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MULHER “DE BEM”: UMA ANÁLISE HISTÓRICA SOBRE A MULHER


INTEGRALISTA1

LUANA DIAS DOS SANTOS2

Resumo: No livro “A Mulher no século XX” Plinio Salgado escreveu qual era o tipo de
mulher que o Integralismo almejava, baseando-se em concepções conservadoras e religiosas.
Para compreender a mulher integralista e qual seu papel dentro desse movimento, neste artigo
analiso a construção da mulher “de bem” de Plínio Salgado através do livro A mulher no
século XX , em que pretendo refletir sobre a imagem e função da mulher integralista, afim de
entender o que era ser uma mulher “de bem” e qual sua funcionalidade na manutenção desse
movimento.
Palavras-chaves: Integralismo, mulheres, educação

INTRODUÇÃO
O fim do século XIX e o início do século XX foi marcada com lutas intensivas por
reinvindicações de direitos ao sufrágio e entrada das mulheres nas universidades e educação
básica. Porém, a partir da década de 30, com a conquista do voto e o direito de ser votada, as
lutas feministas esfriaram. As mulheres estavam inseridas dentro de uma sociedade patriarcal
– uma sociedade que privilegia o homem o qual detém o poder. Nesse período de 1930
também foi fundada a Ação Integralista no Brasil, um movimento que compartilhava
características similares ao fascismo italiano, que constituiu a mulher brasileira por meio de
um ideário fascista que atingiu todas as classes de mulheres dos anos 30 e 40, por meio de
demandas necessárias para a construção da mulher engendrada pelo movimento Integralista.

Sendo assim, por meio dos estudos de gênero analiso as diferenças sociais entre
homens e mulheres em uma sociedade conservadora por meio do movimento integralista,
compreendendo como a divisão dos papeis sociais entre homens e mulheres foi importante
para a construção do movimento, tendo em vista que às mulheres é atribuída a função de
reproduzir os ideais integralistas para a educação dos filhos, o futuro do movimento e foi um

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Artigo produzido para a disciplina de História do Cotidiano do curso de História da Universidade Federal do
Mato Grosso do Sul/Campus Três Lagoas
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Graduanda do 4º semestre do curso de História da Universidade Federal do Mato Grosso do Sul/Campus Três
Lagoas. Integrante do grupo de pesquisa História, Mulheres e Feminismo – HIMUFE, coordenado pela
professora Cintia Lima Crescêncio. Bolsista PIBIC (CNPq). Pesquisa: O processo de formação nacional presente
na obra de Manoel Bonfim (O brasil na América) e Oliveira Viana (Populações meridionais do Brasil),
coordenado pelo professor Luiz Carlos Bento. E-mail: paondd@gmail.com
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agente ativo no partido, que compartilhou espaços públicos conjuntamente com os homens e
exerceu papel fundamental para o discernimento e sobrevivência do Integralismo.

Portanto, pensar o Integralismo a partir das mulheres como sujeitos da história é


essencial para melhor compreensão do movimento, pois estas são responsáveis por um
contingente de indivíduos que dariam continuidade aos ideais integralistas.

Dessa forma, os estudos de gênero são essenciais para a construção de uma História
não universal – dada a partir do olhar do homem como sujeito detentor da produção histórica,
como a única História necessária para se compreender o passado e o presente – confrontando
com o “dilema da diferença” em relação à História tradicional. Com isso, Scott afirma que
A maior parte da história das mulheres tem buscado de alguma forma incluir as
mulheres como objetos de estudo, sujeitos da história. Tem tomado como
axiomática a ideia de que o ser humano universal poderia incluir as mulheres e
proporcionar evidência e interpretações sobre as várias ações e experiências das
mulheres no passado (SCOTT, 1992, p. 77).

Na História universal o homem branco é considerado o detentor do conhecimento


histórico e a mulher se reduziu apenas a um complemento ou por vezes foi totalmente
desconsiderada, sendo sua importância para a História menosprezada. Dessa forma, as
interpretações da vivencia dessas mulheres proporciona o estudo do passado incluindo-as
como agentes históricos ativos, em que concede uma análise diferente sobre a historiografia.

