Você está na página 1de 7

Revista Querubim – revista eletrônica de trabalhos científicos nas áreas de Letras, Ciências Humanas e

Ciências Sociais – Ano 13 Nº32 vol. 04 – 2017 ISSN 1809-3264

Página 100 de 121


UMA ABORDAGEM SOCIOFUNCIONALISTA DAS VARIANTES ‘VOCÊ E A
GENTE’ NO DISCURSO POLÍTICO

Welber Nobre dos Santos77


Daniel Fernandes Costa78

Resumo
Este artigo objetiva discutir, num viés sociofuncionalista, o uso das variantes ‘a gente’ e ‘você’ na
fala de dois candidatos a prefeito do Município de Montes Claros, durante a realização de um
debate político, transmitido pela Inter-TV Grande Minas às vésperas das eleições municipais de 2016.
Para isso, aventamos a hipótese de que a escolha de uma ou outra forma linguística decorre da
intencionalidade discursiva do falante no momento da interação verbal, assim como de fatores
sociais que interferem nessa escolha. A relevância deste trabalho reside no fato de se refletir sobre o
uso das pessoas gramaticais numa ótica linguístico-discursiva.
Palavras-chave: sociofuncionalismo; pessoas do discurso; discurso político.

Abstract
This article aims to discussin a socio-functionalist bias the use of the variants ‘a gente’ and ‘você’ in
the speech of two candidates for mayor in the city of Montes Claros, Minas Gerais, Brasil. The data
were collected during a political debate, broadcast by Inter-TV Grande Minas on the eve of the 2016
municipal elections. To this end, we hypothesize that the choice of one or another linguistic form
derives from the speaker’s discursive intentionality at the moment of verbal interaction as well as
from social factors that interfere with this choice. The relevance of this work lies in the reflection
on the use of grammatical person in a linguistic-discursive perspective.
Keywords: socio-functionalism; people in the discourse; political speech.

Introdução

A linguagem, concebida como meio de interação e prática comunicativa do falante na


sociedade, imprime no processo de enunciação linguística aspectos que a fazem transcender sua
própria estrutura. Assim, inscreve-se em contextos pragmático-discursivos específicos, os quais são
determinantes no que tange à elaboração dos enunciados oriundos dos contextos efetivos de
interação verbal.

Nessa medida, a língua em uso mostra-se totalmente influenciada e moldada por contextos
sociocomunicativos, o que a submete às intenções discursivas do falante e às condições de
produção que permeiam o fazer discursivo. Para tanto, o falante, em sua prática enunciativa, lança
mão dos aparatos formais da língua e os articula de forma a produzir sentido, para, então,
expressar-se de modo eficiente nas diversas situações linguísticas com as quais se depara a todo o
momento.

Tendo em vista essa reflexão, partindo de um estudo ancorado nos pressupostos teóricos
do Sociofuncionalismo, propomo-nos a analisar o uso das variantes ‘a gente’ e ‘você’ na fala de dois
candidatos a prefeito do Município de Montes Claros (MG) no ano de 2016, durante um debate
político, observando, dessa maneira, como fatores sociopragmáticos influenciam na utilização de
tais variantes, assim como de que forma o uso de tais elementos gramaticais estão a serviço do
discurso elaborado pelos dois candidatos.

77 Graduando em Letras Português pela Universidade Estadual de Montes Claros (Unimontes)


78 Graduando em Letras Português pela Universidade Estadual de Montes Claros (Unimontes)
Revista Querubim – revista eletrônica de trabalhos científicos nas áreas de Letras, Ciências Humanas e
Ciências Sociais – Ano 13 Nº32 vol. 04 – 2017 ISSN 1809-3264

Página 101 de 121


Para tanto, nos basearemos nos estudos de Cegalla (2008); Bechara (2009); Charaudeau
(2008); Cezario et al. (2016), dentre outros. Valemo-nos de uma metodologia de cunho quantitativo
(ao analisarmos a frequência de uso das variantes) e qualitativo (ao atermo-nos aos impactos
discursivos e funcionais, decorrente do uso de tais variantes, nos discursos dos dois políticos).
Hipotetizamos que o uso de tais variantes ocorre por conta de fatores externos (sociais) e internos
(linguísticos) que expõem as intenções discursivas de tais atores políticos.

