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Álbum de Família é uma peça brasileira escrita pelo jornalista, escritor e teatrólogo,

Nelson Rodrigues. Escrita em 1945, a peça foi impedida de ser encenada por conta da
temática abordar um dos maiores tabus da sociedade contemporânea, o incesto. Devido a
isso, foi liberada apenas 20 anos depois, em 1965. Sendo considerada a percursora do
teatro desagradável e se enquadrando dentre as peças míticas feitas pelo autor, a obra
não possui tantas inovações, é escrita de forma linear com três atos, deixando que a
escrita fosse o destaque, pois é feita de uma forma extremamente camuflada, deixando as
coisas apenas no o entendimento do público e em raros momentos falando claramente.
Assim, uma das maiores mudanças estruturais, é a presença do speaker e do fotógrafo.
Nesse viés, o fotógrafo aparece quando a página do álbum de família surge, dividindo
alguns momentos que o autor deseja dar ênfase. A página do álbum acontece com a pose
dos personagens para a foto, enquanto o speaker narra o contexto da imagem e, em
algumas, o ano em que foi tirada, podendo ser de anos seguintes ou imagens antigas,
como no caso de Nonô, que ocorre uma “volta no tempo”, pois o garoto no tempo
presente já está mais velho.
“Quinta fotografia do álbum. Nonô tinha apenas 13 anos na ocasião,
mas aparentava muito mais. Tão desenvolvido para a idade! Por
uma dolorosa coincidência, este retrato foi tirado na véspera do dia
em que o rapaz enlouqueceu […]”.

Assim, é como se o telespectador estivesse folhando o álbum de família, em que cada


página leva a mais uma parte da história que vai se formando como um quebracabeça,
por conta disso, vem a origem do título. Outro exemplo é a primeira página do álbum que
introduz o casal para o telespectador.
“[…] Jonas e Senhorinha, no dia seguinte ao casamento. Os dois
têm a ênfase cômica dos retratos antigos. O fotógrafo está em
cena, tomando as providências técnico-artísticas que a pose requer
[…]. Por um momento, Jonas e Senhorinha permanecem imóveis:
ele, o busto empinado; ela, um riso falso e cretino, anterior ou não
sei se contemporâneo de Francesca Bertini etc. Ouve-se, então, a
voz do speaker”.