Com isso, os estudo de gênero como uma categoria histórica de análise, serviu como
uma diferenciação entre homens e mulheres, atribuindo às mulheres uma importância de seu
estudo na história de forma mais sutil e com isso, “inclui as mulheres, sem lhes nomear, e
parece, assim, não constituir uma forte ameaça” (SCOTT, 1988, 75). Ao ser utilizado gênero
como forma de análise histórica é possível constatar que o mundo é masculino e a mulher,
está inserida dentro desse “mundo dos homens”, mostrando assim que a história é composta
por uma história dos homens. Porém, é necessário enfatizar que o termo “gênero” é uma
construção social e não determinado pelo sexo biológico.

Portanto, analisarei o livro “A mulher no século XX” (1949) publicado por Plinio
Salgado, líder do movimento partidário conservador integralista. Apesar de o livro ter sido
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escrito pelo líder integralista após o fim do movimento, em 1938, expõe a visão religiosa e
conservadora sobre qual mulher o Integralismo estava educando e sua importância para o
movimento.
Para isso, discutirei o contexto em que se fundamentou o movimento integralista e as
transformações que ocorriam no início do século XX e que influenciaram a criação de um
partido conservador e fascista no Brasil. Desse modo, pode-se compreender a função e a
importância da mulher “de bem” integralista, bem como a construção de um ideal de mãe,
esposa e do lar.
O INTEGRALISMO E AS TRANSFORMAÇÕES DO SÉCULO XX

Para conceber as mulheres integralistas e seu espaço social dentro do Integralismo, é


preciso contextualizar as transformações políticas e sociais que ocorreram nas primeiras
décadas do século. Para o Integralismo não deveria existir o pensamento individualista, no
indivíduo só existia por meio da coletividade, algo que estava presente em outros movimentos
fascistas. Isso implicava na uniformização da mentalidade coibindo dissidências dentro do
movimento, no qual o Integralismo,
[...] espalhava para toda a sociedade brasileira que a revolução integral que pregava
se daria após a conquista do Estado. Ou seja, o pensamento totalitário sempre
desenvolve raciocínios uniformizastes, o que quer dizer: julgavam que reformar o
Estado correspondia a reformar a nação (FREITAS, 1999, p.41).

Em relação a esse pensamento uniforme e totalitário almejado pelo Integralismo, em


uma de suas viagens à Europa Plinio Salgado teve contato com o fascismo italiano e foi
inspirado a instaurar um movimento partidário com características similares no Brasil. A
Ação Integralista Brasileira foi fundada em 1932, tendo como líder Plinio Salgado. Por isso, o
fascismo uma política autoritária que se disseminou pela Europa, esteve também constituído
em outras sociedades de diferentes culturas, repercutindo em “[...] movimentos com
características próprias, mas com pontos em comum em relação à ‘matriz italiana”
(FREITAS, 1998, p.13).

As principais características que compunham o movimento integralista eram os


princípios cristãos e da extrema direita conservadora, sobretudo, as características primárias
fascistas. Tinha como propósito resguardar a espiritualidade do povo brasileiro e um
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nacionalismo que preservaria a moral cristã e a coletividade, implicando assim, na luta contra
a individualidade que se intensifica com o forte crescimento do capitalismo e o liberalismo.
De acordo com Oliveira para Plínio Salgado:
[...] necessitaria de um governo ditatorial, que conduzisse a sociedade brasileira ao
“caminho certo” do espiritualismo embasado na ‘pureza do nacionalismo’. Um
governo que se obrigasse a ser forte e constituído de ideia integrais (OLIVEIRA,
2009, p.128).

Então, como mecanismo de agregação de massa, o Integralismo utilizou recursos para


disseminar a ideia integralista, baseando-se em conceitos adotados por Estados fascistas:
erradicar o individualismo por meio de convencimento, ao qual pudesse atingir milhares de
pessoas a integrarem a nova ordem de Poder, persuadindo todas as classes sociais, raças e
gênero. Dessa forma,
A nação era um símbolo daquilo a que os Estados fascistas aspiravam: um Estado
total onde tudo fosse uniformizado num único sentido, por isso eram Estados
totalitários. Por isso, eram tão burocráticos, ou seja, necessitavam de controle
absoluto sobre cada passo de cada pessoa (FREITAS,1998, p.18).