Este trabalho justifica-se pelo fato de ser necessário considerar os contextos


sociocomunicativos e discursivos de uso da língua. O nosso estudo verificou que o uso das
variantes ‘a gente’, utilizado com maior frequência pela candidata Leninha; e ‘você’, mais recorrente
na fala de Humberto Souto, apresenta implicações discursivas que não podem ser negligenciadas no
que diz respeito a uma análise linguística que estabeleça uma relação entre gramática, variação e
discurso.

Pressupostos teóricos

As pessoas do discurso na visão da gramática tradicional

Em uma perspectiva tradicional da língua, as pessoas gramaticais ou pessoas do discurso


são evidenciadas por meio do uso de elementos formais denominados de pronomes pessoais, que,
num viés estritamente gramatical, possuem função subjetiva ou objetiva dentro de uma determinada
situação comunicativa.

A começar por Cegalla (2008), percebemos que o autor, na seção destinada aos pronomes,
afirma que essa classe gramatical consiste em “[...] palavras que substituem os substantivos ou os
determinam, indicando a pessoa do discurso” (CEGALLA, 2008, p.179). Cegalla (2008) designa,
ainda, um tópico para os pronomes pessoais, organizando-os de acordo com cada pessoa do
discurso. Nesse sentido, temos a “1ª pessoa: a que fala: eu / nós; [a] 2ª pessoa: a com quem se fala:
tu / vós; [e a] 3ª pessoa: a pessoa ou coisa de que se fala: ele, ela / eles, elas” (CEGALLA, 2008,
p.179).

Por sua vez, Bechara (2009), ao discorrer sobre o sistema pronominal da língua, afirma,
assim:

São duas as pessoas determinadas do discurso: 1.ª eu (a pessoa correspondente


ao falante) e a 2.ª tu (correspondente ao ouvinte). A 3.ª pessoa, indeterminada,
aponta para outra pessoa em relação aos participantes da relação comunicativa.
Do ponto de vista semântico, os pronomes estão caracterizados porque indicam
dêixis (“o apontar para”), isto é, estão habilitados, como verdadeiros gestos
verbais, como indicadores, determinados ou indeterminados, ou de uma dêixis
contextual a um elemento inserido no contexto, como é o caso, por exemplo,
dos pronomes relativos, ou de uma dêixis ad oculos, que aponta ou indica um
elemento presente ao falante. (BECHARA, 2009, p. 162)

A partir dos apontamentos de Bechara (2009), podemos perceber que as pessoas do


discurso relacionam-se à prática enunciativa do falante, sendo que, enquanto a primeira pessoa do
discurso remete-se ao locutor, a segunda pessoa liga-se ao interlocutor. No entanto, no que diz
respeito à terceira pessoa do discurso, podemos notar que tal elemento discursivo reporta-se a
outro sujeito que se encontra à parte do ato comunicativo realizado entre a primeira e a segunda
pessoa do discurso. Por outro lado, em um viés semântico, as pessoas discursivas associam-se às
dêixis, carregando, assim, um sentido de referenciação que ora fazem indicação a um elemento
inserido no contexto enunciativo, ora a algo que se encontra na presença do falante.
Revista Querubim – revista eletrônica de trabalhos científicos nas áreas de Letras, Ciências Humanas e
Ciências Sociais – Ano 13 Nº32 vol. 04 – 2017 ISSN 1809-3264

Página 102 de 121


A teoria sociofuncionalista

O Sociofuncionalismo estuda os fenômenos linguísticos oriundos de contextos efetivos de


uso da língua, lindando, assim, com um falante real que elabora as suas cadeias faladas a partir das
reais necessidades de comunicação. A teoria sociofuncionalista postula que as escolhas linguísticas
do falante são influenciadas não só por fatores linguísticos, mas, também, por fatores de ordem
social, que, de certo modo, interferem na forma com que o sujeito dispõe dos aparatos formais da
língua. Nesse sentido, vamos ao encontro do pensamento de Cezario et al. (2016), que afirma:

A abordagem sociofuncionalista concebe a estrutura gramatical inserida na


situação real de comunicação, considerando os participantes, o objetivo da
interação e o contexto discursivo. Procura, nesses elementos, a motivação para o
uso de uma forma linguística em detrimento de outra, levando em consideração
fatores sociais, cognitivos, comunicativos, entre outros, que podem influenciar
na forma de se codificar a informação. (CEZARIO et al., 2016, p. 45)

