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Análise Jurídico-Ambiental da Tragédia de Petrópolis

“Petrópolis: tragédia é reflexo de ocupação desordenada, dizem


especialistas”

Hiperlink:
https://noticias.uol.com.br/cotidiano/ultimas-noticias/2022/02/17/petropolis-ocupacao-
desordenada-morros-tragedia.htm

1) Resumo da Notícia:

Especialistas ouvidos pelo UOL apontam que a tragédia ocorrida no último dia 15 em
Petrópolis na Região Serrana do Rio, a qual provocou mais de 200 mortes, é reflexo da
ocupação desordenada na cidade. Segundo eles, a catástrofe ambiental foi intensificada
pelas construções irregulares concentradas nos morros em um município montanhoso e sem
políticas habitacionais eficazes para minimizar a presença da população nesses locais.
Corroborando essa opinião, a reportagem cita um estudo elaborado pela Defesa Civil em
2017, que constatou a existência de 15 mil imóveis em áreas de risco de destruição na
cidade, o equivalente a até 47 mil pessoas.

Afirmando que o cenário é de desequilíbrio ambiental e urbanístico, o professor Luiz


Cesar Ribeiro, coordenador do Observatório das Metrópoles, explica que com um setor
econômico que produziu desenvolvimento, Petrópolis atraiu muita gente atrás de emprego,
ao passo que a existência de morros e montanhas, onde a propriedade não estava
constituída, favoreceu sua ocupação irregular. E disso resultou que essas áreas, mais
acessíveis para população de baixa renda, constituem ocupações de risco mais suscetíveis a
desabamentos e deslizamentos quando ocorrem esses eventos climáticos.

Já o arquiteto e urbanista Frederico Martins, que tem mais 30 anos de atuação


profissional em Petrópolis, disse que embora essa grande quantidade de chuva causaria
danos em qualquer cidade do país, a tragédia não teria a mesma dimensão se o poder
público tivesse feito um trabalho de prevenção e evacuação nessas áreas com ocupações
irregulares. Enquanto o vereador Yuri Moura (PSOL), o qual é Professor de História
especializado em gestão de cidades e planejamento urbano, defende uma ação mais efetiva
voltada à política habitacional, pois nas palavras dele: "Existem locais com até quatro casas
em áreas de risco. Mesmo assim, ainda não conseguimos criar uma política de moradia que
não se resuma apenas aos conjuntos habitacionais, que levam até dez anos para ficar
prontos. A especulação imobiliária faz com que tenhamos espaço para construir casa para o
rico, mas não tem casa para o pobre."

2) Tema Atual e Relevante:

A notícia em questão aborda uma catástrofe climática recentemente ocorrida no


país, destacando a contribuição da ocupação irregular do meio ambiente para sua
ocorrência. Dessa forma, ela se releva atual e relevante ao dialogar com temáticas de cunho
ambiental e social simultaneamente.

Nesse sentido, a partir da reportagem, podem ser efetuadas reflexões acerca da


retirada da cobertura vegetal e da ocupação irregular das Áreas de Preservação Permanente
(APPs) definidas na Lei nº 12.651 de 2012 - popularmente conhecida como Código Florestal.
E, paralelamente, a ocupação dessas mesmas áreas suscita reflexões acerca da enorme
desigualdade social presente no país, do déficit habitacional dela resultante e da
concretização do direito fundamental de habitação constitucionalmente garantido.

Tais temas são de suma importância frente aos direitos à moradia e ao meio
ambiente ecologicamente equilibrado constitucionalmente estabelecidos. Além disso, tais
discussões se tornam ainda mais necessária em face da Lei 14.285 de 2021, que flexibilizou o
Código Florestal, permitindo aos governos municipais definir as Áreas de Proteção
Permanente (APP) em cursos d’água em áreas urbanas e decidir sobre a legalização de
ocupações irregulares nas (APPs) às margens de rios que cortam as cidades.

3) Relação com a Disciplina:

Essa relação é evidenciada pelo fato de o Direito Ambiental - enquanto ramo do


Direito que tem por objeto regulamentar a forma como a sociedade vai utilizar os recursos
ambientais - constituir parte fundamental do saneamento jurídico ensejado pela situação de
ocupação antrópica das margens dos cursos d’água, topos de morros, montanhas e serras
que acarreta prejuízos ao meio ambiente e eleva o risco de enchentes.

No cenário de ocupação irregular das faixas marginais de cursos naturais de água


ocorre a retirada da mata ciliar, a qual é responsável por promover a qualidade das águas -
geralmente mananciais abastecedores de diversas populações - e manter a biodiversidade
no local ao mesmo tempo em que preserva as populações dos efeitos naturais das
enchentes. Em decorrência disso ocorre a poluição da água, a qual embora comumente
classificada como recurso natural renovável, pode ser levada a escassez pelo uso
indiscriminado e manejo inadequado. Desse modo, cabe ao Direito Ambiental coibir a
retirada dessa vegetação, exercendo seu papel de encontrar um ponto sustentável da ação
humana sobre as águas a fim de preservar esse recurso natural essencial à sobrevivência e
bem estar tanto das gerações atuais quanto das futuras.
Entretanto, a questão apresentada na notícia não se esgota no Direito Ambiental e
nem consiste em uma mera divergência entre as visões antropocêntrica, biocêntrica e
ecocêntrica apresentadas em aula, mas sim perpassa questões sociais com as quais esse
ramo do Direito comumente se interrelaciona.

