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Brazilian Journal of Development 116319

ISSN: 2525-8761

Estrutura produtiva brasileira, conjuntura econômica e a fome no país


do agronegócio

Brazilian productive structure, economic conjuncture and hunger in


the agribusiness country
DOI:10.34117/bjdv7n12-406

Recebimento dos originais: 12/11/2021


Aceitação para publicação: 01/12/2021

Carolina Martins Bianchi


Graduanda em Ciências Econômicas pela PUC-SP
Pontifícia Universidade Católica de São Paulo
Rua Monte Alegre, 984 - Perdizes, São Paulo - SP, 05014-901
E-mail: carolinambianchi@hotmail.com

Prof Orientadora: Maria Aparecida de Paula Rago


Doutora em História pela UNICAMP
Pontifícia Universidade Católica de São Paulo
Rua Monte Alegre, 984 - Perdizes, São Paulo - SP, 05014-901
E-mail: mrago@pucsp.br

RESUMO
Em 2021, a EMBRAPA divulgou um estudo afirmando que o agronegócio brasileiro
alimenta aproximadamente 800 milhões de pessoas ao redor do mundo, essa quantidade
de alimentos produzidos seria suficiente para alimentar quase quatro vezes a população
brasileira, inferior à 220 milhões de pessoas. Surpreendentemente, apesar da saída do
Mapa da Fome em 2014, com o sucesso de políticas sociais voltadas ao acesso de
alimentos, em 2020, 116 milhões de brasileiros sofriam com algum grau de insegurança
alimentar. Esses dados mostram que a problemática da fome não é consequência da falta
de alimentos, mas da falta de acesso da população a esses alimentos, por fatores de caráter
socioeconômicos, e que tende a aumentar devido às consequências econômicas da
pandemia de COVID-19. A fome é, sobretudo, herança do processo de colonização do
Brasil, de caráter exploratório e escravista, cujo modelo baseado no latifúndio, foi
determinante para a estruturação de uma sociedade essencialmente desigual, pautada na
concentração fundiária e em uma matriz econômica voltada para a exportação de produtos
primários. Concomitantemente, a expansão do Mercado de Derivativos alicerçada ao
processo de apropriação global de terras para produzir biocombustíveis, acarreta uma
tendência global de elevação dos preços dos alimentos, contribuindo para o aumento da
fome. Não obstante, a produção em larga escala do agronegócio contribui para a
propagação de patógenos e desenvolvimento de cepas mais virulentas e, em caso de
eclosão de epidemias, implica no aumento da fome.

Palavras-chave: Fome, Colonização, Agronegócio, Derivativos, Biocombustíveis.

ABSTRACT
In 2021, EMBRAPA released a study stating that Brazilian agribusiness feeds
approximately 800 million people around the world, this amount of food produced would

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be enough to feed almost four times the Brazilian population, less than 220 million
people. Surprisingly, despite the withdrawal from the Hunger Map in 2014, with the
success of social policies aimed at access to food, in 2020, 116 million Brazilians suffered
from some degree of food insecurity. These data show that the problem of hunger is not
a consequence of a lack of food, but of the population's lack of access to this food, due to
socioeconomic factors, and that it tends to increase due to the economic consequences of
the COVID-19 pandemic. Hunger is, above all, the inheritance of the colonization process
in Brazil, of an exploitative and slave-owning nature, whose model, based on latifundia,
was decisive in structuring an essentially unequal society, based on the concentration of
land ownership and on an economic matrix focused on the exportation of primary
products. Concomitantly, the expansion of the Derivatives Market based on the process
of global land grabbing to produce biofuels, leads to a global trend of rising food prices,
contributing to the increase of hunger. Nevertheless, the large-scale production of
agribusiness contributes to the spread of pathogens and the development of more virulent
strains and, in case of the outbreak of epidemics, implies an increase in hunger.

Keywords: Hunger, Colonization, Agribusiness, Derivatives, Biofuels.

1 INTRODUÇÃO

“Se você se der ao trabalho de ler este livro, se você se entusiasmar em lê-lo
em – digamos - 8 horas, nesse lapso terão morrido de fome cerca de 8 mil
pessoas: 8 mil são muitas pessoas. Se você não se der a esse trabalho, essas
pessoas também terão morrido, mas você terá a sorte de não ficar sabendo. Ou
talvez, provavelmente, prefira não ler este livro. [...] Mas se você leu este
pequeno parágrafo em meio minuto saiba que nesse tempo só morreram de
fome cerca de oito ou dez pessoas no mundo – e respire aliviado”
(CAPARRÓS, 2016, p.14).

Tudo começa e termina na economia. Doenças infecciosas, que se transformam


em pandemias, podem ter sua origem atrelada à produção intensiva de animais, criados
unicamente para serem abatidos e terem sua carne comercializada. Aberrações sociais,
como a fome, podem ter sua origem em razões de ordem econômica.
Um lockdown bem-feito e respeitado pela população teria a capacidade de
minimizar, e até extinguir, uma doença em um país. Aliás, epidemias são como uma
chama, se não for apagada e contida, o incêndio pode assumir tais proporções capazes de
derrubar um edifício. Uma doença, se não for contida, pode dizimar um país. Mais aí
voltamos para a economia, muitos afirmam que um lockdown traria consequências
catastróficas para a economia, resultaria em inúmeras falências e por consequência, em
um nível gritante de desemprego.

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No caso da fome, muitos indivíduos preferem acreditar que ela não é mais uma
realidade no país1, pois é vergonhoso que um país rico em recursos naturais, cujo solo é
extremamente fértil e suas terras são abundantes, haja uma população faminta. Sim, no
Brasil, em 2021, ainda existe a fome. Em sua obra A Bagaceira, José Américo de Almeida
escreve a seguinte frase: "Há uma miséria maior do que morrer de fome no deserto: É não
ter o que comer na terra de Canaã” (ALMEIDA, José Américo de. A Bagaceira).
O Romance de 30 e a Geração de 45 foram produtos dos movimentos literários
brasileiros de inspiração realista, reconhecidos por retratar temáticas relacionadas a
problemas socioeconômicos, como a pobreza e a fome, questões muito recorrentes.
Dentre os representantes destes movimentos pode-se citar Graciliano Ramos (Vidas
Secas, 1938) e João Cabral de Melo Neto (Morte e Vida Severina, 1955), que abordam a
pobreza dos nordestinos, que padecem da fome e são obrigados a migrar para outras partes
do país. Nesse caso, as principais razões da fome eram a seca e a concentração fundiária.
Mais de meio século depois da publicação dessas obras, entre os anos de 2017 e
2018, ainda havia cerca de 84,9 milhões de pessoas sofrendo com algum nível de
insegurança alimentar. Dessas, aproximadamente 10,3 milhões padeciam de insegurança
alimentar grave. A fome, em queda desde 2004, quando assombrava 34,9% dos
domicílios, aumentou 62,4% em relação à última pesquisa, feita em 2013.2
A Lei Orgânica de Segurança Alimentar e Nutricional – LOSAN (Lei nº 11.346,
de 15 de setembro de 2006), define Segurança Alimentar e Nutricional como a realização
do direito de todos ao acesso regular e permanente a alimentos de qualidade, em
quantidade suficiente, sem comprometer o acesso a outras necessidades essenciais, tendo
como base práticas alimentares promotoras de saúde que respeitem a diversidade cultural
e que sejam ambiental, cultural, econômica e socialmente sustentáveis. Assim sendo, o
comprometimento de exercer o direito a alimento regular, pode-se denominar "fome",
estando muitas vezes atrelada ao estado de miséria e pobreza da população.
Segundo Josué de Castro, a fome não se configura apenas como a completa
inanição vivenciada, geralmente, pela população em extrema miséria, a chamada “fome
crônica”, mas se manifesta também de modo parcial, a “fome oculta” ou subnutrição, que
se caracteriza como a falta permanente de determinados elementos nutritivos, sendo esta

1
“Falar que passa fome no Brasil é mentira, diz Bolsonaro; dados da ONU negam”, 9 janeiro 2021.
Disponível em: https://noticias.uol.com.br/politica/ultimas-noticias/2019/07/19/falar-que-se-passa-fome-
no-brasil-e-uma-grande-mentira-diz-bolsonaro.htm
2
https://agenciadenoticias.ibge.gov.br/

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um fenômeno mais frequente e que, além de acarretar a morte de indivíduos, compromete


seriamente o desenvolvimento do organismo humano (CASTRO, 1984, p.26).
Constituindo-se como uma das principais adversidades que assolam o país desde a
construção de sua sociedade, as principais causas da fome são de caráter político
econômicos.
O Censo Agropecuário de 2017 apontou que 77% dos estabelecimentos agrícolas
do país foram classificados como agricultura familiar, percentual que corresponde à cerca
de 3,9 milhões de estabelecimentos. Em relação à extensão de área das propriedades, a
agricultura familiar ocupava, no período da pesquisa, 80,9 milhões de hectares, o que
representa 23% da área total dos estabelecimentos agropecuários brasileiros.
Ainda segundo o levantamento, a agricultura familiar empregava mais de 10
milhões de pessoas, representando 67% do total de pessoas ocupadas na agropecuária no
país. No ano da pesquisa, o valor total da produção da agricultura familiar equivalia a R$
107 bilhões, equivalente à 23% de toda produção agropecuária brasileira.
Paralelamente ao aumento do número famintos no Brasil, o valor da produção dos
principais produtos agrícolas do país atingiu R$ 361 bilhões em 2019, com uma área
plantada de 81,2 milhões de hectares. Levando em conta apenas a cultura milho, foram
produzidos 101,1 milhões de toneladas3. O gráfico abaixo mostra a quantidade produzida
das maiores commodities brasileiras no ano de 2019. Somando-se a produção desses dez
produtos, tem-se 1079765386 milhões de toneladas, apenas desses 10 produtos,
produzidos em 2019.

Gráfico 1: quantidade produzida das maiores commodities brasileiras no ano de 2019.

FONTE: FAOSTAT Disponível em: http://www.fao.org/faostat/es/#rankings/commodities_by_country

3
Idem Ibidem

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Não obstante, os dados divulgados pela Companhia Nacional de Abastecimento


(CONAB) mostram que a produção de grãos apresenta uma tendência de alta nos últimos
anos. A produção estimada de grãos para a safra referente à 2020/2021 equivale à 268,7
milhões de toneladas, um aumento de cerca de 4% em relação à safra do ano anterior. Ao
longo da última década houve um expressivo aumento da safra, cerca de 61% entre 2011
e 2020, que pode ser observado na tabela abaixo.

Gráfico 2: Safra estimada no Brasil entre 2011 e 2020.

Fonte: Dados do CONAB

Ambos os gráficos deixam muito claro que a problemática da fome no Brasil não
é consequência da falta de alimentos, mas sim, da falta de acesso da população a esses
alimentos, por fatores de caráter econômico.
Tendo isso em vista, este ensaio visa apresentar um diagnóstico de algumas das
causas político-econômicas e estruturais da fome no país, no período correspondente ao
início dos anos 2000 até atualmente, mazela está que sempre esteve presente e tende a
aumentar devido às consequências econômicas da pandemia de COVID-19. Como
possíveis causas da fome, serão analisados o processo de apropriação global de terras por
governos e empresas multinacionais, que visa a produção de alimentos para a produção
de biocombustíveis; o Mercado de Derivativos e seu impacto na especulação do preço
das commodities alimentares; e o processo de formação econômica do Brasil, decorrente
do passado histórico colonial.
Além disso, expor-se-á um panorama da fome no Brasil atualmente, com os
impactos da pandemia de COVID-19, passando pela Era Lula, período no qual houve
uma expressiva redução da fome, devido, dentre outros fatores, aos programas sociais de

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combate à fome e à pobreza. Por fim, e como um fechamento do trabalho, versar-se-á


acerca dos impactos da fome para os indivíduos e para a sociedade como um todo.

2 ESTRUTURA PRODUTIVA DO SETOR PRIMÁRIO: AGRICULTURA


FAMILIAR X AGRONEGÓCIO

“Um “boia-fria” do Ceará ganha em média dois reais por dia, ou seja, um
pouco menos que um euro. Em 2003, o primeiro governo Luiz Inácio Lula da
Silva fixou o salário-mínimo diário do trabalho rural em 22 reais. Mas são
poucos os fazendeiros do Ceará que cumprem a lei de Brasília.” (ZIEGLER,
2013, p.78)

A Lei Federal de número 11.326, de julho de 2006, estabelece as diretrizes para a


formulação da Política Nacional da Agricultura Familiar e Empreendimentos Familiares
Rurais. Segundo ela, é considerado agricultor familiar e empreendedor familiar rural
aquele que pratica atividades no meio rural, atendendo, simultaneamente, aos seguintes
requisitos: não detenha, a qualquer título, área maior do que 4 (quatro) módulos fiscais;
utilize predominantemente mão-de-obra da própria família nas atividades econômicas do
seu estabelecimento ou empreendimento; tenha percentual mínimo da renda familiar
originada de atividades econômicas do seu estabelecimento ou empreendimento; dirija
seu estabelecimento ou empreendimento com sua família4.
Nessa toada, o Censo Agropecuário de 2017 apontou que 77% dos
estabelecimentos agrícolas do país foram classificados como agricultura familiar,
percentual que corresponde à cerca de 3,9 milhões de estabelecimentos. Em relação à
extensão de área das propriedades, a agricultura familiar ocupava, no período da pesquisa,
80,9 milhões de hectares, o que representa 23% da área total dos estabelecimentos
agropecuários brasileiros5.
Ainda segundo o levantamento, a agricultura familiar empregava mais de 10
milhões de pessoas, representando 67% do total de pessoas ocupadas na agropecuária no
país. No ano da pesquisa, o valor total da produção da agricultura familiar equivalia a R$
107 bilhões, equivalente à 23% de toda produção agropecuária brasileira6.

4
Lei n.11.326, de julho de 2006, referente à Política Nacional da Agricultura Familiar e Empreendimentos
Familiares Rurais. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_Ato2004-
2006/2006/Lei/L11326.htm
5
Censo Agropecuário de 2017, IBGE, 10 de janeiro de 2021. Disponível em:
https://censoagro2017.ibge.gov.br/templates/censo_agro/resultadosagro/pdf/agricultura_familiar.pdf
6
Idem Ibidem

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Logo, a partir desses dados, pode-se concluir que, apesar da agricultura familiar
corresponder à maioria dos estabelecimentos rurais, sua área de extensão é menos da
metade da área ocupada pelo agronegócio. Além disso, cabe ressaltar que a
empregabilidade na agricultura familiar é mais que o dobro da do agronegócio; sendo,
portanto, mais benéfica para a renda da população.
A agricultura familiar é constituída de pequenos produtores rurais, povos e
comunidades tradicionais, assentados da reforma agrária, extrativistas e pescadores. Os
principais alimentos por ela produzidos são: milho, raiz de mandioca, pecuária leiteira,
gado de corte, ovinos, caprinos, olerícolas, feijão, cana, arroz, suínos, aves, café, trigo,
mamona, fruticulturas e hortaliças. Ademais, esse segmento é responsável por 48% do
valor da produção de café e banana, 80% do valor de produção da mandioca, 69% do
abacaxi e 42% da produção do feijão7. Portanto, a agricultura familiar tem participação
significativa na produção dos alimentos que são disponibilizados para o abastecimento
do mercado interno brasileiro.
O agronegócio, por sua vez, caracteriza-se de largas áreas de cultivo, os
latifúndios monocultores, pelo uso intensivo de pesticidas, por maquinários sofisticados,
pertencentes à grandes corporações e financiados, muitas vezes, pelo mercado de
derivativos. Seu modelo produtivo baseia-se na utilização intensiva de sementes de alto
rendimento, fertilizantes, pesticidas, irrigação e mecanização, bem como no uso de novas
variedades genéticas fortemente dependentes de insumos químicos (MACHADO;
OLIVEIRA; MENDES, 2016, p. 507). Isso possibilitou a produção de alimentos em larga
escala e significativa diminuição de custos de produção, acarretando paulatinamente a
concentração do sistema alimentar.
Entretanto, ainda há uma certa discriminação por parte do governo federal no
tocante aos incentivos concedidos aos agricultores. Na safra de 2011/2012, o Plano Safra8
destinou R$ 107 bilhões para a agricultura empresarial, o agronegócio, e apenas R$ 16
bilhões para os agricultores familiares (SCOLESO, 2020). Essa discrepância entre os
valores não foi sanada ou mais bem distribuída ao longo dos anos: na safra de 2020/2021,
o PRONAF (Programa Nacional de Fortalecimento da Agricultura Familiar) recebeu R$

7
Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento, 26 de janeiro de 2021. Disponível em:
https://www.gov.br/agricultura/pt-br/assuntos/agricultura-familiar/agricultura-familiar-1.
8
O Plano Safra, elaborado pelo Governo Federal, consiste em um conjunto de políticas de crédito concedido
aos agropecuaristas brasileiros, à pequenas taxas de juros. Esses incentivos têm como objetivo viabilizar o
investimento desses agropecuaristas em maquinários, insumos, armazéns, de modo a possibilitar o aumento
da produção.

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19,4 bilhões para atender aos agricultores familiares, ao passo que foram destinados cerca
de R$ 29,4 bilhões ao PRONAMP (Programa Nacional para Médios Produtores) e R$
130,6 bilhões aos grandes produtores (SCOLESO, 2020).
Além disso, o mercado internacional de várias commodities agrícolas se
caracteriza por uma estrutura oligopolista, ancorada no alto grau de concentração da
produção em vários estágios da cadeia de valor (PRATES, 2007, p. 329), fato que
dificulta a sobrevivência de pequenos produtores e agricultores familiares no mercado e
corrobora sua paulatina concentração em poucas empresas, a maioria com sedes fora do
Brasil, como as multinacionais Cargill e Bunge.
A seguir, será realizada uma análise acerca de algumas das possíveis causas da
fome na atualidade. Para tanto, é imprescindível retornar à formação socioeconômica
brasileira, para compreender de que modo seu passado histórico impacta na fome.