Compreendo então, que a importância de convencimento para o controle absoluto,


afim de ditar regras sociais que deveriam ser seguidas pela população, não deveria apenas
incluir os homens, tendo em vista que as mulheres estavam a ganhar visibilidade pelas lutas
feministas e os efeitos com conquistas, como o direito ao voto.

A questão do direito ao voto para as mulheres foi colocada em pauta para a construção
da Constituição de 1891, porém não surtiu alterações. Foi uma ação naturalizada em não
haver uma exclusão proibindo as mulheres de votar, dessa forma não citavam proibições às
mulheres “não existia na cabeça dos constituintes como indivíduos dotados de direitos”
(PINTO, 2003, p.16). Para isso, o movimento feminista da primeira onda foi denominado
marcado pelas reinvindicações sociais, econômicos e políticos das mulheres no início do
século XX. Ser educada e ter formação, ter um trabalho remunerado e votar e ser votada,
estava dentro das suas demandas.

Por meio da implementação da lei no Brasil foi concedido o direito ao voto para as
mulheres somente em 1932, ao que as lutas pelo direito do voto feminino chegam ao fim e é
alcançado o “direito de votar e de ser votada” (PINTO, 2003, p.28).
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Foi necessário para que ao se pensar o movimento integralista, os ideais conservadores


e religiosos pudessem se encaixar em uma sociedade que estava em transformação decorrida
de um período de lutas, sendo depois precedido de um outro período que visava o
individualismo e a “padronização da mulher” que visava a beleza e o consumo por parte do
mercado capitalista. O Integralismo era fortemente contrário à essa visão de mulher,
constantemente criticando e ambicionando a “mulher de bem”, que estaria fora dessa
sociedade que visava “a boneca de cabecinha vazia só preocupada com o luxo” (SALGADO,
1949, p.95). não podes citar o Plínio Salgado como referência, ele é fonte e precisar analisar.

Era vital incorporar a emancipação da mulher para a conveniência do movimento, para


não prejudicar a trama em disseminar ideias conversadoras e conseguir ser utilizado para o
bem do partido. É por meio de jornais, revistas e livros que os deveres dos integralistas foram
transmitidos e circularam pelos estados brasileiros, afim de conseguir melhor visibilidade e
facilidade para a organização do partido integralista, sendo assim, pode-se dizer que “o
movimento surge através das páginas de um jornal” (OLIVEIRA, 2009, p. 137).

Com isso, os jornais não ignoravam a mulher e as convocavam a participar dessa


organização, alegando ser sua participação muito importante para que o Integralismo pudesse
continuar a crescer. Lhe davam deveres por meio de explicativos e uma abertura para uma
vida pública. Para isso foram criados os departamentos, sendo designado para as mulheres, O
Departamento Feminino, que servia como um informativo das atividades que as mulheres
integralistas deveriam seguir. Eram publicados no jornal Monitor Integralista, do qual todos
os adeptos ao movimento tinham a obrigatoriedade de ler.

A MULHER (INTEGRALISTA) NO SÉCULO XX

O Monitor Integralista foi o primeiro jornal de circulação nacional no Rio de Janeiro


em 1933. Esse jornal servia como “diário oficial” de publicações quinzenais, depois passando
a bimestral até ser quadrimestral. Era obrigatório sua aquisição já que era por meio deste que
partia a organização do movimento integralista, ao qual todos pudessem conhecer as ordens
do partido, sem autonomia para fazer escolhas e/ou discordância, principalmente liberdade
para desobediência. Portanto,
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Era nestas páginas que editavam toda a estrutura organizativa em forma de


organogramas, além de como deveriam ser estruturadas as secretárias em todas as
suas esferas (nacional, estadual e nuclear) (OLIVEIRA, 2009, p. 151).

