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HERMENÊUTICA:
DA INTERPRETAÇÃO /INTEGRAÇÃO
À PERSPETIVAÇÃO HOLÍSTICA
Sumário:
Parte I.Aplicação do Direito e Hermenêutica
Parte II.Para uma Hermenêutica: entre o passado
e o futuro
Parte III.Hierarquias hermenêuticas
Parte IV.Conceitos Basilares
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Parte I
Aplicação do Direito e
Hermenêutica
Sumário:
1 .Aplicação do Direito
2 .HermenêuticaJurídica
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1 .Aplicação do Direito
O Direito é uma ciência prática. Serve antes de
mais para julgar litígios, e, mesmo antes disso, para
regular a vida normal em sociedade, evitando-os com
regras razoáveis.
De qualquer forma, a perspetiva do litígio
sobressai, porque é a mais extrema. A imagem clássica
do Direito como deusa com uma balança revela-nos o
mesmo que algumas simbologias modernas, que
representam o Direito sob a forma de triângulos. Como
é o caso da simbologia de Le Corbusier no palácio da
Justiça de Chandigarh, na Índia. Têm razão. A deusa
pesa o que está em dois pratos. O juiz também é uma
espécie de vértice do triângulo. Os atores da Justiça
são, desde sempre, os litigantes (as partes) e o juiz.
São três, como os ângulos e os lados do triângulo.
Não se pense, porém, que esta imagem remete
para a velha dualidade que separa a razão teórica da
razão prática. Retomando Gadamer, Dworkin e Lenio
Streck, sabemos que o Direito tem profunda dimensão
interpretativa e que, a partir do constitucionalismo
contemporâneo, “resgata o mundo prático com a ajuda
dos princípios”, como diria este último. Embora,
evidentemente, a principiologia haja sido usada para
muito subjetivismo e falta de técnica nos últimos anos, a
culpa não é sua, mas dos seus maus utilizadores...
Os direitos só existem efetivamente se se puderem
pedir em tribunal. De nada me adianta ter direito ao
ensino se não tenho vaga na Universidade nem meios
de fazer valer o meu direito. Não posso ter direito à
habitação se não posso comprar uma casa, nem sequer
arrendar uma, por falta de dinheiro. Contudo, isso não
quer dizer que esses direitos, aliás constitucionais, não
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2 .Hermenêutica Jurídica
Em termos muito gerais, hermenêutica é a
ciência (ou arte, ou técnica, ou todas elas) da
interpretação, seja ela a interpretação literária, das
artes plásticas, ou de Direito. A hermenêutica jurídica
tem, assim, muito de comum com a hermenêutica em
geral.
Engloba, classicamente, na banda do Direito,
além da interpretação propriamente dita, a integração
(resolução do problema das lacunas) e a aplicação das
normas jurídicas no tempo e no espaço. A expressão
deriva de Hermes, o mensageiro dos deuses na
mitologia grega. Mas é mais que isto, muito mais.
Desde pelo menos Gadamer que podemos dizer que a
121 STRECK, Lenio Luiz – O que é isto – decido conforme minha
consciência?, Porto Alegre, Livraria do Advogado, 2012.
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Sumário:
1 .Dos Elementos de Savigny a uma Hermenêutica
holística
2 .OTexto – Interpretação literal/gramatical
3 .Os Contexto e os Intertextos. O Tempo. Elemento
histórico
4 .Os Contexto e os Intertextos. O Espaço. Elemento
sistemático
5 .O tópico axiológico-normativo. O elemento racional
6 .O resultado da interpretação
7 .Teleologia hermenêutica
8 . Interpretações extensiva, interpretação e corretiva
9 . Interpretação enunciativa: visão geral e argumentos
10 .Hermenêutica no Código Civil
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1 .Dos Elementos de Savigny a uma
Hermenêutica holística
Tradicionalmente, ensinava-se a hermenêutica jurídica
estritamente como interpretação (e muitas vezes até
apenas sob essa designação), e mesmo hoje em dia
continua a insistir-se nos elementos interpretativos de
Savigny, que morreu em 1861. Porém, muita água
correu sob as pontes da Hermenêutica desde então...
A Hermenêutica não é uma secção separada,
dentro do Direito, bem distante das preocupações
quotidianas, mais prosaicas. Pelo contrário. Com esse
nome ou com outro (ou com nenhum: porque se faz
hermenêutica mesmo sem se saber), ela é um vetor
fundamental atravessando quotidianamente todo o
Direito. Assim, na juridicidade em geral encaramos
sobretudo uma razão hermenêutica123, tópica,
problemática, e, naturalmente, judicialista (embora com
o maior cuidado para se não cair no subjetivismo de um
direito livre, sob capa de simples ativismo judicial – ou
nem isso) e pluralista. A nossa interpretação não é uma
tabela interpretativa com sinais de uso, mas uma
problematização ágil, que põe em causa velhos mitos
todos os dias.
