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DANIEL BOORSTIN
INTRODUÇÃO
Esperanças exageradas
Irei descrever neste livro o universo que nós fabricamos e a forma como
empregamos nossa prosperidade, nossa cultura, nossa tecnologia, e nossos progressos na
construção de um gigantesco muro de irrealidades que se ergue entre nós e as realidades da
existência. Lembrarei quais influências históricas nos deixaram essa oportunidade sem
precedentes de nos enganarmos e de manchar nossa experiência.
É evidente que a América nos forneceu o quadro, os recursos e a possibilidade dessa
proeza de hipnose no âmbito nacional. Porém, é cada um de nós que, individualmente,
reclama essas ilusões que invadem nossa experiência.
Nós precisamos dessas ilusões e nelas acreditamos porque somos tocados por
esperanças exageradas. Esperamos demais deste mundo. Nossas esperanças são
extravagantes no sentido preciso do dicionário: “fora da razão ou da moderação.” Elas são
excessivas.
Cada manhã, desdobrando nosso jornal, nós esperamos – e até exigimos – que este
relate fatos sensacionais ocorridos na véspera. Ao mudar a estação do rádio do carro a
caminho do trabalho, esperamos que “algo de novo” em relação ao nosso cotidiano matinal
tenha ocorrido. Na volta para casa, à noite, pedimos ao nosso lar não somente que nos
abrigue, que nos aqueça no inverno e nos refresque no verão, mas também que nos dê
repouso, que reforce nossa dignidade, que afogue-nos em bela música e passa-tempos
prediletos; o lar deve ser ao mesmo tempo um lugar de jogos, um teatro e um bar. Da nossa
quinzena de férias, esperamos romantismo, exotismo, bons preços e nenhum esforço. Se
não vamos muito longe, nos deparamos com um ambiente inóspito; e se viajamos longas
distâncias, esperamos que tudo seja aconchegante, higiênico e, sobretudo, americanizado.
Esperamos novos heróis a cada estação, uma obra prima da literatura a cada mês, um bom
espetáculo teatral a cada semana, uma sensação rara a cada final de tarde. Esperamos que
todos se sintam no direito de contestar, e contamos, porém, com que todos serão cidadãos
leais incapazes de perturbar a ordem e que não se esconderão atrás do Quinto Emenda 2.
Esperamos que cada um possua uma fé religiosa exemplar, porém que não estime menos o
seu próximo por este não ser crente. Esperamos que o nosso país seja forte, nobre, vasto e
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Retirado de: L’Image. Union Générale d’Éditions, Col. 10/18. Paris, 1971. Trad. L. C. Martino. Brasília,
2003.
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Quinta Emenda da Constituição dos Estados Unidos, que autoriza todo cidadão a não responder a uma
questão se ela é suscetível de lhe prejudicar.
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diversificado, pronto para qualquer desafio; desejamos ao mesmo tempo que nossa
“vontade nacional” seja clara e simples, e possa simultaneamente dar sentido à existência
de duzentos milhões de indivíduos, e ser comprada por um dólar em edição barata na banca
da esquina.
Esperamos tudo e qualquer coisa. Esperamos coisas contraditórias e impossíveis:
carros ao mesmo tempo compactos e espaçosos; carros de luxo econômicos. Esperamos ser
ricos na caridade, poderosos na misericórdia, ativos na reflexão, bons na competição.
Desejamos ser exaltados por medíocres chamados à “excelência” e nos tornarmos cultos
graças à cultura promovida por analfabetos. Desejamos ao mesmo tempo comer e
permanecer esbeltos, viajar sem parar e cultivar nossas relações de boa vizinhança,
freqüentar uma “igreja de nossa escolha” e experimentar a direção espiritual que ela nos
imprime, idolatrar Deus e ser Deus.
Jamais o Homem manejou tão bem seu meio. Jamais, entretanto, um povo sentiu tão
intensamente a sensação de ser enganado e decepcionado. Pois nenhum povo jamais
esperou do universo mais do que ele poderia lhe oferecer.
Somos governados por esperanças exageradas sobre:
1) o que contêm o mundo: exigimos muito em matéria de atualidades, de heróis existentes,
de freqüência das obras primas, em matéria de exotismo do que é próximo e das
possibilidades de familiarização com o exotismo; em matéria de proximidade e
distanciamento dos lugares.