O movimento Integralista se organizava por meio de secretarias que se dividiam por


nacional, estadual, regional e nuclear e em subcategorias a partir dessa divisão. Cada
secretaria era dirigida com o intuito de informar e propor regulamentos que serviriam de base
para os integralistas. Sendo assim, o jornal Monitor Integralista servia como dirigente das
informações sobre a organização do movimento.

Dividido em seções a fim de cuidar da organização do Integralismo se encontrava na


seção da Secretária Nacional de Organização Política os Departamentos e suas demandas. O
Departamento Feminino continha 20 artigos regulamentados conforme os Estatutos da AIB
(Ação Integralista Brasileira). Sua finalidade era “orientar e dirigir a acção[sic]da Mulher
Brasileira no movimento e preparalá[sic] para occupar[sic]effiecientemente[sic]no
regimen[sic] integralista o lugar que de direito lhe cabe” (Monitor Integralista, n.8, p.8).

Assim, o Departamento Feminino era dividido em capítulos para organizar os


mandamentos implicados pelo Integralismo. Para ser uma boa mãe, esposa e mantenedora do
lar, era preciso seguir algumas regras que a transcenderia a mulher integralista. Era designado
à rotina das mulheres atividades que envolvessem: ensino e educação moral, cultura artística,
propaganda política e assistência social. Desta forma a participação delas não se limitava
apenas a vivência no lar, pois AIB passou a ampliar as funções sociais das mulheres podendo
partir também para o espaço público. No Departamento Femininos e encarregava de informar
às integralistas que participassem de atividades, e nesses espaços destinados as mulheres
continham atividades que,
[...] iam de aulas de ginástica e a prática de esportes para o sexo feminino, como
atividades de alfabetização enfermagem, puericultura, datilografia, culinária, corte e
costura, boas maneiras, contabilidade caseira e economia doméstica (POSSAS,
2004, p. 112).

A mulher também era incumbida de profissões que “cuidasse”, como enfermagem e


magistério, (DUARTE, 2006) pois no imaginário social, eram profissões que prolongavam
seu cuidar no lar tendo as mulheres uma “inclinação” naturalizada para o educar e cuidar, já
que são as “primeiras e naturais educadoras” (DUARTE, 2006, p.4). Mas nada tem de natural
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ser cuidadoras ou educadoras, sendo para a mulher (BEAUVOIR, 2009) esposa e dona do lar
uma prisão que foram levadas a pensar que é o único caminho para alcançar a liberdade, mas
vivendo como uma escrava dos homens, que lhe mentem e tentam mascarar essa condição.
Dessa forma, o Integralismo utilizava desses mesmos argumentos de elevação moral e
espiritual para assegurar que o casamento fosse a prioridade na vida das mulheres.

Ao analisar as diretrizes do Departamento Feminino e todas as atividades requeridas


para as mulheres, é necessário entender que era um dever elas serem instruídas. Porém, Plinio
Salgado vai escrever em seu livro “A mulher no século XX (1949)” que “como letrada, artista,
cientista ou técnica, se possui verdadeira vocação, prestará, tanto quanto o homem, relevantes
serviços à sociedade. É imperioso, porém, que ela se lembre de que – acima de profissional –
ela é uma criatura de Deus e é mulher (SALGADO, 1949, p.61-62).

É explicito que ser mulher, apesar de poder transitar entre a vida pública, significava
não ter os mesmos direitos que os homens, e para o Integralismo era menos importante ainda
que tentasse alcançar a mesma igualdade de gênero, sendo algo sem preceitos já que aos olhos
do Integralismo, ambos eram diferentes. Sua condição estaria sempre atrelada à sua
feminilidade e seu dever de mãe e esposa. Em outras passagens do livro, Plinio Salgado
mostra que sua concepção religiosa cristã é a principal encarregada por lutar pela
emancipação das mulheres, e não a ciência, compreendendo que os homens não são
superiores às mulheres, mas sim diferentes. E é essa diferença, que fará com que o
Integralismo prospere (SALGADO, 1949).

