Escolar Documentos
Profissional Documentos
Cultura Documentos
DOI: 10.19177/memorare.v6e12019152-171
Resumo: Situado no campo teórico dos estudos da Cognição, este artigo visa
investigar o recente fenômeno da metáfora conceitual trazendo-o para o
universo criminal do assassino serial, com o objetivo de compreender como o
assassino utiliza a metáfora conceitual para traduzir seu conjunto de
experiências particulares a partir do processamento cognitivo. Isso porque,
quando a metáfora deixa de ser figura de linguagem, passa a compor o
repertório cognitivo de conceituação e significação do homem, tornando-se
responsável por representações, simbolizações, caracterizações e
(re)configurações do mundo de acordo com suas vivências individuais em
sociedade. O córpus, portanto, constitui-se de uma entrevista realizada com o
Vampiro de Niterói (Marcelo Costa de Andrade), um assassino serial brasileiro
que atuou no Rio de Janeiro por nove meses na década de 1990, vitimando 13
crianças. No ambiente criminal, essas metáforas revelam a visão e a mente do
assassino e tornam o assassinato algo positivo, pois o ressignificam e o colocam
em relação com sentidos menos perversos, como o sexo e a salvação divina,
como uma forma de atenuar suas ações ou de representar, com precisão, seus
atos e suas sensações. A mente do assassino serial constrói representações
agradáveis e positivas da morte, pois é assim que seu corpo percebe o ato de
matar.
Palavras-chave: Cognição. Metáforas Conceituais. Assassinato em Série.
Abstract: Layed in the theoretical field of the studies in Cognition, this paper
aims to investigate the recent phenomenon of the conceptual metaphor
bringing it to the criminal universe of the serial killer, in order to understand
how the killer uses the conceptual metaphor to translate his set of particular
experiences from cognitive processing. This is because, when metaphor ceases
to be a figure of speech, it begins to compose the cognitive repertoire of
conceptualization and signification of man, becoming responsible for
representations, symbolizations, characterizations and (re) configurations of
the world, according to his individual experiences in society. The corpus,
therefore, consists of an interview with the Vampire of Niterói (Marcelo Costa
de Andrade), a brazilian serial killer who killed in Rio de Janeiro for nine
months in the 1990s, victimizing 13 children. In the criminal environment,
these metaphors reveal the view and the mind of the killer and make killing a
positive thing by reframing and relating it to less perverse senses, such as sex
and divine salvation, as a way to mitigate his actions or to accurately represent
his acts and his sensations. The mind of the serial killer builds pleasant and
positive representations of death, cause this is how his body perceives the act
of killing.
Keywords: Cognition. Conceptual Metaphor. Serial Killer.
1Mestre em Estudos da Linguagem e Especialista em Língua Portuguesa pela Universidade Estadual de Londrina (UEL). E-
mail: <joosy.curtii@gmail.com>.
1 Introdução
A preocupação em se desvendar a mente de criminosos vem
crescendo nos últimos tempos a fim de se descobrir como ela funciona e,
assim, estudar formas de se evitar novos acontecimentos e/ou reabilitá-
los. Nosso intuito, aqui, porém, é buscar compreender os aspectos
cognitivos do assassino com base em sua linguagem, uma vez que esta é
reflexo daqueles e do modo como ele estrutura suas experiências
cognitivamente, como ele vê o mundo e atua sobre ele.
Levando em consideração que o homicídio é o crime rei, pois atinge
diretamente o objeto central de toda a ordem jurídica – a vida humana –
e, consequentemente, aniquila a ordem jurídica em face de cada vítima,
uma vez que não há ordem jurídica sem vida e não tem sentido ordem
jurídica que não se dirija à sua proteção e dignidade (MARZAGÃO
JÚNIOR, 2009), um dos fatores que move o assassino serial é o prazer
advindo do poder exercido sobre as vítimas, da sensação sentida ao
subjugá-las, humilhá-las, controlá-las e matá-las. Sendo a vida o bem
mais precioso do homem, a sensação de tirar esse bem de outrem faz
com que o assassino se sinta superior, potente, com o controle da vida
nas mãos, o que revela, também, seu egocentrismo e sua crueldade.
O assassino serial não costuma parar até que seja capturado ou
morto, e, enquanto pratica seus crimes, vai ganhando mais experiência e
aperfeiçoando suas técnicas. O que se tem, dessa forma, é que o
universo criminal do assassino é refletido em sua linguagem, que,
basicamente, é a materialização verbal de toda violência, frieza e
crueldade por ele praticadas. Além de ser uma forma de subjugar suas
vítimas por meio da violência verbal: insultos, humilhações, ofensas,
intimidações e aterrorizamento, a linguagem do assassino também
retrata e traduz sua personalidade, como sua mente funciona, como seus
instintos conduzem suas ações e de que forma ele é movido e envolvido
pelas sensações que marcam o crime antes, durante e depois, afinal, os
assassinos conhecem as palavras e seus significados, mas falta-lhes uma
habilidade em diferenciar entre palavras neutras e emotivas, o que
indica insensibilidade a conotações emocionais tanto na linguagem
falada quanto na escrita (ROLAND, 2014) e comprova sua falta de
empatia ou remorso. As sensações do assassino falam, tornam-se
linguagem, e, para tanto, valem-se de estratégias, métodos e recursos
linguísticos para manifestar-se e evidenciar sua natureza característica.
