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É preciso
discutir
GRAMÁTICA sobre o uso
CONTEXTUALIZADA do pronome
neutro
Regras e normas devem
respeitar o uso social ENTREVISTA
da língua e contemplar O jornalista Tom
os diversos gêneros Farias reúne trinta
textuais anos de crítica da
literatura negra
A LINGUAGEM
DOS MEIOS DE
COMUNICAÇÃO
A CAPACIDADE DE TRANSMITIR
INFORMAÇÕES DE FORMA
CLARA, OBJETIVA
E DIRETA
Ou acesse www.escala.com.br
/escalaoficial
N
este novo normal, questões antigas nos comunicação, disseca Abrahão de Freitas em nossa
acompanham e merecem um olhar mais matéria de capa. E tudo isso se aprende brincando,
atento. Seria mesmo a infância um perí- afinal, a ludicidade é a grande aliada da aprendiza-
odo mágico? Para Divanize Carbonieri, gem, garante Aline Fernanda Camargo Sampaio no
a história é bem outra, como coloca em Ponto de espaço Leitura e Escrita. E o que pode haver de mais
Encontro. Quem também merece um olhar bem novidadeiro do que um pronome neutro? Janaina
mais atento é a produção literária negra brasileira. Lima chama a atenção para essa polêmica, presen-
Na entrevista desta edição, Tom Farias, como te em Debate. Seria um tema indigesto? Não tanto
um Dom Quixote da nossa imprensa, mostra a pro- quanto o livro analisado de Cabeceira, Nojo.
dução afrodescendente publicada por mais de 30 Tempos bicudos, mas, mesmo assim, as peque-
anos. Uma escrita provocante, mutante ao longo nas editoras estão armadas de escudo e espada
das décadas, que sofreu reveses e preconceitos, as- para seguir na escalada e viram protagonistas dos
sim como a oralidade, que Avram Ascot aponta em grandes prêmios, como Oceanos e Jabuti, conferiu
Língua Viva, destacando sua importância. Aliás, fa- Jussara Saraíba. Espaço aberto para escritores, que
lando em exclusão, um grande nome que ainda não é não se furtam a se assumirem nos textos, analisa
reconhecido como se deve é Lima Barreto, persona- Roberto Sarmento Lima. E nesse vaivém de pode,
gem de Resgate. E, se estamos revendo nosso modo não pode, fica, não fica, algo veio e vai permanecer:
de pensar, interagir, comunicar, também devemos o ensino híbrido, garante Márcio Scarpellini Vieira.
libertar a palavra da camisa de força das regras e Em casa ou na escola? Preferencialmente em casa,
inseri-la no contexto. É a nova BNCC chegando às defende Lima, fechando esse encontro pleno de di-
salas de aula, com a Gramática Contextualizada. versidade. Até o próximo.
E dá-lhe memória e discurso, prova Orasir Cális,
como espaços de continuidades e rupturas na dinâ- Mara Magaña, Editora
mica entre as tramas, desde que a informação seja
clara, objetiva e direta, como requerem os meios de
DEBATE
É preciso
discutir
32. CAPA 50
Comunicação
GRAMÁTICA sobre o uso
CONTEXTUALIZADA do pronome
neutro
Regras e normas devem
respeitar o uso social ENTREVISTA
revoluciona a
da língua e contemplar O jornalista Tom
os diversos gêneros Farias reúne trinta
textuais anos de crítica da
literatura negra
linguagem
Como as mídias redefiniram o
A LINGUAGEM conceito e o uso social da língua,
DOS MEIOS DE
COMUNICAÇÃO restabelecendo a concepção de
A CAPACIDADE DE TRANSMITIR humanidade e transformando
EDIÇ Ã O 8 5 - PREÇO R$ 17,00
INFORMAÇÕES DE FORMA
CLARA, OBJETIVA
E DIRETA
significativamente a nossa história
LEITURA E ESCRITA: JOGOS E FANTASIAS SÃO OS GRANDES ALIADOS DO PROCESSO EDUCATIVO
08 54
LEITURA RÁPIDA
06. Síntese
Fique por dentro dos
08. Entrevista 28. Interpretação 50. Leitura acontecimentos do mundo da
Língua Portuguesa e da Educação
O jornalista Tom Farias de Texto e Escrita
disseca 30 anos de crítica da A memória e o discurso Jogos e fantasias são 27. Cabeceira
literatura negra publicada podem agir como espaços de grandes aliados do Livro de Divanize Carbonieri
por ele próprio em vários continuidades e rupturas no processo educativo e expõe o nojo em relação aos
órgãos de imprensa terreno das histórias podem fazer toda a corpos sem retoques
diferença na aquisição da
59. Acontece
14. Língua Viva linguagem O que muda no novo Ensino Médio
Mitos e preconceitos
relativos à oralidade, 54. Diretrizes 64. Estante
classificando-a como cultura Como o eu biográfico se As novidades que estão chegando
iletrada, correspondem à assume nos textos, graças às prateleiras
falta de conhecimento da ao vácuo entre o gênero
diversidade linguística humano e a realidade 66. Reticências
Por escolas fechadas e ensino
40. Literatura remoto
20. Resgate Brasileira 60. Ponto de Vista
É preciso colocar Lima Pequenas editoras O ensino híbrido ganha
Barreto no mesmo panteão reinventam-se em meio à força com a pandemia e
dos grandes escritores do crise da pandemia e levam mostra que veio para ficar
Brasil principais prêmios do setor
Inventamos a infância
e ela nos destruiu
T
odas as pessoas são atingidas por uma bomba atô- Por outro lado, talvez não seja por algo que as adultas nos
mica na infância. Essa é uma verdade universalmente façam, talvez seja algo do próprio desenvolvimento, algum
conhecida. Não há vivente que não passe por algum desajuste interno. Os outros animais não passam por isso, estão
acontecimento que, por sua própria natureza, alterará integrados entre os seus, já nascem com o aparato instintivo
seu amadurecimento de forma irreversível. Ninguém nunca mais que vai fazer deles gatos, cães ou lobos. Nós somos as estra-
se recupera. Cresce-se com esse aleijão. É como um tronco de nhas que temos que aprender tudo. E aprender muitas vezes
árvore, queimado durante um incêndio na mata. Aquela queima- sem ainda ter a capacidade.
dura vai modificar o desenvolvimento do lenho, fazendo muitas Peter Pan é uma história inverossímil, disse Ziraldo, porque se
vezes com que tenha uma configuração torta. trata de um menino que não quer crescer. Mas todas as crianças
O ser humano também é assim: ocorre algo que o entorta querem desesperadamente crescer, tornar-se adultas numa
para sempre. Então, penso comigo: se só serve para comprome- tentativa de escapar do inferno em que vivem, das limitações
ter inexoravelmente o indivíduo, qual é o sentido de se ter infân- impostas por tantas regras a ser internalizadas. Por isso que
cia? Apenas para a vida inteira tentarmos nos recuperar dessa criança que vive na rua, sozinha, reluta para viver em abrigos. Na
dor? Não existe mentira maior do que esse papo de infância rua, ela pode ser livre, por incrível que pareça. Sempre olho para
feliz. Na realidade, é um massacre, do qual você só pode sobre- uma criança com uma certa dor porque imagino o quanto de so-
viver despedaçada. A adulta é a criança faltando um pedaço, a frimento o amadurecimento vai trazer. E é inescapável. Ninguém
criança amputada. Talvez isso aconteça porque, na infância, não vai escapar. Se escapasse, não existiria a psicanálise.
sabemos de nada. Somos como cegas num mundo controlado A psicanálise é a prova viva de que as crianças são destruídas
pelas adultas e estamos à mercê delas. Elas podem dispor de no processo de crescer. A família que quase todo mundo cultua
nossa vida quando somos crianças do modo como desejarem. E é a responsável por muitas desgraças. A maioria das famílias
a sociedade se mostra complacente em relação aos maus-tratos. não aceita as filhas que têm, como elas são. E daí as filhas
Destruir crianças é algo normal, até esperado, incentivado. crescem alheadas dos pais. Às vezes é preciso proteger dos pais
Escolas são centros de aniquilação. Qualquer uma que já esteve pelo menos um núcleo de intimidade para que se sobreviva.
anos a fio trancada numa escola sabe onde lhe dói. Reúne-se Todo mundo que já teve uma mãe e um pai já teve problemas.
um número grande de pequenos seres humanos, e eles vão se Infância é uma coisa inventada também. Leonardo da Vinci
dedicar a tripudiar uns sobre os outros, sob os olhares apáticos ingressou no ateliê de seu mestre com cinco anos. Praticamente
das professoras. Educadoras também são mestras no solapa- apenas a idade de saber se limpar e comer sozinho. E daí já se
mento de semelhantes. Alguns grandes talentos são soterrados punha a trabalhar, a aprender o ofício. A precocidade desses
por duas ou três palavras. Há, é claro, os limites legais. Mas gênios também tem a ver com isto: que na época deles nem in-
sabemos que não raro eles são transgredidos. fância havia. Não temos mais gênios, mas temos infância, etapa
Lembro o caso dos dois meninos que foram procurar o juizado que criamos para que as indústrias vendam brinquedos.
de menores porque viviam ameaçados pelos pais. E o que o As pequenas consumidoras fazem o mundo girar. Tanto é
juizado fez? Devolveu os dois para os pais, que os mataram, es- assim que se diz que as crianças realmente pobres, que não
quartejaram e queimaram. Mais recentemente, encontraram um podem consumir nada, não têm infância. Ninguém vai conceder
outro garoto vivendo num barril. Num barril! E sendo alimentado a elas “essa fase de alegrias infinitas”. De qualquer forma, serão
com cascas de frutas. O tempo que o pobre ficou nessa situação esmagadas também. Porque não existe vida humana que fuja ao
é de estarrecer qualquer alma empedernida. Ninguém percebeu esmagamento ocorrido nos anos iniciais da própria trajetória. As
o que acontecia? Duvido. Quanta criança morta, estuprada, outras podem se entupir de eletrônicos, mas estão condenadas
trucidada! As adultas são as crianças destroçadas que destroçam da mesma forma por essa criação diabólica. Inventamos a infân-
outras quando crescem. E assim ad infinitum. cia e ela nos destruiu.
DIVANIZE CARBONIERI é doutora em Letras, poeta e escritora. É autora de Entraves (poesia, 2017), agraciado com o Prêmio Mato Grosso de Literatura, Grande
depósito de bugigangas (poesia, 2018), Passagem estreita (contos, 2019), finalista no Prêmio Jabuti e no Prêmio Guarulhos, A ossatura do rinoceronte (poesia,
2020), Furagem (poesia, 2020) e Nojo (contos, 2020).
© GMAST3 R / ISTOCKPHOTO.COM
As Diretrizes Nacionais para a Educação Plurinlíngue no Brasil, por meio
do parecer CNE/CEB nº 2/2020, foram aprovadas em julho de 2020. Elas
definem e regulamentam a concepção de escola bilíngue. A análise foi
fruto de discussões entre profissionais que estudam, trabalham e pes-
quisam sobre a educação bilíngue e aguarda a homologação pelo MEC. O
documento faz diferenciação entre escola bilíngue e escola com currícu-
lo bilíngue optativa. Determina a carga horária mínima exigida para lín-
gua adicional em cada segmento da educação básica, bem como a qua-
ABANDONO DA
lificação do professor e os prazos para adequação dos Projetos Políticos ESCOLA CHEGA
Pedagógicos. Segundo a Base Nacional Comum Curricular (BNCC), o
idioma inglês passa a ser um bem cultural mundial, podendo ser incor-
A 4 MILHÕES
porado para usos diversos por falantes multilíngues em diferentes con- EM VIRTUDE DA
textos e culturas. Assim, o documento ressignifica a concepção de língua
inglesa como uma língua franca que pertence a muitos povos, nativos ou
PANDEMIA
não nativos, com identidades diversas. O inglês é visto como um conhe- De acordo com pesquisa do
cimento essencial na formação dos alunos que amplia as possibilidades C6 Bank/Datafolha, 4 milhões de
de acesso à informação e interação no mundo contemporâneo. estudantes, entre 6 e 34 anos,
deixaram os estudos de lado no
ano passado. A culpa recai sobre
a crise provocada pela pandemia
© NICOLESY / ISTOCKPHOTO.COM
origem da noite, Poriokopô, a panela de barro, Wató, a Pedra do Fogo
e A origem do açaí são títulos de alguns dos episódios apresentados
pelo educador paraense Leandro Medina e pela pesquisadora de
culturas tradicionais Andrea Soares. O endereço para baixar a
programação completa, gratuitamente, é https://www.unicef.
org/brazil/deixa-que-eu-conto. Quem
quiser pode ainda optar pelo YouTube
ou Spotify. As rádios brasileiras
também estão contempladas nesse
projeto pela Unicef, com o objetivo
de levar conhecimento para regiões
sem acesso à internet.
VISIBILIDADE
NEGRA NA Autor reúne críticas
publicadas por mais de 30
LITERATURA
anos na grande imprensa e
descortina a verdadeira face
de escritores e intelectuais
por Mara Magaña
T
om Farias é um dos grandes nomes
do jornalismo literário brasileiro.
Autor de Carolina – uma biografia,
em que disseca a vida da autora de
Quarto de Despejo, lançado por ocasião do
centenário da escritora, em 2014. Chega, agora,
com uma obra de fôlego: Escritos negros: críti-
ca e jornalismo brasileiro. A obra, portentosa,
cobre 30 anos de trabalho nas redações dos
principais jornais e revistas do País como úni-
ca voz a divulgar a literatura afro-brasileira.
Um negro escrevendo sobre negros em um
país onde o racismo estrutural é um proble-
ma endêmico. A audácia não é nova. Seu pri-
meiro artigo foi escrito aos 14 anos, intitulado
Consciência. De lá para cá, não parou mais.
