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Carta n°01/2023– COAPIMA

Imperatriz - MA, 10 de fevereiro de 2023

Excelentíssima Ministra
Sônia Guajajara
Ministério dos Povos Indígenas

Excelentíssimo Ministro
Flávio Dino
Ministério da Justiça e Segurança Pública
Excelentíssimo Ministro
Silvio Almeida
Direitos Humanos e Cidadania

Excelentíssimo Vice-Governador
Felipe Camarão
Governo do MA

Cumprimentando-os cordialmente, a Coordenação das Organizações e


Articulações dos Povos Indígenas do Maranhão – COAPIMA, instância de aglutinação e
referência estadual do movimento indígena, cujo múnus é a promoção e a defesa dos
direitos desses povos por meio da articulação e união de suas representações, vem perante
Vossas Excelências noticiar as sistemáticas violações dos direitos coletivos e individuais
indígenas (com contexto coletivo), com a expectativa de que sejam adotadas as devidas
providências para prevenir e impedir a continuidade das graves lesões a direitos
fundamentais.
O estado do Maranhão é marcado pela degradação ambiental, violência contra as
vidas, as formas culturais de organização e outros direitos dos povos indígenas e
tradicionais. Todas as TIs do Maranhão, demarcadas ou em processo de demarcação,
sofrem pressões e ameaças. Ao longo dos anos, e ao passo em que a extração madeireira, as
queimadas e as obras de infraestrutura engolem as florestas que cercam as TIs, crescem as
ameaças a essas últimas e, por consequência, intensificam-se as já antigas e crônicas
violações dos direitos sociais, territoriais, culturais e humanos dos povos originários.
A situação se agravou progressivamente ante à omissão do governo federal no
período de comando do ex-Presidente Jair Bolsonaro em cumprir com o seu dever de
proteger as terras indígenas. Abandonados à própria sorte, os povos têm se organizado para
realizar a autoproteção de seus territórios, o que aumenta o grau de vulnerabilidade. A
atmosfera de violência contra os povos indígenas no Maranhão tem chamado atenção da
comunidade nacional e internacional e das organizações de defesa dos Direitos Humanos.
Em janeiro de 2021, a Comissão Interamericana de Direitos Humanos (CIDH)1 concedeu
Medida Cautelar solicitando que o Brasil adote medidas eficazes para proteger a saúde e a
integridade física dos indígenas Guajajara e Awá que vivem na TI Araribóia, tendo em vista
a situação de vulnerabilidade na qual se encontram por conta da invasão de seus territórios.
O que, no entanto, não foi considerado até então.
Os povos originários do Maranhão são afetados por violências que culminam no
alto índice de assassinatos. Enfrentamos situações de gravidade e urgência que apresentem
risco de dano irreparável às vidas indígenas que são sistematicamente violadas sem que
sejam adotadas medidas efetivas para evitá-las e mesmo punir os responsáveis, tornando
assim, confortável as atuações ilícitas e criminosas que ceifam sem pudor nossos corpos.
É alarmante o número de homicídios vivenciados pelas comunidades, denunciado
pelas organizações e anualmente sistematizados pelo Conselho Indigenista Missionário -
CIMI2, muitos sem punição ou mesmo investigações conclusivas. A situação é trágica e
exemplar em relação ao contexto de vulnerabilidade a que muitas comunidades indígenas
estão expostas em todo o Brasil – mesmo as que vivem em terras já demarcadas e, em tese,
contam com a proteção do Estado.
As violências contra esses povos são externadas de diversas formas, inclusive
indiscriminadamente. Não é incomum encontrar, entre seus membros relatos de violências e
assassinatos fundados no ódio e no racismo que os criminosos e os munícipes locais
alimentam contra esses povos. Essas violações são comumente reproduzidas não só no
âmbito dos territórios, mas também nos municípios limítrofes que têm se tornado palco para
as mais diversas barbáries.

