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39
sonhar
um sonho
Distribuição gratuita
tão bonito
como repensar as
questões étnico-raciais
na educação
06
ENTREVISTA:
JEFERSON TENÓRIO
Camila Prado
14
ESPECIAL
→ Revelações da pandemia:
uma escola a ser inventada
22
DE OLHO NA PRÁTICA
→ Erguendo a voz:
o podcast em sala de aula
Talita Zanatta
28
PÁGINA LITERÁRIA
Nei Lopes
30
ÓCULOS DE LEITURA
35
LENTE DE AUMENTO
NA PONTA DO LÁPIS 3
EDITORIAL
V
A ida que segue”. Quem não ouviu ou mes-
mo se pegou falando o já clássico bordão?
Edição 39
Para abrir esta edição com chave de
poema História para ninar Cassul-Buan-
ga, na “Página Literária” (p. 28). Em
Da literatura
em sala de aula
à sala de aula
na literatura
POR CAMILA PRADO
E
m Na Ponta do Lápis, cos-
tumamos sempre revisi- “NÃO ERA UM HÁBITO QUE A GENTE
tar um pouquinho os pri-
LESSE OS LIVROS. MAS LEMBRO
meiros passos de leitura
e escrita da(o) entrevis- DE QUE GOSTAVA DA IMAGEM
tada(o). Pode nos contar sobre
esse percurso?
DO LEITOR: UMA PESSOA DEITADA
Eu demorei bastante tempo para gos- NO SOFÁ LENDO UM LIVRO”
tar de ler, mas a escrita estava bastan-
te presente. Ela chega primeiro que a
leitura. Lembro de começar a escrever,
lá pelos meus 10, 11 anos, em diários
que têm a ver com as coisas que eu tros. Essa visão de você ter um lugar daquilo que a gente tinha visto na es- De tanto escutar, cheguei a escrever
passava naquele momento. Questões confortável, pegando um livro, era cola. E ele foi muito certeiro, porque algumas letras de rap. Foi assim que
familiares, da escola, do judô – relata- uma coisa que me chamava atenção. muita gente começou a se interessar se deu esse letramento estético que
va sobre lutas, campeonatos, quando por literatura a partir daí. Tê-lo en- veio pela música.
passava de faixa. Eu não tinha aquela Quando você se torna um leitor contrado foi a grande virada da minha
preocupação em criar histórias. Era só literário? vida. É um grande amigo hoje, Jorge A evasão escolar é uma grande
a necessidade de contar alguma coi- Na escola, começo a ter algum contato Fróes. Um grande poeta. Mas ele se questão no Brasil. O que o ajudou
sa minha. A escrita veio mais como com a literatura, principalmente com acha mais professor do que escritor. a persistir diante das dificuldades
uma espécie de confissão. Começo aquela série Vaga-lume. Era o que os que enfrentou?
a criar histórias mesmo a partir dos professores pediam. Levava para casa, A entrada da poesia em sua vida Foi um misto de sorte e de pessoas que
meus 18 anos, mas ainda hoje con- mas lia uma ou outra página. Depois também tem a ver com música, apareceram no meu caminho, princi-
servo essa rotina de escrever diários; vieram as leituras obrigatórias, ainda especialmente o rap, não é? Conte palmente professores. E acho que a
tenho pelo menos uns 35 cadernos. no Ensino Médio, geralmente do Ro- um pouco sobre isso. intuição da minha mãe, que sempre
mantismo, José de Alencar, que eu Na verdade, eu chego no hip-hop por batia nessa tecla, de que a gente ti-
O que os livros significavam para também não chegava a ler. Não tinha outra via. Eu tinha uns 15 anos e um nha que estudar, de que o caminho
você na infância? interesse nesses livros. Eu só chego amigo mais ligado nas músicas um era esse. Estive muito perto de desis-
Na infância, eram um objeto qual- na literatura por desejo aos vinte e dia me perguntou se eu já tinha ou- tir. Muitas vezes. Quando terminei o
quer da casa, não era um hábito que quatro anos, num cursinho para ves- vido Legião Urbana. Começamos a Ensino Médio, disse para minha mãe
a gente lesse os livros. Mas lembro tibular. Aí sim vou ler o meu primei- escutar Tempo Perdido e essas músicas que não queria fazer faculdade. Na
de que gostava da imagem do leitor: ro livro inteiro. Um livro de contos, clássicas do Legião. Eram de cons- época eu trabalhava como pizzaiolo.
uma pessoa deitada no sofá lendo um Feliz Ano Novo, do Rubem Fonseca. cientização, de protesto. Para chegar A ideia era eu me tornar gerente. Esse
livro. Acho que isso tinha a ver com as A partir desse livro que vou me tor- no hip-hop, foi muito fácil. Foi aí que era o meu horizonte. Isso diz muito
muitas mudanças na minha infância. nar um leitor literário. Esse professor um amigo me apresentou os Racionais. da população negra. Se você for per-
A gente nunca tinha uma casa que do cursinho queria nos mostrar que Comecei a escutar. Não sabia na épo- guntar para uma família negra, po-
era nossa, estava sempre na dos ou- a literatura era algo muito diferente ca que também se tratava de poesia. bre, periférica, provavelmente ela vai
Carlos Macedo
PELA ENTRADA DE PESSOAS NEGRAS
A PARTIR DAS COTAS RACIAIS.”
