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Anhë Kayapó é uma liderança do povo Kayapó Mekrãgnoti, que vive na terra indígena
Baú, próximo à margem leste da rodovia BR-163, no Pará. Nessa região, as terras
têm se valorizado vertiginosamente por conta do asfaltamento da estrada, e a
substituição da floresta por extensas pastagens têm sido uma fonte de enriquecimento
rápido.
A localização das terras dos Kayapó é porta de entrada para um grande território
indígena que, somado às unidades de conservação da região, integram um maciço
florestal de 28 milhões de hectares, formando um dos maiores corredores de áreas
protegidas do planeta.
O controle dos Kayapó sobre seus territórios reflete a eficiência das terras indígenas
em manter a integridade territorial – mais, até, do que as próprias unidades de
conservação como parques e outras reservas. É o que os números indicam. Em 2014,
segundo dados do Boletim Transparência Florestal da Amazônia Legal, divulgados
pela Funai, as terras sob detenção privada responderam por 59% do desmatamento
registrado naquele ano; as unidades de conservação, por 27%; os assentamentos de
reforma agrária, por 13%; já nas terras indígenas ocorreu apenas 1% das perdas de
cobertura florestal.
Tratorando a constituição
O PT e os índios
Assim como aconteceu com muitos outros movimentos sociais brasileiros, os
indígenas depositaram enormes esperanças na gestão do presidente Lula (2003-
2011). A desilusão, porém, veio rápido – e foi grande.
Nos dois mandatos de Lula, foram declaradas 81 terras indígenas – uma queda
significativa quando comparada às 118 declaradas nas duas gestões de seu
antecessor, Fernando Henrique Cardoso, de quem os indígenas esperavam muito
pouco. A curva negativa se justifica, em parte, porque os processos de demarcação
irresolutos são sempre mais complicados e conflituosos. No entanto, se o governo
Lula foi decepcionante para os indígenas, foi a gestão de Dilma Rousseff (2011-2016)
que inaugurou o verdadeiro retrocesso.
Não foi por acaso que várias das obras que formavam o portfólio do PAC I e II,
inclusive a usina hidrelétrica de Belo Monte, no Rio Xingu, no Pará, se tornaram alvos
centrais das operações de combate à corrupção e financiamento ilegal de campanhas
por empreiteiras realizadas pelo Ministério Público Federal, Polícia Federal e pelo
Tribunal Superior Eleitoral.
“Dilma relativizou os direitos dos povos indígenas em benefício das obras do PAC”,
diz Buzzato ao The Intercept. “Exemplo cabal disso foi a construção da usina de Belo
Monte”, complementa.
Os impactos da usina de Belo Monte sobre os índios foram tão grandes que Thais
Santi, procuradora do Ministério Público Federal em Altamira, declarou à reportagem,
no final de 2015, que “a barragem de Belo Monte é um processo de extermínio étnico
pelo qual o governo federal continua com a prática colonial de integração dos índios
à sociedade hegemônica”.
O MPF processa o governo federal e a Norte Energia, empresa responsável pela
construção da barragem, sob acusação de crime de etnocídio contra povos indígenas
que vivem no entorno do rio Xingu.
O agro é anti-indígena
O antropólogo Márcio Meira foi presidente da Funai entre 2007 e 2012, período em
que o órgão anuiu com o licenciamento da usina de Belo Monte e de outras
hidrelétricas muito impactantes para os índios da região, como Teles Pires e São
Manoel, na bacia do Tapajós. Ele conta que “quando era presidente da Funai, já
estava claro que ressurgia com força uma ‘onda’ anti-indígena na sociedade brasileira,
originada sobretudo nos herdeiros das velhas elites agrárias que promovem sua
investida mais recente nos territórios do Centro-Oeste e da Amazônia.”
A ruralista, que acabou nomeada ministra da Agricultura por Dilma em 2014, afirmou
ainda que “a CNA apoia a iniciativa de construção de uma nova política indigenista,
submetida não apenas à Funai, mas também a outros ministérios e órgãos do governo
federal. É inconcebível que questão deste porte fique ao arbítrio de um único órgão,
aparelhado por uma militância associada a objetivos ideológicos e comerciais, alheios
ao interesse nacional”.
Ao assumir o governo, no final de abril de 2016, Michel Temer deixou claro que
retribuiria o apoio recebido de ruralistas, essencial para sua chegada ao poder. Logo
de início, o presidente não-eleito anunciou a reversão dos atos de reconhecimento de
terras indígenas assinados no apagar das luzes do governo Dilma. Era só um
prenúncio do que viria a seguir.
A reação dos indígenas foi suficiente para que a proposta fosse abortada, mas em 18
de janeiro de 2017, o Ministério da Justiça publicou a Portaria 68, que, na prática,
implementava medidas anunciadas na proposta anterior. Novamente, houve forte
rechaço da sociedade, e o governo recuou. Mas não sem antes dar mais uma amostra
dos desencontros que marcam a atual gestão em vários campos. Com diferença de
poucas horas, enquanto Temer declarava, em evento com ruralistas, apoio explícito à
nova normativa, o ato 68 era formalmente revogado.
Talvez o exemplo mais contundente dessa dinâmica seja o do povo Guarani Kaiowá,
grupo cada vez mais pressionado por inúmeras violências em Mato Grosso do Sul.
Tentando se livrar do confinamento em reservas mínimas e retomar seus territórios
de direito, os Guarani-Kaiowá enfrentam milícias privadas do agronegócio que atuam
sob o nome de “empresas de segurança privada”. O resultado são relatos de tortura
e assassinatos, entre outras violações. Acampados às beiras de rodovias, os índios
vivem situação dramática, com altos índices de alcoolismo, subnutrição e suicídios.
Por outro lado, nem tudo são supersafras no mundo do agronegócio. Repetidos
escândalos têm dividido e desgastado a imagem do setor, expondo cada vez mais
seu aspecto “intrinsecamente corrupto”, nas palavras do geógrafo Antônio Ioris.
O movimento indígena vem resistindo bravamente nos últimos anos, contribuindo para
quebrar o marketing oficial de empresas e governos. Segundo Marcio Santilli, a
resistência indígena não se deixou cooptar por nenhum governo. “Os promotores do
retrocesso encontrarão resistência crescente tanto dos índios quanto de outros
segmentos da sociedade”.