Nessa perspectiva, as variações que são inerentes ao sistema da língua também são
condicionadas pelas características do contexto de enunciação no qual o sujeito falante está
inserido, haja vista que cada processo de interação verbal exige dos parceiros de interlocução um
determinado comportamento linguístico. Corroborando esse pensamento, a mesma autora discorre
dessa maneira:

O Sociofuncionalismo estuda a língua inserida no seu contexto de uso,


procurando explicar as motivações de uso das formas linguísticas em
competição com base nos pressupostos da Sociolinguística variacionista e do
Funcionalismo norte-americano ou, mais recentemente, da Linguística
Funcional Centrada no Uso. (CEZARIO et al., 2016, p. 50)

A afirmativa da autora nos leva a pensar que o Sociofuncionalismo empreende análises


linguísticas a partir da reunião de duas correntes teóricas, a saber, Sociolinguística e Funcionalismo,
a fim de explicar de maneira mais ampla as ocorrências linguísticas que podemos observar na língua
em uso e que são passíveis de estudos científicos.

Conforme Cezario et al. (2016), a linha funcionalista norte-americana constitui-se na


principal base teórica do Sociofuncionalismo, visto que acredita em uma relação intrínseca entre
gramática e discurso, uma vez que a língua é dotada de um dinamismo constante, visando o
comportamento linguístico do indivíduo em diferentes momentos de comunicabilidade no meio
social. Corroborando essa afirmativa, Dubois (1993a), citado por Neves (1997), pontua que “a) a
gramática molda o discurso; b) o discurso molda a gramática. Ou: ‘a gramática é feita à imagem do
discurso’; mas: ‘o discurso nunca é observado sem a roupagem da gramática’. (DU BOIS, apud
NEVES, 1997, p. 29). Assim, podemos afirmar que existe uma relação notável entre gramática e
uso da língua, haja vista que cada processo de interação verbal exige do falante uma determinada
competência linguística, que constitui-se no principal foco de interesse da teoria funcionalista.

A Sociolinguística, por sua vez, entende que, além de fatores linguísticos, fatores sociais
como gênero/sexo, faixa etária, classe social, escolaridade, entre outros, também interferem na
forma que o falante dispõe da língua, pois o perfil social do sujeito, sua cultura e o contexto no qual
ele está imerso são determinantes no que tange à sua competência comunicativa na sociedade. De
acordo com Mollica (2003):

A Sociolinguística considera em especial como objeto de estudo exatamente a


variação, entendendo-a como um princípio geral e universal, passível de ser
descrita e analisada cientificamente. Ela parte do pressuposto de que as
alternâncias de uso são influenciadas por fatores estruturais e sociais.
(MOLLICA, 2003, p. 10)
Revista Querubim – revista eletrônica de trabalhos científicos nas áreas de Letras, Ciências Humanas e
Ciências Sociais – Ano 13 Nº32 vol. 04 – 2017 ISSN 1809-3264

Página 103 de 121


Assim, a Sociolinguística aposta na heterogeneidade da língua, vendo-a como passível de
estudo e sistematização por meio de uma análise científica. Para a Sociolinguística, existem
diferentes formas linguísticas que podem ser utilizadas pelo falante com o mesmo valor de verdade.
A fonologia, morfologia e sintaxe da língua apresentam uma gama de variações que são oriundas da
língua em uso, seja na escrita ou na fala. Tais variações podem ser explicadas a partir de fatores de
ordem linguística e extralinguística (sociais, pragmáticos, discursivos), que influenciam na forma de
os sujeitos se comportarem linguisticamente em uma dada comunidade de fala ou situação
enunciativa.

Portanto, estudar a língua num viés sociofuncionalista implica considerar os fenômenos


linguísticos reais, emergentes de um determinado contexto de interação verbal. Para o
Sociofuncionalismo, as estruturas linguísticas devem ser analisadas a partir dos contextos
sociopragmáticos nos quais o falante está engajado, haja vista que o perfil social do falante, suas
intenções discursivas no ato de comunicação, a esfera de enunciação, entre outros, influenciam
significativamente nas escolhas que o sujeito faz para interagir com o outro pelo viés da linguagem.