ter uma perspectiva de futuro de um universidade iria decair, o curso per- mercado, mas não só, entendem que Como você, que ficou 20 anos em
a dois anos. Ela não vislumbra algo deria pontos, os profissionais sairiam determinado tipo de narrativa foi es- sala de aula, despertava o interes-
daqui a dez, quinze anos porque as ruins e assim por diante. E aí eu en- gotado e que se busca outras formas, se das(os) suas(seus) alunas(os)?
demandas do dia a dia se impõem. tro e me torno esse primeiro cotista outros pontos de vista de contar a Eu tive sorte de dar aula enquanto
negro a me formar em 2010. história do Brasil pela Literatura. E estava no 5º ou 6º semestre de Le-
Em 2022 a Lei de Cotas (nº 12.711/ o avanço do fascismo no Brasil faz tras, estudando teoria pedagógica. Eu
2012) completa 10 anos e você foi Na faculdade você teve contato com com que haja uma reação. E essa rea- tentava colocar em prática e via que
o primeiro cotista da Universida- autoras(os) negras(os) contempo- ção vê em obras como a minha, a do tinham algumas incongruências com
de Federal do Rio Grande do Sul râneas(os)? Como você enxerga Itamar [Vieira Júnior], da Conceição a realidade em sala de aula, o que me
(UFRGS). Pode nos contar sobre essa literatura dentro do mercado [Evaristo], também formas de dizer obrigou a criar algumas estratégias.
isso? editorial atual? não a esse fascismo. Acabei me tornando um contador de
Havia poucos alunos negros. Parecia Na minha graduação não tive muito histórias. Percebi muito rapidamente
que havia um movimento quase de contato com autores negros. Não co- O que despertou em você a vontade que contar histórias em sala de aula
vergonha de buscar a implantação das nhecia Carolina Maria de Jesus, não de ser professor? era uma questão de sobrevivência
cotas, mas, mesmo assim, a gente con- sabia que Machado de Assis era ne- Eu tinha impressão que era a única para você conseguir ser escutado pe-
seguiu se mobilizar, junto com alunos gro, tinha lido pouca coisa do Lima coisa que eu saberia fazer. Não me los alunos. Eu fazia umas maluqui-
brancos, com o diretório acadêmico. Barreto. Tive uma formação bastan- sentia à vontade numa lanchonete, ces... Isso porque eu sou uma pessoa
Lembro de ter ocupado a reitoria por te eurocêntrica, branca, colonial. No sendo office boy, trabalhando como bastante tímida, mas na aula vestia
dois dias em 2007. Em 2008, ela foi final do mestrado, em 2013, come- telemarketing. A minha carteira de um personagem. Dizia “Fechem as
implantada na UFRGS. Eu já era alu- ça uma discussão mais forte sobre a trabalho é um repertório de carimbos. cortinas, apaguem a luz”. E começa-
no no bacharelado em Letras, mas produção negra no Brasil. Essa de- Pagavam mal, eu era explorado, e na va contar uma história de terror, do
precisava fazer o vestibular de novo manda acadêmica por novas biblio- época eu não tinha essa consciência. Gato Preto. Contava como se fosse eu
para a Licenciatura e poder dar aula grafias, por uma revisão bibliográfica Quando vi a possibilidade de ser pro- vivendo aquela história do Edgar Al-
de Língua Portuguesa. O processo de e epistemológica, também se dá pela fessor, muito me espelhando no Jorge lan Poe. Porque a sala de aula é um
implantação foi bastante difícil. Ha- entrada de pessoas negras a partir Fróes, na paixão dele ao falar de litera- ensaio para a vida, mas ela também é
via um discurso muito preconceituo- das cotas raciais. Há uma mudan- tura, pensei “Puxa, ele está ganhando a vida. Fui desenvolvendo meu méto-
so, racista, dos próprios professores ça de mentalidade. As grandes edi- para falar de livros com as pessoas. É do, trabalhava muito com teatro, com
universitários e dos colegas, de que a toras, que também têm interesse de isso que quero fazer”. o corpo. Entendi que tanto a leitura
O
trecho em destaque foi escrito por Caroli-
na Maria de Jesus em 16 de julho de 1955.
Referindo-se ao mesmo período em que
escreveu Carolina, outro intelectual negro,
Abdias Nascimento, usou dados do Cen-
so Populacional de 1950 para tratar das disparidades so-
cioeconômicas entre a população branca e negra do país.
Àquela época, as(os) brancas(os) representavam 61,6% da
população e as(os) negras(os), 37,6%. No entanto, as(os)
brancas(os) eram 90,2% no ensino elementar, 96,3% no
secundário e 97,8% no superior, diante de 6,1%, 1,1% e
0,6% de negras(os), respectivamente.
Apesar das melhorias nas condições de vida do povo
negro no Brasil, conquistadas por meio de lutas, em todas
as áreas ainda recaem sobre essa população os sintomas
do que se denomina de racismo estrutural. Por exemplo,
as taxas de frequência líquida na escola mostram graves
desigualdades entre os grupos branco e negro da popu-
lação estudantil, conforme mostra o gráfico 1.
ERGUENDO
A VOZ:
S
ou professora de Língua Portuguesa da Rede
Municipal de São Paulo do Ensino Funda-
mental II. Este ano estou com as turmas de
o podcast em 6º e 7º ano da minha escola. Nas minhas ações pe-
dagógicas sempre busco aproximar o conteúdo das
sala de aula
experiências vividas por estudantes, mas também
tenho o desejo de fazê-las(os) se encantarem por
aquilo que não conhecem. Esse encantamento pode
vir de todos os lados – pela escrita, pela leitura, pela
descoberta de uma nova palavra, por um vídeo, por
uma música, tanto faz.