A peça gira em torno de um núcleo familiar que a primeira vista parece ser comum e
inclusa nos padrões sociais, porém, basta a primeira cena do ato um para que se perceba
algo de errado. Começamos a peça sendo apresentados a Jonas e Dona Senhorinha com
a data de 1900, recém casados posando para uma foto, descobrimos então que ela tem
15 anos e ele 25. Logo em seguida somos levados a Glória e Teresa, duas meninas em
uma escola de internato que passam uma cena inteira trocando juras de amor e acabam
se beijando. Dessa maneira, é notório que Nelson Rodrigues além de usar a escrita para
gerar o desconforto no telespectador, também aborda outros assuntos considerados
polêmicos, como as relações entre personagens do mesmo sexo.
Dentro do enredo da obra temos sete personagens principais, Jonas, o marido de Dona
Senhorinha que desvirgina meninas por conta do sentimento repreendido pela filha, por
conta disso, temos durante os três atos uma menina de 15 anos grávida sofrendo em um
dos quartos da casa, enquanto ouvimos o relato de D. Senhorinha dizendo que a menina
não poderia ter engravidado, pois ela não é desenvolvida o suficiente para parir a criança.
Enquanto Jonas ignora totalmente o que ocorre e já busca uma nova vítima com ajuda de
Tia Rute; Dona Senhorinha, a esposa, possui uma paixão secreta pelo filho Nonô; Nonô
por sua vez, enlouquece após ter relações com a mãe e vive nu, rodeando a casa na
fazenda; Edmundo, apaixonado pela mãe, tenta casar com outra mulher mas não
consegue amá-la do mesmo jeito, esse não possui uma boa relação com o pai, pois
reprova a forma com que ele trata a mãe; Gloria é a única filha mulher do casal, que
possui uma paixão pelo pai e vê uma semelhança dele com a imagem de Jesus;
Guilherme, castrou-se por ser apaixonado pela irmã e vive no seminário; Tia Rute, irmã
mais velha de D. Senhorinha, leva as jovens virgens de 12 a 16 anos para Jonas na
própria casa da família.
Dessa forma, o conflito começa antes mesmo da peça ter seu início para o público, pois
os personagens já possuem conflitos internos e externos com os outros em um plano
anterior não apresentado logo no início. Visto que, não há uma explosão específica.
Exemplo disso é D. Senhorinha que começa a cena na casa da fazenda já observado
Nonô correndo nu e conversando com Tia Rute, que já possui um tom agressivo na forma
de falar sobre o filho da irmã. Dando a entender que a discussão não é recente e eles
vivem dentro de uma casa cheia de conflitos.
Entretanto, pode ser considerado como primeiro conflito, a anunciação de Dona
Senhorinha sobre o retorno de Edmundo para casa, iniciando uma nova discussão
violenta com Jonas. Porém, não é de fato um fator que influencia todos os outros, por isso
não faz sentido rotula-lá como a ação dramática principal da peça. Dito isso, temos outros
situações chave que levam ao fim trágico da obra. Como o telegrama que recebem na
casa dizendo que Glória está voltando do colégio, a chegada de Guilherme anunciando
que largou o seminário, o assassinato de Glória pelas mãos de Guilherme e a revelação
de que Dona Senhorinha teve um amante. Além, é claro, da descoberta das paixões
proibidas e as obsessões secretas. Pois sem elas não existiria a sequência dos atos.
Tendo isso em vista, é nítido que Nelson Rodrigues explora com seus personagens os
limites humanos. Principalmente ao notar que, por mais que todos os personagens sejam
incestuosos de alguma maneira, o único que fica louco é Nonô, pois ele se relaciona, de
fato, com a mãe, passando de apenas um desejo para realização carnal. Desse modo, ao
ultrapassar a lei designada pelos homens, ele fica louco, mas não de uma forma doentia,
e sim de uma forma animalesca. Assim, ao romper com os costumes definidos como
corretos, ele volta a agir como no princípio, se tornando um ser primitivo novamente,
como se tivesse perdido toda evolução já alcançada. Ele anda nu, reproduz gritos “não
humanos”, “de besta ferida”, vive como “um bicho”. Ademais, a crítica presente sobre a
necessidade e o desejo do homem ultrapassar a conexão familiar, como se não houvesse
controle sobre as próprias atitudes e a vontade do prazer.
Outro ponto crucial que ganha o telespectador, é a qualidade com que Nelson Rodrigues
camufla os conflitos e segura as informações até quase o fim da peça. Exemplo disso é
toda história de Nonô na peça, o motivo porque ele enlouqueceu uma hora é dito pelo
speaker:
“[…] este retrato foi tirado na véspera do dia em que o rapaz
enlouqueceu. Um ladrão entrou no quarto de Senhorinha, de
madrugada e, devido ao natural abalo, Nonô ficou com o juízo
obliterado. […] Pobre Nonô! Hoje a ciência evoluiu muito e quem
sabe se ele seria caso para umas aplicações de cardiazol, choques
elétricos e outros que tais?”.

Desse modo, além de esconder a história do público, quando entregue, ela engana quem
ouve, pois o speaker, que começa sendo anunciado como uma figura não confiável,
entrega o jogo no meio de uma das cenas. Contudo, quando o motivo de um dos maiores
mistérios da história é revelado, é inevitável não acreditar no que está sendo dito, claro,
se a peça não fosse de Nelson Rodrigues, porque novamente ele surpreende no roteiro e
só revela a verdade quando estamos beirando as últimas páginas.
“Queres saber o nome do meu amante? O verdadeiro nome? […]
Eu me senti tão feliz, quando você matou Teotônio. Respirei: Nonô
estava salvo! Ele enlouqueceu de felicidade, não aguentou tanta
felicidade!”
Destarte, por tratar de assuntos difíceis de digerir e que fogem dos clichês utilizados em
novelas, filmes e seriados, é notável a genialidade e a ousadia de Nelson Rodrigues a não
seguir um padrão e ser um criador também de novos temas para suas obras, utilizando,
nesse caso, a mitologia. Não é uma peça que eu gostaria de assistir em um domingo
ensolarado e com um clima feliz pois a minúcia das falas e as atitudes dos personagens
realmente são de causar nojo.

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