Escolar Documentos
Profissional Documentos
Cultura Documentos
Resumo: No livro “A Mulher no século XX” Plinio Salgado escreveu qual era o tipo de
mulher que o Integralismo almejava, baseando-se em concepções conservadoras e religiosas.
Para compreender a mulher integralista e qual seu papel dentro desse movimento, neste artigo
analiso a construção da mulher “de bem” de Plínio Salgado através do livro A mulher no
século XX , em que pretendo refletir sobre a imagem e função da mulher integralista, afim de
entender o que era ser uma mulher “de bem” e qual sua funcionalidade na manutenção desse
movimento.
Palavras-chaves: Integralismo, mulheres, educação
INTRODUÇÃO
O fim do século XIX e o início do século XX foi marcada com lutas intensivas por
reinvindicações de direitos ao sufrágio e entrada das mulheres nas universidades e educação
básica. Porém, a partir da década de 30, com a conquista do voto e o direito de ser votada, as
lutas feministas esfriaram. As mulheres estavam inseridas dentro de uma sociedade patriarcal
– uma sociedade que privilegia o homem o qual detém o poder. Nesse período de 1930
também foi fundada a Ação Integralista no Brasil, um movimento que compartilhava
características similares ao fascismo italiano, que constituiu a mulher brasileira por meio de
um ideário fascista que atingiu todas as classes de mulheres dos anos 30 e 40, por meio de
demandas necessárias para a construção da mulher engendrada pelo movimento Integralista.
Sendo assim, por meio dos estudos de gênero analiso as diferenças sociais entre
homens e mulheres em uma sociedade conservadora por meio do movimento integralista,
compreendendo como a divisão dos papeis sociais entre homens e mulheres foi importante
para a construção do movimento, tendo em vista que às mulheres é atribuída a função de
reproduzir os ideais integralistas para a educação dos filhos, o futuro do movimento e foi um
1
Artigo produzido para a disciplina de História do Cotidiano do curso de História da Universidade Federal do
Mato Grosso do Sul/Campus Três Lagoas
2
Graduanda do 4º semestre do curso de História da Universidade Federal do Mato Grosso do Sul/Campus Três
Lagoas. Integrante do grupo de pesquisa História, Mulheres e Feminismo – HIMUFE, coordenado pela
professora Cintia Lima Crescêncio. Bolsista PIBIC (CNPq). Pesquisa: O processo de formação nacional presente
na obra de Manoel Bonfim (O brasil na América) e Oliveira Viana (Populações meridionais do Brasil),
coordenado pelo professor Luiz Carlos Bento. E-mail: paondd@gmail.com
2
agente ativo no partido, que compartilhou espaços públicos conjuntamente com os homens e
exerceu papel fundamental para o discernimento e sobrevivência do Integralismo.
Dessa forma, os estudos de gênero são essenciais para a construção de uma História
não universal – dada a partir do olhar do homem como sujeito detentor da produção histórica,
como a única História necessária para se compreender o passado e o presente – confrontando
com o “dilema da diferença” em relação à História tradicional. Com isso, Scott afirma que
A maior parte da história das mulheres tem buscado de alguma forma incluir as
mulheres como objetos de estudo, sujeitos da história. Tem tomado como
axiomática a ideia de que o ser humano universal poderia incluir as mulheres e
proporcionar evidência e interpretações sobre as várias ações e experiências das
mulheres no passado (SCOTT, 1992, p. 77).
Com isso, os estudo de gênero como uma categoria histórica de análise, serviu como
uma diferenciação entre homens e mulheres, atribuindo às mulheres uma importância de seu
estudo na história de forma mais sutil e com isso, “inclui as mulheres, sem lhes nomear, e
parece, assim, não constituir uma forte ameaça” (SCOTT, 1988, 75). Ao ser utilizado gênero
como forma de análise histórica é possível constatar que o mundo é masculino e a mulher,
está inserida dentro desse “mundo dos homens”, mostrando assim que a história é composta
por uma história dos homens. Porém, é necessário enfatizar que o termo “gênero” é uma
construção social e não determinado pelo sexo biológico.
Portanto, analisarei o livro “A mulher no século XX” (1949) publicado por Plinio
Salgado, líder do movimento partidário conservador integralista. Apesar de o livro ter sido
3
escrito pelo líder integralista após o fim do movimento, em 1938, expõe a visão religiosa e
conservadora sobre qual mulher o Integralismo estava educando e sua importância para o
movimento.
