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Imagens

Ernest Hemingway

Robin Williams

Pedro Lima

Ao relembrar estes ícones do cinema, da televisão e da literatura surge-nos a questão “Como é


possível alguém, que aparentemente teria tudo para se sentir realizado, ter optado pela
autodestruição?”

Ernest Hemingway, escritor e jornalista disparou a sua arma favorita sobre a cabeça. Embora a sua
esposa tenha inicialmente declarado ter sido um acidente enquanto limpava a arma, mais tarde
acabou por revelar a verdade.

Robin Williams, o celebre ator e comediante não suportou a demência que o ia apagando.
Afirmava frequentemente “Já não só eu” e não conseguiu suportar essa realidade.

O Português Pedro Lima também optou por este caminho após sucessivas depressões.

Atualmente não se pode admitir de forma alguma, argumentos teológicos, sociológicos, filosóficos
ou psicológicos que defendam o suicido como solução para qualquer situação-limite. Contudo
existe alguma controvérsia e oposição relativamente ao modo como classificar ou encarar este
flagelo social.

A. Ao longo da história da humanidade a autodestruição já foi encarada de diferentes formas. Já


houve tempos em que era visto como um ato de coragem e uma questão de honra. Sócrates é
um exemplo clássico, que preferiu beber cicuta (veneno) a abrir mão das suas verdades. Na
Grécia Antiga, estóicos e epicuristas acreditavam que todos tinham o direito de decidir sobre
a hora e a forma que pretendiam morrer. O hinduísmo contava ainda com alguns rituais em
que a mulher suicidava-se após a morte do marido, o que demonstrava uma atitude de
submissão. Se considerarmos o Japão, mais propriamente os kamikazes durante a 2ª Guerra
mundial, entendemos que este povo não considerava o suicídio um crime ou ato desonroso.
Os bombistas suicidas que matam e morrem em nome de uma ideologia julgam estar a
contribuir para o bem de uma sociedade.

B. Ao apontar todos esses exemplos insinuas que a cultura e a época histórica atenuam a
dimensão criminosa que este ato pode ter. Independentemente da época ou cultura, os casos
apontados só podem ser recriminados uma vez que estas práticas especialmente no caso das
mulheres hindus e os kamikazes ou bombistas suicidas, são praticamente impostas, como
podiam, mesmo nessa época, ser consideradas honrosas.

A. Não concordo com estas atitudes mesmo que sejam o resultado de uma cultura, época ou
tradição. No entanto, não podemos deixar de condenar a posição contrária, ou seja, a da
Igreja Católica ou do Judaísmo. Ainda hoje de acordo com o código do Direito Canónico,
qualquer pessoa que voluntariamente põe fim à vida não pode aceder aos sacramentos de
confissão e extrema-unção. A posição do Papa Francisco relativamente à legalização da
eutanásia também aponta neste sentido. Recentemente a carta da Congregação para a
Doutrina da Fé, aprovada pelo Papa Francisco, estende a negação destes sacramentos a quem
deseja interromper a vida, mesmo a aqueles que sofram de uma doença terminal. Na lei
islâmica, o suicídio é considerado um crime mais grave que o homicídio e assim isolam o
corpo do suicida para que este não exerça influência maligna sobre os vivos. Cada individuo é
um caso e será que a religião é tão intransigente ao ponto de nem reflectir sobre o sofrimento
que terá levado alguém a cometer tal ato?
B. Entendo a tua perspetiva, mas a questão também pode ser colocada de outro modo. A Igreja
tem como doutrina a defesa da vida e atribuí apenas a Deus o poder de dar a vida e de a tirar.
Muito embora não concorde com todas as posições da Igreja, julgo que os crentes em
situações limite, como é o caso do suicídio conseguem apoiar-se na fé evitando muitas vezes
este fim trágico.

A. Podes ter alguma razão, contudo não podemos viver apenas por medo de um castigo divino.
O homem tem livre-arbítrio de fazer as suas escolhas, ou seja, é livre e isso significa que pode
fazer o que achar correto com a sua vida.
B. Esse teu argumento não tem qualquer fundamento. Ser livre não significa fazer tudo que nos
apetece em determinado momento. O suicídio não pode ser encarado dessa forma. Eu só
consigo explicar o suicídio como o resultado de cobardia, egoísmo ou então doença. A este
propósito evoco o filósofo Albert Camus. Aqueles que afirmam que Deus não existe
conquistaram a liberdade e então porquê matar-se? Camus afirma no seu ensaio “O Mito de
Sísifo”: “o maior problema da filosofia é o suicídio.” Sísifo foi condenado a repetir
eternamente a tarefa de empurrar uma pedra até ao cimo de uma montanha, sendo que, uma
vez alcançado o topo, a pedra rolava até ao ponto de partida. Sísifo aguentou este absurdo
porque odeia a morte. Contudo, viver não significa aceitar tudo. Este mito é a metáfora do
mundo moderno em que o operário é condenado a suportar tudo, no entanto isto não pode
conduzir ao suicídio mas antes à revolta e à procura de sentido.

