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Vírus da fome

!
10 Mai 2021

! !

"Enquanto o governo Bolsonaro 'passa a


boiada' e favorece o desequilíbrio
ambiental ao não reduzir as queimadas,
combater a derrubada de florestas e
a poluição de rios pelo garimpo ilegal,
o Brasil retorna ao mapa da fome", escreve Frei
Betto, autor de “O diabo na corte – uma
leitura crítica do Brasil atual” (Cortez),
entre outros livros.

Eis o artigo.
O governo Bolsonaro não apenas extinguiu
o Consea (Conselho Nacional de
Segurança Alimentar), em 2019, que havia
sido criado pelo governo Lula em 2003, como
fez aumentar a insegurança alimentar nos
lares brasileiros, atingindo 116,8 milhões dos
212 milhões de pessoas – mais de metade da
população.

Segundo o IBGE (nov. de 2020), mais de 50


milhões de pessoas se encontravam na pobreza
e 13 milhões, na extrema pobreza. É
considerado pobre quem tem renda per capita
mensal de, no máximo, R$ 499, e miserável
aquele cuja renda mensal não ultrapassa R$
178.

Da população brasileira, 14,4 milhões estão


desempregados; 40 milhões sobrevivem de
empregos informais; 13,6 milhões vivem em
favelas, dos quais metade está desocupada.
Metade das crianças brasileiras com menos
de 5 anos, que somam 6,5 milhões, vivem em
lares afetados pela insegurança alimentar. No
Nordeste, 51% das famílias não têm acesso
regular aos alimentos e na região Norte, 57%.

Enquanto se reduz o valor do auxílio


emergencial e aumentam a inflação e os
preços do gás de cozinha e da gasolina, os
dos alimentos subiram 19,42% nos últimos 12
meses. O menor valor da cesta básica é de R$
445,90 (Aracaju) e o maior, R$ 639,81
(Florianópolis). Por isso,1/3 das famílias
brasileiras se encontram em insegurança
alimentar.

No Brasil, a fome tem cor, gênero, nível de


escolaridade e (faltade) acesso ao saneamento.
Afeta 10,7% dos lares habitados por negros e
pardos, contra 7,5% dos lares de brancos; 11%
dos lares chefiados por mulheres e 7%
chefiados por homens; os chefes de 14,7% dos
lares não têm escolaridade ou não completaram
o ensino fundamental. Não têm acesso à água
44,2% dos lares.

Enquanto o governo Bolsonaro “passa a


boiada” e favorece o desequilíbrio
ambiental ao não reduzir as queimadas,
combater a derrubada de florestas e a
poluição de rios pelo garimpo ilegal, o
Brasil retorna ao mapa da fome. A devastação
do meio ambiente provoca climas extremos
(seca e frio rigorosos) e ameaças biológicas,
como as ondas de gafanhotos e a Covid-19, na
medida em que se interrompem os ciclos de
predadores naturais.

Essas práticas trazem danos à agricultura e à


pecuária. Ao converter perdas de produção
agrícola em equivalentes calóricos e
nutricionais, ao longo de 10 anos (2008-
20018), a FAO constatou que elas atingiram o
índice anual de 6,9 trilhões de quilocalorias, o
que equivale ao que 7 milhões de pessoas
ingerem, em calorias, por ano. Na América
Latina e no Caribe, a perda por pessoa foi de
975 calorias, o que equivale a 40% da dose
diária recomendada. Nosso Continente superou
a África (559 calorias) e a Ásia (283 calorias).

Segundo Jean Ziegler, perito da ONU, o


mundo, hoje, produz alimentos para 12 bilhões
de bocas. E somos 7,8 bilhões de habitantes,
dos quais 8,9% sobrevivem em insegurança
alimentar e 24 mil morrem, por dia, em
consequência da desnutrição. Um total de 9
milhões por ano. Portanto, o problema não é a
falta de alimentos, e sim a falta de acesso a eles,
ou seja, justiça. O capitalismo fez do
alimento, um direito natural como o ar que se
respira, uma mercadoria. Come quem pode
pagar. Morre de fome quem não dispõe de
renda.

Grandes corporações transnacionais se


apoderaram de terras, água e sementes.
Produzem transgênicos, que impedem os
pequenos agricultores de replantarem e exigem
mais agrotóxico, causando danos à saúde
humana e ao meio ambiente. Os agricultores,
impedidos de negociar diretamente sua
produção, são obrigados a repassá-la às
empresas que controlam as commodities
agrícolas, negociadas por fundos de pensão e
bancos de investimentos. Produtos como suco
de laranja, milho, soja, trigo e café,
provenientes de amplas áreas de
monocultura, são estocados quando se faz
necessário aguardar a majoração de seus preços
no mercado. E a soja e o milho são
prioritariamente destinados a alimentar
rebanhos, e não seres humanos.

Diante desse trágico panorama, o que fazer? O


mais urgente é derrubar os vetos de
Bolsonaro à lei de Assis Carvalho,
proposta no PL 735/2020, fundamental para
ampliar a produção de alimentos
saudáveis pelas agriculturas familiar e
camponesa. Embora aprovado por
significativa maioria da Câmara e unanimidade
no Senado, Bolsonaro vetou 14 dos 17 artigos,
de modo a impedir o poder público de comprar
alimentos diretamente da agricultura
familiar e doar às famílias mais pobres. Vetou
também estender o auxílio emergencial aos
pequenos agricultores.

São inúmeras as iniciativas solidárias para


amenizar, em caráter de urgência, a fome
agravada pela pandemia no Brasil. O MST,
com suas 30 mil famílias acampadas e 450 mil
assentadas, até setembro do ano passado já
havia distribuído 3,5 mil toneladas de
alimentos, em 24 estados, a pessoas em
situação de rua, associações de moradores,
abrigos, asilos, hospitais públicos e
comunidades indígenas, além de incentivar a
criação de cozinhas e hortas comunitárias.

Outros exemplos de iniciativas solidárias são a


Ação da Cidadania, a Cufa (Central Única
das Favelas), o G10 das Favelas, a Central
de Movimentos Populares, os Bancos de
Alimentos, o Mesa Brasil Sesc, entre
outras.

O mais importante, contudo, é conquistar uma


nação justa, com menos desigualdade
social e uma renda básica assegurada a cada
cidadão e cidadã, sem que ninguém sofra pela
falta do mais elementar direito humano – o
de se alimentar.

Leia mais
A fome no Semiárido reside em um projeto
político que não tem o combate à pobreza
como prioridade
Benditas fomes
O retorno da fome ao Brasil está no centro de
interesses econômicos e políticos. Entrevista
especial com Maria Emília Lisboa Pacheco
Semiárido abriga quase metade das pessoas
que passam fome no Nordeste
José Graziano, ex-diretor da FAO, aponta
papel do agronegócio no agravamento da
fome
Tributação dos super-ricos – Justiça fiscal
urgente para combater a fome. Artigo de
Maria Regina Paiva Duarte
Fome volta ao Brasil e quase dois terços da
população urbana sofrem de insegurança
alimentar. Entrevista especial com Renata
Motta
Pandemia da fome
De volta ao infame Mapa da Fome
O preço dos alimentos bate recordes e
aumenta a fome. Artigo de José Eustáquio
Diniz Alves
Enfrentar a fome com a força das nossas
lutas
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Nutricídio: A relação entre a indústria da
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A fome só é erradicada com política de
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A fome ameaça mais de 20 países
Número de pessoas com fome vai a 19
milhões, e insegurança alimentar dispara no
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Josué de Castro: por que ler um dos
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