TALITA ZANATTA Foi neste caminho entre o fazer sentido e o en-
cantar que me encontrei pensando sobre qual seria
o primeiro trabalho de produção escrita que pro-
poria às(aos) estudantes do 7º ano nesse retorno à
escola em 2022. Junto ao planejamento, pensava
também em como trabalhar a oralidade em sala de
aula, de modo que ela não ficasse apenas a serviço
da norma padrão. Não queria que o modo de falar
coloquial fosse respeitado apenas quando se fala de
variação linguística ou em momentos informais da
escola. Meu desejo era que elas(es) percebessem que
a linguagem que usam no dia a dia também produz
conhecimento e constrói quem elas(es) são. Foi en-
tão que pensei em propor o trabalho com podcast.
Assim que tive essa ideia, pensei em desistir por al-
guns motivos: não sabia como organizar a gravação,
pois um grupo gravaria enquanto as(os) demais alu-
nas(os) ficariam sozinhas(os) na sala; não sabia se
a internet da escola funcionaria, pois ela oscila bas-
tante; minha principal hesitação era sobre se as(os)
estudantes conseguiram gravar ou não.
Decidi que conversaria com as turmas sobre o que
sabiam de podcast antes de fazer o meu planejamen-
to. Dediquei uma aula para levantar o que as(os) es-
tudantes sabiam do assunto e comecei perguntando
se alguém conhecia e/ou sabia o que era um podcast
– uns disseram que sim, outros que não. Um progra-
ma de podcast se sobressaiu nas respostas: o Podpah.
A maioria conhecia e ficou animada em falar sobre
isso. Essa primeira conversa com as(os) estudantes
me animou, pois percebi que elas(es) demonstraram
gostar da ideia de gravar um podcast.
O termo Podcast deriva da junção de dois termos “broadcasting (radiodifusão) Para começar a sequência didática, assistimos a duas en-
e iPod, dispositivo de áudio da marca Apple que executa arquivos de áudio trevistas do Podpah: a do Mano Brown1, cantor de rap do
no formato MP3” (LENHARO, CRISTOVÃO, 2016, p. 311). Trata-se de grupo Racionais MC, e a da jogadora de futebol Formiga2.
um arquivo em áudio que pode ser ouvido utilizando um celular smartpho- A minha escolha das pessoas entrevistadas não foi aleató-
ne, tablet ou computador; além de poder ser baixado ou escutado em servi- ria, ambas são não só referências em suas profissões, mas
ços de streaming, como Spotify,Youtube, Deezer, SoundCloud, entre outros. também pessoas que abriram caminhos para muitas(os)
Os episódios de podcast lembram programas de rádio – ambos possuem jovens sonharem mais alto. Mano Brown, junto com o
funções variadas: entretenimento, divulgação de informações, entrevistas, grupo de rap Racionais Mc’s, revolucionou a música bra-
curiosidades. Eles também abarcam diferentes temas: literatura, futebol, po- sileira, passando pelos sampleados, pela composição es-
lítica, contação de história, culinárias, etc. tética das músicas do grupo e pelas letras que discutem
Há dois grandes formatos mais comuns para os podcasts: racismo, juventude, periferia, entre outros temas. Além
de músico, em 2021, Mano Brown lançou um podcast
Entrevistas: são aqueles em que a apresentadora ou o apresentador faz de entrevista, o Mano a Mano. Já Formiga começou a jo-
perguntas a uma convidada(o). Alguns exemplos são o Podpah, Guilhotina. gar futebol em um momento em que a modalidade femi-
nina era muito mais subjugada que hoje; ela é uma das
Storytelling: são aqueles em que a apresentadora ou o apresentador grandes responsáveis por fazer a prática desse esporte ser
narra uma história de forma ensaiada. Alguns exemplos são o História hoje orgulho para muitas meninas, a ponto de não senti-
Preta, Projetos Humanos. rem mais medo ou vergonha de jogarem. Ela também é
a atleta brasileira que mais foi à Olimpíada e a jogadora,
As gravações podem ser feitas com um ou mais participantes. Alguns, além entre mulheres e homens, que mais participou de Copas
de gravarem o áudio, também fazem a gravação em vídeo, transmitindo ao do Mundo.
vivo o podcast. Isso acontece principalmente nos formatos de entrevista. As entrevistas do Podpah são muito longas e, devido a
O podcast é uma prática de linguagem contemporânea que possibilita tra- isso, passei um trecho de cada entrevista no formato ví-
balharmos com a multiplicidade de linguagens por tratar-se de um texto mul- deo, já que o Podpah também faz a gravação audiovisual
timodal. A linguista Roxane Rojo explica que a multimodalidade se refere a de seus programas. Em cada uma das entrevistas, fizemos
“textos compostos de muitas linguagens (ou modos, ou semioses) e que exigem capa- uma conversa posterior sobre as percepções que elas(es)
cidades e práticas de compreensão e produção de cada uma delas (multiletramen- tiveram a partir do episódio visto. Elaborei algumas per-
tos) para fazer significar” (ROJO, 2012, p. 19). Para ela, os textos multimodais guntas prévias que foram feitas e respondidas oralmente:
são formas que trazem tanto uma variedade composicional como de culturas.
Essa forma multissemiótica já faz parte dos textos que circulam entre as(os) ● Há algum indício de que houve um
estudantes. Trazê-la para o contexto escolar significa reconhecer como legí- planejamento das perguntas? 1. https://youtu.be/
timas as produções textuais feitas fora da escola nos espaços informais, e so- UF8MW6LP_QA.
bretudo criar mecanismos de reflexão sobre estes textos. ● A linguagem utilizada por entrevistadoras(es) 2. https://youtu.
e entrevistados está mais próxima be/910h4glLyDU .
fossem da escola, eu garanti que as gravações seriam realizadas com o meu da linguagem e da estrutura do podcast. Depois houve as(os) estudantes.
