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09 a 12 de setembro de 2012

Búzios, RJ

MODELAGEM TERMODINÂMICA DA REAÇÃO DE


HIDRÓLISE DO ÓLEO DE SOJA

M. B. LOPES1, I. G. NASCIMENTO1, J. J. MARQUES1 e A. L. D. RAMOS1


1
Universidade Federal de Sergipe, Departamento de Engenharia Química
E-mail para contato: aldramos@ufs.br

RESUMO – O biodiesel é um combustível de origem renovável com diversas


vantagens ambientais. A hidroesterificação é uma rota alternativa de sua
produção, cujas condições operacionais ótimas podem ser determinadas por meio
de simulações, estimando-se as propriedades por métodos de contribuição de
grupos. O presente trabalho teve como objetivo realizar uma estimativa teórica
das conversões de equilíbrio da reação de hidrólise de óleo de soja em função das
condições operacionais, utilizando modelos termodinâmicos de contribuição de
grupo. A constante de equilíbrio da reação foi estimada a partir da análise da
energia livre de Gibbs padrão das substâncias que compõem o sistema reacional, a
partir da entalpia e da entropia de formação padrões. Os coeficientes de atividade
das espécies presentes no meio reacional foram obtidos pelo método UNIFAC e
as condições de equilíbrio químico da reação foram estimadas para diferentes
estados reacionais. As entalpias padrões dos compostos encontradas na literatura
foram confrontadas com os resultados gerados, sendo que o maior desvio
encontrado foi de 5%. As constantes de equilíbrio apresentaram uma relação
aproximadamente linear com a temperatura. Já as conversões de equilíbrio
alcançadas para sistema ideal e real foram próximas (desvio máximo de 3,4%),
aumentaram com a elevação da razão molar água/óleo, sendo pouco afetadas pela
temperatura.

1. INTRODUÇÃO
A maior parte da energia consumida no mundo provém do petróleo, do carvão e do gás
natural. Como o consumo mundial de combustíveis fósseis tem aumentado em uma proporção
muito maior que o ritmo de produção, podendo gerar graves mudanças climáticas, associadas
a uma preocupação com o desenvolvimento sustentável, as fontes renováveis de energia
tornaram-se extremamente necessárias. Dentre tais fontes disponíveis pode-se destacar o uso
de plantas oleaginosas como fonte de matéria–prima para produção de energia, insumo muito
interessante do ponto de vista energético (SUAREZ, 2009).

A hidroesterificação surge como uma rota alternativa que pode ser utilizada para
produzir biodiesel. Nela, as matérias-primas são totalmente transformadas em biodiesel
independente da acidez e da umidade que possuem. Esse é um grande diferencial quando
comparado ao processo convencional de transesterificação. O processo de hidroesterificação
envolve uma etapa de hidrólise seguida de esterificação. Em ambos os processos faz-se uso de
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catalisadores ácidos, homogêneos ou heterogêneos. O presente trabalho trata da estimativa da


conversão de equilíbrio da reação de hidrólise, utilizando óleo de soja e água como reagentes,
em função das condições operacionais, aplicando modelos termodinâmicos.

2. METODOLOGIA
A reação de hidrólise, estequiometricamente balanceada, tomada como base para o
estudo termodinâmico pode ser descrita informalmente da seguinte maneira:

Esta estequiometria foi assumida admitindo-se que a reação do triglicerídeo com a água
produz duas moléculas de ácido linoléico (C18:2), uma de ácido oléico (C18:1) e o glicerol.
Essa aproximação foi baseada na composição do óleo de soja, onde estes dois ácidos graxos
respondem por mais de 70% da composição, com predomínio do ácido linoléico.

A partir da análise da contribuição de grupos realizada por Joback e Reid (1987), foi
possível obter uma equação para a entalpia padrão na fase gasosa, para cada componente,
levando-se em consideração a contribuição dos grupos presentes, conforme Equação (1).


Δ, = 66,5 − ∆ 1

onde, ni é a quantidade de cada grupo contribuinte i e ∆ é a contribuição de cada grupo na


entalpia da substância (Reid et al., 1988).

A entalpia da reação foi calculada pela Equação (2):

ΔH = ΔH − ΔH 2

De modo semelhante à entalpia, o cálculo da entropia de cada substância foi realizado pelo
método de Joback e Reid (Equação 3):

∆S = ∆! 3

onde ∆! é a contribuição de cada grupo na entropia da substância (Reid et al., 1988). De


forma análoga à entalpia da reação, calculou-se a entropia da reação segundo a Equação (4):

ΔS = ΔS − ΔS 4

A variação da energia livre de Gibbs pode ser obtida matematicamente a partir das
variações de entalpia e de entropia do sistema reacional, conforme Equação (5) (Oliveira,
2010):
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Δ$ = Δ% − &Δ!% 5

A constante de equilibro padrão (&  = 298,15 ) da reação pode ser estimada em


função da variação da energia livre de Gibbs (Equação 6):

.$
)  = exp -− 0 6
/& 
A partir da Eq. (6), pode-se obter as respectivas constantes de equilíbrio para cada
temperatura utilizando a Equação (7), tomando-se a variação de entalpia como sendo
constante na faixa de temperaturas de interesse.