1
Tomé Guajajara, Maria dos Anjos Guajajara, Aponuyre, Cantídio, Genésio, Isaías, Assis, Alfonso Guajajara,
José de Ribamar, Zezico Guajajara, Paulo Paulino Guajajara, Firmino Prexede Guajajara, Raimundo Benício
Guajajara e Zezico Rodrigues Guajajara são alguns dos assassinatos mencionados junto à CIDH.
2
https://cimi.org.br/observatorio-da-violencia/o-relatorio/
É o que ocorre nas cidades de Amarante e Arame, no estado do Maranhão,
historicamente marcadas pelo sangue dos indígenas e que figuram como cenário de
assassinatos ocorridos, por exemplo, entre 03 e 11 de setembro de 2022. Só no referido
mês, em menos de duas semanas, três indígenas foram assassinados na região. Os crimes
chamam a atenção pela crueldade utilizada, como emboscadas, atropelamento, dezenas de
tiros disparados e vítimas atingidas pelas costas.
Janildo Guajajara, o sexto guardião da floresta a ser morto ao longo dos últimos
anos, foi assassinado em uma emboscada, no dia 03.09.22, com um tiro nas costas que
também atingiu seu sobrinho de 14 anos que o acompanhava, no município de
Amarante-MA. Na madrugada do mesmo dia, no município de Arame, Israel Miranda
Guajajara, de 34 anos, morreu após supostamente ser atropelado. No dia 11/09/22, Antônio
Cafeteiro Silva Guajajara, residente na Aldeia Lagoa Vermelha, foi morto com seis tiros. A
própria Polícia Civil confirmou que o mesmo foi vítima de uma emboscada.
Prova de que não se trata de cenário isolado, basta a conferência dos dados do
CIMI mencionados acima, dos informes dos noticiários e dos próprios indígenas e suas
organizações que relatam rotineiramente os casos às autoridades competentes.
Só em janeiro de 2023 foram duas tentativas de homicídio e três vítimas fatais.
Benedito Gregório Soares Guajajara, de 19 anos, e Juninho Guajajara, de 17 anos, foram
baleados, na madrugada do dia 09, nas imediações da Aldeia Maranuí localizada próximo
ao município de Arame. José Inácio Guajajara encontrado morto no dia 25 nas margens da
BR-226 próximo à Terra Indígena Cana Brava. Valdemar Guajajara encontrado morto na
cidade de Amarante, limítrofe à T.I Araribóia, no dia 28 com marcas que indicam que teria
sido brutalmente assassinado. Raimundo Ribeiro da Silva, de 57 anos, funcionário da
Secretaria Especial de Saúde Indígena (Sesai) foi morto, na tarde do dia 31, na aldeia
Abraão, situada na Terra Indígena Araribóia, em Arame.
Além destes dados alarmantes, diversos outros indígenas seguem ameaçados e
desprotegidos, seja em razão da atuação pela defesa de direitos coletivos, por serem
testemunhas dos casos já ocorridos ou mesmo pelo simples fato de serem indígenas. É o
caso do cacique da aldeia Rõohu da T.I Krikati ameaçado de morte em um cenário em que
resta pendente processo de desintrusão de terceiros não indígenas do referido território que
faz fronteira com o município de Montes Altos.
A situação de violência e perigo em que se encontram os Povos Indígenas do
estado do Maranhão, é por demais grave e viola o mais elementar dos direitos, a vida.
Acompanhamos assustados e encurralados sua intensificação nos últimos meses, o que
exprime a situação da urgência em razão da existência de ações danosas, de cunho
irreparável, à nossas vidas e integridade física e psicológica.
Esse acirramento tem sido denunciado por diversas entidades ligadas aos direitos
humanos, não obstante, se perpetuam em razão do conforto provocado pela impunidade que
rege o Estado Brasileiro ao promover uma hierarquização valorativa da vida. É nesse
sentido que nos últimos anos Maranhão se perpetua como palco de violência de uma
necropolítica estruturada em desfavor das vidas indígenas.
Apesar de ter sido fartamente divulgado pela imprensa nacional e internacional e
das denúncias levadas ao estado brasileiro, nada ou muito pouco tem sido feito para aplacar
o extermínio que vem sendo perpetrado. O racismo e o anseio pelo assassinato de indígenas
é fato já conhecido pelas autoridades brasileiras e banalizado em sua sua grande extensão.
Vivemos em cenário de Guerra contra nossas vidas!
