e listar as características gerais do método IARA;
• Reconhecer a importância das ferramentas de gestão da qualidade.

41
Estrutura do Módulo

Este módulo compreende as seguintes aulas:

• Aula 1 – Gestão e qualidade;


• Aula 2 – O Ciclo PDCA;
• Aula 3 – O Policiamento Orientado para o Problema e o Método IARA;
• Aula 4 - Plano de Ação de Policiamento Comunitário: exercitando.

Nota
O Módulo foi adaptado do capítulo sobre Gestão Pela Qualidade em Segurança Pública da nova edição
do Curso Nacional de Promotor de Polícia Comunitária, da SENASP/MJ, ainda no prelo. A redação final, contudo,
é de inteira responsabilidade do conteudista, particularmente pelas adequações realizadas para atender ao
objetivo do presente trabalho e às próprias teses defendidas. Dessa forma, cabe destacar a produção e a revisão
da publicação citada.

Aula 1 – Gestão e qualidade

1.1 Bens e serviços


Frequentemente, ouve-se falar no estabelecimento de padrões de qualidade ou referenciais para
comparação entre os bens e serviços, particularmente na iniciativa privada. Com efeito, essa preocupação é
estimulada pelas críticas e reclamações dos clientes, que podem resultar em perdas ou mesmo a falência de
empresas.
Por isso, tanto o crescente acesso a mecanismos de defesa e proteção dos consumidores, como por
exemplo, o PROCON, quanto o avanço de tecnologias que facilitam as comunicações, por exemplo, sites
especializados em avaliações de clientes, fazem parte de uma consciência comum em torno de determinados
padrões de exigência e de qualidade relacionados aos bens e serviços disponibilizados ao público.
No caso dos serviços públicos, esse movimento também tem ocorrido. As políticas públicas são
comumente questionadas quanto à qualidade dos serviços prestados, num movimento semelhante àquele
observado na iniciativa privada. Diante de uma fila de hospital, da descortesia no atendimento numa escola ou
mesmo da desatenção de um policial, são comuns críticas aos serviços, causando desconfiança e frustração nos
usuários.
Por isso, você deve ter claro que o conceito de qualidade se refere aos seguintes aspectos, conforme
destacado por Marcineiro (2009):
• Satisfação dos clientes;
• Adequação do produto/serviço ao uso pretendido;

42
• Conformidade do produto/serviço com as exigências/especificações;
• Atendimento das expectativas dos clientes com a manutenção de baixo custo;
• Propriedade, atributo ou condição que permite avaliar qualquer produto/serviço;
• Propriedades e características de um produto/serviço que conferem sua habilidade de satisfazer
necessidades do cliente;
• Atendimento confiável, seguro e no tempo certo das necessidades do cliente;

Diante dessas características, é essencial discutir e padronizar os resultados esperados, quer sejam
serviços ou bens.

Exemplo
É razoável acreditar que, ao comprar o computador que você está utilizando, você possa elaborar
documentos em editores de texto ou acessar à internet para realizar cursos, como esse sobre polícia comunitária.
Ou seja, você possui um padrão de expectativas que estão associadas à qualidade das funcionalidades do bem,
no caso o computador.

O mesmo raciocínio se aplica a serviços, com algumas diferenças, como:


• O serviço nem sempre é transformado em um objeto passível de manuseio;
• O serviço é produzido e consumido simultaneamente;
• O serviço depende muito daquele que o executa, portanto, sua avaliação varia conforme as
características do prestador;
• O serviço não pode ser estocado, já que sua produção e consumo são imediatos.

Importante!
As atividades do Estado têm como objetivo o bem estar de toda a sociedade. Assim, no caso da
segurança pública, o bem estar das pessoas é expresso pela garantia da ordem e da incolumidade,
como afirma a Constituição Federal de 1988, mas também pela redução do medo, das desordens e dos
crimes (SENASP, 2014).

1.2 Monitoramento e avaliação: o papel dos indicadores

1.2.1 O que são indicadores


De forma acentuada, são cada vez mais frequentes iniciativas de qualificação dos serviços públicos
baseadas em processos rígidos de planejamento, monitoramento e avaliação. Para tanto, são necessários
instrumentos para a mensuração da qualidade e, consequentemente, do cumprimento de prazos e objetivos
planejados, como, por exemplo, os indicadores.

43
Indicadores
“Os indicadores são instrumentos de gestão essenciais nas atividades de monitoramento e avaliação
das organizações, assim como seus projetos, programas e políticas, pois permitem acompanhar o alcance das
metas, identificar avanços, melhorias de qualidade, correção de problemas, necessidades de
mudança, etc.” (http://www.antaq.gov.br/)

De acordo com a SENASP (2014), os indicadores possibilitam:


• Avaliar processos, ou seja, verifica se há correspondência entre os resultados parciais ou finais e
os objetivos e metas pré-determinados. Tem relação, portanto, com a avaliação da eficácia e da eficiência da
ação;
• Avaliar impactos, ou seja, analisa as mudanças trazidas pela implantação do programa.
Invariavelmente, requer algum tempo transcorrido desde a implementação das ações que compõem o projeto,
verificando a efetividade da ação.

1.2.2 Características dos indicadores


De acordo com Paulo Januzzi (2001), as principais características dos indicadores são:

Relevância Social – Como o próprio nome indica, a relevância está associada à importância ou
pertinência da produção de utilização daquele indicador. Por exemplo, no modelo de polícia, é especialmente
relevante saber a percepção que as pessoas possuem sobre a qualidade do serviço prestado pelos profissionais
de segurança pública. Por isso, um indicador específico é relevante.
Validade – O indicador precisa manter relação de proximidade com a dimensão que visa mensurar. Ou
seja, a realidade, os resultados e os serviços podem ser abstratos, porém, por meio do indicador é possível
identificar o seu comportamento. Por exemplo: para avaliar o medo do crime de uma comunidade (algo
abstrato) é comum realizar pesquisas que perguntem sobre comportamentos das pessoas (algo concreto), como:
“Pensando na sua vizinhança, você teme ser assaltado?” ou “Ser vítima de sequestro?”. A partir dos resultados
da pesquisa, os indicadores podem ser construídos.
Confiabilidade – Diz respeito à qualidade das fontes dos dados utilizados no cálculo do indicador.
Dados pouco confiáveis gerarão indicadores poucos confiáveis.
Cobertura – refere-se ao nível de abrangência do indicador, o qual varia segundo o tipo de dimensão
avaliada. O indicador deve contemplar a diversidade existente na realidade em que será aplicado. Um indicador
que utiliza somente informações sobre parte específica da população que experimentou a política pública, por
exemplo, não apresenta bom desempenho no quesito cobertura. Em outra situação, no caso do medo do crime,
a pesquisa deve contemplar os diferentes grupos naquela comunidade.
Sensibilidade – Espera-se que o indicador seja sensível às mudanças de conjuntura, demonstrando
por meio de variações nos seus resultados o comportamento do dado fenômeno.
Especificidade – Um indicador pode ser construído a partir de vários outros indicadores. O Índice de
Desenvolvimento Humano (IDH) é um exemplo disso. O grau de especificidade indica o quanto esse indicador

44
reflete mudanças relacionadas às diferentes dimensões sociais utilizadas para sua construção. No caso do IDH
essas dimensões são saúde, educação e trabalho.
Periodicidade na atualização – Avaliar uma ação requer continuidade na coleta de informações.
Conhecer os efeitos da implantação de um programa no tempo é de fato um dos fundamentais elementos para
a gestão. Para a definição de um indicador é preciso contemplar a possibilidade de que seja recalculado
frequentemente. Caso haja coleta de dados, ela deve responder a uma periodicidade adequada ao tipo de ação
avaliada.

Aula 2 – O método do Ciclo PDCA

2.1 O que é o PDCA?

Você já ouviu falar no método PDCA?

Talvez seja esse o método mais conhecido dentre as ferramentas de gestão pela qualidade de
empresas privadas e organizações públicas. A partir dele, você pode articular os indicadores usados para
avaliação e monitoramento em uma rotina sistemática da atividade de gerenciar processos produtivos.
A sigla corresponde às palavras:

PLAN DO CHECK ACT

No inglês representam os módulos de:

PLANEJAMENTO EXECUÇÃO VERIFICAÇÃO ATUAÇÃO

Envolvidos no gerenciamento da produção de bens e serviços (SENASP, 2014).

Um pouco de história...
Por ser instrumento de constante aprimoramento dos processos gerenciais envolvidos em qualquer
setor produtivo, o PDCA foi inicialmente chamado de Método de Melhorias na década de 30, quando foi
desenvolvido por Walter A. Shewart como um ciclo de controle estatístico passível de ser aplicado
repetidamente a qualquer tipo de processo produtivo.
Apesar do mérito da concepção pertencer a Shewart, a popularização do método coube a W. Edwards
Deming, conhecido por ser especialista em Gestão pela Qualidade Total (GQT), na década de 50. Ele refinou os

45
conceitos iniciais do Método de Melhorias, desenvolvendo o chamado Shewhart PDCA Cycle ou Ciclo PDCA de
Shewhart (ANDRADE, 2003).

O método PDCA está baseado nos pressupostos da administração clássica e se orienta para a
padronização das ações no ambiente organizacional. Mediante definição de um ciclo baseado na constante
análise e avaliação das metas e dos meios selecionados para alcançá-las, esse método contribui para a redução
das incertezas no ambiente da produção, bem como para a otimização de recursos escassos como tempo e
matéria prima.
De forma clara e objetiva, o método do PDCA se tornou popular e foi utilizado em vários contextos e
por diferentes atores. Em suma, o método pressupõe a repetição do ciclo (planejar, executar, verificar e
atuar) de forma contínua, como ferramenta de gestão para o alcance de metas ou objetivos, sem reduzir a
eficiência ou a eficácia da organização.

• ATUAR •PLANEJAR

• Ação Corretiva e/ou • Metas, Objetivos,


Padronização Métodos,
Procedimentos e
Padrões
ACT PLAN

CHECK DO

• VERIFICAR
• Verificar os resultados • EXECUTAR
e acompanhar os • Execução do Plano de
indicadores ação

Método PDCA (SENASP, 2014)

É natural pensar, portanto, que a própria evolução da organização crie demandas para a elaboração de
novos ciclos, os quais estarão vinculados a metas ou objetivos cada vez mais complexos. Ou seja, à medida que
o gerenciamento pela qualidade consegue estabelecer padrões para a realização de procedimentos mais
simples, outros mais complexos se tornam alvo de gestão e, consequentemente, iniciam um novo PDCA.