3 A GÊNESE DA FOME NO BRASIL


3.1 FORMAÇÃO DA ECONOMIA BRASILEIRA
A ocupação econômica das terras que viriam a ser o Brasil, que ocorreu no início
do século XVI, constitui um episódio da expansão comercial europeia, cabendo à colônia
desempenhar o papel de retaguarda da economia de sua metrópole, de modo a assegurar
a autossuficiência econômica da metrópole (FURTADO, 2007, p.25; PRADO JÚNIOR,
1976, p.31; NOVAIS, 1979, p.61, 68). Não por acaso, a povoação das terras brasileiras
pelos colonos portugueses se deu entorno dos ciclos econômicos, como o açúcar, o ouro,
a borracha e o café, e a formação econômica-social brasileira se organizou em função do
seu papel de provedora de matérias-primas. Esses produtos tinham em comum o seu
destino, todos eram produzidos ou extraídos no Brasil e eram enviados para a metrópole,
Portugal, à qual cabia a maior parte dos lucros provenientes do seu comércio.
Assim, o Brasil caracterizava-se como uma colônia de exploração de Portugal,
isto, é, sua economia era voltada para o mercado externo, mais especificamente para sua
metrópole, e seu sistema produtivo consistia nas grandes propriedades escravistas, ou
seja, nos latifúndios, ocorrendo a transferência de todas as riquezas da colônia para a
metrópole (LACERDA et al., 2010, p. 25). Destarte, o comércio entre a colônia, Brasil, e
a sua metrópole, Portugal, era pautado pelo Pacto Colonial, que segundo LACERDA et
al. (2010, p. 30) “consistia basicamente no exclusivismo comercial da Metrópole em
relação às suas colônias, subordinando-as por meio de um conjunto de medidas
econômicas e políticas”.

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Esse exclusivismo metropolitano do comércio colonial, o qual consistia em uma


espécie de reserva do mercado das colônias para a burguesia comercial metropolitana,
assegurava que não houvesse o desenvolvimento de uma economia própria no Brasil,
tampouco de um mercado interno, de modo a manter a dependência da colônia em relação
à sua metrópole. Em suma, por meio deste mecanismo os colonos brasileiros somente
poderiam vender seus produtos para Portugal, e o faziam à baixos preços, ao passo que
estes mesmos colonos apenas podiam comprar produtos e bens manufaturados de sua
metrópole à altos preços, comércio este que gerava elevados lucros para Portugal e sua
burguesia, provenientes da revenda dos produtos adquiridos da sua colônia (NOVAIS,
1979, p.71-72, 88-89).
Nessa toada, a fim de povoar o território brasileiro, inibindo a invasão de suas
terras por outras metrópoles europeias, e ao mesmo tempo explorar economicamente o
território, a Coroa portuguesa dividiu a extensão de sua colônia em faixas de terra e as
doou aos homens importantes de Portugal. Estes, além de terem o direito de usufruir de
sua propriedade para a produção de gêneros agrícolas e posteriormente, comercializar sua
produção com a metrópole, passariam a ter a completa autonomia sobre aquele território.
Essas faixas de terra doadas receberam o nome de capitanias hereditárias, posto que não
poderiam ser vendidas, mas sim repassadas para seus descendentes. (NOVAIS, 1979, p.
93; MATTOS et al., 2012, p.438).
Destarte, entre 1534 e 1536 o território brasileiro foi dividido em 15 capitanias
hereditárias, que foram doadas para seus respectivos donatários. Essas capitanias
dispunham das condições ideais para o desenvolvimento das plantações de cana de
açúcar, as plantations, dando início ao ciclo do açúcar (MATTOS et al., 2012, p.439-
440). As plantations tiveram início durante a era colonial e consistiam em um sistema de
propriedades agrícolas de grandes proporções, os latifúndios, onde era praticada a
monocultura, através do uso de mão-de-obra escrava, produzia-se em larga escala e os
produtos eram destinados à exportação (LACERDA et al., 2010, p. 33).
Como mão de obra para trabalhar nessas faixas de terra, os colonos e a burguesia
metropolitana optaram pela escravidão como regime de trabalho, pois apenas o trabalho
compulsório seria viável economicamente para a produção agrícola em tais proporções.
Esses escravos eram aprisionados na África e trazidos para a América por meio do tráfico
negreiro, que era um setor altamente rentável do comércio colonial (FURTADO, 2007,
p. 76-77).

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Contudo, essa estrutura escravista da economia gerava uma limitação ao


crescimento da economia de mercado, já que as relações mercantis se restringiam aos
colonos senhores de escravos e ao reduzido contingente de mão de obra assalariada, os
quais importavam mercadorias da metrópole para o próprio consumo. Isso acarretava a
formação de um mercado interno extremamente reduzido, com pouquíssimos
consumidores, bem como a dependência da economia colonial com relação à economia
metropolitana (MATTOS et al., 2012, p.455).
Excluídos do consumo de bens trazidos da metrópole, ou de qualquer outra
natureza, aos escravos cabia uma pequena produção de subsistência dentro da terra
produtora para exportação, o que configurava uma faixa de produção de subsistência à
margem do mercado, fato que travava a constituição de um mercado interno (NOVAIS,
1979, p. 98, 104, 109-112). Produzia-se apenas o essencial para viver, sem o luxo dos
excedentes.
Não obstante, mesmo após a abolição da escravatura instituída pela Lei Áurea, em
1888, os escravos libertos viviam ainda, de certa forma, à margem da sociedade, com
dificuldades para arranjar emprego remunerado, sem propriedade de terras, ou seja,
quando tinham, sua renda era muito escassa para estabelecer um consumo regular, fato
que impossibilitava o desenvolvimento do mercado interno.
Com relação à dependência dos produtos manufaturados estrangeiros, devia-se à
política colonial das metrópoles que impedia o estabelecimento de manufaturas nas
colônias, a fim de garantir que os colonos importassem manufaturados de suas
metrópoles. Essa política também visava estabelecer certa dependência política
econômica das colônias em relação à metrópole, de modo a garantir a reserva do mercado
colonial aos seus produtos e impossibilitar a ocorrência de um possível processo de
independência da colônia. A isso soma-se o fato de que o Brasil colônia não possuía
condições econômicas para um surto manufatureiro, como um extenso mercado
consumidor e abundante capital inicial proveniente da acumulação primitiva (NOVAIS,
1979, p. 112-113).
Essa dependência econômica com relação aos outros países, no que concerne ao
consumo de bens industrializados, bem como a priorização do abastecimento do mercado
externo, com matérias-primas e alimentos, em detrimento ao mercado interno, é um
aspecto ainda prevalecente na economia brasileira no ano de 2020. Essa dependência
econômica e priorização das exportações deve-se, muito provavelmente, à herança

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colonial do país, que com sua elevada concentração de renda, foi incapaz de desenvolver
toda a potencialidade do seu mercado interno.
Pode-se afirmar que a concentração de renda no país teve início com a economia
açucareira, haja vista que cerca de noventa por cento da renda gerada por essa economia
no país se concentrava nas mãos dos senhores de engenho. Estima-se que, em um ano
favorável, o valor total do açúcar exportado seria equivalente a cerca de 2,5 milhões de
libras. Ademais, ao final do século XVI, o número de escravos africanos que viviam na
colônia era estimado em 20 mil habitantes, ao passo que a população de origem europeia
beirava os 30 mil habitantes (FURTADO, 2007, p. 78-80). Adicionalmente, a adoção da
escravidão como mão-de-obra, ao invés do trabalho assalariado, permitiu a extração de
maiores lucros provenientes da produção de açúcar e do tráfico negreiro, constituindo-se
um mecanismo de acumulação de capital (LACERDA et al., 2010, p. 35). Por
conseguinte, enquanto os senhores de terra e seus descendentes lucravam
aproximadamente 2 milhões de libras por ano, os escravos dos engenhos não possuíam
qualquer nível de renda, tampouco sua liberdade, o que constituía uma verdadeira
desigualdade de renda.
Concomitantemente, MATTOS et al., (2012, p.435) afirma que o estabelecimento
das capitanias hereditárias teria como consequência a concentração fundiária na mão dos
colonos, que se utilizavam destas economicamente para obter seu sustento e lucros, ao
passo que os escravos e os escassos trabalhadores assalariados do engenho não eram
donos de terras e sequer delas poderiam usufruir para obter sua subsistência. Destarte, a
transmissão dessas propriedades entre os descendentes dos nobres portugueses
corroborou para incrementar esse processo de desigualdade de renda e de terras, à medida
que foi quase nulo o processo de desconcentração de terras ao longo da história do Brasil.
Consequentemente, formou-se na sociedade uma classe de latifundiários e outra de
trabalhadores sem-terra, cuja origem deve-se ao passado colonial brasileiro, ou seja, a
desigualdade de terras e sua concentração é fruto dessa herança colonial.

3.2 A FOME ENRAIZADA


Pés descalços sobre a terra seca e sem vida, corpos cadavéricos e subnutridos,
cujas peles colam-se às ossaturas e os olhos se embutem dentro de órbitas fundas. Nem
as crianças, desse mal escapam, vestidas em maltrapilhos e valendo-se de suas forças
remanescentes, acompanham seus pais à beira das estradas, quando há, cercados por
esqueletos de animais, em busca de garantir a refeição do próximo dia, quem sabe, rumo

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à alguma cidade. Acima de suas cabeças, uma nuvem de urubus. Este poderia ser um
relato encontrado em algum jornal brasileiro atual, mas é uma descrição da pintura Os
Retirantes, de Candido Portinari, pintada em 1944, a qual buscava retratar o Brasil da
época.
Desde aquele período, o país não foi totalmente bem-sucedido em acabar com sua
principal mazela: a fome. A Organização das Nações Unidas para Alimentação e
Agricultura (FAO) estima que em 2017 havia cerca de 5,2 milhões de brasileiros passando
fome; o combate à fome no Brasil se estagnou, apesar de ter havido reduções
significativas do ano de 1999 em diante, quando esse número beirava os 20 milhões.
A mazela da fome sempre esteve presente no Brasil. Entre os anos de 1877 e 1879,
no Ceará, estima-se que cerca de 150 mil pessoas faleceram de fome (CASTRO, 1984,
p.227). A despeito da riqueza gerada à metrópole e aos colonos pelos ciclos econômicos,
a fome presenciou cada uma dessas produções de alimentos voltados à exportação. Um
exemplo disso é o beribéri, decorrente de fome caracterizada pela carência de vitaminas,
que imperou na bacia amazônica durante o ciclo da borracha, entre 1870 e 1910, à medida
que houve a absorção das atividades produtivas locais pela colheita do látex, o “ouro
branco” (CASTRO, 1957, p.181). Outro exemplo pode ser observado no ciclo da cana de
açúcar, na qual a monocultura da cana absorveu as terras disponíveis na região, em
detrimento do cultivo de viveres de subsistência orientados pela policultura, o que acabou
por agravar a fome no local (CASTRO, 1957, p.190).
Consequentemente a fome que perdura no país é consequência direta do seu
passado histórico colonial que culminou em uma exploração econômica malconduzida e
de caráter destrutivo cujo objetivo primordial era enriquecer a metrópole (CASTRO,
1957, p.161; CASTRO, 1957, p.190). Mais do que isso, é proveniente da inaptidão do
poder público para equilibrar os interesses privados, como os monopólios estrangeiros
interessados na exploração colonial do território, e os interesses coletivos, mais
especificamente, os de cunho nacional, de modo que o progresso econômico se limitou a
ampliar os lucros de um reduzido número de proprietários, sem atingir a totalidade da
população (CASTRO, 1984, p.267-269). Nas palavras de Josué de Castro:

“O colonialismo promoveu pelo mundo uma certa forma de progressos, mas


sempre a serviço dos seus lucros exclusivos, ou quando muito associado a um
pequeno número de nacionais privilegiados que se desinteressavam pelo futuro
da nacionalidade, pelas aspirações políticas, sociais e culturais da maioria. Daí
o desenvolvimento anômalo, setorial, limitado a certos setores mais rendosos,
de maior atrativo para o capital especulativo, deixando no abandono outros
setores básicos, indispensáveis ao verdadeiro progresso social.” (Idem, p.270)

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Essa economia orientada para a exploração primária da terra e voltada para


exportação de matérias-primas, que a priori atendia aos interesses da colonização
portuguesa e depois do capital estrangeiro, acaba por abastecer outros países com a
riqueza potencial brasileira, de seu solo e natureza, a baixos preços. Em contrapartida,
esse processo implica na não priorização do abastecimento do mercado interno, que ao
ficar em segundo plano, sofre com elevados preços dos gêneros alimentares devido ao
estrangulamento da oferta. Em suma, implantou-se uma agricultura extensiva de produtos
exportáveis ao invés de uma agricultura intensiva de subsistência para alimentar o
mercado interno (CASTRO, 1984, p.268).
A retirada da cobertura original do solo do Nordeste para a implementação da
monocultura da cana de açúcar foi responsável pelo processo de degradação e
desertificação dos solos da região, sendo intensificado pela plantação dessa cultura,
acarretando o esgotamento de fertilidade e tornando-se mais propício à erosão e resistente
ao plantio de outras culturas (CASTRO, 1984, p.107-108; SILVA et al. 2018, p.186).
Consequentemente, esses latifúndios monocultores acentuam a miséria alimentar nessa
área (CASTRO, 1984, p.29, 113), posto que as terras estão extremamente concentradas e
o solo, para se tornar mais fértil e propício para plantações de subsistência, necessitaria
de dispendiosos investimentos que a população não dispõem, corroborando na deficiência
alimentar.
Não obstante, as cidades e estados que foram palco dos ciclos econômicos, ao
demandarem bastante mão-de-obra para as produções voltadas para exportação, como o
açúcar e o ouro, e posteriormente o café, atraiam mais colonos europeus e eram
preenchidas com mais escravos, condicionando áreas de maior concentração
demográfica. Tendo por base dados estatísticos de 1950, Josué de Castro (1984, p.127)
afirma que em Pernambuco, zona açucareira, a densidade demográfica era de 137
habitantes por km2, ao passo que a densidade média do país, no mesmo período, equivalia
a 7 habitantes por km2. Mesmo após a decadência desses ciclos econômicos, essas cidades
continuaram com os maiores contingentes populacionais do país, com inchaço de mão-
de-obra, enquanto outras regiões caracterizavam-se como vazios demográficos, como por
exemplo o planalto central, que teve a ocupação devida à construção da cidade de Brasília
como nova sede do governo.
Dada a Lei da Oferta e da Demanda aplicada ao mercado de trabalho, quanto maior
é a quantidade de mão-de-obra disponível, mais difícil é de se arranjar emprego e menor
tende a ser os salários pagos aos trabalhadores, pois apesar de serem mais explorados,

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existe uma fila de pessoas dispostas a substituir o trabalhador que reclamar de exploração.
Tendo isso em vista, nas cidades com inchaço populacional, muitos trabalhadores tendem
a concorrer por uma mesma vaga de trabalho, implicando em um menor nível de salários.
Dependendo do valor salarial, essa situação pode implicar em indivíduos pobres com
maiores tendências a subnutrição. Há ainda, indivíduos que vivem à margem da economia
urbana por não conseguirem emprego, dependendo, muitas vezes, de auxílios do governo
para conseguirem se alimentar. Logo, outra herança colonial portuguesa é o excesso
populacional nos locais colonizados e nas áreas de capitanias hereditárias.
Concomitantemente, as desigualdades regionais provenientes da colonização e do
período que corresponde à República, decorrentes dos ciclos econômicos e acentuados
pelo processo de industrialização do Sudeste (CASTRO, 1984, p.276), que foi possível
graças ao ciclo econômico do café, corroboram para a concentração de renda nacional
nos estados mais ricos do país. Esse processo de concentração de renda que implica nas
desigualdades regionais fez com que a fome tivesse um caráter regional no Brasil. O mapa
da fome divulgado pelo IBGE aponta que em 2018, dos cerca de 10,3 milhões de
brasileiros que passaram fome, aproximadamente 41,5% viviam na região Nordeste. De
acordo com o levantamento, nas regiões Norte e Nordeste, menos da metade dos
domicílios tiveram acesso pleno e regular à alimentação adequada, cerca de 43% e 49,7%,
respectivamente. Ainda segundo o levantamento, dos 3,1 milhões de domicílios com
insegurança grave, 1,3 milhão estava no Nordeste, o que equivale a 7,1% dos lares, ao
passo que no Norte atingiu 10,2% dos domicílios, correspondente à 508 mil9.
Outra estrutura proveniente do sistema colonial que caracterizou a fome no Brasil
é a escravidão dos povos de origem africana. A escravidão deixou profundas marcas na
sociedade e se transformou, ao longo dos anos, no chamado racismo estrutural. Dados do
IBGE relativos ao período de 2017-2018 apontam que os domicílios em que a pessoa de
referência era autodeclarada parda representavam 50,7% dos domicílios com insegurança
alimentar leve, 56,6% de insegurança alimentar moderada e 58,1% de insegurança
alimentar grave, ao passo que em 15,8% do total de domicílios com insegurança alimentar
grave, a pessoa de referência era autodeclarada preta. A partir desses dados pode-se
concluir que no Brasil, os negros tendem a passar mais fome do que os brancos, ou seja,
a fome no Brasil tem um caráter racial, isto é, desigual entre as diferentes etnias e povos.

9
Disponível em: https://agenciadenoticias.ibge.gov.br/agencia-noticias/2012-agencia-de-
noticias/noticias/28903-10-3-milhoes-de-pessoas-moram-em-domicilios-com-inseguranca-alimentar-
grave

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Conclusivamente, dentre os principais legados deixados por Portugal ao Brasil


está um sistema econômico agroexportador, pautado no latifúndio, no escravismo e nas
desigualdades sociais que esse sistema implica. Além disso, pode-se afirmar que a
problemática da fome no país é uma herança do seu modelo de colonização, no qual um
número restrito de indivíduos enriquecia às custas da objetificação dos escravos, apenas
tratados como força de trabalho, marginalizados na sociedade e abandonados à fome após
a Lei Áurea, por não possuírem meios de produção e subsistência.
Após a explanação acerca das implicações da formação socioeconômica brasileira
na fome, propor-se-á uma análise de algumas de suas causas na atualidade, como as
influências do Mercado de Derivativos e a produção de biocombustíveis.