Como escreveu Lenio Streck, desfazendo mitos,
“(...) o pensamento jurídico dominante continua
acreditando que o jurista primeiro conhece (subtilitas
inteligendi), depois interpreta (subtilitas explicandi), para
só então aplicar (subtilitas applicandi); ou, de forma
mais simplista, os juristas – inseridos nesse imaginário
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5 .O tópico axiológico-normativo.
O elemento racional
A análise interna da norma centra-se
essencialmente na captação da razão de ser da norma.
Esta ratio legis, como temos vindo a fazer pressentir, é
mais que a vontade do legislador ao emiti-la, mais que a
finalidade que com ela se propôs. Parece que há, aqui,
que acolher a teoria objetivista, reconhecendo que a
regra tem (ou pode ter) vida própria, um princípio ativo e
evolutivo capaz de afeiçoar um sentido útil da norma a
novos desafios, mesmo jamais sonhados pelo seu
legislador concreto. Este lançaria a semente à terra da
ordem jurídica, sendo certo que, por um mecanismo
cibernético, a planta-norma daí decorrente seria capaz
de encontrar (pelo menos em muitos casos — e as
exceções serão as de normas em desuso, caducas,
inefetivas, etc.) as metamorfoses da sua seiva, e, logo,
da sua própria compleição, adequadas às
transformações do solo, do clima, etc..
É pelos fins últimos que se deve aferir o conteúdo da
norma. Em suma: há fins mais imediatos, que acabam
por ser meios de fins mais profundos. Ora a descoberta
de uma ratio legis não pode quedar-se pela deteção de
simples prescrições concretas, fins, sem dúvida, mas
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6 .O resultado da interpretação
A razão de ser da norma é, pois, teleologia de
diversos níveis, mas encontra-se também em diálogo
com o concreto. E assim se fecha o círculo
hermenêutico-valorativo.
A partir de uma vontade de Justiça a aplicar a um
conjunto de situações se elabora a norma, e assim se
impõe o comando, com a mesma vontade se aborda a
norma, para a compreender nos meios que ela
disponibiliza nessa senda, e descoberta em cada caso
a ratio legis, há que aplicar os meios normativos dessa
justiça assim feita ato. Ora, nesta descoberta-criação,
não há apenas momentos analíticos e cognitivos.
7 .Teleologia hermenêutica
A interpretação-criação pode funcionar, grosso
modo, como sintonia, complemento, restrição,
aperfeiçoamento ou extrapolação face à norma. Desde
a conformação quase literalista até uma hermenêutica
interventiva.
Afirmou o grande civilista Manuel de Andrade, no
seu clássico Sentido e Valor da Jurisprudência: “Nem
está escrito que ao mundo haja de vir grande mal [...] só
por haver certa e comedida possibilidade de, pelo
trâmite da interpretação, se emendarem os erros de
quem legisla e se resistir aos desmandos e abusos do
Poder.”125
O caso limite é o da Lei injusta. E Lex injusta non
est lex. Porém, é complicado determinar quando esta
o é. E, sendo, há ainda que ultrapassar a teoria do
mal menor...
Para além a resistência interpretativa, da recusa
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126 MOTA PINTO, Carlos Alberto da — Teoria Geral do Direito Civil, 3.a
ed. actualizada, 1.ª reimp. Coimbra, Coimbra Editora, 1986, p. 163, a
propósito do art.º 2162 C.C. (cálculo da legítima).
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tempo,
Lex posterior derogat priori — A lei ulterior derroga a
anterior.
Exceptio est strictissimae interpretationis — As
exceções devem interpretar-se restritivamente. Ou,
pelo menos, não extensivamente. Já vimos supra
alguns problemas desta máxima, designadamente à
luz do art. 11.º CC.
Quod abundat non viciat /nocet — O que é supérfluo
(e até erróneo, para além do essencial) não
prejudica o essencial, que se mantém. Por isso
existe o princípio da redução dos negócios jurídicos.
E, embora seja um conhecidíssimo princípio de
Direito Penal, tem pleno cabimento em qualquer ramo
de direito o princípio do In dubio pro reo — na dúvida,
julga-se a favor do demandado, daquele a quem a
Justiça (ou o vizinho) demanda em Justiça. Do mesmo
modo,
In dubio favores sunt amplianãi et odiosa
restringenda: na dúvida, devem-se preferir as
interpretações beneficiadoras e restrin- gir as
prejudiciais.
In dubio melior est condido possidentis — Porque o
Direito não é o primeiro repartidor das coisas, mas
aceita (em princípio) a distribuição social, presume-se
que o possuidor é proprietário, e procura-se que tudo
fique como está, salvo melhor prova. É o que em sede
de Administração se designa pelo princípio Quietta non
movere. E na mesma senda de não subverter o mundo,
se presume que o que foi feito (contrato, testamento,
etc. — até a lei) o foi bem. Há presunções que, no geral,
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