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Análise jurídica ambiental dos fatos:

“Verão de extremos: por que Brasil vive picos de chuvas e calor em 2022”

Hiperlink:
https://www.bbc.com/portuguese/brasil-60213638

1) Resumo da Notícia:

A notícia em questão versa sobre os fenômenos climáticos extremos vivenciados no


atual verão, o qual contou com ondas de calor e chuvas extremas em diversos estados
brasileiros e também em países vizinhos. Exemplificando o cenário, a reportagem da BBC
News Brasil cita os deslizamentos ocorridos no Brasil em razão das fortes chuvas e suas
consequências - como a morte de ao menos 34 pessoas na semana passada no estado São
Paulo; a morte de mais de 20 pessoas e o quase um milhão de desabrigadas na Bahia no fim
de dezembro e a morte de mais de 20 pessoas e a entrada em estado de emergência de 340
municípios em Minas Gerais dias depois -, bem como o calor extremo que atingiu municípios
do Rio Grande do Sul como São Luiz Gonzaga, cuja temperatura ultrapassou 42 graus - a
média do verão no município é de 27 graus.

Em seguida, a reportagem afirma que esses extremos do verão de 2022 chamaram


atenção dos meteorologistas como, por exemplo, José Marengo, diretor do Centro Nacional
de Monitoramento e Alertas de Desastres Naturais (Cemaden), entrevistado pela BBC News.
Nessa entrevista, Marengo forneceu explicações sobre a ocorrência desses eventos
climáticos extremos, apontando o La Niña - um fenômeno atmosférico complexo, em que as
temperaturas das águas na superfície do Oceano Pacífico sofrem um resfriamento - e o
aquecimento global como suas causas. Segundo o meteorologista, a umidade que sai da
Amazônia é responsável pelas chuvas em boa parte do continente, o La Niña afeta os
corredores de umidade da Amazônia, antecipando a chegada de chuvas nas regiões Norte,
Nordeste e Sudeste, o que resulta em chuvas demais, e isso faz com que falte chuva na
região Sul, onde o clima fica seco e se forma uma espécie de "bolha seca", dentro da qual os
corredores de umidade não conseguem penetrar e o solo vai ficando mais quente, o que
colabora para aumentar ainda mais a temperatura, tendo sido essa a razão de muitos
municípios da região terem registrado calor recorde. Na sequência, o entrevistado destaca
que a intensificação de fenômenos climáticos, como o La Niña, é provocada pelo
aquecimento global, ou seja, as mudanças climáticas causadas pela atividade humana. Nas
palavras dele "É o aquecimento global que torna o clima muito mais variável. As projeções
mostram grandes áreas do mundo com aumento na frequência do calor. Existe um aumento
de eventos de chuvas extremas, em que o volume de um mês inteiro cai em apenas um ou
dois dias" e, por isso, os extremos observados no Brasil se repetem em outras áreas do
planeta, como América do Norte, Europa e Austrália, onde ondas de calor provocaram
incêndios florestais de grandes proporções.
A matéria, então, afirma que as consequências econômicas desses extremos são
grandes e, justificando essa afirmação, cita algumas delas como exemplo: os reflexos da
estiagem nas lavouras; a crise hídrica e a crise enérgica; e eventos decorrentes destas como
a morte de mais de 5 mil frangos em granjas do Mato Grosso do Sul devido à falta de energia
e o desabastecimento de água, sobretudo nas periferias das cidades que viveram ondas de
calor como Porto Alegre, devido a picos de consumo.

E, por fim, conclui com a ajuda de Marengo que além de uma ação global pelo clima -
com redução de emissões e desmatamento para controlar o aquecimento global -, os
governos precisam investir em medidas de adaptação, como proibir construções em zonas
de risco e investir em infraestrutura para lidar com fenômenos extremos.

2) Tema Atual e Relevante:

A notícia aqui trabalhada é relevante e atual em virtude de adotar como temática


central os eventos climáticos extremos ocorridos recentemente no país. Isso porque ao
explicar as razões para ocorrência desses eventos, a matéria adentra à discussão das
mudanças climáticas como produto do aquecimento global, ou como afirmado na própria
reportagem “as mudanças climáticas causadas pela atividade humana”. E discutir tal
assunto é de extrema importância nos tempos atuais, tanto no Brasil quanto no cenário
internacional.

No Brasil, esse debate é elevado a um patamar de suma importância em razão não só


dos eventos climáticos extremos abordados na matéria em questão. Entre as outras razões
que o colocam em voga estão o desmatamento recorde que vem ocorrendo na Floresta
Amazônica1, a iminência do julgamento no STF acerca da tese do marco temporal das terras
indígenas2, a tramitação do projeto de lei que regulamenta a mineração nessas mesmas
terras (PL 191/2020)3 e a possibilidade de entrada do país na Organização para a Cooperação
e Desenvolvimento Econômico (OCDE).