Dessa forma, compreende-se que a feminilidade da mulher era um fator a ser


considerado no movimento, pois implicava uma quantidade certa para que não se tornasse
uma mulher considerada liberalista, algo que o Integralismo não admitiria. Não era visto com
bons olhos mulheres que “masculinizavam-se” ou que focassem sua vida apenas na beleza
física. Os dois conceitos para Plinio Salgado feriam os “bons costumes” afim de fazer uma
crítica da qual se refere que,
[...] a boneca de cabecinha vazia só preocupada com o luxo, a exibição, as
futilidades de uma vida ociosa, nem também o ente desgracioso, de passo militar e
atitudes masculinas, a aspirar a uma igualdade ridícula com o homem, uma
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igualdade de funções e não de direitos e deveres inerentes a diferenciações


imprescritíveis (SALGADO, 1949, p.95-96).

Para isso ele entendia que a mulher não tinha “apenas o direito, mas tem o dever de ser
bela, de ser aprazível, de fazer realçar as suas graças e formosuras” (SALGADO, 1949, 95-
96), mas entendendo que não fosse uma obsessão. Para Plinio Salgado era importante que não
houvesse o desagradável costume capitalista entre as mulheres, sendo necessário a
compreensão das práticas cristã que além de elevar o Espirito e a moral, elevaria a sua
cooperação no âmbito familiar e na Nação.

É ilógico para os integralistas que as mulheres pratiquem as mesmas atividades que os


homens ou que queiram os mesmos cargos, pois existiria um desiquilíbrio social e biológico,
em que:
Segue-se logicamente, que o homem e a mulher são complemento um do outro, e
assim como um não pode exercer o papel físico que ao outro cabe na Economia da
Espécie, também não pode usurpar do outro funções sociais decorrentes da própria
diversidade em que se define. Se tal ocorresse, a natureza não seria lógica, porque a
si mesma se negaria nas consequências do fundamento biológico pré-estabelecida
(SALGADO, 1949, p.72).

O fundamento biológico apontado por Plinio Salgado para definir a subordinação da


mulher em relação ao homem permeia como explicação para alegar que o homem é superior
por dispor de condições físicas que as mulheres não dispõem, levando assim, a condições
sociais do qual mulheres serão restritas. Contudo, a superioridade biológica nada tem de
explicativo, pois o que define o ser humano não é apenas sua biologia, mas sim, sua
construção social. Simone de Beauvoir afirma que,

[...] no momento em que o dado fisiológico (inferioridade muscular) assume uma


significação, esta surge desde logo como dependente de todo um contexto; a
"fraqueza" só se revela como tal à luz dos fins que o homem se propõe, dos
instrumentos de que dispõe, das leis que se impõe. (...); quando o pleno emprego da
força corporal não é exigido nessa apreensão, abaixo do mínimo utilizável, as
diferenças anulam-se; onde os costumes proíbem a violência, a energia muscular não
pode alicerçar um domínio: é preciso que haja referências existenciais econômicas e
morais para que a noção de fraqueza possa ser concretamente definida
(BEAUVOIR, 1949, p. 55).

Em outras palavras, a autora afirma que a força física não será necessária ou idealizada
como superioridade entre homens e mulheres, a partir das dadas situações que decorrem na
sociedade. Ou seja, fraqueza não é um dado compreendido pela força física, mas por
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consequências econômicas e morais que dispõe os indivíduos. Dessa forma, a explicação de


“fraqueza física” pelas diferenciações biológicas e corporais entre homens e mulheres, de
Plinio Salgado para ambos não poderem dispor dos mesmo direitos e deveres na sociedade é
irreal, pois não é a apenas a biologia que exerce o papel de quem detém o poder social.

