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15/06/2022 11:11 27.

Fome, miséria e sustentabilidade - Jornal da Ciência

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e sustentabilidade

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27. Fome, miséria e sustentabilidade

“Qualquer proposta que não inclua pobreza e fome não pode ser considerada sustentável”, pontua Vitor
Francisco Ferreira, professor titular da Universidade Federal Fluminense e membro da Academia Brasileira de
Ciências (ABC)

Esta cova em que estás, com palmos medida


É a conta menor que tiraste em vida

É de bom tamanho, nem largo nem fundo


É a parte que te cabe deste latifúndio….

Morte e Vida Severina, 1956, João Cabral de Melo Neto

Em 1798, Thomas Robert Malthus previu que com a população de crescendo numa proporção geométrica
não seria possível alimentá-la com a produção agrícola à época, pois esta aumentava aritmeticamente.
Embora essa previsão não tenha se concretizado totalmente, pois com o avanço da ciência e tecnologia na
área agrícola a oferta de alimentos cresceu muito e foi capaz de atender parcialmente as necessidades
alimentares da humanidade, nos dias atuais, entretanto, cerca de 16,6% da população mundial passa fome. O
mundo não produz alimentos suficientes para todos no planeta e parte da população mundial está subnutrida
consumindo menos do que as 2.100 calorias recomendadas por dia. Ainda mais, um bilhão de pessoas vivem
com menos de US $ 1,25 por dia em extrema pobreza sem água potável, saneamento, educação, abrigo,
energia, medicamentos, médicos, etc.1

Levantamento divulgado em 08/06/2022 pelo 2º Inquérito Nacional sobre Insegurança Alimentar no Contexto
da Pandemia da Covid-19 no Brasil,2 realizado pela Rede Brasileira de Pesquisa em Soberania e Segurança
Alimentar e Nutricional mostrou que no Brasil há cerca de 33,1 milhões de pessoas sem ter o que comer
diariamente. A insegurança alimentar atinge 58,7% da população, ou seja, quase 6 em cada 10 famílias não
têm comida garantida todos os dias. No início deste ano, Professor Walter Belik, um dos criadores do Fome
Zero, já alertava que o Brasil estava de volta ao Mapa da Fome com desmonte deliberado das políticas
estabelecidas para o combate à fome.3

No entanto, apesar de o Brasil fornecer alimentos para 1 a 1,5 bilhão de pessoas no mundo,
inexplicavelmente, não consegue alimentar integralmente sua população. O país é atualmente o maior
produtor de açúcar, café e suco de laranja e o maior exportador de carne bovina e soja. Enquanto os produtos
agrícolas do Brasil estão se tornando importantes alimentos no mundo, gerando bilhões de dólares, parte do
povo brasileiro não tem como se alimentar todos os dias.
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A UNESCO recomendou que o ano 2022 fosse proclamado o “Ano Internacional das Ciências Básicas para o
Desenvolvimento Sustentável”. Destacou seis Objetivos do Desenvolvimento Sustentável (ODS) relacionados
às Ciências Básicas e que, portanto, deveriam ser mais explorados pela comunidade Científica, pois estes
objetivos incluem os maiores problemas ambientais. Esse ato político fez com que diversas sociedades
científicas, institutos de pesquisas e universidade se mobilizassem para prover discussões sobre o
desenvolvimento sustentável. No entanto, nesses seis ODS selecionados pela UNESCO não estão incluídos
aqueles diretamente voltado para a pobreza (ODS 1, sem pobreza) e a fome (ODS 2, fome zero).

A UNESCO poderia decretar o “Ano Internacional no Combate da Pobreza e da Fome”, pois é vergonhoso
viver num planeta onde a pobreza e a fome estão espalhadas e onde se saqueia o capital natural em nome do
desenvolvimento e do lucro.

No caso dos países pobres, onde a pobreza é absoluta, as pessoas não têm renda suficiente para atender
suas necessidades básicas de alimentos, água potável, roupas, abrigo, saneamento, serviços de saúde e
educação. A pobreza absoluta é a principal causa da miséria humana sendo responsável pela fome,
desnutrição, vulnerabilidade às doenças, crianças morrendo por doenças simples, desenvolvimento infantil
atrofiado e menor expectativa de vida. O fato é que a pobreza está associada à insuficiência de renda, saúde
e educação, mas principalmente prejudica a expectativa de oportunidade, dignidade e capacidade de
autonomia como humanos.

A exploração dos recursos naturais por uma minoria que procura apenas o lucro está levando ao aumento das
desigualdades e exaurindo o capital natural do planeta que já mostras sinais do esgarçamento do tecido
ambiental através de eventos climáticos extremos, provocando que mais pessoas ingressem na situação de
pobreza absoluta. Um desenvolvimento sustentável deveria considerar uma produção com equilíbrio e
harmonia sem dominação da natureza, visão centrada na pessoa humana e benefício econômico para os
pobres e fome zero.

É urgente repensar a erradicação da fome e da pobreza com o consumo racional da água e capacitar os
pobres para que participem da economia sustentável; que aprendam a usufruir dos bens da natureza de modo
que seja possível prover sua família e manter a natureza.

Qualquer proposta que não inclua pobreza e fome não pode ser considerada sustentável. Parafraseando o
professor Ladislau Dowbor: “Em termos simples, estamos destruindo o planeta em proveito de uma minoria,
enquanto os recursos necessários ao desenvolvimento sustentável e equilibrado são esterilizados pelo
sistema financeiro mundial”.4

Sobre o autor:

Vitor Francisco Ferreira é professor titular no Departamento de Tecnologia Farmacêutica da

Universidade Federal Fluminense (UFF) e ,membro da Academia Brasileira de Ciências (ABC)

Notas:

1- https://www.embracerelief.org/world-hunger-facts-world-food-shortage-2021/
(https://www.embracerelief.org/world-hunger-facts-world-food-shortage-2021/)

2- https://pesquisassan.net.br/2o-inquerito-nacional-sobre-inseguranca-alimentar-no-contexto-da-pandemia-
da-covid-19-no-brasil/

3-https://www1.folha.uol.com.br/mercado/2022/01/volta-do-brasil-ao-mapa-da-fome-e-retrocesso-inedito-no-
mundo-diz-economista.shtml

4- Ladislau Dowbor, A era do capital improdutivo, 2017, Ed. Outras Palavras.

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*O artigo expressa exclusivamente a opinião de seu autor.

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