Especialista em Literatura do século XIX, tem
paixão por Augusto dos Anjos e, incansável,
© ARQ U IV O PESSOAL
ceu durante o movimento estudantil de que contos, uma mistura de novelas e de contos,
eu participava, lá nos meus 14 anos. Bom, é pre- ainda não decidi. Mas, na verdade, estou traba-
ciso explicar que não valia quase nada, prin- lhando na biografia do JOÃO CÂNDIDO6. Esse é o
cipalmente naquela época, foi em 1976, e esse trabalho que eu tenho focado mais, o homem
movimento estudantil tinha clube de leitura, que parou o Brasil.
um jornal, o Boca Livre, da Escola Técnica, e eu
sempre fazia mais poesia do que texto em pro- Tom, você revelou, para boa parte dos
sa. Mas certo dia, em uma espécie de workshop leitores, uma grande gama de autores
em algum lugar, tinha feito um texto chama- que, na verdade, poucos sabiam que eram
do Consciência. Eu era muito jovem, mas fala- negros… Alguém o surpreendeu dizendo:
va com Darcy Ribeiro, Ramos Filho, com essa “puxa, fulano era negro, como assim?”.
turma toda dos intelectuais da época. E tinha TF: Teve muito isso, outro dia eu estava falando
um cara ao lado que disse: “Ah, eu gostei desse sobre o PADRE ANTÔNIO VIEIRA7, que era negão, a
artigo”. E perguntou: “Você é escritor?”. “Não, mãe era angolana, ele nasceu em Portugal, mas
eu sou estudante”. E ele disse: “Olha, eu quero veio para o Brasil com seis anos, e se surpreende-
publicar esse artigo, eu tenho um jornal…”. E aí ram. Há tantos outros, é uma gama muito grande
levou o artigo para publicar, virou o editorial de autores. Dou até um curso, 300 anos de litera-
do jornal. Eu não o tenho mais, perdi, e não tura afro-brasileira, porque ninguém sabe.
lembro nem mais o nome do jornal. Descobri
isso, porque comecei a escrever diários, eu ti- De FIRMINA8 até agora?
nha 11 cadernos de diários e encontrei 3. E lá TF: Do século XVII, de HENRIQUE DIAS9 a CONCEIÇÃO
no período, acho que de janeiro de 1981, consta- EVARISTO10.
va que eu tinha feito esse artigo. Deu-se dessa
forma. Mas eu sempre gostei da prosa, cheguei Estamos vivendo nas artes, em especial
a escrever um pequeno romance aos 17 anos, na literatura, certo momento de prota-
também não foi publicado, mas escrevia peça gonismo do negro, principalmente de
de teatro, tinha inclinação para isso, e então mulheres que vêm aparecendo, vêm
comecei a me entusiasmar. E do jornal mime- discutindo, surgem a cada dia mais e mais
ografado da escola, o Boca Livre, a esse jornal coletivos. Como você vê esse momento?
que tinha umas 16 páginas, era bem-feito, sur- TF: Isso é um negócio dos anos 70 do século 20
giu a vontade de escrever para grandes jornais, para cá, quando surge a presença das mulheres
de ser jornalista. Fui fazer Comunicação. na literatura brasileira. Se você vir no passado,
encontra, no século XVIII, ROSA MARIA EGIPCÍACA11,
E você continuou, naquela que era africana e chegou ao Brasil muito nova,
faixa de idade, a escrever artigos? foi vendida para Minas Gerais e lá virou prosti-
TF: Fui jornalista de várias editorias e já deixei tuta, até ter uma visão religiosa e, dentro dessa
o jornalismo profissional. Mas há dez anos eu visão, ela alfabetizou-se, escreveu um livro, uma
escrevo para O Globo e agora estou escreven- espécie de romance sobre essas aparições, sobre
do para a Folha, faço umas crônicas… Escrevo a vida dela, um livro de 250 páginas que se per-
também para a QUATRO CINCO UM4. deu depois que o Santo Ofício prendeu e matou
Rosa em Portugal. E, no século XIX, você tem
E pesquisas? Tem algo em Maria Firmina dos Reis…
específico que esteja fazendo?
TF: Eu faço várias coisas ao mesmo tempo. Considerada a primeira
Lancei agora dois livros, A Bolha, pela Patuá, romancista brasileira…
e os Escritos Negros, e vai sair também uma TF: E é mesmo, e não só romancista, mas empre-
segunda edição do CAROLINA5, que já passou da sária, empreendedora… E, entre o final do século
décima reimpressão, está na décima segunda, XIX e o início do século XX, encontram-se AUTA
acho. Pode ser que este ano eu publique mais DE SOUZA12, LEODEGÁRIA DE JESUS13, que foi uma es-
dois livros. Será um livro de poemas e um de critora meio apagada, uma poeta, que publicou
Nacional, pagar os impostos, fazer o balanço da ceiro vindo daí pode ajudar na sobre-
empresa, levar os livros ao correio. Mas acho vivência da própria escrita e pessoal.
que elas conseguiram conquistar um nicho. Você tem essa visão também?
Porque as obras são muito bem-feitas, então, TF: Acho que não. Porque é praticamente
pelo tratamento da obra, pelo respeito e trata- impossível. Você pega o Jabuti, o Oceanos, o
mento com o autor, essa humanização com o Leya, o das Américas, o Prêmio de Literatura
autor é que tem dado resultado. Em uma gran- do Estado de São Paulo, do Rio de Janeiro…
de editora, você manda os originais, não recebe Eu tenho grandes amigos, sérios, que partici-
nem um comunicado a respeito e seis meses, pam do júri desses prêmios. E depois não é
um ano depois é que alguém fala, “ah, olha, possível você criar um livro para o prêmio.
gostei do seu livro”, você nem lembra mais di- Você pode escrever um livro para concorrer
reito. Ao passo que, na pequena editora, eles a um prêmio. O meu Carolina foi finalista do
ligam prontamente, acusam o recebimento, Jabuti, em 2019, disputou com mais de dois
conversam sobre o livro… O que ameaça agora mil livros. Eu não sabia quem eram os jura-
é que as grandes editoras já perceberam isso. dos… Só vim a saber bem depois, no final, e
A Companhia das Letras, por exemplo, vai pu- quando já tinham mudado, porque quan-
blicar Carolina… Mas será que a Companhia do vão decidir entre os cinco finalistas, são
das Letras vai levar Carolina para o público da outros júris. Por exemplo, o ITAMAR VIEIRA
Carolina ou vai levar para o público elitizado JUNIOR22, que eu conheço, estava na dúvida se
da editora? Então, essa preocupação perpassa, ia mandar ou não o livro, e ganhou o Jabuti,
mas em termos financeiros é uma cooptação. outros… Um dia ligaram e falaram: “Você
Você ganha em distribuição, em divulgação, ganhou o prêmio Leya, 250 mil euros”. Caiu
mas pode perder o feedback com seu público, desmaiado. Não dá para escrever Carolina
seu leitor. Eu faço isso, gosto de responder, te- achando que vai agradar todo mundo. Eu
nho uma equipe que me ajuda, mas também recebi muitas mensagens carinhosas, gente
vou lá, respondo, faço um agrado, dialogo, que se emocionou com o livro.
atendo todos os telefonemas. E, num âmbito
maior, não sei se isso acontece. Mas o papel No cenário atual, você vê algum
das editoras pequenas é, sobretudo, dar voz a autor ou autora negra despontando,
quem não tem voz. Nesse aspecto, está dando que tem a possibilidade de ser um
voz a muitas autoras novas, não só no campo grande nome?
da poesia, e muitos autores novos também. É TF: ELIANA ALVEZ CRUZ23. Vai dar muito trabalho.
como se fosse um start. Se você for muito bom
mesmo, se a sua obra tiver uma importância Ela já estreou com tudo.
linguística, literária, pode ser disputada por Água de Barrela é fantástico.
outras editoras, vai para os prêmios. Algo tam- TF: Vai lançar agora a segunda parte. Acho
bém que as editoras pequenas têm dificuldade. que, de todas, da área de ficção, ela é quem
Para inscrever um livro no Jabuti, por exemplo, vai despontar como grande nome. Conceição
custa mais de R$400,00. A editora pequena não não estará mais sozinha. E acho também que
consegue colocar todas as obras que deseja. isso vem de uma maior aceitação do mercado,
os autores estão tendo mais visibilidade, está
Sobre os prêmios, há uma discussão, por havendo uma quebra de paradigmas. Precisa
parte de alguns escritores, que afirmam transbordar, furar esse “cano”, porque tem
haver muitas pessoas pensando só nos muita boa produção por aí, desde a época do
prêmios, trabalhando em função deles, arcadismo, naturalismo, simbolismo, as duas
escrevendo para eles. Até porque um fases do romantismo, realismo, até chegar ao
artista da palavra, no Brasil, passa por modernismo, onde estacionamos agora. Vem
penúrias incontáveis, e um aporte finan- aí uma nova escola de literatura.
DE NEGRITUDE
brasileira da segunda geração
- escrita por Tom Farias, foi 21 ROGER BASTIDE - sociólogo
romântica, autora de Horto.
lançada em 2018, depois de francês que em 1938 veio, com
Escrevia poemas românticos
Grande parte da literatura negra produ- uma minuciosa e competente
com alguma influência outros professores europeus,
pesquisa em acervos à recém-criada Universidade
zida no Brasil está presente nas páginas simbolista e de alto valor
distribuídos por jornais, de São Paulo para ocupar
de Escritos Negros: crítica e jornalismo estético. Segundo Luís da
revistas, material biográfico a cátedra de sociologia.
Câmara Cascudo, é “a maior
brasileiro. Do primeiro achado em seus e autobiográfico. Resgata a
poetisa mística do Brasil”. No Brasil, estudou durante
velhos alfarrábios, um artigo sobre trajetória da vida da escritora muitos anos as religiões afro-
Carolina Maria de Jesus, 13 LEODEGÁRIA DE JESUS brasileiras, tornando-se um
Labirinto, livro escrito pela poeta Ana descoberta na favela do - poeta goiana do início do iniciado no candomblé da
Maria Pitangueira, a Cruz e Souza, o le- Canindé, em São Paulo, pelo século XX. Publicou dois Bahia.
que de opções é bastante diversificado. jornalista Audálio Dantas, em livros, Corôa de lyrios (1906) e
1958, autora de Quarto de Orchideas (1928). 22 ITAMAR VIEIRA JUNIOR
Tom Farias, porém, não se debruça Despejo, entre outros, desde - escritor brasileiro que se
apenas sobre autores negros, discute seu nascimento até sua morte. 14 RUTH GUIMARÃES BOTELHO formou em Geografia na
- poeta, cronista, romancista, Universidade Federal da
também as questões sociais por trás 6 JOÃO CÂNDIDO FELISBERTO contista e tradutora brasileira. Bahia, onde também concluiu
desse esquecimento institucionalizado - também conhecido como Foi a primeira escritora mestrado. É doutor em
na imprensa e nos meios literários em “Almirante Negro”, foi um brasileira negra que conseguiu Estudos Étnicos e Africanos
militar brasileiro da Marinha projetar-se nacionalmente pela Universidade Federal da
geral. Biógrafo talentoso de grandes de Guerra do Brasil, líder da desde o lançamento do seu Bahia com pesquisas sobre
personalidades culturais, como José do Revolta da Chibata. primeiro livro, o romance Água a formação de comunidades
Patrocínio, Carolina Maria de Jesus, o Funda, em 1946. quilombolas no interior do
7 ANTÔNIO VIEIRA OU ANTÓNIO Nordeste brasileiro. Autor de
próprio Cruz e Souza, oferece ao leitor VIEIRA - mais conhecido como 15 ANTONIETA DE BARROS - Torto Arado, vencedor dos
um painel imprescindível para se enten- Padre António Vieira ou Padre jornalista, professora e política prêmios Jabuti e Leya.
Antônio Vieira, foi um religioso, brasileira. Foi a primeira
der a formação da cultura brasileira, em filósofo, escritor e orador negra brasileira a assumir um 23 ELIANA ALVES CRUZ -
sua total negritude. português da Companhia de mandato popular, tendo sido jornalista e escritora brasileira.
MITOS E PRECONCEITOS NA
ORALIDADE
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Q
TÔNOMO4, considera o letramento como um bem
© BRIANSTREET / COMMONS.WIKIMEDIA.ORG
cultural acessível a todos e capaz de transformar
uando falamos em oralidade e a sociedade por meio da aquisição da escrita.
escrita, há na cultura ocidental O segundo, chamado por ele de IDEOLÓGICO5,
a ideia recorrente de associar a leva em conta as relações de poder e dominação
transmissão oral do conhecimen- que mantêm as estruturas sociais nas mais di-
to às culturas iletradas e às sociedades primi- versas culturas humanas.
tivas. Uma visão no mínimo equivocada. Sob essa perspectiva, o primeiro modelo 3
As DICOTOMIAS1 estabelecidas entre o oral e o considera o analfabetismo como algo nocivo à BRIAN
VINCENT
escrito, na maioria das vezes, não dão conta de sociedade, um mal que precisa ser combatido. STREET
explicar as relações que sociedades e culturas Enquanto o segundo leva em conta os aspec- Professor e
diversas estabelecem com formas e modos de tos históricos e socioculturais envolvidos nesse antropólogo do
pensamentos que se afastam daquilo conside- processo. King’s College de
Londres, que se
rado como norma ou modelo. Na encruzilhada dessas duas visões de mun-
notabilizou por
Dividir as sociedades entre primitivas e do e cultura, vários mitos e fabulações são cria- suas pesquisas
avançadas não é um critério que dê conta de dos e perpetuados. A ideia de que a linguagem no campo do
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toda a diversidade linguística das mais varia- escrita se organiza de maneira mais conectada e letramento e das
práticas sociais
das culturas humanas. Da mesma forma, agru- harmoniosa ganha força e a linguagem oral per- da alfabetização
pá-las sob o rótulo de culturas orais e culturas de crédito, autoridade e prestígio. e escrita.
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tem reproduzido mitos que precisam ser des- escrita foi considerada como a mais legítima
construídos para que possamos DESCOLONIZAR6 das formas de linguagem.
o pensamento, produzindo novos paradigmas No entanto, se consideramos a língua como
para o estudo de ambas as formas de expressão. um produto inacabado e em processo, como
Nesse sentido, a escola pode colaborar em fazem os estudos linguísticos desde a déca-
muito adotando práticas didático-pedagógicas da de 60 do século passado, seremos levados
que tragam para o ambiente de sala de aula a a rever conceitos e adotar uma nova postu-
produção constante de textos orais e escritos ra sobre o papel da oralidade e da escrita na 7 LUIZ ANTÔNIO
que valorizem a realidade sociocultural dos produção cultural e linguística da sociedade MARCUSCHI
estudantes. contemporânea. Linguista e
Em momentos distintos da história hu- professor
DESCOLONIZANDO A FALA mana, oralidade e escrita revezaram-se como
universitário
brasileiro conhecido
Para que se desfaçam os equívocos que registro linguístico mais importante para a especialmente por
a falsa dicotomia entre fala e escrita produz sociedade. Houve épocas em que o falar bem seus trabalhos
todas as vezes que se fala na oralidade como era mais importante do que a boa escrita, a sobre linguística
textual, gêneros
repertório de conhecimento e saber, é preciso qual deveria se prestar apenas ao registro dos textuais e análise
ter claro que oralidade e escrita são práticas de fatos históricos. da conversação.
