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26 out
Guto
Pra começar vai o Renato falando sobre a letra de "Andrea Doria":
Leoni - Fiquei meio angustiado quando comecei a ouvir os discos porque às vezes não
captava qual era o tema da letra. Eu achava que devia estar deixando escapar alguma coisa.
Aí fiquei pensando em confessar a minha ignorância e perguntar. Andrea Doria, por
exemplo...
Renato - Ah, essa eu sei. Andrea Doria é a mesma coisa de Será: (com uma voz empostada)
um jovem que quer mudar o mundo e que está tudo horrível. Uma coisa que a Legião
sempre tem, uma menina da MTV colocou isso muito bem: parece muito um livro chamado
Os Meninos da Rua Paulo. Se lembra do Nemetcheque? Era um menino todo bonzinho,
queria fazer tudo direito e sempre tomava na cabeça. Ele acaba morrendo de pneumonia,
parece. Seria um personagem como ele que estaria cantando essas músicas. É um jovem
que acredita na virtude, em fazer as coisas corretamente, de acordo com as regras e fica
batendo contra a parede porque esse mundo não funciona.
26 out
Guto
Andrea Doria coloca bem isso, a questão da juventude, ter sonhos, fazer planos e esbarrar
neste mundo de hipocrisia, de mentira, do capitalismo, de consumismo e a gente fica sem
saber o que fazer. Andrea Doria é um navio mesmo. A idéia era fazer uma imagem meio E
La Nave Va 1 e coisas que talvez eu nunca me lembre porque entraram na letra. Na hora de
escolher o título da música fizemos um monte de mitologias para a coisa ficar legal. Eu me
lembro que Andrea Doria é um navio que afundou, a idéia era para ser: naufrágio. E no caso
Andrea Doria é uma menina. O que ligou a música toda foi uma conversa que eu tive com a
Luciana, mãe do Bi 2, e com a Tetê 3, no Crepúsculo de Cubatão 4. As duas estavam
reclamando da vida ser muito difícil e a Tetê estava meio deprimida. Fiquei pensando: "Que
coisa chata". Porque eram coisas que eu sentia também. Nem sempre adianta ser bom, ser
honesto.
26 out
Guto
Peguei essa situação inicial e fiz a música que é um diálogo entre uma menina que era cheia
de vida, alegria e planos e que sempre me deu força e que nesse instante é quem está
derrubada. Aí então sou eu falando para ela. Tem coisas que fala para mim e tem coisas que
falo para ela: "Às vezes parecia que de tanto acreditar em tudo que achávamos tão certo/
Teríamos o mundo inteiro e até um pouco mais". É aquela coisa dos planos, o mundo está
horrível mas nós vamos conseguir, vamos juntos etc. Aí no meio do caminho: "Mas percebo
agora que o seu sorriso vem diferente/ Quase parecendo te ferir". Quando você entra no
mundo adulto se não tomar cuidado deixa entrar o cinismo, fica "jaded" 5.
E a música é uma conversa em cima disso: "Olha, realmente a coisa é difícil, mas não é por
aí". Termina justamente falando: "A gente tem toda a sorte do mundo", sem especificar, que
bem ou mal a gente não é favelado, não morre de fome. "Sei que tenho sorte, como sei que
tens também". Uma das grandes temáticas das letras é exatamente essa, só que são sempre
pequenas situações, colocadas de um certo jeito que a pessoa interpreta de outra maneira.
Sempre tem uma historinha, uma mitologia.
obs. : NOTEM QUE NESSE TRECHO FINAL ELE CITA UMA PARTE DA LETRA DE " LAGE DOR":
"...JÁ tentei muitas coisas, de heroína a Jesus
Tudo que já fiz foi por vaidade
Jesus foi traído com um beijo
Davi teve um grande amigo ..."
28 out
Guto
Renato Russo: Uma que funciona muito melhor é "Eduardo e Mônica". Essa faz bastante
sentido. Mas também, foi baseada em pessoas que eu conhecia. Não tinha um Eduardo e não
tinha uma Mônica, mas existiam várias meninas que eu juntei para fazer a Mônica e vários
garotos para fazer o Eduardo. E#u achei interessante essa história de pegar um garoto
novinho, todo caretinha, pegando aquelas loucas, sabe? que ouvia Janis joplin. Aquela, foi
um bom trabalho porque é até usada como texto de escola. como exemplo de narrativa. A
entrada da música já define bem os personagens. Enquanto o eduardo está reclamando que
tem que acordar cedo para ir pro colégio, a Mônica ainda está no bar tomando um conhaue.
essa é uma das músicas que mais gosto
mais uma, agora: "ACRLIC ON CANVAS"
Leoni: E Acrilic on canvas? você pinta?