Em contraponto ao fator biológico, os integralistas não ignoravam o fato de que era


por meio da doutrinação desde os primeiros anos de vida uma ferramenta importante para a
consolidação de uma sociedade formada por mulheres que compreendesse seu lugar dentro do
movimento como “esposas, mães e cuidadoras”. Por isso, era entendido que as mulheres
deveriam ser educadas e embasadas religiosamente com valores morais conservadores, afim
de se tornarem “mulheres de bem”, pois o papel das mulheres ia além de simplesmente ao
cuidar do lar e dos filhos, era incumbido e desejado que a mãe fizesse o papel de educar de
maneira “correta” e criasse um ambiente que fosse constituído por “famílias de bem”
(MANCILA, 2011), ao qual estariam prontas para defender a Nação em nome do
integralismo, vestindo a camisa-verde, uniforme oficial do movimento.

O sentimento de ser mãe como uma elevação moral e social não existiu apenas no
Integralismo. Esteve incorporado na sociedade e continua sendo ainda um imaginário na vida
de muitas mulheres. Ser apenas mulher não tem serventia, é necessário que a maternidade
venha para que ela tenha importância como individual, dessa forma ela também ascende
socialmente e individualmente, porque a partir do momento que engravida, ela está gerando
outra vida e, “agora não é mais um objeto sexual, uma serva; encarna a espécie, é promessa de
vida, de eternidade; os que a cercam, respeitam-na” (BEAUVOIR, 2009, p.267). Ao ser mãe,
passa também a ser educadora, sendo atrelado funções sociais que consista em cuidar.

Com isso, o Integralismo enxerga a mulher como reprodutora e agente para educar de
forma doutrinária seus filhos para que sejam futuramente adeptos do partido, como afirma
Plinio Salgado, chefe nacional do Integralismo, “[...] porque dela depende o teor do caráter
dos homens e mulheres de amanhã e será sempre ela, a mulher que dará o som à sociedade do
futuro ao sentido da sobrevivência da Pátria” (SALGADO, 1955:298apudPOSSAS, 2004,
p.110)
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Para isso, a educação das mulheres começava desde a infância a desenvolver o que
seria o instinto materno, por meio de brinquedos sendo bonecas ou brincadeiras que
envolvessem o ambiente doméstico. Como descreve uma passagem da revista Brasil
Feminino,
É brincando com bonecas que a menina se prepara para saber ser Mãe, quando a
vida lhe exigir o sublime sacrifício para renovação da espécie, e Deus a mandar
cumprir o seu destino de Mulher (SIMOES, 2017, p.192 apud Brasil Feminino, n.35,
maio 1937, p.57).

Apesar disso, as mulheres eram permitidas a atuarem no meio militar mesmo que não
fosse exatamente o que era tencionado pelos integralistas. Entretanto se tornavam
indispensáveis para o movimento, sem alterar a hierarquia social da mulher e a sua posição
inferior em relação ao homem, encontrando-se habitualmente “em posição subordinada”
(POSSAS, 2004). Entretanto, não era comum a participação das mulheres no âmbito militar
de outros movimentos políticos fascistas, sendo então, uma peculiaridade do Integralismo.

Com a conquista do sufrágio da mulher brasileira foi considerado como recurso


relevante para o partido, que se preparavam para o lançamento da candidatura de Plinio
Salgado em 1938. Assim, as mulheres foram incorporadas na preocupação eleitoral, e não
apenas isso, mas houve uma conscientização em alfabetizar os homens, percebendo-se por
meio da “alfabetização rápida” (SIMOES, 2006, p.6) que era possível conseguir o direito ao
título de eleitor. Por esse motivo, a mulher não era um sujeito esquecido no movimento,
considerada de suma importância para o eleger a AIB nas futuras eleições que decorreriam em
1938.

Entretanto, a vivência no espaço público e os direitos conquistados pelas mulheres


eram atreladas ao movimento integralista como elevação da mulher mãe e esposa, do qual,
estivesse explicito que como uma mulher “de bem” deveria estar ciente que acima de tudo o
lar estava em primeiro lugar.

A base religiosa contida no Integralismo colocava a função da mulher como


primordial a de ser mãe “toda a acção[sic] da mulher no meio social, desde os círculos família
até os mais amplos círculos da vida coletiva, tem de proceder daquela função” (SALGADO,
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1949, p. 73). Plinio Salgado escreve que, a mulher que não é mãe fisicamente, ainda é mãe
psicologicamente não importando ter filhos ou não. O que importava era se desenvolvesse
atividades de cunho maternal.