É nesse cenário que a metáfora torna-se um recurso, utilizado
principalmente em depoimentos, em interrogatórios e em entrevistas.
Trata-se da metáfora não mais entendida apenas como uma forma de
comparação, uma referência a outros objetos ou sentidos cujo valor
semântico seja semelhante, mas como uma manifestação do
pensamento, que é metaforicamente estruturado devido às nossas
experiências, e como um meio pelo qual a língua acontece de forma
concreta, produzindo significados e garantindo a interação e a
comunicação.
A Linguística Cognitiva destaca-se como principal teoria a conceder
importância a esse novo conceito de metáfora, uma vez que define a
relação entre palavra e mundo como mediada pela cognição e postula,
por conseguinte, que as palavras não contêm significados, mas orientam
3 O assassino serial
Dentro do âmbito criminal existem diferentes classificações para
assassinos, as quais variam de acordo com diversas características e
diferentes elementos que definem, especificam e fazem parte do ato
criminoso antes, durante ou depois, como o modo de atuação, a
motivação, a arma de crime, o tempo.
O termo serial killer (assassino serial) é relativamente novo: foi
usado pela primeira vez nos anos 1970, por Robert Ressler, agente
aposentado do FBI, da unidade de Ciência Comportamental (CASOY,
2014), devido à necessidade de se diferenciar o assassino serial dos
demais tipos de assassino. Dessa maneira, o assassino serial é definido
como o indivíduo que comete uma série de crimes de homicídio de
forma espaçada, durante algum período, com pelo menos alguns dias de
intervalo entre esses homicídios, seguindo um padrão de ação ou de
comportamentos para executar suas vítimas (como modus operandi e
assinatura). Alguns estudiosos afirmam que cometer ao menos dois
assassinatos já faz do assassino um assassino serial; outros apontam
que são necessários ao menos quatro assassinatos (CASOY, 2014).
Porém, a quantidade não é fator decisivo na caracterização do assassino
serial, mas, sim as causas do crime.
Geralmente, os crimes são cometidos sem motivos e as vítimas são
pessoas desconhecidas do assassino, escolhidas ao acaso, ou por algum
estereótipo que tenha significado simbólico para ele, pois, de fato, elas
representam apenas símbolos, meios pelos quais o assassino pode
satisfazer-se e concretizar sua busca por prazer e por poder, afinal, o
assassino serial “[...] não procura uma gratificação no crime, apenas o
exercita seu poder e controle sobre outra pessoa” (CASOY, 2014, p. 20;
23) para satisfação pessoal.
Uma vez que sexo é bom, fonte de prazer, a satisfação sexual é uma
das forças motrizes do homem e a ele inerente. Sabendo que essa
satisfação é algo positivo e correto, atingi-la também se torna algo bom,
independentemente de quais sejam os meios para tanto. Se o sexo é bom
e permite a satisfação, então matar para conseguir tal satisfação é algo
justificável e correto, afinal, como o assassino sustenta: “Eu sentia assim
um...um prazer sexual, né? Em tá fazendo aquilo. E de matar também”.
Com base na experiência vivida por Marcelo durante sua trajetória
de abuso, de prostituição e de falta de sucesso em questões amorosas e
sexuais, ele acabou marcado pela ideia de um prazer que é conseguido
por meios nocivos, perversos e violentos, e isso se reflete na maneira
como ele enxerga o assassinato e o prazer, associando-os de forma que
deixem de possuir sentidos opostos, mas que passem a combinar-se ou a
ser dependentes. Afinal, conforme Vereza (2010, p. 204),
5 Considerações
As metáforas influenciam o pensamento do homem, pois são
responsáveis por representações, reais ou não, simbolizações,
caracterizações e (re)configurações do mundo que o cerca e de todas as
ideias nele presentes. Armazenadas em nossa mente e parte da nossa
cognição, as metáforas tornam-se conhecimento a ser mobilizado em
situações concretas e cotidianas de interação, de socialização e de
comunicação, porquanto nos possibilita estruturar a realidade. Porém,
além disso, ao produzir novos sentidos e ressignificações, as metáforas
conceituais produzem novos conhecimentos, novas maneiras de se
pensar e enxergar o mundo e garante a compreensão de forma mais
clara e profunda, sob novas perspectivas, bem como é uma forma
racional de se falar sobre abstrações e emoções, garantindo lógica e
sobriedade ao discurso.
