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CFESS Manifesta

6ª Conferência Nacional de Segurança Alimentar e Nutricional


Brasília (DF), 11 a 14 de dezembro de 2023 www.cfess.org.br
Gestão Que Nossas Vozes Ecoem Vida-Liberdade (2023-2026)

A GENTE QUER SEGURANÇA E


SOBERANIA ALIMENTAR!

H
á pouco mais de meio século, a intelectual negra Ca- São as famílias chefiadas por mulheres negras, com
rolina Maria de Jesus já denunciava a problemática da crianças, que mais sofrem com a fome no país. O 2º Inqué-
fome no Brasil - “No dia 13 de maio de 1958, eu lutava rito Nacional sobre Insegurança Alimentar no Contexto da
contra a escravatura atual, a fome!”. Sim, a fome no Brasil é Pandemia da Covid-19 no Brasil (VIGISAN), com dados dos
atravessada pelo racismo constitutivo das relações sociais anos de 2021 e 2022, revela que aquelas somam 20,6% das
brasileiras que, por sua vez, também expropriou povos in- famílias, enquanto famílias brancas tem o índice de 10,6%
dígenas e tornou a terra uma mercadoria. Com a Lei de Ter- - a metade. Além disso, essas famílias estão em sua maioria
ras de 1850, somente quem adquirisse a propriedade da ter- nas regiões norte e nordeste do país.
ra, por meio da compra, poderia trabalhar nela. Centenas As populações do campo, das águas e das florestas tam-
de negros e negras, que trabalharam produzindo alimentos bém têm sido as mais atingidas pela fome, conforme relatório
durante toda a escravidão, foram “libertos/as” anos depois, recente da FAO (2023). Essa realidade nos remete às diversifi-
mas não puderam continuar na terra, haja vista não terem cadas formas de apropriação privada da terra pelas grandes in-
condições de comprá-la. A não realização de uma reforma dústrias, no contexto de flexibilização das legislações ambien-
agrária, pelo contrário, a reafirmação da opção pelo latifún- tais, o que proporcionou o avanço do capital no campo por
dio agroexportador, são aspectos constitutivos das raízes meio da mineração (agravado pelo garimpo ilegal) e do agro-
históricas do contínuo problema da fome no Brasil. Com negócio, especialmente no governo Bolsonaro. Tais expropria-
isso, evidenciamos que a fome também tem relação com a ções contemporâneas destrutivas da natureza contaminam
questão agrária até hoje não resolvida em nosso país, que as águas, empobrecem os solos, poluem o ar, ameaçando ou
dialeticamente também encontra expressões, principal- impossibilitado a continuidade dos sistemas agroalimentares
mente, nas periferias das grandes cidades. dos povos indígenas, comunidades tradicionais e camponesas.
CFESS Manifesta 6ª Conferência Nacional de
Segurança Alimentar e Nutricional
Brasília (DF), 11 a 14 de dezembro de 2023

