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Agronegócio, pandemia e fome: um triângulo indissociável

Article · November 2021

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3 authors, including:

Allan Rodrigo De Campos Silva Estevan Leopoldo de Freitas Coca


University of São Paulo Universidade Federal de Alfenas
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A comparison of the regional dynamics of large-scale land acquisitions or ‘land-grabbing’, food security and food sovereignty in Australia, South America and South East
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Land Grabbing, territorial development and paradigmatic disputes View project

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INÍCIO  OPINIÃO

DEVASTA BIOMAS

Análise | Agronegócio, pandemia e fome: um


triângulo indissociável
O agronegócio tem sido um ampli�cador de crises correlatas, como é o caso da fome

Gerson Antonio Barbosa Borges, Estevan Leopoldo de Freitas Coca e Allan Rodrigo de Campos
Silva
Brasil de Fato | São Paulo (SP) | 01 de Novembro de 2021 às 09:31

Agronegócio transforma a alimentação em mercadoria: administra um mercado em


superprodução e a própria fome em nome da lucratividade - Foto: Giorgia Prates

O agronegócio, como parte do atual Regime Alimentar Corporativo, tem criado


problemas sociais, econômicos e ecológicos. A produção de commodities
prioritariamente para exportação, grilagem de terras, isenções �scais, destruição
ambiental e a prática de diferentes tipos de violência contra os povos camponeses e
originários formam algumas dentre as principais pegadas deste sistema orientado
pela lógica da acumulação capitalista.

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McMichael (2016) argumenta que o Regime Alimentar Corporativo inverteu a ordem


da relação Estado x mercado. Outrora os mercados serviam aos Estados, hoje é o
inverso. Ilustrando o caso brasileiro, os representantes do agronegócio estão e são
parte do Estado em diferentes governos e escalas administrativas, participando
diretamente das decisões estratégicas da governança em prol de seu interesse.

Isso se dá por meio de uma concertação política em que o bloco intersetorial que
compõe o agronegócio age de forma coordenada, multilateral, sistemática e
institucionalizada para convencer a opinião pública e o Estado sobre sua
imprescindibilidade (POMPEIA, 2021). Desse modo, com as botas, a caneta e o laptop
nesses territórios, o agro tem se viabilizado e reproduzido.

::  "O Agro não é pop": estudo aponta que a fome é resultado do agronegócio ::

Colheita da soja em Campo Novo do Parecis no estado do Mato Grosso (MT) /


Yasuyoshi Chiba / AFP

A produção realizada sob as bases do agronegócio, além de transformar os sistemas


produtivos, os circuitos de distribuição e a qualidade dos alimentos, vem devastando
os diferentes biomas do Planeta Terra. A destruição da natureza para avançar na
extração de minerais, cultivo de cereais e criação de animais, a partir de complexos
intensivos ou extensivos, está eliminando os habitats naturais dos seres vivos que
hospedam os vírus, concomitantemente, aproximando ambos das criações intensivas
de aves e porcos, por exemplo.

A combinação entre eliminação de barreiras naturais e aproximação dos hospedeiros


a animais sem diversidade genética e imunológica e debilitados pela grande ingestão
de SHARES
antibióticos e hormônios incrementa a reprodução e a mutação de vírus e
bactérias (DAVIS, 2005; WALLACE, 2020). Como o desmatamento tem sido uma das

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principais características da territorialização do agronegócio, podemos a�rmar,


assim, que ele é o responsável por nos tornar mais próximos do contato com esses
patógenos.

::  Indígenas Kapinawá denunciam desmatamento no Parque Nacional do Catimbau


::

No caso do vírus Sars-CoV-2, a principal hipótese aponta para a destruição das


�orestas do sudeste asiático em consonância com a modernização agropecuária como
a causa sistêmica para a emergência da pandemia da covid-19 (WALLACE, 2020).
Circulando entre as cadeias globais das commodities, principalmente da carne suína
e de aves, os vírus evoluem e se espacializam nas pequenas, médias e grandes
cidades, aumentando a probabilidade da infecção humana tal como a epidemia de
in�uenza H5N1, em 2005, e a pandemia de in�uenza H1N1, em 2008. Com isso,
a�rmamos que o agronegócio é um exemplo de que o capitalismo é doente e gera
doenças.

No início de setembro de 2021 foram noti�cados dois casos de Encefalopatia


Espongiforme – a Doença da Vaca Louca – em bovinos no Mato Grosso e em Minas
Gerais. Investigações iniciais, supervisionadas pela Organização Mundial da Saúde
Animal, concluíram que os casos seriam atípicos e que podem ocorrer em animais de
idade mais avançada. Uma vez que o mercado de carnes é regido por preços em bolsa
de valores, não seria estranho ao negócio que produtores estejam especulando com o
tempo de vida dos animais, postergando o tempo de abate para conseguir animais
mais pesados e melhores preços.

