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Quantas são as funções?

Paulo Cezar Pinto Carvalho – FGV - Escola de Matemática aplicada

Esta aula tem o objetivo de explorar as técnicas de contagem usualmente abordadas no Ensino
Médio, aplicando-as à contagem do número de funções de A em B (onde A e B são conjuntos
finitos) com determinadas características. Entre outras coisas, a coleção de exercícios a seguir
ilustra o fato de que problemas com enunciados semelhantes podem requerer métodos de
contagem bastante diferentes.

Considere os conjuntos A = {1, 2, ..., m} e B = {1, 2, ..., n}. Quantas são as funções:

a) de A em B?
b) injetivas de A em B?
c) bijetivas de A em B?
d) sobrejetivas de A em B?
e) crescentes de A em B?
f) não decrescentes de A em B?

Solução

a) Para formar uma função de A em B, é preciso escolher o elemento de B associado a


cada elemento de A. Como não há restrições sobre a função a ser formada, há n
possibilidades para cada escolha e, utilizando o Princípio Multiplicativo, o número total
de possibilidades é n ∙ n ∙ ... ∙ n = nm.

b) Antes de mais nada, é preciso recordar que uma função f é injetiva quando não há
repetição de valores. Isto é, quando, quaisquer que sejam x1 e x2, com x1 ≠ x2, tem-se
f(x1) ≠ f(x2). Para que exista função injetiva de A em B, com A e B finitos, B deve possuir
pelo menos tantos elementos quanto B. Em nosso caso, portanto, deve-se ter m  n.
Para escolher o valor de f(1), há n possibilidades; para o valor de f(2), há n − 1
possibilidades, já que o valor escolhido não pode ser igual a f(1); para o valor de f(3),
há n − 2 possibilidades, e assim por diante, até que para f(m) restam n − (m − 1) =
n − m + 1 possibilidades. O número total de possibilidades, novamente pelo Princípio
Multiplicativo, é n ∙ (n − 1) ∙ (n − 2) ∙ ... ∙ (n − m + 1). Observe que esta expressão (na
verdade o problema que acabamos de resolver) corresponde ao número de arranjos
simples de n objetos tomados m a m.

c) Para que exista função bijetiva de A em B, A e B devem ter o mesmo número de


elementos, ou seja, deve-se ter m = n. Neste caso, uma função de A em B é bijetiva se
e somente se é injetiva. Logo, o número de funções bijetivas, no caso em que m = n, é
dado pelo resultado do item b) e é igual a n ∙ (n − 1) ∙ (n − 2) ∙ ... ∙ 1 = n! (ou seja, é igual
ao número de permutações dos elementos de A). Na verdade, formar uma função
bijetiva de {1, 2, ..., n} em {1, 2, ..., n} equivale a escolher uma ordem para os números
1, 2, ..., n, ou seja, a formar uma permutação desses elementos. Por essa razão, o
número de bijeções de {1, 2, ..., n} em {1, 2, ..., n} é o número de permutações simples
de n objetos.

d) Para que exista função sobrejetiva de A em B, deve-se ter m  n. Surpreendentemente,


