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ARTIGO

O TEXTO JURÍDICO E A NORMA JURÍDICA NO


UNIVERSO DE PROPOSIÇÕES JURÍDICAS
Luiz Alberto Ferracini Pereira
Advogado criminalista
Prof. Mestre, em Educação com conteúdo em
Semiótica e suas estruturas linguísticas
"A pureza, em Kelsen, é da ciência do Direito e não do
Direito" (Lenio Luiz Streck)
Introdução

O leigo diz: mas doutor, não é assim que está escrito na Lei?
Não compreendo, dizem não matar alguém, as partes devem
guardar a boa fé nos contratos, a boa-fé se presume, a má fé
tem que ser comprovado, mas (...), não vejo assim cumprir o
que está ali escrito!

Como se nota, essas são as perguntas mais questionadas, no


dia a dia das pessoas comuns e, até mesmo, já ouvi, bacharéis
em direito e advogados assim me questionar.

Esclareço. Existe no universo jurídico de enunciados jurídicos


duas realidades distintas. O texto jurídico (aquilo que está
realmente ipso litteris ali mecanicamente lançados nos códigos
e a norma jurídica, que não é a mesma coisa, mas sim aquilo
que dizem os tribunais (interpretação como ato de vontade).
Esclarece-se que, quem dita o direito, não é o legislador, mas
sim os tribunais. O jurista, por sua vez, deve elaborar a
interpretação dos conceitos como um ato de de conhecimento,
pela validade ou não dos enunciados no universo jurídico
estrutural da linguagem.

O legislador, ao elaborar leis, o faz como numa fábrica de


salsichas, são tantas as misturas que dificilmente se chega a
saber o que ali foi empregado, qual foi a vontade do fabricante
desse embutido.

Como se nota, a partir da votação do texto de lei pelo


legislador, que na maioria das vezes não representa a vontade
de todos os eleitores que neles votaram, iniciam-se os
problemas do texto posto na vida social.

Os enunciados escritos pelo legislador, nos esclarece o saudoso


hermeneuta Carlos Maximiliano, “é um mau veículo do
pensamento[1]”, e, diante disto, o jurista se depara com
desencontros no sistema de decodificação da mensagem
legislada, reveladores de imprecisões acerca do correto teor e
significado do texto normativo.
Neste momento é que o jurista tem que se esforçar para buscar
em outra ciência, que não a do direito entendimentos para
resolver a obscuridade do texto normativo.

Alguns fenômenos textuais podem ser explicados não pelo


demonstram, mas por uma estrutura que não se manifesta
claramente, ficando encoberto ou implícito, daí as dificuldades.

Os fatos estampados no texto de lei, não pode tão somente ser


entendido pela hermenêutica jurídica, mas também pela
linguística, pela antropologia, pela filologia e pelo
estruturalismo da comunicação, pois possuem uma relação
interna com o texto produzido, de tal forma que não podem ser
entendidos isoladamente, mas apenas em relação aos seus
pares antagônicos com demais ciências do saber. Não pode
haver compreensão do texto de lei divorciado destas estruturas
básicas da compreensão humanas.

A realidade é chocante diante do texto posto de forma fria no


mundo social. Segundo Derrida, tudo na escrita para se bem
compreender tem que necessariamente ser desconstruído, não
destruído aquilo que foi posto pelo legislador, mas buscar seus
significantes na cadeia de significados, para boa compreensão
porque poucos sabem as palavras escritas e seus conceitos são
infinitamente repetidas, daí compreender-se o seu conceito e
aplicação, é daí que sai a norma jurídica, que na maioria das
vezes mesmo passando pelo tribunais superiores ainda não
obedecem as questões estruturais do texto de lei posto.
A norma jurídica já não representa o limite do discurso
jurídico. Além dessa visão micro do que seja o Direito,
prepondera agora sua análise a partir do ordenamento – que é
mais do que um simples coletivo de normas jurídicas.

Estas, aliás, só se entendem como jurídicas quando inseridas


num ordenamento[2].
No caso do texto escrito e do discurso, atribuo ao discurso as
qualidades positivas da originalidade, centro e presença,
enquanto que o texto de lei escrito é relegado a um plano
secundário. Desde a época de Platão, as palavras escritas foram
consideradas como uma mera representação do discurso: Isso
é o que Derrida chama de tradição logocêntrica do pensamento
ocidental.

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