Você está na página 1de 3

“La Vita é Bella” estreou nas salas de cinema em 1997 e foi realizado pelo cineasta Roberto

Benigni que desempenhou igualmente o papel de personagem principal (Guido). Este filme foi
alvo de críticas e de aplausos ao longo dos anos. Se alguns críticos consideram que falta a este
filme a seriedade exigida pelo tema abordado, ou seja o terror do holocausto outros descordam.
O drama está lá, e a comédia aparece como uma forma de denunciar e até de sobreviver a esta
realidade. Por alguma razão ganhou em 1998 o óscar de melhor filme estrangeiro e Roberto
Benigni também foi premiado com o óscar de melhor Ator e Melhor banda sonora, composta e
executada por Nicola Piovani.

A frase de Nietzshe “Quem tem um motivo para viver pode enfrentar todas as
coisas.” resume de forma perfeita o argumento do filme. A vida e o mundo podem estar cheios
de adversidades e podemos ter de enfrentar 1001 situações que nos provocam sofrimento,
contudo temos de ser resilientes e temos de encontrar formas de sobrevivência e por vezes a
imaginação, o pensamento e as pessoas são a forma de manter viva a vontade de viver. Para
além dos homens que ainda se perseguem uns aos outros, que ainda descriminam agora
combatemos outro inimigo, um vírus que nos leva a reinventar a vida, e a proteger os mais
vulneráveis para que consigamos ser livres outra vez. Guido lutou por essa liberdade e utilizou
as armas que tinha, o humor e a imaginação.

Após uma reflexão sobre o filme consegui distinguir no filme três histórias . A
história de amor entre Guido Orefice (Roberto Begnini) e (Dora Nicoletta Braschi) e de amor
maternal/paternal pelo filho Giosué; a história real dos regimes fascistas, da 2ª guerra mundial e
da perseguição aos judeus e finalmente a história inventada por Guido para proteger o filho da
realidade cruel vivida nos campos de concentração.

Relativamente à história de amor Guido, (Roberto Benigni) é um jovem que deixa o campo e vai
para a cidade com um amigo. O tio Giustino Durano dá-lhe alojamento e enquanto não realiza o
sonho de ter uma livraria, trabalha num hotel luxuoso como empregado de mesa. Conhece e
apaixona-se por Dora (Nicoletta Braschi, mulher de Roberto Benigni na vida real), uma
professora que pertence a uma família fascista e que está noiva de um oficial fascista.
Gradualmente Guido consegue conquistar o coração daquela a quem chama principessa graças
à sua espontaneidade, sentido de humor e romantismo. Ao querer ver Dora, vai à escola e faz-se
passar por inspector das escolas, cena que através do humor desmascara a ideologia já
existente de que há uma distinção entre raças.(ver episódio). Guido contraria a ideia de que
existem raças arianas, ou seja, raças superiores capazes de manter culturas e civilizações.
Podemos observar no fundo da sala de aula um cartaz com a palavra “Fascista” e estes alunos
eram moldados de forma a respeitarem a ideologia deste regime político. O realizador confere
realismo ao filme com pormenores nomeadamente as inscrições nas lojas onde se lê que estão
proibidos os cães e os judeus- isto era uma prática comum em muitos estabelecimentos
italianos depois de 1938. O diálogo entre famílias fascistas também denunciam como estas
pessoas calculavam os gastos que os deficientes significavam para o estado, vendo o
extermínio como a melhor solução.

Guido e Dora casam-se, nasce Giosué e vivem humildemente como donos duma pequena
livraria.

Se o filme ficasse por aqui diríamos que se tratava de um romance cómico, pois todos os
encontros e desencontros são marcados por episódios hilariantes, que em alguns aspetos se
assemelham às cenas de Charlie Chaplin em que este corre, cai ou foge criando peripécias
cómicas.

A banda sonora escolhida para o filme coaduna-se com o momento da ação. Na


primeira parte ouvimos a música clássica de Nicola Piovani, “Buongiorno Principessa” que nos
transmite a serenidade de um amor profundo. Contudo, esta serenidade é quebrada na
segunda parte do filme, a segunda história que todos conhecemos e que está escrita na história
da humanidade- o Holocausto. O ano de 1944 marca a viragem na ideologia de Benito
Mussolini, ao adotar as teorias nazistas de Adolfo Hitler sobre a pretensa superioridade de uma
raça ariana, e consequentemente a viragem na história da vida de Guido e da sua família. No dia
do aniversário de Guisoé, recebem a ordem e são transportados até a um campo de
concentração na Alemanha. Dora não sendo Judia pede para a levarem também. As imagens do
campo de concentração são desoladoras mas não atingem o dramatismo das de filmes como a
lista de Schindler e isto porque Guido cria uma terceira história. Inventa uma viagem, inventa
um jogo, uma competição para conseguir a colaboração do filho de modo a que este não seja
apanhado e para o manter focado no prémio que pode ganhar – um tanque de guerra
verdadeiro.

A música “La noite de fuga” dá algum dramatismo aos episódios vividos no campo de
concentração. E é ainda através da música que Guido consegue comunicar com Dora. Enquanto
servia alguns soldados alemães conseguiu colocar uma grafonola a tocar a música da sua
história de amor, invocando, assim o passado e transmitindo uma mensagem de força para
conseguirem sobreviver a adversidade.

Para além da excelente escolha da música, o sucesso deste filme reside na interpretação das
personagens, especialmente de Guido. Benigni não pretende fazer do holocausto um motivo de
riso, mas pretende demonstrar que a única arma que a personagem tinha para enfrentar esta
situação era a imaginação e a comédia. Apesar de Guido ser uma personagem cómica existem
momentos em que essa faceta desvanece. Nos momentos em que está a trabalhar no campo de
concentração, sem a presença do filho lê-se na sua face tristeza e cansaço. Guido podia ter
optado por ser vítima nas decidiu ser o “herói”. Esta sua opção deve-se à entrega total à família
e ao objetivo de impedir que o filho perca a esperança na vida e a sua inocência. É esta
dimensão humana e esta entrega ao outro que faz deste filme uma lição de vida intemporal.

O tio de Guido, transmite alguns ensinamentos a Guido que podem ser aplicados a qualquer
época. Utiliza algumas frases ao longo do filme que são mensagens que podemos aplicar
intemporalmente: “o silêncio é o grito mais poderoso”, o silêncio não implica aceitação, pois
por vezes é uma forma de resistir e por vezes carrega mensagens mais fortes que a palavra.
Outra frase carregada de sentido que utiliza é a seguinte metáfora:” “Lembra-te dos girassóis,
eles inclinam-se sempre para o sol. Se vires um inclinado demais, isso significa que estão
mortos. Estás a servir às mesas mas não és nenhum criado.” A humildade e respeito por
aqueles que servimos não implicam humilhação.

Todas estas frases aliadas à advertência de Benigni no início do filme quando diz ser uma história
nada fácil de contar. “Como numa fábula, existe nela tristeza. E como numa fábula, está
repleta de maravilhas e felicidade”, faz-nos entender que este filme vai mais além de um
relato da realidade cruel do holocausto, pois tal como uma fábula procura deixar uma
mensagem profunda: devemos acreditar que tudo é possível, a força, o pensamento e a
imaginação de Guido não conseguiram conquistar a sua liberdade mas conseguiu a liberdade
do pequeno Guisué.

Esta é uma mensagem para todos nós: é importante manter-se resiliente mediante a
adversidade, manter viva a esperança e a ideia de que para a vida ser bela temos de a encarar
de forma positiva.
Miguel Almeida

Você também pode gostar