4 RAIZ DA FOME MODERNA: O MERCADO DE DERIVATIVOS E A


ESPECULAÇÃO DO PREÇO DAS COMMODITIES ALIMENTARES
A transformação do alimento em mercadoria ocorreu em meio a um sistema
alimentar paulatinamente concentrado e dominado por poucas empresas transnacionais
(MACHADO; OLIVEIRA; MENDES, 2016, p. 505). Nesse contexto, a alimentação tem
sofrido em processo de homogeneização, deixando de ser um sistema diversificado e
passando a ser hiper especializado e integrado aos sistemas de produção agroalimentar
(MACHADO; OLIVEIRA; MENDES, 2016, p. 506).
O mercado de derivativos foi um instrumento criado como resultado do processo
de desregulamentação e liberalização dos mercados financeiros e o desenvolvimento das
inovações financeiras (MACHADO; OLIVEIRA; MENDES, 2016, p. 510).
Os derivativos são contratos de compra e venda de commodities nas bolsas de
valores, cujos preços são formados a partir do preço do bem principal, isto é, a mercadoria
que está sendo negociada. Esse instrumento de negociação funciona de modo que o
produtor e o comerciante estabeleçam um comum acordo, o primeiro se comprometendo
a vender determinada quantidade de mercadoria em certa data futura e a um valor pré-
definido, ao passo que o segundo, se compromete a pagar a quantia acertada na data
combinada, uma espécie de antecipação das vendas. Destarte, o mercado de derivativos
surgiu com a finalidade de garantir maior estabilidade econômica ao produtor, que
venderia sua produção a um preço conhecido e que assegurasse, pelo menos um lucro
mínimo, não havendo necessidade de se precaver caso houvesse uma queda nos preços
no momento da colheita; e no caso do comprador, o contrato significava a garantia do
preço e a certeza do produto, evitando que houvesse uma elevação do preço na colheita.

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Não obstante, a partir da década de 1990 ocorreu a transformação do mercado


futuro de derivativos, o qual deixou de desempenhar sua finalidade de mecanismo
estabilizador de preços para os produtores, e passou a consistir em um instrumento de
especulação do preço das commodities alimentares. Entre 2005 e 2008, os especuladores
no mercado futuro do milho passaram a corresponder de 17% para 43% desse mercado
(ZIEGLER, 2013, p. 279). Concomitantemente, no ano de 2003 os investimentos nesses
ativos financeiros somavam-se cerca de 13 bilhões de dólares, passando a ser 317 bilhões
de dólares de 2008 (CAPARRÓS, 2016).
Essa popularização do Mercado de Derivativos foi favorecida pelas taxas de juros
historicamente baixas dos Estados Unidos e dos países centrais e de ampla liquidez
internacional, vigente desde o final de 2002. Nesse contexto, os bancos de investimento
globais passaram a ofertar novos fundos de commodities, que ao serem lucrativos e
altamente líquidos, atraíram elevadas somas monetárias. Esse processo ocasionou a alta
dos preços à vista que, por sua vez, reforçou a alta dos preços futuros. (PRATES, 2007,
p. 335).
Essa intensificação da especulação de gêneros alimentícios pode ser representada
pelo seguinte trecho:

“Dados da OCDE e da FAO demonstram que em 2008 no caso do milho


aproximadamente 40% das transações nos mercados internacionais de
commodities eram do tipo não comercial, sendo que no ano de 2005 a parcela
não comercial representava apenas 15%. Em outras commodities a situação era
a mesma ao final do ano de 2008: as transações não comerciais representavam
aproximadamente 40% no caso do trigo, 45% na soja e 30% no caso do açúcar”
(BELIK; CORREA, 2013, p.21).

Essa guinada na especulação dos preços de gêneros alimentícios foi uma das
variantes responsáveis para o aumento contínuo dos preços dos alimentos, contribuindo
para causar ou agravar a situação de vulnerabilidade à insegurança alimentar (BELIK;
CORREA, 2013, p.4).
Esse processo de intensificação da mercantilização dos alimentos ocorreu devido
à criação dos índices de commodities, bem como dos fundos de investimento que tinham
como principal ativo da carteira os preços dos alimentos na Bolsa de Valores. Os lucros
crescentes destes ativos vinculados à alimentos atraiu mais investidores e ganhos para os
bancos. Consequentemente, o mercado de derivativos foi se tornando paulatinamente um
instrumento de especulação financeira, o que acarretou um aumento exponencial dos

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preços dos gêneros alimentícios, que atingiram seu maior preço histórico (KAUFMAN,
2010, p.27).
Os gráficos abaixo ilustram o processo contínuo de aumento dos preços dos
alimentos a partir do ano 2000. O primeiro gráfico é referente ao preço por quilo do arroz,
pode-se notar que o preço, que era cerca de R$ 1,00/Kg em 2000, passou a ser superior a
R$ 5,00/Kg em meados de 2020. Nesse período, o preço do arroz sofreu uma elevação
superior à 400%. Por sua vez, o segundo gráfico representa o preço por 60 Kg do trigo,
em 2000 o preço era inferior a R$ 40,00/60 Kg e em 2020 ultrapassou a marca dos R$
80,00/60 Kg. O preço por 60 Kg de trigo subiu cerca de 118% entre 2014 e 2020.

Gráfico 3: Série histórica do preço por Kg do arroz.

FONTE: FAO Disponível em: https://fpma.apps.fao.org/giews/food-prices/tool/public/#/dataset/domestic

Gráfico 4: Série histórica do preço por 60Kg do trigo.

FONTE: FAO Disponível em: https://fpma.apps.fao.org/giews/food-prices/tool/public/#/dataset/domestic

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Essa alta nos preços dos alimentos faz com que as famílias mais pobres incorram
na substituição de alimentos, de modo que a quantidade consumida por família fique
reduzida com substituições por alimentos mais calóricos e menos nutritivos que impactam
diretamente na saúde e no bem-estar físico (BELIK; CORREA, 2013, p.4). Conforme a
renda aumenta nos países em desenvolvimento, uma parcela paulatinamente menor dessa
renda será destinada à compra de alimentos, priorizando adquirir produtos de maior valor
agregado, como carnes e alimentos industrializados.
Além disso, o investimento de especuladores no Mercado de Derivativos, os quais
vêm esse mercado como uma oportunidade de especular e aumentar seus lucros, faz com
que esses grandes investidores financeiros se transformem nos proprietários desses
alimentos, ou seja, o agricultor deixa de exercer o controle sobre sua própria produção
(MACHADO; OLIVEIRA; MENDES, 2016, p. 510). Ademais, atualmente o agricultor
também deve se submeter às decisões das empresas multinacionais de biotecnologia, as
quais vendem os insumos agrícolas e as sementes, e às grandes redes de supermercados
e indústrias, que impõem os preços, os produtos e os prazos de pagamento (MACHADO;
OLIVEIRA; MENDES, 2016, p. 511).

5 O “OURO VERDE”: OS BIOCOMBUSTÍVEIS DA FOME


5.1 A APROPRIAÇÃO GLOBAL DE TERRAS
5.1.1 O colonialismo do século XXI
O processo de desenvolvimento do capitalismo no período pós Segunda Guerra
Mundial, foi um processo marcado pela consolidação dos oligopólios internacionais, os
quais originaram a formação das empresas multinacionais. Essas empresas se tornaram a
expressão do capitalismo, que modelou novas formas de organização interna e de relações
de trabalho, permitindo superar as disputas de mercados e o controle de fontes de
matérias-primas entre as empresas nacionais (OLIVEIRA, 2008, p.21).

“Atualmente, as duzentas maiores sociedades do ramo agroalimentar


controlam cerca de um quarto dos recursos produtivos mundiais. Tais
sociedades realizam lucros geralmente astronômicos e dispõem de recursos
financeiros bem superiores aos dos governos da maioria dos países onde elas
operam. Exercem um monopólio de fato sobre o conjunto da cadeia alimentar,
da produção à distribuição varejista, passando pela transformação e a
comercialização dos produtos, do que a restrição das escolhas de agricultores
e consumidores. [...] Apenas dez sociedades – entre as quais a Aventis, a
Monsanto, a Pioneer e a Syngenta – controlam um terço do mercado mundial
de sementes, cujo volume é estimado em 23 bilhões de dólares por ano, e 80%
do mercado mundial de pesticidas, estimado em 28 bilhões de dólares. Dez
outras sociedades, entre as quais a Cargill, controlam 57% das vendas dos 30

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maiores varejistas do mundo e representam 37% das receitas das 100 maiores
sociedades fabricantes de produtos alimentícios e de bebidas. E seis empresas
controlam 77% do mercado de adubos: Bayer, Syngenta, BASF, Cargill,
DuPont e Monsanto” (ZIEGLER, 2013, p.151-152).

A apropriação global de terras consiste na expropriação de terras rurais por


empresas, investidores ou governos internacionais para explorá-las comercialmente,
expulsando a população que antigamente subsistiam dessas terras. Logo, a apropriação
global de terras consiste em uma nova forma do colonialismo. Segundo Martín Caparrós,
“antigamente, as potências ocupantes fincavam suas bandeiras, agora o fazem sob o
estandarte da globalização e do livre-comércio” (CAPARRÓS, 2016, p. 614-615).
Destarte, os países desenvolvidos que possuem poucas terras e as multinacionais
buscam adquirir grandes extensões de terra em países subdesenvolvidos por preços
irrisórios. Isso ocorre, pois esses países ou empresas não querem ter que depender do
comércio internacional para obter os alimentos que necessitam. Além disso, dado o
aumento expressivo dos preços dos alimentos a partir de 2007 tornou a produção de
alimentos uma atividade extremamente rentável, intensificando o processo global de
apropriação de terras (CAPARRÓS, 2016, p. 615-616).
Nas últimas duas décadas, a América Latina protagonizou o “Consenso das
Commodities”, o que contribuiu para a tendência mundial de inserção das empresas
multinacionais, implicando no aumento da concentração fundiária e no domínio dos elos
da cadeia de valor do agronegócio, e consequentemente, no processo de reprimarização
(CEPAT, Produção mundial de alimentos: agronegócio e insegurança alimentar,
https://youtu.be/GyiMpszl8EY, acessado em 14/08/2021).
Em 2010, o Banco Mundial estimava que, até aquele ano, haviam sido apropriados
cerca de 56 milhões de hectares de terras, o que seria maior do que toda a superfície da
Espanha. Por sua vez, um estudo da National Academy of Sciences estima que já havia
sido apropriada uma área equivalente a 100 milhões de hectares (CAPARRÓS, 2016, p.
617).
Assim, cerca de um terço dessas terras é utilizada para a produção de alimentos, e
um terço é usado para cultivar alimentos para a produção de biocombustíveis. O terço
restante abriga áreas de florestas para gerar bônus de carbono, isto é, são áreas de
compensação das emissões dos gases de efeito estufa produzidos por países
desenvolvidos (CAPARRÓS, 2016, p. 618).

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Esse processo de apropriação de terras fez com que, aproximadamente 25% das
terras do cerrado brasileiro pertençam a empresas estrangeiras, como a Soros, Rothschild,
Cargill, Bunge, Mitsui (CAPARRÓS, 2016, p. 619).
Essa procura pela aquisição de terras nos países subdesenvolvidos está implicando
em um cerco maciço das terras "não privadas" restantes e na desapropriação de áreas
rurais pobres. Nesse contexto, têm-se aumentado os casos de grilagem de terras, desde
2006, de 15 a 20 milhões de hectares de terras agrícolas nos países em desenvolvimento
foram vendidos ou arrendados, ou estão em negociação para venda ou arrendamento, a
entidades estrangeiras. Consequentemente, passou-se a recear o impacto potencialmente
devastador do desdobramento da apropriação global de terras em áreas com insegurança
alimentar generalizada (BORRAS JR, FRANCO, 2012, p.37).
Não obstante, os países que mais sofrem com a apropriação global de terras,
geralmente são aqueles onde a mão de obra é relativamente mais barata e a terra é
considerada abundante. Nestes casos, esses países tendem a se tornar paulatinamente mais
dependentes dos mercados internacionais para alcançar a segurança alimentar, posto que,
apesar de produzirem alimentos, estes são exportados, sendo mais atingidos pela
volatilidade dos preços dos gêneros agrícolas (BORRAS JR, FRANCO, 2012, p.37-38).
Segundo BORRAS JR, FRANCO (2012), esse movimento atual de apropriação
global de terras tem como características: (1) a mudança na utilização da terra,
compreendendo terras que envolvem a conversão de áreas florestais ou terras
anteriormente dedicadas à produção de alimentos para subsistência ou consumo
doméstico para a produção de gêneros alimentícios ou biocombustíveis para exportação;
(2) tem caráter internacional e impulsionado em grande parte pelos Estados Nacionais e
empresas, como a China, Coreia do Sul, EUA e países europeus; (3) os acordos pelas
terras costumam envolver cada vez mais capital financeiro, implicando na especulação
do preço dessas terras; (4) a compra e venda dessas terras envolve, muitas vezes, a não
transparência de informações e dos contratos, a não anuência da população local, e
corrupção envolvendo governos nacionais e locais; e (5) a compra e venda de terras
acabam por implicar na expropriação de terras de comunidades tradicionais, aquelas que
não têm direitos de propriedade formais, legais e claros sobre as terras contestadas
(BORRAS JR, FRANCO, 2012, p.37-38).
Não obstante, a apropriação global de terras gera mudanças do uso dessas terras.
Primeiramente, pode haver a conversão de terras dedicadas anteriormente à produção de
alimentos para subsistência em produção de alimentos para venda no mercado interno,

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processo chamado de mercantilização da produção de alimentos, pois à medida que o


preço dos alimentos sobe, mais camponeses tendem a vender parte ou a totalidade de sua
produção de alimentos no mercado para obter mais dinheiro. Em segundo lugar, pode
haver a conversão de terras dedicadas anteriormente à produção de alimentos para
subsistência ou à venda no mercado interno em produção de gêneros alimentícios para
exportação (BORRAS JR, FRANCO, 2012, p.40).
Concomitantemente, pode haver também a conversão de terras dedicadas
anteriormente à produção de alimentos em terras para a produção de biocombustíveis para
exportação, processo que “deixa de alimentar as pessoas em países em desenvolvimento
para abastecer carros no mundo industrializado”. Esse é o modo mais utilizados das terras
apropriadas, ou seja, a maioria dos acordos de compra e venda de terras atualmente não
são para a produção de alimentos, mas para a produção de biocombustíveis e outros
produtos industriais. A produção de biocombustíveis por empresas para exportar
geralmente requer financiamento em grande escala, monocultura, produção e
processamento em escala industrial e nova infraestrutura, operação adotada na produção
de etanol, exemplificada pela cana-de-açúcar brasileira (BORRAS JR, FRANCO, 2012,
p.41).
Por fim, pode haver também a conversão de florestas, terras de vegetação nativa
e áreas de preservação ambiental em terras para a produção de alimentos para exportação.
Esse tipo de apropriação global de terras gera desmatamento e destruição de florestas,
sendo um fenômeno recorrente no Brasil desde a era colonial, a fim de sustentar um estilo
de vida de consumo excessivo no exterior. O aumento da demanda por carne barata para
produção de fast food no hemisfério norte, desde a década de 1970, resultou no
desmatamento de florestas do hemisfério sul para expandir os pastos para a produção de
gado (BORRAS JR, FRANCO, 2012, p.43-44).
Além disso, o aumento do setor pecuário nos países do hemisfério norte, incluindo
a China, demanda ração animal barata, que é obtida por meio da expansão da fronteira
agrícola em áreas que abrigam florestas, como é o caso da expansão da soja na América
do Sul, contribuindo para o desmatamento de florestas. A maioria dessas iniciativas de
expansão da produção são impulsionadas por empresas nacionais e multinacionais, sendo
encorajadas pelos governos locais (BORRAS JR, FRANCO, 2012, p.43-44).

5.1.2 Biocombustíveis: alimentos que viram fumaça


Segundo Ariovaldo Umbelino de Oliveira (2008):

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“A produção de commodities para o mercado mundial tornou-se o objetivo


primeiro da produção mundial de alimentos. Isto quer dizer que se produz para
quem tem poder de compra esteja ele onde estiver no mundo. Ou seja, a
produção de alimentos não tem mais o objetivo primeiro de abastecer a
população do estado nacional onde ele é produzido. O exemplo da produção
do trigo no Brasil é exemplar. O Brasil tornou-se o primeiro país importador
deste grão do mundo (11 milhões de toneladas). A produção nacional de trigo
não tem ultrapassado a 3,5 milhões de toneladas. Porém, quando os preços
internacionais estão altos, exporta-se para o mundo o trigo que o país produziu
e que não suficiente para o seu próprio abastecimento” (OLIVEIRA, 2008,
p.23).

A produção dos EUA de etanol a partir do milho foi seguido pelos países da União
Europeia na produção de etanol por meio de grãos. Os Estados Unidos se tornaram o
maior produtor mundial de etanol, acarretando que parte do milho destinado à
alimentação e a produção de ração animal fosse destinada à produção de etanol. Este
aumento do consumo do milho implicou na especulação da queda dos estoques, o que
elevou os preços da soja, do trigo e do arroz (OLIVEIRA, 2008, p.26).
Os principais tipos de biocombustíveis são o biodiesel e o bioetanol. O primeiro,
é produzido a partir de matéria orgânica, ou seja, biomassa, obtido através de óleo vegetal
ou animal, transformado pela transesterificação, um processo químico, e fazendo-se
reagir o óleo com um álcool. O segundo, é obtido pela transformação de vegetais que
contêm sacarose, como a beterraba e a cana de açúcar, pela fermentação do açúcar
extraído do vegetal; ou amido, como o trigo e o milho, pela hidrólise enzimática do amido
contido no cereal (ZIEGLER, 2013, p.243).
Além da especulação dos preços dos alimentos, a demanda por matérias-primas
para a produção de biocombustíveis também tem contribuído para o aumento dos preços
dos alimentos, acarretando o agravamento da situação de vulnerabilidade à insegurança
alimentar. O uso dessas fontes energéticas menos poluentes exerce pressão nos mercados
de soja e de açúcar para a produção de biodiesel e de etanol. Devido aos aumentos do
preço do barril de petróleo, houve um aumento na procura por fontes alternativas de
energia (BELIK, CORREA, 2013, p.4, 21).
A produção e o comércio dos biocombustíveis é dominada pelos trustes
agroalimentares, os quais apoiam esses combustíveis por meio do argumento de que a
substituição da energia fóssil pela vegetal seria fundamental para combater a degradação
do clima e os danos ambientais. Em contrapartida, para produzir um litro de bioetanol,
são necessários 4000 litros de água, contribuindo paulatinamente para a escassez dos
recursos hídricos do planeta (ZIEGLER, 2013, p. 243-244, 247).