RELAÇÃO EFETIVA
NA SALA DE AULA
Estabelecer uma relação efetiva entre oralidade e
escrita, no espaço de sala de aula, exige a adoção de
práticas pedagógicas que levem o aluno a desenvolver
suas habilidades linguísticas aprimorando seu
conhecimento dos gêneros textuais do cotidiano.
“A língua como produto
É através da fala e da escrita que se cristalizam as cultural de uma
visões de mundo de uma determinada sociedade e por
meio delas é possível capacitar o aluno para interagir sociedade está sujeita
com os mais variados gêneros nas mais diversas
situações de comunicação de uso real da língua.
a condições específicas
Trazer para o dia a dia da sala de aula textos orais de produção, que são
como provérbios, enigmas e adivinhas é um exercício
verbal e intelectual que ajudará o aluno a construir determinadas pelos
pontes entre a cultura letrada e a cultura popular sem
rotular, desvalorizar ou estigmatizar nenhuma delas.
seus usos nos espaços
Mais do que isso, pode ser uma oportunidade rara sociais que orientam e
para mostrar as relações entre oralidade e escrita não
apenas nos textos de nossa tradição literária, mas condicionam tais usos”
também nos meios de comunicação de massa onde
essa relação é bem mais estreita do que imaginamos.
LÍNGUA DE 13 são indispensáveis para a formação de sujei- apropriar-se da oralidade e da escrita com
CULTURA tos críticos e autônomos, capazes de se posi- o mesmo grau de proficiência é um desafio
Língua de um povo cionar de maneira independente diante dos que deve mobilizar não apenas professores e
que desenvolveu
uma civilização e mais variados assuntos. estudiosos, mas toda a comunidade de falantes
criou manifestações Como bens sociais indispensáveis, oralida- de qualquer LÍNGUA DE CULTURA13.
culturais diversas de e escrita são formas de conhecimento lin- O trabalho de estudiosos como Marcuschi
nessa língua.
guístico capazes de integrar o indivíduo não e MAGDA SOARES14, que concebem oralidade e
apenas ao processo educativo, mas também à letramento como atividades interativas e com-
MAGDA SOARES 14 sociedade como um todo. plementares de nossas práticas socioculturais,
Pesquisadora Os fenômenos da oralidade como a mími- pode contribuir significativamente para a revi-
do Centro de ca, o gestual, a sonoridade e os movimentos do são de modelos e conceitos há muito defasados.
Alfabetização, corpo podem acrescentar muito a recursos da
Leitura e Escrita –
Ceale – da Faculdade escrita como os sinais de pontuação, os espa- PRÁTICAS DISCURSIVAS
de Educação da ços em branco, as cores e os tipos de fonte uti- A pretensa superioridade da escrita sobre
UFMG. Graduada lizados para compor um texto. a fala levou, durante muito tempo, à ideia de
em Letras, doutora
Dentro de suas especificidades, uma e ou- que a relação entre elas é de oposição e dico-
e livre-docente em
Educação. tra podem nos ajudar a produzir efeitos de tomia. Nada mais equivocado quando damos
sentidos diversos que possibilitem um uso voz a estudiosos como Marcuschi, que textual-
mais efetivo e dinâmico da língua nas mais mente afirma que “a oralidade não é superior à
variadas situações em que isso nos for exigido. escrita”, mas que ambas se inter-relacionam e
E como não existe sociedade sem língua se complementam.
nem cultura, não se pode excluir da língua Nesse sentido, cabe ressaltar que a orali-
nenhum de seus usos possíveis. Nesse sentido, dade jamais desaparecerá de nossas práticas
se inserem, dando a cada uma delas o espaço Isso não quer dizer que se deva abrir mão MARCUSCHI, Luiz Antônio. Da
fala para a escrita: atividades
que lhe cabe na construção da PROFICIÊNCIA LIN- definitiva e irreversivelmente da escrita, mas de retextualização. São Paulo:
Cortez, 2010.
GUÍSTICA16 do aluno. que tanto ela quanto a oralidade precisam ter
SOARES, Magda. Letramento:
Como prática sociocomunicativa inerente igual destaque enquanto modalidades distin- um tema em três gêneros. 2. ed.
Belo Horizonte: Autêntica, 2006.
a todos os falantes da língua, oralidade e escri- tas da língua.
STREET, Brian Vincent. Social
ta precisam ser vistas com fator de enriqueci- Como expressão linguística e atividade co- literacies: critical approaches
Relação efetiva na sala de aula) características e especificidades próprias, elas professor da Rede Municipal
de Ensino, formado em
Para tanto é preciso desfazer alguns pre- constituem um repertório de conhecimento Letras, com especialização
em Educomunicação pela
conceitos que ainda permanecem com relação linguístico que contribui de forma decisiva Universidade de São Paulo e
ao registo oral da língua, destacando a opor- para a nossa formação e desenvolvimento so- em Jornalismo Internacional
pela Pontifícia Universidade
tuna fala de Marcuschi, quando diz que a ora- ciocultural. Católica de São Paulo.
A triste trajetória
de Lima Barreto
O autor, uma das primeiras e principais vozes
da escrita negra, ainda não tem o destaque
que merece no Olimpo da Literatura Brasileira
D
e tempos em tempos, alguém lembra África, de nação Moçambique (…) viera ainda rapa- 1 LILIA KATRI
de celebrar Afonso Henriques de Lima riguinha para aqui, onde tivera para seu primeiro MORITZ
Barreto, como aconteceu com a Festa senhor os Carvalho de São Gonçalo; conhecera D. SCHWARCZ
Literária Internacional de Paraty, a Flip, João VI, e, sobre ele, desconexamente, contava uma Historiadora
em sua edição de 2017, com direito a lançamento ou outra coisa avaramente guardada naquela estra- e antropóloga
brasileira. É
da biografia do autor por LILIA SCHWARCZ1, Lima gada memória”.
doutora em
Barreto: Triste Visionário. O autor de obras como O pouco dinheiro da família não o impediu de antropologia social
Recordações do Escrivão Isaías Caminha, Triste Fim seguir os estudos, auxiliado por seu padrinho. pela Universidade
de Policarpo Quaresma, Numa e Ninfa, Vida e Morte Conseguiu entrar para a Escola Politécnica na ado- de São Paulo.
de M. J. Gonzaga de Sá, Os Bruzundangas, Clara dos lescência, onde conviveu com a elite branca, sendo
Anjos, Diário Íntimo e Cemitério dos Vivos, só para o único negro de toda a escola. Ali sentiu fortemente
citar as mais conhecidas, afilhado do Visconde de a rejeição que uma situação como aquela suscitava.
Ouro Preto, filho de um tipógrafo, João Henriques Os dias de racismo explícito serviram para compor,
de Lima Barreto, e da professora Amália Augusta em Memórias do Escrivão Isaías Caminha, de 1909,
Barreto, morta quando o escritor tinha seis anos, foi seu romance de estreia, o personagem Isaías, filho
também um jornalista polêmico, marcando presença bastardo de um padre com uma escrava, que passa
em inúmeros jornais e revistas, no pré-modernismo por uma infância em que recebe educação regular,
do século XX. para, no futuro, descobrir que sua cor seria uma
Lima Barreto, neto de uma escrava liberta, barreira para que galgasse posições. Exatamente
Geraldina Leocádia da Conceição, foi uma das pri- como aconteceu em sua vida.
meiras vozes negras da literatura brasileira, em uma Uma internação do pai, devido a uma doença
época na qual o branqueamento era régua e com- mental, fez com que o jovem abandonasse o sonho
passo na sociedade letrada – e fora dela também. de se tornar engenheiro. Assim, o escritor abandona 2 FRANCISCO
DE ASSIS
A bisavó, mãe da avó, Maria da Conceição, nasceu o curso da Escola Politécnica do Rio de Janeiro, para BARBOSA
na África, tendo sido traficada para o Brasil em um trabalhar e assumir o sustento da sua família. Mas
Biógrafo, ensaísta,
navio negreiro. A figura dessa bisavó passeou pela persistia a vontade de se tornar um escritor, mes- historiador
mente e imaginário do escritor durante toda sua mo ante as barreiras que se apresentavam. Mais e jornalista
trajetória, como destacou seu primeiro biógrafo, uma vez, Barbosa revela em seu livro: “É triste não brasileiro, imortal
FRANCISCO DE ASSIS BARBOSA2, ao resgatar uma ser branco”, escreveu Lima Barreto em seu Diário da Academia
Brasileira de Letras.
das crônicas do autor, publicada em 1918: “Era da íntimo, resumindo numa confidência amarga todas
dissonância com
causa abolicionista.
autor faz uma crítica no livro à desigualdade social
que gozavam os
Pseudônimo de
uma enorme parte do povo estava imerso. João Paulo Emílio
boêmios à época,
Cristóvão dos Santos
Coelho Barreto, foi
INTERNADO COMO BRANCO
todos brancos” A primeira internação no Hospício Nacional, com
jornalista, cronista,
tradutor e teatrólogo
diagnóstico de alcoolismo, trazia uma contradição brasileiro. Era
membro da Academia
entre a ficha e a foto: branco no papel em total
Brasileira de Letras.
desacordo com a foto sépia utilizada para a iden-
as limitações que sofria. Mais que um complexo, a tificação. Não foi só com ele: diversos intelectuais
cor era uma barreira para a sua vocação de escritor. 5 EDMUNDO
brasileiros, como aconteceu com a também escrito-
Tinha que transpô-la, mesmo que não conseguisse
BITTENCOURT
ra MARIA FIRMINA DOS REIS3, a primeira romancista
vencer o complexo. Jornalista e
brasileira, eram retratados como brancos. advogado brasileiro,
Devido ao alcoolismo, seus textos e livros foram um dos nomes mais
CRÍTICO FEROZ malvistos e mal avaliados por diversos críticos – em importantes no
Trabalhando como funcionário público na dissonância com a aura de glamour que gozavam cenário jornalístico
Secretaria do Ministério da Guerra e, ao mesmo da Primeira
os boêmios à época, todos brancos. O tom auto-
tempo, colaborando com jornais e revistas, Lima República Brasileira.
biográfico de seus livros e o fato de escancarar a
mostrou vocação ímpar para a crítica social e polí- real personalidade de alguns de seus personagens
tica. Denunciava o racismo, atacava a República, a também não eram bem aceitos. Em Memórias do
imprensa e todo e qualquer estrangeirismo. Clara Escrivão Isaías Caminhas, por exemplo, ele retrata REFERÊNCIAS
dos Anjos começa a nascer em 1904, mas só é publi- de maneira ácida diferentes jornalistas facilmente BIBLIOGRÁFICAS
cado em 1948. E Lima Barreto já deixa claro ao que reconhecíveis, como o célebre cronista JOÃO DO
BARBOSA, Francisco de Assis.
A vida de Lima Barreto. São
veio: o romance trata principalmente do racismo e RIO4 e EDMUNDO BITTENCOURT5, dono do Correio Paulo: José Olympio, 1952.
do lugar da mulher na sociedade preconceituosa da Manhã, um dos jornais mais influentes da época.
BARRETO, Lima. Triste fim de
Policarpo Quaresma: edição
carioca do início do século XX. Em sua segunda internação, no mesmo hospício, crítica. Organização de Antônio
Em 1909 publica Recordações do Escrivão Isaías em 1919, descreviam-no como alguém andrajoso,
Houaiss e Carmem Lúcia
Negreiros de Figueiredo. São
Caminha, história que traz como pano de fundo a com os sapatos trocados, transpirando muito, com Paulo: Scipione, 1997.
pobreza dos moradores da região suburbana do Rio inchaços no rosto e olhos “sampaku” – quando há
BARRETO, Lima. Clara dos Anjos.
São Paulo: Lafonte, 2019.
de Janeiro e as relações entre seus personagens. um branco abaixo da íris, característica comum ao BARRETO, Lima. Recordações do
Com pena afiada, Barreto retrata também os intelec- alcoolismo. Morreu em 1922, aos 41 anos, mas sua
Escrivão Isaías Caminha. São
Paulo: Ediouro, 1985.
tuais de seu tempo, fazendo uma crítica frontal por obra só voltou à cena depois de 1950, quando foi SCHWARCZ, Lilia Moritz. Lima
serem vaidosos, mesquinhos, corruptos, hipócritas redescoberto pelo biógrafo Assis Barbosa. Um negro
Barreto: triste visionário. São
Paulo: Companhia das Letras,
e só pensarem no próprio bem-estar. que incomodava uma nação inteira. 2017.
A TIA DO ROLÉ
A tão comentada e pouco compreendida
Gramática Contextualizada veio para ficar,
segundo a ordem do dia. Aos nostálgicos
da prima-irmã Normativa restam os
versos do grupo Rumo: “Ela é meio velha
mas é tão bonita”. Até pode estar com a
turma, mas tem que se atualizar
por Luna Maya
N
para o ensino infantil,
ensino fundamental e
É
ão é nenhuma novidade. Desde o ensino médio no Brasil.
final da década de 1970 que a gra-
mática vetusta, a Normativa, vem 2 PARÂMETROS
convivendo com essa prima-irmã, CURRICULARES
a Gramática Contextualizada. Convivência
NACIONAIS
Mais conhecidos como
um tanto quanto forçada, a bem da verdade.
PCN, são uma coleção
No entanto, agora, depois que a BASE NACIONAL de documentos que
COMUM CURRICULAR (BNCC)1 aprovou a mudança, compõem a grade
acredita-se que a decoreba de classes gramati- curricular de uma
instituição educativa.
cais, verbos, análises sintáticas e afins está com
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V E
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TO O material é elaborado
os dias contados.
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pelo Governo Federal
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ER A BNCC deve ser o norte de todas as escolas e serve para orientar a
ST educação no Brasil.
O
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da educação básica brasileira. Mas nada tão re-
O
3 MIKHAIL
do que se encontra no documento já constava MIKHAILOVICH
nos PARÂMETROS CURRICULARES NACIONAIS (PCN)2, BAKHTIN
adotados a partir de 1998. Filósofo e pensador
Aliás, teorias bebidas na fonte de MIKHAIL russo, teórico da
cultura europeia e
BAKHTIN3, pesquisador, pensador e filósofo dedi-
das artes.
cado ao estudo da linguagem humana que, há
mais de 50 anos, já dizia que deveríamos partir 4 IRANDÉ ANTUNES
do contexto em que o enunciado foi gerado, em Maria Irandé Costa
um segundo momento entender que impacto Morais Antunes, ou
simplesmente Irandé
ele tem na forma de composição do enunciado
Antunes, é doutora
e, em terceiro lugar, pensar no estilo de enun- em Linguística pela
ciado, que são as escolhas gramaticais. Universidade de Lisboa.