A histórica transformação dos alimen- ser tratada como uma escolha política, mas “A tontura da fome é pior do que a do álcool.
tos em mercadoria, na atual fase de desen- também por ser uma profissão que está no A tontura do álcool nos impele a cantar. Mas a
volvimento capitalista, alcançou modali- cotidiano das políticas sociais. É no mundo da fome nos faz tremer. Percebi que é horrível
dades nunca imagináveis, a exemplo das do trabalho que assistentes sociais articulam ter só ar dentro do estômago”. Em suas “escre-
commodities, dos transgênicos e do uso estratégias e perspectivas intersetoriais e in- vivências”, a intelectual negra Conceição
extensivo e intensivo de agrotóxicos. Essa tegradas sobre o “reclame” da população em Evaristo também traz memória de estô-
relação terra-território-trabalho e produ- situação de insegurança alimentar. Assisten- mago vazio no cotidiano com sua família,
ção de alimentos é atravessada pela ques- tes sociais atuam na assistência social (em quando diz: “Lembro-me de que muitas
tão ambiental e formas de apropriação pri- que existem os benefícios eventuais e os pro- vezes, quando a mãe cozinhava, da panela
vada dos bens comuns da natureza. gramas de transferência de renda), saúde (na subia cheiro algum. Era como se cozinhas-
As emergências climáticas, que tam- atenção básica, a partir dos núcleos de apoio se, ali, apenas o nosso desesperado desejo
bém são expressões dessa contradição, têm de alimento. As labaredas, sob a água so-
desafiado a agricultura no mundo e, por- litária que fervia na panela cheia de fome,
A não realização de uma
tanto, impactado no agravamento da fome pareciam debochar do vazio do nosso estô-
reforma agrária, pelo contrário,
em escala global. Problema que não resulta mago, ignorando nossas bocas infantis em
necessariamente da escassez de alimen- a reafirmação da opção pelo que as línguas brincavam a salivar sonho
tos, do baixo desenvolvimento das forças latifúndio agroexportador, são de comida. E era justamente nesses dias de
produtivas ou do desmonte das políticas aspectos constitutivos das raízes parco ou nenhum alimento que ela mais
sociais nos últimos anos, como no caso bra- históricas do contínuo problema brincava com as filhas. [...]Eu sabia, desde
sileiro, mas sim da apropriação privada da da fome no Brasil. Com isso, aquela época, que a mãe inventava esse e
terra e dos meios de produção, geradores da evidenciamos que a fome também outros jogos para distrair a nossa fome. E a
desigualdade social de caráter estrutural, tem relação com a questão nossa fome se distraía”.
que separa quem produz e quem se apro- agrária até hoje não resolvida em Esse ainda é o cotidiano vivido por mui-
pria da riqueza, a exemplo dos alimentos. nosso país, que dialeticamente tas famílias de trabalhadoras/es, particular-
O Sistema Nacional de Segurança Ali- também encontra expressões, mente negras e, para enfrentá-lo, mirando a
mentar e Nutricional (Sisan) foi instituído soberania alimentar, precisamos denunciar
principalmente, nas periferias das
pela Lei 10.683/2003, e regulamentado pelo com radicalidade os megaprojetos de mine-
grandes cidades.
Decreto 5.079/2004, mas, no início dos anos ração, de produção energética (a exemplo
2000, quando ainda não existia, o CFESS de Belo Monte ou dos parques eólicos) e o
criou um grupo de trabalho para produzir à saúde da família), na educação básica e no agronegócio, que vêm exterminando e im-
uma análise do programa Fome Zero. Nas ensino superior (desde a articulação comu- pedindo a permanência de povos e comuni-
gestões “A gente faz um país” (2002-2005) nitária, hortas escolares, à alimentação esco- dades tradicionais, bem como assentados/as
e “Defendendo Direitos, Radicalizando a lar e/ou assistência estudantil), na Assistên- de reforma agrária, nos seus territórios. A re-
Democracia” (2005-2008), o CFESS parti- cia técnica e extensão rural (desde os bancos forma urbana e agrária de base popular, com
cipou das plenárias do Conselho Nacional de alimentos, apoio ao cooperativismo e estímulo à agricultura urbana e rural, agro-
de Segurança Alimentar (Consea), na qua- atendimento social no campo), entre outros ecológica, como os sistemas agroflorestais,
lidade de entidade-membro. Porém esse im- espaços” - Franqueline Terto, assistente so- são defesas que valorizam saberes ancestrais
portante espaço de participação e controle cial, docente da UPE e militante do MST. concretizados na forma de cultivos que per-
social foi extinto no governo Bolsonaro, Mas, para além da segurança, os mo- mitem a combinação entre produção de ali-
sendo também extintos os Programa de vimentos sociais, particularmente a Via mentos saudáveis com a promoção e conser-
Aquisição de Alimentos (PAA) e o Progra- Campesina, passa a reivindicar, na década vação da biodiversidade, primando também
ma Bolsa Família (PBF), substituídos pelos de 1990, o direito à soberania alimentar – o por relações sociais sem exploração. O pão
programas Alimenta Brasil e Auxílio Brasil. poder da população de ter condições de pro- e a justiça precisam ser diários, bastantes e
“O Serviço Social brasileiro é muito im- duzir seus alimentos saudáveis, garantindo saudáveis (referência ao poema O pão do
portante para o Sisan e para o fortalecimen- e tendo autonomia para as suas práticas e povo, de Bertolt Brecht).
to das diversas políticas em SAN. O histórico culturas alimentares. Os processos de transi-
da profissão se inicia a partir do diálogo so- ção agroecológica, o cultivo de agroflorestas,
Escaneie o código para acessar o
bre a insegurança alimentar, não como uma têm sido estratégias concretas no enfrenta- documento Sou Assistente Social
condição natural, mas socialmente produzi- mento ao agronegócio, principal responsá- e aqui minhas Bandeiras de luta/
Ações estratégicas
da, a partir de denúncia pública sobre a fome vel pela perda da soberania alimentar.

Presidenta: Kelly Rodrigues Melatti (SP) SUPLENTES CFESS MANIFESTA


Vice-presidenta: Marciângela Gonçalves (AL) Rafaella da Câmara Lobão Barroso (DF) 6ª Conferência Nacional de Segurança
1ª Secretária: Emilly Marques (ES) Ubiratan de Souza Dias Junior (SP) Alimentar e Nutricional
2ª Secretária: Alana Barbosa Rodrigues (TO) Mirla Cisne Álvaro (RN)
1º Tesoureiro: Agnaldo Engel Knevitz (RS) Karen Albini (PR) Conteúdo (aprovado pela diretoria):
2º Tesoureira: Larissa Gentil Lima (MT) Sandra Maria Amorim da Rocha (AC) Iara Santana, Marciângela Gonçalves,
Tales Willyan Fornazier Moreira (MG) Leonardo Koury e Franqueline Terto
CONSELHO FISCAL Adriana Soares Dutra (RJ) Organização: Comunicação CFESS
Gestão 2023-2026 Jussara de Lima Ferreira (RJ) Iara Vanessa Fraga de Santana (CE) Revisão, arte e diagramação:
Que nossas vozes ecoem Angelita Rangel Ferreira (MG) Raquel Ferreira Crespo de Alvarenga (PB) Diogo Adjuto (jornalista) e
vida-liberdade Rafael Werkema (assessor)
Elaine Amazonas Alves dos Santos (BA)

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