A destruição da natureza para avançar na extração de minerais, cultivo de cereais e


criação de animais está eliminando habitats de seres vivos/ Corpo de Bombeiros de MS

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Outra hipótese aponta para o uso das carnes de animais contaminados na


alimentação dos bovinos em engorda. Apesar de ser uma doença priônica – ou seja,
causada por partículas proteicas infecciosas produzidas pelo próprio organismo – o
contágio pela Vaca Louca pode acontecer em caso de ingestão da carne do animal
doente. Porquê e em que frequência bovinos mais velhos e doentes estão sendo
abatidos em frigorí�cos para consumo humano é a pergunta que não quer calar.

::Situação de famílias piora nas periferias por conta da crise econômica e de


notícias falsas::

Não bastasse isso, além de ser um dos responsáveis pela emergência de crises de
grande extensão, como a da COVID-19, o agronegócio tem sido um ampli�cador de
crises correlatas, como é o caso da fome. Tomando o caso brasileiro mais uma vez
como exemplo, o setor agropecuário de exportação, sob embargo chinês, mantém
armazenadas 100 mil toneladas de carne bovina que teriam como destino o mercado
asiático.

Enquanto isso, de acordo com a última pesquisa da Oxfam (2021), do total de 211,7
milhões de brasileiros(as), 116,8 milhões, pelo menos, estão convivendo com algum
grau de insegurança alimentar; destes, 43,4 milhões não têm alimentos em
quantidade su�ciente para satisfazer suas necessidades básicas, e 19 milhões de
brasileiros(as) enfrentam a fome. Ao transformar a alimentação em mercadoria, o
agronegócio administra cinicamente um mercado em superprodução e a própria
fome em nome da lucratividade.

::  Impulsionadas pelo desmatamento, emissões de CO2 do Brasil aumentam 9,5%


em 2020 ::

Com o elevado índice de desemprego e a desestruturação das políticas públicas, a


exemplo do Bolsa Família e do PNAE (Programa Nacional de Alimentação Escolar),
aos brasileiros empobrecidos, que ainda conseguem adquirir algum tipo de alimento,
sobra a busca por restos de carcaças de animais abatidos e resíduos de arroz e outros
cereais, pois o agronegócio produz para obter taxas elevadas de lucro, e não para
ofertar alimentos aos que deles necessitam.

Podemos concluir, neste breve texto, que o “agro é tech”, o “agro é pop”, como
dizem seus representantes no Brasil. Porém, sob uma outra perspectiva: ele é “tech,
“pop”, enquanto um dos principais protagonistas no avanço da fome e das
pandemias.

 
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*Gerson Antonio Barbosa Borges é  militante do MPA, Especialista em Economia e

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Desenvolvimento Agrário pela Universidade Federal do Espírito Santo (UFES). Mestrado


em Desenvolvimento Territorial na América Latina e Caribe pela Universidade Estadual
Paulista “Júlio de Mesquita Filho” (UNESP). Atualmente é doutorando em Geogra�a pela
UNESP.

**Estevan Leopoldo de Freitas Coca é doutor em Geogra�a pela Universidade Estadual


Paulista (Unesp), com período sanduíche na University of British Columbia (UBC).
Atualmente, atua como professor Adjunto da Universidade Federal de Alfenas (Unifal) -
curso de Geogra�a.

***Allan Rodrigo de Campos Silva é geógrafo e tradutor, Doutor em Geogra�a Humana


pela USP. Membro do Fórum Popular da Natureza e do Coletivo Editorial Igrá Kniga.

****Este é um artigo de opinião. A visão dos autores não necessariamente expressa a


linha editorial do jornal Brasil de Fato.

Referências

DAVIS, Mike. O monstro bate à nossa porta. Ed. Record, Rio de Janeiro, 2006.

MCMICHAEL, Phillip. Regimes alimentares e questões agrárias. São Paulo; Porto


Alegre: Editora UNESP; Editora da UFRGS, 2016.

POMPEIA, Caio. Formação política do agronegócio. São Paulo: Elefante, 2021.

REDE PENSSAN. Insegurança alimentar e Covid-19 no Brasil. Rio de Janeiro: Rede


PENSSAN, 2021.

WALLACE, Rob. Pandemia e agronegócio: doenças infecciosas, capitalismo e ciência /


tradução Allan Rodrigo de Campos Silva. São Paulo: Elefante, 2020.

Edição: Vivian Virissimo

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