A. Essa é uma perspetiva filosófica que se afasta da realidade. Hoje em dia, o homem enfrenta
graves problemas sociais, económicos, familiares e até pessoais. Quantos indivíduos de todas
as idades vivem estados depressivos, que aparentemente não têm sentido, mas que por vezes
conduzem ao suicídio. Só tem coragem de tomar esta atitude quem não encontra sentido na
vida, tornando-se esta assim insuportável.

B. Sim, concordo mas para um indivíduo chegar a esta situação limite significa que alguma coisa
falhou: a ausência de contactos próximos e atentos. Julgo que alguém que comete este flagelo
deve ter demonstrado sinais. Todos temos responsabilidade social, ou seja, de apoiar os que
nos rodeiam.
A. Infelizmente por vezes são essas pessoas que nos rodeiam que também nos desiludem ou
simplesmente nos ignoram. Na sociedade em que vivemos hoje as pessoas estão sempre
muito ocupadas com os assuntos que lhes dizem respeito e por vezes não prestam atenção ao
outro ou então preferem acreditar que está tudo bem.

B. Há pouco referiste fatores económicos, sociais e familiares como causas deste ato. Na
verdade são em muitos casos. No entanto, frequentemente, o suicido é o desfecho de
problemas existenciais e da não-aceitação do “eu”, ou então da realidade em que vive. Estas
questões existenciais levam-nos a pensar no autor português, Virgílio Ferreira, que afirma
inclusivamente: “Salvar a vida, até onde é possível, mesmo à custa da morte. É o ato do
suicida”.

A. Se bem entendi, referes-te aos casos em que existe uma contradição entre o que
acreditamos/desejamos e o que é esperado de nós. A personagem Sofia da obra Aparição
personifica esta ideia. Contrariamente a Sísifo, ela tanto fecha-se consigo como revolta-se,
fala contra a ordem e a ideia de Deus criador e poderoso. O pai mandou-a para um colégio, no
entanto o seu desespero e coragem levou-a a duas tentativas de suicídio.

B. Outro exemplo é o caso de Bailote, o homem de pelico perto de um monte, num


descampado: “Raros homens de pelico vão andando pela estrada para o deserto do seu
destino. Um ou outro aparece solitário, no meio do descampado” (pág 52). Não tendo nada a
ver com a obra é curioso que hoje em dia o Alentejo seja o local onde se regista maior número
de suicídios em Portugal. No meu entender, o isolamento contribui em grande parte para esta
realidade.

A. A interpretação da personagem de Bailote vai muito para além dessa realidade. Bailote não
era um Sísifo que aceitava o absurdo da vida. O que conduziu Bailote a esta situação-limite foi
o facto de perder o seu dom de semear, de gerar a vida. Bailote aparece como um ser
pensante que se distancia do resto dos habitantes que o cercam. Reflete, tem consciência da
morte e não aceita viver a vida não existindo. A mãe de Alberto aceita pacificamente essa
situação e espera a morte com calma, o que reflete a sua crença numa vida eterna. Bailote
recusa essa vida e revela coragem ao colocar fim a esse tormento. Bailote passa de criador a
destruidor.

B. Volto a insistir, não podemos ver o suicídio como um ato de coragem. Perante um problema
não se pode desistir à primeira. Será que Bailote não pensou na família, nos filhos que deixou
órfãos?

A. Ato de cobardia e egoísmo não! O ato suicida não é o resultado de um momento, é o


acumular de diversos momentos. Bailote como tantos outros trabalhadores foi explorado até
ao limite, talvez antecipando o seu estado de decadência física e até psicológica. A
autodestruição não resulta de um único momento. Bailote parece uma personagem sem
importância na obra mas tem algo em comum com Alberto, reflete sobre a sua existência.
B. Agora que referes esse aspeto há algo curioso que une algumas personagens e as distingue de
outras. Esta personagem vive num monte, num plano superior, ou seja numa elevação, tal
como Alberto que tem as suas origens na serra e materializa a sua vontade de viver na casa do
alto. Contrariamente, Chico vive no rés-do chão, mais perto do material e do imediato. Bailote
prefere morrer a existir sem fazer o que dá sentido à sua vida – semear. Bailote assumiu o
papel de deus. Tal como tinha o poder de criar também assumiu o poder de matar.