IRANDÉ ANTUNES4 observa, também, em Atua em diversos estados
do Nordeste brasileiro
Gramática contextualizada, que falar em gra- com pesquisas voltadas
mática contextualizada é um tanto redundan- aos temas língua, texto
te, porque a linguagem nunca ocorre de manei- e discurso, gêneros
textuais, produção
ra isolada, fora de um contexto – linguagem é escrita, leitura e
interação e só ocorre se houver um objetivo de formação de professores.
comunicação.
23
SILV A / COMMONS.WIKIMEDIA.ORG
praticamente a mesma importância
dos eixos temáticos quanto à orga- Favero Souza pondera: “É preciso esclarecer
nização dos objetivos e habilidades. que o internetês é uma forma de comunicação,
Os campos contemplados são o da mas que existem diferentes situações comuni-
vida cotidiana, da vida pública, das cativas, com diferentes intencionalidades, que
práticas de estudo e pesquisa e o
exigem diferentes tratos gramaticais. Claro
© MU MU
artístico-literário. Este último per-
que é preciso uma sistematização, mas ela não
mite, ao professor, trabalhar com
é o ponto de partida. Ela é o ponto de chegada”.
diversos gêneros textuais, tanto na
leitura quanto na produção de texto,
indo dos poemas ao romance, pas- CAMINHOS E DESCAMINHOS 10
sando por crônicas e contos. Um dos grandes entraves para qualquer RACIONAIS MC’S
E como fazer isso dar certo? Não mudança reside justamente no âmbito daque- Grupo brasileiro de
rap, fundado em 1988.
há fórmulas. Favero Souza sugere a les que estão na linha de frente, no caso, os pro-
É formado por Mano
experimentação: “O professor terá fessores em sala de aula. Afinal, boa parte deles Brown, Ice Blue, Edi
de explorar e experimentar, não há ainda está acostumada a ensinar construções Rock e KL Jay. É o
outra forma. Letras de músicas, em sintáticas que dificilmente são utilizadas pelo maior grupo de rap do
especial o rap e o samba, são muito Brasil e está entre os
aluno ou até por pessoas consideradas cultas. mais influentes do País
atraentes. Demonstrar também
“Mas de que serve saber o que é uma oração su- e da música brasileira.
outras variantes, levar o que
bordinada substantiva completiva nominal se o
supostamente o aluno não conhece
aluno, ou qualquer pessoa, não consegue inserir
para que possa passar pelo processo 11 CIGANA OBLÍQUA E
esse conhecimento em seu dia a dia, portanto
da experimentação. Sempre dá DISSIMULADA
certo? Não. Depende muito de dentro de um contexto notadamente marcado
Como é apresentada
como esse prato é ofertado. O mais pela semântica? E nem mesmo consegue inter- Maria Capitolina
importante é o professor estar pretar um texto adequadamente?”, questiona Santiago (Capitu, como
sempre, como eles dizem, antenado, LUIZA MOURA BRANDÃO9, doutora em Linguística. é conhecida), uma
personagem do livro Dom
não perder a oportunidade de ir Para interpretar um texto adequadamente, Casmurro de Machado
além. Está com um texto que fala é preciso muita leitura, lembra Moura Brandão, de Assis (1839-1908),
sobre a periferia? Por que não que enfatiza a importância de trabalhar com publicado em 1899.
mostrar RACIONAIS10, que é leitura Capitu é a personagem
diversos gêneros, além da tecnologia, para mais discutida, a mais
obrigatória na UNICAMP, por exem- que se desenvolvam as competências e habi- famosa de Machado. O
plo? Do mesmo jeito quando o estu- lidades necessárias. A BNCC contempla isso, escritor deixa o leitor
do gramatical recair sobre adjetivos, numa eterna dúvida
conectando-se à realidade atual, histórica e
por que não degustar Machado de sobre o adultério da
socialmente. A linguista ainda destaca um dos esposa de Bentinho.
Assis e os olhos de CIGANA OBLÍQUA
graves problemas que é a formação muitas ve-
E DISSIMULADA11? Enfim, o professor
zes inadequada do professor, especialmente na
deve saber o que acontece, estar por 12 ROLÉ
área de Linguagens, o que pode ser um entrave
dentro do que circula em várias fon- As duas formas – rolê
tes. Ele precisa saber articular tudo na aplicação da Gramática Contextualizada. “E e rolé – são usadas, em
isso com propósito e entender que a o professor terá a missão de compartilhar co- linguagem coloquial,
nhecimento”, diz. para indicar um
gramática, hoje, é a tia do ROLÉ12”. pequeno passeio. Dar
A ela faz coro Favero Souza: “Bons profes- um rolé ou dar um rolê
sores de Português, ou qualquer outra matéria, significa dar uma volta.
devem ser antes de tudo bons leitores. Se não de diferentes textos para enriquecer o estudo 13
leem, não praticam a linguagem, fica difícil de- gramatical era tão reduzida em tal livro. É uma SÍRIO POSSENTI
senvolverem uma prática de aula em que esta nova forma de ensinar e de se apropriar de Professor, pesquisador
forma contextualizada aconteça, até mesmo saberes. E, como tudo na Educação, demora. e escritor brasileiro,
considerado um dos
porque lhes falta mais conhecimento sobre o Mas se houver investimentos em bons cursos mais conhecidos e
assunto. Por isso a formação docente, em es- de formação docente e uma rede eficiente para respeitados linguistas
pecial do professor de Língua Portuguesa, tem troca de experiências sobre essa prática, assim brasileiros da atualidade.
que antes de tudo formá-lo como usuário. como uma revisão do curso de Letras e seu
Outro entrave, apontado por nove entre currículo, pode-se mudar esse quadro antes do 14 FLOPAR
dez mestres da área, é a questão do material di- que pensamos”. Fracassar, termo
dático. Menezes garante que, enquanto a Base Moura Brandão, entusiasta dos ensina- criado em 1988.
pede que as aulas sejam pautadas pela gramá- mentos de SÍRIO POSSENTI13, tem se debruçado
tica contextualizada, a maior parte dos livros sobre as novidades da BNCC em relação aos
didáticos ainda exige dos alunos que “apontem PCN e destaca que, enquanto nos Parâmetros
verbos, substantivos, adjetivos do texto”. cada eixo temático de Língua Portuguesa con-
Favero Souza já vê alguma luz no fim do tú- tava com um bloco de conteúdo denominado
nel: “Quanto ao material, vejo boas iniciativas Tratamento Didático, no qual se dava exemplos
no sentido de ampliar este contexto grama- de alguns procedimentos para que a teoria,
tical, embora os materiais apostilados ainda contida no documento, pudesse ser trabalha-
estejam imbuídos fortemente pela tradição”. da em classe, na Base isso não ocorre. Ou seja,
Para ela, o problema se mostra sempre na hora entende-se que as redes e escolas precisam ter
da prática, que se volta para a velha forma, em autonomia para utilizar as metodologias que
que o aluno deve demonstrar que sabe normas considerarem mais apropriadas ao seu públi-
e regras. “Nos últimos quatro anos, as editoras co, levando em conta a realidade local e regio- REFERÊNCIAS
BIBLIOGRÁFICAS
têm buscado ofertar materiais mais estrutu- nal, entre outros parâmetros importantes. De
ANTUNES, Irandé. Gramática
rados, que não encontram muito eco nos pro- qualquer forma, enfatiza a linguista, “não se Contextualizada: limpando “o pó
fessores, os quais ainda têm muita dificuldade pode fechar os olhos às constantes mudanças das ideias simples”. São Paulo:
Parábola Editorial, 2014.
nesse processo inverso, de partir do contexto da língua e ferir seu princípio básico, que é en- POSSENTI, Sírio. Por que (Não)
para a norma. Já presenciei professores na tender a linguagem a partir da inserção em um Ensinar Gramática na Escola.
Campinas, SP: Mercado de Letras.
escolha de livros didáticos, por exemplo, mais grupo social. Querer que um falante do sécu- Associação de Leitura no Brasil.
1996. Coleção Leituras no Brasil.
preocupados com a quantidade de exercícios lo XXI fale ou escreva como um Machado de
ofertados e a sistematização do que a constru- Assis, um Erico Verissimo ou uma Rachel de
SOBRE A AUTORA
ção linguística do aluno, assim como vi tam- Queiroz é, no mínimo, anacrônico. E ninguém
LUNA MAYA é jornalista e
bém alguns se perguntando por que a oferta vai querer ‘FLOPAR’14, não é? Fica a dica”. professora de Língua Portuguesa.
O
novo livro de rar a abri-lo. Trabalhando o FLUXO 1 FLUXO DE
Divanize Carbonieri DO PENSAMENTO1 – sem pon- PENSAMENTO
não perdoa, a co- tuação, sem pausa do começo ao Ou de consciência. É
uma técnica literária,
meçar pelo título, fim – nas quase 100 páginas que usada primeiramente
Nojo. Ninguém poderá sair ileso provocam combustão espontânea, pelo escritor francês
de sua leitura. A autora abriu traz à luz, de forma irretocável, Édouard Dujardin
em 1888, em que se
uma torneirinha e deixou jorrar a pressão estética desse mundo procura transcrever
um vômito de pensamentos engessado, principalmente sobre o complexo processo
que todos temos, mas fazemos as mulheres. A não aceitação de pensamento de
um personagem, com
questão de escondê-los em- do outro, mais profundamente o raciocínio lógico
baixo de nossos sujos tapetes, enraizado na não aceitação da entremeado com
que podem ser nossa própria outra, nessa obra, expõe as impressões pessoais
momentâneas e
pele, nossa própria gordura, veias abertas da mulher comum, exibindo os processos
nossas próprias estrias, nosso próprio medo de do dia a dia, daquela que está além das de associação de
nos olharmos como somos. Não é fácil digerir fotos retocadas em perfis sociais, nas lentes ideias. Entre os
escritores mais
“… o estado depois gasta muito dinheiro com o subjetivas da TV, na imaginação preconceituosa conhecidos que
tratamento de quem é obeso portanto o governo de uma sociedade idem. utilizam a técnica
devia forçar a pessoa a emagrecer ser gordo no O subtexto de Nojo é a ditadura e suas formas pode-se citar James
Joyce, Virginia Wolf,
fim é muito egoísmo problema de quem não de nos engendrar, aprisionar, subtrair nossos Clarice Lispector, Hilda
pensa no coletivo bem provável dar merda sei melhores anseios, não se engane. Para além do Hilst e Lygia Fagundes
disso pode embaçar mesmo pra eu arrumar um ranço ditatorial sobre o corpo, sobre as sujeiras Telles, entre tantos
escritores e escritoras.
trampo mas não quis nem saber enchi os braço de qualquer corpo, sobre as imperfeições gran-
de tatuagem pra não ter perigo de ficar com os des ou pequenas de todo corpo, paira a imposi- 2 ADÉLIA PRADO
braço igual da minha mãe…”. ção sobre o pensar da mulher enquanto objeto Adélia Luzia Prado de
Mas Carbonieri não está nem um pouco preo- desejado/indesejado, belo e nefasto a um só Freitas, mais conhecida
cupada com uma digestão tranquila. Aliás, o tempo, aqui esfregado na cara de quem teve a como Adélia Prado, é
uma poeta, professora,
que menos lhe interessa é a digestão. Nojo é um curiosidade de se adentrar nas vias por vezes filósofa, romancista e
soco na boca do estômago de quem se aventu- tortuosas e por vezes hilariantes do livro. contista brasileira. Sua
obra retrata o cotidiano
com perplexidade e
encanto, norteados
ESTRUTURA E O
É um romance
memorialístico
regionalista brasileiro
e a primeira obra
de José Lins do
Rego, publicado em
ACONTECIMENTO
1932. Custeado pelo
autor, o livro foi
aclamado pela crítica
brasileira por retratar
a decadência do
Nordeste canavieiro.
© ARQ U IV O DA ABL
por Orasir Guilherme Teche Cális
O
2 JOSÉ LINS
início de MENINO DE ENGENHO1, de JOSÉ necessária inexatidão, elementos que, atrelados DO REGO
LINS DO REGO2, constitui um ponto de à memória, parecem conferir-lhe, sem que isso CAVALCANTI
partida exemplar, se não de todos signifique um defeito, um aspecto nebuloso Escritor brasileiro que,
os seus aspectos, ao menos de um e impreciso, não obstante o calor emotivo de ao lado de Graciliano
Ramos, Erico
dos modos pelos quais memória e discurso se que se reveste a narração. A tal respeito, logo Verissimo, Guimarães
constituem. Com efeito, nesse romance, o narra- no início da trama, vale notar no plano formal Rosa, Rachel de
dor-personagem procura reconstituir, em meio a presença generosa de alguns artigos indefini- Queiroz e Jorge
Amado, figura como
à natural imprecisão da memória, os aconteci- dos (“Eu tinha uns quatro anos…”; “Um homem
um dos romancistas
mentos que culminaram no assassinato de sua chegou com uns soldados…”), cuja participação regionalistas mais
mãe pelo próprio pai. Nesse processo de reatu- na construção do texto contribuiu, no tocante prestigiosos da
alização do passado, ganha espaço o modo pelo ao processo de ativação das memórias, para a literatura nacional.
Segundo Otto Maria
qual as lembranças são, de forma incontornável, instauração de uma AMBIÊNCIA3 recoberta por Carpeaux, José Lins
embebidas numa atmosfera de subjetividade e uma camada de incertezas. era “o último contador
de histórias”.
dade. Paradigma dessa mudança brusca – que atualiza sua própria perda, explicado por atividades humanas.
parte de um regime de ativação das lembranças MORIN6 como um “acidente inesperado, uma
fundamentado na instabilidade desse processo, infelicidade, uma catástrofe concreta”. 4 GÊNEROS
para outro que procura delimitar e refrear seus Espaço de continuidades e descontinuidades, o DISCURSIVOS
limites – é a passagem em que o personagem, discurso é o terreno instável do ‘incontornável’ São definidos pelo
filósofo e pensador
após olhar para a foto no sentido mais radi- russo Mikhail
de sua mãe, estampada cal, e talvez mais cético Mikhailovich
cruamente na página desse adjetivo, já que, Bakhtin, em sua
de um dos jornais que “Espaço de para FOUCAULT7, como
obra Estética da
Criação Verbal, como
cobriram e congelaram
o fato, lamenta que os
continuidades e lembra VEYNE8, longe de
designar o que não pode
tipos relativamente
estáveis de
principais envolvidos, descontinuidades, deixar de ser visto ou
enunciados,
compostos por
seus pais, haviam como
que perdido o protago-
o discurso é o lido, incontornável deve
apontar, ao contrário,
conteúdo temático,
estilo e construção
nismo do lamentável terreno instável “para o que nos veda la- composicional.
ocorrido, em função mentavelmente a visão
do distanciamento que
do ‘incontornável’ para outra coisa e torna
marca os discursos por
demais apegados à vera-
no sentido mais impossível ir para outro
lugar: o incontornável é
cidade dos eventos, vai- radical e talvez o discurso, que nos força
dosos de exatidão, a que
a memória idiossincráti-
mais cético desse a viver em nosso tempo”.
