Não é novidade que a sociedade brasileira se constituiu através do massacre dos
povos indígenas que aqui residiam. A ocupação e roubo das terras indígenas é parte da gênese de nosso país, eixo essencial sob o qual foram construídas e consolidadas nossas relações sociais. A subjugação das nações indígenas, elemento fundamental para a sobrevivência e fortalecimento do Brasil enquanto colônia e, posteriormente, enquanto nação, continua tendo forte presença no cenário político atual. Mesmo que sob renovadas bases políticas, econômicas, sociais e culturais, o conflito entre os povos indígenas e o desenvolvimento do capitalismo no Brasil ainda tem como fio condutor a disputa pela posse da terra. Se o conflito sempre foi brutal e intenso, o Golpe Jurídico-Parlamentar-Midiático de 2016 amplificou um processo de radicalização à direita da ‘questão da terra’ e da ‘questão indígena’ no país. Retomemos: a crise econômica desencadeada em 2008 trouxe aos capitalistas brasileiros, sobretudo aqueles vinculados ao agronegócio, a necessidade de ampliar seus lucros intensificando processos de hiper-exploração através da rapinagem, roubo e assassinato. A aprovação do Código Florestal em 2013 é parte desse processo, que vem se aprofundando com rapidez desde então. Esse movimento, contudo, integra-se à um cenário mais amplo, da crise global do capitalismo, na qual a própria posição do Brasil dentro da divisão internacional do trabalho se altera, diminuindo os níveis de densidade industrial não vinculada à agroindústria e ampliando a participação do agronegócio e de sua indústria correlata, na composição do PIB brasileiro. O avanço do agronegócio sob as terras nativas e reservas indígenas das regiões Norte e Centro-Oeste está intimamente vinculado com o desenvolvimento da pecuária e da cultura da soja, revelando que o movimento que foi descrito no parágrafo acima, integra-se à um cenário mais amplo, da crise global do capitalismo, na qual a própria posição do Brasil dentro da divisão internacional do trabalho se altera, diminuindo os níveis de densidade industrial não vinculada à agroindústria e ampliando a participação do agronegócio e de sua indústria correlata, na composição do PIB brasileiro. O avanço avassalador do agronegócio não se expressa apenas na extensa permanência do ex-ministro Ricardo Salles à frente da pasta do Meio Ambiente. Na verdade, praticamente toda a classe política tem tido papel ímpar na reorganização da economia e sociedade brasileira, adequando-a ao papel que o metabolismo do capital exige, fato comprovado pela força da Bancada Ruralista, financiada também por grandes multinacionais. A região norte do país, atualmente conta com o maior número de indígenas no território nacional. No primeiro semestre de 2021, o nível de desmatamento da região amazônica foi o maior nos últimos 6 anos, representando um aumento de mais de 50% em relação aos últimos 12 meses, demonstrando claramente uma intensa escalada na atuação dos grileiros na região. Das florestas públicas que se encontram na região amazônica, praticamente 25% já se encontram sob domínio dos grileiros. Mas as terras indígenas não encontram-se sob risco apenas do agronegócio. O capital minerador também estende seus tentáculos sobre a região, rica em metais preciosos. Os conflitos entre garimpeiros e indígenas cresce exponencialmente, tendo o Pará como epicentro dos conflitos. Em março passado, a Associação de Mulheres Munduruku foi destruída por garimpeiros que protestavam contra a intervenção da Polícia Federal na região, requisição feita pela Associação. O ataque à Associação, apoiado por empresários e políticos locais, expressa a necessidade de cortar pela raiz a possibilidade de organização independente por parte dos indígenas, fato que poderia colocar em xeque o poder econômico, político e social dos garimpeiros na região. Mas as ameaças aos povos indígenas não partem apenas da intimidação e coerção física. Gradativamente a ‘questão indígena’ também tem sido colonizada pelo neopentecostalismo, sobretudo em suas vertentes mais vinculadas ao ‘fardo do homem branco’ de disseminar a ‘civilização’ junto aos ‘bárbaros’. Os missionários neopentecostais não atuam apenas na África, mas também tem desenvolvido um profundo processo de evangelização forçada no Norte do país, buscando negar e apagar a cultura tradicional dos povos originários. Durante a pandemia, a situação se agravou profundamente. Não existe suporte estatal à população indígena, pois a morte por COVID faz parte de uma política higienista em curso pelo governo federal sob a égide do bolsonarismo. Os índígenas sofrem com o vírus mais que qualquer outra camada social brasileira, situação que incentivou a Articulação dos Povos Indígenas (APIB) a compor um relatório denunciando o governo Bolsonaro por genocídio, junto ao Tribunal de Haia. Para piorar, programas de mitigação da pandemia junto aos povos indígenas são desviados de suas funções. Como o professor Rogério dos Santos Bueno bem apresentou em sua coluna que sairá amanhã, 10/08, na Agência de Notícias do Cerrado vacinas destinadas à indígenas foram extraviadas e aplicadas em garimpeiros. Muitas denúncias deram conta que as cestas básicas destinadas à tribos que encontravam-se em situação de insegurança alimentar, eram distribuídas a partir do interesse de pastores e missionários evangélicos sob o comando de Damares A situação dos povos indígenas é tão periclitante, que a taxa de suicídio entre indígenas é três vezes mais alta que no restante da população. Aprisionados por um sistema jurídico, político, econômico, social e cultural que os explora e oprime, os povos indígenas precisam de condições para exercerem sua dignidade humana. Para nós, da Agência de Notícias do Cerrado, é central que as nações indígenas tenham condições de participar plenamente da vida política, desenvolvendo seu potencial econômico, social e cultural. Um Estado plurinacional como o instituído na Bolívia nos parece um horizonte que possibilita não apenas o ínicio de uma reparação histórica, mas sobretudo o desenvolvimento de uma nova forma de relação sociais que suplante a tragédia que vivemos hoje.