46
2.2 Etapas do PDCA

Como você estudou, o PDCA contempla 4 etapas:

• Planejamento
• Execução
• Atuação
• Verificação

A seguir, estude sobre cada uma delas.

Etapa 1 - Planejamento
É na etapa de planejamento que são definidos os objetivos do processo e as estratégias a ser traçadas
para o alcance desses objetivos. Além disso, também são definidos nessa etapa quem devem participar de cada
fase subsequente, quais os possíveis prazos envolvidos na conclusão das metas, quais os recursos necessários e
que tipo de informação já está disponível ou ainda precisa ser produzida para o acompanhamento do trabalho.
O Planejamento pode ser subdividido em 05 fases

Elaborar o
Localizar o Estabelecer Analisar o Analisar o
plano de
problema a meta fenômeno processo
ação

Localização do problema
Identificar todos os resultados indesejados obtidos no processo de produção de um bem ou execução
de um serviço.
Exemplo: desperdício de aço na fabricação de um carro ou aumento do medo do crime em um bairro
a partir da divulgação de roubos a ônibus coletivos na região.

Estabelecer metas: é o objetivo envolvido no processo para o qual se desenha o PDCA. A meta deve
ser plausível, representando um desafio para a equipe envolvida. É importante que, sempre que possível, a
própria equipe participe da elaboração da meta, de forma a propiciar a sua identificação com os resultados.
Normalmente, as metas são compostas por: objetivo, tempo e valor quantificável.
Exemplo: redução dos roubos a coletivos no bairro Jardim em 18% no período de 12 meses.

Analisar o fenômeno: conhecer o fenômeno que envolve o problema em questão. Nessa fase, são
reunidas informações de interesse para o planejamento da intervenção sobre o problema. Como você estudou
nos módulos anteriores, um diagnóstico consistente sobre os problemas da região é essencial para qualquer
ação, em especial no campo de segurança pública.
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Exemplo: a redução dos roubos a ônibus coletivos no bairro Jardim envolve informações do tipo:
quantos casos ocorreram? Onde foram mais frequentes? Quais os horários? Existem padrões nessas ações, tais
como: uso de armas, grupos ou ações individuais?

Análise do Processo: consiste na utilização das características identificadas nas etapas anteriores para
a identificação dos fatores envolvidos no processo. Em outras palavras, é nesta etapa que são identificadas as
causas que podem gerar o efeito pretendido na definição da meta inicial. Todas as pessoas, materiais, condições
estruturais, equipamentos e procedimentos que interagem para a consecução do objetivo posto devem ser
elencados nesta etapa.
Exemplo: Sabendo os padrões ou as tendências observadas diante dos roubos a ônibus coletivos, a
OSP pode planejar como serão as atividades de enfrentamento a esse problema. Direcionando serviços de
inteligência e patrulhamento ostensivo para intervenções pontuais, assim como investigação para casos de
sujeitos contumazes. Sugere-se a elaboração do Diagrama de Causa e Efeito, também conhecido como
Diagrama de Ishikawa (em virtude de sua origem, na Universidade de Tóquio, em 1953, por Kaoru Ishikawa).

Elaboração do Plano de Ação: formular o plano de ação é a última etapa, a qual resulta daquilo que
foi construído nas etapas anteriores. Para cada uma das causas prioritárias elencadas na fase de Análise do
Processo (Diagrama de Causa e Efeito) será definida uma medida correspondente no Plano de Ação. Existem
diferentes metodologias para a construção do Plano de Ação, e você verá, no Quadro 2, um exemplo da 5W2H
(inglês) ou 4Q1POC (português).

5W2H 4Q1POC DESCRIÇÃO Exemplo (Prevenção a roubo a coletivos)


Implantar o policiamento comunitário em
What? O que? Ação a ser realizada paradas de ônibus com elevada incidência
de roubos
Who? Quem? Responsável pela execução da ação Gestor local da OSP
Definição do cronograma de Definição das jornadas de trabalho: duração,
When? Quando?
atividades. horários e alternâncias.
How Custos associados ao treinamento dos
Quanto? Investimento a ser realizado
Much? profissionais de segurança pública.
Demanda recorrente, trazendo insegurança
Why? Por quê? Motivação na região. Compromete a qualidade de vida
das pessoas e o trabalho das OSPs
De acordo com o diagnóstico criminal, o
policiamento comunitário será realizado nas
Where? Onde? Área onde a ação será realizada. paradas de ônibus e nas imediações, como
forma de orientar as pessoas sobre esse tipo
de crime e prevenir novas ocorrências.
Atuação em grupos de pelo menos 3
profissionais de segurança pública;
How? Como? Modelo de execução escolhido
Ações de orientação às pessoas: o
profissional de segurança pública deverá

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interagir com as pessoas, buscando
conhecer a realidade local e informando
sobre a nova forma de trabalho. Caso exista
CONSEG, convide as pessoas as
participarem: como o problema dos roubos
a coletivo se tornou uma prioridade na
região, outros problemas também podem
ser priorizados.
Fonte: Senasp, 2014 (adaptado para fins didáticos)

Etapa 2 – Execução
A etapa de execução consiste na realização do Plano de Ação. Para sua realização, é essencial que os
profissionais envolvidos sejam treinados, individual e coletivamente. No caso da polícia comunitária, essa etapa
representa a linha de frente do contato entre os profissionais de segurança pública e a comunidade atendida.
Para tanto, o treinamento deve observar as características locais e as atividades previstas no Plano de Ação.
Todas as atividades devem ser registradas, a fim de possibilitar a sua avaliação posterior e a memória dos
procedimentos realizados.

Importante!
Os prazos e as responsabilidades estabelecidos no Plano de Ação devem ser observados por todos os
envolvidos. A atuação comunitária funciona como uma corrente, em que a efetividade está na concisão
dos seus elos.

Etapa 3 – Verificação
A etapa de verificação corresponde ao momento de avaliação das ações realizadas durante a execução
do plano de ação. São sugeridas três fases principais:

Comparação dos resultados antes e depois do Plano de Ação


Equivale a avaliar o impacto das ações realizadas diante do problema a que se dirigia inicialmente. Por
exemplo: voltando ao caso dos roubos a coletivos, depois de implantado o policiamento comunitário nas
paradas de ônibus, quais foram os impactos sobre a sensação de segurança das pessoas? Quais foram os
impactos sobre a incidência de roubos a ônibus coletivos?

Listagem dos efeitos secundários


Podem ser positivos e negativos, e não estavam previstos inicialmente. Por exemplo: as equipes do
policiamento comunitário, conversando com as pessoas nas paradas de ônibus, perceberam que o trajeto para
casa também era motivo de medo e insegurança das pessoas. Ou seja, além das paradas de ônibus, foram
incluídos outros focos de atuação no Plano. Tais alterações só foram possíveis a partir da interação com as
pessoas, em que outras realidades foram reveladas.

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Avaliação da continuidade ou não do problema
Essa fase deve ser cuidadosamente realizada, tendo em vista que ela determinará o início do próximo
Ciclo PDCA. Caso os resultados não tenham sido satisfatórios, ou seja, a meta não tenha sido alcançada em
plenitude, reinicia-se o PDCA, agora incorporando às ações executadas outros resultados do processo de
verificação. Por exemplo: os roubos diminuíram no percentual almejado? A sensação de segurança melhorou
no percentual estabelecido no Plano de Ação? Diante da avaliação do impacto, as medidas bem sucedidas (como
o acompanhamento no trajeto para casa, por exemplo) são mantidas, e aquelas que não surtiram o efeito
desejado são retiradas.
Nas situações em que a meta foi plenamente concretizada a organização já estará apta a partir para a
última etapa do método.

Etapa 4 - Atuação
Nessa etapa, você está diante do processo de inovação na organização. Como implantar uma nova
rotina na organização? Qual o caminho a percorrer para implantar o policiamento em carros ou em bicicletas?
Em quais horários e locais? Enfim, essas questões estão presentes nas rotinas dos profissionais de segurança
pública em diferentes áreas de atuação nas OSP. A etapa de atuação propicia como resultado a padronização
de processos e rotinas nas organizações.
Formalmente, padronizar significa desenvolver um modelo de atuação reduzindo os custos do
improviso em situações limite como a solução de problemas de criminalidade em dada área. Ou seja, a última
fase do PDCA consiste na incorporação dos resultados positivos para a sistematização da atividade elaborando
um novo padrão de atuação institucional ou alterando um já existente.
Para a composição desse padrão, os itens presentes no Plano de Ação, ou seja, O QUE, QUEM, QUANDO,
ONDE, COMO, POR QUE e com que RECURSOS (ou QUANTO) devem permanecer como informações
fundamentais para que o padrão possa ser reproduzido na instituição.
A formalização e divulgação do resultado ciclo PDCA deverá ser feita por meio de um documento de
grande circulação na instituição, sendo frequentemente utilizados para tal, documentos como diretrizes
operacionais, normas técnicas e manuais. Sua redação será simples e direta, tal como àquela empregada nas
demais etapas do ciclo. Por exemplo, diferentes organizações têm adotado ferramentas chamadas de
procedimentos operacionais padrão (POPS) para padronizar procedimentos administrativos. Na área de
segurança pública, a própria SENASP reúne POPs para áreas como perícia criminal, investigação e policiamento
ostensivo.
O padrão deve ser revisto periodicamente, e as revisão e responsabilidades a ela associadas também
devem ser expressas no instrumento de formalização. O instrumento deve ser arquivado pelos gestores da
instituição após a aprovação dos parceiros por meio de reuniões de apresentação e validação.
Novos problemas sempre podem originar novas aplicações do PDCA, como indica a figura referente à
rampa de melhorias. Em algumas situações haverá ciclos dedicados a problemas complementares, sendo
fundamental que haja a devida articulação entre os temas e as equipes responsáveis pelos diferentes processos
quando houve essa divisão de trabalho na organização.

50
Aula 3 – O Policiamento Orientado para o Problema e o Método
Iara
O Policiamento Orientado para o Problema (POP), é um método de policiamento originalmente
elaborado pelo pesquisador Herman Goldstein, a partir de observações conduzidas em OSPs do Estados Unidos
nas décadas de 1950 a 1980. O pressuposto básico do POP é simples: o papel da segurança pública não é
somente atender as demandas da população em situações de crise, mas cuidar para que essas situações não
ocorram. Para tal, sugere a análise dos fatos recorrentes em dada região com vistas a identificar a raiz do
problema e traçar meios para a intervenção.