4) Análise Crítica:

Primeiramente, concordo com os especialistas entrevistados pela UOL, pois ainda


que danos fossem inevitáveis diante da grande quantidade de chuvas que atingiu Petrópolis,
estes não teriam atingido a dimensão de uma tragédia caso não houvesse uma expressiva
ocupação irregular de áreas na cidade. Tendo sido, esta última, demonstrada através do
levantamento feito pela MapBiomas com base em imagens de satélite e dados do IBGE, o
qual constatou que as áreas ocupadas de forma irregular mais que dobraram em Petrópolis
nos últimos 35 anos atingindo um crescimento de 108,81% dos chamados aglomerados
subnormais, classificação do IBGE para áreas como favelas, invasões e loteamentos
irregulares. Tal forma de ocupação reduziu a importante mata ciliar dos rios Quitandinha,
Palatino e Piabanha que cortam o munícipio, os quais segundo estudo feito em 2019 por
pesquisadores da UFRJ foram "estrangulados", tendo perdido suas ilhas fluviais, ficado
menos sinuosos e tido até 56% de sua vegetação original suprimida.

Resta evidente, a partir do exemplo de Petrópolis, que as ocupações irregulares


consistem em um problema complexo, que demanda a participação do Direito Ambiental em
sua resolução, sobretudo na medida em que atinge significativamente os solos marginais dos
mananciais de água, permitindo a degradação desse recurso natural, reduzindo a
biodiversidade no local e ainda agravando os efeitos de enchentes. Intuindo atender a essa
demanda, a legislação ambiental estabeleceu, por meio do Art.4º do Código Florestal, as
Áreas de Preservação Permanente (APPs) nas quais proíbe edificações e determina a
destinação florestal, estando entre elas as faixas marginais de qualquer curso natural d’água
com larguras definidas em valores proporcionais à largura de cada curso. Todavia, a
crescente ocupação dessas áreas denuncia que não há efetiva fiscalização do cumprimento
da legislação e, ademais, a alteração efetuada pela Lei 14.285 de 2021 (já mencionada no
item 2 deste trabalho) ameaça reduzir ainda mais sua eficácia. Logo, a existência dessa
legislação protetora das áreas marginais é insuficiente para que Direito Ambiental cumpra
seu papel de coibir a ocupação dessas áreas e assim proteger a qualidade dos mananciais de
água bem como sua biodiversidade, sendo para isso essencial aumentar o rigor tanto das
disposições da lei quanto da fiscalização de seu cumprimento.

No entanto, a solução desse problema, conforme dito no item anterior, perpassa


questões sociais com as quais o Direito Ambiental corriqueiramente se interrelaciona. Nesse
sentido, antes de exigir das populações mais pobres o dever de não promover a ocupação
irregular e a consequente degradação ambiental e de incutir-lhes uma visão de
interdependência entre seres humanos e meio ambiente, é necessário dar a eles condições
de exercer o direito à moradia de forma adequada, o que demanda uma redução da
desigualdade social que, por sua vez, exige compreensão da interdependência mencionada
por parte das classes mais abastadas. Embora, reassentar todas as pessoas morando em
áreas de risco no Brasil possa ser utópico, partindo novamente do exemplo de Petrópolis, é
evidente que os investimentos em planejamento urbano e socioambiental que deixam de
ser feitos pelo poder público e pela solidariedade da sociedade, em determinado momento
serão necessários para corrigir problemas atuais e futuros. Entretanto, nesse intervalo há
sepultamento dos cursos d’água urbanos, diminuição na qualidade de vida e perdas
humanas.

Em suma, a resolução desse problema principia pela compreensão da


interdependência que há entre seres humanos e meio ambiente por parte do poder público
e das camadas mais favorecidas da sociedade, a fim de que, em razão disso, invistam na
concretização do direito à moradia para as populações pobres. Devendo na sequência, o
Direito Ambiental, através de regulamentação eficiente e fiscalização efetiva, possibilitar que
o Poder Público e a coletividade, inclusa as pessoas mais humildes beneficiadas com moradia
adequada, exerçam seu dever de defesa e preservação ambiental objetivando dar
concretude ao direito que todos têm, conforme Art. 225 da CF, ao meio ambiente
ecologicamente equilibrado.

Links para os textos de apoio utilizados:

I. Ocupação irregular de áreas em Petrópolis mais do que dobrou entre 1985 e 2020
disponível em:
https://g1.globo.com/rj/regiao-serrana/noticia/2022/02/23/ocupacao-irregular-de-
areas-em-petropolis-mais-do-que-dobrou-entre-1985-e-2020.ghtml

II. Rios de Petrópolis foram 'estrangulados', perderam ilhas fluviais e até 56% da sua
cobertura vegetal, aponta estudo disponível em: https://g1.globo.com/meio-
ambiente/noticia/2022/02/22/rios-de-petropolis-estrangulados-perda-cobertura-
vegetal-aponta-estudo.ghtml

III. Petrópolis perdeu pelo menos R$ 665 milhões no PIB com tragédia, diz Firjan
disponível em: https://www.cnnbrasil.com.br/business/petropolis-perdeu-pelo-
menos-r-665-milhoes-no-pib-com-tragedia-diz-firjan/

IV. Prefeitura cria Painel com recursos recebidos e gastos após tragédia em Petrópolis
disponível em: https://soupetropolis.com/2022/02/27/prefeitura-cria-painel-com-
recursos-recebidos-e-gastos-apos-tragedia-em-petropolis/

https://exame.com/bussola/tarifa-zero-e-carbono-zero-marica-tem-onibus-hibridos-
e-com-energia-limpa/

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