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Tendo-se em vista que o Brasil é um dos maiores produtores agrícolas do mundo


e o maior exportador mundial de frangos, produzindo cerca de 7 bilhões desses animais
por ano, há a necessidade de importar grãos para alimentar os frangos. São necessárias 4
calorias vegetais para produzir uma caloria de frango, seis para produzir uma de porco,
dez calorias vegetais para produzir uma de vaca ou de cordeiro. Analogamente, são
necessários 1,5 mil litros de água para produzir 1 kg de milho, 15 mil para 1 kg de vaca.
Assim, um hectare de terra fértil pode produzir 35 kg de vegetais, ao mesmo tempo que,
se a terra fosse usada como pasto, produziria apenas 7 kg de proteína animal. Destarte,
pode-se concluir que a produção de animais para o consumo humano gasta muitos
recursos naturais, bem mais do que a produção de vegetais para o consumo, diferença
essa que poderia ser utilizada para alimentar mais seres humanos (CAPARRÓS, 2016, p.
121).
Em 2011, os trustes norte-americanos queimaram cerca de 38,3% da colheita
nacional de milho, contra 30,7% em 2008, com subsídio de 6 bilhões de dólares de fundos
públicos. Esses números de 2008, equivalem a 138 milhões de toneladas de milho, o
correspondente a 15% do consumo mundial. Para produzir cinquenta litros de bioetanol,
que é o tamanho médio do tanque de um carro, é necessário destruir 358 quilos de milho;
com essa mesma quantidade de milho, uma criança que mora na Zâmbia ou no México
vive um ano. Desde 2008, o preço do milho no mercado internacional aumentou em 48%
(ZIEGLER, 2013, p.249, 251-252).
A produção de biocombustíveis nos Estados Unidos e na Europa foi responsável
por cerca de 70% a 75% pela alta do preço dos alimentos nos anos de 2007-2008. Tem
ocorrido uma substituição de culturas voltadas para alimentação para produzir cana-de-
açúcar e outros biocombustíveis para fins energéticos. Este processo foi agravado pela
elevação do preço dessas commodities, de modo que alguns produtores optaram por
direcionam exclusivamente sua produção para esses produtos mais valorizados, em
detrimento da produção de alimentos, como é o caso de algumas cidades de São Paulo,
onde os produtores agrícolas têm substituído a produção de laranja pela de cana-de-açúcar
devido ao crescimento de sua demanda e de seu elevado preço (BELIK, CORREA, 2013,
p.21-22).
Concomitantemente, uma junção de crises globais, como a ambiental, energética
e alimentar, recentemente contribuiu para uma demanda massiva por terras,
principalmente as localizadas no hemisfério Sul. Essa "reserva de terras agrícolas" pode
ser transformada em zonas de investimentos em alimentos, ração animal e produção de

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combustível. Nesse sentido, corporações multinacionais e nacionais de amplos setores,


como petrolífero, automotivo, mineração, silvicultura, alimentos, produtos químicos,
bioenergia e biotecnologia, estão adquirindo ou declarando sua intenção de adquirir,
grandes extensões de terra para construir, manter ou ampliar empresas extrativas e
agroindustriais em grande escala. Não apenas as empresas, mas também os governos de
países desenvolvidos, que possuem poucos recursos naturais em seus territórios,
procuram adquirir terras nos países subdesenvolvidos e ricos em recursos naturais para
ajudar a garantir a alimentação de seu povo e as necessidades de energia no futuro
(BORRAS JR, FRANCO, 2012, p.37).
Muitas vezes, o processo de mudança no uso da terra está alicerçado a manobras
de governos nacionais e locais, como promessas de melhoras nas condições de vida da
população local e emprego, até o uso de coerção e violência. No estado de São Paulo, a
promessa de melhores condições de vida com o arrendamento e emprego tem induzido
muitos beneficiários da reforma agrária a abandonar seus assentamentos e arrendá-los a
empresas canavieiras (BORRAS JR, FRANCO, 2012, p.41-42).
No Brasil, o Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST) teve a
iniciativa da produção alternativa de biocombustíveis no contexto de “soberania
energética”, de modo que a produção de matérias-primas para biocombustíveis é
intercalada com a produção de alimentos para consumo. Segundo João Pedro Stedile, do
MST:

“Among our bases and with our movements, in relation to the production of
agrofuels by small farmers and peasants, we should discuss a political
orientation of production based on the principles of food sovereignty and of
energy sovereignty.This means we should be saying that all agricultural
production of a country, of a people, should in the first place ensure the
production and the consumption of healthy food for all. And that the
production of agrofuels should always be in second place, in a secondary form.
It should be based on the energy needs of each community and people.And
agrofuels should never be produced for export. Respecting these principles we
can think of new methods for the production of agrofuels that in fact do not
worsen the environment, that do not substitute for food, but at the same time
can represent an increase in income for the peasants and sovereignty in the
energy that they use. So we can stipulate that agrofuels can only be produced
using polycultures, from various complementary sources . . . That only 20% of
each production unit can be used for agrofuels . . . And that fuels should be
produced in small and medium-sized cooperatively-owned manufacturing
units. And they should be installed in rural communities, small settlements,
and small cities in such a way that each town, settlement, and city
cooperatively produces the energy they need” (BORRAS JR, FRANCO, 2012,
p.43).

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5.2 O PROGRAMA PRÓÁLCOOL: A “MALDIÇÃO DA CANA DE AÇÚCAR”

“A luta dos trabalhadores do engenho Trapiche é exemplar. As grandes terras


que se perdem na névoa do entardecer eram terras do Estado (terras da União).
E até poucos anos atrás eram terras que produziam víveres, ocupadas por
pequenas propriedades de um a dois hectares. Nelas, famílias viviam
pobremente, mas em segurança, com algum bem-estar e relativa liberdade.
Dispondo de excelentes relações em Brasília e consideráveis capitais,
financistas obtiveram das autoridades competentes a “desclassificação” – ou
seja: a privatização – dessas terras. Os pequenos plantadores de feijão e de
cereais foram então expulsos para as favelas de Recife – exceto aqueles que
aceitaram, por um salário de miséria, se tornar cortadores de cana; atualmente,
são superexplorados (ZIEGLER, 2013, p. 255).

No Brasil, o programa de produção de biocombustíveis constitui uma prioridade


da agenda governamental, sendo a cana de açúcar a matéria prima mais rentável para a
produção de bioetanol. O nome deste programa é Proálcool. Em 2009, o país consumiu
14 milhões de litros de bioetanol e de biodiesel e exportou 4 milhões de litros. O governo
pretende elevar a 26 milhões de hectares a superfície de cultivo da cana de açúcar
(ZIEGLER, 2013, p. 255-256).
O programa Proálcool foi criado em 1975, tendo como objetivo a produção de
álcool anidro para utilização no transporte rodoviário nacional, a fim de reduzir a
dependência do país com relação ao petróleo, o qual atingia elevados preços devido aos
choques do petróleo (TANACA et al, 2008, p. 3).
Nesse sentido, a implementação do programa Proálcool implica na concentração
de terras nas mãos das empresas multinacionais e de “barões autóctones”. Um exemplo
disso é o processo de concentração da propriedade fundiária nas mãos de grandes
empresas e de latifundiários em Ribeirão Preto, a maior região açucareira do estado de
São Paulo, mais aceleradamente a partir de 2002. Entre 1977 e 1980, a dimensão média
dessas propriedades passou de 242 para 347 hectares (ZIEGLER, 2013, p. 256).
Consequentemente, entre 1985 e 1996 ocorreu no país a expulsão de pelo menos
5,4 milhões de camponeses e a desapropriação de 941 mil pequenas e médias
propriedades agrícolas, posto que é inviável para estes concorrer com o modelo capitalista
monopolístico de produção de gêneros agrícolas. Esse processo contribui para a ameaça
da segurança alimentar do país, já que estes são responsáveis pelo abastecimento de
grande parte do mercado interno (ZIEGLER, 2013, p. 257).
O governo Lula, no seu segundo mandato, em meio ao contexto de ascensão da
produção de biocombustíveis, encomendou um estudo voltado para a expansão do
programa PróÁlcool a uma equipe de pesquisadores da UNICAMP. Destarte, foi

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projetado um cenário de crescimento da produção mundial de etanol de 26 bilhões de


litros/ano em 2004, saltando para 205 bilhões em 2025. Segundo estudo, em 20 anos, o
Brasil pode atingir a meta do fornecimento de 100 bilhões de litros/ano, de modo a atender
a demanda mundial. Para tanto, precisar-se-ia cultivar cerca de 36 milhões de hectares de
cana-de-açúcar, multiplicando por 6 a área plantada em 2008 (OLIVEIRA, 2008, p.28).
Nesse sentido, foi assinado um contrato entre a Petrobrás e o Japão, para a empresa
fornecer a quantidade de etanol necessária para a mistura de 10% na gasolina do país até
o ano 2020. Isso fez com que este setor se tornasse extremamente atrativo para
empresários nacionais e internacionais, implicando em novos investimentos no setor.
Entre as safras de 2005/2006 e 2006/2007, houve um crescimento de 6,75% para 9,21%
na participação internacional na moagem de cana de açúcar (OLIVEIRA, 2008, p.29).
Consequentemente, a expansão da cultura da cana de açúcar tende a ocorrer nas
áreas do cerrado de Mato Grosso do Sul, Triângulo Mineiro, centro sul de Goiás e sul de
Mato Grosso (OLIVEIRA, 2008, p.29).
Diferentemente do que ocorre nos Estados Unidos, que queimam milho e trigo
para produzir biocombustíveis, o programa ProÁlcool visa a queima apenas de cana de
açúcar. Durante o governo Lula, este programa foi amplamente defendido pelo então
presidente, com o argumento de que não traria impactos para a segurança alimentar da
população, já que a cana de açúcar não é comestível. Entretanto, dado que a plantação de
cana para a produção de biocombustíveis corrobora o deslocamento da fronteira agrícola
em direção às florestas, ocorre o desmatamento de milhares de hectares dessas áreas.
Além disso, há a expropriação de terras de pequenos agricultores para dar lugar às
monoculturas de cana (ZIEGLER, 2013, p. 258).
Segundo Jean Ziegler, ex relator especial sobre o direito à alimentação da ONU:

“A insegurança alimentar na qual viva uma grande parte da população


brasileira está, assim, diretamente ligada ao ProÁlcool. Ela afeta especialmente
as regiões de cultivo de cana, já que aí o consumo de alimentos básicos
sustenta-se quase exclusivamente nas compras de produtos importados
submetidos a importantes flutuações de preço. “Numerosos pequenos
proprietários e trabalhadores agrícolas são compradores de alimentos porque
não possuem terras suficientes para produzi-los para sua família” (ZIEGLER,
2013, p. 259).

No estado de São Paulo, principal produtor de açúcar e álcool do país, com cerca
de 60% da produção nacional, a crescente demanda por etanol tem acarretado a
substituição do plantio de alimentos, como laranja, milho, mandioca, café, pelo plantio

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da cana-de-açúcar. O crescimento na produção de cana, para a produção de


biocombustíveis, está intrinsecamente alicerçado à expansão das áreas cultivadas de cana-
de-açúcar em detrimento da redução das áreas com pastagens para o rebanho bovino.
Entre 2001 e 2006, o estado perdeu 6% da superfície de pastagens, 640 mil hectares,
enquanto a cana absorveu 1,2 milhões de hectares, crescimento de 41,5% (TANACA et
al, 2008, p. 1,3,7,10). Na safra de 2008, a área plantada de cana de açúcar atingiu 7
milhões de hectares (OLIVEIRA, 2008, p.27).
No gráfico abaixo é possível observar o aumento da produção brasileira de etanol
entre as safras de 2014/2015 e 2019/2020. Na safra de 2014/2015, foram produzidos
29000000 m3, ao passo que na safra de 2019/2020, foram produzidos 35000000 m3, um
aumento de 20,69% durante esse período. Este aumento da produção de etanol é
decorrente, principalmente, do crescimento da produção de carros flex no mercado interno
brasileiro (OLIVEIRA, 2008, p.30).

Gráfico 5: Produção brasileira de etanol por ano-safra.

Fonte: União Nacional da Bioenergia

Concomitantemente, o trabalho de corte de cana de açúcar no Brasil é análogo à


escravidão, visto que o salário-mínimo legal é raramente respeitado, sendo o trabalhador
pago por tarefa executada, e tendo que cumprir metas fixadas em toneladas de cana
cortada por dia. O único instrumento de trabalho nessas plantações é o machete, às vezes,
luvas de couro para proteger as mãos de escoriações. Com a implementação do programa
ProÁlcool, tem ocorrido um grande crescimento do número de trabalhadores do corte de

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cana, os quais, juntamente com suas famílias, migram entre as fazendas, de uma colheita
a outra (ZIEGLER, 2013, p. 259-260).
No país, há cerca de 4,8 milhões de trabalhadores rurais sem terra. A
transformação de grandes propriedades rurais em zonas de monocultura de cana de açúcar
causa uma precarização do emprego, devido ao caráter sazonal das colheitas. Quando
terminam as colheitas no Nordeste, os trabalhadores migram para a região Sul do país,
onde as estações se invertem. Logo, há migração por parte desses trabalhadores, os quais
percorrem longas distâncias por não conseguirem um emprego duradouro em um local
fixo (ZIEGLER, 2013, p. 260).
Além disso, os complexos agroexportadores estão recebendo vultuosas somas de
investimentos e ofertas de crédito, bem como perdões de multas milionárias aos
latifundiários, processo que tem sido acompanhado pela flexibilização de leis ambientais
e por tentativas de invasão das terras indígenas para a expansão da fronteira agrícola.
Esses investimentos e crédito ao agronegócio, devido à elevada capacidade de
financeirização do setor, tem sido responsável pela aceleração do processo de
reprimarização e desindustrialização da economia brasileira (SCOLESO, 2021).
Logo, esse processo tem acarretado paulatinamente os desmatamentos às florestas
e áreas de proteção ambiental, as queimadas criminosas, na despossessão de terras para a
expansão da produção (SCOLESO, 2021).
Conclusivamente, os biocombustíveis acarretam tragédias climáticas e sociais,
posto que reduzem as terras para a produção de víveres, destruindo a agricultura familiar
e contribuindo para agravar a fome no país. Além disso, sua produção implica na
liberação de dióxido de carbono e grande quantidade na atmosfera, bem como absorve
elevadas quantidades de água potável (ZIEGLER, 2013, p. 272-273).
Segundo os dados do IBGE, entre 1990 e 2006, houve redução da produção de
alimentos, devido à expansão da área cultivada de cana-de-açúcar, a qual se expandiu
mais de 2,7 milhões de hectares neste período. Ocorreu a redução de 261 mil hectares de
plantação de feijão e 340 mil de arroz, nos municípios que expandiram mais de 500
hectares de cana de açúcar no período. Essa área de 261 mil hectares reduzida, seria capaz
de produzir 400 mil toneladas de feijão, equivalente a 12% da produção nacional e, 1
milhão de toneladas de arroz, cerca de 9% da produção nacional (OLIVEIRA, 2008,
p.32).
Não obstante, nestes municípios, houve a redução da produção de 460 milhões de
litros de leite e mais de 4,5 milhões de cabeças de gado bovino. Tendo-se em vista que a

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produção de cana está se expandindo pelos estados do Paraná, Mato Grosso do Sul,
Triângulo Mineiro, Goiás e Mato Grosso, está havendo a redução da área de cultivo de
gêneros alimentícios, ao mesmo tempo que está deslocando a fronteira agrícola e a
pecuária em direção à Amazônia, contribuindo paulatinamente para o seu desmatamento.
Consequentemente, a expansão da produção de agrocombustíveis deve gerar a redução
da produção de alimentos (OLIVEIRA, 2008, p.32).

“A cana foi o fundamento da economia escravagista. Os engenhos foram um


inferno para os escravos e uma fonte de formidáveis riquezas para seus
senhores. A monocultura arruinou o Brasil. Agora, ela está de volta.
Novamente, a maldição da cana se abate sobre o Brasil” (ZIEGLER, 2013, p.
262).

Durante a Era Lula, houve uma expressiva redução da fome no país, devido, dentre
outros fatores, aos programas sociais de combate à fome e à pobreza. Cabe agora, realizar
uma análise desse período, bem como dos programas de combate à fome.
Haja vista algumas das causas da fome, a saber a formação socioeconômica
brasileira, a especulação do preço das commodities no Mercado de Derivativos, e a
substituição da plantação de alimentos para consumo para produzir alimentos para a
produção de biocombustíveis; é necessário compreender-se a relação entre a produção do
agronegócio, a eclosão de epidemias e a fome.

6 FOME E AGRONEGÓCIO: AS ENTRANHAS DA EPIDEMIA

“Os flagelos, na verdade, são uma coisa comum, mas é difícil acreditar neles
quando se abatem sobre nós. Houve no mundo tantas pestes quanto guerras. E
contudo, as pestes, como as guerras, encontram sempre as pessoas igualmente
desprevenidas [...] O flagelo não está à altura do homem; diz-se então que o
flagelo é irreal, que é um sonho mau que vai passar. Mas nem sempre ele passa
e, de sonho mau em sonho mau, são os homens que passam, e os humanistas
em primeiro lugar, pois não tomaram suas precauções. [...] Mas que são cem
milhões de mortos? Quando se fez a guerra, já é muito saber o que é um morto.
E já que um homem morto só tem significado se o vemos morrer, cem milhões
de cadáveres semeados através da história esfumaçam-se na imaginação”
(CAMUS, Albert. A Peste, 2017, p. 40-41).

Era uma tragédia pré-anunciada. Em 2013, Rob Wallace já alertava para a ameaça
iminente:

“Henipavírus, ebola, malária, Síndrome Respiratória Aguda Grave (SARS),


XDR-TB (tuberculose multirresistente), febre Q [...]. Um desses
microrganismos, ou um primo ainda não descoberto, provavelmente matará
algumas centenas de milhões de nós em breve” (WALLACE, 2020, p.403).