Polícia comunitária e Policiamento Orientado para o Problema


Apesar de às vezes serem colocados em prática de forma semelhante, o POP e a polícia comunitária
são pensados de forma diferente. A principal diferença é que o POP enfatiza os problemas da região,
mantendo a polícia como responsável em sua resolução. A polícia comunitária, por sua vez, reconhece a
importância da polícia em alguns problemas, mas comumente parte da mobilização social como forma
de intervenção.
No caso do POP, a comunidade pode ou não ser envolvida na resolução de problemas, sendo analisada
a necessidade da participação social. Em suma, a polícia comunitária enfatiza fortemente a organização e a
mobilização social, ao ponto de que essa tarefa constitui uma função da polícia; no POP, a mobilização social é
realizada apenas quando o problema exige (SCOTT, 2000:98).
O POP, inclusive, se tornou muito popular e representa um modelo de policiamento estudado em todo
o mundo.
Na REDE EAD -SENASP há um curso sobre o assunto. Procure se informar a respeito!

A perspectiva do POP trata como problema todo tipo de evento que leva a população a acionar as OSP,
não somente aqueles que envolvem desobediência às leis. Além disso, a lógica de atuação da polícia extrapola
a resposta a chamados: além de serem superficiais e momentâneas, em muitos casos, as respostas a chamados
geram demandas sucessivas, ou seja, ocasionalmente, novos chamados para o mesmo local e circunstâncias.
Sendo assim, a resolução de problemas não se limita aos crimes, pelo contrário, incorpora a necessidade de
envolver ações de outros órgãos que interfiram nas causas dos problemas.

Exemplo
Para ilustrar, imagine o seguinte exemplo:
Situações envolvendo bares problemáticos. Várias cidades possuem bares que geram reclamações na
vizinhança. Os problemas podem ser vários, como: servir bebida para menores de idade, som alto, tráfico de
drogas, motoristas embriagados, apostas ou jogos de azar. É comum que tais circunstâncias gerem reclamações
e a polícia seja chamada a intervir. Isoladamente, essas circunstâncias podem representar problemas
desconexos, mas quando encarados de forma conjunta se tornam mais complexos.

51
Assim, a intervenção não pode ser apenas sob o aspecto legalista, de infringir ou não leis: é importante
compreender as circunstâncias que envolvem os menores estarem ali, por exemplo. Existe autorização para o
funcionamento do bar? Já foram investigados os traficantes? Por que eles permanecem no bar? Enfim, você
percebe que a ação da polícia não é limitada ao bar; mas a partir do bar podem ser aprofundadas outras
questões adjacentes.

Saiba Mais...
Há um centro de estudos, divulgação e troca de experiências sobre o POP. Inclusive, existe um prêmio
anual para o reconhecimento de boas práticas segundo a metodologia do POP. Desde 1993, foram premiados
projetos de diferentes OSPs do mundo, como Inglaterra, Estados Unidos, Nova Zelândia, Chile, Canadá e
Noruega.

3.2 O Método IARA


Para a implementação do policiamento orientado para o problema, foi desenvolvido um método
específico: é o chamado método IARA (SPELMAN e ECK, 1989).
O Método IARA é composto por quatro etapas.

I A R A
Identificação do Análise do Resposta Avaliação
Problema Problema

Antes de detalhar cada etapa, é importante destacar que o método IARA foi inspirado no Ciclo PDCA.
Como você estudará os quatro processos centrais da gestão pela qualidade são contemplados:

PLANEJAMENTO EXECUÇÃO MONITORAMENTO AVALIAÇÃO

Além disso, as metodologias são aplicadas continuamente até a resolução dos problemas centrais e
secundários, de forma cíclica e num sentido de constante aperfeiçoamento.

52
3.2.1 Descrição das etapas do método Iara
Etapa 1 -Identificação do Problema

É a etapa em que se busca definir e especificar o problema a ser resolvido. Normalmente, os problemas
são identificáveis pelas reclamações e impactos na comunidade. Na lógica da polícia comunitária, a identificação
a partir da comunidade, além de mais efetiva representa a atividade diária do profissional de segurança pública.
Você pode considerar os problemas como sendo, comumente, de três tipos: crime, medo e desordem.
Esta última categoria geralmente se refere a aspectos da organização social, de infraestrutura urbana e serviços
públicos no setor.
Para orientar a identificação do problema procure responder às seguintes perguntas e preencher o
quadro resumo a seguir.
• É realmente um problema de crime, medo ou desordem?
• Como há um limite de recursos, o problema é realmente uma prioridade para a comunidade ou
deveria ser?
• O problema escolhido é pequeno o suficiente para que você possa realmente fazer alguma coisa
sobre isso, ou este problema deveria ser dividido em vários problemas menores?

Etapa 2 - Análise do Problema


Após a identificação do problema, é necessário qualificá-lo, ou seja, determinar as circunstâncias em
que ele está ocorrendo.
Existem diferentes formas de qualificar o problema.

Observação do profissional de segurança pública e sua experiência acumulada.


Por vezes, o profissional de segurança pública conhece o bairro, seus moradores e suas dinâmicas em
virtude da rotina de trabalho. Mesmo que não denominasse a interação com a comunidade de policiamento
comunitário ou outra metodologia, a necessidade diária comumente o leva a buscar a resolução dos problemas
locais. Esse senso prático desenvolvido pelo profissional de segurança pública pode ser muito valioso na análise
dos problemas locais. Assim, procure registrar atendimentos e suas características de forma detalhada, em
relatórios específicos. Além de valorizar a experiência em casos futuros, você auxiliará o trabalho de outros
colegas;
Refletindo sobre a prática...
Você já parou para pensar sobre os formulários que são preenchidos a cada jornada de serviço? Os
campos existentes são suficientes para retratar as situações que você atende? Quais alterações poderiam ser
sugeridas?

CONSEGs e demais mecanismos de participação social


Como você estudou no módulo anterior, existem formas de contribuição da comunidade sobre os
problemas que os moradores identificam. Sejam nas reuniões dos CONSEGs, em associações de bairro ou

53
mesmo reuniões de condomínios, a perspectiva da comunidade sobre os problemas por vezes é diferente
daquela que a polícia possui.
Assim, se a intenção é resolver os problemas locais, entender as circunstâncias desses problemas a
partir dos próprios envolvidos pode ser decisivo para a sua solução. Nas reuniões de CONSEG, são demonstradas
características do contexto que envolvem os problemas que não podem ser desprezadas. Por isso, participe das
reuniões!

Análise criminal
Os mecanismos de compreensão das dinâmicas criminais estão cada vez mais desenvolvidos. Por meio
da análise de frequência, tendência e localização, é possível estabelecer padrões específicos por tipos de crimes
em diferentes localidades. Com o avanço da tecnologia da informação, o acesso a esses dados está cada vez
mais comum nas OSP.
Por exemplo, os relatórios de análise criminal contemplam aspectos como: características das vítimas
(idade, sexo, raça/etnia, ocupação), características dos locais dos crimes (urbano e rural, bairro, rua, comercial e
residencial), horários, modus operandi (como ocorreu o crime, o seu passo a passo), informações dos suspeitos
e objeto do crime (pessoa, patrimônio, honra).

Pesquisas de vitimização, pesquisas de percepção de segurança e de avaliação do trabalho


policial e de confiança na polícia
São estudos realizados para abordar aspectos relacionados à segurança pública que aprofundam a
compreensão dos problemas, sem limitá-los ao crime. Como você viu no módulo anterior, essas pesquisas estão
cada vez mais frequentes no Brasil.

Importante!
As etapas de Identificação e análise do problema do IARA correspondem, em grande medida, à etapa
de Planejamento do PDCA.

Saiba Mais...
Na bibliografia da gestão existem outras metodologias utilizadas para identificação e análise de
problemas. Entre elas o método GUT.

Etapa 3 - Resposta ao Problema


A partir da identificação e da análise detalhada do problema, a atuação sobre as suas causas é o
principal objetivo dessa etapa. É importante lembrar também que a chave para desenvolver respostas adequadas
é certificar-se de que as respostas são bem focalizadas e diretamente ligadas com as descobertas feitas na fase
de análise do problema.
As respostas podem ser orientadas para:
• Eliminação do problema;

54
• Redução das ocorrências envolvidas naquele problema, no caso de situações mais complexas que
exigem intervenções que extrapolam as possibilidades do POP;
• Redução de danos. Um exemplo disso são as orientações sobre como se comportar em situações
de roubos e arrombamentos para evitar que haja vítimas;
• Investimento na qualidade da relação com a população, dado que o problema possa ser a
dificuldade na interação entre população e instituições de segurança.
• Atuação sobre as condições ambientais que favorecem a incidência do problema.

Importante!
É importante destacar que nem sempre as demandas da comunidade são unânimes e, por vezes, podem
exigir que as forças de segurança pública se posicionem como árbitros em conflitos entre vizinhos ou
ainda adotando medidas ‘higienistas’, como a simples remoção da população em situação de rua na
região.
Medidas que apenas mascarem problemas ao contrário de investir em soluções – ainda que no longo
prazo – não compõem o policiamento orientado para problemas.
Problemas sociais associados a problemas de segurança pública precisam ser tratados em parceria com
os gestores das políticas setoriais de educação, saúde, assistência social, entre outros.
Por mais que a pressão da comunidade por medidas repressivas seja grande é fundamental que haja
firmeza no propósito de tratar esses como problemas e, portanto, resolvê-los com serenidade e
planejamento.

Etapa 4 - Avaliação dos Resultados


Conforme discutido na seção específica sobre indicadores de qualidade, a última etapa consiste em
avaliar o processo de implantação (avaliação de processo) e os resultados alcançados (avaliação de impacto). A
avaliação se dá por meio de reuniões constantes com a equipe responsável pelo trabalho e o acompanhamento
de indicadores da qualidade da ação definidos previamente. Além de verificar o alcance das ações propostas,
esse processo contribui para a realização de ajustes necessários para que os resultados sejam os mais eficazes,
eficientes e efetivos.

Aula 4 – Plano de Ação de Policiamento Comunitário: exercitando.

Uma ferramenta importante para ser utilizada é o Plano de Ação de Policiamento Comunitário. Como
você estudou no Ciclo PDCA, o plano de ação deve conter alguns campos específicos como: o que, por que,
como, quando, onde, quem e quanto.
Imagine o seguinte problema: Brigas envolvendo jovens na entrada da Escola Athenas. Como você
preencheria o Plano de Ação?