) Δ% 1 1
ln - 0=− - − 0 7
)  / & &
A partir dos valores das constantes de equilíbrio, calculam-se as respectivas conversões,
para cada temperatura, utilizando-se da relação de equilíbrio para a reação da hidrólise. No
presente trabalho, foram calculadas as conversões considerando-se tanto o sistema ideal
quanto real.

Na literatura estão disponíveis alguns métodos para cálculo de coeficiente de atividade,


destacando-se os modelos de Wilson, NRTL, UNIQUAC, Margules e van Laar. Existem
diversos métodos de contribuição de grupo que podem ser utilizados para obter este
coeficiente. Segundo Oliveira (2010), apesar de existirem bons modelos como o UNIQUAC e
o NRTL, para estimar os coeficientes de atividade, não se conhecem parâmetros para ácidos
graxos e seus ésteres equivalentes. Portanto, métodos de contribuições de grupos, como
ASOG e UNIFAC podem ser utilizados. O UNIFAC utiliza as equações do método
UNIQUAC, com a diferença de admitir que uma mistura não consiste de moléculas, mas sim
de grupos funcionais. O método adotado no presente trabalho foi o UNIFAC.

Estes modelos possuem uma parte combinatorial e uma parte residual. A parte
combinatorial leva em consideração diferenças na forma e tamanho entre as moléculas na
mistura e pode ser identificada como uma combinação entrópica. Já a parte residual considera
as interações energéticas entre os grupos que compõem as moléculas e pode ser identificada
como uma contribuição entálpica (Oliveira, 2010).

A representação do coeficiente de atividade, através do modelo UNIQUAC, é expressa


como a soma de uma parte combinatória e uma residual, conforme Equação (8):

4 5 = ln 5 6789 + ln 5 %;< 8

A parte combinatorial é dada pela Equação (9):

Φ ? Φ Φ
ln 5 6789 = ln + @ ln + 4 − >B 4B 9
> 2 Θ >
B
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sendo:

> C
Φ = 10
∑B >B CB

> @
Θ = 11
∑B >B @B

?
4 = C − @  − C + 1 12
2

 
C = FG /G 13
G

 
@ = FG HG 14
G

onde: ri é o volume dos grupos de van der Waals, qi é área superficial, z o número de
coordenação, Φ i a fração volumar e Θi a fração da área superficial. Os índices i e k são
referentes às substâncias envolvidas na reação e aos subgrupos de cada molécula,
respectivamente.

Os valores dos parâmetros de grupos Rk e Qk estão disponíveis na literatura (Reid et al.,


1988).

A parte residual é expressa pela Equação (15):

   
ln 5 %;< = FG [ ln ГG − ln ГG ] 15
G

Na Eq. (15) Γk indica o coeficiente de atividade da parte residual e Γk(i ) o coeficiente de


atividade residual do grupo k em relação a uma solução contendo apenas moléculas do tipo i.

A expressão dos coeficientes de atividade residuais é dada pela Equação (16):

ΘN ΨON
ln ГG = HG [1 − ln  ΘL ΨNO  − ] 16
∑ Θ ΨN
L N

onde ΘL é a fração de área do grupo m, calculada por:


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HL PL
ΘL = 17
∑Q HQ PQ

com Xm sendo a fração molar do grupo m na mistura:


 
∑8
RL >
PL = 18
∑8 S  
∑B RB >

Já ΨLQ são os parâmetros de interação energética entre os grupos m e n, dados por:

ULQ − UQQ XLQ


ΨLQ = exp T− V = exp W− Y 19
/& &
onde Umn é uma medida da energia de interação entre os grupos m e n.

Parâmetros de interação de grupo amn estão tabelados em Reid et al. (1988). Estes
parâmetros foram obtidos a partir de um banco de dados utilizando uma grande quantidade de
resultados experimentais.