A articulação das pessoas gramaticais no discurso político

O ato de linguagem é sempre conduzido pelas intenções discursivas do falante, que acabam
por moldar suas estruturas linguísticas por meio de estratégias argumentativas que auxiliam no
processo comunicativo, exercendo, dessa maneira, uma influência significativa sobre outro
individuo. Nesse sentido, um dos contextos linguísticos no qual podemos perceber o uso de tais
estratégias é o discurso político, em que os sujeitos dessa prática comunicativa fazem uso de
diversos procedimentos enunciativos para fins de persuasão e / ou manipulação discursiva.

Nessa medida, detendo-nos às peculiaridades dessa prática discursiva, observamos que


Charaudeau (2008), ao caracterizar o discurso político, ressalta que não é propriamente o seu
conteúdo que o define, mas sim as situações de comunicação nas quais os discursos da área política
são produzidos. Sob esse viés, o discurso político liga-se, de forma significativa, ao seu contexto de
produção e articulação linguística.

Dessa maneira, ao tratar das situações de produção discursiva, o autor destaca três
contextos de produção do discurso político, dos quais faremos uso apenas de um, a saber, as
situações (comícios, debates, declarações televisivas etc.) que se ligam ao ato de comunicação.
Referindo-se a essa ação do discurso político, pontua Charaudeau: "Aqui, o discurso político
dedica-se a construir imagens de atores e a usar estratégias de persuasão e de sedução, empregando
diversos procedimentos retóricos." (CHARAUDEAU, 2008, p. 40). Assim, é notável que o
discurso político, associado ao ato de comunicação, volta-se para os atores políticos pelos quais esse
discurso é manifestado, que se valem de uma gama de procedimentos linguísticos que influenciam e
/ ou seduzem o interlocutor.

Nessa medida, detendo-se às ações discursivas dos atores políticos, Charaudeau (2008)
evoca o conceito de ethos, que pode ser definido como a construção, por meio do discurso, de uma
imagem de si próprio, de modo que o enunciador do discurso político estrutura a sua própria
imagem e leva o interlocutor a atribuir valores, positivos ou negativos, a essa imagem discursiva.

A partir dessa concepção, podemos dizer, junto a Charaudeau (2008), que o ator ou
enunciador político cria um sujeito enunciativo a partir de estratégias retóricas e procedimentos
linguísticos que auxiliam na formulação de uma identidade discursiva, oriunda de uma inter-relação
existente entre locutor, interlocutor e esfera de enunciação.

No que diz respeito aos procedimentos linguísticos que articulam o discurso do sujeito da
enunciação, de forma mais específica, às articulações enunciativas, Charaudeau (2008) enumera três
tipos de procedimentos da enunciação política, que são expressos a partir das intenções discursivas
e do contexto sociocomunicativo do enunciador. No entanto, para fins de analise, ateremo-nos
Revista Querubim – revista eletrônica de trabalhos científicos nas áreas de Letras, Ciências Humanas e
Ciências Sociais – Ano 13 Nº32 vol. 04 – 2017 ISSN 1809-3264

Página 104 de 121


apenas a dois desses procedimentos de enunciação (Enunciação elocutiva e alocutiva), que se ligam, de
forma direta, às variantes das pessoas do discurso de que tratamos neste trabalho, a saber, ‘a gente’
e ‘você’, manifestadas no discurso oral de dois candidatos ao cargo de prefeito de Montes Claros –
MG, durante a realização de um debate político em 2016.

Em primeiro lugar, podemos perceber a construção do discurso político por meio da


Enunciação elocutiva. Aqui, constatamos a utilização de pronomes pessoais na primeira pessoa e de
verbos e advérbios modalizadores que, em sua articulação no discurso, contribuem para a
manifestação do ponto de vista do enunciador. Todavia, ao se usar a Enunciação elocutiva na primeira
pessoa do plural, o enunciador acaba por construir um ethos de solidariedade, o qual associa a
imagem do locutor ao interlocutor, carregando o discurso de características de igualdade e empatia
(CHARAUDEAU, 2008).