2) nosso poder de modelar o universo: nossa capacidade de criar acontecimentos lá onde
eles não existem, de estar alhures sem deixar nossa casa; nossa capacidade de submeter
expressões artísticas a nossas exigências práticas, de transformar um romance em filme e
vice-versa, de fazer música ambiente com uma sinfonia, de forjar uma vontade nacional
quando ela nos falta e de seguir objetivos nacionais uma vez que nós os tenhamos
fabricados, de inventar as normas da nossa existência e depois respeita-las como se elas
viessem de uma revelação ou de uma descoberta.
Acolhendo, nutrindo e incansavelmente inchando nossas esperanças exageradas,
criamos uma demanda por ilusões nas quais nós nos acalentamos. E pagamos outrem para
nos fabricá-las.
A fabricação das ilusões que preenchem nossa experiência se tornou o negócio dos
Estados Unidos, um dos negócios mais honestos, mais necessários e mais respeitáveis. Não
estou me referindo somente à publicidade, às relações públicas ou à retórica política, mas a
todas as atividades que contribuem para nosso conforto, nosso aperfeiçoamento, nossa
educação e nosso progresso moral: ao trabalho dos nossos melhores jornalistas, das nossas
editoras mais dinâmicas, dos nossos industriais e negociantes mais energéticos, dos que
melhor logram nos distrair, dos nossos melhores guias de viagem em torno do mundo, e dos
nossos líderes mais influentes em matéria de relações internacionais. Cada um de nossos
esforços no sentido de satisfazer nossas esperanças exageradas apenas faz com que elas
sejam mais extravagantes e torna nossas ilusões mais atraentes. A crônica da fabricação de
nossas ilusões – aquela dos bastidores da atualidade – se tornou a atualidade mais
interessante do mundo.
Esperando do mundo mais do que ele pode nos oferecer, ou que nós podemos
usufruir, nós nos condenamos à tirania e à frustração. Exigimos que cada um que se dirija a
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nós oralmente ou por escrito, que fazem para nós fotografias e produtos, viva no nosso
universo de esperanças exageradas. Contamos até com que os povos estrangeiros aí se
introduzam. Estamos tão acostumados às nossas ilusões que, doravante, nós as tomamos
como a realidade. Nós as exigimos. E exigimos que estas ilusões sejam cada vez melhores,
maiores, mais brilhantes. Elas são o universo de nossa fabricação: o universo da imagem.
Atualmente todos repetem que aquilo de que precisamos é uma fé maior, uma
convicção mais forte, mais profunda, mais ampla. A fé na América e no que fazemos.
Talvez isso esteja certo a longo prazo. Mas o que realmente precisamos antes de tudo, e a
partir de hoje, é dissipar nossas próprias ilusões. Aquilo que nos faz sofrer mais não é
aquilo que fizemos da América, mas o que colocamos em seu lugar. Nós sofremos
essencialmente não por causa de nossos vícios e fraquezas, mas por nossas ilusões. Somos
obcecados, não pela realidade, mas por estas imagens através das quais nós fizemos
substituir esta última.
Denunciar nossas ilusões não resolverá os problemas do universo. Mas se não o
fizermos, jamais descobriremos nossos verdadeiros problemas. Eliminar os fantasmas que
povoam o universo da nossa fabricação não nos dará o poder de conquistar nossos inimigos
reais do mundo real, nem de remodelar este último. Mas isso poderá nos ajudar a perceber
que não podemos construir um mundo a nossa imagem. Isso nos libertará e tornará nosso
olhar mais vivo. Isso dissipará as brumas e assim poderemos encarar o mundo bem de
frente, este mundo que compartilhamos com toda a humanidade.
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“Ocorrências Públicas Estrangeiras e Domésticas”.
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Ainda que a teologia subjacente a essa ótica dos acontecimentos não tenha
subsistido muito tempo, esta forma de conceber a atualidade teve uma vida mais longa. “O
jornalista fiel e talentoso”, observa James Parton em 1866, “que compreende com vigor e
exatidão um determinado fato, é a Providência se dirigindo à Humanidade”. Dizem que,
antes da guerra de secessão, um pastor batista do Sul tinha o hábito de afirmar, quando lhe
traziam o jornal: ”Tenha a bondade de deixar-me comigo mesmo por alguns minutos para
que eu possa ver como o Ser Supremo governa o mundo”. E Charles A. Dana, um dos mais
célebres redatores do século dezenove, se defendeu um dia por ter dado um extenso espaço
a um crime nas colunas do Sun de Nova York afirmando: “Eu nunca me senti muito
orgulhoso de apresentar os acontecimentos que a Divina Providência deixou se
produzirem”.