3. RESULTADOS E DISCUSSÕES

Para o embasamento do estudo, os valores de entalpia padrão de formação dos


compostos orgânicos, semelhantes aos do trabalho de Oliveira (2010), foram analisados e
validados juntamente com dados expressos na literatura. Dentre estes compostos, a água
apresentou uma entalpia padrão de -285,8 kJ/mol, o ácido oléico de -780,5 kJ/mol, o ácido
linoléico de -659,8 kJ/mol e o glicerol de -672,4 kJ/mol. O triglicerídeo, com sua estrutura
bem complexa, apresentou uma entalpia padrão de -1920,5 kJ/mol. A Tabela 1 expõe uma
comparação entre as entalpias de formação padrões dos compostos orgânicos obtidas neste
trabalho, as do trabalho de Oliveira (2010) e as de Linstrom e Mallard (2008), juntamente
com o desvio. Adicionalmente, são listadas as propriedades entropia de formação na fase
líquida e energia livre de Gibbs, estimadas para cada componente, assim como as
propriedades padrões reacionais, incluindo a constante de equilíbrio, na temperatura padrão.

A entalpia padrão da reação apresenta um valor levemente positivo, significando que a


reação é endotérmica, conforme Ratnasamy (2011).

Tabela 1- Propriedades da reação a temperatura padrão de 25°C.

Entalpia Entalpia Entropia Energia


Componentes Entalpia Desvio(%)
padrão padrão de de Gibbs
padrão
Oliveira Literatura formação
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(kJ/mol) (kJ/mol) (kJ/mol) (J/mol.K) (J/mol)

Triglicerídeo -1920,5 - - - 1962 −2,5>10Z

Água -285,8 -285,8 -285,8 0 69,9 −3,1>10Z

Oleico -780,5 -780,5 -764,8 2,1 662,1 −9,8>10Z

Linoleico -659,8 -659,8 -634,7 4,0 654,8 −8,6>10Z

Glicerol -672,4 -672,4 -669,6 0,4 171,4 −7,2>10Z

REAÇÃO 5,4 - - - - [, \][^\

Constante de equilíbrio (298,15 K) = 0,00363

Após a avaliação da consistência do método, a constante de equilíbrio foi estimada para a


reação na temperatura padrão e para as demais temperaturas, como mostrado na Figura 1. A
dependência da constante de equilíbrio com a temperatura é aproximadamente linear,
conforme a Equação (20):

) = 2,447>10_Z & + 0,0041 20

A constante de equilíbrio aumenta com a temperatura, uma vez que a reação é


endotérmica. Os valores de constante de equilíbrio em diferentes temperaturas foram dados
essenciais para a obtenção das conversões. A predição das conversões foi realizada para
sistemas ideais e não-ideais.

Para sistemas ideais, as conversões (ℇ foram obtidas através da seguinte relação:

4ℇa
)= 21
1 − ℇ − 3ℇb
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Figura 1 - Constante de equilíbrio da reação em função da temperatura.

Para sistemas reais foi necessária a aplicação do modelo UNIFAC, segundo as equações
apresentadas por Smith et al. (2007) para a conversão ideal ponderada pelos coeficientes de
atividade, segundo a Equação (22).

4ℇa 5b 5ac 5Z
)= 22
1 − ℇ − 3ℇb 5d 5cb

O modelo UNIFAC foi ajustado e as conversões foram calculadas. A conversão


inicialmente foi prevista para a temperatura reacional de 220ºC, variando-se a razão
água/óleo, de forma a analisar a sua influência. Os valores da conversão do sistema ideal e
real estão confrontados na Figura 2, de acordo com a alimentação do sistema.

É possível perceber que é mais favorável trabalhar com razões altas de água/óleo,
contudo, há um limite de favorecimento do equilíbrio com o excesso de água, visto que existe
um determinado ponto em que o aumento da quantidade de água não compensa, pois não
provoca grande mudança na conversão, como pode ser detectado ao se comparar os valores de
conversão para as razões 30 e 40. Na simulação do sistema real foi diagnosticada uma
limitação matemática do método numérico (método de Newton) utilizado para achar o zero de
função expressa pela Equação 22. A fim de evitar problemas de convergência, o valor inicial
adequado da conversão para foi de 0,999. A Figura 3 mostra a relação conversão versus
temperatura, para uma razão molar água/óleo igual a 15, tendo sido verificado que a
conversão é pouco influenciada pela temperatura.
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Figura 2 - Conversão versus razão molar para a temperatura reacional de 220ºC

Figura 3 - Relação conversão versus temperatura para a razão molar água/óleo igual a 15

A partir da Figura 02, nota-se que a conversão real e a ideal possuem uma diferença
ínfima. Mesmo o sistema não sendo ideal, o comportamento apresentado pode ser devido a
uma possível compensação de efeitos entre desvios positivos e negativos. Os valores dos
coeficientes de atividade, em diferentes razões molares (temperatura fixa a 220°C), bem como
os quocientes entre eles apresentados na Equação 22, estão dispostos na Tabela 02.
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Assim, percebe-se que, em termos de equilíbrio termodinâmico, para trabalhar em


condições operacionais com conversão de equilíbrio alta, é mais significativo alimentar a
reação com mais água do que elevar a temperatura.