55
Finalizando
Nesse módulo, você aprendeu que:
• Os aspectos gerais de qualidade são: satisfação dos clientes, adequação do produto/serviço ao
uso pretendido, conformidade do produto/serviço com as exigências/especificações, atendimento das
expectativas dos clientes com a manutenção de baixo custo, propriedade, atributo ou condição que permite
avaliar qualquer produto/serviço, propriedades e características de um produto/serviço que conferem sua
habilidade de satisfazer necessidades do cliente, atendimento confiável, seguro e no tempo certo das
necessidades do cliente.
• A avaliação das políticas públicas deve levar em consideração características e indicadores
adequados. Por um lado, é importante conhecer os conceitos de eficácia, eficiência e efetividade. Eficácia indica
se os objetivos propostos no período de planejamento da ação foram alcançados após a implantação. Eficiência
relaciona o cumprimento de metas e o alcance de objetivos aos custos envolvidos na criação do produto/serviço.
Quanto maior a eficiência, menores os custos envolvidos da produção dos resultados esperados. Efetividade
indica se houve mudanças no modo de vida dos atores afetados pelo processo, sendo eficaz e eficiente ao
mesmo tempo.
• Os indicadores, por sua vez, devem possuir algumas características principais (JANUZZI, 2001):
relevância social, validade, confiabilidade, cobertura, sensibilidade, especificidade, periodicidade na atualização.
• O Ciclo PDCA corresponde às palavras Plan, Do, Check e Act, que no inglês representam os
módulos de Planejamento, Execução, Verificação e Atuação dos envolvidos no gerenciamento da produção de
bens e serviços.
• As fases do Ciclo PDCA podem ser resumidas da seguinte forma: É na etapa de planejamento
que são definidos os objetivos do processo e as estratégias a ser traçadas para o alcance desses objetivos. Suas
etapas são: localizar o problema, estabelecer a meta, analisar o fenômeno, analisar o processo e elaborar o plano
de ação. Duas ferramentas são importantes: o Diagrama de Causa e Efeito (para analisar o processo) e o Plano
de Ação 5W2H (inglês) ou 4Q1POC (português).
• A etapa de execução consiste na realização do Plano de Ação. Para sua realização, é essencial
que os profissionais envolvidos sejam treinados, individual e coletivamente. A etapa de verificação corresponde
ao momento de avaliação das ações realizadas durante a execução do plano de ação. No caso da verificação,
são importantes três etapas: comparação dos resultados antes e depois do Plano de Ação, Listagem dos efeitos
secundários, Avaliação da continuidade ou não do problema.
• A última fase do PDCA, a atuação, consiste na incorporação dos resultados positivos para a
sistematização da atividade elaborando um novo padrão de atuação institucional ou alterando um já existente.
Por exemplo, a utilização dos procedimentos operacionais padrão é recomendada.
• Procedimentos Operacionais Padrão (POPs): são instrumentos de gerenciamento e
padronização do trabalho, buscando a qualidade dos serviços prestados ou dos bens produzidos. Dessa forma,
objetiva-se o aumento da previsibilidade dos resultados de bens e serviços e, consequentemente, a diminuição
das variações indesejáveis para o público-alvo.

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• O Policiamento Orientado para o Problema (POP), é um método de policiamento
originalmente elaborado pelo pesquisador Herman Goldstein a partir de observações conduzidas em OSPs do
Estados Unidos nas décadas de 50 a 80. O pressuposto básico do POP é simples: o papel da segurança pública
não é somente atender as demandas da população em situações de crise, mas cuidar para que essas situações
não ocorram.
• Apesar de às vezes serem colocados em prática de forma semelhante, o POP e a polícia
comunitária são pensados de forma diferente. Em suma, a polícia comunitária enfatiza fortemente a organização
e a mobilização social, ao ponto de que essa tarefa constitui uma função da polícia; no POP, a mobilização social
é realizada apenas quando o problema exige (Scott, 2000:98).
• Para a implementação do policiamento orientado para o problema, foi desenvolvido um método
específico: é o chamado método IARA (Spelman e Eck, 1989). Inspirado no modelo PDCA, o IARA é composto
pelas seguintes etapas: 1) Identificação do Problema; 2) Análise do Problema - Uma ferramenta importante à
análise do problema é o Método GUT.; 3) Resposta ao Problema; 4) Avaliação dos Resultados.

Exercícios
1. Sobre o método IARA é incorreto afirmar que:

a. O Método IARA é o único conhecido para a resolução de problema.


b. Outros métodos podem ser utilizados para a resolução de problemas, como o Ciclo PDCA.
c. O Método IARA corresponde a um conjunto de ferramentas adotadas para a resolução de
problemas e foi criado para ser aplicado em quatro fases: identificação, análise, resposta e avaliação do
problema.
d. O método de resolução de problemas IARA pode ser utilizado para a solução de problemas de
grande a pequeno porte nas comunidades, mas é recomendado que todos passem pelas quatro fases
descritas no quadro acima.

2. Sobre o Plano de Ação de Policiamento Comunitário (PAPC) é incorreto afirmar que:

a. O PAPC é baseado nas variáveis do Diagrama de 5W2H (em português: 4Q1POC).


b. Para que o planejamento alcance a eficácia e eficiência sugere-se a responsabilização de atores
pelas ações e a definição de prazos.
c. Para que o problema seja resolvido sugere-se que todos os atores sejam envolvidos no processo
em ações bastante específicas.
d. A capacitação dos participantes da comunidade e equipe de gestão será importante apenas na 4ª
Etapa IARA/Avaliação.

57
3– Considerando as situações apresentadas e as fases do Método Iara, faça o que se pede:

Situação 1– Pichação de muros/ Fase - análise do problema.


Quais é a atitude que o policial deve adotar?

a) Descrever, juntamente com as lideranças comunitárias, as causas principais que geram este
problema e ordená-las de acordo com sua importância.
b) Utilizar somente as informações quantitativas descritas nos relatórios de geoprocessamento e
mapas temáticos, pois são mais precisos e facilitam a análise criminal realizada por leigos.
c) Priorizar as causas descritas pelos policiais “velados”, após realizar uma análise do contexto social
do bairro.
d) Estudar somente as informações dos adolescentes infratores e suspeitos e dispensar a análise das
informações das testemunhas, pois geralmente estas pessoas são passionais e sem objetividade.

Situação 2: Furto de celular/ Fase – Reposta do problema


Qual a alternativa é falsa?

a) O planejamento as ações deve ocorrer de forma participativa, ouvindo também as opiniões dos
policiais de rua.
b) As estratégias devem ser traçadas utilizando somente ações não tradicionais, como campanhas de
autoproteção e modificação do ambiente.
c) A Polícia Militar, a Polícia Civil e as lideranças comunitárias devem fixar metas de curto, médio e
longo prazo, para verificar se os objetivos foram cumpridos.
d) Planejar uma campanha de autoproteção para os transeuntes, que deve ser desdobrada através da
metodologia 5W2H ou 4Q1POC.

Situação 3– Briga de gangues/ Fase - avaliação


Qual é a alternativa correta?

a) Somente os policiais devem avaliar o seu serviço, pois este serviço é um assunto de exclusividade,
muito técnico, e não cabe aos civis emitir algum tipo de parecer.
b) A avaliação deve ser realizada somente pelo Cmt do BPM e/ou Delegado Seccional, pois eles são
autoridades locais sobre os demais policiais de linha.
c) A polícia não deve apresentar os resultados alcançados para a comunidade, pois são informações
de caráter reservado.
d) A redução do medo do crime, entre os adolescentes, é um indicador para avaliar a solução deste
problema.

58
Gabarito

1. Resposta Correta: A
2. Resposta Correta: D
3. Resposta Correta
Situação 01: A
Situação 02: B
Situação 03: D

59
MÓDULO
RELAÇÕES SOCIAIS, VULNERABILIDADES E

4 POLÍCIA COMUNITÁRIA

Apresentação

“O homem é um ser social.”


(Aristóteles)
As implicações dessa citação são grandes e poderiam soar, a princípio, redundantes ou generalistas.
Vivendo sozinho, isolado, sem qualquer forma de comunicação desde o nascimento, o indivíduo dificilmente
seria reconhecido como parte da sociedade (SENASP, 2014). Os homens nascem com uma predisposição à
sociabilidade por serem capazes de apreender e reproduzir cultura. Mas, o ser social só desperta a partir das
relações interpessoais.
É o contato com a família, amigos, colegas de trabalho que condiciona importantes características do
ser humano como a língua, as preferências e a disposição para cumprir normas. Por meio de um processo
contínuo de socialização, o homem internaliza valores e comportamentos socialmente esperados.
É por intermédio das interações com outros indivíduos que surge o ser social que ocupa e participa da
vida pública e, portanto, é alvo e portador das políticas e intervenções de segurança pública, simultaneamente.
Nos módulos anteriores, você conheceu o conceito de polícia comunitária, identificou a importância
da participação social na segurança pública e aprendeu métodos e ferramentas de gerenciamento das
organizações de segurança pública que primam pela qualidade da gestão.
Nesse módulo, você aprenderá sobre relações e interações sociais a partir de categorias práticas do
cotidiano, como idade, gênero e raça. A partir da noção de vulnerabilidade social, as OSPs são convidadas a
atuar de formas e por meio de práticas diferentes, sob pena de se verem distantes das demandas da
comunidade. Em particular, casos concretos que marcam o horizonte de cidades brasileiras serão discutido,
como pessoas em situação de rua e dependentes químicos.

Objetivos do Módulo

Ao final desse módulo, você será capaz de:

• Conceituar relações e interações sociais;


• Compreender a socialização como processo;
• Compreender a noção de vulnerabilidade social;
• Conhecer contextos e serviços especializados a populações ou grupos em situação de
vulnerabilidade social.
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Estrutura do Módulo

Esse módulo compreende as seguintes aulas:

• Aula 1 – Relações e interações sociais;


• Aula 2 – A noção de vulnerabilidade social;
• Aula 3 – Mulheres;
• Aula 4 – Crianças e adolescentes;
• Aula 5 - População negra e outros grupos que sofrem discriminação em função de raça/cor;
• Aula 6 – Idosos;
• Aula 7 – Pessoas em Situação de Rua;
• Aula 8 – Pessoas com deficiência;
• Aula 9 – População LGBT.

Nota 1
O conteúdo do módulo foi adaptado do capítulo sobre Direitos Humanos e Atenção a Grupos em
Situação de Vulnerabilidade da nova edição do Curso Nacional de Promotor de Polícia Comunitária, da
SENASP/MJ, ainda no prelo. A redação final, contudo, é de inteira responsabilidade do autor, particularmente
pelas adequações realizadas para atender ao objetivo do presente trabalho e às próprias teses defendidas. Dessa
forma, cabe destacar a produção e a revisão da publicação citada.

NOTA 2
Na REDE EAD –SENASP há cursos específicos para algumas das temáticas abordadas neste módulo.
Procure-se informar a respeito.