Para isso, discutirei o contexto em que se fundamentou o movimento integralista e as
transformações que ocorriam no início do século XX e que influenciaram a criação de um
partido conservador e fascista no Brasil. Desse modo, pode-se compreender a função e a
importância da mulher “de bem” integralista, bem como a construção de um ideal de mãe,
esposa e do lar.
O INTEGRALISMO E AS TRANSFORMAÇÕES DO SÉCULO XX
nacionalismo que preservaria a moral cristã e a coletividade, implicando assim, na luta contra
a individualidade que se intensifica com o forte crescimento do capitalismo e o liberalismo.
De acordo com Oliveira para Plínio Salgado:
[...] necessitaria de um governo ditatorial, que conduzisse a sociedade brasileira ao
“caminho certo” do espiritualismo embasado na ‘pureza do nacionalismo’. Um
governo que se obrigasse a ser forte e constituído de ideia integrais (OLIVEIRA,
2009, p.128).
A questão do direito ao voto para as mulheres foi colocada em pauta para a construção
da Constituição de 1891, porém não surtiu alterações. Foi uma ação naturalizada em não
haver uma exclusão proibindo as mulheres de votar, dessa forma não citavam proibições às
mulheres “não existia na cabeça dos constituintes como indivíduos dotados de direitos”
(PINTO, 2003, p.16). Para isso, o movimento feminista da primeira onda foi denominado
marcado pelas reinvindicações sociais, econômicos e políticos das mulheres no início do
século XX. Ser educada e ter formação, ter um trabalho remunerado e votar e ser votada,
estava dentro das suas demandas.
Por meio da implementação da lei no Brasil foi concedido o direito ao voto para as
mulheres somente em 1932, ao que as lutas pelo direito do voto feminino chegam ao fim e é
alcançado o “direito de votar e de ser votada” (PINTO, 2003, p.28).
5
ser cuidadoras ou educadoras, sendo para a mulher (BEAUVOIR, 2009) esposa e dona do lar
uma prisão que foram levadas a pensar que é o único caminho para alcançar a liberdade, mas
vivendo como uma escrava dos homens, que lhe mentem e tentam mascarar essa condição.
Dessa forma, o Integralismo utilizava desses mesmos argumentos de elevação moral e
espiritual para assegurar que o casamento fosse a prioridade na vida das mulheres.
É explicito que ser mulher, apesar de poder transitar entre a vida pública, significava
não ter os mesmos direitos que os homens, e para o Integralismo era menos importante ainda
que tentasse alcançar a mesma igualdade de gênero, sendo algo sem preceitos já que aos olhos
do Integralismo, ambos eram diferentes. Sua condição estaria sempre atrelada à sua
feminilidade e seu dever de mãe e esposa. Em outras passagens do livro, Plinio Salgado
mostra que sua concepção religiosa cristã é a principal encarregada por lutar pela
emancipação das mulheres, e não a ciência, compreendendo que os homens não são
superiores às mulheres, mas sim diferentes. E é essa diferença, que fará com que o
Integralismo prospere (SALGADO, 1949).
Para isso ele entendia que a mulher não tinha “apenas o direito, mas tem o dever de ser
bela, de ser aprazível, de fazer realçar as suas graças e formosuras” (SALGADO, 1949, 95-
96), mas entendendo que não fosse uma obsessão. Para Plinio Salgado era importante que não
houvesse o desagradável costume capitalista entre as mulheres, sendo necessário a
compreensão das práticas cristã que além de elevar o Espirito e a moral, elevaria a sua
cooperação no âmbito familiar e na Nação.
Em outras palavras, a autora afirma que a força física não será necessária ou idealizada
como superioridade entre homens e mulheres, a partir das dadas situações que decorrem na
sociedade. Ou seja, fraqueza não é um dado compreendido pela força física, mas por
9
O sentimento de ser mãe como uma elevação moral e social não existiu apenas no
Integralismo. Esteve incorporado na sociedade e continua sendo ainda um imaginário na vida
de muitas mulheres. Ser apenas mulher não tem serventia, é necessário que a maternidade
venha para que ela tenha importância como individual, dessa forma ela também ascende
socialmente e individualmente, porque a partir do momento que engravida, ela está gerando
outra vida e, “agora não é mais um objeto sexual, uma serva; encarna a espécie, é promessa de
vida, de eternidade; os que a cercam, respeitam-na” (BEAUVOIR, 2009, p.267). Ao ser mãe,
passa também a ser educadora, sendo atrelado funções sociais que consista em cuidar.