Assim, a lousa é
acompanhamento. Mesmo que as(os) estudantes utilizem a tecnologia cons- uma atividade em dupla com perguntas sobre as duas en-
feita partindo das
tantemente, a gravação do podcast não é um recurso conhecido pela maioria trevistas. Meu objetivo com esta atividade era registrar respostas das(os)
delas(es), por isso era preciso também um letramento sobre a linguagem dessa o que ficou de mais forte naquilo que elas(es) viram nos estudantes.
mídia e fazia-se fundamental que eu estivesse nesse processo de aprendizagem. episódios escolhidos.
3ª ETAPA: GRAVAÇÃO
A segunda etapa foi uma exposição e sistematização da es-
trutura do podcast de entrevista, a partir do que foi levan-
tado nas discussões da etapa anterior. Aproveitei esse mo- A terceira parte foi a gravação. Organizei dois grupos por
mento para comentar sobre as edições que costumam acon- gumas delas que levavam a respostas dia e combinei que a vinheta já tinha que estar pronta
tecer nas gravações. Para explicar melhor a estrutura e as repetitivas. Este momento da sequên- no dia indicado. Para criar o podcast, utilizei o aplicativo
edições, levei exemplos de outros programas de podcasts, cia didática não teve o resultado que gratuito Anchor4, pois ele permite a colagem de áudios e
como o Guilhotina, Picolé de Limão, Mundo Freak Confiden- eu buscava; alguns grupos não fize- compartilha a mídia em um link específico do aplicativo
cial e o próprio Podpah. Não mostrei os episódios completos, ram mudanças, outros fizeram novas e também no Spotify. Durante as entrevistas, percebi que
apenas o trecho que continha aquilo que eu queria mostrar. perguntas que continham os mesmos dependendo de quem era a(o) entrevistada(o) havia mais nas um grupo não realizou a atividade,
A estrutura que identificamos nos podcasts de entrevis- problemas e apenas uma minoria con- ou menos formalidade. Havia um nervosismo inicial devi- mas muitas(os) alunas(os) que estavam
ta e que deveria ser utilizada no roteiro foi: seguiu reformular o que tinham feito do ao uso do microfone, à(ao) entrevistada(o) e a minha desinteressadas(os) e às vezes até se
a partir da minha orientação. Hoje eu presença, mas depois das duas primeiras perguntas a con- negavam a ficarem em sala fizeram a
Nome do Podcast; teria criado mais possibilidades de- versa ficava mais fluida. gravação e se empolgaram.
Vinheta; las(os) compreenderem o que é o pro- A apresentação das(os) entrevistadas(os) foi um dos mo- Ao fim do trabalho, o que eu senti
Apresentação das(os) convidadas(os); cesso de reescrita, como, por exemplo, mentos frágeis do roteiro e da gravação, pois muitos grupos de mais forte foi a vontade de conti-
Perguntas; levando exemplos fictícios para a lou- começaram a improvisar mais informações ou resolviam nuar produzindo podcast com as(os)
Fechamento. sa e reescrevendo-os coletivamente a mudar na hora. Talvez uma entrevista prévia ao podcast estudantes e, quem sabe mais adiante,
partir dos critérios estabelecidos na para a escrita da apresentação teria fortalecido esse trecho. criar um projeto que tenha episódios
Depois disso, as(os) estudantes foram divididas(os) em correção. Além disso, mesmo que eu Além disso, não conseguimos fazer edições na gravação; na frequentes e não seja apenas de entre-
grupos e começaram a escrever o roteiro. Para isso, elas(es) tenha dado as orientações para a for- época estávamos sem professor de sala de Informática para vista. Uma das coisas que contribuiu
precisavam preencher cada uma das partes estruturais mulação das perguntas, explicando-as e contribuir com o trabalho. Quanto ao tema das entrevistas, bastante para o engajamento das(os)
mencionadas anteriormente; quanto às perguntas, foram conversando de grupo em grupo sobre optei por não delimitá-lo, entendendo que naquele momen- estudantes foi criar um clima de serie-
pedidas cinco, as quais poderiam ser aumentadas duran- os critérios de correção, eles não foram to o que eu buscava era reaproximá-las(os) da escola, das dade e oficialidade para as gravações
te a gravação do podcast, caso alguma resposta gerasse sistematizados e entregues às(aos) es- atividades pedagógicas e conhecer os saberes e interesses do podcast, como se aquele trabalho
alguma dúvida ou curiosidade. Nesta parte da atividade, tudantes.Talvez com esses critérios em das minhas(meus) alunas(os). escolar já não fosse apenas para a esco-
busquei evidenciar que as perguntas não precisariam ser mãos e elas(os) mesmas(os) fazendo Durante o processo, havia estudantes que queriam me la, de modo que elas(os) se sentissem
lidas e tampouco decoradas – elas(os) as levariam para a a primeira correção teria surtido mais ajudar em todas as gravações e isso foi bem importante. como produtoras(es) de podcasts. Essa
gravação, mas no momento da entrevista poderiam impro- efeito, mas essas foram estratégias que Nas últimas entrevistas, alguns podcasts foram gravados sensação de fazer parte de um podcast
visar. Era preciso que elas(es) compreendessem que o ro- pensei só depois desta etapa terminar sem nenhuma ajuda minha, pois as(os) alunas(os) já ga- foi aumentando conforme os grupos
teiro ajudava a deixá-las(os) seguros(as) e preparadas(os) e de eu ver o resultado. nharam autonomia com o aplicativo e faziam todas as eta- gravavam e contavam para as(os) ou-
para as entrevistas, mas, ao mesmo tempo, permitia que pas do processo. Como o trabalho foi realizado com uma tras(os) colegas como tinha sido. Além