Aula 1 – Relações e interações sociais

A experiência da vida em sociedade é marcada pela existência de diferentes grupos, com papéis e
pensamentos distintos. A polícia, os moradores e os outros prestadores de serviços públicos são exemplos de
atores num bairro ou vizinhança. A partir da noção de polícia comunitária, a construção de um ambiente seguro
exige a interação entre os diferentes grupos e a polícia de forma mais próxima.
Assim, é importante que os profissionais de segurança pública identifiquem as características e as
necessidades dos diferentes grupos da comunidade em que trabalham, de forma a investirem, produtivamente,
na melhoria da qualidade de vida da região.

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É comum que os profissionais de segurança pública se vejam envoltos em situações de conflitos entre
pessoas e grupos e que tenham que intervir. Como início, é essencial que compreendam a rotina das pessoas,
dos grupos e das relações que tomam lugar naquele local.

1.1 O processo de socialização


A constituição de um ser social extrapola o fenômeno natural da concepção e nascimento de um novo
ser humano (SENASP, 2014). As características biológicas estão presentes e atuam profundamente na
constituição de algumas características marcantes como a aparência física e a predisposição para algumas
doenças. Porém, a genética não é capaz de explicar completamente a personalidade, os gostos, preferências e
aptidões. Todos esses elementos relacionam-se com as características naturais dentro de um processo contínuo
de socialização.

Socialização
A socialização consiste nesse processo que apresenta aos indivíduos as maneiras de agir, pensar e sentir
característicos da sociedade em que está inserido por meio de mecanismos que promovam o aprendizado de
normas, costumes e valores caros àquela organização social (DIAS, 2008).
O mundo com o qual o homem tem contato ao nascer encontra-se estruturado e o seu conhecimento
é oferecido por meio daqueles que são as primeiras referências desse novo ser: a família. A família representa o
todo social reproduzido ao nível das relações privadas. Porém, é por meio da observação dos pais e parentes
próximos que o indivíduo conhece e significa o mundo objetivo que ainda desconhece.

De acordo com a SENASP (2014), a socialização pode ser dividida em duas grandes fases:
O processo de socialização primária corresponde ao conjunto de estratégias que visam garantir que
o indivíduo apreenda os acontecimentos objetivos com os quais se depara na infância, interpretando-os e
interiorizando-os. Ou seja, é nessa fase que as pessoas adquirem determinadas características, como a língua. É
bastante comum que os pais transmitam esses traços aos filhos, quer seja diretamente (por exemplo, ao corrigir
uma palavra dita de forma errada), ou indiretamente (por exemplo, o sotaque na pronúncia é aprendido pela
observação).
Por sua vez, a socialização secundária tem início após a infância, quando o indivíduo é inserido em
outros grupos sociais além do núcleo familiar. Para a maior parte das crianças, o início da vida escolar
corresponde a esse momento de transição; porém, isso não é uma regra. O importante é saber que, se em um
primeiro momento as relações interpessoais do âmbito privado ofereciam à criança todas as ferramentas para
a compreensão, interpretação e internalização da realidade, em linhas gerais, essa rede de relações se torna
mais complexa.
A socialização secundária significa o contato do indivíduo com uma estrutura bem mais diversificada
de relações sociais, como aquelas do trabalho, em que existe uma pluralidade de papéis sociais. Nesse contexto,
o indivíduo é convidado a conhecer e se estabelecer no mundo a partir de determinados pontos de vista. A
diferença é que são várias as perspectivas e cada uma delas apresenta um conjunto específico de normas,

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costumes e valores. Esse processo de socialização é contínuo, nunca está acabado. Ele se reinicia sempre que
ocorre a inserção do homem em outro grupo social.

Exemplo
A socialização das pessoas em relação à polícia pode ser iniciada de diferentes formas, inclusive como
forma de impor autoridade a crianças quando desrespeitam alguma ordem dos pais. Expressões como “Faça
isso, senão a polícia vai te prender”, podem dificultar o trabalho posterior de aproximação com a polícia.

Outro exemplo da intensidade desse fenômeno social é a observação das mudanças comportamentais
que você experimentou ao ingressar na sua OSP. A adequação à estruturas de hierarquia e disciplina, com
horários e jornadas de trabalho, a adaptação ao uniforme ou à farda, no caso dos militares, e conhecimento dos
princípios básicos da instituição são algumas das exigências características da participação em uma instituição
de segurança pública (MATTOS, 2012; COSTA et al, 2014).
É muito comum que não apenas no trabalho, mas em outras esferas de sua vida, seu comportamento
passe a ser influenciado pela vivência na OSP. Assim como ocorre em diferentes ocupações, o ambiente de
trabalho é um importante contexto de socialização secundária, inclusive com efeitos para a construção da
identidade, o reconhecimento e a saúde profissional (MATTOS, 2012).

Profissional de segurança pública


Tornar-se profissional de segurança pública implica muito mais do que a aprovação em um concurso
público. Corresponde a um processo de socialização: antes de avançar, procure caracterizar o seu processo de
socialização na OSP em que trabalha. Você percebeu mudanças em seu comportamento ou rotinas? E nas
pessoas ao seu redor, houve mudanças na forma como se relacionavam com você?

1.2 Interações Sociais


As interações sociais são o resultado dos contatos que as pessoas mantêm entre si como parte da vida
em sociedade. As conversas face-a-face, as trocas de correspondências e a comunicação não verbal, como os
gestos, representam alguns mecanismos que expõem as pessoas a situações que propiciam a manutenção da
vida em sociedade. A maneira como os indivíduos se portam durante essas interações é vista como resultado
da junção de normas, status e papéis. (SENASP, 2014).
As interações sociais são, por vezes, marcadas pelo conflito entre as pessoas em virtude de oposições
sobre normas, status e papéis sociais. Mais do que rotineiros, os conflitos são comuns a todas as sociedades e
fazem parte do seu processo de desenvolvimento.
Para a polícia comunitária, é imprescindível compreender os conflitos que marcam a comunidade, como
forma de adaptar os serviços a serem implantados. Com a aproximação da OSP da vida daquela comunidade, é
esperado que as interações com os próprios profissionais de segurança pública sejam modificadas.

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Importante!
A implantação da polícia comunitária exige mudanças na forma como as pessoas se relacionam com as
OSPs, ou seja, de certa forma, as pessoas passarão por novos processos de socialização em relação à
polícia, que estará mais próxima e presente no seu dia a dia. Para tanto, os profissionais de segurança
pública devem conhecer a realidade local em detalhes.

Aula 2 - A noção de vulnerabilidade social

De uma maneira geral, é possível afirmar que a noção de vulnerabilidade está associada a três
elementos (SANTOS, 2010):
• A exposição de grupos e indivíduos a determinados riscos;
• A capacidade de resposta desses grupos e indivíduos a esses riscos;
• E os efeitos desses riscos sobre a vida daqueles vulneráveis.

Todos esses elementos são variáveis na população, ou seja, não se distribuem de maneira aleatória,
sendo possível perceber que determinados grupos estão mais expostos a determinadas situações e, que mesmo
entre eles, os impactos são diferentes.

Vulneráveis
Sob essa perspectiva, vulneráveis são aqueles que diante de determinados riscos naturais (Ex.:
acontecimentos ligados ao clima) ou sociais (Ex.: fome e violência) possuem menos recursos para minimizar os
efeitos negativos dessa conjuntura.
As condições de vida e cidadania são os fatores essenciais para a definição dessa capacidade de
resistência aos riscos. Por essa razão, porque essas condições são variáveis, a definição de vulnerabilidade é
multidimensional, ou seja, um grupo ou indivíduo pode estar mais ou menos vulnerável de acordo com o risco
e o ativo avaliado.

2.1 Grupos em Situação de Vulnerabilidade


O Programa Nacional de Direitos Humanos, regulamentado pelos Decretos 7.037/09 e 7.177/10, afirma
que:
Direitos humanos são os direitos fundamentais de todas as pessoas, sejam elas
mulheres, negros, homossexuais, índios, idosos, pessoas portadoras de deficiências,
populações de fronteiras, estrangeiros e emigrantes, refugiados, portadores de HIV
positivo, crianças e adolescentes, policiais, presos, despossuídos e os que têm acesso
à riqueza. Todos, enquanto pessoas, devem ser respeitados e sua integridade física
protegida e assegurada (Brasil, 2010. p. 188)

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Perceba que, apesar da afirmação categórica de que os Direitos Humanos são dirigidos a todas as
pessoas, a legislação destaca alguns grupos específicos. Mulheres, negros, homossexuais, população idosa ou
indígena, entre outros, representam grupos que pelo histórico de exclusão e discriminação estariam mais
expostos aos riscos de vitimização por violências e outros crimes.
Em grande medida, os grupos em situação de vulnerabilidade estão mais expostos a riscos, como
preconceito, discriminação e segregação. Comumente, esses grupos representam minorias nos espaços de
tomada de decisão (como em altos postos dos poderes executivo, legislativo e judiciário, além dos estratos com
maior poder aquisitivo), o que não quer dizer que sejam minorias no sentido quantitativo.

Minorias
A noção de minorias diz respeito às seguintes características (GIDDENS, 2005):
a) O compartilhamento de uma sensação de desfavorecimento em relação a outros na distribuição de
bens como recursos monetários e segurança; e
b) Existência de solidariedade ou identificação entre os membros do grupo.

Você é, comumente, chamado a intervir em situações que envolvem pessoas em situação de


vulnerabilidade ou com seus efeitos. E então, como agir? Existe a necessidade de tratamento especial
para essas pessoas? Mas a lei não estabelece que são todos iguais?

2.2 A noção de equidade


A noção de equidade diz respeito ao estabelecimento de mecanismos que diminuam desigualdades
de oportunidades ou de acesso a recursos ou direitos no convívio entre as pessoas em sociedade. Assim, a noção
de equidade complementa a ideia de igualdade, na medida em que reconhece a existência de desigualdades
que promovem injustiças (MEDEIROS, 2005).
Por exemplo, ao estabelecer condições específicas de atendimento às mulheres vítimas de violência
doméstica, o Brasil reconhece a limitação do tratamento e da atenção que eram dispensados às mulheres nessas
condições. Diante do histórico de vitimização das mulheres em ambiente doméstico, essa legislação específica
é considerada uma estratégia orientada pela noção de equidade.
Em termos práticos, a atuação dos profissionais de segurança pública deve levar em consideração a
existência dessas desigualdades. Mais do que isso, o tratamento indiferenciado dos Profissionais de Segurança
Pública tende a agravar essas situações de desigualdades existentes. A partir da noção de polícia comunitária, o
tratamento tolerante, igualitário e equânime dos profissionais de segurança pública é uma forma necessária de
prestação de serviços e de aproximação com a comunidade.
Nas próximas seções, você conhecerá aspectos importantes para promoção da tolerância,
igualdade e equidade por parte dos Profissionais de Segurança pública em suas atividades rotineiras.