Este ponto de vista está evidentemente ultrapassado nos dias de hoje. Nosso ponto
de vista mais recorrente melhor se expressa por meio da definição de Arthur Mac Ewen, de
The Examiner de São Francisco: “As notícias são tudo o que leva o leitor a exclamar
‘Caramba! ’ Ou, em termos mais comedidos, ‘as notícias’ são tudo o que um bom redator
decide imprimir.”
Mesmo sem sermos teólogos, podemos constatar que nós retiramos de Deus e
confiamos ao jornalista a missão de tornar o universo interessante. Tínhamos o hábito de
crer que havia no mundo apenas um número fixo de “acontecimentos”. Se os fatos
destinados a surpreender o leitor ou a estimular sua curiosidade eram raros, certamente não
era culpa do repórter: não se lhe podia pedir que falasse do que não aconteceu.
Nos últimos cem anos, por outro lado, e sobre tudo no século vinte, tudo isso mudou
bastante. Doravante esperamos de nossos jornais uma profusão de notícias. Se nenhum
acontecimento pode aparecer a olho nu, tampouco ao leitor médio, sempre esperamos que
um jornalista audacioso saberá descobrir algum para nós. Um repórter de sucesso deve ser
capaz de construir uma história, mesmo na ausência de qualquer terremoto, assassinato ou
guerra civil. Se ele não pode descobrir nenhuma história, então ele deve fabricar uma – seja
entrevistando alguém de destaque, seja descobrindo um inesperado interesse humano em
algum fato insignificante, seja graças às “partes ocultas da atualidade”. Se todos esses
meios falham, o repórter se vê obrigado a “enfeitar” os fatos conhecidos, de forma a nos
propor suas próprias elucubrações, ou ainda suas profecias sensacionais.
Nossa mudança de atitude frente “às notícias” não é somente um elemento
essencial da história do jornalismo americano. Ele expressa também nossa nova atitude
frente aos acontecimentos mundiais, e entre esses acontecimentos, frente àqueles que têm
realmente um caráter de novidade, de surpresa, de importância. Atitude nova igualmente
quando descobriremos que nossa vida cotidiana ganhará relevo se, em harmonia com
nossos dirigentes, nossos educadores e nossos conselheiros, nos esforçarmos em compensar
a ausência de acontecimentos espontâneos por acontecimentos sintéticos. Exigindo mais do
que o mundo pode nos fornecer, pedimos para que nos fabriquem algo que possa atenuar
sua insuficiência. Isso constitui apenas um exemplo, entre outros, de nossas exigências em
matéria de ilusões.
Muitas influências históricas podem explicar como chegamos às nossas esperanças
imoderadas de hoje em dia. Mas não se poderia ter qualquer dúvida quanto ao que
esperamos, nem sobre o caráter imoderado dessas esperanças. Todos nós experimentamos
uma certa expectativa ao abrir nosso jornal no café da manhã ou nosso jornal da noite no
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jantar, ou escutando o boletim radiofônico todas as horas enquanto dirigimos nosso carro,
ou ainda assistindo ao nosso comentarista predileto interpretar, para nós, na televisão, os
acontecimentos do dia. Nesse mesmo momento, muitos americanos dinâmicos se ocupam
de nos permitir satisfazer essa espera. Muitos poderiam se encontrar sem emprego se de
repente moderássemos nosso apetite por notícias. Portanto, somos nós que de fato fazemos
prosperar essa indústria, exigindo que eles preencham nossa consciência de fatos novos –
que eles desempenhem para nós o papel de Deus.
II
Nos últimos cinqüenta anos temos reservado na nossa vida cotidiana, nas nossas
leituras, nos nossos espetáculos e nas nossas informações, um lugar sempre maior aos
pseudo-acontecimentos. Esperamos e recebemos sempre cada vez mais. Eles inundam
nossa consciência. E é nos Estados Unidos que sua multiplicação foi mais rápida. Sua
própria taxa de crescimento cresce a cada dia. Isto é verdade em matéria de educação, de
consumo e nas relações privadas. É mais verdadeiro ainda em matéria de política, como eu
vou demonstrar.