Entretanto, embora
5 SÍRIO POSSENTI
Professor, escritor
ca dos acontecimentos adjetivo” o discurso represente e pesquisador
da Unicamp,
acaba, muitas vezes, pa- um status quo imposto considerado um dos
gando pesado tributo. por uma dada conjun- mais conhecidos
Tanto num caso como no outro, isto é, quer tura sócio-histórica, aspecto que contribui e respeitados
linguistas brasileiros
consideremos a materialização dos fatos nar- para fortalecer seu estatuto de força contínua da atualidade.
rados pelo personagem sob o prisma da me- e estabilizadora, o mesmo Veyne nos lembra
mória, quer a consideremos a partir da reatu- que “esse a priori”, longe de ser uma instância
alização desses mesmos fatos sob o formato imóvel que tiranizaria o pensamento humano, 6 EDGAR MORIN
Pseudônimo de
de um GÊNERO DISCURSIVO4 qualquer – por exem- é passível de mudança, e nós mesmos termina- Edgar Nahoum, é
plo, uma notícia de jornal –, podemos vislum- mos por mudá-lo”, o que, por sua vez, recoloca um antropólogo,
brar no discurso a noção de acontecimento, em cena os traços de descontinuidade relati- sociólogo e filósofo
francês judeu de
cujo estatuto singular confere às sequências vos ao discurso.
origem sefardita.
discursivas uma natureza calcada no que é Assim, a dinâmica entre o contínuo e o Pesquisador
irrepetível e, no plano temporal, irreversível. descontínuo nas relações estabelecidas entre emérito do CNRS
os sujeitos e a história permite lançar algu- (Centre National
de la Recherche
CONTINUIDADES E DESCONTINUIDADES mas considerações acerca do caráter melífluo Scientifique), é
Conforme nos lembra POSSENTI5, há no discur- não apenas da palavra “discurso”, apreensível formado em Direito,
so um caráter de imprevisibilidade que, ligado na própria fluidez de uma camada sonora que História e Geografia e
realizou estudos em
à ordem histórica, aos fatos acontecidos e ao nos remete ao fluxo contínuo e incessante de Filosofia, Sociologia e
modo como os sujeitos recortam a realida- um rio, mas principalmente quando considera- Epistemologia.
o conhecimento sob um
enfoque acumulativo e
dinâmico entre primeira das questões
levantadas, ou seja, a que
10 DOMINIQUE
MAINGUENEAU
idealista, vislumbram continuidade e nos remete à multiplici- Analista do discurso
um movimento dinâmi-
co entre continuidade e
descontinuidade” dade de sentidos da pa-
lavra “discurso”, o que se
e professor na
Université de Paris
IV, Sorbonne.
descontinuidade. Assim, verifica, mesmo quando
instabilizando nosso situada apenas no cam-
modo de observar como a língua funciona, a po da linguística, é que ela tem sido, de fato,
11 HELENA
NAGAMINE
AD, longe de representar, conforme destaca utilizada com vários significados, mormente BRANDÃO
este autor, o mero “acréscimo de uma pitada como sinônimo de fala ou de enunciação. Professora associada
histórica, cultural, ideológica, psicológica ou MAINGUENEAU10, por exemplo, ao abordar da Universidade
psicanalítica ao que diz a linguística”, rompe, essa multiplicidade de usos decorrente de de São Paulo, cujos
trabalhos têm como
de forma decisiva, com os paradigmas estabe- uma transformação no modo de conceber a enfoque os estudos
lecidos por esta última disciplina. linguagem, arrola nada menos que sete dife- do discurso, os
Outro ponto de heterogeneidade desse rentes significados para o termo. Uma tenta- gêneros do discurso
e as práticas de
campo teórico associa-se, desta feita, aos domí- tiva de delimitação que, por si só, já se revela leitura e de escrita.
nios inseguros da palavra “discurso”. Citando exemplar para a circunscrição do heterogê-
novamente Possenti, uma passagem que nos neo, marcado, num primeiro momento, na
lança ao cerne das considerações acerca das própria flexibilidade da noção de discurso,
movências inerentes a esse termo: “Se hou- infensa, como se nota, às amarras de uma
ra, o enunciado “Vamos invadir o McDonalds” memória e dos trajetos sociais nos quais ele Unicamp.
POSSENTI, S. “Teoria do discurso:
terá efeitos de sentido opostos conforme irrompe, [já que ele] marca a possibilidade um caso de múltiplas rupturas”.
produzidos por um ativista do Fórum Social de uma estruturação-reestruturação dessas In: MUSSALIM, F. e BENTES, A.C.
(Orgs.). Introdução à linguística:
Mundial, em cujo posicionamento contrário à redes e trajetos”, o que implica que o discurso domínios e fronteiras, vol. 2. São
globalização se poderia vislumbrar a tentativa se forja a partir de um trabalho realizado, Paulo: Editora Cortez.
de ocupação/depredação de um símbolo do necessariamente, sob o formato do que pode- ___________. Discurso, estilo e
subjetividade. São Paulo: Martins
capitalismo, ou por executivos integrantes ríamos chamar uma continuidade descontí- Fontes.
do Fórum Econômico Mundial que, em geral nua. Importante, neste ponto, é observar que VEYNE, P. Foucault: seu
pensamento, sua pessoa. Rio de
representantes de nações ricas e mantenedo- o discurso precisa articular-se a uma memória Janeiro: Civilização brasileira.
ras da ordem socioeconômica vigente, apenas (discursiva) que, matéria-prima das formações
pleiteiam um lugar na referida rede de fast- discursivas, será capaz de inscrever todo
SOBRE O AUTOR
-food para digerir comodamente seu almoço. enunciado na história. ORASIR GUILHERME TECHE CÁLIS é
professor da Rede Pública de Ensino
Básico e doutor em Letras pela
Universidade de São Paulo (USP).
M
TO.CO
KPHO
ISTOC
DIO /
K- STU
STOC
© PRO
A
linguagem humana tem características
únicas que a diferenciam da linguagem
de outros animais, como insetos, abe-
lhas e formigas. A capacidade de trans-
mitir informações de forma clara, objetiva e direta
talvez seja a mais marcante dessas características.
As novas formas de pensar e de se comunicar,
surgidas entre 70 mil e 30 mil anos atrás, consti-
tuem uma revolução cognitiva que transformou
significativamente a história de nossa espécie.
“Ao atribuir
aos signos
UMBERTO ECO 8 linguísticos
Escritor, semiólogo,
linguista e bibliófilo
um significado,
italiano. Foi titular
da cadeira de
o ser humano
Semiótica e diretor operou uma
da Escola Superior de
Ciências Humanas na revolução que
Universidade de Bolonha.
redefiniu o Homogeneizando linguagens, pensa-
mentos e visões de mundo, os meios de
ÉTHOS 9 conceito de massa dão novos significados aos signos em
Conjunto dos humanidade circulação e estabelecem um embate signi-
costumes e hábitos
fundamentais, e deu novo ficativo com outras agências de socializa-
ção importantes, como a família e a escola.
no âmbito do
comportamento
sentido ao A variável histórica que resulta dessas
e da cultura,
característicos de
uso social da influências vai além das discussões éticas e
morais e exige uma ressignificação de nos-
uma determinada
coletividade, época
linguagem” sas crenças, certezas e incertezas. (ver Box
ou região. Leitura crítica dos meios)
FABRICANDO
O FATO
“Aproximar a educação Como é sabido desde Umberto
da comunicação e das Eco, o consumo de informações
criou a CATEGORIA ANTROPOLÓGICA14
novas tecnologias a que chamamos civilização de
é um avanço que massa, um enorme contingente
de pessoas que se identificam
exige muito esforço como consumidores de uma am-
e dedicação para pla rede de produtos e serviços.
Entre as mercadorias oferecidas
que se possa pôr em a essas pessoas encontram-se as
circulação, nas mais mensagens destinadas ao consu-
mo diário na forma de notícias e
variadas linguagens, informações diversas.
conhecimentos Tendo como matéria-prima acon-
tecimentos colhidos das mais
capazes de dar novo variadas fontes, essas notícias
sentido às nossas nem sempre correspondem à
realidade. A produção do fato
representações jornalístico está condicionada a
culturais” uma série de fatores que podem
levar à criação de factoides e
fake news.
Nunca o conceito de pós-verdade
esteve tão presente na cultura
de massa como na atualidade. O
14 A diversidade cultural exposta nas redes é advento da internet e da ciber-
CATEGORIA
ANTROPOLÓGICA também uma coleção de perplexidades e incer- cultura facilitou a fabricação de
Categoria da tezas, cuja fusão produz uma expressividade fatos e tornou obsoleta a clássica
antropologia que que nos torna cada vez mais dependentes do afirmação de que “contra fatos
estuda o ser humano espaço virtual. não há argumentos”.
em seus aspectos
biológico, social e A nossa era eletrônica ainda não conseguiu A visão passiva e acrítica de
cultural. se desvencilhar dos condicionamentos ditados grande parte dos consumidores
pela indústria cultural desde a era mecânica e de notícias transforma a maioria
tipográfica. das informações em diversão e
A informação como fetiche ainda é o prin-
entretenimento, e o que era para
ser convertido em conhecimento
cipal produto da linguagem dos meios de
acaba virando mexerico e fofoca.
massa, que transforma a informação não em
As fórmulas para produção desse
conhecimento, mas em fenômenos passionais. tipo de “fato” são conhecidas de
(ver Box Fabricando o fato) todos e estão à disposição de
As mensagens formuladas segundo o códi- quantos queiram utilizá-las para
go das classes hegemônicas impõem um pen- provocar emoções imediatas e
samento igualmente hegemônico que classifi- produzir símbolos e mitos de fácil
ca como subcultura tudo aquilo que não é pro- aceitação e consumo.
duzido de acordo com a sua visão de mundo,
desqualificando a sensibilidade e o repertório
imaginativo das classes populares.
EDUCAÇÃO PARA OS MEIOS formação às práticas educativas do dia a Maria Cristina Castilho
(orgs.). Educomunicação:
Os formatos de produção de notícias utili- dia exige que elas sejam apresentadas em construindo uma nova área
de conhecimento. São Paulo:
zados pelas redes contemporâneas de comu- situações reais de uso para que se possa ter Paulinas, 2011.
nicação criaram um modelo de consumo de ideia da extensão de sua influência em nosso ECO. Umberto. Apocalípticos
e integrados. Trad. Pérola de
informações cuja lógica é movida pelo imedia- cotidiano. Carvalho. 5. ed. São Paulo:
tismo e pela simplificação. Participar do avanço de uma tecnologia Perspectiva, 1998. (série
debates).
Nesse contexto, o principal desafio para em desenvolvimento é também apresentar HARARI. Yuval Noah. Sapiens:
comunicadores e educadores é formar indi- alternativas a ela, de maneira a valorizar a di- Uma breve história da
humanidade. Trad. Janaína
víduos capazes de compreender os desenhos versidade e a alteridade. Marcoantonio. 5. ed. Porto
das lógicas midiáticas e assumir uma postura As implicações histórico-culturais e so- Alegre: L&PM, 2015.
MARTÍN-BARBERO. Jesús.
crítica diante daquilo que lhes é apresentado ciais das tecnologias de uso corrente em nos- Dos meios às mediações:
como verdade. sa vida são tão amplas e abrangentes, que já comunicação, cultura e
hegemonia. Rio de Janeiro:
O papel do comunicador nas intera- não é possível ficar alheio a elas. URFJ, 1997.
ções educativas da atualidade, como sugere É preciso que os benefícios apresentados MCLUHAN. Marshall. Os meios
são as massagens. Rio de
GUILLERMO OROZCO-GÓMEZ15, “é imenso e crucial” e como promessas de melhoria em nossa vida Janeiro: Companhia Gráfica
tem o poder de transformar a realidade naqui- política, social, cultural e econômica sejam Lux. 1969.
____________. A galáxia de
lo que professores e educadores não são capa- postos à prova para que possamos de fato Gutenberg. A formação do
zes de realizar. usufruir deles. homem tipográfico. Trad.
Leônidas G. de Carvalho e
Por isso, é necessário que os processos edu- A transformação de informação em co- Anísio Teixeira. São Paulo: Cia.
Editora Nacional. 1977.
cativos e comunicativos sejam vistos como nhecimento também se faz questionando a
complementares, de maneira a produzir cida- maneira como se realizam a produção, a cir-
dãos capazes de associá-los aos objetivos de culação e o consumo desse conhecimento. SOBRE O AUTOR
seu aprendizado. Aproximar a educação da comunicação e ABRAHÃO COSTA DE FREITAS
As transformações dos processos de ensino e das novas tecnologias é um avanço que exige é professor da rede municipal
de ensino, formado em
aprendizagem precisam de uma orientação pe- muito esforço e dedicação para que se possa Letras, com especialização
em Educomunicação pela
dagógica que não seja nem passiva, nem acrítica. pôr em circulação, nas mais variadas lingua- Universidade de São Paulo e
A historicidade de nossos hábitos e rituais gens, conhecimentos capazes de dar um novo em Jornalismo Internacional
pela Pontifícia Universidade
deve ser respeitada de modo que o educando sentido às nossas representações culturais. Católica de São Paulo.