a coloquialidade e a criatividade fossem utilizadas. Para variedade de pessoas da escola, os episódios foram bastan- disso, no mesmo dia da gravação era
isso, retomei os episódios que vimos do Podpah – o roteiro DICAS PARA A GRAVAÇÃO
te compartilhados entre a comunidade escolar, principal- possível escutá-la, o que gerava um en-
possibilitava que público e entrevistadas(os) percebessem mente entre as(os) professoras(es). As(Os) próprias(os) en- tusiasmo em quem seriam (as)os pró-
que havia um conhecimento prévio das(os) convidadas(os), ● Utilize um aplicativo grátis para trevistadas(os) compartilhavam com seus familiares e ami- ximas(os) a fazer seu podcast5. ● NPL
o que permitia perguntas mais elaboradas, de modo que gravação de voz e produção gas(os) o trabalho das(os) estudantes; isso fez com que as
também havia espaço para o riso, para brincadeiras, o que de outros recursos como produções ultrapassassem o espaço escolar. Os episódios
4. O aplicativo pode ser utilizado em celulares,
muitas vezes fazia parecer uma conversa não roteirizada. colagem de áudios; também foram compartilhados nas redes sociais e nos gru-
tablets, notebooks e computadores.
Durante a escrita do roteiro, auxiliava-as(os) a não pos de whatsapp da escola e, a cada início de aula, escutá-
5. Todos os episódios podem ser escutados
criarem perguntas com respostas rápidas, como “qual ● É importante as(os) estudantes vamos um episódio.
em: SétimoCast. Disponível em: https://open.
sua idade?”, “o que você mais gosta de comer?”, “qual registrarem em um roteiro Esta atividade foi realizada com duas turmas de 7º ano spotify.com/show/2pnKykWnYciyGT95NU-
sua profissão?”. As respostas dessas perguntas poderiam todas as falas: desde a e, por isso, o nome criado e escolhido pelas(os) estudan- Q2OL?si=fa4c47146514409b. Acesso em: 03
estar na apresentação das(os) entrevistadas(os), mas não chamada do Programa, tes para o podcast foi SétimoCast. Das duas turmas, ape- set. 2022.
como uma pergunta da entrevista a ser gravada. Neste a apresentação das(os)
momento do roteiro, cada grupo deveria escolher quem entrevistadoras(os)
entrevistaria. A escolha pelas(os) entrevistadas(os) foi di- e da(o) entrevistada(o); BIBLIOGRAFIA
versa, passando por auxiliar técnico de educação (ATE),
professoras(os), alunas(os), coordenadora e coordenador ● É essencial a parceria com LENHARO, Rayane Isadora; CRISTOVÃO, Vera Lúcia Lopes. Podcast, participação social e
pedagógico e assistente de direção. professora e/ou professor do desenvolvimento. Educação em Revista, Belo Horizonte, v. 32, n. 1, p. 307-335, mar. 2016.
Quando os roteiros foram entregues, corrigi e devolvi- laboratório de informática ou Disponível em: <https://www.scielo.br/pdf/edur/v32n1/1982-6621-edur-32-01-00307.pdf>.
-os para que houvesse uma reescrita. O objeto da minha de alguém da escola que goste Acesso em: 27 ago. 2022.
correção era aprofundar as perguntas feitas e apontar al- e entenda das tecnologias. ROJO, Roxane. Multiletramentos na escola. Parábola: São Paulo, 2012.
Unindo o discurso
à prática: não basta
ser antirracista.
É preciso ler o que
as autoras e autores
negros escrevem.
para a memória coletiva dos povos que coabitam amor fraterno dá o tom dos versos que restam
o mesmo território para sentir-se pertencente (7, 8, 9, 10, 11, 12, 15 e 16).
a eles, como um só povo, uma nova nação. No Entre o indivíduo, o amor e a pátria figura BEL SANTOS MAYER
poema de Nei Lopes, há a criação de um lugar um som característico da língua portuguesa que,
bom que ainda não foi concretizado, mas que após ser instrumento de dominação colonial,
já existe no plano do imaginário e do desejo. passa ao status de espólio de guerra e unifica
No caso de Poema do futuro cidadão, são ape- essas três categorias por meio da aproximação
nas dezenove versos divididos em quatro estrofes sonora dos termos cidadão/nação/não/irmão/
e que giram em torno de três ideias principais: mãos/coração/são. Como em História para ninar
uma pessoa qualquer que, no presente, ama um Cassul-Buanga, o futuro se apresenta e é pela via
país/nação do futuro, formando a tríade “indiví- do amor que ele se concretizará, apesar do pre- Este artigo propõe uma breve reflexão
duo/amor/nação”. Dos dezenove, quatro versos sente opressivo. Se concretizará porque há um sobre o lugar ocupado pela literatura
são variações do mesmo tema (nação futura), re- passado e um presente de resistência e porque o no enfrentamento do racismo e na
petindo, inclusive, a sintaxe em três deles: “de Rei Zumbi (Zâmbi) disse. O futuro será bonito promoção da igualdade racial. É um
uma nação/país que ainda não existe” (versos 1, para meninas e meninos como é para o meni-
2, 14 e 19). Outros seis versos são centrados na no Cassul-Buanga e também será para pessoas convite para educadoras e educadores
explicitação de uma figura, um homem anônimo comuns de Moçambique, para negras e negros refletirem sobre a presença (ou a
que pode ter nascido em qualquer lugar, carrega em África, no Brasil e no mundo. ausência) da literatura de autoria negra
sofrimento comum a outras pessoas e que, por O futuro será bonito porque canções e poe- no acervo da escola, na programação
essas características, se irmana a outras cidadãs mas cantam por isso. Será de paz porque é para
de suas aulas e em seu repertório leitor.