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impacto a realidade insípida. Os filmes sonoros em cor levaram toda a geração dos
primeiros apreciadores de cinema a imaginar Benjamin Disraëli como uma pálida imitação
do ator George Arliss, exatamente como a televisão levou a geração seguinte a considerar o
cow-boy do Oeste uma má imitação de John Wayne. O Grande Canyon não passa da
decepcionante reprodução do original em Kodachromo.
Essa nova arte de retraçar e representar o vivido dava aos jornalistas uma tentação
inédita: fabricar imagens verossimilhantes ou preparar de antemão o relato dos
acontecimentos já esperados. Como de costume, as pessoas tomaram suas aptidões por
necessidades e tanto leitores como espectadores preferiram logo a vivacidade da
reprodução, “a autenticidade” da fotografia à espontaneidade do fato relatado.
E depois disso, esses meios de informação estagnaram. O intervalo entre as
informações diminuiu de tal forma que se quiséssemos dispor de “notícias” suplementares
para cada edição e cada emissão de rádio, seria necessário prever as etapas da “revelação”
de toda informação disponível. Após as notícias semanais, e depois cotidianas, vinham as
“edições especiais”, além de inúmeras edições normais. O Evening Bulletin da Filadélfia
teve logo sete edições por dia. Não havia trégua para o jornalista: com mais colunas para
preencher, ele ainda tinha que preenchê-las mais rapidamente. Para justificar o número
elevado de edições, era necessário mudar constantemente as informações – ou pelo menos
dar a aparência de fazê-lo. Os problemas do repórter se complicavam pelo fato que as
emissões da rádio não eram interrompidas em nenhum momento do dia: um boletim todas
as horas, às vezes a cada meia-hora; programas interrompidos a todo instante para inserir
uma “edição especial”. Como nessas condições se poderia evitar repetições grotescas; não
dar a impressão de que nada acontecia ou de que os jornalistas estavam sonolentos
enquanto os concorrentes se mostravam mais atentos? Frente à argumentação do preço da
impressão e da radiodifusão, se tornava necessário, financeiramente falando, ativar as
rotativas e ocupar sem interrupção as telas de televisão. As pressões que incitavam a criar
pseudo-acontecimentos se faziam mais fortes, e da colheita de notícias passava-se à sua
fabricação.
A entrevista, fórmula inédita de notícia artificial, apareceu com o advento da
Revolução Gráfica. Ela se refinou em seguida e se transformou em longas seções de
reuniões, na rádio ou na televisão, em treino para as interrogações colocadas aos políticos
ou em conversas desorganizadas, com até três horas de duração. Embora a técnica da
entrevista possa parecer muito evidente – sob sua forma elementar ela remete a Sócrates – o
emprego dessa palavra no seu sentido jornalístico atual é um americanismo relativamente
recente. O relato que fazia o News-Letter de Boston sobre a morte do pirata Blackbeard, no
dia 2 de março de 1719, parece que estava baseado num tipo de entrevista concedida por
um capitão do navio. Uma das primeiras entrevistas modernas – a primeiríssima segundo
alguns autores – foi realizada por James Gordon Bennett, o brilhante redator chefe do New
York Herald, no dia 16 de abril de 1836, no caso Robinson-Jewett. Ellen Jewett,
pensionista de uma casa fechada, havia sido encontrada assassinada com golpes de
machado. Um jovem rapaz da cidade foi acusado, Richard P. Robinson; Bennett aproveitou
a ocasião para acumular as histórias sensacionais e aumentar desta forma a tiragem do seu
Herald.
Em pouco tempo ele atinge o limite de sua produção e quase que não consegue suprir os
exemplares cotidianos para satisfazer a demanda de seus leitores. Ele explorou essa história
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de todas as formas possíveis, ele chegou até a publicar uma entrevista com Rosin
Townsend, a gerente da casa fechada.