REMANDO
16 || LÍNGUA
40 LÍNGUA PORTUGUESA
PORTUGUESA EE LITERATURA
LITERATURA
F
brasileiros,
oi um ano para lá de desafiador para as pequenas oferecido pela
Biblioteca Nacional.
editoras brasileiras, que sempre sofreram – e sofrem
© GRANDF AILU RE / ISTOCKPHOTO.COM
18 || LÍNGUA
42 LÍNGUA PORTUGUESA
PORTUGUESA EE LITERATURA
LITERATURA
home office. Mas, a despeito de tudo, con- Urutau www.editoraurutau.com.br Magaña, jornalista
e professora de
seguimos avançar e manter a publicação Valentina www.editoravalentina.com.br Língua Portuguesa,
Fonte: www.literaturabr.com
PRECISAMOS
FALAR SOBRE
LINGUAGEM
NEUTRA
Do Homo erectus
aos neopronomes
pessoais, o elu
entra em cena em
época de gêneros
dissociados de
fatores biológicos
Por Janaína Lima
V
70 quilos e seu volume
ocê sabe qual é a maior inven- Para Everett, a linguagem é proveniente da craniano era entre
750 cm³ e 1.250 cm³, um
ção da humanidade? É muito necessidade de interagir dialogicamente den-
aumento de cerca de
comum que, ao pensarmos em tro de uma comunidade, promover relações 50% em relação ao seu
grandes invenções, logo nos ve- sociais dentro de um meio e, também, produzir ancestral Homo habilis.
nha à mente descobertas e objetos que facilita- e transmitir cultura. A linguagem é a maior das
ram (e ainda facilitam) a vida do ser humano: invenções, porque é o elemento organizador e 2 HOMO SAPIENS
o domínio sobre o fogo ou a luz elétrica, por impulsionador do pensamento. Sem ela nada Espécie à qual
exemplo, ou ainda o computador e a internet. seria descoberto, pensado, analisado, estrutura- pertencemos, está
classificada na ordem
O fato é que, no decorrer da evolução hu- do, planejado, socializado… O pensamento con- primata e na família
mana, muitos foram os avanços tecnológicos tinuaria limitado à repetição e sobrevivência. Hominidae. Estima-se
que nos permitiram evoluir enquanto espécie que essa importante
e ter uma vida cada vez menos (mortalmente) EVOLUÇÃO DA LÍNGUA espécie surgiu há
cerca de 300 mil anos.
perigosa e mais confortável, mesmo conside- FALADA/SINALIZADA
rando problemas ocasionados pelas grandes Pensemos juntos: sendo a linguagem (as 3 DANIEL L. EVERETT
diferenças socioeconômicas em cenário mun- diferentes línguas e dialetos mundiais) inven- Linguista
dial. Porém, a maior invenção da humanida- ção e produção cultural de cada povo, num estadunidense notório
de é, sem dúvida alguma, a linguagem! Sem processo evolutivo de cerca de dois milhões por seus estudos
realizados sobre
ela, nenhuma outra descoberta teria sequer de anos, é fato incontestável de que a língua a língua pirahã no
acontecido. falada/sinalizada, na atualidade, em qualquer Amazonas desde 1977.
Há muito tempo, quando a espécie huma- território, não é a mesma falada/sinalizada Everett afirma que tal
língua teria elementos
na ainda vivia de forma primitiva (como HOMO neste mesmo território há milhões de anos.
que contradizem a
ERECTUS1), em razão da necessidade de interação, Como o ser humano evoluiu, alterando hábi- gramática universal
organização social e sobrevivência – e por meio tos e conceitos, a língua falada por cada gru- defendida e
de símbolos inventados culturalmente (sinais, po sociocultural também foi, com o passar do reformulada ao longo
dos anos por Noam
gestos e sons) –, desenvolveu-se a linguagem. E, tempo, modificando-se. Chomsky e seu grupo
assim como a evolução do HOMO SAPIENS2, foram Geralmente, as mudanças linguísticas são de estudos.
gradualmente evoluindo os sons e gestos, dan- sutis e quase imperceptíveis dentro de um
do origem a palavras comuns para determina- tempo, acontecendo naturalmente nas intera- 4 AVRAM NOAM
do grupo, que representavam objetos e ações. ções do dia a dia. Em determinado momento, CHOMSKY
Assim palavras e ações passaram a precisar de pesquisadores e estudiosos linguísticos do- Linguista, filósofo,
sociólogo, cientista
conectivos e complementos para que as mensa- cumentam as mudanças e promovem a mo- cognitivo, comentarista
gens pensadas e transmitidas chegassem com dificação da língua ou das regras gramaticais e ativista político
eficiência aos receptores. que regem a língua em questão. Lembremos norte-americano,
reverenciado em âmbito
Pelo menos é assim que nos apresenta o ainda que, quando falamos em linguagem,
acadêmico como “o pai
pesquisador e linguista DANIEL L. EVERETT3 em nos referimos às línguas e aos dialetos. Neste da linguística moderna”,
seu novo livro, Linguagem: a história da maior sentido, é possível também ocorrer mudanças também é uma das
invenção da humanidade, uma narrativa leve provocadas por “instâncias superiores”, como mais renomadas figuras
no campo da filosofia
e clara sobre a linguagem como produto de a Reforma Ortográfica ocorrida no Brasil em analítica.
invenção e cultural humano. O autor refuta 2009, fruto de uma negociação que começara
algumas teorias que atrelam seu desenvol- anos antes entre as academias de Ciências de
vimento ao fator da mutação genética (era Lisboa e Brasileira de Letras, com o objetivo
Homo sapiens) defendida por CHOMSKY4 em de unificar a grafia do português em todos os
sua Gramática Universal. países falantes da língua.
se dirijam ao sexo do sujeito, e não ao gênero perfeitamente dentro da oratória e audição CHOMSKY, N. Lectures on
government and binding.
com o qual os interlocutores socialmente se porque eles ainda não são parte de um processo Dordrecht, The Netherlands:
identificam, o que pode causar desconforto, já natural de transformação da língua. Nenhuma Foris, 1986.
CHOMSKY, N. Linguagem e
que não há autoidentificação social da mensa- grande mudança linguística é possível por meio mente. Brasília: ed. UNB, 1996.
gem com o sujeito. Essa pessoa pode (ou não) de imposição, isso precisa acontecer natural- EVERETT, Daniel L. Linguagem:
a História da Maior Invenção
se sentir desrespeitada e, felizmente, vivemos mente conforme as sociedades se modificam. da Humanidade. São Paulo:
um momento histórico em que podemos (e de- Como já citado, a língua reflete a cultura e, ape- Contexto, 2019.
vemos) lutar por respeito e empatia para todos. sar da visibilidade da comunidade LGBTQIA+,
Por outro lado, é importante entender tam- preconceitos ainda estão fortemente presentes SOBRE A AUTORA
bém que a nossa língua portuguesa, assim como na sociedade atual, refletidos na resistência a JANAÍNA LIMA é professora
da rede pública de São
qualquer linguagem, tem a função de promo- qualquer transformação sugerida por um mo- Paulo e escritora nas horas
ver comunicação, e, grosso modo, fazem parte vimento cultural. Enquanto isso, continuemos vagas, graduada em Letras
e Pedagogia, especialista em
do processo comunicativo o SUJEITO (aquele trabalhando valores contrários a quaisquer Educação Especial com ênfase
ou aquilo do que se fala) e o PREDICADO (a in- preconceitos, valores de respeito e empatia pelo em surdez, apaixonada por
comunicação e linguagens
formação dada ao ou sobre o sujeito), além de, ser humano como um todo, também exploran- porque, como dizia o Velho
Guerreiro, “Quem não se
no meio desses dois termos essenciais, palavras do e exercitando outras possibilidades do uso comunica se estrumbica”.
e expressões com outras funções de conectar da linguagem neutra dentro da língua portu-
ou complementar. guesa, que é linda e rica.
N
KISHIMOTO 1 ão é de hoje que a ludicidade é as- tram-se os jogos, os brinquedos e as brincadeiras,
Tizuko Morchida sociada à Educação, estando pre- os quais podem ser caracterizados como ativida-
Kishimoto é professora sente nos diferentes discursos da des lúdicas de caráter livre a serem desenvolvi-
titular da Faculdade de
área pedagógica, em que se exalta das de maneira individual ou em conjunto.
Educação da Universidade
de São Paulo (USP) e dá sua importância e valorização para o desenvol- De acordo com TIZUKO MORCHIDA KISHIMOTO1, a
aulas na graduação e vimento integral da criança. No letramento, as importância do jogo já fora destacada por filóso-
pós-graduação nas áreas brincadeiras podem ser utilizadas como forma fos como Platão e Aristóteles e, posteriormente,
do brinquedo, educação
infantil e formação do de sondar, introduzir ou reforçar o aprendiza- QUINTILIANO2, MONTAIGNE3 e ROSSEAU4, que já defen-
professor. do, em um processo no qual a criança sinta sa- diam, àquela época, o papel do jogo na educação.
tisfação em aprender as letras. Assim, o lúdico, No entanto, a autora afirma que foi a partir de
QUINTILIANO 2 a imaginação tornam-se pontes para formar o FROEBEL5, pedagogo alemão, criador do jardim de
Marco Fábio Quintiliano leitor, ou auxiliar na melhoria dos resultados da infância (Kindergarten), que o jogo passou a fa-
foi um orador e
professor de retórica leitura, compreendendo o universo da criança e zer parte do currículo de educação infantil.
romano. Nascido em utilizando o que lhe permeia para atingir uma DEWEY6 informa que o jardim de infância
Calagurris, em 35, aprendizagem mais eficaz e significativa. de Froebel tornou-se conhecido pelo cultivo da
Quintiliano estudou em
Roma, onde primeiro O reconhecimento da educação infantil vida social livre e cooperativa, que destoava de
exerceu a atividade de como uma etapa essencial para a construção da tendências político-sociais restritivas e autori-
advogado. identidade e da subjetividade da criança foi um tárias que persistiam na Alemanha do século
ponto importante ressaltado na Base Nacional XIX, as quais impossibilitavam pensar a conti-
MONTAIGNE 3 Comum Curricular (BNCC), atrelado à neces- nuidade do mundo exterior no interior da ins-
Michel Eyquem de
Montaigne foi um sidade de inserção da ludicidade nas práticas tituição infantil.
jurista, político, educativas cotidianas. Apesar do destaque que Na teoria do desenvolvimento infantil fro-
filósofo, escritor, cético o tema sempre recebeu, os estudos que defen- ebeliana, o brincar ocupa um espaço essencial.
e humanista francês,
dem a aplicação da ludicidade e seu vínculo ao Ao postulá-lo como a fase mais significativa do
considerado o inventor
do ensaio pessoal. processo educativo podem ser verificados ao desenvolvimento dos pequenos, Froebel asse-
longo dos registros de nossa história. gura que uma criança que brinca por toda par-
O termo lúdico vem do latim ludus e significa te poderá seguramente tornar-se um adulto
brincar. Nesse contexto do ato de brincar, encon- determinado.
síveis na vida real e que ela ainda não domina, No faz de conta, as crianças buscam imi-
como brincar de fazer comida, dirigir um carro, tar, imaginar, representar e comunicar de uma
um caminhão etc. forma específica que uma coisa pode ser outra,
Outro elemento importante é a imitação, que uma pessoa pode ser um personagem, que
uma vez que contribui para a assimilação de uma criança pode ser um objeto ou um animal
diferentes aspectos da vida pela criança e orga- etc. Pela repetição daquilo que já conhecem,
VYGOTSKY 9 niza sua experiência interna. Apesar de acon- utilizando a ativação da memória, atualizam
Lev Semionovitch tecer na prática do brincar, para Vygotsky, a seus conhecimentos prévios, ampliando-os e
Vygotsky foi um imitação plena ou fidedigna nunca é possível, transformando-os por meio da criação de uma
psicólogo, proponente
pois ninguém consegue repetir uma mesma situação imaginária nova.
da psicologia cultural-
-histórica. Pensador experiência exatamente da mesma forma. Os pequenos tornam-se autores de seus pa-
importante em sua A criança, quando está se divertindo, repre- péis, escolhendo, elaborando e colocando em
área e época, foi senta instantaneamente situações que exigem prática suas fantasias e conhecimentos, sem
pioneiro no conceito de
que o desenvolvimento novas decisões, possibilitando o desenvolvimen- a intervenção direta do adulto, podendo pen-
intelectual das crianças to de sua criatividade e de sua imaginação, seja sar e solucionar problemas de forma livre das
ocorre em função das ter de improvisar uma caixa no lugar de um ca- pressões situacionais da realidade imediata.
interações sociais e
condições de vida. minhãozinho, seja convidar mais amigos para si- É importante considerar, inclusive, que o ato
mular uma competição entre caminhoneiros etc. de brincar fornece inúmeras informações sobre
No livro O jogo como atividade: contribui- a criança, informações que podem ser um au-
CAROLINA PICHETTI 10
NASCIMENTO ções da teoria histórico-cultural, três autoras, xílio para o educador na hora de elaborar ativi-
Mestra e doutora CAROLINA PICHETTI NASCIMENTO10, ELAINE SAMPAIO dades. A criança encontra em suas brincadeiras
em Educação pela ARAUJO11 e MARLENE DA ROCHA MIGUÉIS12, afirmam a possibilidade de se comunicar com o mundo
Universidade de São
Paulo. Atualmente é que essa mobilização, diante do inusitado, fa- que a cerca, e como consequência esse “mundo”
docente do Departamento vorece uma diferenciação em relação ao com- que a cerca encontra a possibilidade de se co-
de Metodologia do portamento origem da imitação. No processo municar com ela utilizando atividades lúdicas.
Ensino do Centro de
do brincar, portanto, a criança se defronta com Para as crianças menores (de zero a dois
Ciências da Educação da
Universidade Federal de uma série de elementos que fazem com que anos de idade aproximadamente), uma das ati-
Santa Catarina. É membro sua imaginação, habilidade e criatividade se- vidades que podem ser construídas é a relação
do GEPAPe (Grupo de com o objeto livro, no sentido de torná-lo pró-
jam colocadas em prática.
estudos e pesquisas
sobre a atividade É nesse sentido que Vygotsky afirma que ximo dos pequenos, tanto quanto um brinque-
pedagógica - FEUSP). os jogos permitem que as crianças se apro- do, por exemplo. A importância que o livro tem
priem do mundo, de relações e de atividades em nossa cultura só será compreendida pela
ELAINE 11 dos adultos e, assim, humanizem-se. criança muito mais tarde, se o adulto for um
SAMPAIO ARAUJO contador de histórias competente (dando vida
É graduada em História
e mestra e doutora
PROCESSO DE HUMANIZAÇÃO às histórias e personagens) e cativante (com-
em Educação pela No jogo, a criança desenvolve sua imagina- partilhando suas emoções).