Já no plano internacional, a relevância desse assunto é evidenciada pela realização


anual da Conferência das Partes (COP), encontro que reúne 197 nações para discutir as
mudanças climáticas e como os países pretendem combatê-las. A COP é parte da Convenção
Quadro da ONU sobre Mudanças Climáticas - um acordo internacional assinado por
praticamente todos os países e territórios no mundo com o objetivo de reduzir o impacto da
atividade humana no clima - e teve sua vigésima sexta edição (COP26) na Escócia em
novembro passado. Tal destaque se justifica, considerando que efeitos catastróficos das
mudanças climáticas têm atingindo as mais diversas regiões do globo terrestre. Além disso,

1
Desmatamento na Amazônia em 2021 é o maior dos últimos 10 anos disponível em:
https://www.cnnbrasil.com.br/nacional/desmatamento-na-amazonia-em-2021-e-o-maior-dos-ultimos-10-
anos/
2
O que é o marco temporal sobre terras indígenas: entenda o que está em jogo no julgamento do STF
disponível em: https://g1.globo.com/politica/noticia/2021/08/27/o-que-e-o-marco-temporal-sobre-terras-
indigenas-entenda-o-que-esta-em-jogo-no-julgamento-do-stf.ghtml
3
Inteiro teor do Projeto de Lei disponível em:
https://www.camara.leg.br/proposicoesWeb/prop_mostrarintegra;jsessionid=node01ef0veo3rwxosp6jx3r2yp9
g35826935.node0?codteor=1855498&filename=PL+191/2020
a eclosão da atual Pandemia veio alavancar ainda mais a necessidade de se refletir acerca
das relações entre homem e meio ambiente.

3) Relação com a Disciplina:

Através da notícia em questão, podem ser observados diversos tópicos abordados


em aula. A identificação sensorial do verão de 2022, por exemplo, como um dos mais
quentes pela população do sul do país e, paralelamente, como um dos mais chuvosos pela
população do nordeste e sudeste perfazem o senso comum. O mesmo também pode ser
afirmado quanto à percepção dessas populações a respeito dos prejuízos econômicos
causados pelos eventos catastróficos, ou nomeadamente, pela estiagem no Sul e pelos
deslizamentos e alagamentos na Bahia e no Sudeste.

Já o conhecimento científico é amplamente identificado na entrevista do


meteorologista José Marengo, permitindo ao mesmo efetuar uma explicação detalhada das
causas dos eventos climáticos percebidos pelo senso comum, a qual envolveu o La Niña e o
aquecimento global. Em face deste último, surge o negacionismo - conceito também aludido
em nossas aulas - ou mais especificamente o negacionismo climático 4 , o qual consiste em
manifestações que negam esse conhecimento científico e são efetuadas por indivíduos que
não creem no aquecimento global ou não acreditam que o homem tenha algum tipo de
interferência no aumento da temperatura da superfície terrestre e, em consequência, não
tem qualquer responsabilidade a respeito mudanças climáticas e dos eventos extremos que
decorrem delas. Inicialmente, uma tendência política de nicho, o negacionismo climático se
tornou, por meio do mundo cada vez mais globalizado e de uma proliferação de líderes
céticos quanto ao clima - por exemplo, o ex-presidente dos EUA, Donald Trump descreveu a
mudança climática como uma “farsa”, uma força global.

O conhecimento lógico, por sua vez, pode ser discernido na exemplificação tanto dos
deslizamentos provocados pelas das fortes chuvas na Bahia e no sudeste e dos recordes de
temperatura registrados no sul, permitindo concluir que o verão de 2022 foi um “Verão de
Extremos”, quanto na exemplificação dos prejuízos econômicos resultantes desses eventos
climáticos permitindo concluir que “as consequências econômicas desses extremos são
grandes”. Ainda, a associação entre os conhecimentos lógico e científico, possibilitou, ao fim
da matéria, a proposição de ações que visem a reduzir o aquecimento global e por
consequência a ocorrência de eventos climáticos extremos, bem como de medidas de
adaptação que visem a reduzir os impactos desses eventos.

Além da relação com os conceitos já mencionados em aula, a notícia também


encontra relação com a Disciplina de Direito Ambiental. Isso porque em sua redação, a
notícia aponta que os eventos climáticos extremos ocorridos no verão de 2022 têm entre
suas causas o aquecimento global, isto é, as mudanças climáticas causadas por atividade
humana. E, a partir disso, podemos concluir logicamente, que para reduzir a ocorrência
desses fenômenos climáticos catastróficos é necessário coibir a ação nociva do homem
sobre o meio ambiente, papel que cabe ao Direito Ambiental.

4) Análise Crítica:
4
Negacionismo climático: o que é, argumentos e consequências disponível em:
https://fia.com.br/blog/negacionismo-climatico/
A notícia vinculada pela BBC News Brasil, intitulada “Verão de extremos: por que
Brasil vive picos de chuvas e calor em 2022” fez jus a esse título ao elencar uma série de
eventos climáticos extremos ocorridos no verão corrente e explanar as causas desses
eventos, deixando patente que é ação perniciosa do homem sobre o meio ambiente que
gera o aquecimento global, que, por sua vez, resulta em eventos climáticos catastróficos.
Logo, se quisermos evitar a ocorrência desse tipo de evento e suas graves consequências
para a economia e saúde, são imprescindíveis ações no sentido de reduzir as emissões
antrópicas e estimular o desenvolvimento sustentável.

