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01/02/2023 15:16 "Big techs ganharam bilhões de dólares sugando dados pessoais privados", diz acadêmica | Carreira | Valor

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"Big techs ganharam bilhões de dólares


sugando dados pessoais privados", diz
acadêmica
Segundo Shoshana Zuboff, professora da Harvard Business School, mudar esse
cenário requer leis que permitam às pessoas decidir “o que, em primeiro lugar, se
torna um dado, o que compartilhamos, com quem e qual a finalidade

Por Henry Mance, Financial Times


01/02/2023 14h00 · Atualizado há uma hora

Os tempos são incertos para o Vale do Silício. As empresas de tecnologia estão


demitindo funcionários que haviam contratado na pandemia. O Twitter, sob o
comando de Elon Musk, tem afugentado anunciantes. A Apple, autoproclamada
paladina da privacidade, quer reduzir o alcance do Google. É possível imaginar que o
atual faroeste selvagem digital se tornará mais civilizado.

Ainda assim, os motivos de alívio para os críticos das gigantes tecnológicas são
poucos. Shoshana Zuboff, professora emérita da Harvard Business School,
publicou “A Era do Capitalismo de Vigilância” em 2019 — uma crítica explosiva
sobre como as empresas de tecnologia ganharam bilhões de dólares sugando dados
pessoais privados. “Pensávamos que estávamos fazendo buscas no Google, mas era
o Google que estava fazendo buscas em nós”, resumiu.

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Hoje ela se diz frustrada com o que considera uma fragmentação excessiva dos
esforços para reprimir as empresas de tecnologia. “Temos estudiosos,
pesquisadores e ativistas fantásticos cujo foco está na privacidade, outros cujo foco
está na desinformação, outros na relação com a democracia”, diz. Essa
“balcanização” reduz a capacidade de identificar a “fonte real do dano”: os dados
pessoais dos usuários da internet são tratados como um recurso que não tem custo,
assim como as florestas e outras partes da natureza eram considerados séculos
atrás.

Zuboff cita números sobre os Estados Unidos, onde não há lei federal de
privacidade e as pessoas têm sua localização exposta, em média, 747 vezes por dia.
Na União Europeia, que ela diz ter a “melhor regulamentação”, são 376. “É melhor,
mas nem de longe o suficiente”. Mark Zuckerberg prometeu certa vez que um
modelo preditivo seria capaz de dizer às pessoas, ao chegarem em uma cidade pela
primeira vez, a qual bar ir; e que um bartender já as estaria esperando com sua
bebida favorita. Esse sonho desapareceu apenas por questões de praticidade, mas
não no princípio.

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Shoshana Zuboff se diz frustrada com o que considera uma "fragmentação excessiva" dos esforços para reprimir as
empresas de tecnologia — Foto: Michael D. Wilson

Em artigo publicado em novembro, Zuboff argumenta que Apple e Google coagiram


as autoridades de saúde europeias com a tecnologia de rastreamento da covid-19. “É
possível ter capitalismo de vigilância e é possível ter democracia. Não é possível ter

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os dois”, escreveu. A Apple criou a ilusão de que agia como Robin Hood, quando
apenas a supervisão democrática seria capaz de proteger os direitos individuais.

Ela vê a iniciativa da empresa contra o Google simplesmente como uma “expansão”


do capitalismo de vigilância. As promessas de Tim Cook de proteger a privacidade
podem ser suspensas a qualquer momento: “Os usuários não têm voz”.

A discussão sobre vigilância tecnológica é relevante, argumenta Zuboff, pois ela


nos rouba a “intimidade que sustenta a vida”. Além disso, os indivíduos, por conta
própria, não podem optar por escapar dessa vigilância de modo realista. O que
precisamos é ter direito a um refúgio, onde não possamos ser alcançados.

Em 2022, Bruxelas criou a Lei de Serviços Digitais e a Lei de Mercados Digitais,


sua regulamentação mais abrangente até o momento para o mundo da tecnologia.
O Parlamento do Reino Unido debate atualmente um projeto de lei de segurança on-
line. Zuboff quer que essas leis sirvam de pontos de partida.

A professora tem uma visão de longo prazo. Em 1988, publicou “In the Age of the
Smart Machine” (Na era das máquinas inteligentes, em tradução simples), no qual
argumentava que os computadores mudariam as empresas de uma forma que as
tecnologias anteriores não haviam feito. Depois, dirigiu o Odyssey, um programa
educacional da Harvard Business School para ajudar pessoas de sucesso a decidir
como passar os últimos anos de suas vidas.

Sua obra sobre o capitalismo de vigilância foi seu sucesso na fase tardia da
carreira. Foi publicado quando ela tinha 67 anos, depois de um raio ter queimado a
casa da família no Estado do Maine e após a morte inesperada do marido e, algumas
vezes, coautor, o empresário Jim Maxmin.

Zuboff argumenta que as firmas de tecnologia sabiam que o público nunca seria a
favor da coleta de dados feita por elas. “Desde o início, entendia-se que eram coisas
que precisavam ser secretas, camufladas, para não provocar resistência.” Ela cita um
recente executivo do Google dizendo: “Não vai assustar as pessoas saber o quanto
estamos prestando atenção?”

Hoje, as empresas de tecnologia “estão ficando muito mais relutantes em patentear


suas descobertas porque não querem que o público saiba exatamente o que elas
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estão fazendo”. “Na maioria dos casos, eles não estão mais disponibilizando seus
dados pessoais aos pesquisadores”.