Universidade de São ção, amplia sua percepção sobre o mundo, elabo- Consequentemente, o educador deve in-
Paulo (USP), com ra suas emoções e sua consciência sobre as deter- vestir sempre em um ambiente alfabetizador,
pós-doutorado pela
Universidade de Aveiro/ minações sociais. Isso significa dizer que, assim, a em que a leitura e a escrita estejam presentes
Portugal. Atualmente é criança desenvolve suas funções psicológicas su- e ao alcance das crianças. Trazer músicas para
professora associada da periores ampliando, com isso, suas capacidades a sala de aula, assistir a filmes com os alunos,
USP, atuando no curso
de Pedagogia e de Pós- humanas – por isso a afirmação de que o brincar fazer teatros, colocar o que os pequenos de-
graduação em Educação favorece o processo de humanização. sejam nas paredes, ler jornais, fazer paródias,
da FFCLRP, vice-líder Vale enfatizar, ainda, que a diferenciação desenhos, pintar, criar esculturas de papel, de
do Grupo de Estudo e
de papéis faz-se presente, sobretudo, no faz de argila, modelar, movimentar e viver todas es-
Pesquisa sobre Atividade
Pedagógica - GEPAPe e conta, quando as crianças fantasiam como se sas possibilidades lúdicas.
líder do Grupo de Estudo fossem o pai, a mãe, o filho, o médico, o pacien-
e Pesquisa sobre o
Ensino e Aprendizagem
te, os heróis e os vilões, imitando e recriando AMPLIAÇÃO DA LINGUAGEM
de Matemática na personagens observados ou imaginados em Nas brincadeiras de roda, por exemplo, as
Infância - GEPEAMI. suas vivências. crianças são atraídas mais pela materialidade
dos livros mais populares do autor. adulto vivenciar a ludicidade em sua for- __________. Psicologia Pedagógica.
Trad. Claudia Schilling. Porto Alegre:
Para os já em processo de alfabetização, uma mação, maior será a chance de trabalhar Artmed, 2003.
boa dica é propor que o aluno identifique no livro com a criança de forma prazerosa. WINNICOTT, D. W. O brincar e a
realidade. Rio de Janeiro: Imago,1975.
uma palavra que tenha determinada letra, que Por fim, inserir a ludicidade desde a
pode ser sorteada, por exemplo, para criar mais educação infantil vai muito além da prá-
suspense e chamar a atenção dos pequenos. tica com jogos, brinquedos e brincadeiras.
SOBRE A AUTORA
ALINE FERNANDA CAMARGO
Para estimular a leitura, é importante oferecer à A ludicidade deve possibilitar às crianças SAMPAIO é mestra em
criança diferentes gêneros literários, porque é a momentos de experiência em que elas Educação e Linguagem
pela USP, especialista em
diversidade também que auxiliará no aumento
possam envolver-se consigo mesmas e Docência no Ensino Superior,
do vocabulário. pesquisadora do Grupo DiCLiME-
com os outros, em ações mediadas pela USP (Diversidade Cultural,
Tudo isso contribui para expandir o repertório de
fantasia e pela imaginação, possibilitando Linguagem, Mídia e Educação) e
letras e palavras, entendendo-se que ler é mais professora universitária. E-mail:
do que decodificar letras. É entender figuras de novas percepções e novos significados. alinefcsampaio@gmail.com
ASSUMINDO-SE
NO TEXTO por Roberto Sarmento Lima
Desde o século XX, a literatura tem
trazido sem disfarces o eu biográfico
do autor inscrito no próprio
texto que elabora, indício de uma
sociedade que criou um vazio entre
o gênero humano e a realidade que
o tornou agônico. Processo paralelo
se dá também no âmbito do leitor
A
credito não ser segredo para ninguém que tenha o hábito
de acompanhar a produção literária, pelo menos do Moder-
nismo para cá, o fato de que a subjetividade e a vida pessoal
do escritor têm dado a nota na preparação e concatenação
dos argumentos — seja na poesia lírica, seja na narrativa romanesca.
Por enquanto é bom esquecer que a teoria da literatura inventou as
categorias “EU LÍRICO”1 e “NARRADOR”2 para designar a matriz da fala de
quem se manifesta na condução do texto literário. Nesse sentido cha-
ma atenção o livro denominado Primeiro Caderno do Aluno de Poesia
de Oswald de Andrade, assinado, claro, por Oswald de Andrade, que as-
sim se duplica entre o título e a assinatura, sinal incisivo de sua autor-
referência. Ele atribui-se, assim, e aos textos que compõe, nessa co-
letânea de 1927, sua marca pessoal, seu aprendizado nas trilhas
da vanguarda daquela época, cuja declaração maior é “a
descoberta / das coisas que eu nunca vi”, modo com
que define sua preeminência no interior do MOVI-
MENTO MODERNISTA3. Mas não é só isso que se
vê; o fenômeno tem, na verdade, raízes
sociais bem mais fundas e complexas
e revela uma cisão entre psique e
sociedade e, pior ainda, uma cisão
dentro da própria psique. Veremos
isso depois, com mais vagar.
Dando sequência à catalogação do
© BOBMADBOB / ISTOCKPHOTO.COM
C
om a implantação da Base Nacional Comum e profissional, ao final de três anos deverão certificar os
Curricular (BNCC) a partir deste ano, entram em cena jovens tanto no ensino médio quanto no curso técnico ou
mudanças no ensino médio. A Lei de Diretrizes e nos cursos profissionalizantes realizados.
Bases (LDB) propõe ajustes que deverão estar im- É importante salientar que a BNCC não exclui as
plantados até 2022, portanto muitas escolas já estão colocan- disciplinas, mas disponibiliza esses conhecimentos de
do em prática as exigências. forma diferenciada. Isso significa que, obrigatoriamente,
A Nova Base define que o ensino médio será organizado os currículos de todas as escolas devem incluir o ensino
em quatro áreas de conhecimento – Matemática, Linguagens, de habilidades e competências relacionadas à Língua
Ciências Humanas e Ciências da Natureza –, de forma seme- Portuguesa, Matemática, Geografia, História, Física,
lhante a como já é aplicado no Enem. Dentro dessas quatro Química, Biologia, Artes, Educação Física, Sociologia,
macroáreas, as únicas disciplinas obrigatórias são Língua Filosofia e Inglês. Com o novo sistema, a carga horária será
Portuguesa, Língua Inglesa e Matemática. Fora isso, a defini- ampliada de 2.400 horas para 3.000 horas. Desse total,
ção dos currículos fica por conta das secretarias de cada esta- 1.800 horas serão usadas para as aprendizagens comuns
do e das escolas. A ideia é levar uma flexibilização na prática e obrigatórias estabelecidas pela BNCC, e as outras 1.200
para essa fase do ensino, utilizando, principalmente, critérios horas serão destinadas ao itinerário formativo.
de empregabilidade. O estudante é quem decidirá sobre a área Outra novidade é a proposta de que todas as escolas
do conhecimento em que deseja se aprofundar, os ITINERÁ- de ensino médio sejam de tempo
RIOS FORMATIVOS1. Sendo assim, poderão optar por focarem integral, com uma carga horária
as áreas de conhecimento e a formação técnica e profissional. 1 ITINERÁRIOS
ampliada para 1.400 horas anuais — FORMATIVOS
o que equivale a sete horas diárias.
O QUINTO ITINERÁRIO A implantação será progressiva e
São o conjunto
de disciplinas,
Uma das mudanças mais esperadas e complexas diz respei- projetos,
possibilitará ao aluno mais tempo
to ao quinto itinerário – ensino técnico como uma das possibi- oficinas, núcleos
para realizar seus estudos e tam- de estudo, entre
lidades de escolha ao estudante. Segundo Ana Inoue, asses-
bém se dedicar a oficinas, práticas outras situações
sora de educação do Itaú BBA e uma das maiores especialistas de trabalho, que
esportivas, além de ter apoio de
em ensino técnico do Brasil, em entrevista ao Canal Futura, os estudantes
profissionais para a elaboração do poderão escolher
afirma que um dos principais desafios é atualizar o ensino téc-
seu projeto de vida. no ensino médio.
nico, tornando-o emancipatório, ajustado às necessidades de
um mundo em transformação, onde todos estarão em constan-
te formação e aprendizagem. Portanto, o ensino técnico, assim
como a universidade e outras formações, passa a ser uma das
etapas de um constante desenvolvimento profissional. O guia de implementação
Cabe ressaltar que as redes de ensino terão autonomia do novo ensino médio
para definir, de acordo com a realidade local, quais itinerários pode ser acessado em:
formativos vão ofertar. Caso disponibilizem a formação técnica http://novoensinomedio.mec.gov.br/#!/guia
A SERVIÇO DA
APRENDIZAGEM
Como contextos sociais e tecnológicos
na sala de aula pós-pandêmica
aumentaram a quantidade de
comunicação e interação humana
© DESIGNER / ISTOCKPHOTO.COM
por Márcio Scarpellini Vieira
T
alvez, quando você estiver lendo Mas cá estamos, e não há retorno. Já é evi-
este artigo, já estará imerso ou dente que, ao menos em terras tupiniquins, o
imersa nas atividades docentes, impacto causado pelo longo tempo de fecha-
em um cenário diverso e distinto mento das escolas resultará em mudanças
1 APLICATIVOS
daquele em que estudou quando criança reais e permanentes no processo de ensino- Programas
computacionais
e adolescente e, certamente, diferente da- -aprendizagem, nos instrumentos de trabalho desenvolvidos para
quele que lhe foi apresentado na universi- do professor, na cultura escolar. realizar, facilitar ou
dade. Pois é, estamos no século XXI! Sem Na esteira dessas mudanças, observamos ainda reduzir o tempo
de execução de
carros voadores (ainda!) e com dilemas so- uma proeminência das soluções tecnológicas, tarefas pelo usuário.
ciais incríveis em um universo quase distó- com a presença (e oferta) ABUNDANTE DE APLICATI-
pico, marcado por um longo tempo de afas- VOS1 que prometem aproximar, facilitar e expan-
2 PLATAFORMAS
tamento social e fechamento das escolas. dir a experiência de aprendizagem pelo aluno, EDUCACIONAIS
O mundo mergulhou em um cenário de assim como ampliar as possibilidades de práti- São ferramentas que
incertezas no início desta década, e estamos cas de ensino pelos professores. Outra proposta usam os recursos
acompanhando a pena da história traba- muito difundida diz respeito a PLATAFORMAS EDU- tecnológicos com
finalidades de
lhando vorazmente, de forma diuturna, não CACIONAIS2, onde são congregadas soluções de tex-
aprendizagem.
apenas levando, mas empurrando a huma- tos, HIPERTEXTOS3, vídeos e testes dinâmicos, em Elas são hospedadas
nidade para algumas realidades que prova- que o aluno é avaliado tanto através de exercícios na web, permitindo que
velmente levaríamos mais alguns anos para de múltipla escolha como através de questões mais pessoas possam
acessar os conteúdos
alcançá-las, se continuássemos na toada em abertas, em que o sistema tecnológico reconhe- a qualquer hora e de
que andava o trem da história. cerá palavras-chave e realizará a devida correção. qualquer local.
gerações anteriores,
para as próximas ge-
rações, mas é eviden-
te que a qualidade
dessa informação oral
foi deteriorada ao lon-
go de cada transmis-
são. Para nós, é óbvia
a solução da escrita,
mas sabemos o quan-
to não foi. Dando um
salto histórico, obser-
A escola do ano 2000. vamos que PLATÃO7 em
sua crítica à escrita,
Bem, até aí tudo muito interessante, pois, no final do FEDRO8, questiona a eficácia do tex-
apesar de uma grande tendência refratária a to escrito na transmissão do conhecimento,
mudanças, a educação deve gozar das benes- pois ele julga que um “texto é estático, morto,
3 HIPERTEXTO
ses tecnológicas, como previram os ilustrado- não é capaz de se defender e mudar, não pode É o termo que
remete a um texto
res franceses JEAN MARC COTÊ4 e VILLEMARD5 na escolher o interlocutor”. ao qual se agregam
obra “A escola do ano 2000”. É justo observarmos que diversas cultu- outros conjuntos de
Entretanto, mudanças podem ser muito ras e civilizações, mais antigas que a Grécia informação na forma
de blocos de textos,
bem analisadas por historiadores, e observado- de Platão, já haviam provado a importância
palavras, imagens ou
res A POSTERIORI6, mas os atores da mudança, os da escrita para o registro às próximas gera- sons, cujo acesso se dá
indivíduos que a levam a cabo geralmente pas- ções. Mas Platão, imerso em sua academia, através de referências
sam por dilemas, dúvidas, processos de erro e questionou a solução de consulta posterior, específicas no meio
digital denominadas
acerto, e é nesse ponto e sobre essas demandas fria e distante de argumentos registrados no hiperligações.
que desejo refletir com você, caro leitor. papel, e não falados e respondidos ao vivo.
Observe que a preocupação de Platão vai 4 JEAN MARC COTÊ
UM POUCO DE além do registro e toca a qualidade da DIA-
Ilustrador francês que
ANTROPOLOGIA E HISTÓRIA LÉTICA9, a função da argumentação, a mobili- viveu no século XIX.
O conceito de hibridismo na educação é dade, fluidez e vivacidade do “texto falado”. Ao longo da década
tão antigo quanto os próprios fenômenos cul- Observemos que novas ferramentas e tecno- de 1890 ele criou
diversas imagens
turais humanos. O processo de transmitir os logias enfrentam resistências no processo de que retrataram a sua
aprendizados à geração que estava nascendo apropriação já há muito tempo! visão de futuro.
ou crescendo certamente deu-se através de Quando pensamos em ensino a distância,
duas habilidades primevas: o exemplo e a fala. uma impressão inicial pode ser de que essa 5 VILLEMARD
Assim, talvez em nenhum momento da huma- “distância” tem o potencial de suprimir a re- Ilustrador francês
nidade, o processo de ensinar deu-se a partir lação humana. Pois bem, provavelmente esse que criou a Utopia,
de uma única solução tecnológica ou cultural. ano de intenso trabalho a distância tenha uma série de postais
nos quais retratou
É necessário aqui retroagir um pouco no provado o quanto é possível aproveitarmos
sua visão sobre como
conceito de tecnologia e adotar a definição de as tecnologias não apenas para melhorarmos seria a vida cotidiana
que tecnologia é tudo aquilo que é “extracor- processos, mas também para aumentarmos a de Paris no ano 2000.
póreo” em relação ao indivíduo humano. Logo, quantidade de comunicação e interação huma-
pequenas varetas ou rudimentares objetos de na. Precisamos, portanto, dedicar atenção e es- 6 A POSTERIORI
escrita foram talvez as primeiras tecnologias tratégias para que o aumento quantitativo seja A priori e a posteriori
educacionais utilizadas pelo homem. acompanhado por um aumento qualitativo. são expressões
Sem dúvida a fala fez com que a humani- O cenário é desafiador, pois estamos dian- filosóficas para
distinguir dois tipos
dade desenvolvesse suas habilidades sociais e te de uma realidade irreversível, já que o uso de conhecimento ou
transmitisse o conhecimento obtido empirica- das tecnologias no universo educacional não argumento.