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Em dezembro de 2019 a China emitiu um alerta sobre um surto de casos de uma


misteriosa pneumonia que estava acometendo os cidadãos de uma de suas províncias. Em
janeiro de 2020, após análises do patógeno, a Organização Mundial da Saúde (OMS)
afirmou que a pneumonia era causada por um vírus extremamente transmissível, o
coronavírus (COVID-19), cuja possível origem das infecções em seres humanos era o
grande mercado de frutos do mar e de animais selvagens na megalópole de Wuhan 10
(ZURAYK, 2020, p.17). No mês de março de 2020, a OMS declarou o surto de
coronavírus como uma pandemia, ou seja, é a disseminação mundial de uma doença,
quando esta deixa de infectar as pessoas apenas na região de seu surgimento e se propaga
por outros continentes11.
A Universidade Johns Hopkins contabilizou, até o momento em que este ensaio
foi redigido, 117 milhões de casos da nova pandemia de coronavírus, com 2 milhões e
seiscentas mortes ao redor do mundo. Só no Brasil, o vírus já ceifou a vida de 269 mil
pessoas12.
No dia 15 de janeiro de 2021, a noite caiu ao som de ruidosas panelas, ou melhor,
“panelaços”13: som fúnebre, clamor por misericórdia, um ato de solidariedade dos
brasileiros para com os amazonenses no dia em que estes passaram a morrer e sofrer as
consequências da escassez de cilindros de oxigênio no estado. Os hospitais, referidos
pelos médicos como “câmaras de asfixia”, pararam de receber pacientes devido à falta de
leitos. Os pacientes agonizavam nas macas, era como morrer por afogamento fora d’água.
Do lado de fora dos hospitais, câmaras frigoríficas foram instaladas para acondicionar os
cadáveres de vítimas da pandemia. O sistema de saúde de Manaus colapsara 14. As panelas
soavam como um grito desesperado de socorro pela negligência do governo. A
insatisfação ecoou pela cidade em busca de justiça.
O Sars-CoV-2 não seria a primeira epidemia cuja gênese remete ao sistema
produtivo e/ou comercializável de alimentos (ZURAYK, 2020, p.17). Ao longo dos

10
“Cronologia da expansão do novo coronavírus descoberto na China”, 19 de dezembro de 2020.
Disponível em: https://g1.globo.com/ciencia-e-saude/noticia/2020/01/22/cronologia-da-expansao-do-
novo-coronavirus-descoberto-na-china.ghtml
11
“O que é uma pandemia”, 19 de dezembro de 2020. Disponível em:
https://www.bio.fiocruz.br/index.php/br/noticias/1763-o-que-e-uma-pandemia
12
Disponível em: https://coronavirus.jhu.edu/map.html
13
“Bairros de São Paulo fazem panelaço contra Jair Bolsonaro nesta sexta-feira”, 15 de janeiro de 2021.
Disponível em: https://g1.globo.com/sp/sao-paulo/noticia/2021/01/15/bairros-de-sao-paulo-fazem-
panelaco-contra-jair-bolsonaro-nesta-sexta-feira.ghtml
14
“Médicos e familiares de pacientes descrevem colapso com falta de oxigênio em Manaus; leia relatos”,
15 de janeiro de 2021. Disponível em: https://g1.globo.com/am/amazonas/noticia/2021/01/14/pacientes-e-
medicos-relatam-colapso-em-manaus-leia-relatos.ghtml

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últimos anos, outras doenças teriam sido transmitidas de animais para seres humanos em
estabelecimentos que comportam a pecuária intensiva, dentre elas, a gripe aviária (H5N1)
e o influenza (H1N1), mais conhecido como gripe suína (WALLACE, 2020, p.94).
Entretanto, nenhuma destas assumiu as mesmas proporções que a COVID-19 no que diz
respeito ao seu potencial transmissor, número de vítimas fatais e consequências
socioeconômicas. Portanto, é pertinente conjecturar acerca da origem dessas doenças,
bem como o motivo delas estarem se intensificando recentemente.
Atualmente, grande parte da proteína de origem animal consumida pela
população, como carne bovina, suína, ovos e aves, têm sua origem e processamento no
modelo industrial de produção. Esse sistema produtivo caracteriza-se por um grande
número médio de animais por rebanho, amontoados e confinados em galpões. No caso do
Brasil, grandes empresas como a JBS e a BRF controlam este setor.
Segundo o biólogo Rob Wallace, o agronegócio expresso nesse modelo industrial
de produção de suínos e aves apresenta um elevado potencial de propagação de cepas
virulentas (WALLACE, 2020, p.66). Esse maior potencial propagador de doenças
decorreria do fato de essa pecuária intensiva comportar um número muito elevado de
animais que ficam restringidos à mesma área, confinados e aglomerados, ou seja, possui
uma elevada densidade populacional, condição propícia à maiores taxas de transmissão.
Nessas condições, os excrementos destes animais, contaminados com o vírus, podem
prolongar a viabilidade viral, já que ficam concentradas, expostas ao sol e à pouca
ventilação (WALLACE, 2020, p.195).
Não obstante, deve-se levar em consideração o fato de que o confinamento à que
estão submetidos esses animais contribui para a depressão de sua resposta imunológica,
tornando-os mais suscetíveis à contaminação (WALLACE, 2020, p.91).
Consequentemente, se um desses animais se contamina com determinado vírus, é muito
provável que a maioria dos seus colegas de abate se contamine também.
Concomitantemente, devido às condições à que esses animais estão submetidos, a
contaminação de rebanhos comerciais por patógenos é significativamente mais provável
de ocorrer em produções animais de larga escala do que na criação de rebanhos familiares
(WALLACE, 2020, p.91). Tal afirmação deve-se ao fato de que este último modo de
criação de animais comporta uma quantidade muito menor de animais, cujo tamanho
médio do rebanho é muito menor, bem como a densidade populacional de animais é
menor. Essa diferença é demonstrada em números:

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“Na Colúmbia Britânica, no Canadá, em 2004, 5% das grandes fazendas da


província apresentavam infecções por H7N3, altamente patogênicas, enquanto
2% das pequenas fazendas apresentavam surtos. Na Holanda, em 2003, 17%
das fazendas industriais apresentavam surtos de H7N7, e o número caiu para
0,1% quando são consideradas as pequenas produções locais” (WALLACE,
2020, p.91).

Esses animais da pecuária industrial, quando acometidos por infecções, podem


não contaminar apenas outros animas, seus colegas de celeiro, mas também servem como
uma fonte constante de infecções por patógenos em trabalhadores desses criadouros.
Esses patógenos podem se propagar e infectar os trabalhadores através do manuseio dos
resíduos dos animais, do transporte aberto de animais entre as fazendas e as fábricas de
processamento, do sistema de ventilação em túnel que espalha as excretas dos animais
para o meio ambiente, da exposição ocupacional dos trabalhadores, e da contaminação de
outros animais e insetos, como moscas e ratos durante o transporte por contêineres
(WALLACE, 2020, p.118).
Assim, esses trabalhadores desempenham o papel de uma espécie de ponte de
transmissão de doenças entre animais e seres humanos, disseminando os patógenos entre
a população em geral, de modo a desencadear novas epidemias. Consequentemente, é
mais provável que um trabalhador da pecuária intensiva seja contaminado pelos
patógenos que acometem os rebanhos do que um trabalhador das pequenas fazendas, já
que a probabilidade de propagação de doenças entre animais é maior no primeiro do que
no segundo (WALLACE, 2020, p.195).
Por conseguinte, essas características intrínsecas ao modelo produtivo da pecuária
intensiva, amplamente difundido e adotado em diversos países do mundo, que
potencializam a virulência e transmissão de doenças entre os animais e posteriormente
nos trabalhadores, é a razão do recente surgimento de novos patógenos em humanos, e
consequente eclosão de novas epidemias.
Mas como e onde surgiu esse modelo de pecuária intensiva? Esse processo de
mercantilização de animais teve início através da Revolução Pecuária, após a Segunda
Guerra Mundial, nos Estados Unidos da América, à medida que empresas como a Tyson
e a Holly Farms compraram produtores locais, os incorporaram à sua produção e as
intensificaram. Isso resultou em uma produção nacional de 6 bilhões de frangos, cujo
tamanho médio do bando passou a ser de 30 mil aves (WALLACE, 2020, p.98).
Anteriormente, os animais criados para o consumo eram vistos como um produto de

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subsistência, ao invés de ser apenas um valor de troca meramente comoditizado, cujo


preço é fortemente especulado nas Bolsas de Valores.
Antes disso, a cadeia de produção se restringia a pequenos produtores e
agricultores independentes, os quais contratavam caminhoneiros independentes para
abastecer os mercados da cidade com suas mercadorias. No ano de 1929, nos EUA, essa
produção de aves equivalia à 300 milhões de aves dispersas pelo país, cujo tamanho
médio do bando era de 70 aves apenas (WALLACE, 2020, p.97). Assim, em menos de
cem anos da ocorrência da Revolução Pecuária, a produção total de aves do país cresceu
20 vezes, ao passo que o tamanho médio do bando aumentou quase 430 vezes.
Esse novo processo de produção, a pecuária intensiva, caracteriza-se pela grande
concentração de animais nos estábulos, o uso de ração concentrada, a redução da
diversidade genética dos animais, a integração vertical e práticas de manejo industrial
(LIVERANI, et al., 2013, p. 874). A integração vertical da produção consiste na
dominância das empresas de carne de todo o processo produtivo, desde a criação e
engorda do animal até o processamento de sua carne a distribuição para os
supermercados. Tais características foram incorporadas à criação de animais com o
objetivo de garantir a intensificação da produção, de modo a atender a demanda global
crescente de alimentos de origem animal.
Outra característica marcante da pecuária intensiva é a terceirização da criação de
aves para produtores rurais contratados pelas grandes empresas alimentícias. Essas
empresas entregam lotes de pintinhos aos produtores, mas continuam a ser proprietárias
das aves, das rações que as alimentam, mantendo o controle e o cronograma da criação,
determinando os remédios tomados pelas aves, além de estipular os preços que serão
pagos por ave para os fazendeiros, descontando-se o valor da ração entregue
(WALLACE, 2020, p.485, 487). Contudo, os fazendeiros são pagos de acordo com um
sistema de classificação entre todos os produtores: aqueles que devolverem as aves mais
gordas recebem os maiores pagamentos (WALLACE, 2020, p.487).
Essa terceirização do processo de criação dos animais deve-se ao fato de que esta
é a etapa menos lucrativa e mais arriscada da cadeia produtiva, decorrente das eventuais
doenças e perda de eficiência, de modo a comprometer as margens de lucro (WALLACE,
2020, p.486). Uma consequência direta da terceirização aos fazendeiros é sua perda de
controle do processo produtivo, posto que estes não são donos dos ativos de suas
fazendas, as aves, não possuindo nenhum poder decisório, ao mesmo tempo que incorrem
frequentemente em riscos, como um surto patológico, que pode implicar no abate de todos

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os animais. Essa fatalidade faz com que estes fazendeiros fiquem sem nenhuma renda, já
que seu sustento depende da entrega das aves para as empresas proprietárias.
Não menos importante foi o desenvolvimento da espécie de frango híbrido
industrial, que logo se distribuiu aos criadores comerciais de aves ao redor do mundo.
Essas aves geneticamente modificadas cresciam em uma velocidade três vezes maior,
com menos da metade da alimentação das demais aves. Em contrapartida, essas aves
possuem um estreitamento da base do estoque genético, tornando-as mais suscetíveis ao
desenvolvimento de novas doenças, por serem populações geneticamente uniformes,
incapazes de desenvolver sua própria proteção imunológica (WALLACE, 2020, p.276-
280). Apesar de serem mais propícias ao desencadeamento de novos surtos epidêmicos,
esses animais foram amplamente difundidos por permitirem a redução do consumo de
rações e menor tempo de desenvolvimento, de modo a garantir maiores lucros,
corroborando para a transmissão de novas doenças à trabalhadores do setor.
Embora a Revolução Pecuária tenha sido bem-sucedida para os produtores que
passaram a adotar o modelo de pecuária intensiva, com maiores instalações de produção
de animais e menor exigência de trabalhadores, resultando em maiores margens de lucro,
ela implicou também no surgimento de rearranjos, novas misturas e combinações de
segmentos genômicos entre as cepas dos vírus (WALLACE, 2020, p.194). Esse
surgimento de novas cepas virais mais infecciosas alicerçada às novas instalações, com
elevada densidade populacional de animais, o declínio da diversidade genética das
criações de animais, o aumento da velocidade de produção, com o abate precoce dos
animais, a invasão gradativa de florestas e áreas úmidas (WALLACE, 2020, p.262-263),
explica o acentuado surgimento de doenças infecciosas nos rebanhos nos últimos anos.
Consequentemente, daí pode-se inferir o quão prejudicial é o desmatamento de
florestas para expandir a área da agropecuária, posto que aumenta o contato entre os
animais de criação e os animais silvestres, de modo a possibilitar a contaminação dos
rebanhos com patógenos selvagens e desconhecidos. De acordo com Felicia Keesing,
desde 1940, quase metade das doenças zoonóticas que surgiram em seres humanos deve-
se à mudança da utilização da terra, tanto na caça de animais selvagens, como nas práticas
agrícolas para a produção de alimentos, posto que houve uma intensificação do contato
entre humanos e animais (KEESING, 2010, p. 650).
Concomitantemente, o êxito econômico desse novo modelo de produção de
grandes proporções para as empresas de alimentos norte-americanas acarretou a difusão
da pecuária intensiva para outros países do mundo. Desse modo, a produção mundial de

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aves no final da década de 1960 aumentou de 13 milhões de toneladas para 62 milhões


de toneladas no final da década de 1990 (WALLACE, 2020, p.98). Tal expansão da
produção culminou com o aumento da demanda por alimentos, principalmente nos países
em desenvolvimento, como a China, bem como com o início da especulação financeira
em torno das commodities, nas Bolsas de Valores ao redor do mundo.
Não obstante, esse processo foi acompanhado pela transferência de operações e
plantas das empresas do agronegócio para países com menores custos de trabalho e de
terras, regulamentação mais fraca e exportação subsidiada pelo governo local, em
detrimento do mercado interno (WALLACE, 2020, p.99). Essa transferência de
operações decorre do fato de nos países escolhidos, devido às características acima
mencionadas, permitirem uma maior exploração do trabalho, ou em outras palavras, uma
maior extração de mais-valia dos seus funcionários, bem como menores custos da
propriedade da terra, garantindo um maior lucro para a empresa.
Tal reorganização geográfica dessas multinacionais com suas economias de escala
é nociva para as médias e pequenas empresas locais, que muitas vezes, em função de
custos maiores, não conseguem concorrer com as empresas gigantes estrangeiras,
podendo ir à falência. Adicionalmente, essas empresas do agronegócio contam, muitas
vezes, com subsídios dos governos, de modo que seus produtos possam ter preços
inferiores aos seus custos reais de produção (WALLACE, 2020, p.163), eliminando as
empresas concorrentes que não contam com o mesmo benefício governamental.
Outro ponto negativo é o poder que essas multinacionais passam a exercer sobre
seus funcionários, os sindicatos, o mercado de trabalho local e o achatamento do nível
dos salários ao ameaçar retirar suas operações do país em questão.
Sob o ponto de vista sanitário, o estabelecimento de uma cadeia de empresas
alimentícias distribuídas em vários países tende a aumentar o potencial de propagação de
patógenos que eventualmente surjam em suas instalações. Além disso, caso um dos
estabelecimentos de determinada empresa tenha que paralisar suas atividades
temporariamente devido à contaminação, essa dispersão geográfica permite que os outros
estabelecimentos dessa empresa continuem em atividade, o que pode implicar a
disseminação do patógeno (WALLACE, 2020, p.100).
Não menos importante é o fato de que, em caso de infecção de determinado
rebanho, como medida profilática é realizado o abatimento sanitário do rebanho. Isso
implica na seleção de maior virulência do vírus e consequentemente, na menor resistência
natural dos hospedeiros (WALLACE, 2020, p.265-266). Em suma, esse sistema de

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biossegurança adotada pela produção agropecuária, o abate sanitário, pode


paradoxalmente, implicar em uma taxa de virulência mais elevada, em cepas altamente
patogênicas, de modo a potencializar a letalidade e a disseminação da doença entre o
rebanho e entre os seres humanos, se estes forem contaminados. É uma faca de dois
gumes.
Nesse ponto surge uma diferença fundamental entre as pequenas fazendas e a
pecuária intensiva: a primeira, ao abater continuamente e com maior duração, permite
que o rebanho desenvolva uma espécie de vacinação natural, através da imunidade que
desenvolvem através de infecções virais de baixa patogenicidade, evitando que contraiam
infecções mais patogênicas. A segunda, por sua vez, ao abater descontinuamente e a curto
prazo, impossibilita a resistência natural desses animais aos patógenos circulantes, o que
juntamente com a elevada densidade populacional, acabam por expor os animais a cepas
virais mais patogênicas (WALLACE, 2020, p.272).
A conclusão advinda da explanação acerca das características do modelo da
pecuária intensiva é que estas, além de contribuir para o desenvolvimento de cepas de
maior virulência nos rebanhos, e sua consequente transmissão para os trabalhadores,
podem resultar no surgimento de novas doenças e, portanto, epidemias e até pandemias,
como a de COVID-19, a mais recente. Entretanto, o surgimento de novas doenças não é
o único legado desse modelo industrial de produção de animais e do agronegócio, mas
também, a fome.
Embora alguns afirmem que o agronegócio pode ser a peça-chave para erradicar
a fome no mundo, por produzir em larga escala, isso não é verdade. Os alimentos
advindos do agronegócio e das criações intensivas de animais, denominados de
commodities, são precificados de acordo com o mercado internacional, em dólar. Logo,
em um cenário econômico de desvalorização do real frente ao dólar15, é mais vantajoso
economicamente para os produtores rurais exportarem a produção de alimentos para
outros países do que os vender no mercado interno. Essa situação acarreta uma guinada
dos preços dos alimentos no país16, à medida que há uma redução na oferta ocasionada
pelo escoamento da produção para o mercado externo, ou seja, implica na elevação da
inflação.

15
“Dólar fecha acima de R$ 5 pela 1ª vez na história”, 17 de janeiro de 2021. Disponível em:
https://www1.folha.uol.com.br/mercado/2020/03/dolar-fecha-acima-de-r-5-pela-1a-vez-na-historia.shtml
16
“Arroz chega a custar R$ 40, e setor diz que preço deve continuar em alta”, 17 de janeiro de 2021.
Disponível em: https://economia.uol.com.br/noticias/redacao/2020/09/08/preco-do-arroz-dispara.htm

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Os gráficos abaixo mostram as exportações de alimentos do Brasil. O primeiro,


lista as dez commodities mais exportadas pelo país e suas respectivas quantidades em
2019. O segundo mostra a série histórica das quantidades anuais exportadas de agricultura
e pecuária. Nesse gráfico pode-se notar que as quantidades exportadas ao longo dos anos
vêm crescendo.