Segundo os historiadores do jornalismo, a primeira entrevista completa de uma
personalidade conhecida ocorreu no dia 13 de julho de 1859. Nesse dia, Horace Greeley se
encontrou com Brigham Young [fundador da seita religiosa dos Mórmons] em Salt Lake
City e lhe fez uma série de perguntas de interesse geral, cujas respostas ele publicou
textualmente no seu jornal Tribune de Nova York, no dia 20 de agosto de 1859. A palavra
“entrevista” tornou-se comum nessa época, com o mesmo sentido que ainda tem. Essa
prática foi logo tomada como um gênero artificial. Desta forma, The Nation reclamou no
dia 28 de janeiro de 1869 que “a entrevista tal como é praticada hoje é obra de dois
charlatões: o repórter e o político que trabalha para ele”. Alguns anos mais tarde, o chefe de
redação de outra revista definia desta forma a entrevista: “É o que encontramos de melhor
até agora para fazer do jornalismo uma atividade escandalosa, ofensiva para todas as
narinas delicadas”. Muita gente protestava contra a invasão da vida privada que ela
representava. Na Inglaterra, como na França, a entrevista se expandiu com o modelo
americano, mas nesses países os progressos foram bem menos rápidos.
A profissão de fabricante de notícias não havia esperado a entrevista para ganhar, na
América, seus títulos de nobreza, ao mesmo tempo em que sua pujança começava a se
tornar uma ameaça. Desde 1828, Macaulay designava a galeria da imprensa no Parlamento
de “A Quarta Ordem do Reino-Unido”. Ele não poderia, entretanto imaginar o prestígio que
gozam os jornalistas do nosso século na América. Desde muito tempo eles se apresentaram
como a tribuna popular. A desenvoltura, a imparcialidade que lhes é conferida, sua
proximidade das fontes de informação, sua facilidade de expressão e o contato direto e
permanente que eles mantêm com a massa de cidadãos, também fizeram deles os
conselheiros do povo. Os observadores estrangeiros estão estupefatos, hoje em dia, com os
poderes quase constitucionais – talvez devêssemos dizer supra-constitucionais – da nossa
imprensa de Washington.
Desde 1933, época na qual as conferências presidenciais entraram nos costumes, os
correspondentes credenciados são regularmente autorizados a bombardear o Presidente de
questões no “Diante da Imprensa”, com perguntas às vezes embaraçosas, a levá-lo ao
limite, a forçá-lo a tomar posição ou recusar publicamente de fazê-lo. Um Presidente pode
evitar a visita inoportuna de um grupo de senadores ou de Membros do Congresso que
fazem parte da oposição, mas ele raramente se recusa a receber a imprensa. Até mesmo
uma tal recusa acaba então virando notícia. Foi só recentemente, e sob a pressão crescente
dos jornalistas, que a formula “sem comentários” virou uma forma de expressar uma
opinião de peso. A reputação dos jornalistas, que doravante trabalham tanto para a rádio-
televisão quanto para a imprensa escrita, baseia-se na sua habilidade de fazer perguntas
constrangedoras, de colocar os políticos sob interrogatório; seu pão de cada dia depende da
cooperação voluntária das personalidades políticas. Desde antes de 1950, Washington
dispunha em torno de 1500 correspondentes de imprensa e de 3000 funcionários dos
serviços de imprensa prontos para informá-los.
As conferências de imprensa não constituem as únicas manifestações da capacidade
dos jornalistas: existe também uma massa de outros programas no âmbito nacional, como
“Encontro com a Imprensa” e “Frente ao País”. Em 1960, um programa de televisão de
final de noite apresentado por David Susskind com o título de “A Discussão está aberta”
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apresentava uma conversa de três horas com o Primeiro Ministro soviético. E durante os
ditos “Grandes Debates” do mesmo ano entre candidatos à Presidência, foram os jornalistas
que ditaram o tom.
A gravação ao vivo das conferências presidenciais para televisão, inaugurada pelo
Presidente John Kennedy em 1961, desde sua chegada à presidência, mudou bastante o
caráter das conferências. Os jornalistas perderam importância desde que viraram meros
intermediários encarregados de transmitir as declarações do Presidente. Essa nova fórmula
é, entretanto interessante a título de representação teatral. E os cidadãos que viram o
Presidente na sua conferência de imprensa, em seus escritórios ou em suas casas, se
interessam ainda mais pelas interpretações que propõem os comentaristas especializados.
Os editorialistas, ademais do tradicional papel de intérpretes da História do dia a dia,
podem se revestir com o prestígio suplementar das críticas dramáticas. Mesmo na nova
fórmula das conferências de imprensa, são ainda os jornalistas que fazem as perguntas: eles
permanecem os tribunos do povo.