e cidadãos de uma nação que ainda virá (versos isso que se luta. Será de amor porque os poetas
4, 5, 6, 13, 17 e 18). Por fim, o sentimento de disseram e, portanto, está escrito. ● NPL
R
epito para nós a pergunta do coletivo Mu-
BIBLIOGRAFIA lheres Negras na Biblioteca1: “Quantas au-
toras negras você já leu”? Com o objetivo de
BLOCH, Ernst. O princípio esperança. Tradução MOTA, Maria Nilda de C. João Cabral de Melo
de Nélio Schneider. EDUERJ: Rio de Janeiro, Neto e José Craveirinha: Literatura contra
incentivar o conhecimento de escritoras negras,
Contraponto, 2005, v.1. a Desumanização. 2017. 162f. Tese a leitura de suas obras e sua inclusão nos acervos
(Doutorado) – Curso de Letras, Faculdade das bibliotecas, esse coletivo promove encontros
CRAVEIRINHA, José. Obra Poética. Direcção
de Filosofia, Letras e Ciências Humanas da e atividades culturais relacionadas ao tema. À sua
de Cultura Universidade Eduardo Mondlane:
Universidade, Universidade de São Paulo, pergunta poderíamos acrescentar: Quantas auto-
Maputo, 2002.
São Paulo, 2017. Disponível em:
ras(es) negras(os) você já indicou em suas aulas?
CRAVEIRINHA, José. “Poema do futuro cidadão”. <https://www.teses.usp.br/teses/
Disponível em: <http://debatesedevaneios. disponiveis/8/8156/tde-10052018-105858/ Quantos livros de autoria negra você já leu com
blogspot.com/2011/02/poema-do-futuro- publico/2017_MariaNildaDeCarvalhoMota_ as(os) estudantes? O que isso representa dentro
cidadao.html>. Acesso em: 19 nov. 2022. VOrig.pdf>. Acesso em: 30 set. 2022 do número de obras indicadas por você?
2. A íntegra da pesquisa por grandes editoras, escritos por 383 autoras(es) entre 1965 e lhes foram escondidas.
Retratos da Leitura no 2014, concluíram que, em 43 anos, o perfil do romancista brasi- Jovens negras(os), jovens periféricas(os), construindo e ocu-
Brasil pode ser acessada
leiro se manteve estável: homens brancos, de classe média, mo- pando bibliotecas comunitárias nas bordas do país, passaram a
cadastrando-se no site
<https://www.prolivro.org.
radores do Sudeste, narram histórias de protagonistas e coadju- contribuir ativamente para que os livros continuassem vivos e
br/5a-edicao-de-retratos- vantes brancos com poucas variações: revelando autoras(es) colocadas(os) à margem. Contrariando
da-leitura-no-brasil- as perspectivas mais pessimistas sobre o fim dos livros físicos e
2/a-pesquisa-5a-edicao/>. Apesar de bastante homogêneos, os dados mostram um da espécie de “jovens leitores” com a imaginária presença maci-
Acesso em: 30 set. 2022. aumento de 12 pontos percentuais na publicação de ça dos celulares em suas mãos, vemos o crescimento dos saraus
3. Publicação disponível romances escritos por mulheres – fato que, por sua vez, e dos slams, das editoras independentes e das livrarias de rua.
em: <http://cclf.org.br/ não produziu um crescimento significativo na quantidade Qual seria o segredo?
project/o-brasil-que-ler-
de personagens femininas. O que salta aos olhos – mas O editor e livreiro Alexandre Martins Fontes4, indagado sobre
bibliotecas-comunitarias-
e-resistencia-cultural-na-
não surpreende – é a falta de mulheres e homens negros os livros continuarem existindo apesar do avanço da tecnologia,
formacao-de-leitores/>. tanto na posição de autores (2%) como na de personagens apresentou dados sobre o aumento do número, da qualidade da
Acesso em: 30 set. 2022 (6%). Mulheres negras aparecem como protagonistas em produção gráfica e da diversidade dos lançamentos, apesar da
apenas seis ocasiões, e outras duas como narradoras das crise desencadeada pela pandemia da covid-19. Segundo Ale-
histórias. Mulheres brancas, por sua vez, ocuparam essas xandre, embora o processo criativo seja cada vez mais digital e
posições 136 e 44 vezes, respectivamente. Os autores vivem virtual, o livro físico continua sendo um objeto de arte insubsti-
basicamente no Rio de Janeiro (33%), São Paulo (27%) e tuível. Para explicar a emoção de se ter um livro físico em mãos,
Rio Grande do Sul (9%) (MASSUELA, Amanda, 2018). ele recorre à imagem da ultrassonografia de uma gestante: por
mais impressionante que seja a qualidade da imagem, nada se
Uma representatividade de autoria negra incipiente, que somada compara à emoção de se ter a(o) filha(o) no colo no nascimen-
à 5ª edição da pesquisa Retratos da Leitura no Brasil (2021)2 pode to. Parece difícil discordar dessa metáfora.