Gráfico 6: Dez commodities mais exportadas pelo Brasil em 2019

10 commodities mais exportadas pelo Brasil


80000000
70000000
60000000
Toneladas

50000000
40000000
30000000
20000000
10000000
0
Soja Milho Farelo de Azuc Carne de Café Açúcar Fibra de Carne de Suco de
soja bruto frango verde refinado algodão vaca laranja
desossada

FONTE: FAOSTAT Disponível em: http://www.fao.org/faostat/es/#rankings/commodities_by_country

Gráfico 7: Série histórica das quantidades anuais exportadas de agricultura e pecuária

FONTE: IPEADATA Disponível em: www.ipeadata.gov.br

Consequentemente, forma-se um ciclo extremamente paradoxal: os alimentos,


que têm o poder de acabar com a fome, são produzidos, em sua maioria, pelo agronegócio.
O agronegócio tem um elevado potencial patogênico, sendo o grande responsável pelo
surgimento de novas doenças em seres humanos. A última pandemia, proveniente da
cadeia produtiva/distributiva de alimentos foi responsável pelo aumento da população em

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situação de fome, ao redor do mundo e no Brasil. Produz-se alimentos com o pretexto de


extinguir a fome, esses alimentos geram novas doenças que implicam no aumento dos
números da fome.
Segundo Josué de Castro, a fome constitui-se como causadora de guerras e
revoluções, e acima de tudo, “a fase preparatória do terreno, quase que obrigatória, para
a eclosão das grandes epidemias” (CASTRO, 1984, p. 20-21; CASTRO, 1957, p.47). O
autor afirma que a maior parte das epidemias que assolaram o Nordeste encontram na
fome um fator etiológico significativo, sendo impossível a erradicação da maioria dessas
endemias sem a melhora dos hábitos alimentares (CASTRO, 1984, p.156). Tal correlação
entre a fome e a maior disseminação de patógenos deve-se ao fato de que a fome, na sua
forma mais grave ou na subnutrição manifesta através de carências proteicas ou
vitamínicas, acarreta a perda de resistência do sistema imunológico do indivíduo, de
modo que este fique mais suscetível a doenças (CASTRO, 1957, p. 101-102).
Consequentemente, a fome, independentemente se manifesta na sua forma mais
grave ou se oculta, isto é, na subnutrição e deficiência alimentar, é um fator agravante
para o impacto da COVID-19 no organismo. Destarte, nos locais onde a desnutrição é
endêmica, como as famílias que não têm condição econômica de comprar vegetais e
frutas, pode-se esperar um maior número de vítimas fatais da doença (ZURAYK, 2020,
p.20).
Por conseguinte, tendo-se exposto algumas das causas da fome e a relação entre a
produção do agronegócio, a eclosão de epidemias e a fome; a seguir, expor-se-á a saída
do Brasil do Mapa da Fome e as causas desse feito.

7 ERA LULA (2003-2010): A SAÍDA DO MAPA DA FOME


Ao longo da década de 1940, após os desdobramentos das duas grandes guerras
mundiais em situações de insegurança alimentar, a alimentação foi concebida como um
direito humano fundamental. Logo, em 1948, o direito à alimentação foi reconhecido na
Declaração Universal dos Direitos Humanos, sendo consagrado posteriormente, em 1966,
no Pacto Internacional dos Direitos Econômicos, Sociais e Culturais (PIDESC). Por meio
deste, os Estados signatários assumiam a responsabilidade de assegurar a alimentação
como direito humano universal e a proteção de sua população da fome, por meio de
medidas que provessem alimentos, a difusão de conhecimentos científicos, reforma
agrária, sustentabilidade ambiental, bem como medidas de cooperação internacional que
resguardassem a garantia da segurança alimentar mundial (PAIVA et al, 2019, p.3).

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Neste contexto, destacaram-se as ideias de Josué de Castro, um dos pioneiros a


abordar a problemática da fome no Brasil, do ponto de vista político-econômico-social.
Este transformou o tema da fome em uma bandeira política e inovou os programas
brasileiros de combate à fome (BELIK, 2012, p. 95).
Mais tarde, na década de 1980, pesquisas revelaram que a insegurança alimentar
era, acima de tudo, um resultado da pobreza e da falta de acesso ao alimento, e não uma
consequência da falta de sua disponibilidade no mercado (PAIVA et al, 2019, p.3).
Durante o governo Lula, o principal ponto de sua política ideológica foi o discurso
de combate à fome. Destarte, a fim de reduzir os índices de fome e pobreza da população,
criou-se e reformulou-se inúmeros programas governamentais que, além de promover
transferência de renda para a população mais carente, facilitava o acesso aos alimentos.
Dentre estes programas pode-se citar o Programa de Aquisição de Alimentos (PAA), o
Programa Nacional de Alimentação Escolar (PNAE), o Programa Fome Zero e o
Programa Bolsa Família. Além disso, foram criados também ministério, conselho, leis e
emendas constitucionais para combater a fome.
Em 2003, foi recriado o Conselho Nacional de Segurança Alimentar e Nutricional
(CONSEA), um órgão consultivo da Presidência da República, sendo composto por dois
terços de representantes da sociedade civil e um terço de representantes governamentais.
Tinha como objetivo principal realizar debates sobre a questão da Segurança Alimentar e
Nutricional (SAN) (VASCONCELOS et al, 2019, p.5). Consequentemente, ao
desempenhar um papel importante na articulação entre governo e sociedade civil, versava
fomentar o direito humano à alimentação no Brasil, por meio da assessoria ao presidente
na formulação de políticas e na definição de orientações no tocante à questão da
alimentação. Esse órgão foi originalmente criado em 1993 em meio à campanha nacional
Ação da Cidadania Contra a Fome, a Miséria e Pela Vida, sendo extinto em 1995 e
recriado em 2003 com o Projeto e a Estratégia Fome Zero (PAIVA et al, 2019, p.6).
Em 2004, foi criado o Ministério do Desenvolvimento Social e Combate à Fome,
objetivando promover a inclusão social, a segurança alimentar, a assistência integral e
uma renda mínima às famílias pobres. Para tanto, o órgão implementou e coordenou os
programas e políticas públicas de desenvolvimento social e em parceria com instituições
da sociedade civil, organismos internacionais e instituições de financiamento (AGÊNCIA
BRASILEIRA DE COOPERAÇÃO, 2021).
Em 2006, foi sancionada a Lei Orgânica de Segurança Alimentar e Nutricional
(LOSAN) (VASCONCELOS et al, 2019, p.5). Esta consistia em um instrumento jurídico

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que primava pelo avanço em relação à promoção e garantia do direito humano à


alimentação adequada, tornando-se objetivo e meta da política de segurança alimentar e
nutricional (PAIVA et al, 2019, p.5). Além disso, definia Segurança Alimentar e
Nutricional como a realização do direito de todos ao acesso regular e permanente a
alimentos de qualidade, em quantidade suficiente, sem comprometer o acesso a outras
necessidades essenciais, tendo como base práticas alimentares promotoras de saúde que
respeitem a diversidade cultural e que sejam ambiental, cultural, econômica e socialmente
sustentáveis.
Em 2010, por meio de uma Emenda Constitucional, a alimentação foi incluída
entre os direitos sociais no Brasil (VASCONCELOS et al, 2019, p.5).
Cabe agora, realizar uma breve descrição sobre os programas sociais em vigor
durante a Era Lula que, além de promoverem transferência de renda para a população
mais carente, facilitavam o acesso aos alimentos, contribuindo para a redução da fome no
período.

7.1 PROGRAMA DE AQUISIÇÃO DE ALIMENTOS (PAA)


O Programa de Aquisição de Alimentos foi criado em 2003, como um instrumento
de acesso à agricultura familiar, permitindo uma alimentação adequada e saudável, de
modo a incentivar a agricultura familiar e combater a insegurança alimentar e nutricional
(SAMBUICHI et al, 2020, p. 1081).
Consiste em um programa de compra institucional de alimentos provenientes da
agricultura familiar, aproximando produtores e consumidores, de modo a fortalecer as
políticas de Segurança Alimentar e Nutricional e a incrementar a renda dos produtores.
Além disso, há o incentivo para a produção de alimentos sem a utilização de pesticidas,
ou seja, alimentos orgânicos (VASCONCELOS et al, 2019, p.5).
Dentre os objetivos principais do Programa de Aquisição de Alimentos, está a
promoção da inclusão produtiva dos agricultores mais pobres e a garantia à população ao
acesso à alimentação saudável. Assim, os beneficiários diretos do programa são os
agricultores familiares e população em situação de risco alimentar (SAMBUICHI et al,
2020, p. 1081).
No ano de 2020, o programa funcionava de diversas maneiras, como a compra
com doação simultânea (CDS), a compra direta (CDAF), o apoio à formação de estoques,
o incentivo à produção e ao consumo de leite, e a compra institucional e aquisição de
sementes. Dentre estas, a principal é a compra com doação simultânea (CDS), no qual o

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governo compra os alimentos produzidos pelos agricultores familiares e os doa a


entidades da rede socioassistencial, para restaurantes populares, bancos de alimentos,
rede pública de ensino e hospitais, que disponibilizarão para a população (SAMBUICHI
et al, 2020, p. 1081).
Os recursos utilizados para a aquisição dos alimentos são provenientes do
Ministério da Cidadania, em maior parte, e, também do Ministério da Agricultura, da
Pecuária e do Abastecimento (Mapa). Dentre os executores do programa, estão a
Companhia Nacional de Abastecimento (Conab), os estados, Distrito Federal e
municípios (SAMBUICHI et al, 2020, p. 1081).
De acordo com SAMBUICHI et al (2020):

“Entre os efeitos positivos do programa, observou-se um aumento na


quantidade de produtos vendidos pelos agricultores, com impactos positivos
em receita média, lucro líquido, investimentos totais e tempo de retorno do
capital das unidades produtivas (Santos, Soares, & Benavides, 2015). Além
disso, a garantia de comercialização proporcionada pelo PAA e o consequente
aumento da renda dos agricultores familiares acabam influenciando a expansão
do consumo dessas famílias, provocando um ciclo virtuoso de
desenvolvimento na economia local (Agapto, Borsatto, Esquerdo, &
Bergamasco, 2012)” (SAMBUICHI et al, 2020, p. 1084).

Destarte, o programa acaba por incentivar a produção de alimentos de modo mais


pulverizado ao longo do território nacional, aproximando o produtor do consumidor final,
além de dinamizar a economia local e atuar como indutor de consumo. Logo, ao
dinamizar as economias locais, de grande relevância para o nível local e regional, ocorre
o incentivo ao consumo, à diversificação e à sustentabilidade da atividade econômica,
proporcionadas pelas transformações na dinâmica interna da unidade familiar de
produção. Consequentemente, o programa é o responsável pelo escoamento da produção
na esfera local, bem como pela manutenção do equilíbrio dos preços dos alimentos
(SAMBUICHI et al, 2020, p. 1084).
Concomitantemente, a inserção do programa nas redes públicas de ensino, além
de proporcionar o aumento da diversificação do cardápio alimentar e melhoria da
qualidade das refeições das escolas, influenciou positivamente os rendimentos escolares
dos estudantes (SAMBUICHI et al, 2020, p. 1085).
Por fim, esse programa se desdobrou em outros programas de compras de
alimentos, como o Programa Nacional de Alimentação Escolar (PNAE)
(VASCONCELOS et al, 2019, p.5).

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Nos últimos 8 anos, o Programa de Aquisição de Alimentos (PAA) teve os seus


investimentos reduzidos em 95%. Em 2012, o programa recebeu cerca de R$ 587 milhões,
valor que passou a ser de R$ 41,3 milhões em 2019 (CEPAT, Produção mundial de
alimentos: agronegócio e insegurança alimentar, https://youtu.be/GyiMpszl8EY,
acessado em 14/08/2021).

7.2 O PROGRAMA NACIONAL DE ALIMENTAÇÃO ESCOLAR (PNAE)


Inicialmente, o Programa Nacional de Alimentação Escolar denominava-se
Campanha Nacional da Merenda Escolar, possuindo um caráter assistencial, o qual
objetivava a redução da desnutrição através da oferta de suplementação alimentar, mais
voltado às áreas mais pobres do país. O PNAE se transformou em política de Estado com
a universalização do direito à alimentação escolar, juntamente com a definição de que
este deve ser garantido pelos três níveis de governo, pela Constituição Federal de 1988
(AMORIM, 2020, p. 1135).
Em 2009, foi implementado no Brasil o Programa Nacional de Alimentação
Escolar (PNAE). Esse programa visava incentivar a agricultura familiar, por meio da
compra de alimentos produzidos por estes. Determinava que pelo menos 30% de todos os
recursos repassados ao Fundo Nacional para o Desenvolvimento da Educação (FNDE)
para os Estados, Municípios e Distrito Federal deviam ser gastos na compra de alimentos
provenientes da agricultura familiar (ROCKETT et al, 2019, p.2).
Além disso, os alimentos comprados pelo governo deveriam priorizar como
fornecedores a população residente em assentamentos da reforma agrária, comunidades
tradicionais indígenas e quilombolas, e os alimentos orgânicos e/ou agroecológicos, a fim
de assegurar o desenvolvimento econômico, o combate à desigualdade, bem como
minimizar o êxodo rural, de modo a garantir a segurança alimentar nas áreas rurais
(AMORIM, 2020, p. 1138).
Os alimentos adquiridos pelo PNAE eram produzidos pelos agricultores
familiares sem o uso de agrotóxicos, fazendo com que não houvesse prejuízos ao
ambiente e à saúde da população, de modo a contribuir para a concretização de formas
sustentáveis de produção (NASCIMENTO et al., 2019, p. 302).
Essa política visava fornecer aos estudantes da rede pública de ensino alimentos
que atenda as demandas nutricionais da população, com o fornecimento de refeições
frescas e saudáveis, ao mesmo tempo que garantiam o crescimento econômico e social
do produtor familiar. Além disso, a aquisição desses alimentos fez com que o dinheiro

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gasto pelos municípios ficasse retido no próprio município ou região, fortalecendo a


economia local. Ademais, para os agricultores, o PNAE passou a ser uma importante
fonte de renda, gerando receita regular e contribuindo para a criação de empregos nas
áreas rurais. Consequentemente, esse programa promove uma melhoria dos índices
socioeconômicos, devido à criação de novos empregos e desenvolvimento do mercado
local de produção de alimentos, que impulsionam a economia (ROCKETT et al, 2019,
p.2,10).
O PNAE consistia em uma estratégia da política de segurança alimentar e
nutricional no combate à fome, à desnutrição e aos problemas provenientes das mudanças
no padrão de consumo alimentar da população. Destarte, além de possibilitar a
valorização dos produtos alimentícios locais, corroborava a construção da soberania
alimentar (NASCIMENTO et al., 2019, p. 296, 300).
Atualmente, esse programa atende cerca de 40 milhões de estudantes pelo país,
tendo como objetivo

“contribuir para o crescimento e o desenvolvimento biopsicossocial, a


aprendizagem, o rendimento escolar e a formação de hábitos alimentares
saudáveis dos alunos, por meio de ações de educação alimentar e nutricional e
da oferta de refeições que atendam às necessidades nutricionais durante o
período letivo” (AMORIM, 2020, p. 1135).

Os aspectos socioeconômicos influenciam diretamente na adesão dos estudantes


à alimentação escolar, sendo mais imprescindíveis para alguns grupos populacionais.
Destarte, consomem mais a alimentação escolar proveniente do PNAE, meninos pretos e
pardos, moradores das regiões Norte, Nordeste e Centro-Oeste, e de áreas rurais. Em
contrapartida, esse consumo é menor no estado de São Paulo, nas áreas metropolitanas,
tendendo a diminuir proporcionalmente com a idade e o aumento da renda domiciliar per
capita. Consequentemente, têm mais chances de consumir regularmente a alimentação
escolar, os alunos pardos do sexo masculino, não residentes na capital, filhos de mães
com baixa escolaridade (AMORIM, 2020, p. 1135).

7.3 PROGRAMA FOME ZERO


Em 2001, foi apresentado um documento de 132 páginas ao debate público,
elaborado pelo Instituto de Cidadania, coordenado por José Graziano da Silva. Nesse
documento, havia a concepção de que o Estado deve assegurar o direito à alimentação, e
sua principal meta era a formulação de uma Política de Segurança Alimentar e Nutricional

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no Brasil. Posteriormente, a proposta que foi assinada por Luiz Inácio Lula da Silva e
recebeu o nome de Programa Fome Zero, buscou fundir políticas estruturais, como o
crescimento da produção, a reforma agrária, geração de empregos e redistribuição de
renda, à intervenções de ordem emergencial (YASBEK, 2004, p. 106).
Além disso, o documento buscava ainda definir o conceito de segurança alimentar,
de modo a apresentar a alimentação como um direito inerente ao ser humano e salientando
a necessidade de combater-se a fome e a miséria. Realizou-se uma análise da
problemática da fome no Brasil, bem como as políticas existentes para seu combate, e
chegou-se à conclusão de que as principais causas da fome no país são a pobreza e o
desemprego, posto que o aumento da capacidade produtiva não acarretou a redução
relativa dos preços dos alimentos, tampouco uma maior capacidade de aquisição de
alimentos pela população mais pobre (YASBEK, 2004, p. 106).
Não obstante, o projeto apresentou uma série de programas, como o Programa de
Alimentação do Trabalhador (PAT), Programa de Combate às Carências Alimentares e
Bolsa-Saúde, Programa Cestas Básicas (Prodea), e Cupons de Alimentação. Sinalizando
para a importância da reforma agrária e da agricultura familiar, das políticas de renda
mínima, do Bolsa-Escola e da Previdência Social, de restaurantes populares, Fóruns
Estaduais de Segurança Alimentar, e a merenda escolar (YASBEK, 2004, p. 107).
Segundo YASBEK (2004),

“As políticas emergenciais de segurança alimentar são consideradas


indispensáveis para o enfrentamento do problema e devem ser acompanhadas
da criação de condições e da obrigatoriedade das famílias em ter seus filhos na
escola e da instituição de conselhos com a participação dos beneficiários.
Devem, em síntese, ser políticas educativas (em relação aos hábitos
alimentares), organizativas (para a defesa de direitos) e emancipadoras
(visando a autonomia). O projeto supõe ainda que essas políticas sejam
acompanhadas de ações estruturais (geração de emprego e renda, previdência
social universal, incentivo à agricultura familiar, alfabetização de adultos,
reforma agrária e bolsa-escola e renda mínima) e específicas (Programa
Cupom de Alimentação, doações de cestas emergenciais, segurança e
qualidade dos alimentos, ampliação do PAT, combate à desnutrição infantil e
materna, ampliação da merenda escolar e outros)” (YASBEK, 2004, p. 108).