Dessa maneira, esse procedimento linguístico da enunciação política, associa-se, de forma


direta, à utilização da variante ‘a gente’ no discurso da candidata Leninha, já que, conforme veremos
adiante, é um pronome pessoal utilizado com bastante frequência no seu discurso. Por conseguinte,
o uso de tal característica linguística na enunciação da candidata exprime, sobremaneira, a estratégia
discursiva e retórica de igualdade entre locutor e interlocutor, o que contribui para a estruturação de
um ethos de solidariedade no discurso político da candidata Leninha.

O discurso político, ainda, pode ser estruturado a partir da Enunciação alocutica, na qual
vemos um locutor que faz uso da segunda pessoa do discurso, ligando-a a elementos linguísticos
modalizadores, para, assim, exprimir a visão do locutor acerca do interlocutor. Logo, esse
procedimento enunciativo imprime, no discurso, a relação que se estabelece entre enunciador e co-
locutor, sendo que, na maioria das vezes, ao se tratar do contexto discursivo de debate político, o
enunciador articula diversos termos de tratamento para depreciar o adversário, ora de forma
indireta, ora por meios diretos e, consequentemente, agressivos (CHARAUDEAU, 2008).

Portanto, o emprego da variante pronominal ‘você’, por parte do candidato Humberto


Souto, vai ao encontro da prática linguística de Enunciação alocutiva, visto que é um dos pronomes de
tratamento de maior uso no discurso do candidato, como veremos, posteriormente, neste trabalho.
O candidato, através de tal estratégia enunciativa, estrutura seu discurso por meio de uma inter-
relação direta com seu interlocutor, construindo, dessa maneira, um embate entre o candidato e o
seu adversário.

Procedimentos metodológicos

Para este trabalho, valemo-nos de um corpus constituído da fala de dois candidatos ao


cargo de prefeito do município de Montes Claros – MG (Leninha e Humberto Souto), durante a
realização de um debate político transmitido pela Inter-TV Grande Minas às vésperas das eleições
municipais de 2016.

A fim de obtermos os dados para análise, utilizamos a técnica de transcrição das falas dos
dois candidatos para, posteriormente, verificarmos a frequência do uso das variantes ‘você’ e ‘a
gente’ no discurso oral de ambos. Nesse sentido, esta pesquisa é de cunho quanti-qualitativo, visto
que verificamos a quantidade de ocorrências das duas formas pronominais no discurso oral dos
dois candidatos e analisamos quais as implicações discursivas dessa variação.

Perfil social dos informantes

Levando-se em conta os pressupostos teórico-metodológicos da Sociolinguística


Variacionista, apresentamos, por meio da tabela abaixo, um perfil social dos sujeitos da pesquisa,
visto que, para a Sociolinguística, fatores de ordem social podem influenciar no comportamento
linguístico do indivíduo.
Revista Querubim – revista eletrônica de trabalhos científicos nas áreas de Letras, Ciências Humanas e
Ciências Sociais – Ano 13 Nº32 vol. 04 – 2017 ISSN 1809-3264

Página 105 de 121

Tabela 1 - Perfil Social dos Informantes da Pesquisa


Nome completo Humberto Guimarães Souto Marilene Alves de Souza
Gênero/sexo Masculino Feminino
Idade 82 anos 52 anos
Naturalidade Montes Claros – MG Montes Claros - MG
Escolaridade Ensino superior completo Ensino Superior completo
Papel social Político e Advogado Professora
Cor/raça Branca Negra
Classe social Alta Baixa

Caracterização do debate

A teoria sociofuncionalista postula que toda produção de linguagem deve ser analisada a
partir do seu contexto de produção. Sendo assim, apresentamos, a seguir, uma tabela que descreve
os principais aspectos de organização do debate político de onde extraímos o nosso corpus de
análise. A importância dessa caracterização do debate reside no fato de o comportamento
linguístico do sujeito ser condicionado pela situação comunicativa na qual se encontra inserido.

Tabela 2 - Forma de Organização do Debate


Blocos Temática Tempo Tempo determinado Tempo determinado
estipulado para para as respostas para réplica e tréplica
cada pergunta
1.º bloco Livre 30 segundos 1 minuto e meio 1 minuto
2.º bloco Definida por sorteio 30 segundos 1 minuto e meio 1 minuto
3.º bloco Livre 30 segundos 1 minuto e meio 1 minuto
4.º bloco Definida por sorteio 30 segundos 1 minuto e meio 1 minuto

Análise dos dados

Para verificarmos como se distribuem as variantes pronominais no corpus analisado,


apresentamos abaixo o total de ocorrências de cada forma sob análise.