o problema geral de contar o número de funções sobrejetivas de A em B é muito mais
complicado que os anteriores. Pode-se demonstrar que esse número é dado pela
expressão
𝑛𝑚 − 𝐶𝑛1 (𝑛 − 1)𝑚 + 𝐶𝑛2 (𝑛 − 2)𝑚 + ⋯ + (−1)𝑛−2 𝐶𝑛𝑛−2 2𝑚 + (−1)𝑛−1 𝐶𝑛𝑛−1 .
Uma forma de se chegar a esse resultado é utilizar a fórmula de inclusão-exclusão para
n(A1  A2  ...  An), onde Ai é o conjunto de funções em que i não pertence ao
conjunto imagem para contar as funções que não são sobrejetivas. Vamos ilustrar
este fato no caso particular em que n é igual a 3.
O número total de funções de A = {1, 2, ..., m} em B = {1, 2, 3} é, pelo item a), igual a
3m. Para contar as funções sobrejetivas, vamos excluir desse número as que não são
sobrejetivas, ou seja que não tem 1, 2 ou 3 como imagem. Portanto, devemos calcular
n(A1A2A3), onde A1, A2 e A3 são os conjuntos de funções de A em B que não tem,
respectivamente, 1, 2 e 3 como imagem. Pela fórmula de inclusão-exclusão,
n(A1A A3) = n(A1) + n(A2) + n(A3) − n(A1A2) − n(A2A3) − n(A1A3) + n(A1A2A3)
Em nosso caso, as três primeiras parcelas são iguais, o mesmo ocorre com as três
seguintes e a última é igual a zero, já que não é possível que nenhum dos três números
1, 2 ou 3 esteja na imagem da função. Portanto, o número de funções que não são
sobrejetivas é igual a 3n(A1) − 3n(A1A2). Mas n(A1) é igual ao número de funções de
A em {2, 3} e é, portanto, igual a 2m, enquanto n(A1A2) é igual ao número de funções
de A em {3}, que é igual a 1.
Logo, o número de funções sobrejetivas de A em B é
3m – (3 . 2m – 3 . 1) = 3m – 3 . 2m + 3, que corresponde à fórmula geral dada acima para
o caso n = 3.

e) Para que exista uma função estritamente crescente de A em B, deve-se ter n ≥ m.


Inicialmente, poderíamos ser tentados a resolver o problema escolhendo, em ordem,
os valores de f(1), f(2), etc, usando o Princípio Multiplicativo. Essa abordagem, no
entanto, não funciona, porque o número de possibilidades para cada escolha depende
dos valores escolhidos anteriormente. O problema tem uma solução simples, mas que
requer pensar de uma maneira diferente. Ela consiste em observar que, para
determinar uma função deste tipo, basta escolher os m elementos da imagem, já que
uma vez escolhidos estes elementos, f(1) deve ser o menor deles, f(2) o segundo
menor, e assim por diante. Logo, o número de funções crescentes é igual ao número
de possibilidades para escolher m dentre os n elementos de B, ou seja, é igual a 𝐶𝑛𝑚 .

f) Na mesma linha de pensamento do item anterior, para definir uma função não
decrescente de A em B, basta determinar quantas vezes cada elemento de B é usado
como imagem. No total, este número de usos deve ser igual a m, o número de
elementos de A. Se o menor elemento de B usado como imagem é usado k vezes, ele
deverá ser o valor de f(1), f(2) , ..., f(k). Um comportamento análogo ocorre com os
valores subsequentes. Portanto, uma função não decrescente de A em B fica
determinada pelos valores x1, x2, ... , xn que indicam quantas vezes cada elemento de B
é usado, com x1 + x2 + ... + xn = m. Logo, o número de funções não decrescentes de A
em B é igual ao número de soluções inteiras não negativas de x1 + x2 + ... + xn = m.
Esse é um problema clássico, mas cuja solução merece ser revista. Novamente, não é
útil pensar em escolher, em ordem, os valores de x1, x2, etc, e aplicar o Princípio
Multiplicativo, pela mesma razão do item anterior.
Uma abordagem que conduz a uma solução simples é pensar em repartir m objetos
(bolinhas) em n porções (possivelmente vazias) por meio de traços. Considere, por
exemplo, a figura abaixo.
o o o o o || o | o o o o
Ela ilustra a divisão de 10 bolinhas em 4 porções, contendo, respectivamente, 5, 0, 1 e
4 bolinhas. Ou seja, ela representa a solução
(5, 0, 1, 4) da equação x1 + x2 + x3 + x4 = 10. Cada solução corresponde a uma
permutação das 10 bolinhas e 4 traços de divisão. Logo, o número de soluções inteiras
10,4 14! 10
não negativas da equação x1 + x2 + x3 + x4 = 10 é 𝑃𝑅14 = 10!4! = 𝐶14 .
𝑛
De modo geral, de soluções inteiras não negativas de x1 + x2 + ... + xn = m é 𝐶𝑚+𝑛−1 .
Esse é, portanto, o número de funções não decrescentes de A em B.

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