A importância da maternidade para o Integralismo significava o futuro do movimento.


Com isso, era atrelada à mulher uma função naturalizada, em que a maternidade se torna algo
indispensável, atribuindo-lhe a ascensão social e uma superioridade em sua condição de
mulher. Por esse meio, a maternidade eleva a mulher espiritualmente e moralmente, ela não é
mais apenas mulher – agora ela gera outra vida, que futuramente contribuiria para a melhora
do movimento integralista. Isso fazia com que essas mulheres tivessem uma falsa ideia de
“pertencer” dentro do partido. O que na verdade servia para perdurar a mulher à uma
submissão do qual não conseguisse independência. Simone de Beauvoir analisa a maternidade
em seu livro “Segundo Sexo” (2009) afirma e conclui que,
Uma tal obrigação nada tem de natural: a Natureza não poderá nunca ditar uma
escolha moral; esta implica um compromisso; dar à luz é assumir um compromisso;
se a mãe não o cumpre a seguir, comete um erro contra uma existência humana,
contra uma liberdade; mas ninguém lhe pode impor (BEAUVOIR, 2009, p.290).

A maternidade é uma obrigação imposta a mulher que não deveria acontecer, sendo
algo que ela careceria estar preparada com todo conhecimento do que implica gerar um filho.
Ao impor a ela uma responsabilidade é lhe tirar sua liberdade de escolha, uma prática contida
não somente no Integralismo, mas na maioria das sociedades, seja por brincadeiras na
infância, como bonecas, ou pela educação familiar. O Integralismo praticava essa educação
por meio do consentimento de que era por intermédio da maternidade que a mulher ascenderia
como uma peça importante para o futuro do movimento.

Simone de Beauvoir escreve o livro o Segundo Sexo em 1949, três anos depois da
primeira edição publicada do livro A mulher no século XX de Plinio Salgado, que serve como
uma articulação entre as duas obras que são contrárias em todos os sentidos que se diz
respeito às mulheres. Beauvoir desmitifica e contrapõe pensamentos e teorias que idealizem
uma mulher que foi construída socialmente e historicamente a partir do patriarcado,
perpetuado no decorrer da história e do pensamento cientifico. Enquanto Plinio Salgado
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escreve sobre uma criação de mulher que será veemente critica por Beauvoir, sendo ambos
publicados na década de 40.

Beauvoir compreende que (BEAUVOIR, 1949) sendo por meio do trabalho é que as
mulheres conseguiria alguma independência, apesar de isso contribuir para uma dupla jornada
e a dificuldade em conciliar a maternidade com a vida profissional. Porém no Integralismo, o
trabalho da mulher não lhe dava nenhuma independência, já que servia apenas como um
complemento da renda familiar, sendo o homem o principal provedor. Também, é necessário
levar em conta que para Plinio Salgado, conquistar os mesmos empregos e condição do
homem, não condizia com sua biologia e estava além de sua capacidade como mulher, para
isso escreve que,
[...]nunca porém perdendo de vista que a mulher, biologicamente, foi feita para o lar
e tem de dispender a sua energia num alto sentido moral e espiritual, porque dela
depende o teor do caráter dos homens e mulheres de amanhã e será à sociedade do
futuro e ao sentido da sobrevivência da Pátria (SALGADO, 1949, p.100).

Não sendo a maternidade algo natural da mulher ou a função social dela algo
naturalizado, já que “ninguém nasce mulher, torna-se mulher” (BEAUVOIR, 1949, p.),
entendo que nada tem de biológico em ser mulher ou o que isso implicará, pois sua
construção será feita a partir da sociedade em que está inserida. Dessa forma, Beauvoir cita
que,
Não é enquanto corpo, é enquanto corpos submetidos a tabus, a leis, que o sujeito
toma consciência de si mesmo e se realiza: é em nome de certos valores que êle se
valoriza. E, diga-se mais uma vez, não é a fisiologia que pode criar valores. Os
dados biológicos revestem os que o existente lhes confere (BEAUVOIR, 1949, p.
56).