Os povos aqui representados expressam enorme preocupação com a continuidade
destes atentados, tanto com a ausência de ações de caráter preventivo, por parte do Estado
Brasileiro, quanto pela própria relação de ineficiência no atendimento às mobilizações de
caráter imediato para as providências preliminares. Situação que compromete desde a
determinação de competência para instauração de inquéritos, até a devida coleta de provas e
subsídios indispensáveis à apuração das circunstâncias em que ocorrem os assassinatos.
Trata-se de um contexto marcado pela dificuldade de relacionamento com a
realidade dos povos indígenas que influi de forma direta e imediata nas apurações das
motivações dos crimes, do contexto ampliado que envolve os assassinatos das lideranças,
bem como da indicação de possíveis suspeitos. Sem atender às formas próprias de
organização dos povos originários, desconsidera-se o direito indígena como necessário e
indispensável na elucidação dos fatos
O Estado brasileiro tem se omitido da obrigação constitucional de fiscalizar e
proteger as terras indígenas, incentivando, consequentemente, o cenário de violência que
tem se instalado de forma contínua na realidade do Povo Indígenas do Brasil. Nesse mesmo
sentido, a impunidade plangente tem tornado confortável o defloramento crescente de
violência, fazendo inflar o número de vítimas indígenas. A desfaçatez do Estado, que a tem
tornado exequível, circunda os territórios indígenas com insegurança e fragilização de
direitos.
Afirmamos que é indispensável que o Estado brasileiro se antecipe com medidas
de prevenção e reparação em relação aos crimes contra a vida e aos territórios,
considerando a violência estrutural e sistemática que os indígenas sofrem diariamente.
No plano internacional lembramos das denúncias internacionais que tramitam no
sistema interamericano de direito humanos envolvendo terras indígenas no Maranhão. Esse
esforço de aproximação dos governos federal e estadual pode significar o início de
tratativas que podem evoluir para um eventual acordo de solução amistosa nesta instância,
que exigirá um planejamento adequado e o devido monitoramento, superando os entraves
criados pelo governo anterior, em termos de diálogo e boa vontade política.
Nesse sentido, solicitamos apoio de Vossas Excelências quanto às medidas cabíveis
para mapear e investigar os casos de assassinatos, proteger os povos indígenas do estado do
Maranhão, nossos territórios e responsabilizar os criminosos pelos atos de violência
cometidos até então.
Por tratar-se de problema de caráter estrutural e sistemático, é indispensável que
medidas estruturais sejam igualmente adotadas para enfrentá-lo. Medidas devem ser
adotadas para a institucionalização da necessária cooperação entre órgãos federais e
estaduais, no sentido de reprimir os crimes que ocorrem dentro e fora da terra indígena,
como é o caso da exploração e transporte ilegal de madeira, a caça clandestina e o tráfico
de drogas.
Por outro lado, afirmamos a necessidade de maior articulação entre os referidos
órgãos dos governos federal e estadual no sentido de combater a pobreza nas aldeias, seja
promovendo o acesso a políticas de transferência de renda, seja construindo alternativas de
produção nos territórios indígenas do Estado.
Nada obstante, a violência instalada contra povos indígenas em seus territórios e
nos municípios limítrofes reclama também uma atuação imediata com vista a coibir os
criminosos, proteger os indígenas e evitar que mais vidas sejam ceifadas.
Razão pela qual sugerimos que sejam imediatamente realizadas as articulações
necessárias para destacar as forças policiais estaduais e federais para ações repressivas e
monitoramento periódicos, bem como a ampliação dos programas de proteção às
testemunhas e aos defensores de direitos humanos com recorte específico aos povos
indígenas e a qualificação da polícia estadual quanto ao tratamento da pauta indígena.

Atenciosamente,

Marcilene Guajajara
Coordenadora Executiva da COAPIMA

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