nos levar à confirmação de que lemos pouco, lemos mal e lemos os Um outro fator para o fracasso do decreto de morte dos livros,
mesmos. Será apenas isso? Tem gente nadando contra essa corrente. arriscamos dizer, seriam os livros-espelhos; livros que possibili-
tam ver-se no que lê. Quando a(o) leitora(or) encontra narrativas,
O Brasil que lê! personagens e palavras que descem ao chão que ela ou ele pisa,
Em 2020 a Universidade Federal de Pernambuco (UFPE), a tudo faz mais sentido. Quando empresta seus olhos e voz para ler
Universidade do Rio de Janeiro (UNIRIO) e o Centro de Cul- as memórias das e dos que vieram antes, para conhecer as his-
tura Luiz Freire (CCLF), com o apoio do Instituto C&A e do tórias omitidas por meio de romances, crônicas, contos, poesias,
Itaú Social, realizaram uma pesquisa junto às bibliotecas comu- Histórias em Quadrinhos que dão nome a suas dores e aos seus
nitárias para avaliar dimensões de suas práticas de formação de sonhos, percebe que não está sozinha(o) no mundo. Essa litera-
leitoras(es). Os resultados foram publicados pela Rede Nacio- tura que acolhe e aconchega, também convoca. Ler passa a ser
nal de Bibliotecas Comunitárias e pelo CCLF sob o título: O um ato poético, educativo e político.
Brasil Que Lê: Bibliotecas comunitárias e resistência cultural na for-
mação de leitores.3 Negras histórias: a memória como âncora ou vela
No Brasil que lê há bibliotecas comunitárias gestadas espe- A história da escravização de pessoas negras de origem africana
cialmente por jovens que algum dia acharam que não gostavam no Brasil é marcada por sequestros, coisificação de corpos, vio-
de ler. Em algum lugar estava escrito que a literatura não lhes lência física, exploração, hierarquização de saberes, tentativa de
pertencia. Tinham aprendido que a literatura era luxo ou algo destruição do pensamento negro. Um perverso processo de apa-
para quem tem tempo sobrando, coisa rara entre as(os) traba- gamento e distorção das memórias da escravidão fez com que, por
lhadoras(es) braçais. muito tempo, o legado da escravidão fosse depositado nos ombros
Porém, essas(es) jovens se encontraram com outras(os) jovens de descendentes de escravizadas(os), deixando a descendentes
que acreditavam na força da palavra para a construção de mun- de escravizadores um certo orgulho por ter abolido a escravidão
Ensino a obrigatoriedade da África e das(os) afro-brasileiras(os) no currículo escolar: o que foi contadas em Olhos d’água, ambos de Conceição Evaristo, nas por Bel Santos Mayer
no evento virtual 3X22/
temática História e Cultura conquistado com a Lei 10.639/20035, visando superar os muitos estratégias para ler e enfrentar o racismo vivido no próprio cor-
Memória é vela ou âncora?,
Afro-Brasileira. A íntegra está silêncios sobre a presença negra no Brasil. po como Na minha pele, de Lázaro Ramos. promovido pela PRCEU/USP
disponível em <https://www. Os caminhos para romper o silêncio sobre as relações raciais no Ao ler a literatura de autoria negra há o reconhecimento de que em 14/09/2021.
planalto.gov.br/ccivil_03/
Brasil suscita a inquietante pergunta: “a memória é vela ou ânco- pessoas negras não são redutíveis a duas ou três características 9. Um decreto no período
leis/2003/l10.639.htm>.
Acesso em: 15 set. 2022.
ra?”6. Para algumas pessoas, falar da escravização de pessoas ne- estereotipadas. A literatura de autoria negra coloca negras(os) colonial exigia que pessoas
Nepomuceno no programa do. Para outras, recuperar essas memórias e histórias é o que pode tura. É a possibilidade de construir um imaginário mais humano ingressar no clero ou no
serviço militar pedissem
Sangue Latino e que deu nos lançar para navegarmos por outros mares. Nesse breve artigo, sobre si, de se sonhar no mundo como manifestou a escritora e
“licença“ de seu “defeito
título a evento de reflexão não temos espaço para uma análise mais profunda sobre a escra- estudiosa da literatura negra, Neide de Almeida: de cor”.
sobre os 200 anos da vidão. Recomendamos, caso não conheça, visitar o Projeto Querino:
independência do Brasil e
“um projeto que mostra como a História explica o Brasil de hoje”.7 Acredito que a literatura assim como as outras formas de
centenário da Semana de
Arte Moderna, promovido
Falar de memória para as pessoas negras é falar de uma his- arte (escultura, gravura, todas as outras linguagens) tem
pela Pró-reitora de Cultura tória de silêncios impostos e de silêncios escolhidos como forma este papel fundamental de apresentar outras possibilidades
e Extensão da USP (PRCEU/ de sobrevivência. Quantas tataravós, bisavós, avós negras escon- de representação. Quando você tem acesso a diferentes
USP) em 14/09/2021. deram seus saberes ancestrais por medo de discriminação, numa representações de um sujeito, do mundo, da forma de você
cultura que impõe a vergonha por ter cabelo crespo e pele escura, agir, da forma de você pensar, aí que se cria a possibilidade
por ser do campo ou conhecer ervas que curam, por professar a de construir um posicionamento seu; um posicionamento
fé em religiões de matriz africana? que coincida com aquilo que você é. Então eu acredito que
O contato de filhas(os), netas(os) e bisnetas(os) com essas lem- a literatura tem um papel fundamental na construção das
branças transformam a memória em vela. Se num primeiro mo- identidades, nos processos de representação (ALMEIDA,
mento as memórias são âncora que levam à profundeza dos ma- vídeo LiteraSampAfro lê Um defeito de cor, 2016)
res onde muitos corpos negros tombaram, em outros a memória
é vela que avança ao mar.8 Ao conhecer e apresentar autoras(es) negras(os), contribuímos
Se no passado negras(os) tiveram que omitir suas autorias por para o (re)conhecimento de que negras e negros são parte do eixo
terem “um defeito de cor”9, hoje, é preciso narrar em primeira criativo da literatura e dos livros. É uma oportunidade para to-
pessoa. Trata-se do direito humano à memória, a grafar novas das(os) de superação de preconceitos e enfrentamento do racismo.