Com isso, o Integralismo enxerga a mulher como reprodutora e agente para educar de
forma doutrinária seus filhos para que sejam futuramente adeptos do partido, como afirma
Plinio Salgado, chefe nacional do Integralismo, “[...] porque dela depende o teor do caráter
dos homens e mulheres de amanhã e será sempre ela, a mulher que dará o som à sociedade do
futuro ao sentido da sobrevivência da Pátria” (SALGADO, 1955:298apudPOSSAS, 2004,
p.110)
10
Para isso, a educação das mulheres começava desde a infância a desenvolver o que
seria o instinto materno, por meio de brinquedos sendo bonecas ou brincadeiras que
envolvessem o ambiente doméstico. Como descreve uma passagem da revista Brasil
Feminino,
É brincando com bonecas que a menina se prepara para saber ser Mãe, quando a
vida lhe exigir o sublime sacrifício para renovação da espécie, e Deus a mandar
cumprir o seu destino de Mulher (SIMOES, 2017, p.192 apud Brasil Feminino, n.35,
maio 1937, p.57).
Apesar disso, as mulheres eram permitidas a atuarem no meio militar mesmo que não
fosse exatamente o que era tencionado pelos integralistas. Entretanto se tornavam
indispensáveis para o movimento, sem alterar a hierarquia social da mulher e a sua posição
inferior em relação ao homem, encontrando-se habitualmente “em posição subordinada”
(POSSAS, 2004). Entretanto, não era comum a participação das mulheres no âmbito militar
de outros movimentos políticos fascistas, sendo então, uma peculiaridade do Integralismo.
1949, p. 73). Plinio Salgado escreve que, a mulher que não é mãe fisicamente, ainda é mãe
psicologicamente não importando ter filhos ou não. O que importava era se desenvolvesse
atividades de cunho maternal.
A maternidade é uma obrigação imposta a mulher que não deveria acontecer, sendo
algo que ela careceria estar preparada com todo conhecimento do que implica gerar um filho.
Ao impor a ela uma responsabilidade é lhe tirar sua liberdade de escolha, uma prática contida
não somente no Integralismo, mas na maioria das sociedades, seja por brincadeiras na
infância, como bonecas, ou pela educação familiar. O Integralismo praticava essa educação
por meio do consentimento de que era por intermédio da maternidade que a mulher ascenderia
como uma peça importante para o futuro do movimento.
Simone de Beauvoir escreve o livro o Segundo Sexo em 1949, três anos depois da
primeira edição publicada do livro A mulher no século XX de Plinio Salgado, que serve como
uma articulação entre as duas obras que são contrárias em todos os sentidos que se diz
respeito às mulheres. Beauvoir desmitifica e contrapõe pensamentos e teorias que idealizem
uma mulher que foi construída socialmente e historicamente a partir do patriarcado,
perpetuado no decorrer da história e do pensamento cientifico. Enquanto Plinio Salgado
12
escreve sobre uma criação de mulher que será veemente critica por Beauvoir, sendo ambos
publicados na década de 40.
Beauvoir compreende que (BEAUVOIR, 1949) sendo por meio do trabalho é que as
mulheres conseguiria alguma independência, apesar de isso contribuir para uma dupla jornada
e a dificuldade em conciliar a maternidade com a vida profissional. Porém no Integralismo, o
trabalho da mulher não lhe dava nenhuma independência, já que servia apenas como um
complemento da renda familiar, sendo o homem o principal provedor. Também, é necessário
levar em conta que para Plinio Salgado, conquistar os mesmos empregos e condição do
homem, não condizia com sua biologia e estava além de sua capacidade como mulher, para
isso escreve que,
[...]nunca porém perdendo de vista que a mulher, biologicamente, foi feita para o lar
e tem de dispender a sua energia num alto sentido moral e espiritual, porque dela
depende o teor do caráter dos homens e mulheres de amanhã e será à sociedade do
futuro e ao sentido da sobrevivência da Pátria (SALGADO, 1949, p.100).