Por isso, Zuboff vê a necessidade de uma expedição exploratória das autoridades


de regulamentação para descobrir o que está acontecendo. As leis de tecnologia
da UE criarão “novos quadros de pessoas, com novas combinações de habilidades,
que irão para dentro das empresas”. “A missão delas será levantar o capô, para
entender o que realmente está acontecendo. Um dos grandes problemas que temos
é que a maioria das informações que sai das empresas é intencionalmente
arquitetada para ser enganosa. Manipulação psicológica das informações é uma
forma de arte retórica realmente praticada por essas empresas.”

Zuboff raramente dá respostas curtas ou usa terminologia simples. Ainda assim, é


direta no que se refere à moderação de conteúdo – as tentativas das empresas
para remover conteúdo nocivo –, que ela descreve como “areia movediça [...] uma
proposição totalmente perdida, projetada, na verdade, para nos manter ocupados o
maior tempo possível, para que elas possam continuar a se safar do que realmente
estão fazendo”.

Ela é mais otimista quanto à estruturação com base na idade, sob a qual as
plataformas são projetadas para minimizar os danos às crianças e coletar menos
dados delas. O Reino Unido foi pioneiro no design adequado à idade, mas após o
Brexit perderá influência diante do “poder mais forte” de Bruxelas contra o
capitalismo de vigilância, segundo Zuboff. Ela também vê “um movimento para
enfraquecer e desnaturalizar o regime de proteção de dados existente, com um
projeto de lei de proteção de dados que favorece as grandes empresas de tecnologia
e perpetua a ideia equivocada de que a democracia precisa desimpedir o caminho
[delas]”.

O problema para os defensores da privacidade é que a causa


deles dá a impressão de oferecer poucas vantagens e muitas
desvantagens. Para a maioria dos cidadãos europeus, o
maior impacto da lei de privacidade são as irritantes janelas
“pop-up” sobre cookies.

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A regulamentação parece impraticável: o Reino Unido e a França queriam


estabelecer limites de idade para sites pornográficos, mas até agora não
conseguiram encontrar maneiras eficazes de fazê-lo.

De forma similar, Zuboff critica a Apple e o Google por terem assumido o controle
do rastreamento da covid-19; mas e se for o caso de que o sistema delas
simplesmente funcionar melhor do que os centralizados usados pelas autoridades
de saúde europeias? Ela ri da sugestão. Admite, porém, que a regulamentação é
deficiente, mas porque não se pode “entrar [nas empresas de tecnologia] para
saber o que realmente está acontecendo”. “Estamos regulamentando com antolhos
[...] Não entendemos nosso adversário bem o suficiente.”

Zuboff reitera que seu ataque não é contra a tecnologia em si, mas contra a lógica
econômica que a sustenta – “roubo”. Ela admite a possibilidade de que dados e
previsões possam ser usados para o bem comum. O contra-argumento é que
existem prós e contras básicos. Os serviços de tecnologia, seja para prever respostas
de texto ou os caminhos mais rápidos para seu carro, só podem funcionar
acumulando dados e reduzindo nossa privacidade.

Pergunto o que ela acha da compra do Twitter por Musk. “Temos políticos,
parlamentares, autoridades eleitas, assim como toda a cidadania, com o foco
direcionado a um homem e fazendo a pergunta: ‘o que ele fará?’ Nossa estabilidade
política, nossa capacidade de saber o que é verdadeiro e o que é falso, nossa saúde
e, até certo ponto, nossa sanidade mental, é afrontada diariamente, dependendo
das decisões que Musk decide tomar. Considero isso fundamentalmente intolerável
[...] Esses espaços não podem existir apenas sob controle empresarial [...] Entramos
na era digital há 20 anos, mas nunca, enquanto democracias, fizemos um balanço do
significado dessas tecnologias.”

Musk recolocou Donald Trump no Twitter. A suspensão do ex-presidente dos EUA


do Facebook terminará “nas próximas semanas”, segundo a empresa controladora.
Zuboff está horrorizada. “Não deveria ser uma decisão que pertença a indivíduos
como Musk ou Zuckerberg ou qualquer outro.” As implicações para a democracia
são muito grandes. “Numa civilização da informação, nossos espaços de informação
têm que existir sob o direito público e ser regidos por instituições democráticas
[...] Com sorte e determinação, olharemos para os dias dos oligarcas da informação,

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como Musk e Zuckerberg, como os primeiros erros primitivos de uma nova


civilização”.

Ela compara as gigantes tecnológicas do Ocidente ao Estado de vigilância da


China. “Este é um mundo em que a privacidade foi extinta. A privacidade agora é
uma categoria zumbi. Nenhum de nós tem privacidade, nem quando pensávamos
nisso no ano 2000.”

A sensação dela de uma distopia é visceral. “Alguém acabou de inventar um tipo de


tinta que você pode colocar no rosto e que confunde o reconhecimento facial. A
garotada no Reddit está animadíssima com isso, o que é terrível, Henry!”

A abolição do capitalismo de vigilância requer novas leis que permitam às


sociedades decidir “o que, em primeiro lugar, se torna um dado, o que
compartilhamos, com quem e com que finalidade”.

Em vez disso, a tecnologia continua avançando, principalmente no campo da


inteligência artificial (IA). “O ChatGPT nos deu uma sacudida. Chocou as pessoas,
forçando-nos a reconhecer como a IA foi longe, praticamente sem lei e governança
democrática para moldar ou restringir seu desenvolvimento e aplicações”. O
desenvolvimento da IA tem se baseado no roubo de dados humanos, argumenta.
Ela mostra esperanças ao falar da Lei de IA proposta pela UE – “a primeira lei a
exercer governança democrática sobre a aplicação da IA”. Ainda assim, é difícil não
sentir que, mesmo quando o Vale do Silício sofre algum tropeço, ainda está um
passo à nossa frente.

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