O Fome Zero foi concebido como uma política de Segurança Alimentar,


considerando a necessidade de universalizar a ação do Estado e abrir espaço para o
reconhecimento de direitos inerentes à população. Este foi inspirado em programas de
transferência de renda vinculados à compra de alimentos, como o programa norte-
americano Food Stamp (BELIK, 2012, p. 96, 98).

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Esse programa teve como objetivo erradicar a fome e implementar uma política
nacional de Segurança Alimentar e Nutricional (SAN) no Brasil, por meio de políticas
estruturais, tanto específicas quanto locais. Além de medidas estruturais, prometia uma
política de apoio à agricultura familiar, o direito à Previdência Social, direito à
complementação de renda, ampliação da merenda escolar e o apoio a programas criados
por governos estaduais e municipais (VASCONCELOS et al, 2019, p.4).
Assim, conceberam-se ações que visavam o aumento da oferta de alimentos e a
facilidade de seu acesso, propostas estas para o apoio emergencial à população vulnerável
à insegurança alimentar. O Programa Fome se transformou em vários outros programas,
como o Programa Bolsa Escola, uma espécie de política estrutural de sustentação da renda
das famílias, com as contrapartidas necessárias (BELIK, 2012, p. 100).
Destarte, o Programa Fome Zero, ao incluir esse tema em debate público na
grande mídia, com a opinião de diversos especialistas no assunto, evidenciou a situação
de fome e de pobreza em que viviam grande parte da população brasileira, problemática
que passou a ser abordada como questão pública (YASBEK, 2004, p. 109).
Estima-se que, até janeiro de 2004, o programa atendeu cerca de 1.900.000
famílias, totalizando 11 milhões de indivíduos, em 2.369 municípios, localizados, em sua
maioria, nas regiões semiáridas do Nordeste. Dentre as políticas implementadas, estão a
adoção do Cartão Alimentação, que disponibilizava R$ 50,00 para famílias com renda
mensal per capita inferior a meio salário-mínimo; a distribuição de alimentos em
assentamentos dos sem-terra, às comunidades indígenas e aos quilombolas; o programa
de Aquisição de Alimentos da Agricultura Familiar (Programa do Leite), que consistia na
aquisição de leite de pequenos produtores pelo governo; a ampliação da merenda escolar;
e a Nutrição Materno Infantil (Bolsa-Alimentação) (YASBEK, 2004, p. 110-111).
Dado o desafio logístico de distribuir fisicamente alimentos a famílias
necessitadas por todo o país, o Programa Fome Zero deu espaço ao Programa Bolsa
Família, que consistia em um programa de transferência de renda (ABREU, 2014, p.369).

7.4 PROGRAMA BOLSA FAMÍLIA


Os primeiros programas brasileiros de transferência de renda surgiram ao longo
da década de 1990, implementados em vários municípios de diferentes regiões do país. A
unificação desses programas de transferência de renda levou ao desenvolvimento do
Programa Bolsa Família, em 2003 (NEVES et al., 2020, p. 2; ABREU, 2014, p.369).

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Assim, traçaram-se objetivos de curto, médio e longo prazo, como a promoção ao


acesso à rede pública de serviços, como educação, saúde e assistência social, o combate
à fome e à pobreza, e a promoção de políticas de Segurança Alimentar e Nutricional.
Destarte, o Programa Bolsa Família promovia o repasse de dinheiro às famílias pobres e
extremamente pobres (VASCONCELOS et al, 2019, p.4; NEVES et al., 2020, p. 2).
O Programa Bolsa Família objetivava disponibilizar recursos financeiros para
famílias em situação de pobreza e extrema pobreza, contribuindo para a inclusão social
da população afetada pela miséria, diminuindo a pobreza e a fome. Além disso, buscava-
se a melhora do acompanhamento do atendimento dessa população pelos serviços de
saúde e de educação, a fim de reduzir os índices de evasão escolar, repetência e defasagem
idade-série. Logo, pretendia contribuir para a interrupção do ciclo de reprodução da
pobreza (CAMPELLO, 2013, p.17).
Para ocorrer a transferência de renda para a população, havia algumas
condicionalidades, como o acompanhamento vacinal, a realização de exame pré-natal, o
monitoramento do crescimento e do desenvolvimento infantil, a determinação da
frequência mínima escolar de 85% para crianças e jovens dessas famílias atendidas, a
realização de consultas médicas regulares para mulheres entre 14 e 44 anos de idade.
Essas condicionalidades são estímulos ao acesso aos direitos humanos essenciais, que no
longo prazo, tornariam possível à essas famílias quebrar o ciclo intergeracional de
transmissão da pobreza (NEVES et al., 2020, p. 2,4,7; ABREU, 2014, p.369).
Este programa foi rapidamente expandido, o número de famílias beneficiadas em
2003 era de 3,6 milhões, passando para 11 milhões em 2006. Ao longo dos anos, se tornou
o maior programa de transferência de renda do mundo; estima-se que, até 2010, o
programa tenha beneficiado cerca de 12,8 milhões de famílias, com a transferência de
renda de R$ 14,4 bilhões por ano. Por sua vez, em 2018, o programa foi responsável pelo
repasse de aproximadamente U$ 605,00 por ano para 14 milhões de famílias. O programa
atingiu cerca de um quinto do total de famílias brasileiras (VASCONCELOS et al, 2019,
p.4-5; NEVES et al., 2020, p. 2; ABREU, 2014, p.369-370).
Em 2003, o programa realizava repasses de um valor fixo mensal de R$ 50 para
famílias cuja renda familiar per capita era de até R$ 50. Além disso, também havia
repasses de um valor mensal variável de R$ 15 a R$ 45 por pessoa, para famílias com
renda per capita de até R $ 100,00, e famílias com mulheres grávidas, amamentando, com
criança entre zero e 12 anos ou adolescentes até 15 anos (NEVES et al., 2020, p. 4).

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O Bolsa Família correspondia à uma parcela pequena da renda total da população


beneficiada, aproximadamente 0,4% em 2003 e 1,28% em 2011. Apesar disso, o
programa foi responsável por uma redução substancial dos índices de pobreza e da fome
(CARVALHO, 2018, p. 15).
Ao longo dos 17 anos de existência do programa, há evidências do impacto desse
programa sobre a redução da desigualdade de renda e dos índices de pobreza, e da
mortalidade, acarretando a diminuição da pobreza e da fome no país (VASCONCELOS
et al, 2019, p.4-5; NEVES et al., 2020, p. 5-6). O programa contribuiu para a melhora da
nutrição das crianças, reduzindo as taxas de desnutrição e o excesso de peso,
especialmente nas regiões mais pobres do país, posto que permitiu que as famílias
adquirissem alimentos naturais diversificados (NEVES et al., 2020, p. 10).
É importante salientar que esses impactos sobre o nível de pobreza e de
desigualdade de renda foram consequência de um conjunto de ações, além do Programa
Bolsa Família, como o aumento contínuo do salário-mínimo e a queda das taxas de
desemprego ao longo da primeira década de 2000 (NEVES et al., 2020, p. 6).
Nesse sentido, entre 2000 e 2010, o número de pessoas com renda familiar per
capita de até R$ 140 foi de 48 milhões para 31 milhões. Além disso, o número de
indivíduos em extrema pobreza foi de 25 milhões para 16,2 milhões, com uma redução
significativa no semiárido nordestino (NEVES et al., 2020, p. 7).
De acordo com ABREU (2014):

“A renda per capita dos 20% mais pobres cresceu muito mais rapidamente do
que a dos 10% mais ricos. A redução da pobreza que havia sido possibilitada
pela estabilização da economia no governo anterior foi marcadamente
acentuada no período Lula. O número de indivíduos vivendo em condições de
pobreza extrema, que havia sido reduzido em 31,9% entre o Plano Real e o
final do segundo mandato de FHC, sofreu forte redução adicional de 50,6%
durante os dois mandatos do presidente Lula. O Coeficiente de Gini caiu de
0,563, em 2002, para 0,530, em 2010” (ABREU, 2014, p.370).

No ano de 2016, foi aprovada uma emenda constitucional que estabeleceu um


limite para o investimento público em políticas sociais, o congelamento dos gastos
públicos, que alicerçado à outras medidas de austeridade fiscal, acarretou a redução do
orçamento nas áreas de saúde, educação e assistência social. Consequentemente, o
número de domicílios atendidos pelo Programa Bolsa Família foram reduzidos entre 2019
e 2020, aumentando a lista de espera para acesso ao programa (NEVES et al., 2020, p.

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12); e entre dezembro de 2018 e dezembro de 2019, ocorreu a diminuição de cerca de 1


milhão de famílias beneficiadas, de 14,1 para 13,1 milhões (AMORIM, 2020, p. 1137).
Não obstante, foi constatado que, entre 2014 e 2017 a porcentagem da população
brasileira na pobreza aumentou de 17,9% para 21,0%, decorrente da recessão econômica
de 2014. Ademais, os ajustes fiscais ocorridos entre 2015 e 2017, reduziram o
financiamento de políticas sociais, incluindo o Programa Bolsa Família, impactando na
política de redução da pobreza (NEVES et al., 2020, p. 7). Entre 2014 e 2018, ocorreu
uma redução de 33,7% a 99,9% com as despesas de ações que desenvolvem a agricultura
familiar, como o Programa de Aquisição de Alimentos (SAMBUICHI et al, 2020, p.
1090).
Assim, após os avanços no combate à fome e à pobreza, em meados da década de
2010, a pobreza e a fome voltaram a aumentar entre a população brasileira. Em seguida,
será exposto um panorama acerca da situação da problemática da fome atualmente no
Brasil.

8 RETROCESSO: DE VOLTA AO MAPA DA FOME


Entre 2004 e 2013 foram realizadas três edições de Pesquisa Nacional por
Amostra de Domicílios (PNAD) sobre a situação de insegurança alimentar no país, nos
anos de 2004, 2009 e 2013. Além disso, entre 2017 e 2018 o IBGE realizou a Pesquisa
de Orçamentos Familiares (POF 2017-2018).
Os resultados das três edições das PNADs (2004, 2009 e 2013) apontam para uma
importante redução do percentual de domicílios em insegurança alimentar no país.
Entretanto, os dados disponibilizados pela POF 2017-2018 revelam que houve uma
redução da segurança alimentar, a qual voltou para os níveis de 2004, que correspondia à
cerca de 60% dos domicílios. Destarte, houve um aumento da insegurança alimentar,
principalmente da insegurança alimentar grave, que é a fome. Dados disponibilizados
pela FAO mostram um aumento da insegurança alimentar moderada ou grave de 18,3%
para 20,6%, entre 2015 e 2019 (REDE PENSSAN, 2021, p.13-14).
Uma comparação entre as pesquisas do PNAD de 2013 e a da Rede Penssan, de
2020, permite observar que o número de pessoas em algum grau de insegurança alimentar
mais que dobrou nesse intervalo de tempo entre os estudos, eram 52 milhões em 2013 e
passou a ser mais de 116 milhões em 2020. Além disso, possibilita traçar um perfil para
os brasileiros que passam fome: é, em geral, uma mulher negra ou parda, chefe de família,
moradora de áreas rurais na região Nordeste e com baixos níveis de estudo.

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O gráfico abaixo permite observar o número de pessoas que sofreram algum grau
de insegurança alimentar ao longo dos anos no Brasil. Nele é possível ver que a fome
esteve em declínio entre 2004 e 2013, quando voltou a subir, atingindo em 2020 quase o
dobro do número registrado em 2004, cerca de 62% superior. Dado que a estimativa do
IBGE da população brasileira em 2020 era de 211,8 milhões de habitantes (AGÊNCIA
DE NOTÍCIAS, 2020), naquele ano cerca de 55% dos brasileiros sofreram com algum
grau de insegurança alimentar, um percentual extremamente alarmante.

Gráfico 8: Evolução da insegurança alimentar (leve, moderada e grave) ao longo dos anos.

Fonte:
PNAD 2004, 2009, 2013 (IBGE) e Rede Penssan (2020)

Esse processo de agravamento da insegurança alimentar no Brasil é consequência


da deterioração das condições de vida de uma significativa parcela da população e do
aumento das desigualdades sociais. Dentre suas causas, estão os potenciais impactos das
políticas de austeridade adotadas pelo Brasil desde 2014, corroborando a redução de
investimentos relacionados às políticas sociais (REDE PENSSAN, 2021, p.13).
Não obstante, nesse período houve a extinção do CONSEA (Conselho Nacional
de Segurança Alimentar e Nutricional), o encerramento da Câmara Interministerial de
Segurança Alimentar e Nutricional e o fim do Ministério do Desenvolvimento Agrário,
reduzindo substancialmente o gasto público com programas que visavam combater a
insegurança alimentar da população (G1, 2021; SCHAPPO, 2021, p. 38).
Concomitantemente, em março de 2020 a Organização Mundial da Saúde (OMS)
declarou o surto de Coronavírus 19 como uma pandemia, no mesmo mês, foi noticiado o
estado de transmissão comunitária do vírus no Brasil. Até o dia 31 de julho de 2021, a
Universidade Johns Hopkins tinha contabilizado 19,917 milhões de casos da nova

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pandemia de coronavírus no Brasil, e 556.370 óbitos. Tendo em vista que a melhor


estratégia para conter a transmissão da doença é o isolamento social, as atividades
econômicas foram interrompidas ou reduzidas, acarretando o em aumento do
desemprego, da pobreza e da fome (NEVES et al., 2021, p. 2).
Ao longo dos primeiros 5 meses de 2020, o Brasil somou 3.297.396 pedidos de
seguro-desemprego, acréscimo de 12,4% do total de 2019. Por sua vez, em maio de 2020,
houve um aumento de 28,3% em relação a abril de 2020 e 53% em relação a maio de
2019 (NEVES et al., 2021, p. 3). A crise provocada pelo COVID-19 implicou no
empobrecimento de muitos brasileiros que perderam seus empregos, havia cerca de 14,4
milhões de desempregados em fevereiro de 2021, segundo a PNAD Contínua, do IBGE
(AGÊNCIA DE NOTÍCIAS, 2021). Concomitantemente à elevação da taxa de
desemprego, houve o aumento do número de famílias na extrema pobreza, isto é, famílias
com renda mensal de até R$ 89,00 por pessoa, atingindo aproximadamente 20% dos
brasileiros em outubro de 2020 (NEVES et al., 2021, p. 3).
Isso, alicerçado à alta dos alimentos que ocorreu nos últimos meses, faz com que
a pobreza se manifeste na forma da fome (MARQUES, 2021, p.4-5), visto que a
população passa a não ter acesso aos alimentos devido aos seus altos preços.
Em 2020, os preços dos alimentos, como óleo de soja, feijão e arroz, para as
famílias que vivem com menos de 5 salários-mínimos atingiram o maior resultado desde
1995, segundo a medição da inflação pelo INPC (Índice Nacional de Preços ao
Consumidor) do IBGE. O país terminou o ano de 2020 com a inflação de gêneros
alimentícios atingindo quase o triplo da inflação geral. Os alimentos acima citados,
tiveram alta de 103,79%, 40% e 76,01% respectivamente, impactando no orçamento das
famílias (BORBOREMA, MÍDIA NINJA, 2021).
De acordo com Fabiana Scoleso, isso ocorre, pois, a alta histórica do dólar
incentiva os produtores rurais a exportar seus produtos, em detrimento do mercado
interno, que sofre com a redução da oferta e consequente escalada de preços, dificultando
a aquisição de alimentos pela população mais carente (SCOLESO, 2020).
Na visão de Paulo Petersen, integrante do Núcleo Executivo da Articulação
Nacional de Agroecologia (ANA), esse processo faz parte de um entendimento de que a
maximização dos lucros é o que domina a lógica do regime agroalimentar dominante, que
é um sistema de poder controlado por corporações internacionais. Consequentemente,
com aumento da demanda internacional por alimentos ou grãos, devido à alta do preço

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do dólar, a produção é canalizada para a exportação, onde serão realizados maiores lucros
(BORBOREMA, MÍDIA NINJA, 2021).
Nesse sentido, o pesquisador Silvio Porto afirma que a adoção de uma estratégia
de produção voltada a atender quase que exclusivamente o mercado internacional, e
baseado na produção de commodities, principalmente soja e milho, que representam cerca
de 90% da produção nacional de grãos, demonstra que não há preocupação com a
produção de alimentos diversificados, adaptados regionalmente, destinados a atender as
necessidades da população brasileira. O pesquisador pontua que na gestão do atual
governo, optou-se por especializar-se paulatinamente em produzir commodities para
suprir o mercado internacional ou matéria-prima para a indústria produzir alimentos de
baixíssima qualidade, isto é, os alimentos ultra processados, que acarretam doenças
associadas à má alimentação, implicando a destruição do território brasileiro e a redução
da agro biodiversidade (BORBOREMA, MÍDIA NINJA, 2021).
Além da extinção do CONSEA, do enfraquecimento de inúmeras políticas
públicas, como o Programa de Aquisição de Alimentos (PAA), em 2020, o presidente da
República vetou quase todos os artigos do Projeto de Lei 735/20, que beneficiaria a
agricultura familiar. Em meio à pandemia, com diminuição da capacidade dos transportes
rurais e das feiras, os trabalhadores rurais não receberam nenhum apoio para continuar a
produzir alimentos. Vale ressaltar que a agricultura familiar é responsável por garantir
cerca de 70% dos alimentos destinados ao mercado interno (BORBOREMA, MÍDIA
NINJA, 2021).
Neste contexto, segundo o levantamento do Dieese (Departamento Intersindical
de Estatística e Estudos Socioeconômicos), em 2021, a cesta básica subiu em 14 das 17
capitais dos estados brasileiros nos últimos 12 meses. As maiores altas foram registradas
em Brasília, 33,36%, e em Campo Grande, 26,28%. Entretanto, Porto Alegre e São Paulo
têm as cestas mais caras do país, R$ 636,96 e R$ 636,40, respectivamente, registrando
altas de 22,82% e 14,39% no período. Assim, um morador da cidade de São Paulo que
ganha até um salário-mínimo e tem uma jornada diária de 8 horas precisa trabalhar quase
16 dias para conseguir comprar uma cesta básica e gasta mais de 62% de seu salário com
este item (G1, 2021).
Nessa toada, a pesquisadora Adriana Salay Leme afirma que a emergência
sanitária da COVID-19 tem potencial de causar a fome epidêmica, proveniente de crises,
que tende a se juntar com a fome endêmica, de origem estrutural, muitas vezes oculta e
expressa por estados de subnutrição apresenta-se de forma constante (LEME, 2020, A12).