No ambiente criminal, essas metáforas revelam a visão e a mente
do assassino e tornam o assassinato algo positivo, pois, ao ressignificar
o assassinato, relacionam-no a sentidos diferentes, mais suaves, menos
perversos, como uma forma de atenuar suas ações ou de representar,
com precisão, seus atos e suas sensações. Ao associar o assassinato ao
prazer, aquele se torna mais suave, pois vem atrelado a uma carga
positiva, aceita socialmente. Ou seja, o crime torna-se justificável, pois é
em nome de sentimentos bons: o prazer, a satisfação, a salvação.
Portanto, se é em nome de algo bom, se é em busca de boas sensações,
se o assassinato gera prazer e pode conduzir uma criança ao céu, então,
pode ser praticado, pois se anula a negatividade (assassinato) e
evidencia-se a positividade (prazer, satisfação, salvação), de forma que
aquela representa esta: assassinato representa satisfação, transfigura-se
como prazer e ressignifica-se como salvação.
As metáforas materializam-se como formas de compreensão do
mundo, de acordo com as experiências e as particularidades de cada
indivíduo. As experiências e as sensações do assassino serial conduzem-
no a uma compreensão do mundo e uma simbolização de assassinato
metaforizado como algo bom, pois, para ele, o ato de matar é algo bom,
prazeroso. Sua mente constrói representações agradáveis e positivas da
morte, pois é assim que o corpo percebe o ato de matar e com ele se
Referências
ARAÚJO, Antonia Dilamar. Metáforas conceituais na construção do texto acadêmico. In:
ENCONTRO NACIONAL DE CIÊNCIAS DA LINGUAGEM APLICADAS AO ENSINO,
2., 2003, João Pessoa. Anais [...]. João Pessoa: Universidade Federal da Paraíba,
2003. Disponível em:
http://www.leffa.pro.br/tela4/Textos/Textos/Anais/ECLAE_II/metaforas%2
0conceituais/principal.htm. Acesso em: 01 dez. 2017.
BAGNO, Marcos. Língua, linguagem, linguística: pondo os pingos nos ii. 1. ed. São Paulo:
Parábola Editorial, 2014.
BÍBLIA. Português. Bíblia sagrada. Tradução de Ivo Storniolo e Euclides Martins Balancin.
São Paulo: Paulus, 2002.
CARVALHO, Sérgio N. de. A “guerra” nas palavras: uma análise crítica da metáfora
conceptual na retórica do presidente G. W. Bush Jr e de seus colaboradores.
2006. 148 f. Tese (Doutorado em Estudos Linguísticos) – Universidade Federal
Fluminense, Niterói, 2006. Disponível em:
http://www.bdtd.ndc.uff.br/tde_arquivos/23/TDE-2007-03-23T122309Z-
696/Publico/Tese-SergioCarvalho.pdf. Acesso em: 02 dez. 2017.
CARVALHO, Sérgio N. de. A metáfora conceitual: uma visão cognitivista. In: CONGRESSO
NACIONAL DE LINGÜÍSTICA E FILOLOGIA, 7., v. 7, n. 12, 2003, Rio de Janeiro.
Anais [...]. Rio de Janeiro: Universidade do Estado do Rio de Janeiro, 2003.
Disponível em: http://www.filologia.org.br/viicnlf/anais/caderno12-04.html.
Acesso em: 01 dez. 2017.
CASOY, Ilana. Serial killers: louco ou cruel?. Rio de Janeiro: Darkside Books, 2014.
CASOY, Ilana. Serial killers: made in Brazil. Rio de Janeiro: Darkside Books, 2014a.
DIJK, Teun Adriauns van. Cognição, discurso e interação. 7. ed. São Paulo: Contexto,
2011.
JOÃO PAULO II, Papa. Catecismo da igreja católica: novíssima edição de acordo com o
texto oficial em latim. 9. ed. São Paulo: Edições Loyola (Org.), 1999.
LAKOFF, George. Women, fire, and dangerous things: what categories reveal about the
mind. Chicago: The University of Chicago Press, 1987.
LAKOFF, George; JOHNSON, Mark. Metáforas da vida cotidiana. Campinas, SP: Mercado
de Letras; São Paulo: EDUC, 2002.
LIMA, Paula Lenz Costa. Desejar é ter fome: novas ideias sobre antigas metáforas
conceituais. 1999. 223 f. Tese (Doutorado em Linguística) – Instituto de
Estudos da Linguagem, Universidade Estadual de Campinas, Campinas, 1999.
Disponível em:
http://repositorio.unicamp.br/jspui/handle/REPOSIP/270561. Acesso em:02
dez. 2017.
MARZAGÃO JÚNIOR, Laerte I. (coord.). Homicídio crime rei. São Paulo: Quartier Latin,
2009.
ROLAND, Paul. Por dentro das mentes assassinas: a história dos perfis criminosos. São
Paulo: Madras, 2014.