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Resumo
Este artigo objetiva discutir, num viés sociofuncionalista, o uso das variantes ‘a gente’ e ‘você’ na
fala de dois candidatos a prefeito do Município de Montes Claros, durante a realização de um
debate político, transmitido pela Inter-TV Grande Minas às vésperas das eleições municipais de 2016.
Para isso, aventamos a hipótese de que a escolha de uma ou outra forma linguística decorre da
intencionalidade discursiva do falante no momento da interação verbal, assim como de fatores
sociais que interferem nessa escolha. A relevância deste trabalho reside no fato de se refletir sobre o
uso das pessoas gramaticais numa ótica linguístico-discursiva.
Palavras-chave: sociofuncionalismo; pessoas do discurso; discurso político.
Abstract
This article aims to discussin a socio-functionalist bias the use of the variants ‘a gente’ and ‘você’ in
the speech of two candidates for mayor in the city of Montes Claros, Minas Gerais, Brasil. The data
were collected during a political debate, broadcast by Inter-TV Grande Minas on the eve of the 2016
municipal elections. To this end, we hypothesize that the choice of one or another linguistic form
derives from the speaker’s discursive intentionality at the moment of verbal interaction as well as
from social factors that interfere with this choice. The relevance of this work lies in the reflection
on the use of grammatical person in a linguistic-discursive perspective.
Keywords: socio-functionalism; people in the discourse; political speech.
Introdução
Nessa medida, a língua em uso mostra-se totalmente influenciada e moldada por contextos
sociocomunicativos, o que a submete às intenções discursivas do falante e às condições de
produção que permeiam o fazer discursivo. Para tanto, o falante, em sua prática enunciativa, lança
mão dos aparatos formais da língua e os articula de forma a produzir sentido, para, então,
expressar-se de modo eficiente nas diversas situações linguísticas com as quais se depara a todo o
momento.
Tendo em vista essa reflexão, partindo de um estudo ancorado nos pressupostos teóricos
do Sociofuncionalismo, propomo-nos a analisar o uso das variantes ‘a gente’ e ‘você’ na fala de dois
candidatos a prefeito do Município de Montes Claros (MG) no ano de 2016, durante um debate
político, observando, dessa maneira, como fatores sociopragmáticos influenciam na utilização de
tais variantes, assim como de que forma o uso de tais elementos gramaticais estão a serviço do
discurso elaborado pelos dois candidatos.
Pressupostos teóricos
A começar por Cegalla (2008), percebemos que o autor, na seção destinada aos pronomes,
afirma que essa classe gramatical consiste em “[...] palavras que substituem os substantivos ou os
determinam, indicando a pessoa do discurso” (CEGALLA, 2008, p.179). Cegalla (2008) designa,
ainda, um tópico para os pronomes pessoais, organizando-os de acordo com cada pessoa do
discurso. Nesse sentido, temos a “1ª pessoa: a que fala: eu / nós; [a] 2ª pessoa: a com quem se fala:
tu / vós; [e a] 3ª pessoa: a pessoa ou coisa de que se fala: ele, ela / eles, elas” (CEGALLA, 2008,
p.179).
Por sua vez, Bechara (2009), ao discorrer sobre o sistema pronominal da língua, afirma,
assim:
Nessa perspectiva, as variações que são inerentes ao sistema da língua também são
condicionadas pelas características do contexto de enunciação no qual o sujeito falante está
inserido, haja vista que cada processo de interação verbal exige dos parceiros de interlocução um
determinado comportamento linguístico. Corroborando esse pensamento, a mesma autora discorre
dessa maneira:
A Sociolinguística, por sua vez, entende que, além de fatores linguísticos, fatores sociais
como gênero/sexo, faixa etária, classe social, escolaridade, entre outros, também interferem na
forma que o falante dispõe da língua, pois o perfil social do sujeito, sua cultura e o contexto no qual
ele está imerso são determinantes no que tange à sua competência comunicativa na sociedade. De
acordo com Mollica (2003):
O ato de linguagem é sempre conduzido pelas intenções discursivas do falante, que acabam
por moldar suas estruturas linguísticas por meio de estratégias argumentativas que auxiliam no
processo comunicativo, exercendo, dessa maneira, uma influência significativa sobre outro
individuo. Nesse sentido, um dos contextos linguísticos no qual podemos perceber o uso de tais
estratégias é o discurso político, em que os sujeitos dessa prática comunicativa fazem uso de
diversos procedimentos enunciativos para fins de persuasão e / ou manipulação discursiva.
Dessa maneira, ao tratar das situações de produção discursiva, o autor destaca três
contextos de produção do discurso político, dos quais faremos uso apenas de um, a saber, as
situações (comícios, debates, declarações televisivas etc.) que se ligam ao ato de comunicação.
Referindo-se a essa ação do discurso político, pontua Charaudeau: "Aqui, o discurso político
dedica-se a construir imagens de atores e a usar estratégias de persuasão e de sedução, empregando
diversos procedimentos retóricos." (CHARAUDEAU, 2008, p. 40). Assim, é notável que o
discurso político, associado ao ato de comunicação, volta-se para os atores políticos pelos quais esse
discurso é manifestado, que se valem de uma gama de procedimentos linguísticos que influenciam e
/ ou seduzem o interlocutor.
Nessa medida, detendo-se às ações discursivas dos atores políticos, Charaudeau (2008)
evoca o conceito de ethos, que pode ser definido como a construção, por meio do discurso, de uma
imagem de si próprio, de modo que o enunciador do discurso político estrutura a sua própria
imagem e leva o interlocutor a atribuir valores, positivos ou negativos, a essa imagem discursiva.