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Aula 3 – Mulheres

O cenário que envolve violências contra mulheres no Brasil é grave. Segundo dados da Secretaria de
Políticas para Mulheres (SPM), do Governo Federal, 1 em cada 5 mulheres já sofreu alguma forma de violência
doméstica cometida por um homem. Cerca de 80% dos casos de violência doméstica são cometidos por
parceiros ou ex-parceiros. A relevância dos dados indica a incidência de comportamentos preconceituosos e
discriminatórios, em que homens se julgam superiores às mulheres e utilizam a força física para fazer valer suas
opiniões.

3.1 Lei Maria da Penha


Desde 2006 a violência doméstica contra a mulher é crime, por meio da Lei n° 11.340/06. também
conhecida por Lei Maria da Penha.
De forma ampla, a lei é considerada um momento de avanço na legislação do país e da própria
democracia, tendo em vista a mobilização de diferentes opiniões e setores da sociedade durante a sua
formulação (CALAZANS e CORTES, 2011). Além de tratar do problema da violência doméstica de forma integral,
a legislação ofereceu instrumentos para possibilitar a proteção e o acolhimento emergencial das vítimas (IPEA,
2015).
Segundo dados e análises do IPEA (2015), a Lei Maria da Penha contribuiu para o aumento do custo da
pena para o agressor e aumentou as condições de segurança para que a vítima se dispusesse a denunciar. Além
disso, o sistema de justiça criminal pode atender de forma mais efetiva os casos de violência doméstica. De uma
forma geral, o estudo concluiu que a Lei diminuiu os homicídios de mulheres associados à questão de gênero.

3.2 Feminicídio
Ainda em relação à vitimização de mulheres, foi aprovada em 9 de março de 2015, a lei nº 13.104, que
estabelece uma nova modalidade de homicídio qualificado, o feminicídio. A caracterização do feminicídio exige
que o crime tenha sido praticado contra a mulher por razões da condição do sexo feminino, estabelecendo duas
hipóteses para tanto: Violência doméstica e familiar ou Menosprezo ou discriminação à condição de mulher.

3.3 Serviços especializados


O atendimento a mulheres vítimas de violência exige procedimentos específicos. O contexto que
envolve essas situações é, normalmente, delicado por envolver familiares e pela possibilidade de exposição
indevida de questões íntimas e dolorosas. Por isso, o envolvimento do Profissional de segurança pública deve
ser no sentido de construir um ambiente de conforto e segurança, se possível com o direcionamento para
serviços especializados.

Alguns serviços especializados foram impulsionados pelas alterações da legislação sobre violências
contra mulheres. Exemplos disso são as Delegacias de Atendimento a Mulheres (DEAMs), e os serviços de
monitoramento do cumprimento de medidas protetivas de urgência.
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Nesse sentido, o Governo Federal estipulou, em 2015, diretrizes para organização e integração do
atendimento às vítimas de violência sexual pelos profissionais de segurança pública e por profissionais
de saúde com o objetivo de diminuir a exposição da pessoa vítima de violência, assim como oferecer elementos
à responsabilização dos autores da violência. Em termos práticos, são realizados treinamentos para a
humanização do atendimento às vítimas de violência, como coleta de vestígios, nas primeiras horas após a
violência.

Saiba Mais..
Casa da Mulher Brasileira

Trata-se de uma iniciativa da SPM, do Governo Federal, para humanizar o atendimento às mulheres
vítimas de violências. A ideia é integrar num mesmo espaço serviços especializados como acolhimento e triagem,
apoio psicossocial, delegacia, Juizado, Ministério Público, Defensoria Pública, promoção de autonomia
econômica, cuidado das crianças, brinquedoteca, alojamento de passagem e central de transportes.

Por fim, nos casos em que mulheres forem suspeitas, conforme indica o Código de Processo Penal (art.
249; 1941), elas devem ser prioritariamente revistadas por profissionais também do sexo feminino. Além disso,
em eventuais conduções, as mulheres não devem dividir os espaços da cela com homens, sendo que se forem
gestantes ou lactantes deverão ser permitidas condições especiais de preservação da criança.

Aula 4 - Crianças e adolescentes

4.1 Contexto
É necessário que o profissional de segurança pública compreenda a infância e a juventude e suas
especificidades. A exposição de crianças e adolescentes à riscos não implica dizer que não possuam autonomia
ou direitos. Pelo contrário, especialmente a juventude era comumente associada a processos de inovação na
sociedade, em que mudanças advinham da mobilização e da capacidade produtiva de jovens. Contudo, a
exposição de jovens a riscos como violências, desemprego, tráfico de armas e drogas e falta de políticas públicas
nas áreas de saúde, lazer, serviços de apoio à família e, especialmente, educação, tende a reduzir as suas
possibilidades de desenvolvimento humano e social, além de vitimizá-los de forma crescente.
Segundo dados do Mapa da Violência (2015, p. 66), a média nacional de homicídios no país indicou
uma elevada vitimização juvenil, em que para cada não jovem morreram perto de 4 jovens por arma de fogo
em 2012, ou seja, quatro vezes maior. Além disso, os dados indicam que essa realidade é relativamente estável
desde 2002, ou seja, os jovens são as principais vítimas de homicídios no Brasil pelo menos nos últimos 10 anos.
Como estudará em seguida, a vulnerabilidade juvenil não está associada apenas com a violência letal, mas
também a aspectos como frequência à escola e situação de emprego, pobreza e desigualdade.

67
4.2 Serviços especializados
Diante desse cenário, são cada vez mais frequentes serviços especializados para o atendimento de
crianças e adolescentes, como as Delegacias de Atendimento a Crianças e Adolescentes e os Conselhos
Tutelares.
Comumente, a importância do Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA), é central na compreensão
das formas de atuação do Estado perante crianças e adolescentes. Legalmente, são consideradas crianças
aquelas pessoas desde o nascimento até completar 12 anos. A partir daí, são consideradas adolescentes até
completarem 18 anos. É importante notar que, além de definir as faixas etárias dos grupos de interesse, o ECA
expõe os princípios relacionados à prática de atos ilícitos por menores de 18 anos completos. Crianças e
Adolescentes são inimputáveis, portanto, livres da responsabilização criminal. Por essa razão, são julgados pelo
cometimento de atos infracionais e não criminais (BRASIL, 1990).
Às crianças são cabíveis medidas judiciais de proteção sempre que os direitos garantidos pelo ECA
estiverem sendo violados ou ameaçados em razão da conduta de pais, responsáveis, sociedade e Estado. Tais
medidas podem ser o encaminhamento aos pais ou responsáveis, a matrícula em unidade de ensino, inclusão
em programas, projetos e ações comunitárias, encaminhamento para tratamento de saúde, serviço de
acolhimento ou família substituta.
O mesmo Estatuto prevê que aos adolescentes que tenham cometido atos infracionais sejam aplicadas
as chamadas medidas socioeducativas:
• Advertência;
• Reparação do dano;
• Prestação de Serviços à Comunidade (PSC);
• Liberdade Assistida (LA);
• Semiliberdade;
• Internação;
• Medidas protetivas como o encaminhamento aos pais ou responsáveis; orientação, apoio e
acompanhamento temporários; matrícula e frequência obrigatórias em escola; inclusão em programa
comunitário ou oficial de auxílio à família e ao adolescente; requisição de tratamento de saúde em regime
hospitalar ou ambulatorial; inclusão em programa oficial ou comunitário de auxílio, orientação e tratamento a
alcoólatras e toxicômanos.
A condição especial das crianças e adolescentes faz com que os procedimentos para o atendimento de
ocorrências em que haja a participação de menores de 18 anos na condição de possíveis autores obedeça a
procedimentos específicos.

Exemplo
Tão logo a criança ou adolescente seja apreendido pelos profissionais de segurança pública, ela deve
ser conduzida à presença de uma autoridade judiciária e, na medida do possível, os pais ou responsáveis devem
ser acionados. Além disso, a algema só poderá ser utilizada em caso de justificada necessidade mencionada no
registro de ocorrência policial.

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Aula 5 - População negra e outros grupos que sofrem
discriminação em função de raça/cor

5.1 Contexto
Marcadamente, uma ordem social baseada em fortes preconceitos raciais pode formar uma grande
quantidade de profissionais com uma predisposição para reproduzir comportamentos discriminatórios.
Todavia, o processo de formação do profissional e a construção de uma identidade baseada em valores
sólidos de equidade e respeito podem contribuir positivamente para a mudança nesse cenário.
E o cenário é especialmente delicado no Brasil. Segundo dados publicados no Anuário do Fórum
Brasileiro de Segurança Pública (FBSP, 2014), os jovens negros (entre 15 e 29 anos) foram 18,4% mais
encarcerados e 30,5% mais vítimas de homicídios do que jovens brancos, em 2013. Segundo o Governo
Federal e a UNESCO (2015), em média, jovens negros possuem 2,5 mais chances de morrer do que jovens
brancos no país.
Ou seja, de acordo com os dados disponíveis, a incidência da vitimização dos jovens está
desigualmente distribuída no Brasil, indicando um grave cenário para a juventude negra. Faz-se necessária a
priorização de políticas públicas (de diferentes áreas, como educação, assistência social, trabalho, saúde,
esporte, segurança pública, dentre outras) que reduzam homicídios no país, especialmente aquelas que se
concentrem em medidas de prevenção da vitimização dos jovens, especialmente os negros. É o caso do
Programa Juventude Viva, do Governo Federal.

5.2 Serviços especializados


Ainda não existem serviços especializados para populações que sofrem discriminação em função de
raça/etnia no âmbito da segurança pública. Contudo, de acordo com a Constituição Federal o racismo, ou a
prática do tratamento desigual em decorrência da cor da pele ou outra característica ligada à raça/etnia, é
considerada crime inafiançável, para o qual não cabe prescrição, estando o agressor sujeito à pena de reclusão
(BRASIL,1988).
Nesse sentido, o profissional de segurança pública deve atuar de forma a interromper ciclos de
discriminação que existem na sociedade.

Exemplo
A atuação seletiva e deliberada do profissional de segurança pública em abordar preferencialmente
negros reflete um tratamento discriminatório, denominado racismo institucional. Além disso, são igualmente
discriminatórios termos pejorativos e irônicos relacionados a características de cor/raça ou etnia.