Não sendo a maternidade algo natural da mulher ou a função social dela algo
naturalizado, já que “ninguém nasce mulher, torna-se mulher” (BEAUVOIR, 1949, p.),
entendo que nada tem de biológico em ser mulher ou o que isso implicará, pois sua
construção será feita a partir da sociedade em que está inserida. Dessa forma, Beauvoir cita
que,
Não é enquanto corpo, é enquanto corpos submetidos a tabus, a leis, que o sujeito
toma consciência de si mesmo e se realiza: é em nome de certos valores que êle se
valoriza. E, diga-se mais uma vez, não é a fisiologia que pode criar valores. Os
dados biológicos revestem os que o existente lhes confere (BEAUVOIR, 1949, p.
56).
Sendo assim, não é partir da força física ou de determinantes biológicos que constitui
o que é ser mulher, mas o âmbito e os valores empregados socialmente no decorrer da sua
formação desde os primeiros anos de vida.
Por fim, a mulher “de bem” idealizada por Plinio Salgado e o movimento integralista,
entendia que seu lugar biológico era dentro do lar, educadamente cristã e maternalmente
instintiva. E todas as atividades adviriam dessa sua condição de mulher que eles aspiravam.
Entendendo assim, Salgado explica,
[...] temos de convir que a missão da mulher é, acima de tudo, a missão educativa da
criança e a disciplinadora da casa, numa palavra: a preparação das gerações futuras,
13
A mulher era utilizada convenientemente pelo Integralismo como um meio para fins
de doutrinação das crianças que estariam futuramente compartilhando do nacionalismo
pregado pelo movimento. Conjuntamente exercia o papel de cuidados do lar e dos esposos,
atribuindo como elevação moral e espiritual às essas mulheres como forma de persuasão para
a inserção destas no movimento.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Sendo assim, à mulher integralista era imposta uma falsa liberdade que ela não
usufruía Apesar de estar inclusa, não realmente pertencia ao movimento, pois é notório que
sua participação seria restrita por sua condição de mulher, logo, não ocupando
interminavelmente a mesma posição social que o homem. Era um acessório que servia
principalmente para “cuidar”, sendo do lar ou da comunidade.
àquela que estaria apta moralmente e espiritualmente para integrar essa sociedade
totalitarista.
Com isso a mulher “de bem” para o Integralismo tinha características encontradas em
sociedades conservadoras, com também requisitos religiosos cristãos, mas sobretudo,
mantinha – como o próprio movimento integralista – características próprias, sendo uma
delas, a inserção da mulher na militarização. Porém é necessário analisar as circunstâncias em
que se encontravam essas mulheres, como forma de compreender sua funcionalidade e como
exerceram influência sobre o movimento para que houvesse mudanças dentro do partido, que
eram transfigurações aos quais se apresentavam contrariamente à ideais conservadoras.
REFERÊNCIAS
BEAVOUIR, Simone. O segundo sexo. Tradução Sergio Millet. – 2º Edição – Rio de Janeiro:
Nova Fronteira. 2009
BERTONHA, João Fábio. Fascismo, Nazismo, Integralismo. Editora Ática, São Paulo. 2004.
BERTONHA, João Fábio. Integralismo: problemas, perspectivas e questões historiográfica.
UEM, Maringá. 2014.
BITTENCOURT, Circe M. F. Ensino de História: fundamentos e métodos. – 2. ed. – São
Paulo: Cortez, 2008.
BRASIL, Monitor Integralista, Rio de Janeiro, 1934-1937
FERREIRA, Helisangela M. A. SILVA, Giselda B. A casa é das mulheres e a rua é dos
homens: A educação feminina na AIB na cidade do recife (1932-1937). UFRPE, João Pessoa
– PB, 2011.
FREITAS, Marcos Cezar. Integralismo fascismo caboclo. Ícone Editora, São Paulo. 1998
GONÇALVES, Leandro P. SIMOES, Renata D. Entre tipos e recortes: histórias da imprensa
integralista. 2. Ed. Porto Alegre: PUCRS, 2017.
15
FONTE
SALGADO, Plinio. A mulher no século XX. Editorial Guanumby – São Paulo, 1949.