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Movimento dos corpos: Humanos aos celestes

Movement of Bodies: From Humans to Celestials

Marta Simões PERES


Programa de Pós-graduação em História das Ciências e das Técnicas e
Epistemologia, Universidade Federal do Rio de Janeiro
martasimoesperes@ccmn.ufrj.br

João Paulo Gonçalves VIANNA


Programa de Pós-graduação em História das Ciências e das Técnicas e
Epistemologia, Universidade Federal do Rio de Janeiro
joaodabraquistocrona@gmail.com

Abstract. The concept of movement is discussed from a historical perspective, from the
pre-Socratics and before, in Babylon and Egypt, when astronomical and mathematical
descriptions of nature were already made, including supernatural, mythological and religious
attributions. Bringing Plato, Aristotle, Galileo and Laban to the discussion, we try to reflect on the
movement of celestial bodies and dancing humans, on the interfaces between science and art
and on how it is possible to perceive categories of physics in the work of Rudolf Laban.
Keywords: Physics. Movement. Dance. Philosophy.
Resumo. O conceito de movimento é discutido sob uma perspectiva histórica, desde os
pré-socráticos e antes, na Babilônia e no Egito, quando já se faziam descrições astronômicas e
matemáticas da natureza, incluindo atribuições sobrenaturais, mitológicas e religiosas. Trazendo
para a discussão Platão, Aristóteles, Galileu e Laban, tentamos refletir acerca do movimento dos
corpos celestes e humanos dançantes, nas interfaces entre ciência e arte e se é possível
percebermos categorias da física na obra de Rudolf Laban.
Palavras-chave: Física. Movimento. Dança. Filosofia.
Anais do 15º Congresso Scientiarum Historia

1. Introdução
Buscamos neste trabalho realizar um apanhado do conhecimento sobre o movimento que
dialoga entre as três áreas: a física, a filosofia e a dança. Durante um semestre de aulas de prática
corporal realizada semanalmente, através das quais pude aprender um pouco mais sobre os
movimentos possíveis do corpo humano. Não sendo esta (a dança) minha área de formação, ao me
deparar com as aulas da disciplina ‘Corpo e Movimento’ lecionadas pela professora Marta Simões
Peres, fiquei intrigado com as potencialidades que o corpo poderia atingir e em como os
movimentos podem ser descritos do ponto de vista da física em correlação com a dança, por
exemplo ao ocuparmos um espaço em um intervalo de tempo (Laban irá destacar tais relações com
o movimento dos corpos humanos no ponto de vista da dança). Iremos, através da pesquisa
bibliográfica, trazer a discussão dos pontos em comum entre a física (conceitos da mecânica
clássica) e a dança, segundo Rudolph Laban (1879 - 1958).

2. Discussão
Neste tópico iremos descrever o desenvolvimento do trabalho, pontuando a historicidade da
dança, a sua associação com o movimento e como as categorias da física podem ser relacionadas
com a formulação apresentada por Laban para o movimento do corpo humano.
As contribuições interdisciplinares expressas por Laban se dão no campo do movimento
humano e vieram a influenciar outros trabalhos desenvolvidos em áreas diversas como a psicologia,
o ensino, a dança, a música e o teatro.
Laban traz em seu sistema de análise do movimento, que os gestos, sejam eles artísticos,
como na dança, sejam tarefas laborais, ou do cotidiano, são constituídos pelos seguintes ‘fatores de
qualidade do movimento’: o espaço, o tempo, o peso e a fluência (ou fluxo). O espaço é delimitado
por deslocamentos corporais em diferentes direções, de acordo com as variações posicionais que
alternam entre a posição deitada e a posição em pé (CHRISTÓFARO, 2008, v. 9, p 2). Também pode
ser demarcado pelas extensões alcançadas pelos braços e pelas pernas em diferentes percursos
traçados pelo indivíduo. O tempo é caracterizado pelas velocidades em que são feitos os
movimentos, pelo momento de concretização dos mesmos, pelas pausas e pelas maneiras como as
unidades de tempo estão dispostas e instituem um determinado ritmo, uma marcação e pausa para
os movimentos, assim como na música se lê na partitura as divisões temporais. Laban irá construir a
ação a partir de algumas categorias que, de acordo como elas se apresentam, ele aparentemente as
toma emprestado da física.

2.1 Pré-história e os gregos

Apesar de não termos provas suficientes para afirmar que a dança foi originada na
pré-história, no período neolítico (8000 - 5000 a.c) surgem as primeiras representações de seres

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humanos em grupo. A figura da gruta de Addaura mostra um grupo de pessoas em uma espécie de
reunião, onde é possível observar posicionamentos similares aos que se entendem por uma dança.