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Racismo Institucional
Mecanismo estrutural que garante a exclusão seletiva dos grupos racialmente subordinados, como
negros, indígenas, ciganos, para atuar como alavanca importante da exclusão diferenciada de diferentes
sujeitos nesses grupos (BRASIL, SEPPIR, 2012 :17)

Nos casos de crimes de racismo, o profissional de segurança pública deve estar atento a atitudes e
comportamentos como:
• Utilizar apelidos de acordo com as características físicas da vítima;
• Inferiorizar as características estéticas da etnia em questão;
• Considerar a vítima inferior intelectualmente, podendo até negar-lhe determinados cargos no
emprego;
• Ofender verbal ou fisicamente a vítima;
• Desprezar os costumes, hábitos e tradições da etnia;
• Duvidar, sem provas, da honestidade e competência da vítima;
• Recusar-se a prestar serviços a pessoas de diferentes etnias.

Aula 6 - Idosos

6.1 Contexto
É considerada idosa a pessoa com idade igual ou superior a 60 anos de idade, sendo reservado a essa
população o direito de não ser alvo de negligência, discriminação, violência, crueldade ou opressão. A violação
de qualquer um desses direitos pode culminar na aplicação de medidas judiciais que visem a proteção do idoso.
De acordo com o Estatuto do Idoso (BRASIL, 2003) essas medidas podem ser:
• Encaminhamento à família ou curador, mediante termo de responsabilidade;
• Orientação, apoio e acompanhamento temporários;
• Requisição para tratamento de sua saúde, em regime ambulatorial, hospitalar ou domiciliar;
• Abrigo em entidade;
• Abrigo temporário;
• Inclusão em programa oficial ou comunitário de auxílio, orientação e tratamento a usuários
dependentes de drogas lícitas ou ilícitas, ao próprio idoso ou à pessoa de sua convivência que lhe cause
perturbação.

6.2 Serviços especializados


Ainda são poucos os serviços especializados para atendimento a idosos no âmbito da segurança
pública no Brasil. De toda forma, você deve observar os seguintes aspectos no atendimento a idosos:

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1. As circunstâncias normalmente envolvem cuidadores ou familiares e podem expor condições
particulares e delicadas. Procure ser discreto e respeitar as condições das vítimas. Por exemplo: em casos de
maus tratos ou estelionatos, é comum que familiares sejam os agressores.
2. Leve em consideração ainda as possíveis especificidades físicas e sensoriais decorrentes da condição
etária dos idosos. As violações dos direitos dos idosos não estão apenas na inobservância de placas de trânsito
ou lugares em filas, mas principalmente em tratamentos discriminatórios em virtude da sua idade e de suas
implicações. Por isso, é importante observar e conhecer pessoas próximas ou familiares dos idosos em casos de
atendimentos.
3. Comumente, existem Promotorias especializadas para a defesa dos idosos, busque saber sobre a sua
região.
4. Caso seja necessário o uso da algema, desde que não haja prejuízo da segurança dos envolvidos na
ocorrência, o profissionais de segurança pública o fará de modo a garantir que as mãos fiquem situadas à frente
do corpo.
5. A condução do idoso suspeito de crime não pode ser feita em compartimento fechado, sendo o ideal
que seja transportado no banco traseiro do veículo entre outros dois profissionais da área de segurança pública.

Aula 7 - Pessoas em situação de rua

7.1 Contexto
Conforme a Política Nacional para a População em Situação de Rua, essa categoria é composta por
pessoas que compartilham 03 (três) importantes características (BRASIL, 2009):
• Desenvolvimento das atividades necessárias à sobrevivência nas ruas;
• Inexistência de moradia regular;
• Rompimento dos laços sociais familiares.

População em Situação de Rua


Grupo populacional heterogêneo que possui em comum a pobreza extrema, os vínculos familiares
interrompidos ou fragilizados, a inexistência de moradia convencional regular, sendo que esses utilizam
logradouros públicos e áreas degradadas como espaço de moradia e de sustento, de forma temporária ou
permanente, bem como as unidades de acolhimento para pernoite temporário ou como moradia provisória.
(BRASIL, 2009).
O respeito à vida, à dignidade humana e o direito a um atendimento humanizado e à convivência
familiar são princípios que orientaram a criação do Plano e, assim, as políticas públicas destinadas à população
em situação de rua. Além de definição, a Política Nacional ainda prevê a articulação setorial para a garantia dos
direitos dessa População, contando com o ministério da Justiça e dessa forma das instituições de Segurança
Pública para essa empreitada.

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7.2 Serviços Especializados
Apesar de não possuírem serviços especializados para o atendimento de populações em situação de
rua, as OSPs possuem papel preponderante na garantia da segurança dessa população nas ruas das cidades
(Brasil, 2011). Isso se deve porque a utilização dos espaços públicos como moradia expõe o morador a situações
de violação de direitos e agressões.
A sensibilização por meio da aproximação dos profissionais de segurança dos equipamentos de
assistência social que atuam na região pode contribuir muito para que o tratamento dispensado a essas pessoas
nas ruas supere a visão de que representam um problema que incomoda os moradores – que não aceitam a
proximidade – e, portanto assunto de polícia. O acompanhamento e o encaminhamento para unidades de
assistência social como o próprio Centro pop, ou para as unidades de saúde, representam algumas das possíveis
estratégias adotadas pelas OSPs.
Discutindo os aspectos legais, cabe mencionar que, mesmo sendo frequentemente tratada pela
população como um comportamento criminoso, a situação de rua não configura crime e tampouco
contravenção penal. Portanto, o simples fato de estar nas ruas não exige do policial uma atuação repressiva.
Desde que não esteja infringindo a lei, é garantido ao cidadão em situação de rua permanecer em local público.

Importante!
Desde o ano de 2009, através da Lei 11.983, a “mendicância” deixou de ser considerada contravenção
penal no Brasil (BRASIL, 2009).

Aula 8 - Pessoas com Deficiência

8.1 Contexto
São consideradas pessoas com deficiência aquelas com algum tipo de limitação de natureza motora,
auditiva e/ou de fala, visual ou mental que dificulte a execução das atividades cotidianas. As dificuldades
enfrentadas por essa população, em decorrência da condição imposta pela deficiência, faz com que sejam alvo
de políticas públicas e instrumentos normativos que visam a garantia dos seus direitos essenciais.
O Estatuto da Pessoa com Deficiência, conhecido como Lei Brasileira da Inclusão, foi sancionado
em 6 de julho de 2015 e estabelece definições sobre deficiências e serviços para atendimento a pessoas com
deficiência, dentre elas a prioridade em atendimentos de serviços públicos. Como se trata de legislação ainda
muito recente, é possível que existam implicações às OSPs em sua atuação.

8.2 Orientações práticas para o atendimento de cadeirantes ou pessoas com limitações motoras
Você deve considerar os seguintes aspectos (Brasil, 2008) nos atendimentos a cadeirantes ou pessoas
com limitações motoras:

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• A cadeira de rodas é complemento do corpo da pessoa com deficiência; portanto, não é
conveniente que os profissionais de segurança – e quaisquer outras pessoas desconhecidas – segurem ou se
apoiem nela;
• Durante o contato, o ideal é que o profissional de segurança pública se posicione de modo a se
manter no mesmo nível dos olhos da pessoa com deficiência, proporcionando mais conforto à pessoa que não
precisará olhar para cima para se dirigir ao profissional de segurança pública;
• A delimitação de áreas de estacionamento específicas e vagas para idosos e pessoas com
deficiência física foram regulamentadas por meio das Resoluções 302/08, 303/08 e 304/08 do Conselho Nacional
de Trânsito (CONTRAN) e implicam multas para as situações de descumprimento das medidas previstas (BRASIL,
2008a; BRASIL, 2008b; BRASIL, 2008c).

8.3 Orientações práticas para o atendimento de pessoas com deficiência visual


• Se faça anunciar, para que ela saiba que você está se dirigindo a ela, identificando-se logo no
início da comunicação.
• Um dos erros mais frequentes na interação com o deficiente visual é pressupor que o mesmo
também apresenta alguma forma de deficiência auditiva. Portanto, o profissional de segurança pública utilizará
o tom normal da voz, não sendo adequado falar mais alto que o costume.
• É importante avisar antes de sair de perto de uma pessoa com deficiência visual para que ela não
prossiga conversando sozinha.
• É fundamental que ao guiar uma pessoa com deficiência visual, aquele que guia ofereça o braço
para que ela segure e possa ser conduzida. No caso do direcionamento até uma cadeira, o profissional de
segurança pública – ou qualquer outro cidadão – deve colocar a mão da pessoa com deficiência visual no braço
ou encosto para que se sente sozinha.
• Em uma ocorrência, o profissional de segurança pública deve estar atento e não desprezar as
informações prestadas pelo deficiente visual que geralmente tem outros sentidos muito desenvolvidos. Ouça
com atenção cada detalhe oferecido pela vítima ou testemunha!
• Se for necessário submeter pessoa com deficiência visual à busca pessoal, o agente deve avisar o
que vai fazer para que o abordado não perceba aquela como uma conduta invasiva e desrespeitosa.

8.4 Orientações para o atendimento de pessoas com deficiência auditiva


Possivelmente, o atendimento ou abordagem de pessoa com deficiência auditiva representa um dos
procedimentos mais complexos no que tange à atenção a grupos em situação de vulnerabilidade. Sabe-se que
o acesso à Linguagem Brasileira de Sinais (LIBRAS) ainda é restrito, o que dificulta a inserção da pessoa com
deficiência na comunidade e sua interação com as instituições de segurança pública.
Calma e serenidade podem ser fundamentais para que se estabeleça um mínimo de comunicação,
mesmo diante do não domínio das libras. As orientações a seguir podem ajudar os profissionais de segurança
pública nessa tarde (BRASIL, 2008):
• Falar sempre de frente para a pessoa a fim de que possa ver seus lábios, já que muitos surdos
realizam a leitura labial.

73
Importante!
Quando não atendido em uma solicitação – a ordem de parar, por exemplo, é preciso considerar a
hipótese de se tratar de uma pessoa com deficiência auditiva. Isso pode reduzir as chances de um erro
de interpretação que culmine no uso indevido da força.

• Falar clara e pausadamente. Os gritos são dispensáveis, pois o deficiente auditivo não o ouvirá e
a expressão do profissional parecerá agressiva.
• Gestos ajudam muito na compreensão da mensagem.
• Se não entender o que o surdo estiver falando, solicite que repita ou, em último caso, que escreva
a mensagem.
• Mesmo que a pessoa esteja acompanhada por um intérprete o ideal é falar diretamente com ela.
• Caso seja necessária a abordagem de pessoa com deficiência auditiva, o profissional de segurança
deve atentar para o fato de que os procedimentos operacionais não são alterados, sendo adaptadas somente
as estratégias de comunicação.