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De acordo com SCHAPPO (2021), as consequências da pandemia, como o agravamento


da doença, do desemprego, a incerteza de acesso à renda e às políticas públicas, incidirão
mais drasticamente na população pobre e extremamente pobre, refletindo em quadros de
fome e insegurança alimentar (SCHAPPO, 2021, p.43).
Segundo NEVES et al. (2021):

“A crise nacional provocada pela Covid-19 expõe a realidade de uma


sociedade histórica e estruturalmente desigual, na qual a ação do Estado é
necessária para preservar rendas, empregos e apoiar populações vulneráveis, a
fim de evitar o crescimento da pobreza e da fome. O governo brasileiro é
reconhecido pela ONU e pela comunidade científica internacional como um
dos piores do mundo no que se refere ao enfrentamento dos danos causados
pela Covid-19. Além da incapacidade governamental de construir políticas
sociais e econômicas voltadas para resultados, a pandemia e seus efeitos sobre
o desemprego e a pobreza contribuem para a trajetória crescente da fome no
país” (NEVES et al., 2021, p. 5).

Tem crescido paulatinamente o relato de profissionais de saúde do SUS, de


pacientes que procuram atendimento ao acreditarem estar doentes, mas na verdade são
diagnosticadas como famintas. Este é o resultado do empobrecimento da população
brasileira (EL PAÍS, 2021). A problemática da insegurança alimentar é ainda pior entre a
população indígena do Brasil: oito em cada dez crianças yanomami menores de 5 anos de
idade têm desnutrição crônica. Em fevereiro de 2021, na comunidade indígena do Alto
Catrimani, em Roraima, um menino de 10 anos que pesava apenas 8 kg foi resgatado. O
peso ideal para a idade é em torno de 32 kg (G1, 2021). Este exemplo ilustra o abandono
da população, principalmente dos povos indígenas, por parte do poder público.
Não obstante, durante esse período de pandemia, que acarretou uma elevação do
número de brasileiros que passam fome, têm aumentado os casos de furto famélico, que
ocorre quando as pessoas são presas por furtar comida ou pequenas quantias. Esses casos
estão, inclusive, chegando a instâncias superiores da Justiça brasileira, como o Superior
Tribunal de Justiça (STJ) e o Supremo Tribunal Federal (STF), contribuindo para
aumentar a lentidão da Justiça (Leandro Machado, BBC News Brasil, 2021). Ainda em
2021, no estado da Bahia, dois homens foram mortos após terem sido flagrados pelos
seguranças de um supermercado furtando carnes do estabelecimento. Esses homens
foram entregues pelos seguranças do supermercado aos traficantes locais, que os
executaram (G1, 2021).
A fome no Brasil é hoje uma realidade. As condições de miséria e fome presentes
na sociedade brasileira têm raízes profundas no processo de formação socioeconômica e

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histórica do país e no desenvolvimento capitalista que intensificou as desigualdades


sociais (SCHAPPO, 2021, p.31). Tendo isso em vista, realizar-se-á uma análise dos
impactos da fome para os indivíduos e para a sociedade como um todo.
Por fim, a seguir, faz-se necessário compreender as consequências da fome na
população e na sociedade como um todo.

9 ARMADILHA DA POBREZA
9.1 HERANÇA DA FOME: EROSÃO DO CAPITAL HUMANO
Em sua obra “Urupês”, Monteiro Lobato discorre acerca do estereótipo do caboclo
brasileiro através do personagem Jeca Tatu, descrevendo-o como preguiçoso, uma
espécie de “sacerdote da Grande lei do Menor Esforço”, sempre disposto a justificar sua
falta de esforço e aversão ao trabalho com a frase “não paga a pena”. Para tanto, utiliza-
se dos seguintes trechos para sua descrição: “seu grande cuidado é espremer todas as
consequências da lei do menor esforço – e nisto vai longe”, e “Quando a palha do teto,
apodrecida, greta em fendas por onde pinga a chuva, Jeca, em vez de remendar a tortura,
limita-se, cada vez que chove, a aparar numa gamelinha a água gotejante” (LOBATO,
Monteiro. Urupês, 1918).
Segundo Josué de Castro, essa “apregoada preguiça dos povos equatoriais” não se
deve à sua raça ou nacionalidade, tampouco seria consequência de falta de inteligência,
mas sim o resultado direto da insuficiência alimentar quantitativa, a chamada “fome”, ou
subnutrição, se manifesta em menores proporções (CASTRO, 1984, p.67). Essa
deficiência alimentar causa a reduzida capacidade do trabalho, ou seja, a baixa
produtividade e menor competitividade econômica (CASTRO, 1984, p.134). A respeito
dessa problemática o autor afirma:

“Com a abolição da escravatura, os negros e os mestiços saídos das senzalas,


ficando com a alimentação a cargo dos seus salários miseráveis, começaram
por diminuir as quantidades de alimentos de sua dieta, e já não dispunham nem
de combustível suficiente para produzir o trabalho que antes realizavam.
Diminuíram, então, o seu rendimento para equilibrar o déficit orgânico, sendo
esta diminuição tomada pelos patrões mais reacionários como um sinal de
preguiça consciente, de premeditada rebeldia do negro liberto contra o regime
feudal da economia açucareira. A verdade é que a moleza do cabra de engenho,
a sua fatigada lentidão não é um mal de raça, é um mal de fome. É a falta de
combustível suficiente e adequado à sua máquina, que não lhe permite
trabalhar senão num ritmo ronceiro e pouco produtivo” (Idem, p.136).

A subalimentação debilita paulatinamente as capacidades motoras e mentais,


causando a marginalização social, perda de autonomia econômica, implicando no

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desemprego, devido à incapacidade de execução do trabalho, ou seja, baixa produtividade


do trabalho (ZIEGLER, 2013, p.32). Logo, a fome gera fome.
A fome na infância pode causar a má formação física do indivíduo, problemas
neurológicos como a debilidade mental (CASTRO, 1984, p. 220; CASTRO, 1957, p.175)
onerando o Sistema Único de Saúde (SUS). Além disso, causa doenças que também
oneram o SUS, como o beribéri, pelagra, anemia, escorbuto, bócio, letargia, cegueira,
retardo mental, além de diminuir a resistência do sistema imunológico tornando-se mais
suscetíveis a doenças infecciosas e pandemias (CASTRO, 1984, p. 225-226). Outro ônus
causado ao país pela fome é a mortalidade infantil e a mortalidade geral da população
(CASTRO,1984, p.154; CASTRO, 1957, p.187)
Ademais, a carência de minerais e vitaminas pode gerar também, a redução da
capacidade de aprendizado (ZIEGLER, 2013, p.56), dificultando a capacitação técnica e
intelectual dos indivíduos, e impedindo que estes consigam melhorar de vida,
permanecendo sempre suscetíveis à fome e à pobreza, em uma espécie de “armadilha da
pobreza”.
A população feminina subalimentada, ao dar à luz, transmite as carências
alimentares aos seus bebês. Essa subalimentação fetal pode acarretar invalidez definitiva,
deficiências motoras e danos cerebrais irreparáveis (ZIEGLER, 2013, p.34).
Destarte, a fome a subalimentação implica em um enorme desperdício de capital
humano, que poderia ter sido importante para o desenvolvimento da sociedade e das
nações (CASTRO,1984, p. 161). Segundo Jean Ziegler, aproximadamente um terço da
população mundial não pode desenvolver seu potencial intelectual e físico devido às
carências de vitaminas e minerais (ZIEGLER, 2013, p.34). Por sua vez, Martín Caparrós
afirma: “A perda de potencial humano é terrível. Algumas dessas crianças poderiam ter
sido grandes cientistas ou líderes de nossas forças armadas, mas o impacto da fome
arruinou tudo e, em consequência, estamos debilitando nossa nação.” (CAPARRÓS,
2016, p.369).
Assim, pode-se concluir que a fome se constitui um entrave ao desenvolvimento
econômico, à medida que reduz a produtividade dos indivíduos e impossibilita o total
desenvolvimento do potencial intelectual e físico.

“A existência da fome em um mundo caracterizado pela abundância não é


apenas uma vergonha moral, também é incompetência do ponto de vista
econômico. As pessoas famintas não têm trabalhos produtivos, têm dificuldade
de aprender – se é que vão à escola –, são propensas às enfermidades e morrem
jovens. A fome é transmitida de geração em geração, pois mães mal

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alimentadas têm filhos com peso insuficiente, com pouca aptidão para a
atividade física e mental. A produtividade dos indivíduos e o crescimento das
nações estão gravemente comprometidos por essa mácula. A fome gera
desespero, e as pessoas famintas são presas fáceis para aqueles que tratam de
conseguir poder e influência através do delito, da força, ou do terror, o que
coloca em perigo a estabilidade nacional e mundial. Por isso, a luta contra a
fome responde aos interesses de todos, tanto ricos como pobres”
(CAPARRÓS, 2016, p.501).

9.2 O ETERNO CICLO DA FOME

“A fome servia para manter a máquina em marcha. Em seu A Dissertation on


the Poor Laws, de 1786, o médico e vigário Joseph Towsend, correligionário
de Malthus, esclareceu: “A fome amansa os animais mais selvagens, dá lições
de decência e civilidade, obediência e sujeição aos mais brutos, aos mais
obstinados, aos mais perversos. Em geral, só a fome pode submeter e esporear
os pobres ao trabalho” (CAPARRÓS, 2016, p. 239).

Este excerto mostra que a fome, ao invés de ser tida por alguns como uma
consequência de problemas econômicos, é vista como um elemento disciplinador
(CAPARRÓS, 2016, p.239), uma solução para obrigar os trabalhadores a trabalharem por
salários mais baixos, para não passarem fome. Isso ocorre, visto que o mercado alimentar
apresenta baixa elasticidade, ou seja, independentemente da oferta e da alta dos preços, a
demanda não sofrerá uma forte alteração (CAPARRÓS, 2016, p.335). Logo, a fome serve
como um mecanismo de exploração dos trabalhadores, um meio de aumentar a extração
de mais-valia.
Tendo isso em vista, uma sociedade que tem uma grande parcela de sua população
desempregada, isto é, muito maior a demanda por trabalho do que a sua oferta, pode
incorrer em um processo de achatamento progressivo dos salários e consequente aumento
da exploração dos trabalhadores. Os desempregados desempenham uma função
econômica, fazem pressão sobre os trabalhadores empregados para que estes se submetam
a maiores jornadas e menores salários, já que podem ser substituídos pelo exército de
reserva a qualquer momento (CAPARRÓS, 2016, p.491).
A isso soma-se ao fato de que, quanto menor a renda familiar, maiores são as
chances das crianças e adolescentes terem que trabalhar para complementar a renda da
família (CUT, 2018). Assim, o trabalho nessas faixas etárias contribui para a diminuição
do tempo de dedicação dessas crianças aos estudos, podendo implicar em reprovações na
escola até a evasão escolar, nos casos mais extremos, o que faz com que estas pessoas
tenham menos chances de ingressar em cursos de graduação e terem trabalhos mais bem
remunerados (LIMA, 2013, p.10).

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Consequentemente, surge um ciclo vicioso, no qual a pobreza é a causadora do


trabalho infantil, o que, muitas vezes, leva à evasão escolar e culmina em mais pobreza,
devido à falta de oportunidades de capacitação profissional e de estudo.
Logo, a fome é um entrave ao desenvolvimento econômico. A baixa produtividade
dos trabalhadores subnutridos implica no aumento dos preços dos produtos, dentre eles
os alimentos. Ora esse fenômeno se dá à medida que se necessita de um maior contingente
de trabalhadores, capital variável, ou de mais tempo para produzir uma dada quantidade
de bens. Esse acréscimo de trabalhadores necessários para a produção aumenta também
o valor total pago nos salários de certa empresa.
Em suma, a fome causa baixa produtividade dos trabalhadores, o que implica no
aumento dos preços dos alimentos, e dado que o salário real não cresce na mesma
proporção que o aumento do custo de vida, novamente o trabalhador terá que escolher
qual alimento acrescentar na sua cesta, gerando subnutrição, ao até a fome.
Visto este ciclo de outro modo, pela ótica do processo de urbanização, tem-se que
o êxodo rural, no qual a população recorre para melhorar de vida, gera uma saturação
populacional nas cidades que atraem largos contingentes de mão-de-obra. Esse excesso
de trabalhadores ocasiona dois possíveis cenários: o primeiro é o desemprego desses
imigrantes, o segundo, seria a compressão dos salários, já que a oferta de mão-de-obra é
superior à sua demanda. No caso do desemprego, esses indivíduos dependem, muitas
vezes, do assistencialismo do governo para sobreviver. No caso da redução salarial, há
como resultante a perda de poder aquisitivo já que o salário não cresce proporcionalmente
ao custo de vida. Ambos os casos, implicam na perda da qualidade da alimentação, de
modo a ocasionar a subnutrição. Ou, como afirma Rob Wallace, “a dinâmica da
desigualdade se alimenta de sua própria força” (WALLACE, 2020, p.305).

10 CONSIDERAÇÕES FINAIS
A estrutura político-socioeconômica atual de determinado país está
intrinsecamente alicerçada à sua formação histórica. Consequentemente, a herança da
colonização do Brasil por Portugal, de caráter exploratório, ao se utilizar da escravidão,
de um modelo baseado no latifúndio, foi determinante na estruturação de uma sociedade
essencialmente desigual, pautada na concentração fundiária proveniente das capitanias
hereditárias, e em uma matriz econômica voltada para a exportação de produtos
primários, as commodities. Essas desigualdades socioeconômicas se traduzem na fome,
que sempre acometeu os brasileiros. A fome é uma herança da colonização do Brasil.

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Estabelece-se uma relação extremamente paradoxal: em um dos países que mais


produz alimentos no mundo, o novo “celeiro do mundo”, no Brasil, ainda haver uma
parcela da população que passa fome. A quantidade produzida de alimentos no país seria
mais do que suficiente para alimentar fartamente toda a sua população, ainda mais porque
a produção de gêneros alimentícios está em franco crescimento no país.
Não obstante, a expansão do Mercado de Derivativos ao redor do mundo, ao
possibilitar a especulação dos preços das commodities, têm acarretado uma tendência
global de elevação dos preços dos alimentos, alta que não se justifica do ponto de vista
produtivo, apenas à ótica do capital fictício. Analogamente, o processo de apropriação
global de terras em voga no Brasil, além de corroborar na expulsão de pequenos
agricultores e povos tradicionais de suas terras, tem contribuído para a substituição da
plantação de gêneros alimentícios destinados à população por agrocombustíveis,
provocando a redução da oferta de alguns alimentos. Ambos os casos, a especulação dos
preços das commodities e das propriedades agrícolas tende a encarecer o preço dos
gêneros alimentícios, implicando o aumento da fome e tornando a população ainda mais
vulnerável às variações dos preços.
Concomitantemente, o modelo produtivo de alimentos em larga escala, o
agronegócio, no qual algumas pessoas alegam ser uma ferramenta capaz de sanar a
problemática da fome, por produzir em larga escala, consiste em um instrumento
propagador de patógenos e desenvolvedor de cepas mais virulentas. Esses patógenos se
tornam, por vezes, em epidemias capazes de matar muitos indivíduos.
Ademais, a eclosão dessas epidemias acaba implicando no aumento dos níveis de
pobreza, haja vista o desemprego causado por possíveis lockdowns, corroborando
invariavelmente no aumento da fome. É um processo cíclico.
Durante o governo Lula, o principal ponto de sua política ideológica foi o discurso
de combate à fome. Destarte, a fim de reduzir os índices de fome e pobreza da população,
criou-se e reformulou-se inúmeros programas governamentais que, além de promover
transferência de renda para a população mais carente, facilitava o acesso aos alimentos.
Dentre estes programas pode-se citar o Programa de Aquisição de Alimentos (PAA), o
Programa Nacional de Alimentação Escolar (PNAE), o Programa Fome Zero e o
Programa Bolsa Família. Além disso, foram criados também ministério, conselho, leis e
emendas constitucionais para combater a fome.
Esses programas, além de promoverem transferência de renda para a população
mais carente, facilitavam o acesso aos alimentos, contribuindo para a redução da fome no

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período. Em 2004, a insegurança alimentar no país atingia cerca de 72 milhões de


brasileiros, caindo para 52 milhões em 2013.
Contudo, após os avanços no combate à fome e à pobreza, em meados da década
de 2010, a pobreza e a fome voltaram a aumentar entre a população brasileira, atingindo
116 milhões de indivíduos em 2020. Dentre as causas para esse avanço da fome, pode-se
citar o sucateamento de instituições e dos programas de combate à fome, devido aos cortes
no orçamento público, com a PEC do congelamento dos gastos públicos. Além disso, o
isolamento social adotado para combater a pandemia de COVID-19 ao longo de 2020, ao
interromper ou reduzir as atividades econômicas, implicou o aumento do desemprego e
da pobreza, potencializando fome, que já estava em ascensão desde 2013.
Consequentemente, tendo-se em vista que a insegurança alimentar compromete o
desenvolvimento físico e mental dos indivíduos, podendo causar má formação física,
problemas neurológicos como a debilidade mental, e inúmeras doenças em virtude da
debilidade do organismo, acarreta a redução da capacidade de aprendizado e da
produtividade do trabalho. Assim, indivíduos ameaçados pela insegurança alimentar
tendem a apresentar maiores dificuldades na capacitação técnica e intelectual, implicando
no desemprego, devido à incapacidade de execução do trabalho. Logo, esse a
subalimentação acaba impedindo que estes consigam melhorar de vida, permanecendo
sempre suscetíveis à fome e à pobreza, em uma espécie de “armadilha da pobreza”, dado
o caráter cíclico da pobreza.

“A vitória contra a fome constitui um desfio à atual geração – como um


símbolo e como um signo da vitória integral contra o subdesenvolvimento”
(CASTRO, 1984, p. 305).

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