Figura 1 - Figura gravada na gruta de Addaura (Sicília). Mostra figuras humanas que parecem
realizar acrobacias.
Fonte: https://pt.frwiki.wiki/wiki/Grotte_de_l%27Addaura

No período neolítico, citado, o ser humano começa a utilizar também a técnica como meio
de dominação da natureza. Surgem a agricultura, as comunidades e o princípio do que viria a ser
uma organização cívica. A dança se mantém presente como parte dos rituais religiosos.
Na Grécia antiga a dança é vista como um ato original dos deuses dado como dádiva aos
seres humanos, sendo de essência religiosa. Para Sócrates por exemplo “a dança forma o cidadão
completo, é fonte de boa saúde”, para Platão “é um meio excelente de ser agradável aos deuses e
de honrá-los” (MACHADO, 2002. p. 7).
É interessante ressaltarmos que os estudos sobre a natureza e a própria matemática
também encontram raízes anteriores à civilização ocidental, como no Egito e na Babilônia, embora a
primeira tenha se tornado dominante e a maioria dos estudos sobre história da filosofia dêem os
créditos apenas ao racionalismo da civilização grega (ROSA, 2006, p. 48).

2.2 Movimento: Pensadores antigos

Antes de continuarmos falaremos um pouco dos antigos pensadores e como eles


enxergavam o movimento. No primeiro parágrafo do livro II da “Física” de Aristóteles ele escreve:

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Entre os entes, uns são por natureza, outros são por outras causas; por natureza são
os animais e suas partes, bem como as plantas e os corpos simples, isto é, terra,
fogo, ar e água (de fato, dizemos que essas e tais coisas são por natureza), e todos
eles se manifestam diferentes em comparação com os que não se constituem por
natureza, pois cada um deles tem em si mesmo princípio de movimento e repouso.
(ANGIONI, Lucas. Aristóteles, Física I-II. 2009, p. 43)

Esta pontuação aristotélica da physis trás o pensamento de que tudo o que se move, se
move por uma causa (natural ou formal). Parece algo trivial num primeiro momento, mas um olhar
mais profundo nos permite notar que ela evoca a ideia de uma causa última para todas as coisas.
Esse pensamento influenciou a física até a modernidade. Para Aristóteles, os movimentos circular e
retilíneo são os mais fundamentais, ou seja, quando combinados podem ser utilizados para
descrever o movimento de todos corpos nas proximidades da Terra ou o movimento dos corpos
celestes. A composição destes movimentos (circular e retilíneo) geram todos os outros movimentos
a serem observados.
O sistema de epiciclos de Ptolomeu (o qual determinou o paradigma científico durante a
antiguidade até Copérnico) é uma montagem lógica envolvendo circunferências sobrepostas entre
si. Mesmo chegando a conclusão de que a Terra estaria no centro do cosmo (cosmo aqui é o
universo conhecido), tal dedução lógico-geométrica, influenciada pelas concepções aristotélicas,
continua sendo extraordinária.
Quando Aristóteles analisou a queda dos corpos, atribuiu à velocidade de queda uma
dependência direta com o peso dos corpos. Então ele conceituou o movimento de queda de tal
maneira que este pensamento perdurou durante quase 2 séculos, até quando Galileu demonstrou
estar equivocado com o suposto experimento da Torre de Pisa. Ele mostrou que objetos com pesos
diferentes caem com velocidades aproximadamente iguais.
Apesar dos erros ou acertos, os princípios metodológicos utilizados pelos pensadores
antigos posteriormente influenciaram diversos filósofos da modernidade, inclusive o próprio
Newton (em seu livro ‘Princípios matemáticos da filosofia natural’ as deduções são em sua maioria
geométricas, ou seja, ele não usa a álgebra e as equações comuns conhecidas da mecânica, mas
apenas a geometria e os axiomas, fundamentos de suas demonstrações).
Antes de Aristóteles existiu Platão, sua importância para a física e a compreensão do
movimento é vasta. Os princípios de simetrias que emergem nas teorias físicas mais atuais
preservam características estéticas daqueles enunciados por Platão (em suas simetrias de polígonos
regulares). Vamos entender melhor isso.

2.3 Ação, simetria e polígonos

Como dito, Rudolf Laban utiliza categorias similares às da física para construir os princípios
do movimento corporal na dança, isto é, os fatores de qualidade do movimento em que são