O critério de idealidade para soluções tem como base o caráter das forças de Van der
Waals. O sistema proposto não se trata de um líquido puro, no qual a semelhança química
entre as moléculas permite admitir uma uniformidade entre as forças de coesão, mas sim de
uma substância diluída em um líquido, existindo assim três tipos diferentes de interações
moleculares: soluto – soluto; soluto – solvente e solvente – solvente. É válido avaliar o
comportamento do coeficiente de atividade da água diante da diluição, ou seja, em maiores
razões molares.

Tabela 2 - Coeficientes de atividade para a temperatura 220°C em diferentes razões


molares água/óleo

5b 5ac 5Z
Razão Molar 5d 5c 5b 5a 5Z
5d 5cb

3 1,1153 2,8750 1,3046 1,1454 14,2868 0,9226

6 2,4986 2,4986 1,9086 1,6106 5,8573 0,8628

9 5,2972 2,2085 2,8309 2,3331 3,2952 0,8899

12 14,5252 1,9956 4,2263 3,4243 2,2171 0,9518

15 41,7959 1,8357 6,2995 5,0356 1,6682 1,0306

20 247,4084 1,6458 12,0221 9,4433 1,2124 1,1786

30 7098,1 1,4228 38,9576 29,8824 0,8733 1,4861

40 133230 1,3007 106,1580 80,1671 0.7638 1,7775

50 1636300 1,2259 247,6082 184,8856 0,7276 2,0431

100 5,8092x109 1,0832 3769,5 2730,1 0,7942 3.0216


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4. CONCLUSÃO
O estudo da modelagem termodinâmica realizada neste trabalho revelou a utilidade do
método de contribuição de grupos proposta por Oliveira (2010) para a obtenção da entalpia e
da entropia padrões. A simulação das conversões de equilíbrio, considerando-se uma situação
ideal, não apresentou diferença significativa relativa aos valores reais. Com relação à razão
molar água/óleo, concluiu-se que esta deve ser aumentada para que sejam atingidas
conversões maiores, porém faz-se necessário um estudo adicional acerca da viabilidade
econômica.

Na análise do efeito da temperatura foi detectada uma fraca dependência da conversão


com a mesma. Os dados simulados para o sistema ideal aproximaram-se mais dos valores
gerados experimentalmente em maiores temperaturas.

O estudo da conversão teórica, no equilíbrio, para a reação de hidrólise revelou que o


método de contribuição de grupo não é tão simples e que este reproduziu bons resultados.
Similarmente, o método UNIFAC exige intenso cuidado na identificação dos parâmetros e no
seu desenvolvimento.A partir da tentativa de aplicação de diferentes métodos de contribuição
de grupo para a reação de hidrólise, percebe-se que é necessário analisar as condições e
limites destes para que os resultados expressem o quão próximo a análise teórica está do
sistema real.

5. REFERÊNCIAS
JOBACK, K.; REID, R.; Estimation of pure-component properties from group-
contributions, Chemical Engineering Communications v.57, 1987.

LINSTROM, P. J.; MALLARD, W.G.; Eds. NIST Chemistry WebBook, Nist Standard
Reference Database Number 69, National Institute of Standards and Technology,
Gaithersburg MD, 20899. Disponível em: http: //webbok.nist.gov, (retrieved in 2008-2009).

OLIVEIRA, A. C; Modelo de contribuições de grupos aplicado a reações para a


formação do biodiesel. Dissertação ( Mestrado em Engenharia Química) – Universidade
Federal de São Carlos, São Paulo, 2010.

REID, R. C.; PRAUSNITZ, J. M.; POLING, B. E.; The Properties of Gases and
Liquids; 4 ed. New York: McGran- Hill, 1988.

RATNASAMY, P.; SATYARTHI, J.K.; SRINIVAS, D.; Hydrolysis of vegetable oils


and fats to fatty acids over solid acid catalysts; Applied Catalysis A: General 391, p.427–435,
2011.

SMITH, J. M.; VAN NESS, H. C.; ABBOTT, M. M.; Introdução à termodinâmica da


engenharia química. 7. ed. Rio de Janeiro: LTC, 2003.

SUAREZ P. A. Z.; SANTOS, A. L. F.; Biocombustíveis a partir de óleos e gorduras: desafios


tecnológicos para viabilizá-los; Química Nova vol.32 nº.3, São Paulo, 2009.

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