Nesse cenário, o pacto climático de Glasgow, acordo firmado entre quase 200 nações
na já mencionada COP26, é destaque no âmbito internacional. Nas palavras do presidente
da COP26 "Sair da COP26 com o pacto climático de Glasgow foi um momento histórico,
demonstrando o compromisso compartilhado do mundo em tomar ações climáticas reais"5.
Todavia, como prenuncia outra matéria da BBC News Brasil se “O pacto de Glasgow foi uma
vitória para o clima? Só o tempo dirá 6”, pois embora o compromisso fechado tenha sido uma
conquista, só seu cumprimento pelas partes representará uma vitória para o clima. E este já
enfrenta as primeiras barreiras no potencial fracasso do presidente americano, Joe Biden,
em conseguir a aprovação no Congresso do seu projeto de lei Build Back Better ("reconstruir
melhor", em tradução livre), o que afetaria significativamente a capacidade dos Estados
Unidos de cumprir as rígidas metas climáticas com as quais se comprometeu.

No âmbito nacional, o cenário é ainda menos promissor, pois paralelamente à


ocorrência de eventos climáticos extremos como os aludidos na notícia em tela, o
desmatamento persiste atingindo números recordes, o Direito Ambiental pátrio sofre um
processo de enfraquecimento e a fiscalização ambiental é reduzida. Nesse sentido, a eclosão
da atual Pandemia motivou o governo a tomar uma série de medidas de flexibilização de
regras de proteção ambiental 7, o que tende a se intensificar ainda mais após a pandemia em
prol de uma reativação econômica nacional. Além disso, aceitação da tese do Marco
Temporal pelo STF e a aprovação da PL191/2020 pelo Congresso ameaçam agravar ainda
mais a situação. E é neste cenário que o Brasil inicia as negociações acerca de sua adesão à
OCDE, na qual para ser aceito é necessário estar alinhado a uma série de princípios que
regem os países membros, entre os quais estão a promoção do crescimento econômico
sustentável, o comprometimento com o combate às mudanças climáticas, ao desmatamento
e à perda da biodiversidade8.

Frente a essa exposição dos cenários nacional e internacional no que se refere a


tomada de medidas em prol de reduzir os impactos negativos da ação humana sobre o meio
ambiente, é forçoso aguardar o êxito no cumprimento do acordo climático de Glasgow e que
isso abra caminho para o estabelecimento de novos acordos até mais ambiciosos. Já na
política ambiental nacional se faz necessário uma mudança drástica de orientação, de seu
5
Mudanças climáticas: as nuvens que pairam sobre as promessas feitas na COP26 disponível em:
https://www.bbc.com/portuguese/internacional-59820727
6
O pacto de Glasgow foi uma vitória para o clima? Só o tempo dirá disponível em:
https://www.cnnbrasil.com.br/internacional/o-pacto-de-glasgow-cupula-clima-cop-onu-vitoria/
7
The COVID-19 pandemic as an opportunity to weaken environmental protection in Brazil disponível em:
https://www.sciencedirect.com/science/article/pii/S000632072100046X?dgcid=raven_sd_aip_email#!
8
OCDE percebeu dificuldade do Brasil para avançar contra desmatamento, diz professor disponível em:
https://www.cnnbrasil.com.br/business/ocde-percebeu-dificuldade-do-brasil-para-avancar-contra-
desmatamento-diz-professor/
atual enfraquecimento para um enrijecimento. O que deve se iniciar com o adequado
enfrentamento da crise gerada pela atual pandemia, já que segundo David R. Boyd 9
“cientistas alertam que o desmatamento, a agricultura industrial, o comércio ilegal de
animais selvagens, as mudanças climáticas e outros tipos de degradação ambiental
aumentam o risco de futuras pandemias”, tornando claro que enfraquecer a legislação
ambiental não é a postura correta a ser adotada nesse enfretamento. Passar pela rejeição à
tese do Marco Temporal pelo STF e pela não aprovação, no Congresso, da lei que
regulamenta a mineração em territórios indígenas, haja vista que a cultura indígena é
sustentável e resulta em proteção ambiental nas áreas ocupadas por esses povos. E, por fim,
prosseguir evoluindo o Direito Ambiental nacional no sentido de dar maior proteção ao meio
ambiente, bem como intensificar a fiscalização de seu cumprimento até que o país possa
atingir, nesse aspecto, as condições necessárias à sua entrada na OCDE.

9
Relator Especial das Nações Unidas para os direitos humanos e o meio ambiente, na declaração intitulada:
"COVID-19:" Não é uma desculpa "para reverter a proteção ambiental e a fiscalização", 2020.

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