“… em nenhum
é uma moda, não é uma tendência mercado-
momento da
PLATÃO
Filósofo e matemático
7
lógica, mas, sim, faz parte da cultura e do mo- humanidade,
do período clássico
da Grécia Antiga,
mento da humanidade. Nossos alunos são na-
tivos digitais. Privá-los do processo de aprendi-
o processo de
autor de diversos
diálogos filosóficos
zagem através da tecnologia, além de contra- ensinar deu-se
e fundador da
Academia em Atenas,
producente, é um atentado contra o desenvol-
vimento real e, portanto, ao futuro dos nossos
a partir de uma
a primeira instituição
de educação superior
alunos. Sim, é drástico, é sério, é urgente. única solução
do mundo ocidental.
O MUNDO HÍBRIDO tecnológica ou
FEDRO 8
ALVIN TOFLER10 diz que “os analfabetos do cultural”
século XXI não são aqueles que não sabem
Escrito por Platão, é
um diálogo entre o ler ou escrever, mas são aqueles que não sa-
protagonista principal bem aprender, desaprender e reaprender”.
de Platão, Sócrates, e Infelizmente, como já citado, existe uma carac- MAIORES POSSIBILIDADES
Fedro, um interlocutor
em diversos diálogos.
terística refratária na sala de aula. Por mais que DE APRENDIZAGEM
Fedro foi possivelmente existam tecnologias disponíveis, a tríade Giz- Por definição, ensino híbrido é a modali-
composto por volta Lousa-Saliva segue presente e predominante. dade de ensino que utiliza práticas presen-
de 370 a.C., mesmo Sim, acredito que o professor seja insubs- ciais e remotas por meio do uso de ferra-
período que A
República e O Banquete. tituível, porém o será de forma mais intensa, mentas digitais proporcionando maiores
não como detentor do conhecimento, mas possibilidades de aprendizagem.
como referência saudável para nossos alunos. Em um ambiente híbrido de aprendiza-
DIALÉTICA 9
Referência de como a busca pelo conhecimento gem, o aluno pode ter acesso a aulas presen-
É um método de
diálogo cujo foco é a imagem da nossa própria natureza humana. ciais e on-line, quer sejam síncronas (ao vivo)
é a contraposição Nossa realidade hoje já é híbrida, e nós mui- ou assíncronas (gravadas). Além de aulas,
e contradição de tas vezes não percebemos a transição do mun- outros objetos de aprendizagem tornam-se
ideias que levam
a outras ideias e do desconectado para um mundo híbrido. Não viáveis e presentes, tais como questionários
que tem sido tema precisamos mais decorar um novo caminho, já dinâmicos ou mídias informativas.
central na filosofia que os aplicativos dão conta de nos propor o É interessante observar que uma das
ocidental e oriental
desde os tempos melhor, desviando de tráfego intenso inclusive! tendências para o planejamento de aulas
antigos. A tradução Reforço: não sermos híbridos em nossas híbridas é estimular o protagonismo do
literal de dialética atividades docentes é estarmos desalinhados aluno. É válido reforçar que o aluno deve
significa “caminho
da realidade de mundo em que nós já estamos ter um papel ativo no processo de ensino-
entre as ideias”.
inseridos. Deve ser evidente que a partir deste -aprendizagem, mas este papel ativo do
ponto utilizaremos o termo híbrido para desig- aluno também é uma habilidade a ser de-
nar atividades realizadas de forma presencial senvolvida no estudante através de um pro-
concomitantemente com recursos tecnológi- grama intencionalmente planejado para tal.
cos. De forma intrínseca não é uma novidade. Com o apoio das plataformas de ensi-
A grande novidade é que essa modalidade pas- no, aplicativos e ferramentas tecnológicas,
sa a ser “normal” em nosso dia a dia. é possível que o estudante absorva e tenha
É importante entender o ensino híbrido contato com os objetos de aprendizagem de
não como uma “mistura” da realidade presen- forma on-line, priorizando as trocas de ex-
cial com o ambiente on-line ou tecnológico. periências e aprendizagem para os momen-
É necessário que, desde o planejamento, seja tos presenciais, por exemplo.
considerada a estrutura híbrida, com suas ca- As avaliações também devem ser vis-
racterísticas, demandas, formas de avaliação e tas sob a ótica do ensino híbrido, afinal, de-
procedimentos específicos. vemos ter em mente que devem ser parte
© V ERN EV ANS
instrumentos isolados. As tecnologias educacionais
proporcionam uma infinidade de oportunidades de
análises. Cabe à escola e ao corpo docente planejar e
diversificar o processo avaliativo, a fim de aproveitar o
dinamismo que a tecnologia nos proporciona.
TÊTE-À-TÊTE Por falar em dinamismo, outra habilidade impor-
tantíssima estimulada pelo ambiente híbrido é o ca-
Falando em familiaridade em rela-
ráter colaborativo da aprendizagem. Nas interações
ção às tecnologias adotadas, este
é um item primordial na escolha entre alunos, e nas ferramentas tecnológicas, o alu-
e implantação das tecnologias e no pode aprender tanto de forma individual como de 10
modelos híbridos. Eles devem ser forma colaborativa. ALVIN TOFFLER
“amigáveis” aos alunos e plena- Escritor e futurista
mente conhecidos pelos docentes. BENEFÍCIOS PARA O ALUNO norte-americano,
Mais uma vez, é necessário e fun- O aluno é apresentado ao conteúdo de forma com doutorado
damental que o professor esteja em Letras, Leis e
contextualizada, tendo contato com os objetos de
Ciência, conhecido
em formação contínua para que a aprendizagem com uma linguagem adequada aos por seus escritos
tecnologia e os modelos pedagógi- seus próprios hábitos de consumo cultural, de modo sobre a revolução
cos híbridos sejam uma ferramenta digital, a revolução
que pode problematizar situações e agregar saberes
facilitadora e que potencialize a das comunicações
ativa e produtivamente. e a singularidade
atividade docente, e não um empe-
Aprendizagem ativa é uma chave importantís- tecnológica.
cilho ou uma atividade a mais na
vida do professor. sima no ensino híbrido, já que ferramentas digitais
Como todo processo de mudança, o proporcionam autonomia ao usuário. É normal in-
ensino híbrido apresenta-se como divíduos desenvolverem formas próprias de uso de
um desafio, não apenas profissio- aplicativos e programas computacionais, já que a in-
nal, mas cultural, já que nossa ativi- teligência virtual proporciona que esses programas
dade docente está em um caminho “aprendam” os hábitos dos usuários.
de mudança não apenas estético, Outra característica do ensino híbrido é a apren-
mas estrutural, capaz de mudar de dizagem prática de conceitos. O aluno, ao ser expos-
uma vez por todas a atividade do- to a vídeos ou ferramentas tecnológicas, como uma
cente no ensino regular.
tabela periódica interativa, por exemplo, aprende na
Minha última sugestão: entenda a
prática os conceitos teóricos que serão reforçados e
tecnologia como uma ferramenta
explorados pelo professor no ambiente físico.
de escrita, por exemplo. Sabemos
utilizar giz, lápis, lapiseira ou cane-
ta e fazemos essa escolha de acor- VANTAGENS PARA A ESCOLA
do com o resultado que desejamos, A escola também agrega benefícios ao utilizar-se
mas dominamos o uso de quaisquer de ferramentas de ensino híbrido, uma vez que pode
desses instrumentos. Assim deve otimizar tempo ao produzir conteúdos gravados, por
ser com a tecnologia. Devemos exemplo, que serão utilizados e visualizados por di-
dominar o maior número delas, versos alunos em diferentes momentos, atingindo
entendendo a lógica que vai por um maior número de estudantes.
trás da estética, não nos apegando Com planejamento intencional e relevante para a
emocionalmente a uma ferramenta
comunidade escolar, a percepção de qualidade de en-
ou outra, mas aplicá-las conforme a
sino beneficiará a visão que os alunos e pais têm em
necessidade e adequação aos obje-
relação à escola. Mais uma vez reforço: independen-
tivos desejados.
temente das tecnologias ou plataformas adotadas, REFERÊNCIAS
Sejamos todos bem-vindos a este BIBLIOGRÁFICAS
novo século na educação e que pos- deve haver um planejamento que leve em conside- PLATÃO. Diálogos. São
samos escrever mais esta página ração o ambiente híbrido, sua adequação aos conte- Paulo: Cultrix, n/d.
da história do ensino de uma forma údos, à legislação e, principalmente, à idade do aluno TOFLER, Alvin. O choque
do Futuro. Rio de
mais brilhante. e sua familiaridade com as tecnologias adotadas. Janeiro: Arte Nova, n/d.
À PROCURA DA HUMANIDADE
Cuti, um dos mais profícuos e importantes autores brasileiros,
traz, em A Pupila é Preta, os embates das relações raciais no
Brasil, em uma série de contos vertiginosos. Mas não espe-
re militância pura desse autor que é um dos fundadores do
QuilombHoje e editor dos Cadernos Negros. Cuti não escolheu o
título por acaso: seus contos, entremeados de emoção, ódio ou
humor, faz um mergulho para dentro desse povo preto que vem
ganhando protagonismo. Em A Pupila…, os personagens revelam
© REPRODU Ç Ã O
ANO 8 - EDIÇÃO 85
DIRETORA EDITORIAL
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José era um corvo que sonhava voar ao lado GRANDES, MÉDIAS E PEQUENAS AGÊNCIAS E DIRETOS
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dos imponentes pombos brancos. Coruja
Mafalda, a chefe do serviço postal do bosque, REPRESENTANTES Interior de São Paulo: L&M Editoração,
Luciene Dias – Rio de Janeiro: Marca XXI, Carla Torres, Marta
inflexível e autoritária, traçava com rigor a Pimentel – Santa Catarina: Artur Tavares – Regional Brasília:
Solução Publicidade, Beth Araújo.
rota de cada pombo-correio. Os personagens
© REPRODU Ç Ã O
“Uma forma de falar de racismo sem mencioná-lo”, explica a autora, que tem RESPONSABILIDADE AMBIENTAL Esta revista foi impressa na
Gráfica Oceano, com emissão zero de fumaça, tratamento de
a sutileza e leveza como estratégias para levar ao público infantil a discussão todos os resíduos químicos e reciclagem de todos os materiais
de assuntos tão complexos quanto esses. não químicos.
RENASCIMENTO
che Cális, Roberto Sarmento Lima e Zuri Lopes.
LOJA ESCALA
Autor: Erich Auerbach • Páginas: 156 • Editora: 34 Confira as ofertas de livros e revistas
www.escala.com.br
ATENDIMENTO AO LEITOR
De seg. a sex., das 9h às 18h. (11) 3855-1000
ou atendimento@escala.com.br
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Sinuca
de bico
D
esde dezembro de 2019, o mundo se vê às voltas apoiando as famílias nesse momento conturbado. Mas, agora,
com um perigoso vírus, descoberto inicialmente mais de um ano depois da suspensão das atividades pedagó-
na China. Em pouco tempo, todas as pessoas gicas presenciais nas escolas, estamos encarando o retorno,
conheciam seu nome e temiam o contágio do em grande parte das cidades brasileiras. Devemos lembrar
CORONAVÍRUS. Ficar em casa era (e ainda é!) o melhor que po- que, apesar de termos nos acostumado à presença do vírus,
deria ser feito para proteger-se do vírus, portanto a circulação ele ainda está por aí e continua perigoso; exatamente por isso
de pessoas foi “desincentivada” no mundo todo: trabalho em muitos protocolos de segurança foram pensados e planejados
home office, abertura somente dos serviços essenciais, escolas para este momento de volta às aulas, protocolos estes que
fechadas e estudo remoto. se preocupam com a higiene e o distanciamento, porém que
Escolas FECHADAS e estudo REMOTO! comprometem elementos importantíssimos para a função
Aqui no Brasil, todos sabem que, desde março do ano pas- educativa da escola, principalmente no que diz respeito à
sado, as escolas foram fechadas para atendimento presencial educação infantil: bebês e crianças pequenas requerem maior
de bebês, crianças, jovens e adultos, e o processo de ensino afetividade e contato físico para os cuidados e aprendizagens.
e aprendizagem deu-se de forma remota. Tudo aconteceu tão E as aprendizagens necessárias para uma educação infantil
rápido que as instituições não tiveram tempo de planejar como de qualidade requerem interação e compartilhamento, o
seria esse ensino, foram se reinventando, planejando e repla- brincar em parques e espaços coletivos são importantíssimos
nejando, adequando os meios tecnológicos às demandas dos para o amadurecimento e desenvolvimento motor e cognitivo,
alunos e famílias durante o processo. tudo que os protocolos para um retorno seguro proíbem.
Na educação infantil, especificamente, tudo foi muito mais A educação infantil é extremamente importante, nela se
difícil, porque não existe educação infantil EAD (ensino a dis- consolidam as bases para todas as aprendizagens subse-
tância). Isso porque – primeiramente – as bases para a cons- quentes. Quanto mais significativas as aprendizagens nessa
trução de conhecimentos na educação infantil estão consolida- fase, melhor será a construção de conhecimentos sistemáti-
das nos cuidados, nas experimentações e brincadeiras; tam- cos posteriores. Estamos imersos numa “sinuca de bico”: sem
bém devemos considerar que é recomendação da Sociedade educação infantil presencial é ruim, com educação infantil
Brasileira de Pediatria atenção em relação ao tempo de exposi- presencial com qualidade comprometida do emocional, do lú-
ção das crianças pequenas às telas de aparelhos digitais. dico, do social e motora é ruim, ignorar protocolos protetivos
Longe da forma ideal, as escolas e os professores (em geral) contra o vírus é ruim. Bom mesmo seria, a esta hora, estarmos
fizeram o máximo para atender da melhor forma possível, todos vacinados e compartilhando saberes e abraços.
Janaína Lima é professora da rede pública de São Paulo e escritora nas horas vagas, graduada em Letras e Pedagogia, especialista em Educação Especial com ênfase em surdez,
apaixonada por comunicação e linguagens porque, como dizia o Velho Guerreiro, “Quem não se comunica se estrumbica”.
Ou acesse www.escala.com.br
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