Aula 9 -População LGBT (Lésbicas, Gays, Bissexuais, Travestis e


Transexuais)

9.1 Contexto
A consolidação das ideias de que os papéis sociais se estendem às representações sexuais, e que tais
representações demandam respeito e espaço na sociedade justifica a intensa discussão que estabelecemos hoje
a respeito dos direitos de lésbicas, gays, bissexuais, travestis e transexuais (LGBT).
O conceito de gênero e a lenta superação da visão da sexualidade em uma perspectiva rígida,
fundamentada em duas categorias restritivas – homem e mulher – e seus respectivos papéis sociais representou
o impulso necessário para a criação de uma agenda social e política que contemple essa diversidade.

Gênero: expressa a superação do determinismo biológico na expressão da sexualidade, ampliando


dessa forma os limites dados pelo sexo biológico, masculino e feminino. É uma categoria analítica que se refere
aos comportamentos e representações de papéis sociais no campo afetivo e sexual que nem sempre
corresponde ao biológico. O gênero pode ser visto com uma divisão dos sexos que se constitui pela experiência
social e pelo lugar que cada indivíduo ocupa nessa teia de interações.

A construção da identidade de gênero é um processo que articula elementos biológicos, mas também,
fatores sociais e culturais, sendo o resultado dessa interação a composição de sua orientação sexual, ou seja, o
direcionamento do seu desejo afetivo e sexual.

74
O conhecimento básico das classificações mais comuns associadas às diversas identidades de gênero
é fundamental a todo profissional de segurança pública, mas, especialmente, aqueles que se dedicam a
atividades mais fortemente associadas à polícia comunitária.

9.2 Esquema de Classificação de Homossexualidade


O Governo Federal elaborou o esquema abaixo para classificar a homossexualidade:
HSH: Sigla de expressão “Homens que fazem Sexo com Homens” utilizada principalmente por
profissionais da saúde, na área da epidemiologia, para referirem-se a homes que mantêm relações sexuais com
outros homens, independente destes terem identidade sexual homossexual.
Homossexuais: São aqueles indivíduos que têm orientação sexual e afetiva por pessoas do mesmo
sexo.
Gays: São indivíduos que, além de relacionarem afetiva e sexualmente com pessoas do mesmo sexo,
tem estilo de vida de acordo com essa sua preferência, vivendo abertamente sua sexualidade.
Bissexuais: São indivíduos que se relacionam sexual e/ou afetivamente com qualquer dos sexos.
Alguns assumem as facetas da sua sexualidade abertamente, enquanto outros vivem sua conduta sexual de
forma fechada.
Lésbica: Terminologia utilizada para designar a homossexualidade feminina.
Transgêneros: Terminologia utilizada que engloba tanto as travestis quanto as transexuais. É um
homem no sentido fisiológico, mas se relaciona com o mundo como mulher.
Transexuais: São pessoas que não aceitam o sexo que ostentam anatomicamente. Sendo o fato
psicológico predominante na transexualidade, o indivíduo identifica-se com o sexo oposto, embora dotado de
genitália externa e interna de um único sexo.

9.3 Serviços especializados


Não existem serviços especializados para atendimento a populações LGBT no contexto da segurança
pública. Contudo, é possível destacar os seguintes pontos:
• Ocorrências de violência contra a população LGBT podem ter origem no comportamento
homofóbico o qual é definido como atos de discriminação, repúdio e/ou intolerância a gays, lésbicas, bissexuais,
transexuais e travestis.

Importante!
A homofobia restringe o direito dessa população à livre manifestação afetivo-sexual, bem como à
expressão da identidade de gênero e, portanto, precisa ser enfrentada como qualquer outra ocorrência
policial.

• Não há qualquer indicação de que a livre manifestação de carinho ou afeto em público entre
pessoas do mesmo sexo seja considerada infração ou crime. Pelo contrário. Portanto, diante de chamados sobre
a presença de casais homossexuais em locais públicos, os profissionais de segurança pública devem se dedicar
a orientar com paciência e firmeza que a manifestação de carinho e afeto em locais públicos só é proibida em

75
situações que represente ato obsceno de cunho sexual, e nessa situação a mesma regra se aplicaria a um casal
heterossexual ou homossexual.

Além disso, como é destacado na Cartilha de Atuação Policial na Proteção dos Direitos Humanos
de Pessoas em Situação de Vulnerabilidade, o profissional de segurança pública deve estar atento às
seguintes questões (BRASIL, 2010):
• As travestis e transexuais que assumiram o gênero feminino devem ser tratadas com termos que
correspondam à sua identificação social feminina (Ex.: senhora, ela, dela). O mesmo pode ser dito a respeito dos
transexuais masculinos;
• Após o primeiro contato, o profissional se dirige à pessoa abordada questionando acerca do
nome pelo qual gostaria de ser tratado durante o procedimento. A pergunta é pertinente porque além do nome
que consta no documento de identificação, a pessoa pode se identificar pelo nome social – nome escolhido
pela pessoa e faz referência à identidade de gênero.
• Prioritariamente, a revista em transexuais femininas e travestis devem ser realizadas por
profissional de segurança pública do sexo feminino, como forma de preservar o direito ao reconhecimento da
identidade de gênero.

Finalizando
Nesse módulo, você aprendeu que:
• É importante que os profissionais de segurança pública identifiquem as características e as
necessidades dos diferentes grupos da comunidade em que trabalham, de forma a investirem, produtivamente,
na melhoria da qualidade de vida da região.
• A socialização consiste no processo que apresenta aos indivíduos as maneiras de agir, pensar e
sentir característicos da sociedade em que está inserido por meio de mecanismos que promovam o aprendizado
de normas, costumes e valores caros àquela organização social (DIAS, 2008).
• A socialização pode ser dividida em duas grandes fases, a socialização primária e a socialização
secundária (SENASP, 2014).
• O conflito pode ser visto como elemento propulsor da mudança social, dada a noção de
complementaridade com a harmonia social. Segundo Simmel (1983), é na discordância que a humanidade
encontra respostas para perguntas que não teriam sido feitas caso não houvesse questionamento. É importante
destacar que conflito não é o mesmo que violência!
• A noção de vulnerabilidade social está associada a três elementos (SANTOS, 2010): a exposição
de grupos e indivíduos a determinados riscos; a capacidade de resposta desses grupos e indivíduos a esses
riscos; e os efeitos desses riscos sobre a vida daqueles vulneráveis.
• A noção de equidade diz respeito ao estabelecimento de mecanismos que diminuam
desigualdades de oportunidades ou de acesso a recursos ou direitos no convívio entre as pessoas em sociedade.
Assim, a noção de equidade complementa a ideia de igualdade, na medida em que reconhece a existência de
desigualdades que promovem injustiças (MEDEIROS, 2005).

76
• Em relação às mulheres, a relevância dos dados indica a incidência de comportamentos
preconceituosos e discriminatórios, em que homens se julgam superiores às mulheres e utilizam a força física
para fazer valer suas opiniões. Além disso, você aprendeu sobre implicações da Lei Maria da Penha e da recente
legislação que estabeleceu o feminicídio no Brasil.
• Em relação aos idosos, é considerada idosa a pessoa com idade igual ou superior a 60 anos, sendo
reservado a essa população o direito de não ser alvo de negligência, discriminação, violência, crueldade ou
opressão. A violação de qualquer um desses direitos pode culminar na aplicação de medidas judiciais que visem
a proteção do idoso.
• Em relação à população em Situação de Rua: Grupo populacional heterogêneo que possui em
comum a pobreza extrema, os vínculos familiares interrompidos ou fragilizados e a inexistência de moradia
convencional regular, e que utiliza logradouros públicos e áreas degradadas como espaço de moradia e de
sustento, de forma temporária ou permanente, bem como as unidades de acolhimento para pernoite temporário
ou como moradia provisória. (BRASIL, 2009).
• São consideradas pessoas com deficiência aquelas com algum tipo de limitação de natureza
motora, auditiva e/ou de fala, visual ou mental que dificulte a execução das atividades cotidianas.
• A respeito dos direitos de lésbicas, gays, bissexuais, travestis e transexuais (LGBT), a noção de
gênero é central à promoção dos seus direitos. Além de conhecer as diferentes características associadas a cada
grupo, foram discutidas as violações mais frequentes.

Exercícios

1. Marque as alternativas VERDADEIRAS:


a. O processo de socialização não se confunde com as características biológicas, pois os
comportamentos são determinados de forma inata.
b. O ingresso numa OSP pode ser considerado um processo de socialização secundária, em que hábitos,
práticas e formas de pensar próprios da instituição passam a influenciar o indivíduo em sua vida.
c. A polícia comunitária estabelece formas de relacionamento com a comunidade que estão baseados
em pressupostos novos, como a coprodução da segurança pública. Por isso, a polícia e a comunidade devem
reaprender a se relacionar sob diferentes formas.
d. O conflito é um processo social necessariamente negativo, em que as partes envolvidas se opõem
em torno de diferentes pontos de vista. A relação do conflito com a violência é bastante próxima.

2. Estudo de caso
Leia o texto e partir dele, reflita sobre as questões abaixo relacionadas:
a. No Brasil, é comum ouvir falar na existência de um estado de democracia racial, em que as diferenças
em razão da raça/etnia seriam discretas e pouco presentes na sociedade. Existem fortes críticas a essa ideia,
algumas das quais destacam o aspecto velado do preconceito racial como sendo uma espécie de cortina de
fumaça para esconder graves violações que ocorrem diariamente na sociedade brasileira. Na sua opinião, como

77
o preconceito racial está presente no seu trabalho? Como ele pode ser demonstrado? Você já foi chamado a
atender situações envolvendo racismo?
b. Na sua OSP, existem ações de promoção da igualdade racial? Quais? Como a polícia comunitária
poderia auxiliar nesses casos?

78
Gabarito

1. Resposta Correta: B e C
2. Orientação para resposta: É importante que você tenha compreendido os seguintes aspectos: o
preconceito de raça não se apresenta apenas de forma explícita, pelo contrário, está presente em gestos, em
atitudes, no falar e no não-falar; por isso, compreender que as diferenças existem é importante, mas achar que
formas de tratamento desrespeitosas ou mesmo que reduzam as pessoas e violem direitos é errado, podendo
ser considerado como crime.

79
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