Sendo assim, não é partir da força física ou de determinantes biológicos que constitui
o que é ser mulher, mas o âmbito e os valores empregados socialmente no decorrer da sua
formação desde os primeiros anos de vida.

Por fim, a mulher “de bem” idealizada por Plinio Salgado e o movimento integralista,
entendia que seu lugar biológico era dentro do lar, educadamente cristã e maternalmente
instintiva. E todas as atividades adviriam dessa sua condição de mulher que eles aspiravam.
Entendendo assim, Salgado explica,
[...] temos de convir que a missão da mulher é, acima de tudo, a missão educativa da
criança e a disciplinadora da casa, numa palavra: a preparação das gerações futuras,
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a manutenção do tipo social mais conveniente à vitalidade da Espécie, aos destinos


nacionais e às supremas finalidades do Espirito (SALGADO, 1949, p. 94).

A mulher era utilizada convenientemente pelo Integralismo como um meio para fins
de doutrinação das crianças que estariam futuramente compartilhando do nacionalismo
pregado pelo movimento. Conjuntamente exercia o papel de cuidados do lar e dos esposos,
atribuindo como elevação moral e espiritual às essas mulheres como forma de persuasão para
a inserção destas no movimento.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Dessa forma o Integralismo se estruturou em inovar o conservadorismo para se pensar


a mulher. Pode-se perceber que as transformações culturais e sociais com demanda do
mercado de trabalho se expandirem e lutas feministas que procuravam a independência das
mulheres ao redor do mundo, precisou que mesmo os partidos conversadores e totalitários se
adequassem às demandas necessárias para atingir as diversas massas populacionais.

Entretanto a noção que se tem ao observar os escritos de Plinio Salgado no livro “A


mulher do século XX” é de uma concepção de mulher que não existia na sua individualidade,
a não ser como reprodutora, tanto biologicamente quanto percursora para ensinamentos dentro
do movimento. Seu papel é estritamente ligado a uma maternidade que se passa por
“divindade” e elevação moral e social, mas na verdade a aprisiona em uma vida que se resume
à uma consciência de mulher que é obrigatoriamente um dever para o Integralismo.

Sendo assim, à mulher integralista era imposta uma falsa liberdade que ela não
usufruía Apesar de estar inclusa, não realmente pertencia ao movimento, pois é notório que
sua participação seria restrita por sua condição de mulher, logo, não ocupando
interminavelmente a mesma posição social que o homem. Era um acessório que servia
principalmente para “cuidar”, sendo do lar ou da comunidade.

Para isso o jornal Monitor Integralista é de grande importância em que se conheça as


atividades exercidas pelas mulheres ao longo do movimento, para entender que sua
participação era ditada e regrada a fins que conservasse e valorizasse a mulher “de bem”,
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àquela que estaria apta moralmente e espiritualmente para integrar essa sociedade
totalitarista.

Com isso a mulher “de bem” para o Integralismo tinha características encontradas em
sociedades conservadoras, com também requisitos religiosos cristãos, mas sobretudo,
mantinha – como o próprio movimento integralista – características próprias, sendo uma
delas, a inserção da mulher na militarização. Porém é necessário analisar as circunstâncias em
que se encontravam essas mulheres, como forma de compreender sua funcionalidade e como
exerceram influência sobre o movimento para que houvesse mudanças dentro do partido, que
eram transfigurações aos quais se apresentavam contrariamente à ideais conservadoras.

No estudo de História é imprescindível a análise de gênero sobre a construção do


imaginário da mulher brasileira, voltado para uma vida conservadora e religiosa enraizada na
sociedade no qual homens se beneficiam disso. Para isso, o patriarcalismo incutido na
sociedade detém o ensino de mulheres que foram tão essenciais para a História quanto os
grandes nomes (BITTENCOURT, 2008), não sendo diferente no Integralismo. Assim,
compreendo que a mulher foi essencial para que o movimento integralista prosperasse.

REFERÊNCIAS

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FONTE
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