A. Contudo, Bailote não tomou essa decisão sem antes recorrer a ajuda. Bailote procurou a
ajuda do Dr. Moura, pois queria curar a sua mão, razão pelo qual sofria. Mas qual foi a
reacção do Dr. Moura? Desprezo e indiferença. O tempo passou por Bailote e o processo de
envelhecimento excluiu-o do mundo em que vivia e para o qual vivia. Esta notícia equivale a
roubar-lhe o sentido da vida. No entanto, Bailote procura auxilio na beira da estrada. No
entanto, alguém barra-lhe o caminho da vida. O médico apenas preocupado com o bem físico,
corporal, não se questiona sobre a vida e a existência. Desvaloriza a angústia de Bailote e
segue o seu caminho.

B. Aliás, anteriormente em sua casa Dr. Moura partilhou uma opinião que infelizmente ainda é
hoje partilhada, ou seja doença é a que afeta o nosso corpo, os nossos órgãos vitais. Dr.
Moura admitiu não saber nada sobre a fisiologia dos sonhos acrescentando que se “o irmão
corpo” está tranquilo, os sonhos são mais razoáveis”. A incompreensão do outro não ajuda a
enfrentar a desilusão ou doença psicológica.

A. Esta falta de sensibilidade não pode ser transformada em culpa. Há tendência para transferir a
culpa para o outro, aquele que não deu atenção. Tal é descabido, pois muitas vezes quem vive
em sofrimento esconde o que pensa, sente, o que o inquieta e não partilha esta inquietação
com os que o rodeiam. Alberto encara esta situação como o acto puro. Eu considero que é
apenas o resultado de uma profunda doença psicológica sobre o qual o individuo perde
controlo.

B. Tens razão contudo, a sociedade tem tendência a apontar o dedo ou procurar culpados. As
próprias pessoas mais próximas auto responsabilizam-se. O próprio Alberto culpa-se por se
ter mantido em silêncio e não ter dito a Bailote: “É tarde já, meu velho, não semeeis, resigna-
te a ser tu semeado, é tarde já”. Alberto consegue encontrar a tranquilidade que procurava e
aceitou a morte como certa e portanto aconselha Bailote a viver e não se achar responsável
pela vida.

A. Viver a vida não significa aceitar tudo e acomodar-se. A vida é o bem mais precioso e não
podemos deixar de lutar. Não podemos nos deixar derrotar. Mesmo quando a morte chega
continuamos na memória dos que nos conheceram e essa não deve ser negra mas sim feliz.

B. Encontrei uma citação de Virgílio Ferreiro que de certa forma contraria um ponto que
mencionaste. Desejar a morte não é sinónimo de derrota mas sim de cansaço. Virgílio
escreve: “Porque o que custa a suportar não é a derrota ou o triunfo, mas o tédio, o fastio, o
cansaço, o desencorajamento. Vencer ou ser vencido não é um limite. O limite é estar farto”.
Desse modo temos de inventar todos os dias formas de vencer a monotonia e o cansaço.

A. O tema do suicídio é frequentemente evitado como tema de debate, pois há quem considere
que ao ser abordado nos media poderá levar pessoas mais fragilizadas a considerar esta
autodestruição como uma solução. Pessoalmente, não concordo com esta posição, pois as
pessoas precisam de falar e ouvir os outros.

B. Sim, parece que este tema só vem à discussão quando existe o chamado “pânico moral” por
parte da sociedade, em resposta a casos concretos de suicídio. Um desses momentos ocorreu
em 2017, aquando da divulgação do jogo online “baleia azul”, um desafio com 50 etapas, na
qual a última é o suicídio. Este jogo deu lugar à discussão pública e o estudo deste tema.

A. Aí está a questão: tal como a personagem Alberto defende O homem tem de reflectir sobre a
sua existência, de interrogar-se, não é evitar os assuntos ou acreditar num Deus que resolve
tudo com a ideia de eternidade. O herói não é o que procura uma saída simples, que não
interroga, mas sim o que pensa, fala, grita, chora, ri, enfrenta e ultrapassa.

B. Apesar de alguns pontos de vista diferentes a verdade é só uma: nada nem ninguém pode ser
razão para apagar a nossa existência.

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