A partir dessa concepção, podemos dizer, junto a Charaudeau (2008), que o ator ou
enunciador político cria um sujeito enunciativo a partir de estratégias retóricas e procedimentos
linguísticos que auxiliam na formulação de uma identidade discursiva, oriunda de uma inter-relação
existente entre locutor, interlocutor e esfera de enunciação.
No que diz respeito aos procedimentos linguísticos que articulam o discurso do sujeito da
enunciação, de forma mais específica, às articulações enunciativas, Charaudeau (2008) enumera três
tipos de procedimentos da enunciação política, que são expressos a partir das intenções discursivas
e do contexto sociocomunicativo do enunciador. No entanto, para fins de analise, ateremo-nos
Revista Querubim – revista eletrônica de trabalhos científicos nas áreas de Letras, Ciências Humanas e
Ciências Sociais – Ano 13 Nº32 vol. 04 – 2017 ISSN 1809-3264
O discurso político, ainda, pode ser estruturado a partir da Enunciação alocutica, na qual
vemos um locutor que faz uso da segunda pessoa do discurso, ligando-a a elementos linguísticos
modalizadores, para, assim, exprimir a visão do locutor acerca do interlocutor. Logo, esse
procedimento enunciativo imprime, no discurso, a relação que se estabelece entre enunciador e co-
locutor, sendo que, na maioria das vezes, ao se tratar do contexto discursivo de debate político, o
enunciador articula diversos termos de tratamento para depreciar o adversário, ora de forma
indireta, ora por meios diretos e, consequentemente, agressivos (CHARAUDEAU, 2008).
Procedimentos metodológicos
A fim de obtermos os dados para análise, utilizamos a técnica de transcrição das falas dos
dois candidatos para, posteriormente, verificarmos a frequência do uso das variantes ‘você’ e ‘a
gente’ no discurso oral de ambos. Nesse sentido, esta pesquisa é de cunho quanti-qualitativo, visto
que verificamos a quantidade de ocorrências das duas formas pronominais no discurso oral dos
dois candidatos e analisamos quais as implicações discursivas dessa variação.
Caracterização do debate
A teoria sociofuncionalista postula que toda produção de linguagem deve ser analisada a
partir do seu contexto de produção. Sendo assim, apresentamos, a seguir, uma tabela que descreve
os principais aspectos de organização do debate político de onde extraímos o nosso corpus de
análise. A importância dessa caracterização do debate reside no fato de o comportamento
linguístico do sujeito ser condicionado pela situação comunicativa na qual se encontra inserido.
Consideremos a diferença entre o número de ocorrências de ‘você e a gente’, uma vez que
a variante ‘você’ corresponde quase ao dobro da variante ‘a gente’. Abaixo, apresentamos a
frequência de uso das variantes ‘você e a gente’ na fala de cada candidato em específico.
Tabela 4: Total de ocorrências dos pronomes ‘você e a gente’ na fala de cada candidato
Pronomes/Variantes Humberto Souto Porcentagem Leninha Porcentagem
Você 47 100% 0 0%
A gente 4 14,8% 23 85,2%
Os dados da tabela acima revelam que o pronome ‘você’ não foi utilizado pela candidata
Leninha em nenhum momento do seu discurso. A candidata se valeu do uso da 1.ª pessoa do plural
(a gente) de modo significativo (85,2%), o que evidencia um discurso estruturado a partir da
Enunciação elocutiva, onde o locutor busca uma aproximação com o seu interlocutor através do uso
de uma variante pronominal.
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Ciências Sociais – Ano 13 Nº32 vol. 04 – 2017 ISSN 1809-3264
Considerações finais
Buscamos verificar, neste trabalho, a frequência de uso das variantes pronominais ‘você e a
gente’ durante a realização de um debate político em que notamos de modo recorrente a utilização
de tais formas linguísticas. Por meio da análise, confirmamos a nossa hipótese de que o uso
recorrente do pronome ‘você’ na fala do candidato Humberto Souto, e do pronome ‘a gente’ na fala
da candidata Leninha funcionam como estratégias argumentativas que se relacionam com as
intenções discursivas dos dois sujeitos tendo em vista a situação de comunicação em que ambos
estão inseridos.
Por fim, verificamos que o uso das pessoas gramaticais no discurso político funciona como
uma estratégia discursiva do locutor. A alternância entre uma forma linguística e outra – você e a
gente – na fala de Leninha e Humberto Souto evidencia uma postura de distanciamento ou
aproximação com o interlocutor, traço enunciativo que nos leva a pensar em uma gramática de
bases enunciativas, as marcas que indicam as pessoas do discurso estão a serviço do processo de
interação verbal.
Referências
BECHARA, E. Moderna gramática portuguesa. 37. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 2009.
CEGALLA, D. P. Novíssima gramática da língua portuguesa. 48. ed. rev. São Paulo:
Companhia Editora Nacional, 2008.
CEZARIO, M. M. et al. Sociofuncionalismo. In: MOLLICA, M. C.; FERRAREZI JUNIOR, C.
(Orgs.) Sociolinguística, sociolinguísticas: uma introdução. 1ª. ed. São Paulo: Editora Contexto,
2016.
CHARAUDEAU, P. Discurso político. 1. ed. São Paulo: Contexto, 2008.
MOLLICA, M. C. Fundamentação teórica: conceituação e delimitação. In: MOLLICA, M. C;
BRAGA, M. L. (Orgs.) Introdução à sociolinguística: o tratamento da variação. 1. ed. São Paulo:
Contexto, 2003.
NEVES, M. H. M. A gramática funcional. 1. ed. São Paulo: Martins Fontes, 1997.
Enviado em 30/04/2017
Avaliado em 15/06/2017