palavras e levá-las para os livros sem pedir licença ou desculpas. Para jovens negras e negros, porém, ler autoras(es) negras(os) e
É uma forma de garantir “o direito de escrever o vivido, de res- saber que sua gente resistiu e resiste às práticas e profecias de sua
suscitar o que parecia sepultado, gravar o ainda por fazer, de pre- extinção (assim como os livros), talvez seja questão de sobrevivên-
servar o passado e promover rupturas” (QUEIRÓS, 2007, p. 36). cia e construção de uma identidade coletiva. ● NPL
A leitura de autoria negra é uma forma de preencher os vazios
deixados pela ausência dessa narrativa, que representa mais da
metade da população do país, e contribuir para que as gerações
BIBLIOGRAFIA
atuais e futuras se reconheçam como construtoras de pensamen-
tos e capazes de sonhar e realizar seus destinos. CATRILLÒN, Silvia. O direito de ler e de escrever. Pulo do Gato,
2011, p. 20.
Por que a literatura? FERNANDES, Cida.; MACHADO, Elisa.; ROSA, Ester. O Brasil que lê:
Para a biblioteconomista colombiana Sílvia Castrillòn (2011), Bibliotecas comunitária e resistência cultural na formação
“ler pode ser um meio para melhorar as condições de vida e as de leitores. Centro de Cultura Luiz Freire, RNBC, 2018.
possibilidades de ser, de estar e de atuar no mundo”. É certo MASSUELA, Amanda.; Quem é e sobre o que escreve o autor
que a leitura literária sozinha não fará isso, mas sem ela pode brasileiro, In: CULT, 5 fev. 2018. 05/02/2018, Disponível em:
ser mais difícil construir um lugar no mundo. <https://revistacult.uol.com.br/home/quem-e-e-sobre-o-
Esses assuntos que estariam reclusos aos livros de história po- que-escreve-o-autor-brasileiro/> Acesso em: 15 set. 2022.
dem entrar na sala de aula, nas conversas, nos saraus pelo en- QUEIRÓS, Bartolomeu Campos de. Para ler em silêncio.
contro com a fome descrita em Quarto de Despejo, por Carolina São Paulo: Moderna, 2007.
FRAIZ Turismo, tem especialização em Pedagogia Letras), sendo este último vencedor do prêmio Jabuti.
Social, é mestra pelo Programa de Pós- Atualmente é professor visitante da Brown University e
Graduação em Turismo (EACH/USP), colunista nos jornais digitais GZH e UOL Notícia.
Meu nome é Valentina Fraiz, pesquisando a contribuição das bibliotecas
comunitárias para o estudo das mobilidades.
nasci em Caracas, uma
cidade entre a montanha 1, 3-5 e 8. Arquivo pessoal; 2. Douglas Barcelos; 6. Carlos Macedo; 7. Jefferson Mello.
e o mar Caribe. Hoje em NEI BRAZ LOPES
dia ilustro para projetos de É compositor de música popular e escritor. Na área musical
literatura, ciência, feminismo, é autor de vasta obra gravada, sobretudo no gênero samba.
Em literatura, é autor de 44 livros, entre obras de ficção,
antirracismo e mudanças 7
poesia e de referência, como o Dicionário da História Social
climáticas. Voltei a São Paulo 3 do Samba, parceria com Luiz Antonio Simas, eleito Livro
depois de sete anos no mato do Ano pelo júri do Prêmio Jabuti, em 2015. Por sua obra,
é laureado com títulos de doutor honoris causa concedidos
por uma urgência de viver pelas universidades UFRJ, UFRRJ, UFRGS e UERJ.
os coletivos num momento
histórico que pede por isso.
Gosto de botar meu trabalho CAMILA PRADO
a serviço dos movimentos TALITA ZANATTA ALVES
É jornalista desde 2001 e atua como
de transformação social. editora, repórter e redatora em projetos É mestranda na área de Educação e
Sou mais feliz assim. ligados à educação, cultura, memória Linguagem na FEUSP com foco no ensino de
e meio ambiente. É colaboradora Língua Portuguesa em contexto multilíngue 8
Coordenação
Claudia Maria Micheluci Petri – Itaú Social
Daniela Salú Mateus da Silva– Itaú Social
Rafaela Caruline Rodrigues – Itaú Social
Tatiana Djrdjrjan – Itaú Social
Tereza Ruiz – Cenpec
Editora
Giselle Rocha
Jornalista
Camila Prado
Colaboração
Patricia Ferreira
Revisão
Thaís Arruda Ferreira
Ilustrações
Valentina Fraiz – Estúdio Anemona
PARCERIA
COORDENAÇÃO INICIATIVA
TÉCNICA
ACESSE:
www.escrevendoofuturo.org.br