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considerados a relação direta destes fatores com o esforço e a ação humanas. Na física há também
um princípio de ação, da mecânica clássica, que nos diz que uma partícula irá sempre ‘procurar’ o
caminho (ou trajetória) de menor energia. Eis o princípio de mínima ação, que busca o caminho
‘natural’ para os corpos na physis. Através deste princípio boa parte das leis da física podem ser
derivadas, como a segunda lei de Newton e a lei da refração de Snell-Descartes. Uma das
propriedades que emergem do princípio da mínima ação é a simetria das equações da mecânica
clássica.
Mas o que são simetrias na física? As simetrias estão ligadas às transformações no espaço e
no tempo, por exemplo, a simetria das equações de mecânica por translações temporais estão
associadas à conservação da energia. Já a simetria por translação no espaço está associada à
conservação de outra grandeza que é a quantidade de movimento (ou momento linear). Isto é
garantido pelo teorema que é conhecido como Teorema de Noether (Emmy Noether quem nomeia
o teorema, o descobriu em 1918). Este é um teorema fundamental para que as leis de movimento
na física sejam válidas em regimes clássicos ou relativísticos.
A relação que as simetrias guardam com o movimento possuem um fundo estético herdado
da noção de cosmo platônica (ROSA, 2006, p. 67), uma noção teleológica que admitia finalidade e
uma metafísica para compreensão da natureza a partir dos princípios últimos de todas as coisas. Os
seus polígonos regulares platônicos, constituídos de átomos indivisíveis (em suas faces
triangulares), se organizavam e reorganizavam de maneira a dar sentido à estrutura da realidade, ao
movimento e ao repouso. Tratavam-se de objetos simétricos que não alteram a sua forma quando
os deslocamos no tempo e no espaço, guardavam em si portanto as propriedades intrínsecas da
natureza (da physis).
Rudolf Laban também irá se inspirar nos sólidos geométricos para descrever as possíveis
posições a serem ocupadas no espaço pelo corpo humano de um dançarino. Na Figura 2 é mostrado
como ele utilizava figuras geométricas para representar o movimento dos dançarinos, no caso um
icosaedro, trata-se de um poliedro convexo de 20 faces.

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Figura 2 - Icosaedro de Rudolf Laban. Parte da sua teoria de análise do movimento.


Fonte: https://anabotafogomaison.com.br/movimento-natural-e-individual-como-base-para-a-danca/

A categoria peso, que está associada diretamente a ação gravitacional, também é


importante na formulação labaniana e é um movimento natural, assim como o era para
Aristóteles.

3. Reflexões finais
Os físicos antigos foram os primeiros a notarem que uma explicação associada a causa do
movimento das coisas (dos astros e de todos os corpos) traria uma compreensão sobre a origem
e a própria estrutura do universo, aquilo que o comporia fundamentalmente. As raízes dessas
dúvidas permanecem ainda hoje. Se nos perguntarem a fundo qual é a causa da interação
gravitacional, ou por qual motivo as partículas de cargas idênticas se repelem, não saberemos
responder o porquê. Apenas descrevemos como tais fenômenos ocorrem e a ciência vive
relativamente bem assim, não chega a ser algo perturbador para o cientista.
O princípio da mínima ação na física permite que a mecânica seja formulada em termos da
energia de um sistema e daí sejam derivadas as leis de Newton e os princípios de simetria e
conservação das grandezas físicas desse sistema. As simetrias dos sólidos platônicos foram por
ele pensadas para que pudessem explicar os fenômenos universais, tendo como ponto de
partida elementos mais simples (terra, água, fogo e ar). Não à toa Laban se inspirou em tais
sólidos para que pudesse formular uma teoria sobre o movimento corporal. Pelo que vimos ele
não tenta achar uma formulação geral que se coloque como preditiva, tal como a ciência
moderna, mas os movimentos são analisados em seu caráter simbólico.

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Na arte não precisamos nos preocupar com a indução ou a dedução de um problema, porém
há que se considerar que nos atentemos a descrição dos sentimentos enquanto espectadores da
obra na exploração daquilo que não foi dito, ou ainda, o que aquilo causou dentro de nós.

Agradecimentos
A professora Marta Simões Peres, que me orienta ao longo da trajetória no mestrado. As colegas
bailarinas Cassia Charirsson e Felisa, com as quais também pude aprender mais sobre a arte da
dança durante o semestre.

Financiamento
O presente trabalho foi realizado com apoio da Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de
Nível Superior – Brasil (CAPES) – Código de Financiamento 001.

Referências

CHRISTÓFARO, Gabriela Córdova. Movimento e ação física na criação do bailarino. Anais


ABRACE, v. 9, n. 1, 2008.
MACHADO, Daniele Rodrigues. As contribuições de Laban para a dança no processo de
formação humana. 2002. Monografia. Universidade Federal do Paraná.
PENSADORES, Coleção Os. Os pré-socráticos. Abril Cultural, São Paulo, v. 1, 2000.

PERES, Marta Simões. Propostas para o Ensino de Ciências: devaneios do isolamento social.
ROSA, Luiz Pinguelli. Tecnociências e humanidades: novos pardigmas, velhas questões. Editora
Paz e Terra, 2006.

RUDOLF, LABAN et al. Domínio do movimento. São Paulo: Summus, 1978.

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