Renato Russo: Não. Aquilo lá eu peguei com minha irmã. tive a idéia de fazer uma música
que traçasse esse tipo de paralelo. Inclusive pela estrutura que fica a vida inteira repetindo:
(canta a linha de baixo). Esse tipo de base permite a você extrapolar. Pude escolher a
métrica que queria, pude fazer brincadeiras e tudo e depois inventar uma linha vocal. É para
a mesma menina de "Ainda é cedo". Perguntei pra minha irmã a lista de material de pintura
dela, peguei até a relação dos nomes das flores para o final. Tinha uma lista enorme e
escolhi os mais bonitos:"não te esqueças de mim" e "amor-perfeito".
Escrever a letra foi muito prazeroso, mas a parte musical não ficou tão rica. A parti daí
preferi trabalhar mais a parte musical e deixar as letras um pouco de lado. As pessoas até
falam que as letras do "Dois" são linda. Se eu quiser consigoescrever utilizando aquele
mesmo formato. Mas isso não me interessa mais.
29 out
Guto
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Mai uma..."A fonte"
Leoni: Eu gosto muito de delimitar, dar nomes, marcas, e você?
Renato Russo: Eu acho importante, mas não uso em todas porque gosto de deixar a música
bem em aberto. De poder ter Aquela situação de ouvir a música 10 anos depois,
indepependente da instrumentação ter envelhecido, a letra está escrita de uma maneira que
você vai se identificar. Tem letras que eu sei que se tivesse feito referências as coisas
daquela época hoje em dia ia precisar de nota de rodapé. O importante é falar sobre uma
situação que esteja acontecendo e falar sobre isso...É a diferença por exemplo entre
"Perfeição" e o "Haiti" do Caetano. Aquela música vai envelhecer. O que vai acontecer é que
talvez seja uma música histórica. Claro, ele está falando de certas situações ali que não vão
mudar tão cedo. Mas fala especificamente de Carandiru, dos 100 presos... Daqui a pouco as
pessoas vão ouvir e não vão ter o contato emocional com aquilo porque não é mais uma
coisa presente.
SERÁ.
LEONI: "será",para você, fala de quê?
RENATO: Deixa eu lembrar. Ah, é sobre a banda. É sobre o lance da gente ser de Brasília.
Foi a última música composta para o primeiro disco, tirando "por enquanto". Para o primeiro
disco você sabe, a gente já tem as músicas prontas. O segundo que é mais complicado. Pelo
que eu me lembre a letra falava de uma coisa específica, mas dando o maior número de
interpretações possível. Não sein nem se é o caso, porque o tempo vai passando, a música
vai crescendo e vou me lembrando de certas coisas. Às vezes eu acho que era , às vezes
acho que não era. Mas pela época, a gente ainda compunha as músicas de um jeito normal:
pegava o violão e fazia. Essa foi a primeira porque a gente ia gravar o disco. Aí eu com
minhas tradições rock'n roll, tinha que ter um single, tinha que ter a faixa de abertura do
disco. Geralmente a gente trabalha montando o disco todo. Já sabendo a ordem e tal, O
Dado tinha esse riff que a gente achava legal. Pelo que me lembro é algo assim: nós contra
o mundo. Tinha recadinhos para a agravadora: " tire suas mãos de mim..."
Leoni: Isso é pra gravadora? ( Risos)`, e a gravadora nunca soube disso?
Renato: Isso talvez tenha sido o impulso inicial. Me lembro que tinha essa coisa de contrato,
que passamos cinco meses para assinar o contrato. Naquela época aparecia um papel em
branco. Todo mundo saía assinando, fizemos o maior doce para assinar. Tanto é que fomos a
banda a sair logo com um LP.Vocês ainda tiveram música naquela coletâne, não foi? Com a
gente naõ. Chamaram para gravar um compacto, não quisemos, aí eles arrumaram o José
Emilio Rondeau e falaram: "Olha, vocês descem tudo que vai ser um LP. "Ah, LP a gente
grava"...Nessa música a gente estava falando da nossa geração, ainda estávamos vivendo
aquela coisa da abertura, da redemocratização. A música foi escrita em 83,84. Acho que era
um pouco em cima disso. Não lembro exatamente. Tentei usar uma linguagem que pudesse
ser compreendida daqui a 200 anos e que pudesse ser compreendida a 200 anos atrás
também.
16 nov
Guto
CONTINUANDO...
Então não tem nada específico nessa letra: " Nos perderemos entre monstros/ da nossa
própria criação/ serão noites inteiras..." Não tem nada específico, mas é exatamente sobre o
momento de Brasília naquela época. è sobre a dúvida, será que vai dar certo?
Leoni: Também : será que a banda vai dar certo?
Renato: Imagina! O Dado era pra ter entrado para o Itamarati, eu para o Banco do Brasil,
sei lá. Derrepente largamos tudo para seguir esse sonho maluco que é ter uma banda de
Rock' Roll.