Tabela 3: Total de ocorrências dos pronomes ‘você e a gente’


Pronomes / Variantes N.º de ocorrências
Você 47
A gente 27
Total 74

Consideremos a diferença entre o número de ocorrências de ‘você e a gente’, uma vez que
a variante ‘você’ corresponde quase ao dobro da variante ‘a gente’. Abaixo, apresentamos a
frequência de uso das variantes ‘você e a gente’ na fala de cada candidato em específico.

Tabela 4: Total de ocorrências dos pronomes ‘você e a gente’ na fala de cada candidato
Pronomes/Variantes Humberto Souto Porcentagem Leninha Porcentagem
Você 47 100% 0 0%
A gente 4 14,8% 23 85,2%

Os dados da tabela acima revelam que o pronome ‘você’ não foi utilizado pela candidata
Leninha em nenhum momento do seu discurso. A candidata se valeu do uso da 1.ª pessoa do plural
(a gente) de modo significativo (85,2%), o que evidencia um discurso estruturado a partir da
Enunciação elocutiva, onde o locutor busca uma aproximação com o seu interlocutor através do uso
de uma variante pronominal.
Revista Querubim – revista eletrônica de trabalhos científicos nas áreas de Letras, Ciências Humanas e
Ciências Sociais – Ano 13 Nº32 vol. 04 – 2017 ISSN 1809-3264

Página 106 de 121


Por outro lado, os dados acima revelam uma presença marcante da variante ‘você’ na fala
do candidato Humberto Souto (100%). Isso revela uma postura de distanciamento por parte do
locutor, que insere a 2.ª pessoa do discurso em um processo de Enunciação alocutiva. A forma ‘a
gente’ não apresenta grande produtividade na fala do candidato (14,8%), o que nos faz perceber que
o enunciador, a partir da Enunciação alocutiva, remete seu discurso ao interlocutor, criando, assim,
uma relação muitas vezes conflituosa entre o locutor e alocutário.

Considerações finais

Buscamos verificar, neste trabalho, a frequência de uso das variantes pronominais ‘você e a
gente’ durante a realização de um debate político em que notamos de modo recorrente a utilização
de tais formas linguísticas. Por meio da análise, confirmamos a nossa hipótese de que o uso
recorrente do pronome ‘você’ na fala do candidato Humberto Souto, e do pronome ‘a gente’ na fala
da candidata Leninha funcionam como estratégias argumentativas que se relacionam com as
intenções discursivas dos dois sujeitos tendo em vista a situação de comunicação em que ambos
estão inseridos.

Por fim, verificamos que o uso das pessoas gramaticais no discurso político funciona como
uma estratégia discursiva do locutor. A alternância entre uma forma linguística e outra – você e a
gente – na fala de Leninha e Humberto Souto evidencia uma postura de distanciamento ou
aproximação com o interlocutor, traço enunciativo que nos leva a pensar em uma gramática de
bases enunciativas, as marcas que indicam as pessoas do discurso estão a serviço do processo de
interação verbal.

Referências
BECHARA, E. Moderna gramática portuguesa. 37. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 2009.
CEGALLA, D. P. Novíssima gramática da língua portuguesa. 48. ed. rev. São Paulo:
Companhia Editora Nacional, 2008.
CEZARIO, M. M. et al. Sociofuncionalismo. In: MOLLICA, M. C.; FERRAREZI JUNIOR, C.
(Orgs.) Sociolinguística, sociolinguísticas: uma introdução. 1ª. ed. São Paulo: Editora Contexto,
2016.
CHARAUDEAU, P. Discurso político. 1. ed. São Paulo: Contexto, 2008.
MOLLICA, M. C. Fundamentação teórica: conceituação e delimitação. In: MOLLICA, M. C;
BRAGA, M. L. (Orgs.) Introdução à sociolinguística: o tratamento da variação. 1. ed. São Paulo:
Contexto, 2003.
NEVES, M. H. M. A gramática funcional. 1. ed. São Paulo: Martins Fontes, 1997.
Enviado em 30/04/2017
Avaliado em 15/06/2017

Você também pode gostar